Maternidade Transferida - Sueli

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Suely Gomes CostaUniversidade Federal Fluminense

Proteo social, maternidade transferida e lutas pela sade reprodutivaR esumo: Este artigo analisa a natureza das tenses presentes na sada das mulheres para o espao pblico e na montagem dos sistemas protecionistas no Brasil. Situa experincias e revises tericas no mbito da histria das mulheres, das relaes de gnero e dos movimentos feministas, na perspectiva da longa durao histrica. Lutas feministas e padres de domesticidade reafirmam a casa como o lugar, por excelncia, das prticas protecionistas, dispensando ou retardando a montagem dos sistemas pblicos de proteo social. Relaes entre as mulheres mantidas na administrao da casa e as que asseguram sua sada para as atividades fora do espao domstico estabelecero desigualdades nos acessos a direitos sociais. O artigo examina indcios de mudana dessa tendncia histrica nas lutas pela universalizao dos direitos reprodutivos nos anos 80 do sculo XX. Palavras-chave: teoria feminista, histria das mulheres, sistemas de proteo social, relaes de gnero, desigualdades sociais.

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O tema est em Suely G. COSTA, 1993a. Sobre proteo primria e secundria, ver: Robert CASTEL, 1998.2

Sobre a noo de sair, ver: PERROT, 1994. Sobre sistemas protecionistas em geral, ver: Karl POLANYI, 1978; e CASTEL, 1998. Sobre esses sistemas no Brasil: ngela M. de C. GOMES, 1979.

A histria social brasileira tem revelado nexos pouco examinados entre padres de domesticidade e pautas feministas de lutas por direitos sociais. Em certas conjunturas, essas pautas reafirmaram obrigaes femininas nas casas, mltiplas prticas de proteo social de crianas e adultos, doentes fsicos e mentais, de natureza primria famlia e grupos de convvio , dispensando ou retardando a montagem da proteo social secundria no pas: servios sociais em instituies estatais e privadas de cuidados diversos.1 Cuidados a cargo das mulheres e experincias feministas, quando relacionados, desvendam tenses que tanto tm presidido a sada das mulheres para a vida pblica e a tomada de conscincia de gnero, de que fala Michelle Perrot como modelado os sistemas protecionistas no Brasil dos sculos XIX e XX.2

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Ver: Joan SCOTT, 1992, em especial a pgina 64. Sobre a teoria das esferas separadas, ver: SCOTT, 1994; e Norbert ELIAS, 1990.

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Eleni VARIKAS, 1997.

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PERROT et al., 2001, p. 8.

A desconsiderao desses nexos parece decorrer de orientaes tericas de estudos sobre prticas protecionistas, restritos s polticas e aos servios sociais, usualmente imersas em referncias macroanalticas. Nelas, a noo de esfera pblica dissociada da de esfera privada separa e ope o mundo da cultura e da poltica, tido como masculino, daquele considerado natural, portanto, feminino, domstico e despolitizado. As prticas de proteo primria, em grande parte a cargo das mulheres, tornadas naturais no mbito das famlias e grupos de convvio, ficam ocultas. A teoria das esferas separadas esconde as conexes entre a histria das mulheres e a poltica, e acoberta os significados polticos das relaes de gnero e das prticas protecionistas. 3 O conceito de gnero, ao evocar a dimenso poltica das relaes entre o masculino e o feminino, associa-as a outras relaes de raa/etnia, classes, geraes , explicitando, tanto nos intercmbios interdisciplinares como nas experincias pessoais dos prprios/as produtores/as de conhecimento, as conexes entre o pblico e privado. Recolher o poltico das prticas femininas favorece sua desnaturalizao e a sua dimenso pblica. Por essa via, a noo de pblico estende-se ao cotidiano e aos cdigos familiares, expondo a indissociabilidade do civil, do econmico e do prprio poltico; tambm no abstrai o privado, uma vez que, nessa perspectiva, o pessoal poltico.4 As anlises dos sistemas protecionistas no Brasil, ao priorizarem as relaes entre sociedade civil e Estado, mantm-se apartadas dos estudos feministas. Estes, por sua vez, organizaram-se em torno de dois enfoques tomados em separado: o feminismo, identificado como movimentos organizados de mulheres, e a histria das mulheres, um conjunto de temas voltados para a intimidade da vida e do trabalho domstico, ambos, por muito tempo, sob influncia do paradigma das esferas separadas. Pesquisas dos anos 70, e mesmo em fins dos 80 do sculo XX, reafirmaram oposies sistemticas entre homens e mulheres e lutas por igualdade referidas stricto sensu aos homens. Nesses marcos, o campo da proteo social foi obscurecido. Em 1986, Michelle Perrot e um grupo de pesquisadoras francesas atribuem dicotomia desses dois enfoques a histria dos feminismos e a histria das mulheres a responsabilidade de muitas imprecises tericas.5 Referncias disciplinares de estudos dos feminismos, portanto dos movimentos sociais organizados ou aes polticas de mulheres, dispensavam fenmenos da esfera privada. Do mesmo modo, parmetros de orientao de

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Sobre feminismo informal, ver: PERROT et al., 2001, p. 23.

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PERROT et al., 2001, p. 24-25.

pesquisas sobre a histria das mulheres, no trato de questes do cotidiano e da intimidade da chamada esfera privada , desconsideravam os da pblica. Nessas abordagens, o paradigma do patriarcalismo, imerso em referncias economicistas, conformou, por toda parte, a matriz de dominao masculina cujos significados polticos ficavam restritos s oposies entre os sexos masculino e feminino. Poderes femininos e sistemas de poder e de subordinao inscritos em outras relaes sociais de classes, de raas/ etnias, de geraes no adquirem dimenso poltica. Feminismos informais, formas de transgresses capazes de impulsionar mudanas de cdigos comportamentais femininos de expresso coletiva, nunca so decodificados.6 As desigualdades entre as mulheres de diferentes classes, regra geral, tambm ficam escondidas. A noo de que as relaes entre os sexos so relaes sociais subjacente ao conceito de gnero e vai possibilitar uma distino entre o social e o poltico, refinando o conceito de dominao. Embora a poltica derive do social, distingue-se dele por sua funo especfica: a de produzir o cdigo comum de regulao da vida coletiva. Essa noo tambm assume importncia terica central na avaliao de Michelle Perrot e demais pesquisadoras da disciplina histria das mulheres. Lembram que no basta examinar a opresso ou a rebelio para apreender a dominao como uma relao dialtica, mostrando quo complexa a tarefa de identificar o modo pelo qual o poltico instncia de regulao e de controle da sociedade define e articula tudo aquilo que, historicamente, emana do pblico e do privado.7 Embora os movimentos feministas nunca deixassem de lado sua irrestrita defesa do igualitarismo entre homens e mulheres, seus marcos tericos mantiveram fundas imprecises quanto s desigualdades em geral. No que concerne s desigualdades entre as mulheres, isso patente. Tais preocupaes presidem a formulao do conceito de maternidade transferida, discutido a seguir; atravs dele, a problematizao da dicotomia pblico/ privado ganha sensvel nitidez, colocando em cena significados mais precisos das lutas por direitos reprodutivos.

Sadas e dilemas: a maternidade transferidaPara o exerccio de atividades fora do espao domstico, trivial que as mulheres precisem delegar tarefas da administrao de suas casas a outras mulheres.8 No caso brasileiro, essas so prticas de longa durao histrica que reafirmam a maternidade transferida, forma de as mulheres atriburem-se mtuas responsabilidades, legitimada nas lutas feministas. Essa transferncia atualiza desigualdades seculares nos acessos das mulheres a direitos sociais,

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COSTA, 1999; 2001a.

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COSTA, 2000.

10 COSTA, 1988; 1996. Prticas domsticas, daqui por diante, referem-se a: COSTA, 1993b; 1996. 11 Sobre literatura romntica, ver: COSTA, 2000a; 1993b.

prprias das relaes de poder e subordinao que presidem a montagem dos sistemas protecionistas. Por outro lado, as lutas feministas pela universalizao de direitos reprodutivos, nos anos 80 do sculo XX, prescrevem o igualitarismo entre as mulheres, expressando uma nova tendncia.9 Na sada em direo vida pblica, as mulheres vivenciam ganhos e dilemas polticos. Ganham espaos diversos e tomam conscincia de si e do outro. Enfrentam dificuldades quanto garantia de atendimento de suas tradicionais responsabilidades domsticas, quaisquer que sejam as classes sociais a que pertenam. Essa sada tem dependido da soluo de impasses decorrentes do nocontrole da concepo, da lenta incorporao do progresso tcnico no mbito domstico e da tardia montagem de sistemas protecionistas em apoio administrao do mundo domstico. Tal sada revela-se de grande relevncia terica para os estudos que associam lutas por direitos sociais e movimentos feministas no Brasil. As mulheres, sem contraceptivos por muitas geraes, viveram uma longa histria de encargos com suas proles numerosas, pontuada de seguidas experincias de aborto. Sem mudanas tcnicas continuadas, ficaram aprisionadas em rduos afazeres domsticos artesanais. Sem sistemas protecionistas de apoio as suas sadas, algumas mulheres deslocaram obrigaes e encargos domsticos para outras mulheres. Em toda parte, o tamanho da prole sempre definiu a extenso e a intensidade das rotinas e dos encargos dirios e ainda a regulao do tempo domstico. No Brasil, a maternidade de prole numerosa uma continuidade histrica at os anos 60 do sculo XX, quando a plula anticoncepcional muda essa tendncia. At ento, esse quadro demogrfico restringia o emprego feminino, mesmo porque a permanncia das mulheres nos trabalhos domsticos parte de um sistema de proteo social que alimenta modos de vida favorveis s relaes capitalistas peculiares a essa sociedade. Em sculos de histria, a lenta incorporao do progresso tcnico na vida domstica consolidou hbitos costumeiros, prprios persistente tendncia autrquica das casas brasileiras. Esses hbitos, talvez por fora da descontinuidade dos fluxos de mercadorias no pas, confirmaram a cada tempo as casas, mais ricas e mais pobres, como os lugares preferenciais de muitos afazeres.10 As mulheres, ao gerenciarem esses afazeres, tambm preservaram prticas artesanais, uma fonte duradoura de seu poder social, sacramentando prendas domsticas, como indica a literatura romntica.11

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NESTL, 1875.

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COSTA, 2000b.

O ingresso de mercadorias artesanais e fabris nas casas, por importao do exterior e por trocas entre as regies do pas, muda a regulao do tempo feminino. Quando incorporados, bens de consumo corrente inovam as formas relacionais da vida cotidiana. O material publicitrio do leite em p de Henrique Nestl, qumico em Vevey (Suissa), editado no Rio em 1875, por exemplo, ao condenar o recurso das amas-de-leite, no adverte apenas para o crescente risco de contaminao dessa prtica.12 Desloca a seu favor as vantagens da maternidade transferida de mes para as amas-de-leite, presentes na vida social desde os primrdios coloniais. Esse leite altera a fundo as prticas domsticas e as relaes entre as mulheres. Gerar economia de tempo pelo uso de novos bens de consumo corrente, como o leite em p, em lugar de outros oriundos de prticas artesanais, transforma os ritmos tempo e movimentos das prticas domsticas e as relaes entre as mulheres, disponibilizando maior tempo para as mulheres investirem em seus projetos. Mas nem sempre isso imediato. Os fsforos, inventados na Europa nos anos 30 do sculo XIX, s sero introduzidos e disseminados no Rio de Janeiro nos anos 60. Essa inovao libera um formidvel tempo das mulheres, aplicado diariamente na recolha e guarda de madeira e carvo e na rdua tarefa de acender foges a lenha. Transformaes de processos de trabalho domsticos como esses, por incorporao dessas mercadorias no mercado, promovem, j nos anos 20 do sculo XIX, uma reprogramao do tempo feminino.13 Durante a expanso cafeeira, quando a capacidade de importar do exterior as novidades domsticas e de produzi-las internamente amplia-se, muitas sero as transformaes do uso do tempo feminino. Antes do advento de mquinas maravilhosas, foram desencadeadas invisveis revolues cotidianas, apenas porque muitos dos produtos e servios necessrios ao conforto dos lares estavam no mercado. Mesmo assim, a experincia do Rio de Janeiro ao longo do sculo XIX mostra que as casas s muito lentamente deixaram de produzir sabes, velas, branqueadores de tecidos, vinagres, fios, tecidos, roupas as de cama e mesa, de banho e de vestir , sem mencionar alimentos e tantos servios. Tais utilidades domsticas, mesmo no sculo XX, nem sempre foram obtidas no mercado, se considerados o grau de desmonetizao dessa economia e, ainda, as desigualdades de acesso a esses bens. Mas nem a presena no mercado brasileiro dos aparelhos eletrodomsticos nos anos 50 do sculo XX pode mudar, significativamente, a

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14 Sugere-se a reviso da usual negao de enlaces reprodutivos entre famlias escravas e proprietrias como consta em: Elizabeth K. C. MAGALHES e Sonia GIACOMINI, 1983. Ver, com o sentido proposto: Klaas WOORTMANN, 1987.

aplicao do tempo feminino s coisas do lar, tendo em vista as taxas de natalidade e o tamanho das proles. Na emergncia do sistema fabril, em adiantados anos dos , sculos XX, e mesmo hoje, em certas reas do pas, as estruturas urbanas poucos servios oferecem. Atravs dos tempos, a maternidade transferida cobre a deficincia dessas estruturas. A delegao de cuidados da casa expresso polissmica, referida a cuidados de coisas e de pessoas em circunstncias diversas se d porque no h outra alternativa. Essas prticas protecionistas, com pouco apoio do setor pblico, consolidaram extensas redes de proteo e dependncias armadas na intimidade das casas. Tal transferncia alicerou pactos de convivncia ainda pouco conhecidos. Encontros de muitos homens e mulheres de terras distantes, de diversas correntes migratrias chegadas ao Brasil africanas e europias nos sculos XIX e XX, em sucessivas ondas civilizadoras, formataram prticas domsticas nas quais muitas maternidades transferidas foram engendradas. Em uma grande diversidade de pactos em torno dos afazeres domsticos, as mulheres encontraram meios informais de remuner-los que, de certa maneira, redefiniram, a cada tempo, as desigualdades entre elas. No caso brasileiro, formas protecionistas podem ser desvendadas no entorno das casas, das fazendas e das fbricas, organizando prticas sociais de cada tempo. Mulheres pobres escravas de ganho a servio de seus senhores ou livres sempre tiveram muitos afazeres nas ruas, tantas vezes extenses de obrigaes domsticas, mas, em geral, contando com redes familiares, de compadrio e de vizinhana, de longa data estabelecidas. Em contrapartida, um outro padro de sociabilidade, concernente s camadas sociais mdias e altas, limita as sadas das mulheres do espao domstico. Esse padro apia-se em laos de proteo e dependncia entre mulheres das mesmas classes e entre essas e outras de classes diferentes. Nessas relaes, a maternidade transferida de umas para outras mulheres de quaisquer classes uma regularidade que se reafirma. Tal transferncia pode implicar cumplicidades entre as mulheres e certas formas de mobilidade social, tantas vezes compensatrias, que redefinem a posio social de todas elas.14 Todavia, as mulheres presas vida domstica, na longa durao histrica, vem-se restringidas em seus acessos a bens e servios. A noo de maternidade transferida d visibilidade a nexos polticos, econmicos e sociais de prticas do cotidiano domstico. Abordagens microssocietrias tornam visvel que, nas regies de assalariamento tardio, como no

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Sobre as relaes entre expropriao dos trabalhadores e expanso do assalariamento, ver: Immanuel WALLERSTEIN, 1985; 1988.

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COSTA, 1993b.

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COSTA, 1996.

Brasil, a produo domstica de famlias organiza diversos modos informais de sobrevivncia. Abordagens macroanalticas, por sua vez, tornam possvel explic-las como partes de padres reprodutivos: relaes domsticas prprias ao household tm sido base de sustentao de formas perversas de regulao de salrios. Nessa experincia, relaes informais fornecem vantagens econmicas, quando reduzem os custos da reproduo dos trabalhadores, no sentido marxista do termo. Da a importncia terica de Wallerstein sobre a dinmica capitalista.15 Por essa via, as empresas se beneficiaro amplamente do trabalho domstico: a fixao do valor do salrio mnimo no contabiliza os gastos nele realizados. Os dados do censo brasileiro de 2000 mostram a crescente presena das mulheres na populao economicamente ativa (PEA), situando-as, em grande escala ainda, nas atividades domsticas. Indicam mais: a valorizao do trabalho domstico leva expressiva substituio de mulheres por meninas. Tal fato desvenda mecanismos de reduo de preos do salrio do emprego domstico, indicando continuidades histricas transformadas desse processo que poupa investimentos no setor social apoiado, largamente, no trabalho invisvel e barato das mulheres. Os trabalhos domsticos no Brasil, por sculos, no tiveram expresso monetria nem foram regulamentados. Em contrapartida, criaram sempre valores de troca, servindo regularizao de fluxos de bens de uso corrente necessrios ao provimento das casas. No cotidiano de Helena Morley, em Diamantina, nos anos 90 do sculo XIX, um extenso mercado de trocas de bens de uso corrente com captao de moedas forma-se com a venda de excedentes produzidos na casa.16 Prevalece, ainda hoje, a noo de que as prticas domsticas tm correlao inversa e as relaes de mercado tm correlao direta com o grau de industrializao de uma dada regio. O exame de certos trabalhos por encomenda, fora das casas, como a lavao de roupas, mostra que, no Brasil, essa e outras atividades concentram-se, mesmo hoje, nas casas, ao contrrio de outras experincias de pases avanados industrialmente, em que as lavanderias se propagaram rapidamente. No Rio de Janeiro, no decorrer do sculo XIX, e at hoje, essa lavao desloca-se dos rios, riachos, fontes e bicas, lugares pblicos de encontros e conflitos, lugares de uso de todos, para o espao domstico.17 As casas senhoriais casas com rio dentro , como mostram anncios de poca, identificam o privilegiado uso de guas limpas, com desvios de cursos de rios para atendimento privado da lavao, nessas habitaes. Menos que um indcio da autarquia domstica,

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Quentinha o nome genrico dado s refeies acondicionadas em vasilhame de papel laminado, fechado mecanicamente, disponveis em restaurantes ou distribudas usualmente por empresas pblicas e privadas. Ver: ASSOCIAO BRASILEIRA DE NUTRIO, 1991. Informes fornecidos pela prof. Emlia de Jesus Ferreira (UFF), da primeira turma de nutricio-nistas do SAPS. Entrevista em Niteri, Rio de Janeiro, em agosto de 2001.

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19 COSTA, 1996; AUGUSTA, Nsia F . B., 1989.

a lavao de roupas nas residncias, uma prtica feminina por excelncia, denuncia formas de privatizao de um bem pblico, mas no s. A manuteno de privilgios de acesso a guas no poludas, de graves transtornos para o abastecimento pblico, indica que relaes entre as esferas pblica e privada, estabelecidas em aes cotidianas banais, formatam desigualdades sociais. Em fins do sculo XIX, iniciativas de lavao de roupas em recintos pblicos, por sua vez, fracassam. Prticas costumeiras rechaam, por muitas razes no necessariamente urbanas , o aparato de reproduo fora da vida domstica e atualizam a necessidade do trabalho feminino no espao da casa. A produo direta de alimentos apia-se no trabalho feminino. Atividades de criao de animais de pequeno porte, sobretudo de aves e sunos, e as de cultivo de alimentos demoraram a sair das fronteiras domsticas. Mesmo nos anos 40 do sculo XX, a iniciativa governamental de montagem da rede de restaurantes populares, o Servio de Alimentao da Previdncia Social (SAPS), para suprir deficincias de alimentao dos trabalhadores deslocados para reas distantes de suas casas, no se consolidar. Nos dias de hoje, as quentinhas feitas em casa atualizam o uso das marmitas.18 Mulheres mais e menos abastadas vincularam-se a milhares de mulheres mais e menos pobres aplicadas ao trato de suas casas, atravs de infindveis tarefas e de um grande nmero de compensaes recprocas. A sada para estudar, trabalhar e equiparar-se aos homens, ou para a mera permanncia no cio, atravs da maternidade transferida de umas para outras mulheres, marca seguidos pactos (e guerras) domsticos. S o cuidadoso preparo dessa transferncia de responsabilidades e de afetos no interior da vida domstica podia impedir o risco de caos na vida familiar. Dados sobre a regulao do tempo domstico, o controle da concepo e os sistemas protecionistas, quando correlacionados, mostram as muitas faces das lutas feministas diante desses dilemas existenciais. No Brasil, do sculo XIX at os anos 60 do sculo XX, essas lutas s ganham sustentao porque suas bandeiras garantiram continuidades de um dado padro de maternidade, padro este que promove direitos apenas para algumas mulheres. Neste caso, as lutas feministas por igualdade em relao aos homens revelam pouca efetividade quanto s desigualdades entre as mulheres. Nsia Floresta, feminista dos anos 30 do sculo XIX, embora antiescravista, nem de longe incluiu em sua pauta de luta a igualdade entre as mulheres.19 De sua traduo livre dos textos de Mary

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Sobre Berta Lutz, ver: SOIHET, Rachel. 2001, p.52. A autora indica conduta feminista de mesmo significado; toma-a, porm, como uma ttica de superao de obstculos conquista de direitos.

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COSTA, 2001a.

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O GLOBO, 2001.

Wollstonecraft no constam preceitos de igualdade de direitos civis e polticos entre os seres humanos, essenciais s reivindicaes dessa feminista inglesa no sculo XVIII. Com Nsia, e depois com Bertha Lutz no incio do sculo XX, ambas de classes abastadas, as lutas por igualdade para com os homens se definem em relao a um melhor e mais aprimorado exerccio da maternidade.20 Crticas aos movimentos feministas do passado tm deixado de perceber que a justificativa de sada das mulheres sob o argumento de aperfeioamento da qualidade de ser me e esposa foi muito mais que uma reiterada mitificao da maternidade. Serviu para sustentar um padro protecionista conduzido por um exrcito de mulheres educadas para as tarefas de casa, nesse modo peculiar de sobrevivncia humana, atualizando, a cada tempo, a desnecessidade de servios sociais de apoio a essa sada. Mesmo quando se refere a lutas por equipamentos sociais para as mulheres pobres, como os de assistncia infncia e maternidade, a pauta de Bertha Lutz deixa de incluir, por exemplo, necessidades mnimas de regulamentao da jornada e do salrio do trabalho domstico. Os marcos por direitos se restringem igualdade das mulheres para com os homens de uma mesma posio social sem estend-los s garantias sociais de mulheres empregadas a seu servio na administrao do conforto domstico.21 H limites societrios nas marcas atingidas pelo processo de tomada de conscincia de gnero nas lutas feministas quanto aos direitos civis, polticos e sociais, mais um desafio para a avaliao de experincias individuais e coletivas de mulheres na historiografia contempornea. No caso, impossvel examinar esses limites sem associ-los montagem tardia das estruturas pblicas governamentais ou no de proteo social, como antes indicado. No Brasil, persistem os incentivos no preparo de mulheres para as tarefas do lar. Investimentos pblicos e privados voltam-se para seguidas iniciativas de treinamento das empregadas domsticas nas casas e em programas assistenciais que se estendem no tempo, chegando ao exemplo da antiga Legio Brasileira de Assistncia (LBA), ainda nos anos 90 do sculo XX. Empreendimentos dessa natureza ganhavam destaque nos jornais de grande circulao, como no caso da notcia publicada em 15 de dezembro de 1951 sobre a formatura de costureirinhas, sob patrocnio da Singer e com a presena de D. Darcy, esposa do presidente Getlio Vargas.22 Entre os anos 40 e 50 do mesmo sculo, as mulheres incluram nas suas lutas sociais questes polticas gerais, como a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a

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23 Sobre o assunto: COSTA, 2001; MACEDO, Elza Dely V., 2001.

24 FEDERAO DAS MULHERES DO BRASIL, 1955.

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BOCK, 1994; LFAUCHEUR, 1994.

defesa das riquezas nacionais - O Petrleo nosso! , o combate carestia, chegando aos 70 em defesa da anistia, dos direitos humanos e da redemocratizao do pas.23 A Federao das Mulheres do Brasil (FMB), de iderio socialista, mesmo quando nomeia o seu movimento de feminino democrtico, valoriza e promove atividades voltadas para o bom desempenho das mulheres nas tarefas do lar, acreditando na capacidade associativa dessas experincias, pouco avaliadas em seu potencial poltico.24 J no caso europeu, mulheres, desde o sculo XIX, preparam e acabam sendo o Welfare State, como mostram Gisela Bock e Nadine Lfaucheur, exigindo equipamentos e legislao sociais compatveis com suas sadas para a vida pblica.25

Feminismos e igualdade: a experincia das lutas por sade reprodutivaOs movimentos de mulheres, no necessariamente organizados, contm motivaes advindas de conflitos e tenses, colocadas pela deciso do trabalho fora dos limites domsticos. Expressam feminismos informais nem sempre perceptveis. Para a construo de seus sonhos e projetos, as mulheres avaliam o tempo a ser furtado da administrao domstica. Nesse clculo, a liberdade de uso do tempo aprisionado no interesse de outros tem l suas muitas regras societrias, inclusive afetivas. No caso brasileiro, onde relaes escravistas foram dominantes at fins do sculo XIX, mudanas de regulao do tempo feminino levavam a constantes negociaes e rearranjos de outras relaes de classe, etnia/raa, gnero e gerao de tantas desigualdades. A casa foi reiterada como o lugar preferencial do domnio das mulheres; a proteo da famlia, como virtude feminina por excelncia: o imaginrio de rainhas do lar vai alimentar os movimentos feministas do sculo XIX; mesmo os dos anos 60 do sculo XX no escapam dele. Esses movimentos formados por contingentes femininos, predominantemente de classe mdia e com largo emprego de mulheres pobres no trabalho domstico, reafirmam, mesmo hoje, antigos padres de domesticidade. O caso europeu, modelo de contraste para a avaliao do alcance das lutas feministas no Brasil, mostra que o sistema industrial propagou-se, transferindo as tarefas domsticas para o mercado e, nele, empregando mulheres, monetizando os acessos a bens e servios, outrora obtidos nas casas. Assim, impulsionava mudanas e estimulava lutas por direitos de cidadania. A presena de mulheres brasileiras no espao pblico, desencorajada mesmo no sculo XX, de modo muito tmido favoreceu a instituio do Welfare State, mesmo

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SCOTT, 1994. Sobre o poder social das mulheres, ver: SINEAU, Mariette, 1994.

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Ver: COSTA, 2000a.

assim, s no perodo Vargas, e restrito a trabalhadores urbanos. Bastou industrializao brasileira o apoio das mulheres na esfera privada, essencial ao barateamento dos custos de reproduo da fora de trabalho. Quando cozinhavam, costuravam, produziam os mais diversos artigos domsticos e cuidavam das coisas do lar estavam atendendo a demandas do mercado interno. Substituam investimentos dos empresrios no setor de bens de consumo corrente dos trabalhadores, todos necessrios a sua reproduo. Auxiliavam, pois, o perverso modelo concentrador de riqueza na reduo de custos e na ampliao de lucros, privilegiando as vantagens decorrentes das relaes com o mercado externo. Em contrapartida, anlises do caso europeu mostram que mudanas das relaes entre as esferas pblica e privada, no sculo XIX, tornam o uso da casa e do trabalho domiciliar condio subsidiria de expanso do prprio sistema e da economia de mercado e concorrem para um estado de exaltao do poder social dos diversos segmentos sociais nelas envolvidos.26 Masculino, em princpio, e estendido s mulheres, esse poder social na Europa promove os sistemas protecionistas constitudos sob o Welfare State. As mulheres so impulsionadas a abrir as fronteiras de seus lares e a sair de suas casas. No exemplo francs, o poder social das mulheres, estimulado pelas Igrejas e pela Repblica, demonstra-se fundamental ao desenvolvimento dos sistemas protecionistas pblicos, assumindo, como no resto da Europa, a forma de uma verdadeira maternidade social. Michelle Perrot destaca o quanto mulheres burguesas europias, em suas sadas, adquirem a conscincia de gnero no desempenho de atividades na educao e na assistncia aos trabalhadores, homens e mulheres pobres. Em associaes diversas, chegam a lugares at ento distantes dos seus caminhos habituais, aproximando-se da questo social e de seus variados aspectos, impelindo o reconhecimento de direitos sociais. Tornam-se precursoras de um amplo espectro de trabalhadoras e ativistas sociais capazes de impulsionar novos campos de lutas e de conquistas sociais. No caso brasileiro, o poder social das mulheres advm das prendas domsticas, ou prendas do lar, registro oficial em carteiras de identidade emitidas por rgos pblicos do pas. Prendas e poder de seduo das mulheres fazem parte dos mesmos cdigos de construo do imaginrio sobre a mulher feita para casar.27 Motivaes, estratgias e propostas polticas dos movimentos feministas do sculo XIX e do incio do XX no Brasil moveram-se nas relaes da esfera privada, sempre diante da circunstncia de proles numerosas. A maternidade transferida sofre

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mudanas proporo que o contingente de mulheres pobres em direo ao espao pblico cresce. Quando o mercado de trabalho feminino se diversificou para alm do espao domstico, foram mudadas as possibilidades dessa transferncia; redefiniram-se exigncias de sistemas de proteo social. Mulheres pobres para desempenho de inmeras tarefas fora do ambiente domstico, dispondo ou no de equipamentos sociais, contaram, sempre, em suas obrigaes de casa, com o apoio de outras mulheres, pobres como elas, estabelecendo redes sociais pouco estudadas, com perdas de direitos sociais para muitas delas. A disponibilidade de creches no Brasil s institudas como programa oficial nos anos 70 do sculo XX , mesmo hoje poucas e precrias ou caras, associada aos dados do censo de 2000 sobre o trabalho feminino fora da e na casa revelam a extenso dessas redes e os nexos entre a histria de cuidados domsticos e os servios sociais. O controle da natalidade pelas mulheres torna-se, agora, uma exigncia. Por muitos sculos, sofridos adestramentos para a criao cotidiana de economia de tempo forma de organizar as tarefas da reproduo a seu encargo e escapar delas quando desejado levaram as mulheres a buscar as vantagens da contracepo. Os significados das lutas feministas e de seus limites ampliam-se no exame dessa experincia em particular. Caminhos de expanso capitalista haviam se transformado nos anos 60. As chegadas significativas das mulheres ao mercado de trabalho mudaram prticas domsticas; em breve anunciaro a extenso da crise dos sistemas de proteo social primria, sem que os de proteo secundria estejam disponveis. O comportamento de ampla adeso s prticas de controle da natalidade em todo o pas traduz o desejo de conquista de um tempo aplicvel s demandas femininas de sair, de reduzir a carga de obrigaes e de reprogramar o tempo aplicado casa, mas tambm de resolver dependncias entre as mulheres. Agora, porm, as lutas feministas por direitos reprodutivos, quando estendem o direito de controle da concepo a todas as mulheres, redefinem o ideal do igualitarismo. Um novo patamar de conscincia de gnero aparece nas lutas por direitos reprodutivos, direitos iguais para mulheres desiguais. Esse igualitarismo se escora no ideal da sororidade ou da irmandade, perspectiva de identidade biolgica das mulheres, cultivada na vida cotidiana feminina, presente nos movimentos feministas do Brasil, mesmo ao longo dos anos 80 do sculo XX, poca

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Sobre sororidade e feministas francesas, ver: MACHADO, Lia Z., 1992.

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Lcia ARRUDA et al., 1985, p. 2.

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Ver: Delcio da F. SOBRINHO, 1993.

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Esta uma referncia a Danda PRADO, 1985.

em que conhece crticas em centros de pesquisa internacionais.28 Os feminismos, em algum momento, haviam se apropriado desse ideal identitrio e propagado a idiafora de unificao das mulheres, pensadas como iguais em sua funo reprodutiva e na luta contra as desigualdades em relao aos homens. Como organizaes destinadas a difundir doutrinas igualitrias entre o homem e a mulher, entidades tomadas como universais e essenciais, serviram-se dessa idia, nem sempre considerando as desigualdades da vida social. Nos anos 80 do sculo XX, no Brasil, esse iderio se refora. Ao proclamarem o especfico feminino como o direito no-reproduo e ao prazer, mulheres reviam o padro anterior de maternidade e inauguravam conceitos explcitos sobre a reproduo: Ter ou no ter filhos j foi conversa s de comadres. Mudaram as comadres, as mes, o papel e a reproduo humana passou a ser assunto poltico da mulher no mundo at defendido como de segurana nacional.29 Em meio a muitos conflitos geracionais quanto valorao da maternidade, os movimentos de mulheres na rea da sade expem a ruptura de silncios e o lado oculto do cotidiano feminino. Esses movimentos negam o programa materno-infantil e reafirmam o desejo de um novo padro de maternidade e, certamente, de novas relaes entre as mulheres.30 Corpo, prazer e direitos reprodutivos juntam mulheres em torno da idia de uma existncia feminina no necessariamente destinada reproduo: algo novo, mas s tornado factvel com o advento da plula. A maternidade surge agora como uma questo poltica. Na Constituinte, em fins dos anos 80, as lutas por direitos reprodutivos e por polticas sociais, mesmo sob srias divergncias entre militantes como no caso da descriminalizao do aborto e do atendimento s demandas por laqueadura de trompas , avanaram. A retrica das pautas de luta por direitos reprodutivos, reiteradamente, elabora respostas a uma pergunta que no se cala: Maternidade: opo ou fatalidade?31 Traz em si as experincias dolorosas de um enorme nmero de abortos cometidos por mulheres de todos os tempos, sempre por sua deciso e risco e de muitas dependncias entre mulheres. As preocupaes com sexualidade e reproduo apareciam nos anos 60 em publicaes para mulheres como Claudia, inaugurando sees de consultas (numa abordagem heterossexual). A coluna A Arte de Ser Mulher, de Carmem da Silva, nessa revista, desde 1962 e durante

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Laura T. CIVITA, 1994. O conceito de tomada de conscincia de gnero est em PERROT, 1994.

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COSTA, 1999.

20 anos, um exemplo. Assuntos outrora censurados so agora de domnio pblico, o que sugere um novo estgio de conscincia de gnero.32 Seguindo essa tendncia, novelas de TV como Malu Mulher e Escrava Isaura fundavam um longo e frtil debate sobre as relaes de poder entre masculino e feminino. Marta Suplicy discutia o prazer na TV. O Programa de Ateno Integral Sade da Mulher (PAISM) emerge nesse ambiente e define-se, a partir de 1983, como um campo de lutas feministas por direitos reprodutivos. O especfico desse feminismo contm, assim, antigos desejos de controle do nmero de filhos, de desfrute do prazer sexual sem risco de gravidez, de sair para a vida pblica sem os constrangimentos usuais e de ampliar e profissionalizar servios domsticos. Nada, pois, nessa manifestao feminista to novo ou to especfico. O PAISM emerge, ainda, como um lugar ocupado por mulheres. Nele, o controle democrtico da concepo, ou a regulao da concepo pelas prprias mulheres, sua marca sexista, significa mudar o Programa Materno-Infantil, todo ele voltado para o binmio me e filho e para o ciclo gravdico-puerperal. Prescreve a reduo de importncia da funo reprodutora ou a superao de um dado conceito de maternidade e de seu correspondente padro assistencial. A prioridade o trato das questes da sexualidade nas prticas mdicas e assistenciais destinadas s mulheres de vrias idades, alm do combate s prticas de esterilizao em massa efetivadas, sob o abrigo da ditadura militar de 1964, por agncias privadas de sade com financiamento de pases ricos, tomados de pnico diante dos avanos da pobreza. Quando examinado como um lugar sexualmente ocupado, esse programa expe viragens nas relaes de classes dos movimentos feministas.33 Novas aes na rea da sade reprodutiva partem de mulheres originrias dos segmentos sociais urbanos de mdias e altas rendas, no mercado de trabalho nos anos 60, 70 e 80, consumidoras privilegiadas das plulas anticoncepcionais, de cesreas, de laqueaduras de trompas e dos servios abortivos pagos e de baixo risco. Por chegarem s estruturas de poder e militncia poltica (quase sempre esquerda), adquirem conscincia das desigualdades do pas e do efetividade a essas lutas. O poder social dessas mulheres tem, ento, bastante nitidez. Muitas delas compunham a assessoria do Ministrio da Sade, onde a bandeira do PAISM foi tecida. O conceito de igualdade de acesso aos direitos reprodutivos para todas as mulheres expressa um novo estgio de conscincia de gnero: a ao poltica se destina a mulheres socialmente desiguais. atravs dessa primeira gerao de auto-reguladoras-da-concepo-por-opo-

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Ver a respeito: Tania N. SWAIN, 2001.

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Vale registrar, por exemplo, diferenas poltico-partidrias na orientao do PAISM, entre o Grupo Maria Mulher (Centro de Sade Santa Rosa), em Niteri, e a Secretaria de Estado de Sade, em meados dos anos 1980.

consciente-e-individual que as mudanas na participao feminina no mercado de trabalho e no trato das questes assistenciais so repensadas. Ao contrrio do passado, as necessidades reprodutivas de mulheres desiguais se equiparam. A defesa dessa igualdade, viga mestra do programa, intensifica-se apoiada em uma crescente base social em todo o pas. Mas nem tudo que era sexualmente pertinente aos movimentos os sensibilizava; o trato da reproduo no inclua as questes do masculino. Tido como responsvel por todas as formas de privao feminina, esse masculino surgia das noes de oposio e de polaridades entre os sexos, prprias a essa matriz conceitual. A oposio homem X mulher no PAISM exclui outros aspectos relacionais. Por prevalecer uma perspectiva heterossexual (no porque houvesse homofobia), a homossexualidade e a AIDS pouco espao conseguiram nesse programa. Essa cultura feminista cria um cdigo heterossexual dissociado do homossexual no trato das questes da reproduo, algo persistente, mesmo hoje, nos estudos sobre gnero.34 Demandas postas pelos movimentos de mulheres e as que instituram as ONGs/AIDS, embora corressem em paralelo, no deixaram, todavia, de impulsionar mudanas de mesmo sentido civilizador: a da igualdade de acesso a todos aos servios de sade, diferena marcante em relao ao passado. A crena na homogeneidade biolgica de mulheres estrutura os movimentos dessa poca, acobertando conflitos e tenses inerentes s relaes sociais. O ideal da sororidade impregna as prticas de educao em sade no PAISM. Os debates brasileiros no incluam essa metfora feminista na consolidao da igualdade de direitos reprodutivos, mesmo em fins dos anos 80. O pluripartidarismo emergente da reconstitucionalizao do pas mostrou problemas novos e criou fraturas, com perdas das unanimidades contra a ditadura militar de antes. A concorrncia entre grupos feministas quanto aos rumos das polticas sociais dificultava convivncias, mas no criou obstculos maiores ao avano do Programa.35 A sororidade aparecia nas prticas de ajuda mtua, como em movimentos feministas de outras regies do mundo: em pequenos grupos, as mulheres segredavam seus temores comuns, empenhavam-se em novos projetos pessoais e coletivos, conformavam uma dada identidade. A palavra de ordem da poca meu corpo me pertence , ao reafirmar a perspectiva de que o pessoal poltico, parecia unificar mulheres desiguais. Em defesa das mulheres em geral, a sororidade, na rea reprodutiva,

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36 Ver: COSTA, 1999; Yasmine ERGAS, 1994.

37 Um mdico do Hospital Universitrio Antnio Pedro, em Niteri, contratado, nos anos 80 para o planejamento familiar, confirmou a efetividade desse controle social: por presses de feministas, temia ser rotulado de exterminador de negros e pobres (Luciana A. NASCIMENTO, 2000, p. 32).

favoreceu a aproximao de mulheres de diferentes classes, etnias e geraes. Havia impulsionado a busca de cumplicidades e adeses de diversos profissionais, homens e mulheres, inclusive especialistas da reproduo (regularmente tidos como os mais refratrios s mudanas previstas no PAISM). Um considervel esforo de propagao de informaes cientficas sobre o corpo e o direito ao prazer, em cartilhas diversas de fcil manuseio e leitura, expressa o desejo de partilha de conhecimentos. O PAISM, na defesa da universalizao de um atendimento pblico de qualidade para todas as mulheres, incorporava metodologias feministas de ao poltica de notvel eficcia. Embora adotadas como pedagogia de tomada de conscincia de uma dada condio feminina, as oficinas as linhas da vida davam sustentao sororidade e viso de essencialidade feminina, atributo universal de vis biolgico, ocultando desigualdades.36 Propagada pelo pas, essa pedagogia revelava seu potencial poltico nos movimentos contra a violncia a servio de mulheres espancadas e ameaadas de morte , em aes que desembocaram nas Delegacias de Mulheres e nas manifestaes contra a legtima defesa da honra, jurisprudncia de absolvio de assassinos de mulheres em situaes de adultrio. Estava em diferentes movimentos de mulheres de todo o pas, organizando passeatas e comcios s portas de Tribunais de Justia. Os SOS CORPO, no Rio de Janeiro e em Recife, so exemplos importantes de condutas de mobilizao de massa. Prticas anlogas estaro nas ONGs/AIDS, todas em conjunto, de grande efetividade poltica. Contra o avano das prticas de esterilizao, as mulheres exercitavam no PAISM o controle social de polticas pblicas. 37 Criaram constrangimentos em sucessivas denncias sobre a extenso da irresponsabilidade pblica quanto esterilizao feminina, como no caso do uso do Norplant, medicamento experimental aplicado em mulheres pobres em idade reprodutiva. Mulheres pobres no teriam, porm, atendidas suas demandas nos servios pblicos de sade. Os feminismos perderiam muito de sua fora de persuaso diante dos poucos e precrios servios pblicos. As prticas de esterilizao ganharam forte adeso. Essas mulheres, a partir dos anos 70, diante da clere urbanizao do pas e do arrocho salarial de seus parceiros, viram na esterilizao a chance de impedir o crescimento da prole e de garantir as suas sadas, reduzindo alguns de seus antigos dilemas. Os movimentos feministas, no combate s iniciativas de controle populacional, no puderam oferecer alternativas imediatas a tais demandas, empenhando-se em inibir o avano das esterilizaes

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praticadas, inclusive com amplo consentimento das mulheres. O PAISM tornou-se lugar privilegiado da associao do feminino, de prticas educativas e de distribuio de plulas contraceptivas. O controle do tamanho da prole por laqueaduras de trompas, porm, passou a ser obtida fora do Programa, por conta e risco das mulheres pobres, com ou sem pagamento a mdicos, inclusive da rede pblica, ou como moeda em troca de votos transacionada por polticos em campanha eleitoral. Para obterem esterilizao, sujeitaram-se a cesarianas de tantas mortes, preo pago por transgredirem, por exercerem um feminismo informal. Pouca presena teve o PAISM nesse quadro. Na medida em que a militncia dos movimentos feministas, to diferenciada entre si, reconhecia diferenas e desigualdades entre mulheres quanto ao enquadramento poltico, posio de classe, s condies tnicas, s diferenas de gerao e ideolgicas, viu-se diante de estranhamentos e divises, caso, por exemplo, dos movimentos de mulheres negras. Decorridos cerca de 19 anos de PAISM, os dados brasileiros sobre mortalidade materna e perinatal revelam a extenso das desigualdades de direitos reprodutivos entre as mulheres. A dramaticidade das condies assistenciais do setor estatal reaparece no segundo semestre de l996, nas ocorrncias de mortes de bebs em UTI neonatal, em vrios hospitais da regio do Rio de Janeiro e do pas. Os principais indicadores das precrias condies de assistncia mulher a morte materna e a perinatal denunciam tal agravamento. Conceitos sobre mortalidade materna, elaborados com base em doenas orgnicas da gravidez e do parto, cedem lugar a outros, decorrentes da avaliao de condies de assistncia perfeitamente evitveis, e das desigualdades sociais do pas. Morrem crianas e mulheres pobres. Planos privados associados aos servios pblicos de sade atuam de modo a diluir as responsabilidades do Sistema nico de Sade (SUS) diante da gravidade dessas ocorrncias e da privatizao crescente dos servios. A aparente ampliao de cobertura, atravs de servios privados de sade, se faz com sucateamento da rede pblica, com reduo do nmero de leitos hospitalares estatais, com desmonte do princpio igualitrio, inscrito no de universalizao e de eqidade. Nunca se escreveu tanto sobre sade reprodutiva; nunca tantas ONGs se ocuparam dela. Nada disso parece favorecer as lutas por igualdade entre as mulheres. Pelo contrrio, o PAISM e o ideal da sororidade perderam sua fora de sustentao, no conseguiram generalizar transformaes de largo alcance, nem universalizar direitos.

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38 Sobre o tema: COSTA, 2001b; COSTA, 1997.

39 Estatsticas sobre morte materna no Estado do Rio de Janeiro, nos anos 90, esto em COMIT ESTADUAL DE PREVENO..., 1996. 40 Trata-se de uma assertiva de Joan Scott: o antnimo de igualdade desigualdade, no diferena; e o de diferena semelhana, no igualdade. Ver: SCOTT, 1988, p. 33-50. 41

Ver: Susan FALUDI, 2001.

Desigualdades impregnam as relaes sociais no interior do aparato protecionista e fixam os padres de consumo e a qualidade dos bens e servios a serem repartidos (e negados). Procedimentos tradicionais de proteo social primria foram agravados na conjuntura de desemprego masculino, com tantos lares chefiados por mulheres. Os mecanismos institucionais atualizaram formas de apartao social e de extermnio em massa dos segmentos sociais a que se destinam, em uma dialtica de vida-e-morte embutida nesse processo civilizador.38 A dialtica que exclui e inclui as mulheres no movimento em direo ao espao pblico favorece, ainda, a cultura protecionista privada. O atual modelo privatista de proteo social, de inspirao neoliberal, apoiado em costumes tradicionais, faz apropriao cultural das relaes da intimidade e das redes de solidariedade, enfim, das formas peculiares de organizao da vida coletiva do pas, das muitas maternidades transferidas, como no trabalho gratuito de acompanhantes de doentes em hospitais, em prticas de home care. Nos anos 90, alargou-se o grau de conscincia sobre as questes sociais.39 As noes de igualdade e diferena, to confundidas nas dcadas anteriores, e marcos de luta por cidadania explicitaram-se.40 Hoje, menos ruidosos e mais eficientes, os movimentos feministas, mesmo sob backlash, seu presumido refluxo, acionam o potencial associativo das suas indignaes.41 Para reativar as utopias igualitrias, to pouco perceptveis outrora, nunca as teorias feministas precisaram tanto afiar seus instrumentos analticos sobre a histria das mulheres e as relaes de gnero.

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2 SEMESTRE 2002

PROTEO SOCIAL, MATERNIDADE TRANSFERIDA E LUTAS PELA SADE REPRODUTIVA

Protectionism, Transfered Reproductive Social Protectionism, Transfered Mothering, and the Struggle for Reproductive Health Abstract: Abstract This article analyses the nature of the tensions brought about by the entrance of women into public space and the rise of protectionist systems in Brazil. It places both experience and theory in the long-range context of womens history, gender relations and feminist movements. Feminist struggles and domesticity patterns reaffirm the home as the place par excellence of protectionist practices, something that prevented or delayed the advent of public protectionist systems. The different relationships among those women who remained at home and those that managed to develop their activities outside the domestic environment will certainly establish inequalities as to the obtention of social rights. The article examines evidence of change in the historical trend in the struggle for universal reproductive rights during the 1980s. words: Key words feminist theories, womens history, social protectionist systems, gender relations, social inequalities.

ESTUDOS FEMINISTAS

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