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Capítulo: Parada Cardíaca no AFOGAMENTO
Livro – Tratado de PCR – Timerman - Ramires - 2006
Autor:
Dr. David Szpilman
Médico do Resgate Aéreo do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro – CBMERJ -
Grupamento de Socorro de Emergência – GSE; Chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital
Municipal Miguel Couto; Membro do Conselho Médico e Diretor da Federação Internacional de
Salvamento Aquático – ―ILS‖; Membro do Comitê Nacional de Ressuscitação; Sócio Fundador, Ex-
Presidente e atual Diretor da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático – SOBRASA; Membro da
Câmara Técnica de Medicina Desportiva do CREMERJ; Membro da Força Tarefa para o ILCOR
2005 – ―Emergency Cardiac Care Guidelines‖; Instrutor médico responsável pela formação de guarda-
vidas no Estado do Rio de Janeiro de 1993 a 2003; Curso Profissional de Guarda-vidas pelo Serviço
de Salvamento de San Diego – CA – EUA
Endereços Para Correspondência: David Szpilman – Av. das Américas 3555, bloco 2, sala 302,
Barra da Tijuca- Rio de Janeiro – RJ – Brasil 22793-004. Telefones 21 99983951, FAX 21
24307168 [email protected]
www.szpilman.com e www.sobrasa.org
CAPÍTULO – AFOGAMENTO
INTRODUÇÃO
DEFINIÇÃO
FISIOPATOLOGIA
CADEIA DE SOBREVIVÊNCIA DO AFOGAMENTO
Prevenção
Reconhecimento e Alarme do Incidente
Suporte Básico de Vida e Resgate na Água
Suporte Básico de Vida ao Afogado em Terra
Suporte Avançado de Vida ao Afogado no Local
Hospital
PROGNÓSTICO E SISTEMAS DE ESCORE
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE
INTRODUÇÃO
Em 2003, a população brasileira atingiu 176 milhões de habitantes, dos quais 1 milhão faleceu
de causas diversas. As causas externas foram responsáveis por 13% de todos os óbitos no Brasil,
sendo a primeira causa na faixa de 5 a 44 anos onde concentra 70% das mortes. Quando consideramos
todas as causas nesta faixa de idade às causas externas representam 47% dos óbitos. (tabela 1 – óbito
por faixa etária de 1 a 54 anos)1.
1 a 4 anos 5 a 14 15 a 24 anos 25 a 34 anos 35 a 44 anos 45 a 54 anos 55 a 64 anos
1a Pneumonia Acidentes
transporte Agressões Agressões Agressões
Doenças isquêmicas
do coração
Doenças isquêmicas
do coração
2a Afogamento Afogamento Acidentes de
transporte
Acidentes de
transporte
Acidentes de
transporte
Doenças
cerebrovasculares
Doenças
cerebrovasculares
3a Doenças Infecciosas
intestinais Agressões
Lesões auto-
provocadas AIDS - HIV AIDS - HIV
Acidentes de
transporte
Infarto agudo do
miocárdio
4a Acidentes de transporte Leucemia Afogamento Lesäes
autoprovocadas
Doenças isquêmicas
do coração Agressões Diabetes Mellitus
5a
Diarréia e
Gastroenterite orig
infec pres
Pneumonia Pneumonia Pneumonia Doença alcoólica do
fígado Diabetes Mellitus
Doenças crônicas
das vias aéreas
inferiores
Tabela 1 –
A cada ano, o afogamento é responsável por aproximadamente 500.000 mortes no mundo. O
número exato não é conhecido porque um grande número de mortes não é notificada2. Idade, sexo,
uso de bebidas alcoólicas e condição socioeconômica (considerando renda ou escolaridade) e a falta
de supervisão, são os principais fatores de risco para o afogamento. Considerando todos os grupos
etários, homens morrem 5 vezes mais por afogamento que mulheres. Aproximadamente 40% a 45%
das mortes ocorrem durante a recreação na água3. Crianças, adolescentes e idosos são os grupos
populacionais com maior probabilidade de afogamento4. Na faixa etária dos 5 aos 14 anos, o
afogamento constitui a primeira causa mortis, mundialmente, entre os homens e a quinta entre as
mulheres4. Os padrões para o afogamento são altamente dependentes de fatores geográficos. Nos
Estados Unidos, o afogamento é a terceira causa de morte acidental entre todas as faixas etárias e a
segunda para pessoas entre 5 e 44 anos de idade5. Considerando todas as mortes por afogamento nos
Estados Unidos (4.390 em 1993), 53% afogaram-se em piscinas3, sendo que naquele país, 50.000
novas piscinas são construídas anualmente, somando-se as 2,2 milhões de piscinas residenciais e as
2,3 milhões de piscinas não residenciais já existentes.
O afogamento é a segunda causa de morte para idades entre 1 e 14 anos e a quarta causa
na faixa de 15 a 24 anos no Brasil. Em 2003, 6.888 brasileiros (3.8/100.000hab) morreram afogados
em nossas águas. Dentre estes, 90% por causas não intencionais (89% por afogamento primário e 1%
relacionado ao uso de barcos), 1,8% por causas intencionais (suicídio (1,3%) e homicídios (0,5%)), e
7,7% por intenção não determinada. Analisando as causas primárias de afogamento, 44% dos óbitos
ocorreram em águas naturais que incluem canais, rios, lagos, e praias sendo 2,7% destes por queda
dentro da água. Os afogamentos por uso ou por queda na piscina perfazem apenas 2% (65% em
residências) e os acidentes durante o banho 0,24% (72% em residências)1. Como demonstração de
uma grande diferença cultural e geográfica, na Holanda há muito mais mortes por afogamento
decorrentes de suicídios do que por acidentes.
Nas praias do Rio de Janeiro, fatores precipitantes são identificados em 13% de todos os casos;
os maiores são: álcool (37%), convulsões (18%), trauma (acidentes com barcos inclusive; 16.3%),
doença cárdio-pulmonar (14.1%), mergulho em apnéia e mergulho autônomo (SCUBA 3.7%),
mergulho resultando em lesão cervical ou traumatismo craniano e outras causas (homicídio, suicídio,
síncope, câimbras ou síndrome de imersão (11.6%)). É importante identificar o fator determinante do
afogamento, pois ele pode orientar em métodos específicos de prevenção, no resgate e na
ressuscitação.
DEFINIÇÃO
Durante a organização do I Congresso Mundial de Afogamento (WCOD) uma definição de
afogamento foi desenvolvida para prover uma base comum aos futuros estudos epidemiológicos
realizados. Baseada nessa necessidade, uma Força Tarefa Epidemiológica foi criada em 1998. Em
1999, um dos membros da Força Tarefa (David Szpilman) foi convidado a escrever um trabalho sobre
a definição do afogamento e outras lesões relacionadas à água, que foi então publicado na página de
Internet do WCOD. Durante o ano 2000, esta nova definição provocou uma intensa discussão
eletrônica, com contribuições de muitos especialistas de várias partes do mundo. Baseados nesta
discussão a Força Tarefa publicou um trabalho de discussão atualizado na Internet, no início de 2002.
Durante a conferência (WCOD) a Dra. Christine Branche (Center for Disease Control) realizou quatro
sessões de debate, envolvendo todos os interessados e foram apresentados três pontos de vista
principais pelos Médicos Joost Bierens, Jerome Modell e David Szpilman.
Este processo levou ao consenso e a adoção da seguinte definição aprovada por todos os
participantes da conferência em junho de 2002: “Afogamento é a insuficiência respiratória causada
por aspiração de líquido durante submersão ou imersão”. O processo de afogamento é um
continuum que começa quando a via aérea do paciente está em contato com a água, que caso
ininterrupto, pode levar ou não à morte. O paciente pode ser resgatado em qualquer momento durante
o processo, quando então, o processo de afogamento é interrompido. Além disto, qualquer incidente
de submersão ou imersão sem evidencia de aspiração de líquidos deve ser considerado um resgate
aquático (i.e. eventos em que não se percebe falha respiratória evidente, com ou sem lesões associadas
ou hiportermia). O termo ―quase afogamento (near-drowning)‖ foi abandonado. Termos confusos
como, afogamento ―seco‖ e afogamento secundário (SARA – síndrome de angústia respiratória no
Adulto) foram eliminados. A discussão final sobre a definição pode ser vista em www.drowning.nl9.
FISIOPATOLOGIA
Apesar de algumas diferenças fisiopatológicas demonstradas em animais de laboratório
utilizando-se modelos experimentais, não há do ponto de vista clínico e terapêutico distinção
importante entre afogamento de água doce e água salgada em humanos. A alteração fisiopatológica
mais importante é a hipóxia.10
Quando não há alternativa para manter as vias aéreas fora da água, a
apnéia é a primeira resposta automática do afogado quando ainda não há hipóxia e a consciência está
preservada. A água na boca é ativamente cuspida ou engolida. A primeira aspiração involuntária de
água, quando ocorre, provoca tosse freqüentemente ou laringoespasmo raramente, levando a hipóxia.
No caso de laringoespasmo, a própria hipóxia irá reverte-lo. Então, mais água será rápida e
gradualmente aspirada para o interior dos pulmões, tornando ineficaz a habilidade de obter oxigênio,
instituindo-se perda de consciência ou o torpor, com evolução rápida para a apnéia e finalmente a
assistolia. O distúrbio respiratório é menos influenciado pela composição da água, e mais pela
quantidade de água aspirada. A aspiração de água doce ou salgada produz destruição de surfactante,
alveolite e edema pulmonar não cardiogênico, resultante de um aumento do shunt pulmonar e da
hipóxia11
. Em pesquisa com animais, a aspiração de 2.2 ml de água por quilo de peso, diminui a
pressão arterial de oxigênio (PaO2) para aproximadamente 60 mmHg em 3 minutos12
. Em humanos,
pequenas quantidades de água aspirada, 1 a 3 ml/kg, produzem grandes alterações na troca de gases
pulmonares e reduz a complacência pulmonar entre 10 a 40%11
. Os humanos raramente aspiram uma
quantidade de água suficiente para provocar distúrbio eletrolítico significativo e, portanto as vítimas
não necessitam de uma correção inicial de eletrólitos13
. A fibrilação ventricular em humanos, quando
ocorre, é relacionada a hipóxia e a acidose, e não a hemólise ou a hipercalemia. A hipóxia produz uma
seqüência de eventos cardíacos muito conhecidos, com taquicardia, bradicardia, e logo após uma fase
de contrações cardíacas ineficazes, sem pulso (Fase AESP); seguida então de uma perda completa do
ritmo cardíaco e da atividade elétrica (assistolia). Os resultados da hipóxia são: diminuição do débito
cardíaco, hipotensão arterial, hipertensão pulmonar e aumento da resistência dos vasos pulmonares11
.
Também é comum a intensa vasoconstricção periférica causada pela hipóxia, liberação de adrenalina e
hipotermia. Uma vítima pode ser resgatada durante qualquer momento do processo de afogamento e
pode não necessitar de intervenção, ou como extremo pode requerer medidas de ressuscitação cárdio-
pulmonar. Na PCR causada pelo afogamento a apnéia vem primeiro, e caso a vítima não seja ventilada
rapidamente, a parada cardíaca acontecerá. É importante enfatizar que o coração e o cérebro são os
dois órgãos com maior risco de dano permanente, proveniente de períodos relativamente curtos de
hipóxia. O desenvolvimento de encefalopatia por hipóxia com ou sem edema cerebral, é a causa mais
comum de morbi-mortalidade em afogados hospitalizados.
CADEIA DE SOBREVIVÊNCIA DO AFOGAMENTO – Da Prevenção ao Hospital (figura 1)
Em 1996, A United States Lifesaving Association(USLA), realizou 62.747 salvamentos nas
praias Norte-Americanas, com uma estimativa de 8 casos de afogamento para cada morte (USLA).
Nas praias do Rio de Janeiro, ocorreram aproximadamente 290 resgates para cada morte notificada
(0,34%), e uma morte para cada 10 vítimas admitidas no Centro de Recuperação de Afogados (CRA).
Nos últimos 31 anos de trabalho, foram realizados aproximadamente 166.000 resgates por guarda-
vidas do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro nas praias e 8.500 vítimas necessitaram de cuidados
médicos no CRA14
. No afogamento o resgate é um componente vital, para se manter o paciente vivo, e
a avaliação e cuidados primários são fornecidos em um ambiente altamente hostil, a água. Portanto, é
essencial que profissionais de saúde estejam cientes do que consiste a completa cadeia de
sobrevivência do afogamento15
, do atendimento pré-hospitalar até a unidade de emergência.15
1. Prevenção (tabela 2)
Apesar da ênfase no tratamento, o tratamento definitivo do afogamento é a prevenção. A
prevenção permanece sendo a mais poderosa intervenção terapêutica com eficácia em mais de 85%
dos casos de afogamento.
2. Reconhecimento e Alarme do Incidente
Qualquer atitude visando ajuda, deve ser precedida pelo reconhecimento que alguém está se
afogando. Ao contrário da crença popular, a vítima não acena com a mão e tão pouco chama por
ajuda, seja por uma solução tardia ou por não haver tempo e forças para tal16
. A vítima encontra-se
tipicamente em posição vertical, com os braços estendidos lateralmente, batendo com os mesmos na
água. Indivíduos próximos da vítima podem não perceber que a vítima está com problemas,
assumindo que a vítima está apenas brincando na água. A vítima pode submergir e emergir sua cabeça
diversas vezes enquanto está lutando para manter-se acima da superfície. As crianças geralmente
resistem de 10 a 20 segundos em tal luta, enquanto os adultos resistem por até 60 segundos antes da
imersão final16
. Como a respiração instintivamente tem prioridade, a vítima de afogamento geralmente
é incapaz de gritar por socorro.
3. Suporte Básico de Vida e Resgate na Água
Para aqueles que não são guarda-vidas, a prioridade é ajudar sem se tornar uma segunda
vítima. Se possível pessoas dispostas a ajudar podem utilizar técnicas como jogar objetos flutuantes
ou oferecer longos objetos que alcancem as vítimas, ou podem ainda orientar a vítima em como
proceder para sair desta situação (i.e. escolhendo uma direção melhor para nadar, técnicas de
flutuação ou encorajando a vítima a flutuar e não desperdiçar energia, afirmando que socorro está a
caminho). A decisão de realizar o suporte básico de vida na água (BWLS)15
é baseado no nível de
consciência da vítima. Caso a vítima esteja consciente, o protocolo17
consiste em resgate até a terra
sem demais cuidados médicos. Uma vítima apavorada ou em pânico pode ser muito perigosa para o
socorrista. Uma vítima que está tentando respirar e manter-se na superfície pode afogar o socorrista.
Por esta razão, é mais prudente aproximar-se de uma vítima que está se debatendo, utilizando um
objeto de flutuação intermediário. Guarda-vidas utilizam materiais de salvamento específicos para
esse propósito, que também servem para flutuar o tórax e a face mantendo a cabeça e as vias áreas
fora da água16
Para vítimas inconscientes a medida mais importante é a instituição imediata de
manobras de ressuscitação ainda dentro da água (figuras 3 e 4 e algoritmo 1). A hipóxia causada por
submersão resulta primeiramente em apnéia, ocasionando parada cardíaca em um intervalo de tempo
variável, porém curto, caso não seja revertida. A ressuscitação aquática (ventilação apenas)
proporciona a vítima uma chance 7 vezes maior de sobrevivência sem seqüelas. Os socorristas devem
checar a ventilação e sempre que indicado (parada respiratória) e possível (condições com baixo risco
ao socorrista), iniciar respiração boca-a-boca ainda na água. Infelizmente, compressões cardíacas
externas não podem ser realizadas de maneira efetiva na água, logo, verificação de pulso e
compressões cardíacas deve ser realizada quando a vítima estiver fora da água17
.
Muito poucos estudos foram realizados sobre a freqüência dos traumatismos raquimedulares
(TRM) na água. Um deles, a respeito de praias, avaliou retrospectivamente 46.060 resgates aquáticos
e demonstrou que a incidência de TRM era muito pequena nesse cenário (0,009%)18
. Em outro estudo
retrospectivo sobre mais de 2.400 afogamentos, apenas 11 (<0,5%) apresentavam lesão de coluna
cervical, e todos tinham uma história evidente de trauma durante mergulho, queda de altura ou
acidentes com veículo motorizado19
. Outras localidades aquáticas podem ter estatísticas diferentes
dependendo de uma grande variedade de elementos, tais como visibilidade da água, atividades
recreativas, e outros. É importante entender que qualquer tempo extra, gasto na imobilização da
coluna em vítimas inconscientes sem sinais de trauma pode levar a deterioração cárdio-pulmonar e até
mesmo a morte. Considerando a baixa incidência de TRM no afogamento, e a possibilidade de
desperdício de precioso tempo para iniciar a ventilação, a indicação de rotina de imobilização da
coluna cervical durante resgate aquático em vítimas de afogamento sem sinais de trauma não é
recomendada18,19
. Socorristas que suspeitem de uma lesão de coluna cervical, devem: Fazer a vítima
flutuar em posição horizontal permitindo que as vias aéreas permaneçam fora da água e checar se há
respiração espontânea: Caso não tenha respiração, iniciar protocolos de ressuscitação aquática
(respiração boca-a-boca), com abertura de vias aéreas com elevação do queixo. Se houver respiração
espontânea, utilize as mãos para estabilizar a cabeça da vítima em uma posição neutra; Mantenha a
vítima flutuando utilizando se possível um suporte dorsal, antes de mover a vítima; Leve a vítima a
um lugar seco, da melhor maneira possível e mantenha o pescoço em posição neutra, alinhe e
estabilize o pescoço, cabeça, e tórax bem como o restante do corpo caso seja necessário mover ou
virar a vítima10
.(Figuras 5).
4. Suporte Básico de Vida ao Afogado em Terra
A remoção da vítima para fora da água deve ser realizada de acordo com o seu nível de
consciência, mas preferencialmente em posição vertical para se evitar vômitos e demais complicações
de vias aéreas20
.(figura 6) Em caso de transporte de vítima exausta, confusa ou inconsciente, o
transporte deve ser em posição o mais horizontal possível, com inclinações de 15 a 20 graus
mantendo-se a cabeça acima do nível do corpo20
. As vias aéreas devem permanecer abertas durante
todo o tempo. O primeiro procedimento em terra deve ser o de posicionar a vítima em uma posição
paralela a do espelho de água20
, da maneira mais horizontal possível, deitada em decúbito dorsal,
distante o suficiente da água a fim de evitar as ondas (figura 7). Se a vitima estiver consciente,
coloque-a em decúbito dorsal com a cabeça elevada. Se estiver ventilando, coloque a vítima em
posição lateral de segurança (decúbito lateral)20
. Em um estudo Australiano de 10 anos de duração,
constatou-se que o vômito ocorreu em mais de 65% das vítimas que necessitavam de ventilação de
urgência e em 86% dos que necessitavam de respiração assistida bem como compressões cardíacas21
.
Mesmo em vítimas que não necessitaram de intervenção após o resgate, o vômito ocorreu em 50% das
vítimas em terra. A presença de vômito nas vias aéreas pode acarretar em mais broncoaspiração e
obstrução, impedindo a oxigenação das vias aéreas; o vômito também pode desencorajar o socorrista a
realizar respiração boca a boca21
. A manobra de compressão abdominal (Heimlich) nunca deve ser
realizada como um meio para eliminar água dos pulmões, ela é ineficaz e gera riscos significativos de
lesão. Durante a ressuscitação, tentativas de drenar água ativamente colocando-se a vítima em
decúbito com a cabeça abaixo do nível do corpo, aumenta as chances de vômito em mais de cinco
vezes, levando a um aumento significativo da mortalidade (19%) quando comparado a manter-se a
vítima em posição horizontal20
. Em caso de vômito, vire a cabeça da vítima lateralmente, e remova o
vômito com o dedo indicador, um lenço ou utilize um aspirador. Uma das decisões médicas mais
difíceis que um guarda-vidas ou um técnico em emergências médicas (TEM) faz é escolher como
tratar uma vítima de afogamento corretamente. Uma parada cardio-respiratória ou respiratória isolada,
corresponde a aproximadamente 0,5% de todos os resgates. As dúvidas que surgem são: O socorrista
deve administrar oxigênio, chamar uma ambulância, transportar a vítima até o hospital ou manter a
vítima sob observação no local do ocorrido. Até mesmo médicos na sala de emergência dos hospitais
podem ficar em dúvida a respeito do suporte imediato e contínuo mais apropriado, pois as vítimas de
afogamento variam quanto à gravidade de aspiração de água. Baseado nessa necessidade um sistema
de classificação foi desenvolvido no Rio de Janeiro em 1972 e revisto em 199722
para guiar guarda-
vidas, socorristas de ambulância e profissionais de saúde em geral, no tratamento dos afogados. Esse
sistema foi baseado na análise de 41.279 casos de afogamento resgatados dos quais 2.304 (5,5%)
necessitaram de cuidados médicos. Esse sistema foi revalidado em 2001 por um estudo de 10 anos que
contou com 46.080 resgates23
. Essa classificação22
engloba todo o suporte desde o local do acidente
até o hospital, recomenda tratamentos e mostra a probabilidade de morte baseada na gravidade das
lesões identificadas. A gravidade da lesão é facilmente identificada na cena do acidente, pelo
socorrista, TEM ou profissionais de saúde, utilizando-se apenas variáveis clínicas22
(veja classificação
básica em www.szpilman.com).
5. Suporte de Vida Avançado no Afogamento – Pré-hospitalar (Algoritmo 2)
Ao contrário de condutas passadas, levar o equipamento médico à vítima e proceder as
intervenções no local do acidente poupa um precioso tempo. O tratamento médico avançado é
instituído de acordo com a classificação de afogamento.
Cadáver – Vítima com tempo de submersão acima de 1 hora ou com sinais físicos óbvios de
morte (rigor mortis, livores e/ou decomposição corporal). Não iniciar ressuscitação e encaminhar o
corpo ao IML.
Grau 6 – Parada cárdio-pulmonar – A ressuscitação iniciada por leigos ou guarda vidas na
cena deve ser mantida por pessoal médico especializado até que seja bem sucedida ou caso não seja
possível aquecer a vítima no local. No último caso a vítima deve ser transportada enquanto recebe
ressuscitação até um hospital onde seja possível aquecer a vítima com técnicas mais eficientes. A
primeira prioridade é a manutenção eficiente da ventilação e da oxigenação. O pessoal médico deve
continuar com as compressões cardíacas enquanto se inicia ventilação artificial com bolsa auto-
inflável utilizando oxigênio a 15 l/min, até que seja possível realizar entubação orotraqueal. A
aspiração das vias aéreas antes da entubação é geralmente necessária. Uma vez entubada, a vítima
pode ser ventilada e oxigenada adequadamente, mesmo na presença de edema pulmonar. A manobra
de Sellick pode ser usada para prevenir a aspiração e regurgitação. Somente aspire o tubo orotraqueal
quando a quantidade de fluido presente no mesmo interferir de forma importante com a ventilação.
Desfibriladores externos podem ser utilizados para monitoração do ritmo cardíaco ainda na cena. Em
vítimas hipotérmicas (< 34o) e sem pulso, a RCP deve ser mantida. Embora não seja comum,
especialmente em crianças, a fibrilação ventricular (FV), pode estar presente em adultos com doença
coronariana, ou como conseqüência da terapia de suporte avançado de vida com uso de drogas pró
arritmogênicas (adrenalina). O acesso venoso periférico é a via preferencial para a administração de
drogas. Embora algumas drogas possam ser administradas via tubo orotraqueal, mesmo na vigência de
edema agudo de pulmão, o quanto da droga seria absorvido e qual dose utilizar ainda não foi
determinado16
. A dose de adrenalina a ser utilizada, ainda é um ponto de grande controvérsia,
principalmente no afogamento, onde o tempo até o início da ressuscitação e o resultado da mesma
pode variar muito quando comparado a outras causas de parada cardiopulmonar. Efeitos fisiológicos
da administração de adrenalina durante a PCR, tanto tóxicos quanto benéficos, foram demonstrados
em estudos com animais e humanos. Uma dose inicial alta ou progressiva de adrenalina tem
aumentado às chances de recuperação da circulação. Porém altas doses de adrenalina, não melhoraram
a sobrevida nem o prognóstico neurológico em outras causas, quando utilizada como terapia inicial.
Tão pouco ficou demonstrado que altas doses de adrenalina são prejudiciais. Portanto, doses altas de
adrenalina não são recomendadas como rotina para causas gerais de parada cardíaca, mas pode ser
considerada no afogamento, caso a dose de 1 mg não surta efeito (Classe indeterminada (aceitável mas
não recomendável))24
. Alguns defendem que no afogamento altas doses de adrenalina não trazem
vantagens do ponto de vista do prognóstico neurológico e que podem até ser prejudiciais ao quadro
clínico do paciente, entretanto, altas doses de adrenalina no afogamento, é defendida por outros22,25
como apresentando melhores chances de ressuscitação e pode ser recomendada até que se prove o
contrário. Nossa recomendação é que se utilize uma dose inicial de 0,01 mg/kg IV após 3 minutos de
RCP26
e caso não haja resposta aumentar para 0,1 mg/kg infundida a cada 3 a 5 minutos de RCP10
.
Grau 5 – Parada Respiratória - É geralmente revertida com a chegada do pessoal treinado em
suporte avançado de vida. A vítima em apnéia exige ventilação artificial. Os protocolos de ventilação
e oxigenação que são os mesmos do Grau 6, devem ser seguidos até que a respiração espontânea seja
restaurada, então siga os protocolos para o Grau 4.
Grau 4 – Edema agudo de Pulmão com Hipotensão Arterial – Oxigênio com suporte de ventilação
mecânica é a terapia de primeira linha. Inicialmente oxigênio deve ser fornecido com uma máscara
facial a 15 l/min até que o tubo orotraqueal possa ser introduzido. O Afogado grau 4 necessita de
entubação orotraqueal em 100% dos casos devido à necessidade de ventilação com pressão positiva. A
ventilação mecânica é indicada em caso de SaO2p menor que 92%, uma PaCO2 maior que 45 mmHg,
uma freqüência respiratória alta ou grande esforço respiratório que pode levar a fadiga16
. Os pacientes
nessa situação devem ser mantidos relaxados com drogas (sedativos, analgésicos e bloqueadores
neuro-musculares se necessários) para tolerarem a entubação e a ventilação mecânica que deve
fornecer um volume corrente de pelo menos 5 ml/kg de peso. A fração de oxigênio inspirada (FiO2)
pode ser de 100% inicialmente, mas deve assim que possível ser reduzida para 45% ou menos, afim
de evitar a lesão pulmonar causada pelo oxigênio. Uma pressão expiratória final positiva (PEEP) deve
ser inicialmente adicionada com valor de 5 cm H2O e aumentada em valores de 2 a 3 cm H2O até que
atinja um shunt intrapulmonar (QS:QT) de 20% ou menos, ou uma PaO2:FiO2 (P/F) de 250 ou mais.
Caso a hipotensão arterial não seja corrigida com oxigênio, uma infusão rápida de cristalóides
(independente do tipo de água responsável pelo afogamento) deve ser tentado antes de se reduzir
temporariamente a PEEP11,27
.
Grau 3 – Edema agudo de pulmão sem hipotensão – Vítimas com SaO2p > 92% em uso de
oxigênio a 15 l/min via máscara facial, conseguem suportar sem suporte ventilatório invasivo em
apenas 27,6% dos casos. Cerca de 72,4% dos casos necessitam de entubação e ventilação mecânica,
observando os mesmos protocolos para os afogados Grau 4.
Grau 2 – Ausculta Pulmonar com Esparsos Estertores Pulmonares – 93,2% das vítimas
necessitam apenas de 5 l/min de oxigênio via cânula nasal, repouso e observação por 12 a 24 horas.
Grau 1 – Tosse com Ausculta Pulmonar Normal – Não necessita de oxigênio ou suporte
ventilatório.
Resgate – Ausência de Tosse ou Dificuldade Respiratória – Avaliar e liberar do local do acidente
sem necessidade de cuidados médicos.
6. Hospital
O atendimento hospitalar de casos graves (Graus 4 a 6) só é possível caso os cuidados pré-
hospitalares de suporte básico e avançado tiverem sido fornecidos de maneira eficiente e rápida. Caso
isso não tenha ocorrido, o melhor a fazer é seguir o protocolo do algoritmo 1 na emergência. Cuidados
hospitalares são indicados para afogados do Grau 2 ao 6. A decisão de internar o paciente em um leito
de CTI ou de enfermaria versus manter observação na sala de emergência ou dar alta ao paciente deve
levar em consideração fatores como anamnese completa, história patológica pregressa, exame físico
completo e alguns exames complementares como telerradiografia de tórax e gasometria arterial. Um
hemograma e uma bioquímica com eletrólitos, uréia e creatinina também devem ser solicitados
serialmente, embora alterações nesses exames sejam incomuns. Em alguns casos suspeitos, um exame
toxicológico para detectar uso de álcool ou drogas ilícitas também pode ser solicitado. Afogados
classificados como Grau 3 a 6 devem ser internados no CTI para uma observação e tratamento
adequado. Pacientes grau 2 devem ser mantidos em observação na sala de emergência de 6 a 24 h,
enquanto os pacientes Grau 1 e os RESGATES sem queixas e co-morbidades devem ser liberados
para casa. A tabela 3 demonstra a mortalidade geral para cada grau de afogamento (gravidade),
necessidade de hospitalização e a mortalidade pré-hospitalar e hospitalar. Os pacientes de grau 4 a 6
geralmente chegam ao hospital transportados por equipes treinadas em SAV já em suporte de
ventilação mecânica e com oxigenação satisfatórias. Caso contrário o médico da sala de emergência
deve seguir o protocolo de ventilação para afogamento grau 4. O paciente grau 3 depende de avaliação
clínica na cena do acidente. De todas as formas, assim que o nível de oxigenação aceitável seja
estabelecido com o uso da PEEP, essa PEEP deve ser mantida inalterada pelas próximas 48 h, para
que tenha tempo hábil de regeneração da camada de surfactante alveolar. Durante esse período, caso o
nível de consciência do paciente permita que ele respire espontaneamente, bem adaptado ao
respirador, uma boa opção de método de ventilação pode ser a Pressão Positiva Contínua nas Vias
aéreas (CPAP) com Pressão de Suporte Ventilatório (PSV). Em casos muito seletos, a CPAP pode ser
oferecida apenas com o uso de máscara facial (ex. pacientes muito cooperativos) ou através de cânula
nasal (em lactentes que são respiradores nasais obrigatórios), mas geralmente pacientes com edema
agudo de pulmão não toleram essa conduta e necessitam de entubação orotraqueal. O afogamento
grave apresenta-se como uma entidade clínica muito semelhante à Síndrome de Angústia Respiratória
Aguda (SARA). A diferença é o tempo de recuperação que é mais curto e a seqüela pulmonar residual
que é inexistente no afogado. O manejo do afogado é similar aos demais pacientes que apresentam
SARA por outros motivos, incluindo cuidados para a redução dos riscos de volutrauma e barotrauma.
Utilizar hipercapnia permissiva não está indicada para vítimas de afogamento grau 6 com significativa
injúria cerebral hipóxico isquêmica. Ao invés disso, uma hiperventilação de leve a moderada é
indicada, mantendo-se a PaCO2 entre 30-35 mmHg, visando junto a outras medidas terapêuticas a não
deterioração da lesão cerebral. Apesar do tratamento agressivo, lesões e seqüelas neurológicas graves,
incluindo estado vegetativo permanente são freqüentes no afogado grau 6. Em pacientes
hemodinamicamente instáveis ou que apresentem disfunção pulmonar grave (graus 4 ao 6), a
cateterização da artéria pulmonar pode ser uma opção para monitorar e tratar a vítima, embora cada
vez mais em desuso. O ecocardiograma vem sendo utilizado mais freqüentemente para estimar função
cardíaca e fração de ejeção ajudando a decidir o início da infusão de aminas vasoativas, inotrópicas ou
ambas, no caso de falha da ressuscitação com cristalóides. As soluções colóides só devem ser usadas
em hipovolemia refratária à administração de cristalóides, quando estas são insuficientes para
recuperar a pressão arterial. Não existem evidências que suportem a administração de rotina de
soluções hipertônicas e transfusões para vítimas afogadas em água doce, nem tão pouco de soluções
hipotônicas para vítimas de afogamento de água salgada11,27
. Alguns estudos demonstraram que
disfunção cardíaca com baixo débito cardíaco é comum imediatamente após casos graves de
afogamento (graus 4 ao 6)11
. Medidas de suporte importante incluem a colocação de um cateter de
Foley para monitoração do débito urinário. O baixo débito cardíaco está associado a altas pressões de
oclusão da artéria pulmonar, alta pressão venosa central e alta resistência vascular pulmonar que
podem persistir por dias subseqüentes a restauração da oxigenação e do débito cardíaco. O resultado é
a sobreposição de um edema pulmonar cardiogênico ao edema pulmonar não cardiogênico. Apesar da
diminuição do débito cardíaco, a terapia com diuréticos não é uma boa opção. Um estudo sugere que a
infusão de volume em vítimas de afogamento é benéfica. Outros indicam que a infusão de dobutamina
para a melhora da função cardíaca é a opção mais lógica e potencialmente mais benéfica. Pode ainda
ocorrer um quadro de choque irreversível no grau 6 após as primeiras 24h de ressuscitação. Nestes
casos a terapia com aminas adrenérgicas e até reposição de corticosteróide pode ser tentado.
A acidose metabólica no afogamento ocorre em 70% dos pacientes que chegam ao hospital13
.
A acidose deve ser corrigida quando ocorre um Ph menor que 7.2, ou um bicarbonato < 12 mEq/l,
com a vítima recebendo suporte ventilatório adequado27
. A queda significativa do nível de bicarbonato
raramente ocorre nos primeiros 10 ou 15 minutos de RCP e deve, portanto, ser contra-indicado seu
uso prematuramente26
.
Geralmente, piscinas e praias não apresentam número de colônias bacterianas suficiente para
promover pneumonia logo após o incidente28
. Caso a vítima necessite de ventilação mecânica, a
incidência de pneumonia por ventilação mecânica (VAP) aumenta de 34% a 52% no terceiro ou
quarto dia de hospitalização quando o edema pulmonar está praticamente resolvido29
. Os antibióticos
profiláticos apresentam um valor duvidoso em afogados internados e tendem apenas a selecionar
organismos mais resistentes e agressivos. Uma radiografia de tórax com imagens de condensações nas
primeiras 48 a 72 h não deve ser interpretada como um sinal de pneumonia, pois pode ser apenas o
resultado do edema pulmonar e da broncoaspiração de água nos alvéolos e brônquios. Uma conduta
mais apropriada é a coleta diária de aspirados traqueais para Gram, cultura e antibiograma. Ao
primeiro sinal de infecção pulmonar, geralmente após 48 a 72 horas, caracterizado por: febre
prolongada, leucocitose mantida, infiltrados pulmonares persistentes ou novos, resposta leucocitária
no aspirado traqueal, a terapia com antimicrobianos é instituída baseada no organismo predominante
em cada CTI e seu perfil de sensibilidade. A broncoscopia de fibra óptica pode ser útil na avaliação da
gravidade e extensão das lesões provocadas por broncoaspiração sólida e em raros casos para a
remoção terapêutica de materiais sólidos como areia e outros, além de coleta de material para
quantificação das culturas de colônias bacterianas. Da mesma forma, a utilização de corticosteróide
nas lesões pulmonares, é duvidosa, e provavelmente não deve ser utilizada, exceto em casos de
broncoespasmo. O médico deve estar ciente e sempre atento às complicações inerentes ao tratamento
das lesões pulmonares, sendo elas: volutrauma e barotrauma28
. O Pneumotórax espontâneo é uma
complicação comum (10%) secundário a ventilação mecânica com pressão positiva e em áreas locais
de hiperinsuflação. Qualquer mudança hemodinâmica brusca, após o início da ventilação mecânica
deve ser considerada secundária a um pneumotórax ou outro barotrauma, até que se prove o contrário.
Após a obtenção de uma via aérea definitiva, um cateter nasogástrico deve ser colocado para a
redução da distensão gástrica, prevenindo a aspiração de mais material. Raramente, vítimas de
afogamento, que parecem bem clinicamente durante a avaliação na sala de emergência, incluindo uma
radiografia de tórax normal, podem desenvolver edema agudo de pulmão fulminante em até 12 horas
após o acidente. Ainda é incerto se a causa desse edema pulmonar é relacionada a SARA, mas o fato é
raríssimo.
A insuficiência renal aguda secundária ao afogamento é rara e pode ocorrer devido a anóxia,
choque ou hemoglobinúria.
A complicação mais importante além da lesão pulmonar reversível é a isquêmia cerebral
anóxica, que ocorre em casos que receberam RCP e foram ressuscitados com êxito. A maioria das
seqüelas e das causas de mortalidade tardia são de origem neurológica28
. Embora a prioridade seja a
restauração da circulação espontânea, todo esforço feito nos primeiros estágios pós-resgate deve ser
direcionado para a ressuscitação cerebral e a prevenção de mais dano cerebral. Esse primeiro esforço
envolve todas as medidas para fornecer uma oxigenação adequada (SatO2 >92%) e uma perfusão
cerebral adequada (pressão arterial média em torno de 100 mmHg). Qualquer vítima que permaneça
comatosa e não responsiva após sucesso da RCP ou que deteriore neurologicamente, deve ser
submetida à análise da função cerebral cuidadosa e freqüente, buscando sinais de edema cerebral, e
deve ser tratada com: cabeceira do leito elevada a 30oC (caso não haja hipotensão), evitar compressões
da veia jugular interna e situações que possa provocar manobra de Valsava; Realizar ventilação
mecânica eficaz sem esforço desnecessário; realizar aspirações do TOT sem provocar hipóxia; terapia
anticonvulsivante e proteção contra consumo da musculatura; evitar correções metabólicas bruscas;
Evitar situações que aumentem a pressão intra-craniana (PIC), incluindo retenção urinária, dor,
hipotensão ou hipóxia, antes de sedar e relaxar o paciente; e dosagens de glicemia capilar freqüentes
mantendo-se valores normoglicêmicos7,27
. A monitoração contínua da temperatura central e timpânica
(cerebral) é mandatória na sala de emergência e na unidade de terapia intensiva (e no ambiente pré-
hospitalar se possível). As vítimas de afogamento com sucesso na restauração da circulação
espontânea, que permanecem comatosas, não devem ser aquecidas ativamente a temperaturas maiores
que 32-34oC. Caso a temperatura central exceda os 34
oC, a hipotermia (32-34
oC) deve ser provocada
o quanto antes e mantida por 12-24 horas. A hipertermia deve ser evitada a todo custo durante o
período agudo de recuperação. Embora não haja evidência suficiente para defender um valor
específico ideal de PaCO2 ou de saturação de O2 durante e após a ressuscitação, a hipoxemia e a
hipercapnia devem ser evitadas. Em alguns casos específicos, a indução de coma por uso de
barbitúricos pode controlar o edema cerebral e a hipertensão intracraniana, quando outras condutas
falharem. Infelizmente, os estudos que avaliaram os resultados da ressuscitação cerebral em vítimas
de afogamento não demonstram melhora de prognóstico em pacientes que receberam terapia para
redução da pressão intracraniana e manutenção da pressão de perfusão cerebral (PPC). Esses estudos
demonstram um prognóstico sombrio (i.e. morte, seqüelas cerebrais de moderada a grave) quando a
pressão intracraniana atinge 20 mmHg ou mais e a PPC é de 60 mmHg ou menos, até mesmo quando
condutas são utilizadas para o controle e melhora desses parâmetros. Mais pesquisas são necessárias
para a análise da eficiência das condutas neuro-ressuscitativas em vítimas de afogamento.
Novas intervenções terapêuticas para vítimas de afogamento, tais como oxigenação extra-
corpórea por membrana, surfactantes artificiais, óxido nítrico, e ventilação pulmonar líquida,
encontram-se em fase de investigação.
PROGNÓSTICOS E SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO (ESCORE)
Os afogamentos grau 3 a 6 apresentam o potencial para provocar falência de múltiplos
órgãos16
. Com o progresso da terapia intensiva, o prognóstico é cada vez mais baseado no quadro
neurológico final2. Afogamentos grau 1 ao 5 recebem alta hospitalar em 95% das vezes
22. O maior
índice de complicações é o grau 6. Questões como: ―quais vítimas devemos tentar ressuscitar, por
quanto tempo devemos investir, qual conduta adotar e o que devemos esperar em termos de qualidade
de vida após a ressuscitação‖, necessitam de respostas. Tanto na cena quanto no hospital, nenhuma
variável clínica pareceu ser absolutamente confiável para determinar prognóstico no afogado grau 630
.
Baseado-se no mais longo caso registrado de submersão (66 minutos) em água fria, que recuperou-se
completamente16
, a RCP deve ser iniciada sem demora em todas as vítimas sem pulso carotídeo que
estiveram em submersão por menos de uma hora, ou não apresentem sinais clínicos evidentes de
morte (rigor mortis, decomposição corporal ou livores). Ao contrário de alguns autores que afirmam
que a ressuscitação com êxito de vítimas com grande tempo de submersão só ocorre em águas
geladas, existem relatos de vítimas com tempo de submersão prolongado que foram ressuscitadas sem
seqüelas mesmo quando resgatadas em águas ditas quente(>15oC)
31,32. Múltiplos estudos mostram que
o prognóstico depende quase que unicamente de um fator principal, o tempo de submersão (tabela
4)17,21,22,28,31,32,33,34,35
. Profissionais treinados em suporte básico e avançado de vida, possibilitam as
vítimas suas melhores chances de sobrevivência considerando-se o tempo de parada cardiorespiratória
(tempo de submersão incluído).
Baseado-se no relato de um afogamento que foi ressuscitado com êxito após 2 horas de RCP28
,
os esforços só devem ser interrompidos com o paciente em assistolia após o aquecimento da vítima
além de 34oC. ―Ninguém está morto, até estar quente e morto!‖ (Southwick & Dalglish). Após a
realização de RCP com êxito, a estratificação da gravidade das lesões cerebrais é crucial, para permitir
a comparação das diversas opções terapêuticas. Vários sistemas de escore prognóstico foram
desenvolvidos para prever quais pacientes vão evoluir bem com a terapia padrão e quais estão mais
propensos a desenvolverem encefalopatia anóxica isquêmica requerendo assim medidas mais
agressivas para proteger o cérebro. Um dos escores mais poderosos é a avaliação da Escala de Coma
de Glasgow no período imediatamente após a ressuscitação (primeira hora) (Conn & Modell
Neurological Classification)28,36
. As estatísticas demonstram que pacientes que permanecem em coma
profundo (i.e. decorticação, descerebração ou flacidez) após 2 a 6 horas do resgate, estão em morte
cerebral ou apresentam lesões cerebrais de moderada a grave. Pacientes que melhoram clinicamente,
mas permanecem irresponsivos, apresentam 50% de chance de uma recuperação satisfatória. A maior
parte dos pacientes que apresentam franca melhora clínica e encontram-se responsivos, torporosos ou
obnubilados mas respondendo as solicitações verbais, após 2 a 6 horas do resgate, recuperam
totalmente ou em grande parte sua função neurológica.
Essa variável prognostica é importante para o aconselhamento das famílias dos afogados nos
primeiros momentos após o acidente e também para demonstrar quais pacientes são propensos a se
recuperarem com a terapia de suporte padrão e quais deveriam ser candidatos a terapias de
ressuscitação cerebral ainda em fase experimental de investigação clínica33
.
CONCLUSÃO
O afogamento representa uma tragédia que geralmente pode ser evitada. Talvez a maioria seja
o resultado final de violências contra o bom senso, abuso de bebidas alcoólicas e a negligência para
com as crianças. Esse cenário necessita de uma intervenção preventiva radical e imediata na reversão
desta catástrofe diária que é o afogamento e você médico ou profissional de saúde, tem após ler este
texto, os instrumentos para fazer a diferença.
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RESUMO
Foi realizada uma extensa revisão sobre o tema afogamento pesquisando fontes bibliográficas no
sistema Medline, na internet, artigos apresentados em congressos, livros sobre emergência e terapia
intensiva, incluindo as últimas recomendações internacionais do ILCOR publicadas em Novemnbro
de 2005. A cada ano, 500.000 pessoas morrem afogadas em todo mundo. Idade, sexo masculino, uso
de bebidas alcoólicas, condição socioeconômica e falta de supervisão, são os principais fatores de
risco para o afogamento. No mundo, o afogamento constitui a primeira causa de morte no sexo
masculino entre 5 e 14 anos, e segunda no Brasil. Em nosso país, nos últimos 20 anos houve em
média 7.500 mortes ao ano (5.2/100.000 habitantes) sendo mais freqüente os casos em água doce
(rios, lagos e represas). Identificamos neste capítulo uma nova definição, nomenclatura, classificação,
cadeia de sobrevivência, técnicas de resgate, tratamento e novas abordagens na ressuscitação. Nestes
últimos anos houve uma acentuada valorização do tema afogamento resultando em redução de mais de
30% da morbi-mortalidade. Todavia, o afogamento ainda constitui um grave problema de saúde
pública negligenciado que necessita, com urgência, em âmbito nacional, de campanhas de prevenção
que objetive não só o litoral, mas principalmente o interior de nosso país, onde o problema é mais
grave.
PALAVRAS-CHAVE: Afogamento, ressuscitação, ventilação, salvamento, classificação, escore
de gravidade.
TABELAS E FIGURAS
Tabela 1 – Mortalidade por causas gerias no Brasil, na faixa etária de 1 a 64 anos - Szpilman D,
Dados levantados em 2005 com base nos atestados de óbitos obtidos do DATASUS,
<http://w3.datasus.gov.br/datasus/datasus.php> através do Sistema de Informação de Mortalidade até
2003.
Figura 1 – arquivo em anexo (tiff)
Szpilman D, Morizot-Leite L, Vries W, Scarr J, Beerman S, Martinhos F, Smoris L, Lofgren B; First
aid courses for the aquatic environment. In: Bierens JJLM Handbook on drowning: prevention, rescue,
treatment. Springer Verlag 2005.
Tabela 2
MEDIDAS DE PREVENÇÃO EM AFOGAMENTOS
PRAIAS e PISCINAS SÃO LOCAIS de LAZER, EVITE AFOGAMENTOS!
Aprenda a nadar a partir dos 2 anos.
Mantenha atenção constante nas crianças.
Nunca nade sozinho.
Mergulho de cabeça somente em águas fundas.
Prefira sempre nadar em águas rasas.
Não superestime sua capacidade de nadar, tenha cuidado!
Ao praticar esporte náutico use sempre colete salva-vidas.
PRAIAS PISCINAS
1. Nade sempre perto a um posto de guarda-vidas.
2. Pergunte ao Guarda-vidas o melhor local para o banho.
3. Não superestime sua capacidade de nadar - 46.6% dos
afogados acham que sabem nadar.
4. Tenha sempre atenção com as crianças.
5. Nade longe de pedras, estacas ou ―piers‖.
6. Evite ingerir bebidas alcoólicas e alimentos pesados, antes do
banho de mar.
7. Crianças perdidas: leve-as ao posto de guarda-vidas
8. Mais de 80% dos afogamentos ocorrem em valas (figura 2)
A vala é o local de maior correnteza, que aparenta uma falsa
calmaria que leva para o alto mar.
Se você entrar em uma vala, tenha calma, nade
transversalmente à ela até conseguir escapar ou peça
imediatamente socorro.
9. Nunca tente salvar alguém se não tiver condições para fazê-
lo. Muitas pessoas morrem desta forma.
10. Ao pescar em pedras - observe antes, se a onda pode alcançá-
lo.
11. Antes de mergulhar no mar - certifique-se da profundidade.
12. Afaste-se de animais marinhos como água-viva e caravelas.
13. Tome conhecimento e obedeça as sinalizações de perigo na
praia.
1. Mais de 65% das mortes por afogamento ocorrem em
água doce, mesmo em áreas quentes da costa.
2. Crianças devem sempre estar sob a supervisão de um
adulto. 89% dos afogamentos ocorrem por falta de
supervisão principalmente na hora do almoço ou logo
após.
3. Leve sempre sua criança consigo caso necessite
afastar-se da piscina. Use sempre telefone sem fio.
4. Isole a piscina – tenha grades com altura de 1.50m e
12cm nas verticais. Elas reduzem o afogamento em 50
a 70%.
5. Bóia de braço não é sinal de segurança - cuidado!
6. Evite brinquedos próximo a piscina, isto atrai as
crianças.
7. Desligue o filtro da piscina em caso de uso.
8. Não pratique hiperventilação para aumentar o fôlego
sem supervisão confiável.
9. Cuidado ao mergulhar em local raso (coloque aviso).
10. Mais de 40% dos proprietários de piscinas não sabem
realizar o primeiro socorro - CUIDADO!
Tabela 2 – Medidas de prevenção em afogamento – Szpilman 2005
Figura 2 – Junto com a tabela 2 de prevenção
Figuras 3 e 4 – Ventilação dentro da água.
Algoritmo 1 – Ressuscitação de trauma dentro da água.
Figuras 5 - Técnicas de imobilização da coluna cervical ainda dentro da água, com e sem
equipamento.
Figura 6 – Técnica de transporte de vítima cansada ou inconsciente.
Figura 7 - Posição paralela ao espelho de água, com o tronco e cabeça no mesmo nível, deitada
em decúbito dorsal, distante o suficiente da água a fim de evitar as ondas.
Algoritmo 2 – arquivo em anexo (power point)
Special Resuscitation Situations; Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency
Cardiac Care (ECC); Circulation, August 22, Vol 102, No 8, 2000.
TABELA 3
CLASSIFICAÇÃO, MORTALIDADE and HOSPITALIZAÇÃO (n = 1831^)
GRAU No. Mortalidade
geral(%)
Hospitalização(%) Mortalidade Hospitalar(%)
Resgate 38.976 0 (0.0%) 0 (0.0%) 0 (0.0%)
1 1189 0 (0.0%) 35(2.9%) 0(0.0%)
2 338 2 (0.6%) 50(14.8%) 2(4.0%)
3 58 3 (5.2%) 26(44.8%) 3(11.5%)
4 36 7 (19.4%) 32(88.9%) 7(19.4%)
5 25 11 (44%) 21(84%)(@) 7(33.3%)
6 185 172 (93%) 23(12.4%)(@) 10(43.5%)
Total 1.831(&)
195 (10.6%) 187 (10.2%)* 29 (15.5%)
P < 0.0001
Tabela 3 - Mortalidade geral para cada grau de afogamento (gravidade), necessidade de hospitalização e a
mortalidade pré-hospitalar e hospitalar. (^) Mortalidade geral 10.6%; (&) Casos de resgates excluídos. (*) Necessidade de
hospitalização (10.2%) conforme o grau de afogamento e sua mortalidade. Mortalidade no hospital foi de 15.5%. (@) Quatro
pacientes grau 5 e 162 grau 6, ficaram fora desta tabela por terem sido considerados como óbito no pré-hospitalar.
TABELA 4
Probabilidade de sobrevida neurológica intacta a alta hospitalar baseado no tempo de submerssão.
Duração da submerssão Morte ou lesão cerebral grave
0 to <5 minutos 10%
5 to <10 minutos 56%
10 to <25 minutos 88%
> 25 minutos 100%
Note como a mortalidade aumenta 6 vezes quando se passa
para 5 a 10 minutos de submersão, comparado com o
grupo menor de 5 minutos.
Tabela 4 35