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IRACEMA
Autor: José de Alencar
Movimento Literário: Romantismo brasileiro, século XIX.
Características:
Estilo: ousado e inovador. José de Alencar rompeu
com padrões estilísticos e gramaticais do português
literário do século XIX. Procurou criar uma língua
brasileira, usando vocábulos de origem indígena.
Extremamente lírico, Iracema transformou-se em
um dos mais louvados poemas em prosa da
literatura brasileira. Alencar utiliza adjetivação e
comparações abundantes, pontuação excessiva e períodos coordenados.
Narrador: embora às vezes utilize a 1ª pessoa ao
se colocar na narrativa, o romance é predominantemente narrado em 3ª pessoa.
Cenário: primórdios da colonização, século XVII,
com a chegada dos primeiros portugueses em terras
brasileiras, ainda virgens. O autor fantasia o
enredo, o espaço e o tempo ao criar uma lenda que metaforiza as origens do Ceará.
Personagens:
• Iracema: a virgem dos lábios de mel, guardiã da
bebida sagrada de jurema, filha do pajé da tribo
tabajara, o velho Araquém. Mulher de fibra,
corajosa, que não hesita em abandonar seus
valores, sua tribo, sua família e sua condição de
sacerdotisa para entregar-se e viver um grande
amor. Simboliza a terra brasileira: dócil, mas
enérgica, acolhedora e pronta para receber o
estrangeiro amigo. Simboliza também o processo de aculturação que o indígena brasileiro sofrerá.
• Martim Soares Moreno: guerreiro branco,
amigo dos pitiguaras (habitantes do litoral), inimigo
dos tabajaras. Representante do colonizador
português, é enaltecido como bravo, valente, fiel,
cristão, pronto a enfrentar os perigos para proteger
os interesses de sua pátria. Envolve-se com
Iracema, embora guarde lembranças da virgem branca que deixou em Portugal.
• Poti: guerreiro pitiguara, amigo de Martim, a
quem dedicava uma lealdade ímpar. É exemplo do índio aculturado que se torna cristão.
• Caubi: irmão de Iracema, índio tabajara, exemplo de lealdade e dedicação fraterna.
• Irapuã: cacique da tribo dos tabajaras, vingativo
e mau. Apaixonou-se por Iracema e por ela foi
capaz de investir e incentivar a luta contra os guerreiros liderados por Martim e Poti.
• Moacir: filho de Iracema e Martim, simboliza o nascimento do primeiro brasileiro.
Enredo: Publicado em 1865, o livro Iracema recebe
o subtítulo “lenda do Ceará”. Exemplo do indianismo
romântico, carrega o fardo idealista de heroísmo e
pureza sem mácula, valorizando o passado nacional
para justificar o presente – a independência política
de Portugal. Iracema, “a virgem dos lábios de mel,
que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna e mais longos que seu talhe de palmeira”, é
filha do pajé da tribo tabajara e sacerdotisa da
tribo. Apaixona-se pelo guerreiro português Martim,
mas o amor é impossível, por ser ela a guardiã da
bebida sagrada de jurema, devendo sempre
manter-se casta. Ao tornar-se esposa de Martim,
abandona a tribo e rompe com suas tradições.
Martim e Iracema vivem um belo amor na floresta,
mas os trabalhos de guerra separam os felizes
esposos. A índia dá à luz uma criança – Moacir, o
filho da dor –, símbolo da união do branco com o
índio, que marca a origem do povo brasileiro. Ao
retornar, Martim encontra Iracema à beira da
morte. Enterra-a ao pé de uma palmeira: o lugar
passa a se chamar “Ceará”. Martim parte para
Portugal em companhia do filho e retorna quatro anos depois, para implantar a fé cristã.
MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS
Autor: Machado de Assis
Movimento literário: realismo.
Características
Estilo: linguagem clara, precisa, enxuta. Exploração
do aspecto psicológico. Capítulos curtos, digressões
com finalidade argumentativa, reflexiva ou
explicativa. Constantes interferências do narrador
por meio de comentários/diálogos dirigidos ao leitor. Ironia, pessimismo, humor.
Narrador: 1a pessoa, Brás Cubas. Narrador onisciente, já morto. Analítico, cético.
Cenário: Rio de Janeiro, século XIX, camadas mais privilegiadas.
Personagens:
• Brás Cubas: personagem-narrador. Apresenta-se
como morto que pretende analisar sua vida e a
sociedade que o cerca, e, por meio disso, registra a
hipocrisia das instituições burguesas. Sua forma de
ver o mundo permite a escrita de um romance de
memórias em que sobressaem símbolos e metáforas
com as quais coloca a volubilidade perante o mundo e a inefabilidade em relação a outros personagens.
• Marcela: prostituta espanhola, conhecedora
profunda da arte de seduzir. Primeira experiência
amorosa do narrador, que durou “quinze meses e onze contos de réis”.
• Virgília: filha do conselheiro Dutra, jovem
sedutora que encantou Brás Cubas. Ambiciosa,
trocou o narrador-personagem por Lobo Neves, que
lhe prometera um título de nobreza. Tornou-se amante de Brás Cubas.
• Eugênia: filha ilegítima de D. Euzébia e Vilaça,
por isso chamada de “flor da moita”. Coxa de
nascença. Brás Cubas teve um breve namoro com ela tão logo retornou da Europa.
• Quincas Borba: filósofo fundador de uma teoria
filosófica chamada Humanitismo, que pode ser
resumida na máxima “Ao vencedor as batatas”.
Colega de escola do narrador, torna-se mendigo e
rouba o relógio de Brás Cubas. Herda enorme
fortuna e aproxima-se do antigo colega. Morre louco após queimar todos os seus manuscritos.
• D. Plácida: viúva e antiga ama de Virgília.
Acoberta as relações ilícitas de Brás Cubas com Virgília mediante pequeno pecúnio.
• Outros personagens: Sabina (irmã de Brás
Cubas), casada com Cotrim. Arranja um casamento
para o irmão com Nhá Loló, que não chegou a ser
consumado, pois a jovem faleceu. O pai de Brás
Cubas interfere no relacionamento com Marcela,
manda o filho para Europa e arranja seu
relacionamento com Virgília, visando colocá-lo na política.
Enredo: romance datado de 1881, torna-se um
divisor de águas na obra de Machado de Assis e na
literatura brasileira. Antes dele, o Romantismo;
depois, o Realismo. Escrito em primeira pessoa por
um defunto autor, isto é, por um morto que se
propõe a repassar sua vida escrevendo suas
memórias.
Paradoxalmente, Brás Cubas morreu perseguindo a
imortalidade. Ao idealizar um emplasto que levaria
seu nome, contrai uma pneumonia e falece com
pouco mais de sessenta anos. Após revelar algumas
características de sua morte e dos momentos finais
da vida, o narrador-personagem dá um salto e volta
à infância, revela suas origens familiares, relata o
caso amoroso com a prostituta espanhola Marcela,
que o amou por “quinze meses e onze contos de
réis”, narra sua paixão por Eugênia, a quem
abandona por ser coxa e, finalmente, revela seus
amores adúlteros por Virgília, esposa de Lobo
Neves.
Brás Cubas é um hábil observador e revela as
hipocrisias da sociedade em que vive, sempre
tingindo a realidade com boa dose de humor eironia.
Destaca-se ainda no livro o reencontro com o
filósofo Quincas Borba, autor de uma saborosa
doutrina filosófica – o Humanitismo– sintetizada na
máxima “ao vencedor as batatas”. O estilo de
Machado de Assis é único. Em linguagem concisa e
precisa, procura dar vazão a seu dom de observar
com olhos críticos a sociedade mais abastada do Rio
de Janeiro, bem como a alma humana e suas
fraquezas.
A segunda metade do século XIX é retratada por
meio das relações humanas e sociais, tingidas com
as marcas machadianas por excelência:
pessimismo, ironia e humor. Destacam-se capítulos
que são verdadeiras joias do romance brasileiro,
entre eles, “O velho diálogo de Adão e Eva”, “Das
negativas”, “O delírio” e “O que escapou a
Aristóteles”, sem esquecer a irônica e bem-
humorada dedicatória feita ao verme que primeiro roeu suas frias carnes.
A Relíquia
Autor:Eça de Queirós
Movimento Literário: Prosa Realista – Naturalista ( em Portugal)
A ação centra-se em torno de Teodorico Raposo – o protagonista e narrador.
Teodorico vivia com uma velha tia, rica e muito
devota. Por influência de um amigo, Dr. Margaride,
decide aproximar-se da tia e traçar uma estratégia
para herdar a avultada fortuna da velha senhora. Para tal, mostra-se (falsamente) religioso e devoto.
Pede à tia que lhe financie uma viagem a Paris, mas
esta recusa-se terminantemente afirmando que
Paris era a cidade do vício e da perdição. Teodorico
pede, então, para fazer uma peregrinação à Terra
Santa. A tia consente e pede que lhe traga uma
recordação.
O sobrinho leviano parte e, na viagem, envolve-se
com uma inglesa – Mary – que, como recordação
dos momentos que passaram juntos, lhe dá um embrulho com a sua camisa de noite.
Chegado à Palestina, Raposo continua a sua vida profana e amoral.
Mas, aí, tem um sonho no qual se imagina a assistir
a todo o processo de Jesus. Esta é a forma que Eça encontra para negar a verdade da ressurreição.
Antes de regressar, Teodorico lembra-se do pedido
da tia e corta uns ramos de um arbusto e tece com
estes uma coroa, que embrulhou e pôs na sua
bagagem.Entretanto, uma pobre mendiga pede-lhe
esmola e ele deu-lhe o embrulho que (pensava ele)
continha a camisa de Mary.Chegado a Lisboa,
relata, hipocritamente, à tia todas as penitências e
jejuns que fizera durante a peregrinação e oferece-
lhe o embrulho, dizendo que este continha a coroa de espinhos.
A abertura da suposta relíquia faz-se perante uma
imensa audiência de sacerdotes e beatas, num
ambiente de ansiedade. Qual o espanto de todos
quando, em vez do sagrado objeto, surge a camisa
de noite da inglesinha.Este insólito episódio vale a
Teodorico a expulsão de casa da tia e a perda da
fortuna que ambicionava.Para sobreviver, Raposo
passa, então, a vender relíquias da Terra Santa, que
fabrica em grandes quantidades, acabando por
arruinar o negócio.Acaba por compreender a
inutilidade da falsidade e da mentira quando tem uma visão de Cristo.
Arranja um emprego, graças a um amigo do colégio
e casa com a irmã deste. Parecia regenerado da
hipocrisia que o caracterizava, mas ao saber que o
padre Negrão – um dos clérigos que costumava
frequentar a casa de Dona Patrocínio – herdara
desta a Quinta onde ele nascera e que este era
amante de Amélia, uma mulher com quem se
relacionara em tempos e que o havia traído,
Teodorico apercebe-se que tinha perdido a choruda
fortuna por não ter sido ainda mais hipócrita e cínico.
Se naquele dia tivesse tido a coragem de declarar
que aquela camisa pertencia a Santa Maria
Madalena, teria ficado bem visto entre os presentes e herdado a fortuna
As personagens:
• Teodorico Raposo
Personagem central da obra. O pai era padre e a
mãe morreu quando ele nasceu. Perde o pai aos
sete anos. É, então, levado para Lisboa para casa
de uma tia materna, Dona Patrocínio das Neves, beata, católica e muito rica.
Teodorico aprende a adular a horrenda senhora que
o aterroriza, fingindo-se beato. Mais tarde vai para
Coimbra estudar direito; aí liberta-se da tutela da
"titi" e dedica-se aos prazeres da boémia e da carne.
Quando termina a formatura, obtém da tia uma
viagem à Terra Santa.
A obsessão pelo sexo, o fingimento, a cobardia e a
avidez do dinheiro, são as traves mestras do seu
carácter, embora não seja uma personagem antipática. É machista.
Da viagem, traz uma "relíquia" para a tia, que uma
troca inconsciente de embrulhos faz com que seja a
camisa de noite da inglesa com quem convivera em
Alexandria. A tia expulsa-o de casa e perde, assim, a herança que ansiosamente ambicionava.
Fica pobre, mas acaba por arranjar um emprego e
casar-se. Torna-se comendador, prospera e
enriquece.
É, portanto, uma personagem que sofre várias mutações ao longo da obra.
Sabe depois que a "titi" tinha deixado a sua fortuna
ao padre Negrão, um padre falso e imoral, e conclui
que o seu erro foi não ter dito que aquela camisa
era da Santa Maria Madalena, pois todos teriam acreditado.
• D. Patrocínio das Neves
Beata fanática, é o produto burguês típico de um
ambiente de riqueza retrógrado. A descrição da sua personagem tem uma intenção crítica.
Era alta, "muito seca", sempre vestida de preto,
com um grilhão de ouro no peito, e um lenço roxo
sobre a cabeça a apertar no queixo. Usava óculos.
Era solteira e muito rica. Vivia em Lisboa, no campo
de Santana, n.º 47. Tinha dois directores espirituais
- o padre Pinheiro e o padre Casimiro, que será depois substituído pelo padre Negrão.
Tem um verdadeiro ódio ao sexo, chegando mesmo
a remexer os baús das criadas à procura do rasto
de algum homem. De temperamento feroz, não
admite que o sobrinho a odeie. Pouco tempo depois
de ter expulsado o sobrinho de casa, uma
"congestão dos pulmões" acaba por matá-la. A sua
fortuna dispersa-se entre os padres e beatas que a rodeavam, ficando para Teodorico apenas um óculo.
• Dr. Margaride
Vivia num prédio seu, em Lisboa. Fora juiz em
Mangualde, mas estava já aposentado. Passava o tempo a ler periódicos.
Homem "corpulento e solene", calvo, sobrancelhas serradas e negras.
Quase nunca estava na sala da "titi" sem contar,
logo da porta, uma notícia pavorosa - não era nada
de grave, mas ele gostava de exagerar e de
impressionar. Tinha esta mania, por ter escrito duas tragédias em novo.
• Padre Negrão
É um clérigo adulador e disfarçado.
É muito magro, "face chupada, dentes afiados e famintos".
Frequentava a casa de Dona Patrocínio, pois viera
para substituir o padre Casimiro, seu tio, que
adoecera. Foi quem mais acusou Teodorico aquando
do episódio da "relíquia". Graças à expulsão de
Teodorico, Negrão vai herdar a Quinta do Mosteiro,
perto de Viana de Castelo, as inscrições do Crédito
Público, a mobília da casa de Santana e o cristo de ouro.
Também fora herdeiro do tio Casimiro, e preparava-
se para herdar a fortuna do padre Pinheiro, a quem
vivia "empanturrando-o com tremendos jantares para lhe apressar o fim".
Para além de tomar a Teodorico a fortuna da "titi",
toma-lhe também a antiga amante que o traíra,
Adélia. Teodorico acaba por lhe comprar a Quinta do Mosteiro.
• Mary
É uma "inglesinha" com quem Teodorico tem um
relacionamento amoroso na Alexandria. É dela a
camisa que causaria o escândalo perante a tia
Patrocínio e a comunidade religiosa presente. Mary
oferecera-lhe a camisa de noite como recordação.
Teodorico, quando uma mendiga lhe pede esmola,
lembra-se desta e dá-lhe o embrulho. Mas, como os
embrulhos eram iguais, em vez de dar a camisa de noite, dá a coroa de espinhos que trazia para a tia.
•Adélia
Natural de Lamego, morava no Salitre quando
Teodorico (ainda estudante) a conheceu. No ano em
que Teodorico acaba a formatura, ela estava já em
Lisboa, num 1º andar do Largo das Caldas. Este
envolve-se de novo com ela, mas acaba por
descobrir que esta o traíra com um tal de Adelino, a
quem dava o dinheiro que lhe extraía. Adélia será, mais tarde, amante do padre Negrão.
•Dr. Topsius
Arqueólogo alemão, Doutor pela Universidade de
Bona, sócio do Instituto Imperial de Escavações
Históricas. Foi companheiro de viagem de Teodorico
à Terra Santa. Dirigia-se para a Judeia e a Galileia
para colher elementos para a sua "História de
Herodes", obra que estava a redigir. Ia também à
Alexandria em busca de material para a "História da Lagides", outra obra.
Era muito magro e pernudo, de tal modo que
Teodorico comparava-o a uma cegonha. "Encovado
na gola, de gedelha caída, o nariz agudo e pensativo, a calça esguia".
Com apenas vinte e dois anos já havia esclarecido
em dezanove revistas do "Boletim Hebdomadário de
Escavações Históricas" a "questão vital para a civilização".
Era um cobarde, petulante e hipernacionalista.
Topsius funcionava como um guia de Teodorico e
vai instruindo este. Vai publicar mais tarde
"Jerusalém passada e comentada", onde fala de Teodorico "com admiração e saudade".
O CORTIÇO
Autor: Aluísio Azevedo
Movimento literário: Naturalismo.
Características
Estilo: linguagem correta e culta, com frases bem-
talhadas e precisas, mesclada com o registro fiel da
oralidade em diálogos que retratam os falares do
povo. Outro traço marcante é o emprego de
sinestesias, bem como o largo uso de metáforas e
imagens que associam os homens a animais (zoomorfismo).
Narrador: 3a pessoa. Narrador onisciente e, por
vezes, parcial. Ele força as tintas na denúncia da
vida parasitária, viciosa e torpe das camadas
abastadas; já as camadas populares – e sofredoras
– são expostas com flagrantes de simpatia e
vivacidade, mas sempre cumprindo a tese de que o meio determina o homem.
Cenário: Rio de Janeiro, no século XIX. É a época
do desenvolvimento da cidade grande, que, ao
crescer, recebe um imenso contingente de
trabalhadores pobres e paupérrimos. O cenário,
esquematicamente, pode ser visto como ponto
(espaço do cortiço, de João Romão) e contraponto (espaço do sobrado, de Miranda).
É do embate inevitável desses dois meios contíguos
que irão despontar os dramas, as humilhações, a
ganância, a inveja, as misérias e toda a degradação humana e moral das personagens.
Personagens:
• O cortiço: a rigor, não constitui um personagem,
e sim um ente abstrato. No contexto da obra,
todavia, o cortiço é delineado de uma forma
orgânica e viva; ele é um grande organismo, cujas
células são os moradores que nele habitam. Com
efeito, as mudanças psicológicas dos moradores se
traduzem em mudanças físicas do cortiço, e vice-versa.
• João Romão: é o elemento-chave da narrativa. O
português é o exemplo acabado da ganância,
avareza e mau-caráter. Fisicamente, é baixo,
desleixado, malvestido; humanamente, é o retrato
perfeito da abjeção e chega a ser repulsivo. Sua
ânsia por rivalizar e vencer Miranda leva-o a um
comportamento doentio, no qual o roubo, a
exploração e a falsificação são condutas normais.
Chega a comer restos de comida para economizar e,
assim, enriquecer.
Conforme ascende socialmente, vai se
transformando: veste-se melhor, compra móveis e
utensílios, escova os dentes, etc. O compromisso de
ascensão social surge com o casamento arranjado com Zulmira, a filha do comendador Miranda.
• Miranda: o grande êmulo de João Romão.
Português de origem humilde, ex-caixeiro que
enriqueceu ao se casar com Dona Estela; vive um
matrimônio de aparências e de ódio. Suspeita de
adultério da esposa. Guarda um título de nobreza e
mora num sobrado luxuoso.
Leva a vida mundana da alta sociedade e é, em tudo, invejado e copiado por João Romão.
• Bertoleza: escrava que vendia peixes na
quitanda. Torna-se empregada e amante de João
Romão, que mente para ela, alegando ter comprado
sua alforria. No final da trama, com João Romão já
rico, ele irá descartá-la, entregando-a para o antigo
senhor. Revoltada e humilhada, Bertoleza se suicida com a faca que fatiava peixe.
• Rita Baiana: mulata insinuante, sensual,
desperta uma tara em Jerônimo, que a deseja como
um animal no cio. Cheio de luxúria e cobiça,
Jerônimo manda matar, a pauladas, o namorado de Rita, Firmo.
• Firmo: mais que namorado de Rita Baiana, Firmo
simboliza o cortiço rival e vizinho, o “Cabeça de
Gato”, que vai se deteriorando progressivamente,
na mesma medida em que o cortiço de João Romão ganha força e cresce.
• Jerônimo: português, adotado como símbolo de
uma tese determinista – a da influência do meio. De
homem íntegro e laborioso, Jerônimo vai se
“abrasileirando”, e se faz malandro, lascivo e rude.
Foge com Rita Baiana, deixando a mulher à míngua,
que também se deteriora e perde-se na promiscuidade.
• Pombinha: a menina mantém uma relação
homossexual com a prostituta Léoni. A primeira
menstruação é a linha divisória da vida de
Pombinha, vista daí em diante como mulher.
Pombinha passa de símbolo da inocência e meiguice para desregrada e decaída.
• Albino: tipifica o elemento homossexual, que vive entre as mulheres.
• Bruxa: figura importante, pois ateará fogo ao
cortiço, permitindo sua reforma e posterior melhoria de clientela.
Enredo: o enredo é bastante simples. João Romão,
pequeno comerciante, desvia o dinheiro da negra
Bertoleza, destinado à sua carta de alforria, e, com
ele e algumas poucas economias, constrói um
armazém e algumas casas populares (barracos) para aluguel.
Numa dinâmica capitalista, reinveste o lucro dos
aluguéis no próprio negócio e, às custas de
economia sobre economia, sacrifício pessoal e
descarado roubo, vai erguendo um pequeno
império, que compreende os barracos, uma pedreira
e a sua venda. À margem do enriquecimento de
João Romão, desenrolam-se os dramas pessoais dos
moradores do cortiço, que se veem continuamente
endividados e presos à usura do comerciante. Com
o tempo, João Romão atinge o status pretendido,
ingressando na vida fútil da fina sociedade. O
cortiço, paralelamente, se desfaz (pelo incêndio) e
se refaz como fênix, tornando-se agora moradia de
gente mediana, de melhor situação social e econômica.
VIDAS SECAS
Autor: Graciliano Ramos
Movimento literário: Modernismo (2a geração/1930 -1945).
Características
Estilo: seco e econômico. O autor usa poucas
palavras, e palavras exatas. A adjetivação farta, os
ornamentos linguísticos, a expressão rara, etc.
cedem lugar a uma redação concisa. As frases são
curtas, diretas e nos remetem apenas ao essencial,
ao “concreto” descrito nas cenas. Por meio de seu
estilo e vocabulário, Graciliano Ramos ambienta seu
livro no mundo desolador das secas, que, em
muitas passagens, remete o leitor às características do Naturalismo.
Estrutura: Vidas secas é o último romance de
Graciliano Ramos e a única experiência do autor
com foco narrativo em terceira pessoa. A obra é
construída em forma de espiral, cujo início fechado
(“Mudança”, cap. 1) abre-se no final, com o último
capítulo (“Fuga”) conduzindo as personagens para
um destino inusitado, mas que mantém o elo da desdita, da miséria, da fome e da pobreza.
Entre os dois capítulos-limite são constituídos 11
quadros, que, aparentemente, nada têm em
comuma não ser os personagens e a paisagem. Um
tênue fio narrativo faz o leitor conhecer a história de
uma família de retirantes nordestinos que foge da
seca, encontra período de passageira estabilidade e
parte novamente em retirada, quando as chuvas deixam de cair, prenunciando novo período de seca.
A economia (de estilo, de linguagem, de vida e de
cenário) pode ser destacada como característica básica do volume.
Personagens:
•Fabiano: homem rude, de pouco falar. Assusta-se
com o desconhecido, é desconfiado e manipulado
pelos poderosos. Identifica-se com os bichos, o que
denuncia a condição subumana a que está
confinado. Seu modo de ser e de viver muitas vezes
aproxima-o do modo de ser e viver de um animal, no processo conhecido como zoomorfização.
• Sinha Vitória: versão feminina de Fabiano. Seu
sonho é ter uma cama de couro, igual à de seu
Tomás da bolandeira.
• Os meninos: referidos como “o menino mais
novo” e “o menino mais velho”, não recebem
nomes. O texto deixa entender que os garotos
perpetuarão o mesmo tipo de vida dos pais, compondo um círculo vicioso.
• Baleia: a cadela é a personagem que mais se
assemelha a um “ser humano”. É solidária,
atenciosa e amiga. Baleia é o elemento que confere
humanidade ao grupo, sendo exemplo de antropomorfização.
• Soldado amarelo: símbolo do poder autoritário,
que subjuga Fabiano e todos aqueles que como ele vivem.
Enredo: o volume não tem um enredo
propriamente dito. É composto por 13 quadros que
acompanham uma família de retirantes, desde
"Mudança" (1º cap.) até "Fuga" (13º cap.) numa
estrutura circular. Entre os dois quadros,
encontram-se Fabiano, Sinhá Vitória, dois filhos e
uma cadela que sofrem as agruras de uma terra
seca e pouco produtiva. A família tem um breve
período de estabilidade em uma fazenda
abandonada. Com a volta do proprietário, Fabiano
coloca-se diante de um poder amplo que se apodera
gradativamente de suas forças de trabalho e de
seus poucos bens. Ele também tem um encontro
com as forças policiais que constituem o poder
estabelecido, e enfrenta, sem saber, algo que
desconhece: o soldado amarelo. Uma série de
desgraças ocorre: a família perde a cadela Baleia -
muitas vezes foi responsável pela sobrevivência
deles - e são amedrontados pela perspectiva de um
novo período de seca. Só lhes resta fugir para outro
lugar desconhecido, que poderia ser no mesmo
meio ou uma cidade. Acompanha-os uma breve esperança, mas, possivelmente, novas desilusões.
MINHA VIDA DE MENINA
Autora: Helena Morley
Movimento literário: De difícil classificação, o livro
escrito entre os anos de 1893 e 1895 cai no gosto
dos modernistas brasileiros desde o lançamento em
1942. Até hoje, são diversas edições que se
transformam em um clássico no gênero em que foi escrito.
Características
Estilo: Leve e solto como deve ser o escrito de
uma menina-moça. A narradora utiliza uma
linguagem clara, precisa, sem meandros, simples e
informal, com muitas passagens próximas do
coloquial. Helena Morley, pseudônimo de Alice
Dayrell Caldeira Brant, ambienta seu livro no
interior de Minas Gerais e registra com fidelidade a
vida de Diamantina no final do século XIX, sempre
usando a espontaneidade como forma de se referir a si mesma, a suas dúvidas e anseios.
Momento histórico: Em uma época de grandes
transformações sociais marcadas pela Abolição e
pela Proclamação da República, o diário da menina
mostra os impactos que os acontecimentos
históricos provocaram na população e como as
famílias conviviam com os ex-escravos (recém-
libertos) e com as notícias do novo regime político.
Diamantina permanece praticamente esquecida de
grandes movimentações políticas, mas são comuns
as opiniões emitidas por partidários de pontos de vista específicos.
Estrutura: Escrito entre 1893 e 1895
(precisamente de 5 de janeiro de 1893, quinta-feira,
a 31 de dezembro de 1895, terça-feira) por
sugestão do pai, a menina-moça Helena revela, por
meio de um diário, aspectos de sua vida em
Diamantina, Minas Gerais. Ela relata episódios
marcados pelo humor ou anedótico, histórias do
cotidiano da cidade, da vida da família, da riqueza
proveniente dos diamantes e das minas, das
dificuldades vividas pelo pai – que não obtinha bons
lucros nas escavações –, da vida escolar, entre
outras. Como não há uma linearidade narrativa,
apenas uma cronologia, o livro pode ser lido
aleatoriamente, sem que a leitura fique truncada ou
prejudicada. O livro termina abruptamente,
despertando a curiosidade do leitor que, de repente,
fica órfão e pressente que existem muitas outras
coisas a serem contadas e que foram propositalmente omitida
Personagens:
•Helena: Personagem-narrador, inteligente,
crítica, agitada, comunicativa, prática e insubmissa.
Estudante da Escola Normal, instituição responsável
pela formação de professores. Seu respeito aos
negros, aos mais velhos e à família e sua rigidez de
conduta a tornam uma representação da mulher independente e forte.
•Carolina Morley: Mãe de Helena, abnegada,
religiosa, de “riso solto”, casada por amor e
responsável pela família, enquanto o marido vive nas minas.
•Alexandre Morley: Pai de Helena, representa
valores ingleses. Passa boa parte do tempo na
lavra, mas não consegue sucesso nas extrações.
Tem a vida nos eixos somente quando lhe oferecem um emprego na Companhia Boa Vista.
•Teodora: Avó de Helena, viúva, rica, tinha
negros escravizados e, com a Abolição, decide
mantê-los, agora libertos, em sua chácara. Seu filho
Geraldo é quem tomava conta de sua fortuna e não
deixava margem para gastos "extras", como, por
exemplo, auxiliar a filha, Carolina. Religiosa e
defensora dos valores da Igreja, tem um carinho especial por Helena.
•Tia Madge: Inglesa, irmã de Alexandre, procura
educar Helena, ensinando-lhe economia e etiqueta.
Espera fazer da moça sua sucessora, para que Helena tenha independência.
•Outros personagens: Renato, irmão mais velho;
Luisinha, mais nova que Helena; Nhonhô, mais novo
e pouco presente na obra. São frequentes as
citações a tios, parentes, vizinhos, primos e agregados.
CLARO ENIGMA
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Movimento literário: Modernismo
(2a geração/1930 -1945).
Características
Claro enigma, publicado em 1951, reúne 41 poemas
distribuídos em seis seções:
“I. Entre lobo e cão” (18 poe mas); “II. Notícias
amorosas” (7 poemas); “III. O menino e os
homens” (4 poemas); “IV. Selo de Minas” (4
poemas); “V. Os lábios cerrados” (6 poemas); “VI.
A máquina do mundo” (2 poemas). A epígrafe,
recolhida de Paul Valéry -
“Lesévénementsm’ennuient”- (“Os acontecimentos
me entediam”) revelam a desilusão do poeta que vê
desmoronarem suas convicções ideológicas: o
socialismo não foi solução e a visão do tempo e do
homem, pós-2a Guerra, o entediam e o fazem
refletir. A introspecção está acentuada e sua visão
de mundo transcende a esperança que vislumbrou
no livro anterior A rosa do povo.
Desconstroem-se os arquétipos, o poeta sente-se
mais deprimido e melancólico e sua visão de mundo fecha-se no confronto entre o eu e o mundo.
Entre os poemas que compõem o livro, “A máquina
do mundo” é considerado pela crítica um dos mais
belos e intrincados da literatura brasileira.
O título remete a Os Lusíadas, de Camões, no
episódio em que a deusa Tétis mostra a Vasco da
Gama as engrenagens da máquina do mundo. O eu
lírico recebe a visita da máquina e a desdenha, recusando-se a conhecer e desvendar a história.
I. Entre lobo e cão: nos 18 poemas que compõem
a primeira parte de Claro enigma é possível
constatar não somente os preceitos conceituais que
nortearão o poeta, como a proposta estética que
recuperará as formas tradicionais do fazer poético,
utilizando versos mais longos e metrificados. Coe
xistem ao lado dos versos livres, prosaicos.
Continuam constantes o apelo à metalinguagem e
aos desconcertos do mundo, o pessimismo e a
maneira de dialogar com aspectos da filosofia,
pontuados por algumas questões existenciais.
Compõem esta seção os poemas: “Dissolução”,
“Remissão”, “A ingaia ciência”, “Legado”,
“Confissão”, “Perguntas em forma de cavalo-
marinho”, “Os animais do presépio”, “Sonetilho do
falso Fernando Pessoa”, “Um boi vê os homens”,
“Memória”, “A tela contemplada”, “Ser”,
“Contemplação do branco”, “Sonho de um sonho”,
“Cantiga de enganar”, “Oficina irritada”, “Opaco” e “Aspiração”.
II. Notícias amorosas: essa parte é dedicada à
temática amorosa. O poeta faz reflexões sobre o
amor e os desencontros da relação que acarretam
sofrimento. Fazem parte de “Notícias amorosas” os
seguintes poemas: “Amar”, “Entre o ser e as
coisas”, “Tarde de maio”, “Fraga e sombra”,
“Canção para álbum de moça”, “Rapto” e “Campo de flores”.
III. O menino e os homens: o poeta revisita a
memória e a lembrança da família e dos entes
queridos. São poemas marcados pelo pessimismo.
Nessa parte estão: “A um varão que acaba de
nascer”, “O chamado”, “Quintana’s bar” e “Aniversário”.
IV. Selo de Minas: traz a marca pessoal e
autobiográfica, temas que acompanham o poeta
desde a publicação de Alguma poesia. As Minas
Gerais são evocadas a partir de seus elementos
históricos, marcados por um memorialismo
saudosista e tristonho. Estão nessa parte:
“Evocação Mariana”, “Estampas de Vila Rica”,
“Morte nas casas de Ouro Preto”, “Canto negro” e “Os bens e o sangue”.
V. Os lábios cerrados: poemas que mostram um
Drummond mais recolhido, rememorando as
lembranças do pai, fazendo reflexões sobre a
passagem do tempo e a chegada da morte, são
eles: “Convívio”, “Permanência”, “Perguntas”, “Carta”, “Encontro” e “A mesa”.
VI. A máquina do mundo: parte final, em que o
poeta parece resumir as reflexões de toda a obra,
permanecendo seu descaso com o mundo e as
soluções fáceis são descartadas. Somente dois
poemas finalizam a obra: “A máquina do mundo” e “Relógio do Rosário”.
SAGARANA
Autor: Guimarães Rosa
Movimento literário: Modernismo (geração pós-1945).
Características
Sagarana é o livro de estreia de João Guimarães
Rosa. Publicado em 1946, chega louvado pela
crítica, que não hesitou em apontar-lhe
características de um estilo renovador e qualidades
de um ficcionista astuto e observador. O volume é
composto de um conjunto de nove histórias, as
quais o autor chama de estórias, estabelecendo a
diferença entre esses termos na contraposição
ciência/realidade/ficção. Ligadas entre si pelo
espaço em que transcorrem as ações, focalizam o
regional mineiro, captando os aspectos físicos,
sociológicos e psicológicos do homem e do meio
interiorano. O volume revolve o mundo regional dos
“causos” veiculados pela tradição oral, vazados em
uma linguagem híbrida em que se fundem o
coloquial e o refinamento da linguagem erudita,
requintada e criativa de Guimarães Rosa.
Das novelas de Sagarana, duas são relacionadas
com animais (“O burrinho pedrês” e “Conversa de
bois”), mas não apresentam o sentido de fábula
porque os bichos não são humanizados. Os bois e o
burrinho agem, pensam e falam como se o autor
conseguisse captá-los como bichos que são,
desnudando-lhes a vida interior, como se eles
agissem e pensassem com a autoridade e a
consciência de um ser (ir)racional. As demais
novelas apresentam a fixação de costumes e
aspectos marcantes da vida regional: a miséria
física e psicológica dos doentes de maleita, em um
diálogo arrastado e entremeado por surtos da febre
(“Sarapalha”); a crônica dos valentões que burlam a
lei e tornam-se intocáveis, mas que podem ter a
sorte revertida se houver a interferência de forças
sobrenaturais (“Corpo fechado”); o caso de feitiçaria
que cega momentaneamente o protagonista e lhe
serve de aprendizado (“São Marcos”); as
malandragens de um ladino cabo eleitoral que
vende a esposa e depois a recupera de graça
(“Traços biográficos de LalinoSalãthiel”); casos de
amor e de articulação política (“Minha gente”); e
duas histórias que envolvem perseguições (“O
duelo” e “A hora e vez de Augusto Matraga”), essa
última considerada a mais perfeita realização do volume.
Mayombe
Autor:Pepetela
Movimento literário: Modernismo contemporâneo (Angola).
Características
Estilo: linguagem fluida, leve e correta.
Narrador: em 1a pessoa, por meio dos
personagens que fazem relatos de suas experiências
pessoais e em 3a pessoa, em que o próprio autor,
através de suas experiências, expõe as mazelas e os desafios de pertencer a um grupo guerrilheiro.
Cenário: Mayombe é uma floresta tropical situada
na região norte da Província de Cabinda, com
fronteira com o Congo Brazzaville e a República
Democrática do Congo. Apresenta uma densa
vegetação com árvores frondosas e de grande valor
econômico. No livro de Pepetela, serve de pano de
fundo para os guerrilheiros que lá encontram seus
sustentos quando a comida demora a chegar em
seus abrigos. Entre os guerrilheiros e a floresta
existe uma interação simbiótica. Mayombe constitui
uma espécie de extensão da luta representada pela
libertação de Angola em oposição a outros espaços ocupados pelos portugueses (os tugas).
Estrutura do grupo guerrilheiro de Mayombe:
Os guerrilheiros são conhecidos pelos seus codinomes (ou suas funções).
Personagens:
•Teoria: a primeira personagem desse processo
polifônico. Nascido na Gabela, é filho de mãe negra
e pai branco. O fato de ser mestiço o incomoda e,
por isso, vê na guerrilha um modo de expurgar esse “pecado original”.
•Milagre: é a segunda personagem a se
apresentar. Ele pertence a uma determinada tribo,
com hábitos e tradições distintas dos demais.
Mesmo participando do movimento, ainda não rompeu com os traços de sua origem.
• Mundo Novo: no processo polifônico, Mundo
Novo é o terceiro a ter voz na narrativa. Indispõe-se
com Comandante, não chegando a entender
perfeitamente o pensamento e o modo de agir de
Sem Medo, a quem chama de “pequeno-burguês
com traços anarquistas”.
Como marxista-leninista, se diz não egoísta e
acredita que só as massas constroem a História, sem diferenças de cor ou origem.
•Muatiânvua: é outro personagem a tomar a voz
na narrativa. Filho de um mineiro, que morreu
tuberculoso logo após seu nascimento, caracteriza-
se por ser destribalizado, acredita em uma
revolução por e para Angola inserida em um
contexto mais amplo, a África. Sente-se
marginalizado, “posto de lado”. Exerceu várias
atividades – marinheiro, contrabandista, ladrão –
antes de ingressar na guerrilha. Para ele, todas as
imagens se resumem no brilho do diamante, maior riqueza mineral do país.
•André: comandante administrativo de Dolisie. É
relapso e desvirtuado. Comete deslizes de todas as
ordens, o que põe em dúvida não só sua integridade
moral como seu papel de líder. Rivaliza-se com Sem
Medo, não percebendo as intenções do comandante
da base de Mayombe, mas acreditando que ele faz
de tudo para assumir o seu lugar. Seduz Ondina,
noiva do Comissário e é pego em flagrante. É
punido com a perda do cargo que desempenhava e
removido para outro lugar, mas acredita que tudo não passou de um golpe.
•Ondina: é professora em Dolisie. Noiva do
Comissário, não tem com ele uma afinidade sexual
e entrega-se a André e depois ao Comandante. No
entanto, ama o Comissário e divide esse amor com
o Comandante. Ela desiste de ter uma vida ao lado
do Comissário e termina tudo antes de ser
transferida para outro reduto. Entrega-se ao
Comandante nutrindo por ele um misto de amor,
desejo e proteção. Representa a mulher que transforma o meio e as pessoas com que convive..
•Lutamos: único do grupo originário da região de
Cabinda, precisa provar a todos os companheiros
que não é traidor. Ele e Sem Medo guerreiam juntos
há mais de dez anos. Destemido e corajoso como o Comandante.
•Comissário: tem 25 anos e é dez anos mais novo
que o Comandante. Escreve a última interferência
em primeira pessoa, no epílogo. Acredita que guerra
popular “não se mede em número de inimigos
mortos. Ela mede-se pelo apoio popular que tem.”
Vai crescendo no seio do movimento, passando por
uma “dolorosa metamorfose” quando da morte de
Sem Medo. Reconhece que Sem Medo é Ogum, o
Prometeu africano.
•Sem Medo: a Imagem desse guerrilheiro é
construída a partir das referências feitas a ele nos
escritos em terceira e primeira pessoas. Ele não assume a primeira pessoa no livro.
Sem Medo faz parte da tribo Kikongo, é o
maisdoutrinado e politizado do grupo e responsável
por passar sua ideologia aos demais. Abandonou o
curso de Economia em 1964 para ingressar na
guerrilha.
É responsável por fazer as reflexões sobre o Partido,
a ideologia, os indivíduos comandados e as ações a
serem executadas. Lúcido e pragmático, age
orientando, ensinando e expondo seus ideais
revolucionários. No entanto, seu pragmatismo exige
luta armada e seu ideal é uma sociedade igualitária,
de facção marxista, em que o homem não explorará
o homem. Sem Medo acredita que a revolução é
percurso para atingir um fim, não importando os meios para a obtenção dos resultados.
•Considerações finais: A obra de Pepetela
simboliza o início da operação guerrilheira em
território africano. A morte do Comandante, ao final
do romance, marca a integração entre o homem e a
Pátria angolana que surgirá.
Ao ser enterrado na floresta, misturou-se às folhas
em decomposição de Mayombe. A trajetória desse
guerrilheiro é sua inserção ao meio, que personifica o mito de Ogum – o Prometeu africano.
O Mayombe tinha criado o fruto, mas não se dignou
a mostrá-lo aos homens: encarregou os gorilas de o
fazer, que deixaram os caroços (de comunas)
partidos perto da Base, misturados com as suas pegadas.
E os guerrilheiros perceberam então que o deus-
Mayombe lhes indicava assim que ali estava o seu
tributo à coragem dos que o desafiavam: Zeus
vergado a Prometeu, Zeus preocupado com a
salvaguarda de Prometeu, arrependido de o ter
agrilhoado, enviando agora a águia, não para lhe
furar o fígado, mas para o socorrer. (Terá sido Zeus
que agrilhoou Prometeu, ou o contrário?)
A mata criou cordas nos pés dos homens, criou
cobras à frente dos homens, a mata gerou
montanhas intransponíveis, feras, aguaceiros, rios
caudalosos, lama, escuridão. Medo. A mata abriu
valas camufladas de folhas sob os pés dos homens,
barulhos imensos no silêncio da noite, derrubou árvores sobre os homens. E os homens avançaram.
E os homens tornaram-se verdes, e dos seus braços
folhas brotaram, e flores, e a mata curvou-se em
abóbada, e a mata estendeu-lhes a sombra
protetora, e os frutos. Zeus ajoelhado diante de
Prometeu. E Prometeu dava impunemente o fogo
aos homens e a inteligência. E os homens
compreendiam que Zeus, afinal, não era invencível,
que Zeus se vergava à coragem, graças a Prometeu
que lhes dá a inteligência e a força de se afirmarem
homens em oposição aos deuses. Tal é o atributo do
herói, o de levar os homens a desafiarem os
deuses. Assim é Ogun, o Prometeu africano. (Mayombe, p. 67-68.)