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5 Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002 Rapel e Física - Uma Dupla Premiada! O estudante moderno não se limita mais a, simplesmente, copiar do quadro o que lhe en- sinam. Ele sente a necessidade de ques- tionar conceitos e teorias; busca aplicar o que aprende e, principal- mente, quer sentir prazer em estudar. Dentro dessa perspectiva apresenta- se a necessidade de inovar os métodos de ensino sempre buscando uma maior qualidade no aprendizado. Dessa necessidade de inovação surgiu a idéia de tentar fazer com que os próprios alunos criassem atividades práticas para o curso de Física deles. Dentre as várias iniciativas, a que mais se destacou foi a oficina de Física no rapel. Mas não parou por aí. Como se não bastasse atingir os objetivos pedagógicos, tal trabalho ainda foi inscrito no II Prêmio Jovem Cientista do Futuro - 2001 (pro- movido pelo CNPq e patrocinado pela Fundação Roberto Marinho e pela Ger- dau) e foi classifi- cado em primeiro lugar! Este artigo destina-se não só a descrever o trabalho que foi desenvolvido pelo aluno Vanderlei, sob a orientação do professor de Física, Júdice, mas também serve como um incentivo para que outros professores repensem sua prática didática e incentivem seus alunos à pesquisa científica desde cedo. Este trabalho nasceu a partir dos questionamentos sobre a possibilidade de, realmente, se aplicar os conheci- mentos que estavam sendo desenvol- Renato Júdice Faculdade de Educação da UFMG Belo Horizonte - MG E-mail: [email protected] Vanderlei da Conceição Veloso Júnior Colégio Arnaldo Belo Horizonte - MG E-mail: [email protected] vidos no colégio em situações do dia a dia. Não que a aprendizagem só se justifique quando é aplicável, mas não se têm desvantagens nessa tal aplica- bilidade. Cobranças do tipo “não seria possível o próprio aluno procurar as tais aplicações dos conceitos discuti- dos?” também surgiam. E foi justa- mente nessa atmosfera de inquietação que surgiu esta pesquisa. Contando com o incentivo e ori- entação do professor de Física, todo o trabalho desenvolvido pelo aluno da 2 a série do Ensino Médio foi baseado na seguinte pergunta: será possível um aluno construir uma atividade prática de Física, contextualizada, pa- ra outros alunos das séries anteriores? Acreditava-se que sim, e por isso tra- çou-se o seguinte objetivo para a pes- quisa: elaborar uma atividade prá- tica de Física sobre o rapel para os alu- nos do 1 o ano do Ensino Médio. A principal justifica- tiva para a escolha do rapel como tema da atividade foi o fato do aluno Vanderlei já ser um pra- ticante e ter muita familiaridade com esse esporte. Essa atividade prática não só foi desenvolvida “no papel”, como foi aplicada para os alunos, em especial os do 1 o ano, durante a Estação Ciên- cia do Colégio Arnaldo (Belo Horizon- te) no ano de 2000. E são vários os fatores que indicam a relevância deste projeto. Os três considerados mais re- levantes são apresentados aqui. Pri- meiro, a motivação. As atividades Rapel e Física O estudante moderno não se limita mais a, simplesmente, copiar do quadro o que lhe ensinam. Ele sente a necessidade de questionar conceitos e teorias; busca aplicar o que aprende e, principalmente, quer sentir prazer em estudar A necessidade de buscar inovação nos métodos de ensino gerou o experimento aqui descrito, unindo Física e a prática de uma variante do alpinismo, o rapel. O trabalho, apresentado no II Prêmio Jovem Cientista do Futuro 2001, promovido pelo CNPq, arrebatou nada menos que o primeiro lugar.

Rapel e Física · o rapel para os alu-nos do 1o ano do Ensino Médio. A principal justifica-tiva para a escolha do rapel como tema da atividade foi o fato do aluno Vanderlei já

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5Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002

Rapel e Física -

Uma Dupla Premiada!

Oestudante moderno não selimita mais a, simplesmente,copiar do quadro o que lhe en-

sinam. Ele sente a necessidade de ques-tionar conceitos e teorias; buscaaplicar o que aprende e, principal-mente, quer sentir prazer em estudar.Dentro dessa perspectiva apresenta-se a necessidade de inovar os métodosde ensino sempre buscando umamaior qualidade no aprendizado.Dessa necessidade de inovação surgiua idéia de tentar fazer com que ospróprios alunos criassem atividadespráticas para o curso de Física deles.Dentre as várias iniciativas, a quemais se destacou foi a oficina de Físicano rapel. Mas não parou por aí. Comose não bastasseatingir os objetivospedagógicos, taltrabalho ainda foiinscrito no II PrêmioJovem Cientista doFuturo - 2001 (pro-movido pelo CNPq epatrocinado pelaFundação RobertoMarinho e pela Ger-dau) e foi classifi-cado em primeiro lugar! Este artigodestina-se não só a descrever otrabalho que foi desenvolvido peloaluno Vanderlei, sob a orientação doprofessor de Física, Júdice, mastambém serve como um incentivopara que outros professores repensemsua prática didática e incentivem seusalunos à pesquisa científica desdecedo.

Este trabalho nasceu a partir dosquestionamentos sobre a possibilidadede, realmente, se aplicar os conheci-mentos que estavam sendo desenvol-

Renato JúdiceFaculdade de Educação da UFMGBelo Horizonte - MGE-mail: [email protected]

Vanderlei da Conceição Veloso JúniorColégio ArnaldoBelo Horizonte - MGE-mail: [email protected]

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vidos no colégio em situações do diaa dia. Não que a aprendizagem só sejustifique quando é aplicável, mas nãose têm desvantagens nessa tal aplica-bilidade. Cobranças do tipo “não seriapossível o próprio aluno procurar astais aplicações dos conceitos discuti-dos?” também surgiam. E foi justa-mente nessa atmosfera de inquietaçãoque surgiu esta pesquisa.

Contando com o incentivo e ori-entação do professor de Física, todo otrabalho desenvolvido pelo aluno da2a série do Ensino Médio foi baseadona seguinte pergunta: será possívelum aluno construir uma atividadeprática de Física, contextualizada, pa-ra outros alunos das séries anteriores?

Acreditava-se quesim, e por isso tra-çou-se o seguinteobjetivo para a pes-quisa: elaboraruma atividade prá-tica de Física sobreo rapel para os alu-nos do 1o ano doEnsino Médio. Aprincipal justifica-tiva para a escolha

do rapel como tema da atividade foi ofato do aluno Vanderlei já ser um pra-ticante e ter muita familiaridade comesse esporte.

Essa atividade prática não só foidesenvolvida “no papel”, como foiaplicada para os alunos, em especialos do 1o ano, durante a Estação Ciên-cia do Colégio Arnaldo (Belo Horizon-te) no ano de 2000. E são vários osfatores que indicam a relevância desteprojeto. Os três considerados mais re-levantes são apresentados aqui. Pri-meiro, a motivação. As atividades

Rapel e Física

O estudante moderno nãose limita mais a,

simplesmente, copiar doquadro o que lhe ensinam.Ele sente a necessidade de

questionar conceitos eteorias; busca aplicar o queaprende e, principalmente,

quer sentir prazer emestudar

A necessidade de buscar inovação nos métodosde ensino gerou o experimento aqui descrito,unindo Física e a prática de uma variante doalpinismo, o rapel. O trabalho, apresentado noII Prêmio Jovem Cientista do Futuro 2001,promovido pelo CNPq, arrebatou nada menosque o primeiro lugar.

6 Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002Rapel e Física

práticas, de um modo geral, não sófacilitam a aprendizagem mas tam-bém conquistam os alunos para umestudo mais efetivo da disciplina. Afi-nal, é árduo para o aluno quando oprofessor apenas “enche” o quadro defórmulas e o coloca para resolver umalista de exercícios de vestibular. O se-gundo fator é a coerência da idéia comas propostas mais recentes do governopara a educação, em especial, os Pa-râmetros Curriculares Nacionais -PCNs. Como exemplo, têm-se dois tre-chos retirados da parte III dos PCNs(parte das Ciências da Natureza, Ma-temática e suas Tecnologias), nosquais se pode constatar o incentivo àcontextualização do ensino e à reali-zação de atividades práticas.

“Os objetivos do Ensino Mé-dio em cada área do conheci-mento devem envolver, de formacombinada, o desenvolvimentode conhecimentos práticos, con-textualizados, que respondam àsnecessidades da vida contempo-rânea...” (pag. 06)

“Um dos pontos de partidapara esse processo é tratar, comoconteúdo do aprendizado mate-mático, científico e tecnológico,elementos do domínio vivencialdos educandos, da escola e desua comunidade imediata.”(pag. 07)

E, finalmente, oterceiro e mais im-portante argu-mento é o incentivoà inovação nas me-todologias da edu-cação, pois este tra-balho não é inova-dor por si próprio.No entanto, acredi-ta-se que ele sirvacomo um incentivopara que os profes-sores, em especialdo Ensino Médio, repensem suaspráticas pedagógicas, quem sabe, atéadotando os alunos como seus par-ceiros na elaboração, execução e ava-liação das atividades práticas...

Visando o êxito da atividade, otrabalho foi iniciado criando algumassuposições e pensando em possíveis

problemas. A seguir tais suposiçõessão descritas e explicadas:

• Qual nível de conhecimento oaluno deve ter paraexecutar com su-cesso a tarefa a qualse propõe? - Afinaldurante a apresen-tação era ele quemdava todas as ex-plicações; conse-qüentemente, tinhaque estar preparadopara responder, demaneira correta, asdúvidas que surgis-sem.

• Como desper-tar a curiosidade doaluno e do público em geral para avisitação da atividade, ou seja, era im-prescindível divulgar o trabalho deuma maneira objetiva e ao mesmotempo criativa, algo incomum querealmente instigasse a curiosidade detodos os visitantes.

• É realmente viável a realizaçãode tal atividade? - Essa pergunta foifeita porque era necessária uma auto-rização do colégio para realizar a ofici-na e o rapel. Por ser um esporte radi-cal e não muito difundido, acaba sen-do taxado como perigoso, que põe emrisco a vida das pessoas, fato esse, queacabou-se provando ser falso.

Com relação aos problemas queapareceram duranteo trabalho, os maisrelevantes foram: aescola, preocupadacom a segurança detodos os envolvidos,pediu que fosse feitauma apresentaçãoprévia. Essa apre-sentação aconteceue foi suficiente paraque a escola seconvencesse de queera realmente segu-

ro e que a atividade era bastante séria.Outro problema era onde realizar aatividade, pois era preciso um pontoalto para fazer a descida. Felizmente,o colégio Arnaldo possui uma piscinasuspensa, que se tornou o ponto idealpara se praticar o rapel. E, por último,destaca-se a necessidade de pelo menos

mais uma pessoa para ajudar nasegurança do trabalho, ou seja, outrapessoa conhecedora da técnica. Esse

problema foi re-solvido rapida-mente pois umoutro aluno, quecursava a mesmasérie, ajudou du-rante a parte prá-tica.

P re t end i a - s ecriar uma atividadeonde as pessoas,além de terem con-tato com a parte teó-rica, pudessem tam-bém praticar o rapel.Sendo Vanderlei

praticante do esporte, já tinha oconhecimento necessário para a parteprática do trabalho. Faltava somente aaplicação dos conceitos físicos. Eestando já no 2o ano do Ensino Médio,ele teve condições de elaborar umaexplicação sobre conceitos de atrito,movimento retilíneo uniforme, acele-ração e, principalmente, decomposiçãode forças (especialmente a força peso).Também foi introduzida algumaexplicação sobre energia potencialgravitacional e energia cinética, outrarica maneira para se abordar os con-ceitos físicos neste caso.

Para completar o trabalho, foimontado um sistema de roldanas (fi-xas, móveis, combinações entre rolda-nas fixas e móveis, móveis e móveis)para que as pessoas fizessem, elas mes-mas, os testes com o sistema. Claro quetudo isso sob a supervisão de Vanderlei,

Foto 1. Vanderlei (direita) e o colega Nil-ton, que o ajudou na empreitada. Ambosestão sob a piscina suspensa do ColégioArnaldo, onde foi realizada a oficina deFísica no rapel.

A relevância do projeto dorapel reside no incentivo àinovação nas metodologiasda educação. Acredita-se

que ele sirva como umincentivo para que os

professores, em especial doEnsino Médio, repensem

suas práticas pedagógicas,quem sabe, até adotando osalunos como seus parceirosna elaboração, execução eavaliação das atividades

práticas

Pretendia-se criar umaatividade onde as pessoas,além de terem contato coma parte teórica, pudessemtambém praticar o rapel.

Sendo Vanderlei praticantedo esporte, já tinha o

conhecimento necessáriopara a parte prática do

trabalho. Faltava somente aaplicação dos conceitos

físicos

7Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002 Rapel e Física

que também explicava o fun-cionamento do tal sistema. Para quetodas as pessoaspudessem entendero que acontecia,procurou-se fazeruso de um vocabu-lário simples e obje-tivo.

Com relação àdivulgação do tra-balho, foram cria-dos alguns cartazescom imagens e al-guns tópicos que instigassem a curio-sidade do público; foi feita uma faixade oito metros, colocada em local

estratégico; foi montado um muralcom fotos de rapéis anteriores;

conseguiu-se até umjipe da Troller, que foicolocado em localpróximo ao que aatividade estavaacontecendo.

O rapel foi feitode uma piscina sus-pensa a uma alturade aproximada-mente oito metros.A atividade foi a

mais visitada e comentada pelosalunos, fato que causou extrema sa-tisfação e trouxe a certeza de que osobjetivos do trabalho tinham sidoconcretizados.

Mas afinal, o que é o rapel? O ra-pel é uma variação do alpinismo, umatécnica de descida por meio de corda,no qual a pessoa desliza controlada-mente. Essa técnicaé utilizada para res-gate, espeleologia(exploração de ca-vernas) e como es-porte, sendo tam-bém consideradauma das grandesinovações no alpi-nismo. Vale a penaressaltar que o pri-meiro rapel foi feitonos Montes Piri-neus, na França. Talprática é muito usada pelo Corpo deBombeiros e em operações táticas pe-las Forças Armadas.

Fotos 2 e 3. Vanderlei está fazendo rapelem uma ponte, sobre os trilhos do trem,no bairro Belvedere em Belo Horizonte.Aqui ele desce tranqüilamente na posiçãotradicional...

...mas aqui ele mostra muita perícia e des-ce de cabeça para baixo!

Foto 4. Publicada no jornal Estado de Mi-nas de 30 de outubro de 2001, mostra osvencedores do Prêmio em cada uma dascategorias. Foi uma cerimônia, em Brasí-lia, para a divulgação dos resultados paraa imprensa. À esquerda, Vanderlei da Con-ceição Veloso Júnior (1o lugar do PrêmioJovem Cientista do Futuro); ao centro,Jean Piton Gonçalves (1o lugar do PrêmioJovem Cientista - categoria: graduandos);e à direita, Gilberto Lacerda dos Santos (1o

lugar do Prêmio Jovem Cientista - cate-goria: graduados).(Foto de Roberto Stuckert Filho/AG).

Já a idéia de inscrever esse traba-lho no concurso do CNPq surgiu por-que, coincidentemente, o tema do Prê-mio no ano de 2000 era dedicado a“Novas metodologias para a educa-ção”, no qual a pesquisa se encaixavaperfeitamente. Então uma monogra-fia foi escrita e a inscrição foi feita.Tinha-se consciência do envolvimentoe da seriedade na qual o trabalho foifeito; no entanto, a notícia do primei-ro lugar foi uma surpresa e motivo degrande alegria! E, com certeza, um mo-tivo a mais para estar sempre parti-cipando de concursos desse tipo.Aproveitando a oportunidade, vai aí osite do CNPq, no qual pode-se en-contrar todas as informações sobre oPrêmio Jovem Cientista (para alunosde graduação e graduados) e sobre oPrêmio Jovem Cientista do Futuro (pa-ra alunos do Ensino Médio): http://www.cnpq.br/jovemcientista.

Em um levantamento posterior àrealização da atividade, pode-se afirmarque se obteve um resultado positivo.Conseguiu-se provar que é possível aum aluno construir uma atividadeprática de Física, contextualizada, paraoutros alunos das séries anteriores, semdefasagem de conteúdo e comsegurança na parte prática. Além disso,as pessoas que não conheciam o esportetiveram um primeiro contato com elede forma tranqüila e segura, des-mistificando a idéia de que o rapel énecessariamente perigoso.

Portanto, espera-se que a maioria dosalunos daquele 1o ano do Ensino Médiodo colégio Arnaldo tenham se sentido

mais motivados paraaprender Física, já que,ao perceber que a pro-posta de alunos cons-truírem atividadespara alunos é viável,eles provavelmentegostarão de se en-volver mais com taisatividades e com oensino de um modogeral. E mais, espe-ramos principalmenteter motivado os pro-

fessores para um Ensino de Física maisvoltado para atividades contextualizadase para a pesquisa científica.

O rapel é uma variação doalpinismo, uma técnica dedescida por meio de corda,

no qual a pessoa deslizacontroladamente. Essatécnica é utilizada pararesgate, espeleologia

(exploração de cavernas) ecomo esporte, sendo

também considerada umadas grandes inovações no

alpinismo

A atividade do rapel foi amais visitada e comentada

pelos alunos que visitaram aEstação Ciência do ColégioArnaldo no ano de 2000,fato que causou extrema

satisfação e trouxe a certezade que os objetivos dotrabalho tinham sido

concretizados