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Page 1: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Escola Superior de Teologia

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes

Estação Armênia: Exílio, Fé e Reconstrução de vida na Capital

Paulista. Um estudo de caso – a comunidade protestante.

São Paulo

2012

Page 2: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

C331e Carvalhaes, Sueli Aparecida Cardozo

Estação Armênia: exílio, fé e reconstrução de vida na capital paulista. um estudo de caso - a comunidade protestante / Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes - 2012. 154 f. : Il. ; 30 cm Mestrado em (Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012. Orientador: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira

Bibliografia: f. 127-132 1. Religião2. Protestantismo 3. Imigração 4. Armênia 5. Identidade étnica I. Título LC BX4836.B66

Page 3: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes

Estação Armênia: Exílio, Fé e Reconstrução de vida na Capital Paulista. Um estudo de caso- a comunidade protestante.

Dissertação apresentada à Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito para

obtenção do grau de Mestre em Ciências da

Religião.

Aprovado em ___/____/____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Ricardo Bitun Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Deize Crespim Pereira Universidade de São Paulo – FFLCH

Page 4: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

A Deus, pelo dom da vida. Ao meu marido, meu maior incentivador.

Aos meus filhos pelo apoio. Ao meu orientador Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira porque através do seu olhar, consegui enxergar este projeto com amor e

dedicação.

Page 5: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

Agradecimentos

Registro meu reconhecimento ao meu orientador Prof. Dr. João Baptista

Borges Pereira pela sua paciência, segurança e orientação. Quanta sorte eu tive por

tê-lo como professor!

Ao Prof. Dr. Edson Pereira Lopes, meus agradecimentos especiais pelo

incentivo quando ainda estava me graduando em Teologia e que viu no meu

trabalho a possibilidade de crescimento e que em momentos de dificuldades

financeiras possibilitou minha continuidade no curso.

Ao Prof. Dr. Antonio Maspoli de Ararujo Gomes que me ensinou a trabalhar

efetivamente numa pesquisa de campo e me incluiu em seu projeto de pesquisa

onde pude compartilhar de conhecimentos muito valiosos.

A Profa. Dra. Deise Crespim Pereira pela generosidade de ter permitido e me

incentivado na participação no curso da FFLCH – USP, que me abriu o universo

cultural armênio.

Ao Prof. Dr. Ricardo Bitun, a quem aprendi a respeitar como amigo, pastor e a

admirar como professor.

Ao Prof. Dr. Gerson Leite de Moraes pelo incentivo e preocupação com minha

carreira.

Aos colegas da turma de mestrado. Em especial a Elaine Resende e

Alexandre P. Chaves.

Aos Rev. Roy Abrahamian e Rev. Djair Oliveira Marques pelo meu

acolhimento na igreja.

Agradecimentos especialíssimos ao grupo de senhoras da ICEASP: Marlene,

Vitoria, Isabel, Hripsime, Mary, Lucia, Janete, Asnif, Siruna; Amestuí, Loudes,

Angela pelas entrevistas concedidas, pelo incentivo ao meu trabalho e pelos laços

afetivos que criamos.

A minha irmã Marli pela assessoria e particularmente para minha irmã Nancy

que além da diagramação, proporcionou um espaço na nossa rotina para que eu

pudesse me dedicar ao texto.

Aos meus companheiros da igreja e amigos que intercederam a Deus pela

minha vida.

Não poderia deixar sem registro aquela, sem a qual não teria enviado meu

projeto no último dia e no último minuto de inscrição e tão pouco teria realizado a

prova de ingresso ao curso de mestrado, minha amiga e incentivadora de todas as

horas Janiere Vilaça.

Page 6: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

ANEXOS

Entrevista realizada com Rev. Roy Abrahamian .......................................................133

Figura 1 – Fases construção da ICEASP .................................................................137

Figura 2 – Fases construção da ICEASP .................................................................138

Figura 3 – Primeiro Culto realizado em 1955 ...........................................................139

Figura 4 – Coral da Igreja .........................................................................................140

Figura 5 – Apresentação Teatro Municipal ...............................................................141

Figura 6 – Atas da Igreja ..........................................................................................142

Figura 7 – Lateral da Igrja Armênia Atual .................................................................143

Figura 8 – Destaque do khatchkar da Igreja Armênia Atual ......................................143

Figura 9 – Imagens dos khatchkars em homenagem aos desaparecidos no

genocídio ................................................................................................................144

Figura 10– Imagem do khatchkar dentro da Estação Armênia do metrô de São Paulo

.................................................................................................................................144

Figura 11 – Imagens dos cultos no interior da ICEASP ...........................................145

Figura 12 – Igreja armênia atual (1) .........................................................................146

Figura 13 – Igreja armênia atual (2) .........................................................................147

Figura 14 – Igreja armênia atual (3) .........................................................................148

Figura 15 – Igreja armênia atual (4) .........................................................................149

Figura 16 – Boletim informativo de um dos cultos da ICEASP ................................150

Figura 17 – Boletim informativo de um dos cultos da ICEASP (2) ............................151

Figura 18 – Igreja Armênia em Ferraz de Vasconcelos ............................................152

Figura 19 – Rev. Roy orando na rememoração do genocídio armênio em 2011 ......153

Figura 20 – Representantes igrejas armênias na rememoração do Genocídio

Armênio em 2011 .....................................................................................................153

Figura 21 – Monumento em homenagem aos mártires do Genocídio Armênio

(2011) .....................................................................................................................154

Page 7: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11

A. Delimitação do tema ............................................................................................ 12

B. Objetivos Gerais e Específicos ............................................................................. 12

C. Problematização ................................................................................................... 13

D. Hipóteses.............................................................................................................. 13

E. Relevância ou justificativa ..................................................................................... 14

e.1 Academico .......................................................................................................... 14

e.2 Social .................................................................................................................. 14

e.3 Pessoal ............................................................................................................... 15

e.4 Referencial teórico .............................................................................................. 16

F. Metodologia .......................................................................................................... 17

G. Local ..................................................................................................................... 17

H. Mapeamento do trabalho ...................................................................................... 18

PARTE I – HISTÓRIA, MITOS E FATOS ................................. 21

CAPÍTULO PRIMEIRO: RECURSOS HISTÓRICOS .............................. 22

1. PERÍODO URARTIANO-MEDIEVAL ..................................................................... 22

1.1 Evangelização .................................................................................................... 24

1.2 Alfabeto Armênio ................................................................................................ 25

1.3 Mitos, Lendas e historias .................................................................................... 26

2. PERÍODO NOVO .................................................................................................. 28

2.1 A Cilícia ............................................................................................................... 28

3. PERÍODO MODERNO ......................................................................................... 30

3.1 O Genocídio ........................................................................................................ 30

3.2 Qualificação do Genocídio .................................................................................. 33

4. AS REPUBLICAS .................................................................................................. 36

4.1 As fronteiras ........................................................................................................ 36

4.2 Armênia Russa .................................................................................................... 36

CAPÍTULO SEGUNDO: RELIGIÃO ......................................................... 38

1. RELIGIÃO PRÉ-CRISTÃ ....................................................................................... 38

2. CRISTIANISMO .................................................................................................... 39

2.1 Igreja Apostólica .................................................................................................. 39

2.1.1 Concílios .......................................................................................................... 41

Page 8: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

A. Primeiro concílio – Nicéia (325 d.C.) .................................................................... 41

B. Segundo concílio – Constantinopla (381 d.C.) ..................................................... 41

C. Terceiro concílio – Efeso (431 d.C.) ..................................................................... 42

D. Quarto concílio – Calcedônia (451 d.C.) .............................................................. 42

2.1.2 Outros problemas ............................................................................................ 44

2.1.3 Situação Atual ................................................................................................. 45

2.2 Igreja Católica ..................................................................................................... 46

2.3 Igreja Protestante ............................................................................................... 47

2.4 Questões Atuais .................................................................................................. 52

PARTE II– IDENTIDADE CONSTRUÍDA ................................. 54

CAPÍTULO TERCEIRO: TEODICÉIA OU TEOLOGIA? ......................... 54

1. Origem do mal ....................................................................................................... 59

2. DIÁSPORA............................................................................................................ 60

2.1 Organização diasporica ....................................................................................... 62

2.2 No mundo............................................................................................................ 62

2.3 Na América do Sul ............................................................................................... 64

3. COOPERAÇÃO ARMÊNIA-DIÁSPORA ................................................................ 65

CAPÍTULO QUARTO: BRASIL: NOVA CANAÃ ..................................... 67

1. CHEGADA EM TERRAS BRASILEIRAS ............................................................... 68

2. A COMUNIDADE EM SÃO PAULO ....................................................................... 69

2.1 Bairro Escolhido .................................................................................................. 70

2.2 As Igrejas ............................................................................................................ 72

2.2.1 Igreja Apostólica Armênia – São Jorge ............................................................. 72

2.2.2 Igreja Católica Armênia – São Gregório, O Iluminador ..................................... 72

2.2.3 Igreja Central Evangélica Armênia ................................................................... 73

2.3 Organizações ...................................................................................................... 73

2.4 Outros ................................................................................................................. 74

3. COMUNIDADE EM OSASCO ............................................................................... 75

4. COMUNIDADE EM FERRAZ DE VASCONCELOS............................................... 75

CAPÍTULO QUINTO: A ARMENIDADE ................................................... 78

1. O PAPEL DA MEMÓRIA SOCIAL ......................................................................... 83

2. REDES SOCIAIS .................................................................................................. 87

PARTE III – PROTESTANTISMO(S) ........................................ 92

CAPÍTULO SEXTO: O QUE FOI O PROTESTANTISMO ....................... 92

Page 9: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

1. A REFORMA PROTESTANTE .............................................................................. 92

2. LUTERO ............................................................................................................... 93

3. ZUINGLIO ............................................................................................................. 94

4. CALVINO .............................................................................................................. 95

5. A REFORMA NO ORIENTE .................................................................................. 96

6. PROCESSO HISTÓRICO NA AMERICA .............................................................. 97

6.1 A America............................................................................................................ 98

7. PROTESTANTISMO NO BRASIL ........................................................................102

7.1 Protestantismo de Imigração ..............................................................................102

7.2 Protestantismo de Missão .................................................................................102

7.3 Protestantismo Pentecostal ................................................................................105

7.4 Protestantismo Contemporâneo (Gospel) ..........................................................105

8. PRESBITERIANOS ..............................................................................................106

CAPÍTULO SÉTIMO: IGREJA CENTRAL EVANGELICA ARMÊNIA .. 110

1. HISTÓRICO .........................................................................................................110

1.1 O Templo ...........................................................................................................113

2. CULTOS ..............................................................................................................114

2.1 Estruturação Cúltica ...........................................................................................115

2.2 Estruturação Administrativa ................................................................................116

2.3 Atividades Sociais ..............................................................................................118

2.4 Atividades Eventuais ..........................................................................................118

3. DOUTRINA DA IGREJA .......................................................................................119

4. SACRAMENTOS..................................................................................................121

5. PROTESTANTISMO ARMÊNIO ...........................................................................121

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................125

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................127

Page 10: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

Resumo

CARVALHAES: Sueli Aparecida Cardozo. Estação Armênia: Exílio, Fé e

Reconstrução de vida na Capital Paulista. Um estudo de caso.

São Paulo: Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) Universidade

Presbiteriana Mackenzie, 2011.

Dentro de um macro projeto de identificação da pluralidade religiosa conectada com

a diversidade étnica do país, este projeto de pesquisa analisou as dificuldades e

particularidades do grupo de imigrantes armênios que se estabeleceu no Brasil a

partir de 1920.

Em meio a uma nova realidade social e cultura, como esses imigrantes

estabeleceram a relação de cooperação na comunidade nova.

A identidade religiosa é fator central para o conhecimento das características

estruturais que os levaram à sobrevivência e fixação na região urbana de São Paulo.

Nossa pesquisa focou a vertente protestante e como ela utiliza os elementos

religiosos para compor e manter conectada sua identidade étnica recriada no Brasil.

Palavras-chave: Armênia, imigração, religião, identidade étnica, protestantismo.

Abstract

Carvalhaes: Sueli Aparecida Cardozo. Station Armenia: Exile, Faith and

Reconstruction of life in the state capital. A case study.

São Paulo: Dissertation (Master of Science in Religion) Mackenzie Presbyterian

University, 2011.

Within a macro project identification of religious plurality connected with the country's

ethnic diversity, this research project analyzed the difficulties and peculiarities of the

group of Armenian immigrants who settled in Brazil since 1920.

In the midst of a new social and cultural reality haw these immigrants established the

cooperative relationship in the new community.

Religious identity is a critical factor to understanding the structural characteristics that

led to the establishment and survival in the urban region of Sao Paulo. Our research

focused on the Protestant side and how it uses the religious elements connected to

form and maintain their ethnic identity recreated in Brazil.

Keywords: Armenia, immigration, religion, ethnic identity, protestantism.

Page 11: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

11

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa encontra-se inserida em um macro projeto de identificação da

pluralidade religiosa, até certo ponto, conectada com a diversidade étnica do país.

Pretende-se analisar as dificuldades de um grupo de imigrantes armênios, que se

estabeleceu no Brasil a partir de 1920.

Em meio a uma nova realidade social e cultural, busca-se entender como

esses imigrantes se identificam e são identificados como armênios no país

escolhido. Outro foco é o estabelecimento da relação de cooperação na nova

comunidade.

A identidade religiosa é fator central para o conhecimento das características

estruturais que os levaram à sobrevivência e fixação na região urbana de São Paulo.

É importante ressaltar que a religião armênia oficial, constituída pela Igreja

Apostólica1, é a que mais agrega os seus descendentes. Entretanto, é de nosso

interesse pesquisar a vertente protestante e como esta utiliza os elementos

religiosos para compor e manter conectada sua identidade étnica, recriada no Brasil.

Conforme discutiremos em próximos trechos, o universo religioso armênio, no

contexto urbano da capital paulista, compreende quatro igrejas: Igreja Apostólica

Armênia, situada a Av. Santos Dumont, 55; Igreja Armênia Católica São Gregório, o

Iluminador, situada a Av. Tiradentes, 718; Igreja Central Evangélica Armênia, a Av.

dos Estados, 1191 e Igreja Evangélica Irmãos Armênios, situada a R. Maria

Curupaiti, 117. Existem ainda a Igreja Evangélica Armênia em Ferraz de

Vasconcelos e a Igreja Apostólica Armênia em Osasco2.

Dentro das igrejas representantes do protestantismo armênio, destacam-se a

Igreja Evangélica Irmãos Armênios e a Igreja Central Evangélica Armênia.

Direcionaremos o foco de nossa pesquisa para esta última, que se autodefine como

presbiteriana.

O papel da igreja vai além de um simples local de demonstração religiosa. É

ela quem vai possibilitar aos imigrantes armênios o desenvolvimento de uma rede

social importante em sua aglutinação, bem como assegurar a sua identificação

étnica através da sua religiosidade.

1 A igreja fundamenta-se nesta nomenclatura por creditar sua origem cristã à pregação do evangelho, feita

diretamente pelos apóstolos Judas Tadeu e Bartolomeu, que se dirigiram para o país. Não pode ser cunhada como Igreja Ortodoxa, pois esta aceita a autoridade dos sete primeiros Concílios Ecumênicos, enquanto a Igreja Apostólica Armênia aceita apenas os três primeiros. 2 Segundo narrativa na tese de doutorado de Sonia Maria de Freitas no universo religioso armênio, existe ainda a

Igreja Evangélica Filadélfia, com endereço na Av. Padre Pereira de Andrade, 545. Até o presente momento não

conseguimos realizar um contato com a referida igreja.

Page 12: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

12

A. Delimitação do tema

Dentro de uma narrativa histórica muito acidentada, com guerras, perdas de

territórios originais e culminando com o genocídio armênio impetrado pelos turcos,

os armênios se aventuram em terras latino-americanas e chegam a São Paulo. Aqui

as famílias de expatriados se mobilizam através da igreja, principal símbolo de sua

etnicidade e reconstroem sua dignidade para escrever um capítulo da história da

cidade de São Paulo.

A história desse povo é cheia de peculiaridades. Em especial, a sua religião é

repleta de fatos e ficção, com a tônica simbólica recaindo sobre o fator de esse

pequeno país ser o primeiro a se declarar oficialmente cristão (301 d.C.), antes

mesmo do imperador romano Constantino. Esta é a razão do ”ser armênio”.

Os marcadores da identidade armênia podem ser visualizados através de uma

rede social criada pelos primeiros imigrantes que aqui chegaram. Estes diferenciais

vão servindo de base para a construção das relações sociais cotidianas. Esta rede

vai se valer de uma diversidade endogrupal para convivência estrita de natureza

social muito intensa até o momento em que efetivamente as igrejas são construídas

e os grupos se polarizam segundo sua confessionalidade.

A confessionalidade evangélica, assim como as outras, passa a ser de caráter

étnico, transformando-se em religião universal etnicizada. Na medida em que as

gerações vão se aculturando, a igreja muda sua postura independente e se vincula

ao grupo de protestantes históricos presbiterianos.

Desta forma, é possível que exista uma tentativa para a igreja tornar seu

discurso etnicizante, ou seja, há uma ressignificação do seu conteúdo teológico,

porém sem preocupação evangelística. É esse protestantismo armênio que

pesquisaremos neste estudo de caso.

B. Objetivos gerais e específicos

O objetivo geral desta pesquisa é descrever a chegada e inserção de

imigrantes armênios na cidade de São Paulo a partir de 1926. Eles trazem consigo

uma característica peculiar: a questão do genocídio armênio, planejado e executado

pelos turcos a fim de exterminá-los. Os emigrados partiram em busca de refúgio. No

Brasil, alguns poucos armênios se fixaram no Rio de Janeiro e Mato Grosso, porém

a maioria se estabeleceu na capital paulista.

A fim de compreendermos melhor os objetivos do trabalho, podemos

considerar as seguintes especificidades:

Page 13: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

13

Descrever os aspectos constitutivos históricos de um grupo minoritário na

cidade de São Paulo, o qual para muitos é inteiramente desconhecido.

Identificar os marcadores culturais históricos que compõem a identidade

étnica do grupo.

Pesquisar a religiosidade protestante como expressão de identidade étnica,

contrariamente à sua vocação de universalidade.

A perspectiva histórica, como também de que forma se manifestam nessa

comunidade específica.

C. Problematização

No início da elaboração deste projeto optou-se por trabalhar a vertente cristã

apostólica desse grupo. Contudo, descobrindo-se as diferentes confessionalidades

na etnia, nos encontramos desafiados a trabalhar a minoria dentro deste grupo.

Segundo Grun (1992, p.8), a Igreja Apostólica congrega 85% dos membros da etnia,

contra 10% dos católicos de rito armênio e 5% dos protestantes.

Diante da pesquisa e a partir desta diferenciação, tentaremos encontrar

respostas para as seguintes questões:

a) É possível enquadrar o protestantismo dos imigrantes armênios nas

características do protestantismo de imigração, a exemplo de grandes grupos como

os luteranos?

b) Existe uma tendência para que este grupo torne a sua religiosidade

universalizante? Isto é, o caráter universal do presbiterianismo está em processo

dinâmico de abertura para além do grupo ou a manutenção das características

desse grupo torna esse presbiterianismo etnicizado?

c) As diferentes confessionalidades cristãs deste grupo étnico interferem nas

relações internas da comunidade étnica?

D Hipóteses

Hipótese 1: A igreja evangélica Armênia, apesar de pertencer ao grupo de

igrejas classificadas como protestantismo de imigração, promove um fechamento

voltado para seu próprio grupo. Diferentemente de outros grupos étnicos, este não

exerce sua capacidade missionária, restringindo assim sua religiosidade somente às

pessoas de sua etnia.

Hipótese 2: Nossa primeira impressão é que a Igreja Evangélica Armênia

professa fundamentalmente uma religiosidade étnica. Entretanto, diante das

dificuldades do grupo frente ao envelhecimento e à estagnação de sua membresia, a

igreja declara-se presbiteriana como mecanismo para tornar-se universalizante.

Page 14: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

14

Hipótese 3: As redes sociais estabelecidas, quando da implantação da colônia

armênia na capital paulista, não conseguem atualmente tornar o grupo homogêneo

do ponto de vista social. A confessionalidade pode contribuir para esta divisão.

E. Relevância ou justificativa

e.1 Acadêmica

A importância de uma pesquisa especifica no que tange a religião e teologia

de uma parcela de um grupo étnico é extremamente relevante, uma vez que traz

para a vivencia acadêmica dados históricos até então desconhecidos.

Um tema tão particularizado exige do pesquisador muita disposição para

conseguir enriquecer o trabalho. Além disso, é necessário um acompanhamento dos

autores clássicos das áreas do conhecimento (história, sociologia, antropologia, etc)

para entender os dados levantados.

A relevância deste trabalho reside no fato de descrever uma realidade que

tem ficado à margem do interesse da maioria dos pesquisadores.

Borges Pereira afirma que

A diversidade do campo religioso brasileiro é um fenômeno facilmente perceptível por aquele observador, acadêmico ou não, todavia, pode-se afirmar com segurança que do ponto de vista cientifico é pouco analisado. Vários fatores respondem por este desinteresse acadêmico, como a subalternização do tema religião nas agendas de nossos estudiosos, preocupados em não ”contaminar” o procedimento acadêmico com os domínios ligados a religião institucional ou não. (2010, pg. 1)

Desta forma, o trabalho contribui para o preenchimento das lacunas nessa

área de pesquisa.

e.2 Social

Existem poucas dissertações acadêmicas focadas no estudo da comunidade

Armênia. É ainda mais restrito o número de trabalhos sobre a construção da sua

identidade em solo paulista, englobando o ponto de vista histórico-descritivo e a

abordagem religiosa, geralmente a partir da confessionalidade cristã majoritária, a

da Igreja Apostólica Armênia.

Deste modo a presente pesquisa colabora para a difusão do campo étnico

religioso armênio e, mais ainda, oferece uma maior visibilidade ao grupo

confessional presbiteriano dentro desse universo.

Os elementos constitutivos simbólicos de sua identidade étnica podem estar

se perdendo por conta da globalização. Desta forma, o registro das características

identitárias e dos mecanismos utilizados para preservar essas tradições podem

contribuir para que essas informações sejam documentadas.

Page 15: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

15

e.3 Pessoal

A cidade de São Paulo oferece várias reflexões sobre sua constituição, bem

como sobre sua própria paisagem, onde um elemento frequente são as inúmeras

igrejas espalhadas pelos diversos bairros. Uma dessas igrejas, quando próxima de

suas instalações, me chamava atenção por possuir uma cruz de pedra encravada na

lateral de uma das paredes do seu prédio, com inscrições incompreensíveis.

Minha pesquisa de campo levou-me a saber que esta cruz representa um

símbolo da identidade religiosa Armênia: o “khatchkar” (cruz de pedra). Contudo,

este também é um símbolo da cultura Armênia, desenvolvido desde a Idade Média.

Posteriormente, no curso de Mestrado em Ciências da Religião, me interessei

pelo ramo da antropologia. Então, recebi do Professor Dr. João Baptista Borges

Pereira o incentivo necessário para dar andamento a esta pesquisa. Meu trabalho foi

incorporado no grupo de Pesquisa de Etnia e Religiosidade, que o professor

desenvolve nesta universidade. Os seguintes trabalhos já foram concluídos:

“Alvorada: negros e brancos numa congregação presbiteriana em Londrina”3;

“Missão Kaiwoa: um estudo da ação missionária protestante entre os índios Guarani,

Kaiwoá e Terena” – orientação do Professor Antonio Gouveia Mendonça4; “Um véu

sobre a imigração italiana no Brasil”5; “Terra nostra em mudança: identidade étnica,

identidade religiosa e pluralismo numa comunidade italiana no interior paulista”6;

“Coreanos protestantes na periferia de São Paulo”7; “Igreja católica apostólica russa

no exílio em São Paulo: etnicidade e identidade religiosa”8; “Delírios religiosos e

estruturação psíquica:o caso Jacobina Mentz Maurer e o episódio Mucker”9; “Os

mormons em Santa Catarina: origens, conflitos e desenvolvimento – um capítulo da

imigração alemã”10; “Igreja húngara reformada”11; “A imigração holandesa e a igreja

reformada do Paraná”12; “Uma igreja protestante coreana na cidade de São Paulo”13;

“Missionários protestantes sul-coreanos na cidade de Jandira”14; “Luteranismo e

imigração pomerana no Espírito Santo”15; “Igreja evangélica árabe de São Paulo”16;

3 José Martins Trigueiro Neto, 2004.

4 Jonas Furtado Nascimento, 2004.

5 Gloecir Bianco, 2005.

6 Marivaldo Gouveia, 2005.

7 Edson Isaac S. Araújo, 2005.

8 Mauricio Loicano, 2006.

9 Eloísa M. L. Módolo, 2006.

10 Rubens Lima Silva, 2007.

11 Simone Lucena, 2008.

12 Wilson Lucena, 2008.

13 Silvania M. P. Silva, 2009.

14 Daniel H. Cho Lin, 2009.

15 Gladson Cunha, 2009.

16 Paulo A. Delage, 2009.

Page 16: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

16

“Igreja ortodoxa antioquina em São José do Rio Preto”17, A imigração norte-

americana e o protestantismo em Americana18.

Seguir nessa linha de pesquisa, apesar das dificuldades que me são

apresentadas, é desafiador em todos os sentidos. Acima de tudo, o contato com “o

outro” e “o diferente” é uma experiência por demais enriquecedora.

e.4 Referencial teórico

Nesse trabalho de pesquisa, levando em consideração que se trata de um

estudo de caso, a principal característica é a observação pessoal. Trabalharemos

com os conceitos do livro de Ruth Cardoso, Aventura Antropológica (2004), para nos

auxiliar na investigação da complexidade que envolve a religiosidade armênia.

Diante da multiplicidade dos fatos que determinam a identidade étnica desse

grupo, utilizaremos vários conceitos do antropólogo Fredrik Barth (Grupos étnicos e

suas fronteiras) sobre etnia. Lembrando que, diante das relações de ações e

interações do grupo, se faz necessário recorrer a outros teóricos como Roberto

Cardoso de Oliveira (Identidade, etnia e estrutura social) e Stuart Hall (A identidade

cultural na pós modernidade, Da diáspora Identidades e Mediações Culturais) e

Manuel Castells (O poder da identidade). Com esse referencial poderemos

reconhecer as individualidades do grupo.

Associado a isto, para darmos a conhecer a história do grupo bem como o

discurso de sua memória, utilizaremos o referencial teórico de Aharon Sapezian

(Historia sucinta da Armênia, Cristianismo Armênio, a fé viva de uma nação,

Memórias de um Brasarmenio) e outros.

Quanto às características e história que envolvem sua confessionalidade,

pretende-se alcançar as informações sobre o protestantismo no Brasil focando nos

estudos teóricos de Lauri Emilio Wirth (Sobre a preservação de identidade étnica no

protestantismo de imigração), Gedeon Alencar (Protestantismo Tupiniquim), Antonio

Gouveia Mendonça (Introdução ao protestantismo no Brasil, O celeste porvir, a

inserção do protestantismo no Brasil, O protestantismo no Brasil e suas

encruzilhadas) e João Baptista Borges Pereira (Identidade protestante no Brasil:

ontem e hoje, Os estudos sobre imigração na antropologia brasileira, Os imigrantes

na construção histórica da pluralidade étnica brasileira).

Além disso, buscando relatar a realidade desse grupo étnico em São Paulo,

utilizaremos o livro descritivo da comunidade armênia de Roberto Grun (Negócios &

Famílias: armênios em São Paulo), as teses de doutorado de Sonia Maria de Freitas 17

Daniel Maia, 2009. 18

Ailton Gonçalves Dias Filho.

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17

(Falam os Imigrantes... Memória e Diversidade Cultural em São Paulo), Yessay

Ohannes Kerouzian (Origens do alfabeto armênio – Uma obra de Mazrob-Mazhtoz)

e Hagop Kechichian (Os sobreviventes do Genocídio. Imigração e Integração

Armênia no Brasil – Um estudo introdutório (das origens até 1950), todas defendidas

na Universidade de São Paulo.

F. Metodologia

A metodologia aplicada no presente trabalho se dá através dos seguintes

procedimentos metodológicos:

f.1 Método indutivo: Estudo de caso.

f.2 Técnicas:

Pesquisa bibliográfica, procurando por obras que descrevam a história da

Armênia até o evento chamado genocídio, quando se dá a diáspora até a

chegada em terras brasileiras. Nesse particular conseguimos encontrar alguns

bons livros escritos em português. A dificuldade encontrada foi em relação ao

protestantismo armênio, pois as informações oficiais são muitos escassas. Por

este motivo, consultamos alguns outros trabalhos em sites acadêmicos.

Pesquisa documental para levantamento de dados específicos sobre a

imigração armênia no Brasil junto a jornais, Museu dos Imigrantes e também a

documentação oficial da própria igreja.

Pesquisa de campo através de observação participativa.

Para diminuir a dificuldade de entrosamento, visto que não possuo

descendência armênia, busquei ampliar meus conhecimentos sobre os armênios e

sua identidade através de cursos complementares de extensão na Universidade de

São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas: Cultura Armênia II -

2º semestre 2010; Introdução ao Universo Armênio: Cultura e Literatura (19 – 23

nov/2010); Curso de Difusão Cultural: O lugar do Genocídio Armênio na História

(5/11 a 3/12/2010). Todos os cursos foram coordenados pela Profa. Dra. Deize

Crespin Pereira.

G. Local

O local escolhido para este projeto de pesquisa é a Igreja Evangélica

Armênia, na região urbana da cidade de São Paulo, mais especificamente situada

na Avenida do Estado,1191. Localiza-se no bairro que leva o mesmo nome da

comunidade e que pertence ao Distrito do Bom Retiro. Porém, até meados de 1975,

o bairro era denominado Ponte Pequena.

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18

É possível intuirmos que embora seja um grupo de minoria étnica, há uma

representatividade sócio-politica, visto a adequação realizada em relação ao nome

do bairro.

É importante salientar que nesta circunscrição territorial encontram-se também

a Igreja Apostólica Armênia e a Igreja Católica Armênia, como também o

monumento em homenagem aos mortos no Genocídio de1915 naquele país.

A outra vertente evangélica dessa etnia - a Igreja Irmãos Armênios - está

localizada um pouco mais distante no bairro de Santana, próxima a um número

expressivo de armênios que para lá se destinaram.

H. Mapeamento do Trabalho

O trabalho de campo foi realizado de Abril de 2010 a outubro de 2011

estudando, falando, observando, interagindo com algumas famílias armênias.

A princípio foram observadas as igrejas que compõe o universo religioso

armênio com as Igrejas Apostólicas, de São Paulo e de Osasco; a Igreja Católica e

posteriormente as igrejas evangélicas. Primeiramente foi um período observativo de

dois meses na Igreja Evangélica Irmãos Armênios buscando levantar dados para

nossa pesquisa. Posteriormente nos encontramos na Igreja Central Evangélica

Armênia onde por sugestão do orientador Prof. Dr. João Batista Borges Pereira nos

fixamos e desenvolvemos nossos estudos.

Todo descritivo está baseado na observação participante vivenciando cultos,

eventos, reuniões e cursos para fornecer o maior número de informações sejam

religiosas ou pessoais.

Começamos com gravações, porém, quando da percepção de

constrangimento e inibição, não foi mais utilizado, apenas transcrições pessoais de

conversas informais.

O grupo social em questão além de minoritário não possui um acervo histórico

que possa ser consultado para maiores informações.

Na medida em que lemos o referencial histórico disponível para compor o

primeiro capítulo entramos num universo em que só é possível a pesquisa a partir do

ponto de vista da historiografia tradicional, onde na maioria das vezes as

informações ficam comprometidas pelo caráter particular de confessionalidade ao

qual o autor está ligado.

A dificuldade de analise do ponto de vista da massa populacional no contexto

sócio-cultural não existe em literatura.

Page 19: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

19

As circunstâncias históricas desde o nascimento das colônias armênias se

confundem com o próprio cristianismo. É uma história milenar onde a origem e

geografia estão alicerçada nas crenças e mitos que destacam as colônias em meio a

um território com espiritualidades diversas.

O primeiro capítulo tem essa função, posicionar o leitor dentro da história

secular das colônias e capitalizar a sua dimensão simbólica do cristianismo que faz

parte ate hoje do cotidiano dos armênios.

Dentro deste relato histórico em que temos como referencial somente

literaturas desenvolvidas por armênios, buscamos trazer dentro do capítulo os

significados do genocídio e ao mesmo tempo posicionar o leitor quanto ao contexto

atual do discurso turco.

Como dissemos, a história armênia se confunde tanto com os livros sagrados

do Antigo Testamento como também com o discurso de sua história com o Novo

Testamento.

A organização simbólica do armênio em relação ao sagrado é fundamental

para o entendimento da coletividade como também da reprodução simbólica nos

dias de hoje. O Novo Testamento é a experiência religiosa, segundo a narrativa

armênia, de grande impacto na colônia pois pelo fato de terem recebido os apóstolos

em suas terras, tornaram-se os primeiros cristãos dentro do movimento evangelístico

após a morte de Jesus. Isto lhes confere uma identidade com significado religioso e

político que vão carregar até os dias de hoje.

Por conta desta condição é que dedicamos um capítulo específico para

apresentar o contexto do cristianismo adotado pelos armênios desde 301. d.C.

Podemos identificar que historicamente as condições do próprio cristianismo

sofreram mudanças com divisões e debates dogmáticos refletindo também nas

colônias armênias.

Uma dessas mudanças foi justamente um grupo armênio ter resignificado

suas raízes dentro do discurso histórico, aderindo ao cristianismo chamado

protestante.

Do ponto de vista cristão as mudanças são dogmáticas mas refletem

mudanças profundas no relacionamento entre as diferentes divisões como também

nas ações e nas instituições na base da cultura armênia.

Com a mudança dogmática as respostas cristãs, resultantes das diferenças,

podem ser diferentes para um mesmo evento. Foi nossa intenção iniciar a segunda

Page 20: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

20

parte do nosso trabalho com um capítulo que possa dar o ponto de vista teológico

para a questão do genocídio.

Genocídio que é o ponto de partida para que os armênios deixem suas terras

para encontrar uma nova Canaã onde pudessem reproduzir as relações sociais,

culturais e religiosas num novo espaço.

Fizemos novamente uma incursão histórica enfocando na segunda parte num

capítulo o conceito tradicional da diáspora e como se processou num primeiro

momento pelo mundo. Em seguida apresentamos a geografia da inserção da colônia

armênia no Brasil e sua reestruturação social e suas organizações simbólicas para

criar a paisagem e para desenvolver os ideais de sobrevivência e de resistência da

armenidade em terras brasileiras.

Nesse contexto apresentamos debate dos conceitos sobre etnia e identidade

étnica, retomando alguns teóricos para explicar a inserção armênia em nosso

contexto social.

As teorias por si não contemplam as atividades sócio-culturais na dinâmica do

dia-a-dia, por isso é necessário entendermos a forma como esse cotidiano se

articulou através das redes sociais.

Dentro do universo cultural armênio, as relações se estabeleceram por conta

da religiosidade cristã, pelo estabelecimento das igrejas.

É possível ler em todo o trabalho a influência da Igreja Apostólica desde sua

criação porém nossa pesquisa enfoca um grupo menor chamado de protestante.

Foi portanto esta distinção no cristianismo que passa a ser a terceira parte do

trabalho. Buscando conceituar o protestantismo desde suas origens e

posteriormente apresentar um cenário dos diversos tipos de protestantismo que se

reconheceu oficialmente em solo brasileiro.

Mostramos um cenário preliminar para nos fixarmos no ramo protestante

chamado de Presbiteriano, pois o mesmo já faz parte da ICEASP19, a igreja

estudada.

Essa narrativa requer maior conhecimento das atividades como forma de

entender o sagrado desse grupo social.

Este percurso produziu, finalmente, a tentativa de elucidação das

confirmações das hipóteses do trabalho, através de um processo de construção

participativa na igreja por meio da convivência com a comunidade a fim de atingir os

objetivos propostos.

19

Igreja Central Evangélica Armênia de São Paulo.

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21

PARTE I – HISTÓRIA, MITOS E FATOS

A Armênia é herdeira de uma longa e orgulhosa história de resistências e não

é fácil traçar uma linha do tempo referenciando as origens até os dias atuais com

tantos acontecimentos que se forjaram. Os esforços para se aproximar das origens

armênias tornam-se deficientes no agrupamento das informações, e através da

arqueologia se tem as primeiras indicações da existência de pequenas colônias

armênias vivendo na Anatólia, parte ocidental do planalto de Arat.

Lutaram contra os invasores de Impérios, Árabe, Persa, Bizantino, Otomano,

Russo, ora de forma pacífica ora não, e conseguiram sobreviver.

Este capítulo mostra como o povo armênio entrou para a história preservando

sua origem, formando sua identidade, cultura e língua.

Como foi possível passarem por colapsos econômicos, políticos e sociais e

ainda assim desenvolver um feroz sentimento de patriotismo.

O país hoje é uma República Parlamentarista e mesmo dividida como outrora

foram, os armênios preservam sua identidade e continuam lutando por ela.

A Armênia ocupa uma superfície de 29.800 Km quadrados, situada no Sul do

Cáucaso em meio a territórios montanhosos possuindo áreas de bosques, um vale

fértil perto do rio Arax. Limita-se ao Norte com a Geórgia, a Este com o Azerbaijão e

Nagorno-Karabakh, ao Sul com o Irã e a Oeste com o território de Nakhichevan (em

poder do Azerbaijão) e Turquia e é composta por 11 províncias sendo uma delas a

própria Capital Yerevan.

Conta hoje com aproximadamente quatro milhões de pessoas, composta de

95% de armênios, 2% de curdos e 3% de russos e outras etnias. Dos quatro milhões

de armênios da antiga União Soviética, dois milhões vivem na república Armênia e

os outros dois milhões vivem no Azerbaijão e Turquestão. (MARTINS, pg. 3)

A religião dominante é a da Igreja Apostólica Armênia ao lado de pequenos

grupos de católicos, ortodoxos, protestantes, muçulmanos e yezidies (seita curda

não muçulmana).

Como o cristianismo participa de forma contundente na organização da nação

Armênia daremos destaque a este num capítulo a parte.

Nosso primeiro impasse neste início é qual o termo mais apropriado para

definir a Armênia. A utilização de Nação conceituada hoje em dia não pode ser

aplicada á Armênia antiga pois ela mais se assemelha á tipificação de comunidades

tribais, onde os territórios reconheciam um líder e em que a massa populacional o

tornava soberano com poderes político e militar. (GUIMARÃES, pg. 147)

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22

As comunidades primitivas com a evolução histórica, através das guerras que

as levavam a expandir suas fronteiras territoriais e junto a população que nela

existia, levou à constituição do termo de Estados modernos. (GUIMARÃES, pg.150)

Guimarães define Estado da seguinte forma:

“Essa evolução histórica das comunidades e nações levou à constituição e à definição dos territórios dentro dos quais se exerce a soberania de cada um dos 192 Estados atuais membros da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja convivência pacífica somente se pode dar com obediência aos princípios dos Artigos 1 e 2 da Carta: solução pacífica de controvérsias; direitos iguais e autodeterminação; respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais; igualdade soberana; abstenção de ameaças ou de uso da força contra a integridade territorial e a independência política de qualquer Estado.” (2008, pg. 150)

Como se utilizar de uma definição estanque para uma comunidade que quase

sempre esteve dividida e que continua até aos dias de hoje e que projeta mais da

metade de sua população em comunidades por muitas partes do mundo?

O historiador Hacob Symonian diante da primeira divisão da Armênia entre dois

países inicia suas explicações historiográficas como “história das colônias armênias”.

Para ele este tipo de migração a partir da pátria original se estabelecendo em várias

partes do mundo passa a ser uma característica permanente da historiografia

armênia. (SYMONIAN, pg. 73).

Adotaremos então, o termo “colônia” como referencia para nossa descrição

histórica ressalvando que após a independência da armênia atual, esta passa a ter

configuração política, social, econômica, com legislação própria e principalmente

com organização de defesa de seu território e portanto deve ser considerada

Estado. (GUIMARÃES, pg. 150).

No que diz respeito a divisão do período histórico armênio adotaremos: o

primeiro chamado de Período Urartiano-Medieval, Período Novo que chega a 1914

d.C, Período moderno a partir de 1915 que também é uma sugestão do texto do

historiador. (SYMONIAN, pg. 76)

Então somente quando nos referirmos á Armênia pós independência (1991)

será utilizada o termo ‘nação’.

CAPÍTULO PRIMEIRO: PERCURSOS HISTÓRICOS

1. PERÍODO URARTIANO-MEDIEVAL

O período neolítico foi rico e singular pelas sucessivas invasões de diferentes

povos que exerceram a hegemonia sobre os vales dos rios Tigre e Eufrates durante

muito tempo.

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Várias tribos independentes compunham o planalto montanhoso entre a

Anatólia (Turquia) e o Irã, entre os séculos IX e VIII a.C.. Com uma estrutura

mesclada de tradições antigas, porém consolidando social e politicamente, leva a

agricultura e o comércio à expansão, pois foi importante nas rotas que ligavam o

planalto iraniano aos portos do mediterrâneo.

Essas civilizações antigas no entanto não podem ser rastreadas de forma

definitiva e não há um consenso sobre a real origem dos armênios. De acordo com o

que se tem, chamada de teoria tradicional, os armênios seriam originários dos

grupos indo-europeus que entraram na Ásia Menor e juntamente com frígios, se

misturaram com outros indo-europeus e com grupos indígenas, a partir do qual

teriam assimilado elementos da linguagem. Posteriormente se associaram aos

reinos de Nairi e mais tarde a partir do século sexto a. C. passaram a fazer parte do

reino de Urartu. Então pequenas colônias se estabelecem ao longo do rio Eufrates

até o sul da Palestina com toda a sua bagagem cultural peculiar.

Desde o século XIII a.C. os Assírios deram o nome de Uratri aos planaltos

armênios, significando uma região de montanha e a partir do século IX a.C. o rei

Arame criava o reino de Urartu que aparece como sinônimo de Ararat e que se

estendia por mais de dois milhões de metros quadrados e englobava conjuntamente

o que viria a ser mais tarde a Grande Armênia, A Cilícia e os principados de

Karabakh. (MARTINS, pg. 5).

As características geográficas do país com clima de fortes contrastes de

temperatura forjaram os homens em montanheses rústicos, vigorosos e rudes. São

singularidades que dotam o povo armênio com habilidades para construção e

aprimoramento na agricultura e pecuária (SAPEZIAN, 2010, pg. 16).

Ao mesmo tempo o solo montanhoso favorece as vias de invasão porque

suas fronteiras oriental e ocidental não possuem barreiras naturais.(KEROUZYAN,

1970, pg. 8)

Urartu é portanto um local cuja base de formação recebe muitas misturas.

Existem alguns escritos sobre dominadores Hais e Armens e a versão mais recente

diz que haviam varias outras pequenas colônias armênias no planalto leste da

Anatólia, mas as que mais se notabilizaram pela capacidade de aglutinar são as

colônias Hai e Arme. A combinação destes dois nomes vai identificar a grande

colônia como Armênia no século VI a.C. (SAPSEZIAN, 2010, pg. 24)

Esta colônia após o contato com os assírios será dominada pelos Persas por

quatro séculos aproximadamente quando então estarão diante de novos desafios

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24

pois passam a ser controlados pelos macedônios, liderados por Alexandre, o Grande

e que traz no bojo da dominação a penetração da cultura grega, que agregada a

cultura oriental preexistente deu origem ao Helenismo.

Temos dois príncipes armênios governando regiões das Armênias oriental e

ocidental e que aproveitam este momento para se proclamarem reis.

Neste período Ardasches (Armênia Ocidental) se notabiliza como grande

edificador social e político.

Dicran II que o sucedeu se tornou mais brilhante conquistando grandes

extensões da alta Mesopotâmia conduzindo a Armênia ao apogeu de sua grandeza

(SAPSEZIAN,1988, pg. 29)

Esse período é bastante difícil com sucessões de dinastias partas e romanas

se alternando até que em 297 a.C. assume o trono da Armênia, Dertad.

O sincretismo das culturas (costumes, religiões e idiomas) impregnou o povo

armênio. Nesse período era possível encontrar uma mescla de divindades como

herança, que caminhavam lado a lado com seus próprios deuses além da utilização

da escrita assíria.

1.1 Evangelização

A herança armênia dos povos mesopotâmicos será profundamente mudada

quando a nação adere ao cristianismo. Segundo a tradição ela teria sido

evangelizada pelos apóstolos Bartolomeu e Tadeu.

A partir do século III a tradição diz que o país passa a ser evangelizado

sistematicamente quando Gregório, o Iluminador, retorna de Cesárea, tendo sido

educado na fé cristã. Suas convicções o levam a ficar por um longo período jogado

num poço. Quando ele cura o próprio algoz, o rei Dertad III em 301 d.C. a Armênia

passaria a ser o primeiro país a se declarar oficialmente cristão. (SAPSEZIAN,1988,

pg. 32)

Dertad ajudou ao monge armênio na conversão do país todo, erigindo a

primeira catedral da cristandade (Etchmiadzin) além de inúmeras igrejas e mosteiros

em outros lugares.

Vale ressaltar que determinou o extermínio de templos pagãos, derrubando

todas as efígies de todos os deuses. Esta imposição ao povo de uma nova religião

teve um caráter político muito maior que religioso. Do ponto de vista religioso afasta

tanto o paganismo romano como o zoroastrismo persa que estava sendo restaurado,

e pelo seu isolamento dá uma função especial e de grande poder a própria igreja na

condução da história nacional.

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25

Do ponto de vista político os armênios tendem a libertar-se do jugo dos

soberanos estreitando suas relações com o Ocidente (KEROUZIAN,1970, pg. 38).

Segundo Kerouzian:

“Existia já entre os armênios e os persas uma animosidade que provocava contínuos conflitos, sobretudo depois da mudança da dinastia persa. O trono da Pérsia havia sido ocupado até então pelos reis arsácidas, ramo maior dos reis arsácidas da Armênia. Porém, em 225 d.c., Arashir, filho de Sassan Bebet, depois de assassinar Artaban, rei arsácida da Pérsia, usurpou o poder e fundou a dinastia dos sassanidas, que foi hostil aos reis da Armênia. Esta hostilidade se transformou em ódio, por causa da diferença de religião dos dois povos. Sacudida por seus dois poderosos vizinhos, Pérsia e Bizâncio, a Armênia foi debilitando-se.” (1970, pg. 39)

1.2 Alfabeto armênio

No ano de 406 d.C., o Monge Mesrob Mashdots cria o alfabeto armênio com

36 caracteres.

Segundo dados históricos os armênios utilizavam-se de letras gregas e persas

tanto na literatura como para a oficialização de missas. A invenção desta nova

ferramenta torna o país mais coeso, menos vulnerável á literatura masdeísta além

do renascimento de uma personalidade autêntica armênia.

Para a criação do alfabeto houve um processo não só de pesquisa de Mesrob,

ele contou também com a cooperação de jovens estudantes.

O alfabeto a princípio foi composto por 36 sinais e foram acrescidos no final

mais dois sinais nos séculos XI e XII.

Os estudiosos posteriormente vão inserir este idioma tão particular como um

ramo independente das línguas indo-européias e que não possui derivados.

(PALOMO,1997, pg. 177).

Este fato mudou o curso da Armênia, condição essencial para consolidar a

evangelização e alfabetização do povo a partir da tradução da bíblia para a língua

mãe. (SAPSEZIAN,2010, pg. 44)

Colocou a nação na condição de dialogar com as nações cultas, reativar sua

consciência nacional rechaçando a política de estrangeirização de seus eventuais

dominadores. (KEROUZIAN,1970, pg. 56) Fato registrado na batalha de Avarair

quando o povo morreu em sacrifício pela nação e pela fé na tentativa dos senhores

feudais em influenciar os armênios com a assimilação do Zoroastrismo.

Ocorre também que tal evento influenciou a sociedade armênia social e

intelectualmente criando o chamado “Século de Ouro” da sua língua clássica-Krapar.

(KEROUZIAN,1970, pg. 59)

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26

A versão da bíblia armênia ao resgatar alguns textos originais da bíblia tornou-

se a “rainha das traduções”, porém outros textos religiosos foram traduzidos e com

eles obras originais também foram escritas. (SAPSEZIAN, 1977, pgs. 34-35)

Do ponto de vista da sociedade, proporcionou expectativas de escolarização

no país como também emancipação cultural com características próprias

promovendo a integração da colônia.

Passando posteriormente pela dominação árabe desfrutam de certa

tranqüilidade, porém a partir de 805 d. C. com a mudança do califa há também uma

mudança de postura para com os armênios voltando à hostilidade. A convivência

com a população muçulmana e as tentativas de independência sem sucesso, tornam

os árabes mais severos. (770 d. C.)

Os seldjúcidas faziam incursões na Ásia Menor desde o século nove e

embora a Armênia tentasse se mobilizar em resistência aos invasores em 1071 os

seldjúcidas invadem cidades e aldeias armênias massacrando o povo e saqueando

seus pertences.

Após esta invasão alguns sobreviventes continuaram no país sob a forma de

escravos, sem contudo renunciarem à fé e às tradições. Outros se refugiaram na

Cilícia dando início a uma nova colônia armênia.

O império seldjúcida entrou em colapso (1100 d.C.) quando a Armênia pode

caminhar com certa independência. Em 1200 d.C. os Mongóis seguidos de outras

tribos da Ásia Central invadem a Armênia e tornam-na enfraquecida.

Durante 100 anos o país foi submetido à nova destruição. Cidades foram

saqueadas e incendiadas e as sobreviventes pagavam grandes impostos. Nesse

período tanto a Armênia quanto a Geórgia se levantam em rebeliões sem sucesso.

O domínio mongol recua quando novas tribos nômades começam a invadir a

Armênia em diferentes regiões.

1.3 Mitos, lendas e história

Como vimos desde o início do relato até o período medieval, a história da

Armênia nos sugere uma parada para levantar a importância dos mitos e lendas na

composição de toda sua história.

A valorização bíblica do nascimento ou surgimento da colônia armênia deu o

seu primeiro passo em direção à construção da sua história nacional. Mito ou lenda,

com muita habilidade a colônia está inserida no meio do relato bíblico, quer

referenciando o Jardim do Éden no meio da terra Ararat ou posteriormente na

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27

narrativa bíblica de Noé e a arca quando aportam na Montanha de nome Ararat em

Genesis 8:4.

Eliade nos esclarece em relação ao mito da criação:

“[...] os mitos de origem recordam brevemente os momentos essenciais da Criação do Mundo, pra contar a seguir a genealogia da família real, ou a história tribal, ou a história da origem das enfermidades e dos remédios, e assim por diante.” (2004, pg. 37)

O historiador Moises Khorenatsi, após a criação do alfabeto armênio,

apresenta uma genealogia detalhada de Noé, Jafé, Haik inserindo a armênia não só

como o berço da civilização como também incorporando a idéia de uma colônia

genuinamente bíblica.

Eliade entende que os mitos de origem dependem do mito cosmogônico

porque nos dois casos existe um “começo” e o começo absoluto é a “Criação do

Mundo”.

Além do conhecimento do mito de origem, é preciso voltar atrás até o tempo

original, sagrado, e incorporar o mito de origem e reatualizar o “começo absoluto” a

saber a “criação do mundo”. (ELIADE, 2004, pg. 38).

Esse é o contexto da natureza desse historiador.

Haik é considerado o patriarca armênio, que era tetraneto de Noé e que levou

os armênios a derrotarem o gigante Bellus em similaridade à Davi que derrotou o

gigante Golias e se torna o grande herói de Israel.

A honra dada à colônia com o nome de seu patriarca, Haiastan, é legitima e

hoje alguns historiadores defendem a existência desse herói que seria o principal

Deus do panteão armênio.

Aram, o descendente de Haik é narrado como o grande conquistador dos

assírios, que promoveu o alargamento das fronteiras em várias direções

demonstrando as grandes conquistas. Toda a história romântica desse personagem

se transforma para revelar o caráter expansionista e destemido do seu povo.

Assim tantos outros heróis armênios emprestam suas virtudes para delinear

as características dos armênios. Os deuses e deusas incorporados na mitologia

armênia por seu contato com outros povos vão estar presentes em muitas histórias e

lendas populares, como a narrativa de Semíramis que se apaixona pelo príncipe

Ara, o belo, junto com outros deuses como Khaldi (deus do fogo e dos vulcões);

Anahit (mãe de ouro); Nane (sabedoria); Mihr (fogo); Astghik (amor, beleza) ou

mesmo Vahagn que recebe tratamento especial nas narrativas de Khorenatsi,

relatando desde suas origens até chegar aos seus feitos.

Para Eliade a dinâmica dos mitos se dá da seguinte forma:

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28

“... o mito conta uma história sagrada, ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “principio”. Em outros tempos o mito narra como, graças as façanhas dos Entes Sobrenaturais uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. E sempre, portanto, a narrativa de uma “criação” ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. (2006, pg 11)

2. PERÍODO NOVO

2.1 A Cilícia

A Cilícia que ficava na região da Armênia Menor perto da costa do

Mediterrâneo gradualmente foi predominando em relação à Armênia Maior. Durou

cerca de 300 anos preservando a identidade nacional e, apesar de ser uma

província do Império Bizantino, sob a dinastia dos ruperianos se destacou em todos

os sentidos.

Surgiram muitos casamentos entre as famílias armênias de nobres com os

europeus. Com isso os governantes levam a Armênia Ciliciana a gozar de um

período tanto de desenvolvimento social como prosperidade. O florescimento da

cultura e da ciência como também um intenso comércio internacional se fizeram

presentes. Teologia, filosofia, retórica, medicina, matemática eram ensinadas tanto

nas escolas como nos mosteiros. Foi um período em que houve uma rica produção

literária dando origem ao “Século de Prata da Literatura Armênia (XII-XIII)”

possibilitando aos armênios a introdução da escrita popular-Ashkharapar.

(SAPSEZIAN, 2010, pg. 73)

A igreja foi outro fator importante pois nessa região foi criado um novo

catolicossado (Sis).

Notabilizou-se também pela ajuda dada aos cruzados, o que proporcionou

amizade e proteção de vários líderes. Posteriormente concessões religiosas são

feitas pelos monarcas europeus e pelo Papa de Roma aos líderes cilicianos.

Em 1266 a Cilícia entra em guerra com sultões mamelucos, período em que a

Armênia apela para os monarcas europeus e ao papado de Roma sem que fossem

socorridos.

Após este episódio entra uma nova dinastia real para governar a Cilícia

indicada por Constantino III.

As permanentes invasões muçulmanas enfraqueceram a colônia, que era uma

fonte potencial de conflitos, visto que todos os estados que o rodeavam eram de

origem muçulmana.

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Após a coroação de um rei armênio e oito anos de várias batalhas, os

mamelucos conquistam a colônia e esta perde a soberania política e social sendo

posteriormente incorporada ao Império Otomano.

Na Armênia Maior os turcos foram expulsos pelos mongóis.

No século XV a Armênia ainda estava dividida em pequenas colônias, fator

que influenciou também a igreja a permanecer em desordem.

Um grande número de armênios migram das terras devastadas para a

Criméia, Rússia, Polônia e Índia.

Constantinopla tornou-se o centro do Império Otomano e a comunidade

armênia aumentou como também a igreja recobrou sua posição política e sua

vocação de manter a integridade do povo, contando com muitos privilégios em

relação aos outros ramos da igreja cristã.

As colônias armênias refugiadas nos outros países prosperavam enquanto na

Armênia tradicional o campesinato estava oprimido desanimado e sobrecarregado.

Tentavam se levantar contra os turcos, mas em todas as situações foram

brutalmente detidos e por mais de dois séculos estiveram no meio dos confrontos

entre o Império Otomano e o Irã, com sua população sofrendo as conseqüências até

que em 1639 d. C. a Armênia Maior é dividida em duas partes contemplando a parte

oriental para o Irã e parte ocidental para o Império Otomano.

A Armênia Oriental foi tomada pelos muçulmanos e os armênios transferidos

para o Irã. A colônia que se estabeleceu em Nova Julfa tornou-se um centro

intelectual e cultural armênio.

Posteriormente os armênios depositaram suas esperanças na Rússia como

aliada e protetora. Nesse mesmo tempo alguns armênios viajaram por toda a Europa

em busca de apoio das potencias cristãs, mas sem resultado.

Após a guerra russo-persa (1826 a 1828) os territórios da Armênia foram

incorporados a Rússia como também a Geórgia e Karabakh e uma série de outras

colônias.

Os armênios na parte oriental investiram seu capital em novos centros de

desenvolvimento como Tiflis, Baku, Alaverdi e Zangezour instalando grandes

indústrias de cobre. Além disso vários periódicos armênios foram impressos e com

vasta produção na língua Ashkharapar (armênio popular), clamando pelos contornos

históricos do povo e pela esperança em dias melhores. (SAPSEZIAN, 2010, pg. 115)

Já a Armênia Ocidental permaneceu sob o jugo turco com tentativas

periódicas de livramento sendo severamente reprimida. Nos períods em que tiveram

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30

relativa autonomia, alguns partidos armênios foram criados com a finalidade de

consolidar os anseios da população armênia em ter melhores condições e liberdade.

Tornaram-se bem estruturados, porém quando reivindicaram maiores direitos no

país, o sultão Abdul Hamid II em resposta organizou massacres e deportações dos

armênios entre 1894 e 1896 com aproximadamente trezentos mil mortos o que lhe

rendeu o rótulo de Sultão Vermelho.

Se opondo ao sultão com a decadência do Império Otomano um grupo de

jovens lideravam o Partido dos Jovens Turcos e propagavam fraternidade e paz

numa pátria comum conquistando a simpatia do povo armênio e também dos líderes

armênios que apoiaram este partido inclusive financeiramente.

Em substituição a este sultão quando é forçado a abdicar do trono, o partido

indica Mehmedv que segundo os historiadores não passava de fantoche nas mãos

dos Jovens Turcos.

Esses mesmos jovens fundam um novo partido (Turco para União e

Progresso) e em 1909 com uma série de ataques sangrentos na Cilícia colocam fim

às ilusões armênias.

Em 1912 começam as guerras dos Bálcãs marcadas com perdas territoriais

para o Império Otomano que seriam recuperadas durante a Segunda Guerra

Mundial.

Os três lideres mais influentes do partido nacionalista turco Enver, Talaat e

Gemal começam uma ofensiva para um exclusivo Estado Turco. Com doutrinas

racistas, os armênios foram denominados como supérfluos e elementos perigosos

ao Império Otomano e a nação armênia entrou no período mais sombrio de sua

história.

3. PERÍODO MODERNO

3.1 O Genocídio

Nas definições de Eric Hobsbawn, o século XX foi a “era das catástrofes”, em

que o impacto violento de uma série de experiências de destruição em massa

contribuiu para o aniquilamento de seres humanos de um modo nunca antes

concebível.

O início do plano de genocídio armênio começou com o desarmamento da

população armênia sob o pretexto da paz no Império Otomano. Em seguida todas as

cartas sofreram censuras, com a obrigatória passagem pelo crivo do governo turco.

As notícias que chegaram ao mundo sem esse procedimento foram somente pelos

consuleses instalados na Turquia.

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31

Em 24 de abril de 1915 aproximadamente 250 lideres e intelectuais armênios

de Constantinopla entre eles médicos, jornalistas, editores, professores, políticos

entre outros foram presos e transferidos por trem para Anatólia. Apesar dos esforços

do patriarca armênio de Constantinopla, este não conseguiu sensibilizar autoridades

em favor dos armênios, exceto o embaixador dos Estados Unidos e todos foram

executados. (SAPSEZIAN, 2010, pg. 158)

O Império Otomano praticou o genocídio como arma de expansão territorial. O

governo turco se aliou à Alemanha na Primeira Guerra Mundial acusando os

armênios de estarem aliançados aos seus inimigos russos. Oficialmente pequenas

colônias armênias já estavam em solo russo por conta de várias incursões de

matanças sobre eles e estes armênios estiveram defendendo a Rússia.

As cidades de Marash e Sis tornaram-se pólos da população armênia que se

aventurava em movimentos migratórios. Apesar das resistências nessas cidades,

ambas foram destruídas. Casas, pertences foram queimados e os armênios

obrigados a percorrer longas caminhadas pelo deserto da Síria e Mesopotâmia

condenados à morte.

Os sobreviventes foram mantidos num campo para refugiados na Liga das

Nações. As crianças órfãs foram recolhidas e entregues a orfanatos protestantes e

católicos libaneses.

O genocídio foi também cultural pois além das igrejas, manuscritos destruídos,

mudanças de nomes armênios de várias cidades, as crianças tiveram seus nomes

mudados e podiam somente se comunicar em língua turca. (FREITAS, 2001, pg. 85)

As narrativas históricas demonstram que os armênios não vivenciaram os

massacres passivamente, resistiram em batalhas memoráveis. Há que se referenciar

as mulheres que lutaram ao lado dos homens na resistência em Zeitun como

também os quatro mil homens que durante 40 dias resistiram aos soldados turcos

em Mussa-Dagh.

“Além dessa população desenraizada, os armênios que moravam em diversos pontos no antigo Império Otomano começam a emigrar maciçamente, temendo novos massacres e fugindo não só da turbulência política como também do serviço militar obrigatório no Exercito Turco, que acabava de instituir a conscrição universal”. (GRUN,1992, pg. 17)

Síria e Líbano receberam um número significativo de armênios pela

proximidade ao Império Otomano, posteriormente, em 1920 os armênios se dividem

em várias partes do mundo.

Os massacres foram contínuos na forma de extermínio dos armênios, os

deportados foram assassinados ou morreram de fome.

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32

Mustafá Kemal Ataturk no período de 1919 a 1920 comandou as forças

nacionalistas para manter a independência turca conseguindo que os europeus

ficassem fora do território, criando um estado soberano e moderno à custa da

limpeza étnica. além disso Ataturk ocidentalizando a Turquia reduziu o islamismo a

um credo privado subordinado ao Estado que passava a ter uma identidade nacional

distintivamente turca. (AMSTRONG, 2000, pgs. 263-264)

Com a condenação ao genocídio por diversos países os Jovens Turcos

renunciaram em 1918 e fugiram para outros países. Outros co-participantes

receberam penas de mortes e de prisão.

Talaat-Pasha, Enver Pasha e Gemal Pasha foram assassinados por armênios

em outros países. Salomon Teilirian foi preso por matar Talaat, assumiu a autoria do

crime, porém foi absolvido, pois o júri alemão se convenceu que seu estado

emocional e mental foi causado pelos atos de Pasha.

Mesmo depois de inúmeras evidências, nunca houve oficialmente o

reconhecimento do Genocídio por parte da Turquia, eles se restringem a afirmação

de que houve uma terrível mortalidade, nunca chegando a um consenso sobre o

número real de vítimas. A Turquia ao constatar os números armênios divulgados

elaborou campanhas para encobrir o fato de que todos os eventos aconteceram, não

assumindo e não se retratando com os armênios. Além dos números é

imprescindível analisar os direitos que foram sistematicamente retirados dos

armênios. Como, por exemplo, reintegrar os direitos das mulheres que

desprotegidas foram violentadas e as crianças vendidas e posteriormente obrigadas

a se tornarem muçulmanas para ter o direito à sobrevivência.

Em relação à documentação do genocídio existem vários telegramas

ordenando a matança dos armênios, várias fotos dos militares turcos disputando a

crueldade realizada. Vários livros e vários documentos de embaixadores pedindo

ajuda para cessar a matança também foram publicados. O mais contundente de

todos os relatos sem dúvida foi o de Lord Bryce na Câmara dos Lordes solicitado

pela rainha britânica para elucidar o ocorrido na Turquia. Este discurso foi editado

em 1916 contendo vários testemunhos confiáveis. Este material foi transformado em

livro pelo historiador britânico Arnold Toynbee e editado em português (2003).

Por outro lado a Turquia nega o Genocídio patrocinando trabalhos de

intelectuais com a intenção de dissuadir. Os acontecimentos e a intenção de

negação seguem sempre um mesmo padrão, conforme trabalho de Loureiro:

“A cartilha negacionista é invariável: relativiza números, credita os crimes à insurreição armênia, argumenta que as acusações de genocídio são parte de

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33

uma propaganda dos adversários de guerra ou porque são motivadas por propósitos econômicos e políticos, etc. Ou seja, estes que trabalham em prol da negação, distorcem e matam a verdade, última vítima do genocídio (HOVANNISIAN, apud LOUREIRO, 2004, pgs. 5-7).”

Todo este vergonhoso episódio está longe de ter um final que chamaríamos

de adequado e dentro da história moderna é caracterizado como uma das situações

mais complexas a serem resolvidas.

3.2 Qualificação De Genocídio

Para a socióloga Michele Bowring, os sociólogos não tem dado a real

importância a este episódio e o genocídio armênio tem sido relegado à

marginalidade nos estudos de pesquisas e de debates sobre o tema. Para ela

podemos encarar o episodio armênio do ponto de vista da evolução do discurso e

classificá-lo como genocídio ou holocausto ou podemos tentar investigar as razões

pelas quais este episódio armênio tem sido tratado de forma tão diferente de outros

acontecimentos similares. (BOWRING, 2006, pg. 3, tradução minha).

Antes de 1944, não existia o termo “genocídio” e ele foi criado como um

conceito específico para designar crimes que têm como objetivo a eliminação da

existência física de grupos nacionais, étnicos, raciais, e/ou religiosos visto que na

Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, dizem

respeito apenas aos direitos individuais.

Em 1944, Raphael Lemkin (1900-1959), um advogado judeu polonês, ao tentar

encontrar palavras para descrever as políticas nazistas de assassinato sistemático,

incluindo a destruição dos judeus europeus, criou a palavra "genocídio" significando

"um plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva à destruição dos

alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los".

A palavra foi incluída no relatório do Tribunal Militar Internacional instituído em

Nuremberg, Alemanha, quando da acusação de líderes nazistas de haverem

cometido "crimes contra a humanidade", sem cunho jurídico.

As Nações Unidas aprovaram a Convenção para a Prevenção e Punição de

Crimes de Genocídio, em 9 de dezembro de 1948, estabeleceram o "genocídio"

como crime de caráter internacional, e as nações signatárias da mesma

comprometeram-se a "efetivar ações para evitá-lo e puní-lo", definindo-o assim:

Por genocídio entende-se quaisquer dos atos abaixo relacionados, cometidos

com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial,

ou religioso, tais como:

(a) Assassinato de membros do grupo; (b) Causar danos à integridade física ou mental de membros do grupo;

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(c) Impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial; (d) Impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do grupo; (e) Transferir à força crianças de um grupo para outro.

Embora muitos casos de violência contra determinados grupos hajam ocorrido

ao longo da história, e mesmo após a Convenção haver validado o conceito, o

desenvolvimento internacional e jurídico do termo concentra-se em dois períodos

históricos distintos: o primeiro, a partir da criação do termo até sua aceitação como

lei internacional (1944-1948), e o segundo, desde que ele foi efetivado através do

estabelecimento de tribunais para o julgamento de crimes internacionais de

genocídio. A prevenção do genocídio, também parte integral da Convenção, é um

desafio que nações e indivíduos ainda enfrentam. (DIAS, pgs. 35-36)

Em 2010, a Folha de São Paulo no seu caderno de Turismo20 traz uma

reportagem extensa sobre a Armênia atual propondo um turismo histórico e

apresenta como complemento ao tema do genocídio que afirma que até o momento

juntamente com os armênios, a ONU, a União Européia e cerca de 20 países

reconhecem o genocídio armênio. O Brasil até o momento não se inclui nesta lista.

Todos os fatos relatados no genocídio armênio são similares aos

acontecimentos dos judeus porém as análises e os resultados diferem. Bowring tem

algumas considerações sobre razões possíveis:

Houve resistências esporádicas dos armênios, as vezes organizadas por partidos políticos enquanto que a resistência dos judeus aos nazistas não foi associada a nenhum partido; A história oral dos armênios não tem o mesmo peso da história oral dos judeus; Entre a primeira Guerra Mundial e a Segunda, grandes avanços de comunicação foram reunidos dando maior visibilidade as evidencias; Parte das evidencias foram dadas pelas tropas libertadoras e parte pelos próprios nazistas que gravavam suas “experiências científicas”; Os responsáveis nazistas foram todos julgados. Os jovens turcos foram julgados pelo seu povo mas os subordinados muitos não foram; Os criminosos nazistas foram julgados em um tribunal mundial (Nuremberg) e condenados por crimes contra a humanidade, alguns procurados até hoje; O governo alemão aceitou a responsabilidade pelas atrocidades enquanto que o governo turco nega até hoje e em muitos episódios se coloca como vitima; O genocídio turco foi praticado entre não-ocidentais contra não-ocidentais. O holocausto por um povo ocidental considerado culto e desenvolvido contra um não-ocidental; Por outro lado turcos e armênios não eram totalmente conhecidos para os ocidentais. (2006, pgs. 10-13, tradução minha).

Bowring discorre também que a evolução da utilização do termo “genocídio”

chegou com atraso de 30 anos porque o episódio com os armênios sempre foi

tratado como “massacre”.

“Em outras palavras dá-se a impressão de que o evento armênio não foi tão terrível como o genocídio judeu. Com o passar do tempo buscou-se nova palavra que desse o peso do horror do genocídio judeu chegando ao

20

Folha de São Paulo, Turismo – caminhos da armênia, quinta-feira, 06 de maio de 2010, pg. F9.

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35

holocausto. Esse substantivo passou a nome próprio e se tornou um evento único, inigualável por qualquer outro, passado ou presente”. (BOWRING, 2006, pg. 14, tradução minha)

A socióloga ainda complementa que é importante o reconhecimento para que

possam se enxergar como um holocausto, para que depois de evento tão destrutivo,

tanto as pessoas e cultura possam se recuperar.

Recentemente a revista Veja trouxe reportagem da visita da Presidente Dilma à

Turquia e o repórter discorre sobre o poder mitológico de Mustafá Kemal Ataturk

(1881-1938) como um grande estadista. (Carlos Graieb, pg. 8321)

Mustafá é também considerado um idealizador dos massacres e torturas dos

armênios deportados no Novo Estado Nacionalista da Turquia.

Na página central da reportagem em entrevista ao Presidente da Turquia, várias

questões de ordem internacional são levantadas mas em nenhum momento a

questão do genocídio é lembrada. O mais interessante é o fato de que as questões

estão voltadas para a evolução do partido turco ao qual ele pertence e que é

herança do partido de Ataturk. Ele defende a idéia de um estado secular e com

direitos religiosos a todos os indivíduos e que não pode haver barreiras para as

diversas crenças. Veja um trecho da entrevista:

Jornalista: Ataturk era contra a religião. O AKP (Recep Tayyip Erdogan) recusa parte de sua herança? Presidente: Ataturk era um homem aberto, que olhava para o futuro e se opunha ao dogmatismo. Seu legado não deve ser lido de maneira dogmática. Ele buscava a democracia e o estado de direito. Essas também são nossas metas. Fazer a Turquia ombrear com as maiores democracias, ou até ultrapassá-las creio que lutar por isso seja fazer justiça a herança de Ataturk nos dias de hoje.

Atualmente no mundo todo o dia 24 de abril é lembrado mundialmente como “Dia

do Genocídio Armênio” em alusão às mortes dos intelectuais e políticos que

residiam em Istambul. Para que não fiquemos apenas na lembrança de uma data, a

historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro22 incentiva aos visitantes da Armênia a

olharem para cada vilarejo desse país com as marcas da memória desse episódio

na geografia dos locais que foram palco dos massacres de homens, mulheres e

crianças, Ela acrescenta:

“São caminhos que devem ser marcados (ou mapeados com símbolos) como forma de lembrar, evocando a tragédia, um crime contra a humanidade. Fugindo da morte, alguns armênios se esconderam nas alturas das montanhas de Taurus ou então buscaram abrigo em acampamentos improvisados no deserto. Por meio do turismo histórico proposto nesta edição da Folha, podemos prevenir a ocorrência de novos genocídios e incentivar o respeito aos direitos humanos. Portanto devemos olhar a Armênia para além do lazer, pois cada viagem pode trazer, nas entrelinhas,

21

Revista Veja – Edição 2239, 19/10/2011. Reportagem: O Verão da Turquia, pgs. 82-87. 22

Maria Luiza Tucci Carneiro é historiadora e coordenadora do LEER (Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação) da USP.

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36

uma lição de respeito à vida.” (Folha de São Paulo, Turismo, 06 de março de 2010, pg. F7)

4. AS REPÚBLICAS

Em 1918 os líderes armênios, georgianos e muçulmanos da Transcaucásia se

uniram e convocaram uma Federação da Transcaucásia, ligada à Rússia.

O poder militar russo foi declinando e os turcos romperam novamente em

novos confrontos. Lênin através de um tratado devolve as terras da Armênia

Ocidental para os Turcos e a Federação da Transcaucasia não subsiste.

A Geórgia declara sua independência e em seguida muçulmanos proclamam

a República do Azerbaijão entre as terras históricas da Armênia Oriental

reivindicando para si os territórios de Karabakh, Zangezur e Nakhichevan.

Os armênios isolados se levantam militarmente para defender Yerevan dos

Turcos e em 28 de maio de 1928 a Armênia se torna independente. Com uma

economia precária, milhares de refugiados e escassez de alimentos continuavam

vulneráveis e morrem mais algumas centenas de armênios em nova ofensiva turca.

4.1 As fronteiras

O presidente do EUA foi convidado para determinar as fronteiras da Nova

Armênia e, embora devolvesse grande parte de terras históricas, isto nunca saiu do

papel. O tratado de Sevres, com a Inglaterra e França, levou a Turquia a assinar um

acordo de reconhecimento da Nação Armênia o que gerou reconhecimento de

outros países também.

A Armênia nesse período converteu-se em uma República democrática com

os três poderes separados e liberdade de expressão. Organizaram-se sindicatos,

abriram-se escolas primárias, universidades e ênfase tanto à cultura quanto à arte.

Os camponeses reiniciaram sua agricultura com a doação de sementes e as minas

de carvão voltaram a funcionar. Com novas ameaças de ataques turcos e com a

pressão dos bolchevistas que já haviam tomado o poder na Geórgia e Azerbaijão, a

Armênia transfere o destino da nação às mãos dos comunistas, dando início a II

República.

4.2 Armênia Russa

Por sete décadas a Armênia pertenceu a ex URSS. Debaixo da paz

proporcionada pelas Repúblicas Socialistas, a Armênia registrou uma transformação

crescente tanto política quanto econômica e social. Muitos armênios cientistas,

matemáticos e artistas se destacaram internacionalmente inclusive como grandes

militares atuando na Segunda Guerra Mundial.

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Em 1980 começa decadência desse império comunista e em 21 de outubro de

1991 com a separação dos territórios ocorre a proclamação da III República da

Armênia. Nesta condição de independência a Armênia segue até hoje. Tenta forjar o

futuro apesar das crises econômicas bem como bloqueios do oleoduto tanto da

Turquia quanto do Azerbaijão. (SAPSEZIAN, 2010, pg. 218)

A Armênia faz parte da ONU, OMC, UNESCO, Unctad, Conselho Europeu e

outras entidades, além de possuir representações diplomáticas em 40 países.

Nagorno Karabakh que estava sob domínio turco no Azerbaijão se manifestou

a favor da reunificação com a Armênia, fato este que iniciou nova matança de

armênios em todo o território azerbaijano reiniciando a limpeza étnica. De acordo

com a legislação soviética na época, a população de Nagorno Karabakh decidiu por

sua independência. Os armênios conseguem libertar os territórios ocupados como

também anexam parte do território azerbaijano. Em 1994 foi estabelecido um cessar

fogo entre eles porém sem a conseqüente solução do conflito, que perdura até aos

dias de hoje.

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38

CAPÍTULO SEGUNDO: RELIGIÃO

1. RELIGIÃO PRÉ-CRISTÃ

Muito pouco se conhece sobre a literatura da Armênia anterior à introdução do

cristianismo, e um dos registros mais antigos está na história de Moisés de Khoren,

ligado diretamente à história da Armênia. Podemos dizer que durante esse período

existiram varias influências e crenças: com muitos deuses e alguns sinais de que

veneravam entidades da natureza, heróis lendários e espíritos.

Os antigos historiadores armênios falam que a Armênia foi muito influenciada

pelo Zoroastrismo, e seu principal deus era Aramazd (o pai dos deuses, o criador do

céu e da terra). Aramazd tinha um mensageiro, chamado Tir ou Dir, a quem ele

enviou à Terra para assistir aos homens e gravar em um livro suas boas e más

ações. Tir tinha uma grande influência na Armênia, pois era a personificação da

esperança e do medo. (KEROUZIAN, 1970, pg.19)

Aramazd tinha uma filho, Mihr (de origem iraniana, deus da luz). A palavra

Mehian (templo) é derivado de Mihr, e um dos meses do antigo calendário armênio

(Mehekan) foi nomeado em sua homenagem. Havia também Anahid (filha de

Aramazd, deusa da fertilidade e da maternidade, mãe protetora da Armênia). Com a

introdução do cristianismo, o templo de Anahid foi destruído e a festa de Anahid

tornou-se a festa da transfiguração de Cristo, que cai nos últimos dias do ano,

segundo o antigo calendário armênio.

Estas divindades estavam enraizadas na vida nacional de forma que as

originárias do período de contato com os frígios eram mais vivenciadas pelas

camadas mais populares, enquanto que as mais recentes influenciadas pelas

culturas vizinhas tinham maior adesão nas classes dirigentes. (SAPSEZIAN, 1997,

pg. 20)

O período pré-cristão armênio estava relacionado ao reinado dos Arshácidas,

e portanto toda a influência nesse momento era do Império Persa que tinha a

postura de impor aos seus dominados as suas divindades bem como reprimir

qualquer manifestação diferente por parte destas colônias. Vários trabalhos da igreja

armênia mostram as repressões que os armênios sofriam por estarem se

envolvendo com uma nova fé que se enraizava nessas colônias.

Sapsezian nos diz:

“Ora, ninguém se dá ao trabalho de reprimir um movimento insignificante. Se esse cristianismo primitivo foi tantas vezes alvo de perseguições, é porque tinha certa presença atuante e representava uma força na sociedade, a ponto de suscitar as inquietudes das autoridades políticas e religiosas da época. É isso que permite afirmar, portanto, que muito antes de sua oficialização o cristianismo já manifestava na Armênia sinais de vigor,

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39

coragem e tenacidade. Sinais próprios de um movimento destinado a triunfar.” (SAPSEZIAN,1997, pg. 21)

2. CRISTIANISMO

Como vimos anteriormente o cristianismo já havia penetrado nas colônias

antes da sua oficialização em 301 d.C.. Esse cristianismo portanto, estava

espalhado por países do Oriente Médio e Mediterrâneo.

O cristianismo armênio é bastante estudado por suas significativas distinções e

os motivos que levaram a esta adoção têm diferentes conclusões para diferentes

autores. As causas que motivaram Trdat para declarar o cristianismo como a religião

nacional são questões de conjecturas, mas não pode estar errado em se assumir

que ele havia seguido a tendência geral no mundo romano, porém sejam quais

foram estes motivos a conversão foi um passo de ousadia e importância para a

consolidação de uma identidade própria e distinta da de seus vizinhos.

Além disso diante de tantas mudanças, divisões e domínios a igreja

constituída como Igreja Apostólica Armênia foi o instrumento que fortaleceu e

defendeu esta identidade ao longo dos séculos. Constitui-se numa igreja influente na

vida armênia em todos os períodos históricos incluindo a diáspora mundial.

2.1 Igreja Apostólica

A historiografia de Jesus Cristo, o fundador do cristianismo é inconsistente

porém a totalidade das informações são retiradas dos quatro livros do Novo

Testamento (Mateus, Marcos, Lucas e João) mas não são biografias no sentido

específico da palavra e sim reflexões cristológicas com fundo bibliográfico. (PIERINI,

2004, pg. 39) A partida de Cristo, posteriormente proclamado “Senhor” (filho de

Deus), põe em evidência o papel dos homens que com ele andavam e que a partir

daí passam a ser chamados “apóstolos”23 e é através deles e do seu testemunho

que tanto Jerusalém como outras comunidades vão fundamentar a fé e organizar as

ações.

Assim os apóstolos se espalham por todo o Império Romano e pelas regiões

próximas. Antigos cronistas e historiadores cristãos relatam que Bartolomeu

evangeliza a Armênia e a Pérsia e Judas Tadeu a Síria e Mesopotâmia. (PIERINI,

2004, pg. 49)

Para vários historiadores Edessa (atual Urfa - Turquia) era um centro cristão

desenvolvido que atuava na região como o centro de irradiação cristã com zelo

missionário e que ali Tadeu teria convertido o seu rei (Apcar).

23

Palavra retirada do grego popular, que significa “enviado”, “embaixador”. Pierini, 2004, pg 47.

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40

O fato é que é nessa tradição, que a igreja armênia se apóia para reivindicar a

“origem apostólica” ou seja diretamente daqueles que estiveram com Cristo.

Os dois apóstolos então seriam os primeiros iluminadores24 das colônias

armênias e a presença cristã teria perdurado por mais de dois séculos até que

tornasse em definitivo a religião oficial armênia com a obra evangelizadora de

Gregório. A história de Gregório também é envolvida num clima de misticismo que

ocorre com o fato de Gregório curar ao próprio rei (Dertade) com a assistência do

Deus dos cristãos, e em seguida este se converte ao cristianismo dando um impulso

para a difusão do cristianismo por imposição.

Como vimos antes, já existiam núcleos cristãos na Armênia mas não foi fácil

atingir todas as colônias com a doutrina cristã, e Gregório se empenhou muito

através de colaboradores, discípulos, organizando mosteiros e templos. Ele tinha

sido criado e educado no meio cristão de Cesaréia, na Capadócia, recebendo das

mãos do arcebispo Leôncio (Cesaréia) a ordenação de chefe da igreja na Armênia,

tornando-se o legitimo Iluminador e na igreja viria a ser posteriormente o patriarcado

armênio. (SAPSEZIAN, 1997, pgs. 24-25).

Os cânones, homilias, disposições disciplinares e litúrgicas em sua maioria

são atribuídas a ele. São Gregório tornou-se o primeiro katholicós da Armênia e

após sua morte (325) o cargo tornou-se hereditário em sua família até o século V. A

situação doutrinaria em nada mudou e tanto as igrejas do ocidente quanto as do

oriente estavam unidas na fé e caridade. (ORMANIAN, 2003, pg. 51)

A bíblia e rituais eram todos em línguas grega e síria por falta de um alfabeto,

quando São Mesrop conclui o alfabeto incentivado pelo catholikos São Sahac e um

novo ânimo e novo rumo tomam as colônias armênias pois rompem a convivência

das tradições Greco-helenisticas e inauguram uma cultura reformatada no

cristianismo. Esta aura nacionalista não deixa de ter sobre si um fundo sobrenatural

na construção do alfabeto.

Após a tradução da bíblia foi estabelecido o Ritual da Igreja Armênia todo

inspirado na liturgia da Igreja de Cesaréia com traços distintivos armênios, pois

vários costumes nacionais e ritos pagãos São Gregório já havia transformado em

ritos cristãos. Durante um século esses ritos impregnaram os costumes nacionais e

cristãos, e essa influência teve que ser respeitada desde então. (ORMANIAN, 2003,

pgs. 53-54)

24

Iluminador significa para os armênios “aquele que iluminou a nação pela Luz do Evangelho”. Ormanian, 2003, pg 41.

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41

2.1.1 Os Concílios

Temos uma tendência grande em ter como parâmetro a história da Igreja

Ocidental para os estudos teológicos, porém as grandes controvérsias partiram das

igrejas orientais. Foram debates de toda natureza até se chegar a uma divisão do

que comumente denominamos de igrejas ortodoxas ou católicas. Durante todo

período que antecedeu aos concílios, as igrejas tanto do oriente quanto do ocidente

eram unidas e mantinham dogmas únicos sobre muitas discussões desenvolvidas

ao longo dos anos por teólogos, que na maioria das vezes foram consideradas

heréticas.

De um modo geral podemos dizer que os sete primeiros Concílios

demarcaram o que conhecemos hoje como divisão do cristianismo.

Os Concílios foram congressos marcados com todos os representantes

cristãos de Roma, Alexandria, Antioquia e Constantinopla no sentido de trazer um

consenso para os dogmas da igreja universal.

A) Primeiro Concílio Nicéia (325 d.C.)

Foi um debate teológico para tratar a controvérsia ariana que negava a

divindade de Cristo. Anterior ao concílio já havia um consenso entre as igrejas sobre

a reflexão trinitária e a evolução para o estabelecimento do conceito de Trindade

com a distinção das três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo, que fora elaborado por

Orígenes. Ou seja todos iguais em sua substância. (PERRONE, 2005, pg. 17-19)

Para Ario25 as três Pessoas da Trindade eram diferentes. O Pai não era

gerado e o Filho seria uma criatura criada por Ele diferente em substância. Resumo

da doutrina cristológica de Ario (318):

O Logos e o Pai não eram da mesma essência; O Filho era uma criação do Pai; Houve um tempo em que o Filho ainda não existia.

Reuniram-se em Nicéia 318 bispos das igrejas orientais e ocidentais entre os

quais o representante do papa São Silvestre, que condenaram a tese ariana.

(LOIACONO, 2005, pg. 119)

Ario foi excomungado da comunidade religiosa e a doutrina declarada herética

e, apesar da condenação, o movimento persistiu por muito tempo.

B) Segundo Concílio – Constantinopla (381 d.C.)

Este Concílio foi convocado pelo imperador bizantino Teodósio I, onde foram

confirmadas as definições de Nicéia de que existia consubstancialidade entre o Pai e

25

Teólogo líbio e presbítero cristão da igreja de Alexandria.

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42

o Filho e também incorporou ao Espírito Santo que era excluído por Macedônio26 e

este também foi condenado. Macedonio atribuia ao Espírito Santo a nomenclatura

de “força” ou “poder”. Como tal afirmação era parte da doutrina de ario, o concílio

condenou também outras ramificações do arianismo que ainda permaneciam

divulgadas. (LOIACONO, 2005, pg.119)

Resumo da doutrina cristológica de Macedonio:

O Espírito Santo é uma criatura do Filho; É Inferior ao Filho; É servo do Pai e do Filho.

C) Terceiro Concílio – Éfeso (431 d.C.)

Passado algum tempo a natureza de Cristo volta a criar controvérsias quando

Nestor assume o Patriarcado de Constantinopla. O termo “theotokos” era usado para

a Virgem Maria, que traduzido significa “Mãe de Deus”. Para Nestor havia diferenças

a serem ditas sobre a humanidade de Cristo e sobre a sua divindade.

Nestor dizia que em Jesus Cristo, Deus havia se unido a um ser humano.

Como Deus é uma pessoa, o ser humano é outra, em Cristo devem estar presentes

não só as duas naturezas como também as duas pessoas. (GONZÁLES, 2003, pg.

94)

Resumo da cristologia de Nestório:

O verbo e o homem são unidos em Cristo; Ações comuns eram realizadas pela parte humana e ações divinas pela sua parte divina; Maria não é mãe de Deus.

Este concílio foi convocado por Teodósio o moço, na cidade de Éfeso onde

Maria teria ido morar com João, após a morte de Jesus. O nestorianismo tambem foi

condenado por heresia. Neste concílio ficou proclamada a união sobre os mistérios

das naturezas Humana e Divina de Cristo.

Nestório se refugia na Mesopotâmia, onde organiza uma igreja separada

(Igreja Assíria, de rito caldeu) que existe até hoje. (LOIACONO, 2005, pg. 119)

Tanto no concílio de Constantinopla quanto no de Éfeso a Igreja Armênia não

enviou representantes, porém aplicou os seus editos e diretrizes rigorosamente.

(Khazinedjian, 1983, pg. 29)

D) Quarto Concílio – Calcedônia (451 d. C.)

Posteriormente nova controvérsia chega a tona pois ao se exaltar a natureza

divina de Cristo diminuía de importância a sua natureza humana. O resultado foi

26

Patriarca de Constantinopla.

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43

uma nova heresia em que as duas naturezas divina e humana se uniam, assim a

divina incorporava a humana, heresia esta que recebeu o nome de monofisismo.

Em 451 depois de vários obstáculos os bispos se reúnem e redigem nova

profissão de fé com a condenação desta nova heresia. Nesta nova definição não vão

deixar nenhuma dúvida quanto ao nestorianismo e ao monofisismo.

Os armênios não participaram deste Concílio porque nessa época a colônia

estava sem apoio e em guerra com as tropas persas na batalha de Avarair. Pela

fidelidade da igreja à Alexandria e por falta de apoio, os armênios rompem relações

dentro do Império Romano e a história declara que a igreja armênia passa ser

“monofisista”.

A igreja armênia reconhece em seus dogmas tanto a trindade como a

divindade das três pessoas e como tal não se considera monofisista. O fato é que o

Concílio da Calcedônia dividiu a igreja cristã.

A história estabelece como a primeira divisão das igrejas cristãs o cisma do

século XI separando Roma e Constantinopla, mas parece que o concílio de 451

dividiu de um lado Roma e Constantinopla que mantiveram relações até o sec. XI e

de outro lado os outros cristãos, Coptas, Sírios, Armênios, Abissínios etc.

Esta é a razão porque as Igrejas Latinas e Grega são chamadas de

Calcedonianas e as Igrejas Copta, Síria, Armênia de não-Calcedonianas.

Em 505, em Tvin, cidade armênia, foi realizado um sínodo com a participação

dos georgianos e Cáspio-albaneses que rejeitam o Concílio de Calcedônia e aceitam

em definitivo o Concílio de Éfeso. Em 555 na convocação de novo sínodo na mesma

cidade confirmam a rejeição às resoluções calcedonenses. Posteriormente os

georgianos e os cáspios-albaneses saem da tutela da igreja armênia e se aliam com

a igreja russa.

Dessa forma a igreja armênia se isola até mesmo das igrejas monofisistas,

tornando-se uma exclusiva ramificação do cristianismo.

Quanto ao monofisismo praticado pela Igreja Armênia, este tem

características próprias chamando de “exagero” o que Eutiques definia em relação à

natureza de Cristo.

Na confissão de fé a Igreja Armênia declara, através de Nerces27:

[...] confessamos, portanto que Cristo é Deus e homem. O que não significa, absolutamente, qualquer divisão na sua pessoa. Com efeito, o mesmo é o Cristo que sofreu e o que foi imune ao sofrimento: apesar de imutável e impassível na sua natureza divina, Ele de fato sofreu e morreu na sua natureza humana. Erram, pois, os que afirmam haver um Cristo que sofreu e

27

Teólogo reformado, poeta, músico, cognominado SHNORHALI (1102-1173), nome com o qual ficou conhecida sua obra.

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44

um outro que não sofreu, visto que se trata do mesmo Verbo impassível e incorpóreo que consentiu torna-se passível a fim de redimir a humanidade pelo seu sofrimento. O sofrimento corpóreo do Verbo era próprio do corpo que se ligou ao Verbo, o qual foi subseqüentemente exaltado em glória. Na verdade, é um só e o mesmo o que sofreu e o que não sofreu. Sofreu em seu corpo, torturado que foi, mas não padeceu o sofrimento porque, embora ligado a um corpo passível, era imune ao sofrimento em virtude da natureza divina do Verbo... O que dizemos é, portanto, conforme á tradição dos Pais; nada tem a ver com a opinião daqueles heterodoxos que, pretendendo professar uma só natureza em Cristo, confundem, adulteram e contradizem de muitas maneiras sua encarnação. Em vez de dizer ‘uma pessoa em Cristo’, como dizeis vós e como nós também professamos, preferimos dizer ‘uma natureza...’. Essas afirmações são idênticas porque, quando dizemos ‘uma natureza’, queremos justamente significar aquela união inseparável e inefável do Verbo (divino) com a carne (humana). (NERCES, apud SAPSEZIAN, 1997, pgs. 94-95)

Posteriormente outras controvérsias surgiram e foram estabelecidos novos

concílios e até o século IX foram reconhecidos sete concílios tanto pela Igreja

Católica quanto pela Igreja Ortodoxa, quando então as duas vertentes cristãs se

separam. Somente a Igreja Católica continuou a realizar os concílios estando

atualmente no vigésimo primeiro.

Tanto no plano geográfico como no plano cultural o Oriente e o Ocidente são

diferentes e receberam influências diversas quanto à composição do pensamento

cristão. O ocidente com os romanos e africanos, e no Oriente os sírios e egípcios.

Morini afirma que:

“Ortodoxia e catolicismo, portanto, bem antes de serem duas confissões cristãs com diferentes opções dogmáticas, são duas sínteses culturais diferentes. Os dois planos, o dogmático e o cultural, mais uma vez, revelam-se incoincidentes: catolicismo e protestantismo partilham as mesmas opções culturais (pense no papel do agostinianismo na Reforma), mas têm entre si uma vastíssima discussão dogmática, enquanto Ortodoxia e catolicismo não foram impedidos, pela profunda diversidade cultural, de viver, no primeiro milênio, em plena comunhão de fé e de vida sacramental.” (2005, pg. 20)

2.1.2 Outros problemas

Notamos que a história da Armênia é entrecortada por fatores sociais,

políticos, econômicos, religiosos dos mais diversos, mas a partir da instituição oficial

do cristianismo a Igreja Apostólica teve papel de fundamental importância no que se

refere à formação da identidade armênia. Seja liderando a igreja, seja representando

o povo, foi a igreja que deu o suporte necessário para que as colônias continuassem

unidas. Vale ressaltar que em muitas ocasiões na ausência de uma política

separada do poder secular, a igreja assumiu esta posição mas não ficou imune aos

diversos movimentos que surgiram no Oriente. Dois desses movimentos se

destacam na história armênia: os paulicianos e os tondraquianos, que surgiram em

épocas diferentes mas ambos se opuseram à igreja oficial.

Para Sapsezian esses movimentos ganharam força por corresponder a

aspirações que o cristianismo oficial não supria. Os paulicianos, considerados como

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45

seita, rejeitavam o Antigo Testamento e procuravam no Novo Testamento somente

os ensinamentos do Apóstolo Paulo. Eram contra os rituais litúrgicos, contra a

hierarquia eclesiástica e pleiteavam uma comunhão direta com Deus.

Evidentemente foram repudiados pela Igreja Armênia e por volta de 873 em batalha

com os Bizantinos foram derrotados e o movimento acaba com seus adeptos

dispersos em outras religiões. (1997, pg. 56)

Posteriormente surge o movimento dos tondraquianos, no momento em que o

povo passava por muitas dificuldades financeiras. O movimento pleiteava não

somente renovar a igreja mas transformar as estruturas da sociedade contra a

opulência das elites dirigentes. (SAPSEZIAN, 1997, pgs. 60-63)

Foram hostilizados pela igreja oficial e pela nobreza armênia, massacrados

pelas tropas reais, e os sobreviventes se dispersaram.

Posteriormente na época da renascença armênia no sec. XVIII foi fundada a

Irmandade Católica de Mekhitaristas (congregados aos monges Antonianos

Beneditinos) pelo Abade Mekhitar que trabalhou durante 30 anos para revalorizar a

disciplina da vida comunitária e orientá-la “para o serviço e a iluminação da nação

armênia”, concentrando-se principalmente no setor de publicação e educação,

fundando o seminário teológico, próximo a capital. Em 1773 a comunidade se dividiu

e parte do grupo deixa a sede na Ilha de São Lazaro e cria um ramo paralelo em

Viena. Vale destacar que ele lançou a base para a biblioteca do patriarcado que

mais tarde viria a ser a Biblioteca Nacional Armênia. (SAPSEZIAN, 1997, pgs. 113-

118)

2.1.3 Situação atual

A Igreja Apostólica Armênia em diferentes etapas foi decisiva em atitudes

políticas, como por exemplo em 1826 levando voluntários armênios a auxiliar as

tropas russas contra os persas na invasão de Yerevan.

Na armênia czarista foi reprimida porque o ortodoxismo russo tinha como

meta a conversão dos armênios para si e como estratégia anti-separatista as

escolas, paróquias armênias foram fechadas e os bens das igrejas confiscados.

Após a Segunda Guerra Mundial houve um alívio para a colônia e um seminário e

imprensa puderam reabrir. Quando da dissolução da União Soviética em 1991, a

igreja esteve envolvida e militante no movimento de independência armênio.

Tanto na Turquia como na Rússia, a igreja armênia recebeu direitos políticos

e privilégios para o desenvolvimento do povo armênio. Com os novos regimes de

constituição, tanto a Rússia quanto a Turquia querem suprimir tais direitos, o que

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46

tem gerado conflitos da igreja armênia com esses governos, pois as suas religiões

oficiais não receberam nenhuma mudança ficando focados somente nos armênios.

(ORMANIAN, 2003, pg. 220)

A Igreja Armênia é sem dúvida a instituição que fortalece o vínculo da

comunidade tanto na Armênia como nos países em que os indivíduos estão

dispersos.

Esse fator dá a igreja a condição de ser ela a Igreja Nacional e somente ela a

portadora de fornecer proteção e possibilitar a união dos armênios pela sua história.

Não existe um levantamento a respeito do números de fieis da Igreja Armênia,

mas estima-se que tenha sido em torno de trinta milhões de adeptos e que

atualmente gira em torno de quatro milhões. (ORMANIAN, 2003, pg. 221)

2.2 Igreja Católica

Como descrito anteriormente, a época das Cruzadas favoreceu o contato da

Igreja Armênia com os católicos na região da Cilícia.

Algumas tentativas de unificação da Igreja Armênia com a Igreja Católica

foram realizadas sem sucesso, mas já em 1356 se encontravam armênios católicos

em várias colônias. Lembremos que os mekhitaristas eram um grupo católico que já

se fazia presente na vida da Armênia, porém os historiadores estabelecem a criação

do catolicismo armênio em 1742 quando Ardzivian Abraão foi eleito Patriarca

Católico da Cilícia.

A capital se viu diante de um número considerável de católicos armênios e

com o contínuo crescimento, os atritos com a igreja oficial também surgiram.

Quando os otomanos foram derrotados na guerra russo-turca várias potências

católicas intervieram e foi reconhecida a comunidade católica armênia independente

do patriarcado Apostólico. (SAPSEZIAN, 1997, pg. 133)

Segundo Ormanian, isto se deve aos recursos do vaticano e à influência

política da igreja católica da época, que permitiu o rito armênio nas igrejas com

pequenas modificações. (2003, pg. 223)

O patriarcado católico de Bzomar foi transferido para Constantinopla para dar

legalidade à igreja católica e em 1866 foi criado oficialmente o Patriarcado Armênio

Católico de Constantinopla quando então pode disputar as mesmas prerrogativas

jurídicas do patriarcado apostólico.

Para Ormanian esta foi uma situação em que o proselitismo foi efetivo,

agregado pelas congregações dos mekhitaristas na Rússia. (2003, pg. 223)

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47

Este patriarcado se fortaleceu administrativamente, mas com o advento do

genocídio (1915) perdeu estabilidade e retornou para Bzomar.

Do ponto de vista doutrinário existem algumas diferenças entre a Igreja

Católica e a Igreja Apostólica. Do ponto de vista litúrgico as duas igrejas praticam o

“rito oriental” no qual todo o ritual é praticamente o mesmo.

O número total de católicos armênios antes da Primeira Guerra Mundial era de

cento e cinqüenta mil e hoje em torno de sessenta mil (dados aproximados de

Ormanian, 2003, pg. 224)

2.3 Igreja Protestante

Os diversos movimentos que vimos anteriormente, considerados hereges pela

igreja armênia, como os paulicianos e tondraquianos, já faziam parte de um anseio

popular para a renovação na Igreja Apostólica Armênia. Não é nosso foco neste

trabalho, o aprofundamento das correntes teológicas no oriente e no ocidente que

renovaram o cristianismo, mas é possível perceber que as reformas são partes

constituintes do cristianismo e que ecoaram em todas as direções.

A Igreja Apostólica teve o mérito de manter sua autenticidade e preservar a

igreja como instituição nacional com algumas reformas mas não o suficiente para

acompanhar os anseios populares e se modernizar. No final do século XVIII a igreja

católica se fazia presente, a ordem mekhitarista tinha se tornado uma das grandes

benfeitoras da cultura armênia, incluindo institutos de ensino superior. Jovens

armênios partiram para Europa em busca do ensino superior, retornando

posteriormente com novas idéias. É fato que o primeiro contato da Igreja Armênia

com o protestantismo ocidental ocorreu em 1576 em Constantinopla quando o

pastor luterano Stephan Gerlock encontrou-se com o patriarca Hovannes de

Diarbekir. Foi uma visita breve de trocas de informações doutrinárias. Como efeito

da visita houve a menção nos escritos protestantes da época, com informações

verídicas sobre a doutrina armênia. (CARMONA, 1996, pgs. 194-195)

Nesse período a colônia armênia desejava uma igreja mais piedosa, mais

democrática e mais sensível às aspirações populares. (SAPSEZIAN, 1997, pg. 140)

Inicia-se uma reforma dentro da igreja armênia organizada, chamada “União

Pia”, a fim de estudar as escrituras e voltar às antigas origens em oração e

espiritualidade bíblica. Este grupo era coordenado por Houhanes Der Sahaguian e

tinha como incentivador o patriarca de Constantinopla Stepanos Zakarian e o

professor de história e teologia do seminário teológico do patriarcado. (SAPSEZIAN,

1997, pg. 141)

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48

Para promover a renovação contavam também com bíblias impressas na

língua armênia popular, principalmente com a distribuição do novo testamento pela

Sociedade Britânica. Tudo feito com aquiescência da igreja armênia.

Os missionários americanos Plínio Fisk e Levi Person, ambos da Junta

Americana de Missões Estrangeiras desembarcaram em Esmirna em 1820 com a

intenção da propagação do protestantismo, que foi bem aceito em Beirute.

Eram missionários com fervor triunfalista das missões, que embora

competentes, não tinham muita sensibilidade para com as igrejas cristãs orientais.

No lado ocidental da Armênia sob o Império Russo, os missionários da Missão

de Basílica (Suíça) conseguiam algum êxito junto aos armênios, fundando uma

escola em 1828 (Shushi).

Passados alguns anos a Igreja Apostólica se levanta contra a missão e com a

ajuda do governo czarista a escola é fechada e, como conseqüência contra as

intenções ativistas das missões, foi quase impossível a entrada de outros

missionários na Armênia Russa após esse episódio. (SAPSEZIAN, 1997, pg.142)

Posteriormente é designado pela junta americana de missões estrangeiras o

pastor William Goodell incumbido de levar o protestantismo somente para a

Armênia.

Era uma organização criada com o objetivo de todas as organizações de

missões: Levar a luz da verdade aos povos que não conheciam o cristianismo.

Especificamente essa organização missionária que chega a Armênia fora

criada em 1807, em Massachusetts que incorporava as igrejas presbiterianas e

congregacionais, cujo avivamento religioso que os envolveu nas treze colônias

incentivou-os a seguir até os confins da terra para efetivar a missão que lhes cabia.

Claro que tal missão visava o evangelismo de judeus e mulçumanos, mas diante da

dificuldade que encontraram reavaliaram os propósitos da missão da “Ásia

Ocidental”.

Goodell foi designado para ativar os projetos e recursos para a Armênia,

porque os armênios já eram cristãos e poderiam ser o referencial para

posteriormente expandir a missão. Esse missionário ao se familiarizar melhor com

as atividades da igreja milenar armênia, tece comentários a seus superiores nos

Estados Unidos sobre a igreja nacional, que era “corrupta,... supersticiosa,...

idólatra,... cerimonialista”. (SAPSEZIAN, 1997, pg. 143).

Apesar dessa convicção não demonstravam nenhuma posição abertamente

frente à igreja.

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49

Os missionários trabalhavam numa versão bíblica armêno-turca visto que

muitos armênios falavam a língua turca no Império Otomano, e também numa

versão bíblica armênia em armênio popular, que foi publicada em 1853. Goodell, que

aprendera turco, dedicou-se à bíblia armeno-turca, e outros dois missionários Elias

Riggs e Itarrison Dwight, ajudados por armênios, fizeram a tradução para o armênio

popular (Ashkarappar), a partir dos textos originais. (SAPSEZIAN, 1997, pg. 144)

Sem dúvida que foi uma contribuição importante para a população que não

fazia parte da elite e se tornou um instrumento de grande ajuda para o evangelismo.

Esta bíblia foi impressa pela organização dos missionários que haviam se

estabelecido em Esmirna.

Além disso, organizavam reuniões de estudos bíblicos com a participação da

União Pia. Estes missionários fundaram uma primeira escola armênia de grau

secundário em Constantinopla (1834) com princípios pedagógicos modernos. Isto

revela o valor da educação na estratégia de evangelismo da Junta Americana de

Missões Estrangeiras. Posteriormente estes missionários começaram a realizar

cultos públicos em sua sede em Constantinopla, com a participação de outros

simpatizantes, membros da Igreja Apostólica.

Os primeiros anos de relacionamento com a igreja foram de cordialidade.

Posteriormente passou-se a uma campanha discriminatória tomada pelo patriarca

Hagop Seropian (1839), como a interdição das publicações missionárias e uma

campanha para expulsá-los do país, porém foram reprimidas graças à diplomacia

americana junto às autoridades.

O fato é que várias outras escolas foram criadas nos anos seguintes e a

população sentia os benefícios que os armênios podiam contar com esse movimento

renovador de missões.

Em 1844 a discriminação contra os renovadores, que já contavam com 8000

membros, retornou com mais violência na pessoa do patriarca Mateus Tchuhadjian.

Este fez várias tentativas para reconquistar os dissidentes e esclarecer aos

que estavam indecisos, através de debates públicos, porém sem o sucesso

esperado. Ele faz uma declaração na qual, após descrever os reformistas como

enganosos, satânicos e pecadores contra a Igreja Apostólica, determina que se

retratem e que admitam culpa, prometendo submissão absoluta e incondicional aos

dogmas tradicionais.

Os renovadores respondem com uma carta respeitosa, rejeitando o que lhes

fora declarado e reiterando o seu amor à nação e à igreja armênia e afirmando que

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50

estavam de conformidade com a bíblia e despedem-se na carta assinando “cristãos

perseguidos”.

A reação do patriarca Mateus foi imediata através de uma bula onde

excomungava aos renovadores, datada de 4 de junho de 1846.

Este ato além do religioso trouxe também conseqüência política, pois os

tornava exclusos da proteção civil do patriarcado, ficando exilados no meio de seu

próprio povo. (SAPSEZIAN, 1997, pg. 147)

Então em 1º de julho de 1846 o grupo de 40 pessoas (37 homens e três

mulheres) se organiza como igreja separada e se reúne na capela da missão norte-

americana (Constantinopla).

No término do culto neste dia, elegeram Absalão Lutiudjian como reverendo, o

qual foi consagrado pelos missionários uma semana depois. Nesta oportunidade

elegem também dois diáconos e decidem denominar-se Igreja Evangélica Armênia;

não desejando se submeter a qualquer proteção doutrinária decidem também fazer

conhecer ao povo sua formação e profissão de fé. Posteriormente empenharam-se

para criar uma estrutura civil e religiosa com a interferência do embaixador britânico,

Lord Stratford, conseguindo o estatuto de “Protestant Millet”28 em 1847.

Em 27 de novembro de 1850 conseguiram o estatuto com direitos na

sociedade civil e com liberdade de ação construíram o seu perfil doutrinário que

estava baseado nos seguintes princípios: fé na divina Trindade; forma clássica de

credos antigos e Jesus Cristo como cabeça da igreja; autoridade suprema da Bíblia;

Cristo o único mediador, e a salvação pela graça; compromisso pessoal de cada

crente na causa do evangelho, tudo isto típico da Reforma Protestante do século

XVI. Rejeitaram: a oração pelos mortos, veneração de relíquias e imagens e santos.

(SAPSEZIAN, 1997, pg. 149)

Assim que o movimento protestante se fortaleceu, se consolidou também em

Esmirna e rapidamente chegou às colônias de Anatólia, Cilícia, Síria e Líbano.

Nas cidades de Anatólia, Marash e Urfa formaram as mais dinâmicas

congregações de armênios evangélicos.

A cidade de Kharput, na Anatólia, ficou conhecida como o centro de

propagação evangélica, conseguindo se expandir até o território russo.

28

‘Millet’ foram comunidades criadas com critérios étnicos e religiosos, responsáveis pela gestão de seus assuntos internos e possuíam um papel fundamental na garantia dos direitos da comunidade. Summa, 2007, pg.15.

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51

A igreja evangélica em uma década após seu nascimento cresceu

imensamente e contava com 137 congregações, 60.000 membros e 180 pastores e

evangelistas.

A reforma armênia evangélica começou como um movimento único na

colônia, porém as igrejas locais (Marash, Antab, Urfa, Anatólia, Tibilissi, Bacu, etc.)

eram geridas autonomamente pelos próprios fiéis locais (sistema congregacionista).

(SAPSEZIAN,1997, pg. 149)

Com a expansão das igrejas nas colônias, foram organizados agrupamentos

regionais: União da Bitinia (1864); União do Oriente (1866); União da Cilícia (1867),

União Central (1868); depois mais dois grupos foram acrescidos: União Evangélica

do Leste dos Estados Unidos (1901), União Evangélica da Califórnia (1908) e em

1914 União das Igrejas Evangélicas Armênias do Ararat.

A União da Cilícia foi extremamente atuante. Instituíram Escolas Dominicais

com cursos de formação bíblica e moral cristã, e a associação de jovens

preparando-os para a solidariedade e para futuros pastores.

As escolas fundadas pelos missionários se multiplicaram e quase todas as

igrejas locais tinham uma escola primária e secundária. No começo do séc. XX

contavam com 400 escolas entre seminários, escolas secundárias e colégios, com

aproximadamente vinte e cinco mil alunos provenientes de todas as confissões

armênias.

Esta investidura financeira e humana dos missionários em ajudar aos

protestantes armênios proporcionou a eles a pretensão de subordinação das igrejas

à junta das missões. Fato que foi rejeitado pelos evangélicos que continuaram com

autonomia de desenvolvimento em suas causas. (SAPSEZIAN,1997, pgs. 149-151)

O genocídio armênio entre 1915 e 1922 acabou com os grupos de União

Evangélicos criados até então no território turco. Os sobreviventes evangélicos

conseguiram se organizar em 1920 em dois grupos em suas terras de adoção: A

União Evangélica da Síria e do Líbano e a União das Igrejas Evangélicas Armênias

no Oriente Próximo, e em 1930 a União Evangélica da França. Atualmente a maioria

dos evangélicos armênios que vivem no Oriente Médio está na Síria e no Líbano e

conta com várias escolas e associações para jovens. Realizam trabalhos sociais e

contam com várias instituições filantrópicas e humanitárias e também com várias

publicações comuns.

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52

Um importante órgão foi criado em 1918 para dar suporte e fortalecer a união

entre todas as igrejas evangélicas armênias: Agency Missionary Association of

Armênia Inc. (AMAA).

2.4 Questões atuais

É importante notar que nossa intenção é focar nossa pesquisa nas igrejas

evangélicas armênias, mas é indiscutível que assim como os evangélicos, os

católicos contribuíram para o desenvolvimento e fortalecimento dos armênios em

todas as colônias.

Especificamente sobre os protestantes, a idéia que se propaga é que o

protestantismo oriental é na sua totalidade uma mera fixação dos ideais dos

missionários americanos.

A comunidade de evangélicos está dispersa por várias cidades e somente em

Kharput, Aintab, Merzifun elas são mais organizadas porque até hoje são mantidas

pelos americanos e pouquíssimos grupos são Episcopais e Batistas. Portanto o

protestantismo armênio é dirigido pelos missionários americanos e mantido

economicamente em parte por eles. (ORMANIAN, 2003, pg. 224)

Em todo o percurso cristão, percebemos que os líderes da Igreja Apostólica

foram extremistas, e que as Igrejas Católica e Evangélica foram frequentemente

limitadas pela prática abusiva e até mesmo primitiva da religião oficial contra a

prática de liberdade religiosa. A liberdade religiosa e de opinião é direito fundamental

do ser humano, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu artigo 18

descreve o seguinte:

“todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em publico ou em particular.”

A expansão dos novos movimentos religiosos trouxe a necessidade de

“autopreservação” da igreja organizada e institucionalizada. A expansão do ensino, a

troca dos jovens influenciados por idéias européias através da difusão de novas

ideologias mais a mobilização social, gerou inquietudes na igreja oficial que se

alicerçava na tradição que lhe garantia a identidade de “única” representante dos

armênios.

Ormanian declara em seu livro que em 1863 a Igreja Apostólica realizou uma

nova constituição eclesiástica e que discorreu no século seguinte refletindo na

modernização da igreja, com o clero mais instruído, construções religiosas melhores,

donativos mais generosos, os ritos mais comoventes e os sermões mais edificantes

com vista ao crescimento espiritual e aspirações dos armênios. (2003, pgs. 114-115)

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53

A Armênia declara a prática de liberdade religiosa no Estado. Em 1991 as

organizações religiosas são declaradas separadas do Estado através de lei que

regulamenta a Liberdade de Consciência e Organizações Religiosas, mas a Igreja

Apostólica recebe direitos especiais do governo, a começar declarando que a Igreja

Apostólica Armênia é a “Igreja nacional do povo armênio” e importante baluarte para

a edificação da sua vida espiritual e de preservação permanente.

Esta mesma lei dá às organizações religiosas o direito de realizar serviços,

alugar locais para encontros, propriedade e educar os membros do clero, usar meios

de comunicação, atividades beneficentes, ter isenção de impostos sobre as doações

e ter vínculos organizacionais fora do país. Há também várias restrições para os

grupos: não praticar o proselitismo, não ser financiada por organizações fora do país

entre outras. Em 2005 recebeu emendas, mas não houve modificações substanciais.

Além de fatores administrativos, a Igreja Armênia conta também com o

financiamento público igual ao das escolas estaduais, para participar na elaboração

de livros didáticos usados para ensinar história da igreja e organizar cursos

voluntários religiosos em instituições do Estado (Lei 2007). Desde 2002 a história da

Igreja Apostólica Armênia é parte obrigatória nas escolas de ensino médio.

É certo que hoje na Armênia, o seu universo religioso não se compõe apenas

dos dois grupos cristãos de Católicos e Evangélicos. Ainda que sejam minorias,

vários outros grupos constituem a pluralidade religiosa presente também na maioria

dos países. Resta saber como o Estado e as igrejas cristãs tradicionais estão se

preparando para enfrentar a situação de convivência com o “outro”.

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54

PARTE II – IDENTIDADE CONSTRUÍDA

A temática do mal evoca uma diversidade de significados, sem contudo,

estabelecer uma resposta que satisfaça os anseios da humanidade frente a esta

questão.

Um grande desafio que se coloca neste capítulo é teórico e discursivo, pois

existem várias respostas teológicas a esse questionamento cristão.

A visão bíblica assim como a filosofia torna esse tema complexo e

dependendo dos teóricos que utilizamos para referenciar o problema, pode-se

esbarrar numa resposta à questão, que a torna muito particularizada sem ter

unanimidade entre as igrejas cristãs.

O segundo desafio é apresentar a construção da realidade social do grupo

armênio a partir do seu processo migratório. Esse processo apresenta como

característica um contingente de pessoas na diáspora maior do que o número de

pessoas que residem em seu próprio país. Diante dos fatores que os levou à

diáspora este grupo de armênios protestante em particular, não manifesta a

preocupação de retornar ao seu país de origem.

Sapsezian diz que a particularidade desta diáspora é por ela ser constituída

por “mini-Armênias” fora do seu país ancestral e que destoam entre si da visão de

vida. Portanto um brasarmênio é diferente de um libanoarmênio que é diferente de

um armênio de Nova York. (2010, pg. 280)

Por último a discussão da identidade étnica requer reflexão redobrada quanto

ao acompanhamento e identificação das fronteiras do grupo e os caminhos que esta

realidade percorre.

CAPÍTULO TERCEIRO: TEODICÉIA OU TEOLOGIA?

Terminamos o capítulo anterior falando da religião armênia. Uma religião

genuinamente cristã que, quer pelos seus mitos, quer pela sua história, é parte da

construção da realidade social. Mas como esses cristãos podem responder aos

acontecimentos tão marcantes que os levaram a percorrer uma história real de

sofrimento e morte?

A luz dos conceitos cristãos, os acontecimentos do povo armênio são um

desafio à fé.

A teodicéia cristã propõe o conceito de participação no sofrimento de Cristo.

Deus não tinha necessidade de manifestar a sua glória em suas criaturas, mas o fez

juntando-se a nós, demonstrando que em nenhum momento Ele nos abandona.

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55

Assim há esperança de que num reino vindouro o Reino de Deus; não haverá mais

sofrimento.

A questão sobre o conhecimento do mal e a possível intervenção de Deus é

um debate antigo que em linhas gerais a teologia não dá conta, e as tentativas

filosóficas em responder esbarram também em interpretações diferentes para as

religiões tanto politeístas como monoteístas.

A filosofia sobre o pensamento humano e Deus, criou várias interpretações

desde Platão, Aristóteles, Pascal, Kant, Heidegger, Agostinho, etc. e estes não

tornaram possível uma resposta concreta, e não estabeleceram uma compreensão

de Deus pela razão dialética, nos deixando dessa forma mais próximos das

explicações religiosas.

Berger entende que a religião é “um dos sistemas simbólicos fundamentais

dos seres humanos” e por isso mesmo transforma a busca pelo sagrado num

mecanismo que muda num primeiro momento as características individuais e num

segundo momento amplia as percepções tanto de ideais como de valores

configurando a realidade social.

Berger faz uma releitura de Weber dando um caráter mais sobrenatural, quase

que isentando o caráter humano da criação da sociedade.

Desta forma é possível perceber a relevância das questões religiosas com a

quantidade de respostas para um mesmo problema, recaindo sobre a vasta literatura

que aborda o problema do mal. (BERGER, 1997, pgs. 47-48).

Para os cristãos a concordância sobre a natureza de Deus é: Ele é onisciente,

conhece toda realidade e que Sua bondade é intrínseca. Isto passa a ser uma

convicção indiscutível por não se ter uma construção que possa responder essa

questão tanto a religiosos quanto a não religiosos..

Para o Rev. Abrahamian (entrevista em anexo)29 não existe uma teodicéia

específica para os armênios, mas existe uma história trágica que impregna livros

devocionais e religiosos do sentimento de dor.

Entre o grupo feminino em reuniões quando do questionamento do sofrimento

vivido, as respostas foram variadas, porém todas convergiram para o fato de que o

cristão aprende com as dificuldades, é o desígnio de Deus, e portanto resta-lhes o

perdão para entender o genocídio.

Do ponto de vista cristão, há na religião uma capacidade única de

transformação dos fenômenos humanos com a integração do sagrado (BERGER,

29

Rev. Roy Abrahamian, responsável pela ICEASP.

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56

1997, pg. 48); desta forma a religião se comporta como um dossel sagrado

protegendo e possibilitando interpretações que contemplam tanto a teoria como

também sustentam o indivíduo para enfrentar a crise do sofrimento e da morte. A

teodicéia tenta trazer não só a significação, mas também o lugar que ocupam as

tragédias ou experiências desastrosas.

Berger nos diz:

[...] afeta diretamente o indivíduo na sua vida concreta, na sociedade uma plausível (que é claro requer uma estrutura de plausibilidade apropriada) permite ao indivíduo integrar as experiências anônicas de sua biografia no nomos socialmente estabelecido e o seu correlato subjetivo na sua própria consciência. Essas experiências por penosas que possam ser ao menos tem sentido agora e temos que são tanto social como subjetivamente convincentes. É importante salientar que isto de modo algum significa necessariamente que o indivíduo esteja agora feliz ou mesmo satisfeito ao passar por tais experiências. Não é a felicidade que a teodicéia proporciona antes de tudo, significado. E é provável que, nas situações de intenso sofrimento, a necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade, ou de talvez maior. Não resta duvida de que o indivíduo que padece, digamos, de uma moléstia que o atormenta, ou de opressão e exploração nas mãos de seus semelhantes, deseja alívio desse infortúnio. Mas deseja saber por que lhe sobrevieram esses sofrimentos em primeiro lugar. (BERGER, 1997, pg. 70)

Existem duas formas de verificar a teodicéia do ponto de vista do cristão e

estão ligadas ao catolicismo e ao protestantismo.

No protestantismo existe um vácuo entre a humanidade caída e a

transcendência de Deus, restando para o crente a graça que o torna novamente filho

de Deus.

Para o católico, com relação a distância do homem caído e a divindade, há a

possibilidade de se lançar mão de vários canais como a intercessão dos santos, os

sacramentos da igreja, a busca pelo milagre, etc. É um mundo mágico de anjos e

santos. Mendonça afirma que são estas as teodicéias de confronto.

Talvez seja esse o fator que faz com que a teodicéia seja tão trabalhada pelo

catolicismo.

Queiruga30 é um exemplo. Para ele, desde o início, a vida humana está

assediada pelo mal e o mundo cheio de crucificados, e para fazer frente a este

problema no século XXI precisamos dar uma resposta ao sofrimento revisando o

que foi dito no passado. A questão do mal é um problema humano universal e não

só religioso, ele atinge a todos. (2002, pg.141-142)

O mal é um mistério e nunca atingiremos o fim do seu sentido, mas não é por

isso que não devemos pensar e tentar uma nova explicação, porque para ele tanto

30

Andrés Torres Queiruga, Doutor em Filosofia e Teologia. Professor de Filosofia da Religião na Universidade de Santiago de Compostela ( Espanha).

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57

Voltaire, Leibniz e Clarke deram respostas diferentes porque a cada tempo a cultura

e a história se apresentaram de formas diferentes. (2002, pg.143-144)

Queiruga propõe uma reformulação da teodicéia tradicional, não de forma

isolada ou pontual, mas modificando de acordo com novas exigências que o

contexto cultural religioso requer.

Ele propõe esta mudança, em primeiro lugar apontando o mal em si como

pergunta universal anterior a tudo que foi escrito (ponerologia, para romper o dilema

de Epicuro) e, em segundo lugar, elaborar uma resposta particular à um problema

geral, com sentido, coerente com razões mesmo sendo uma cosmovisão ou fé

(pisteodicéia).

Queiruga continua esse pensamento da seguinte forma:

Neste sentido, hoje a teodicéia clássica precisa assumir a figura de uma “pisteodicéia cristã”. Cabe-lhe, portanto, realizar a tarefa de sempre, mostrando a coerência de uma fé que apóia sua resposta na confissão de um Deus-amor; todavia, ao mesmo tempo, não pode negar a imensa ferida do mal no mundo criado por Ele. E isso deve ser feito à altura do momento histórico, reconhecendo por igual seriedade das dificuldades e das possibilidades de uma nova resposta, de sorte que esta se situe no mesmo nível da pergunta atual. Algo que se torna impossível sem uma lucidez crítica que proceda a uma intensa varredura intelectual que elimine os preconceitos acumulados na longa história do problema. (2002, pg. 145)

Do ponto de vista da história judaico-cristã, a explicação inclui o sofrimento e

a violência ao lado de esperança e ressurreição.

O pecado, a dor, a desobediência, a crença, as guerras, julgamentos num

Deus terreno unificam os fatos bíblicos conquistando cristãos tanto orientais como

ocidentais, como se fossem suas próprias histórias e, no caso, o armênio enxerga os

mitos dessa ideologia na sua perspectiva de sobrevivência e na amenização da sua

dor.

Como até mesmo pela posição geográfica os judeus tem proximidade com o

povo armênio, o Êxodo de Israel ao Egito, como o Êxodo da Babilônia configuram

para os armênios similaridades tanto quando estava sob o jugo de outras nações,

como quando puderam retornar para suas casas, territórios e suas terras.

Nesse caso o Êxodo em si não é entendido como purificação, mas como

testificação da fé; a resistência a qualquer custo, inclusive morte, para manter as

raízes cristãs, é portanto uma declaração de amor a Deus. A crença na esperança

tanto do retorno como da melhoria das condições sociais são os pensamentos

esboçados no livro de Jó, que resiste a todo custo e não recrimina Deus mesmo

estando em sofrimento.

Os armênios, por sua vez, investiram na nova religião e mesmo diante de

muitas adversidades não se intimidaram.

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O Monte Ararat é uma reivindicação legítima dos armênios porque ocuparam

o lugar por muitos anos com comprovação histórica.

Mais recentemente o Gólgota aparece em algumas publicações armênias

fazendo uma analogia ao genocídio.

Essa fé na transcendência de Deus tem como fundamento que, na esperança

nesse Deus, há superação para o sofrimento e injustiça, terminando com a

declaração do versículo: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te

vêem; por isso retrato-me e faço penitência no pó e na cinza.” (Jó 42: 5 e 6)

Segundo os evangelhos do novo testamento (MT 27:33; Mc l5:22; Lc 23:33;

Jo 19:77) Gólgota é o lugar onde Jesus carregando ele mesmo a sua cruz vai em

direção ao Lugar da Caveira, que em hebraico é chamado de Gólgota.

Novamente à semelhança de Jesus, que foi morto sendo inocente, os

armênios marcham para morte sem que tenham cometido falhas graves, em

caminho de dor, de lágrimas, um lugar onde Cristo foi crucificado.

Sapsezian, num dos capítulos de seu livro, faz uma alusão a um versículo

bíblico que também nos remete a essa linha de pensamento: “Deus meu... por que

me desamparaste?” (MT 27:46) (1997, pg. 153)

O historiador tem nesse capítulo os relatos das incursões dos turcos que

terminaram com a matança dos armênios. Ele termina este capítulo dizendo:

“Os armênios formularam assim sua teologia crucis: tomaram consciência da fragilidade de vida e das exigências sacrificiais da fé cristã. Levou décadas e o renascimento da nação na diáspora e na mãe-pátria para que essa teologia de cruz desabrochasse e sua verdade fundamental: a vitória final da vida sobre a morte. Vão se quiser a qualquer igreja num 24 de abril, e verão aí o triste lamento em honra dos mártires metamorfoseando-se em luminosa festa de ressurreição. Não há melhor teologia armênia que esta. O Deus cuja face se ocultara momentaneamente nas negras nuvens do genocídio, lança de novo ao povo sofrido um sorriso compassivo e amigo”. (SAPSEZIAN, 1997, pg. 164)

Diferentemente dos judeus, os armênios não tinham uma terra prometida para

ser resgatada. Seguiram caminhos variados, dispersos pelo mundo todo, valendo-se

do novo destino para transformá-los em Canaãs.

Voltando a Queiruga, pela ponerologia ele faz uma crítica para a teoria do mal

como sendo a “vontade de Deus”. A crítica começa pelo dilema de Epicuro31 “ou

Deus quer e não pode e não pode eliminar o mal do mundo; ou pode e não quer; ou

nem quer nem pode. Em nenhum caso isso seria coerente com um Deus,

confessado como bom e onipotente. (2002, pg. 146)

31

Filósofo grego do período helenístico.

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59

1. A origem do mal

Queiruga tenta atualizar os conceitos teológicos com o tempo presente. Para

isso acha necessário se afastar dos conceitos preexistentes do mal. Para ele o

mundo está sempre em processo construtivo.

O mal como tem sua origem no próprio mundo e pode a qualquer momento se

tornar real. Por isso ele desconstrói as respostas do mal:

“Portanto em qualquer realidade finita e limitada a presença do mal é uma possibilidade. Pensar num mundo-finito-sem-mal equivale a pensar num circulo-quadrado. O dilema de Epicuro é anacrônico, pois vem de um pensamento que já passou, e carece de sentido, pois apóia-se num pseudo-conceito. Tem tão pouco significado perguntar se Deus quer e não pode criar um mundo-sem-mal, quanto perguntar se ele quer e não pode fazer círculos quadrados. (QUEIRUGA, 2002, pg.151)

Temos necessidade de buscar o sentido da história humana e a vida

individual. Deus está do nosso lado, a nosso favor contra o mal, como então

responder ao genocídio?

Através da pisteodicéia, Queiruga propõe reformular nossa visão da teodicéia.

Pensar diferente a fé e crer em Deus apesar do mal, é uma via rápida que o

autor explica: Quer dizer, uma fé viva compreende instintivamente que, se há mal no

mundo, não é porque Deus o quer ou permita, mas porque não pode ser de outra

maneira: porque ele (mal) é inevitável. (pg. 152)

O autor passa a apontar para alguns preconceitos que ele classifica como

“ídolos” e que julga de importância.

O primeiro ele chama de lógica finalista. Nas resposta para o mal são

introduzidas uma finalidade: “Deus mandou”, “Deus permite ou não impede o mal

para”, “favorecer virtude”..., mostra que haveria uma possível situação contrária.

(2002, pg. 157)

O segundo ídolo traz para discussão a “existência da suposta eleição” dos

indivíduos. A categoria da eleição tornou-se em privilégio e coloca a lógica finalista

do mal: “se somos eleitos porque acontece isso conosco”. Novamente o mal é

atribuído a Deus, como forma de castigo ou de abandono. (2002, pgs. 156-157)

O terceiro ídolo para Queiruga é teologicamente perverso porque contagiou

algumas teologias cristãs: “o de tornar as vitimas melhores do que Deus”. Este ídolo

favorece a resposta de que ao mesmo tempo em que são eleitos e castigados

continuam féis a aliança apesar de Deus (Cristo) e até contra Deus (Cristo).

Por fim o ultimo ídolo é o de consolidar todas as explicações do mal e finalizá-

las no livro de Jó. Como Jó afirmava não ter pecado, restava a compreensão de que

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60

deliberadamente Deus promoveu o mal nele, não aplicou sua justiça e o transformou

em símbolo de resignação.

Queiruga então argumenta que o cristão só é cristão por crer na última e

definitiva luz historicamente possível, que chegou até nós na cruz e na ressurreição

de Cristo.

Em Jesus, Deus estava conosco contra o mal. Ele sentiu todo o mal na cruz,

não pôde ser evitado, embora o tempo todo durante sua vida tenha socorrido os

pobres e marginalizados. Ele argumenta que Jesus experimentou a realidade da

cruz para levar-nos ao reino de Deus. Deus sofre com Jesus e anuncia a vitória com

sua ressurreição (QUEIRUGA, 2002, pgs.160-169).

A ressurreição é a resposta de Deus face ao mal para os seres humanos.

Evidencia o amor colocando-O ao lado de sua criatura, lutando com ela contra os

males que a ataca ou a ameaça. (2002, pg. 154)

A proposta de Queiruga é uma práxis de esperança, contrariando as

estruturas sociais que disseminam o mal. Combatendo todo o descaso pelo ser

humano; ativando toda cidadania pela comida aos pobres, pela moradia, contra a

falta de trabalho, pelo desconhecimento do evangelho. Para ele, somente os atos

podem vencer esses problemas que estão em oposição à vontade de Deus.

2. DIÁSPORA

Diáspora em termos tradicionais é “a dispersão coletiva forçada de um grupo

religioso ou étnico precipitado por um desastre freqüentemente de natureza política”.

(MARCARIAN, 2008, pg. 110)

A diáspora portanto é determinada por causas alheias à vontade dos

armênios que, antes das mudanças forçadas, não haviam pensado em deixar a sua

terra, suas posses, suas casas e o convívio com os seus familiares.

A diáspora não significa apenas uma nação que vive no meio de outras

nações, mas é uma comunidade étnica que tem suas características próprias como

língua, cultura e consciência que a preserva e a mantém.

A história armênia como contamos anteriormente está relacionada com

perseguições e dominações, mas em alguns momentos os armênios foram

marcadamente forçados a se deslocar para outros lugares por problemas puramente

políticos, de forma que poderíamos utilizar o termo “Diáspora” no plural.

O movimento em 1080 com os armênios rumando à Cílicia; nos séculos XVII e

XVIII se enveredando por Amsterdã, Londres, Marselha, e em 1895 para os Estados

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Unidos são exemplos de alguns movimentos diaspóricos armênios. (MARCARIAN,

2008 pg. 110)

Em 1915 a logística da diáspora não obedecia critérios definidos, a maioria

recorria a ligações onde conhecidos já se encontravam, ou se aventuravam ao

desconhecido se agarrando na possibilidade de sobrevivência.

Os primeiros foram para regiões mais próximas como Síria, Líbano, Chipre,

Grécia, Egito; enquanto que outros se encaminharam para França e Estados

Unidos. Outro grupo se aventurou em terras não muito próximas e sem vínculos

étnicos ou culturais, na América do Sul.

O problema dos armênios começava em relação aos documentos que muitos

não possuíam; tiveram então a ajuda da Liga das Nações que emitiu passaportes

apátridas (chamados “Nansen” ) e também do Bureal Internacional do trabalho que

encaminhava interessados para trabalhar no Oriente Próximo.

A diáspora nos anos 1970-1980 modificou a sua deslocação. Por conta das

atribulações do Oriente Próximo, muitos armênios se transferiram para a Europa e

América do Norte, engrossando o contingente de armênios nas colônias existentes.

Alguns se aventuravam na criação de novos núcleos, como na Austrália, e mais

recentemente aqueles que não permaneceram na República Armênia, pelas

condições sócio econômicas debilitadas, criaram colônias tanto na Rússia como

também nos países que faziam parte da União Soviética.

A organização dos Imigrantes Armênios nos países ocidentais começou em

1960 com institutos comunitários, educativos e culturais que tiveram como prioridade

construir um ambiente nacional valorizando a língua, literatura e formando a

autoconsciência nacional pela história. (SYMONIAN, 2006, pg. 82)

Na América do Sul o desenvolvimento das colônias se deu na Argentina,

Brasil e Uruguai que permaneceram praticamente sem aumento de imigração após a

Segunda Guerra Mundial. (SYMONIAN, 2006, pg. 82)

Na União Soviética a situação armênia não era melhor que no Ocidente, com

poucos direitos dados às minorias étnicas nacionais, principalmente com a

estratégia deliberada de apenas assimilar o nacionalismo russo; dentre os países da

União Soviética, a Geórgia é o que tem maior núcleo de armênios (Tbilisi). No

desmembramento do território russo, outros pequenos países ficaram com pequenas

colônias armênias no seu território.

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2.1 Organização Diaspórica

Desde os primeiros movimentos diaspóricos várias organizações trabalharam

para levar às colônias conforto e acima de tudo solidariedade, em razão do

traumatismo sofrido pela separação de parentes e amigos e também para

proporcionar esperanças àqueles que se encontravam diante do desconhecido.

É indiscutível o papel da Igreja Apostólica dando o suporte necessário, mas

contaram também com a presença de católicos e evangélicos, além disso em várias

colônias os partidos políticos: Fundação Revolucionária Armênia, Social Democrata,

Liberal Democrata se organizaram.

Vários órgãos cívicos, alguns indiretamente ligados a esses partidos,

desenvolvem importante função na promoção e conscientização da Causa Armênia

e dos interesses comunitários em geral, entre os quais a Assembléia Armênia da

América (AAA), o Comitê Nacional Armênio da América (ANCA), a Associação

Armênia dos Estudantes (ASA) e o Grupo Congressista Armênio.

Martins registra em seu texto na Revista de Ética e Filosofia Política o que

vem a ser a Causa Armenia:

“O que se deseja é o reconhecimento pela comunidade internacional do

Genocídio cometido em 1915 contra todo o Povo Armênio. O Tratado de Sèvres (agosto de 1920) atesta de modo eminentemente claro os grandes danos físicos e morais sofridos pelos Armênios nesta época”. (2007, pg. 5).

Devido ao isolamento geográfico de muitas colônias da diáspora, o contato

era difícil e as organizações não dispunham de mecanismo eficiente para coordenar

e integrar todas com a mesma natureza nacionalista da Causa Armênia, mas as

maiores se estruturavam em torno dos pilares nacionais e são referencias até hoje.

Se a diáspora leva consigo uma bagagem histórico-cultural do país de origem,

no imaginário atual fica claro que a representação se dá por conta da insistência na

“Causa Armênia”, e não por causa do nacionalismo que foi a bandeira dos armênios

nas primeiras gerações da diáspora.

2.2 No Mundo

No Líbano, os armênios contam por exemplo com muitas escolas, partidos

políticos, igrejas, seminários e também com a universidade Haigazaian, a única fora

da Armênia, mantida pelas igrejas evangélicas, e todo esse conjunto impressiona e

forma armênios nos diversos campos do saber. (SAPSEZIAN, 2010, pg. 270).

Em relação à igrejas evangélicas, após

1922, treze igrejas foram fundadas na Síria, onze no Líbano, três na Grécia,

duas no Egito e duas na Pérsia (Irã).

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63

As atividades educacionais são compostas por sete escolas secundárias no

Líbano e duas na Síria para rapazes e moças. A Faculdade de Teologia em Beirute

foi fundada em 1932. Em 1922 foi fundada a União Tchanitz (Esforçados), uma

organização de jovens, que desenvolve trabalhos no circuito das igrejas evangélicas

que tem como meta aprofundar-se na vida espiritual e cultural através de impressos.

Outra importante comunidade está localizada na França com muitas

instituições armênias que dão suporte ao crescimento sócio cultural dos armênios

espalhados por Marselha, Lyon e Paris. Estes armênios são exemplos de

integração, com participação ativa na vida nacional francesa em todos os cenários,

orgulhosos da dupla cidadania. (SAPSEZIAN, 2010, pgs. 271-272)

Na França existem oito igrejas armênias evangélicas, contam com dois locais

para acampamentos e com revistas mensais.

A comunidade americana é a segunda mais numerosa e a que conta com as

maiores instituições que dão todo suporte à comunidade, sendo bem estruturadas e

prósperas.

Estão dispersos nos estados da Califórnia, Massachusetts, Los Angeles e

Boston. Os três partidos políticos estão representados, promovendo a Causa

Armênia; fundações humanitárias são várias, destacando-se a UGAB (União Geral

Armênia Beneficente) pela amplitude de suas atividades. (SAPSEZIAN, 2010, pgs.

273-274)

Escolas primárias e secundárias são reduzidas em proporção ao número de

armênios nas cidades, mas é notável a quantidade de armênios que se

notabilizaram internacionalmente como: cineastas, empresários, políticos, pintores,

esportistas, músicos, etc. (SAPSEZIAN, 2010, pgs. 275-276)

Nos Estados Unidos os evangélicos contam com três igrejas em São

Francisco, três em Los Angeles, duas em Fresno e doze em diversas cidades, e

todas fazem parte da “União de Igrejas Evangélicas”.

A AMAA – Associação Missionária Armênia da América foi formada em 1918 e

tem como finalidade ajudar tanto financeiramente, espiritualmente e socialmente aos

necessitados principalmente pós genocídio. Além disso, ajuda materialmente na

compra, construção, e reforma de templos, como Austrália e Canadá, na formação

de centros evangélicos, criação de escolas ou reformas. Nas igrejas incentiva a

união dos evangélicos, ajuda financeiramente pastores e viúvas, fortalece igrejas

menores, ajudando aos jovens evangélicos em programas culturais, sociais, saúde

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64

física, além de manter algumas publicações. Atualmente se dedica ao campo

missionário em todos os países.

A maior colônia diaspórica pertence à Rússia (Moscou, Tiflis ou Tibilissi,

Criméia, Karasnodar, etc), e às repúblicas que faziam parte da União Soviética, por

isso chamadas de “diáspora interna”.

A inclinação armênia para a formação de centros acadêmicos é grande e não

foi diferente na Rússia. A principal organização comunitária é a União dos Armênios

da Rússia (2001) fundada pelo magnata armênio-russo Ara Aprahamian que não é

considerada um órgão eficaz. Em Moscou (1815) há a Academia de Formação

Superior Lazarian e o Colégio Nercissian (1825) em Tbilisi. A forte influência dos

russos sobre os armênios durante décadas faz com que a maioria da colônia fale

muito mais a língua russa do que a língua pátria. As igrejas como centro agregador

dos armênios tem importante papel na manutenção dos ideais armênios.

(SAPSEZIAN, 2010, pg. 277-278)

As igrejas armênias evangélicas se comportam da seguinte forma: na Geórgia

contam com duas igrejas; na Bulgária três; na Bélgica uma; na Turquia três.

2.3 Na América do Sul

Na América do Sul pela distância, os agrupamentos não são muito conhecidos

pelas outras colônias mas concentram um bom número de armênios principalmente

na Argentina (Buenos Aires, Córdoba e Rosário) contando com as mesmas

estruturas comunitárias já relacionadas: escolas, igrejas, organizações sociais,

grupos de arte, programa de rádio, fazem parte das atividades políticas.

A Argentina conta com várias igrejas evangélicas, coral de jovens, jornal

armeno-castelhano, chácara para acampamento em Monte Grande, Escolas

Bíblicas, programas de rádio (três) e uma escola de Capacitação Bíblica equivalente

ao seminário.

A comunidade que está no Uruguai com um número menor de armênios se

articula de forma mais modesta também, contando com três igrejas evangélicas.

No Brasil os primeiros dados nos dão conta de poucas famílias no final do

século XIX com a chegada de Gaspar Gasparian. Somente a partir de 1924 é que o

fluxo de imigrantes irá aumentar para o Brasil com colônias no Ceará, Mato Grosso,

Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito

Federal e São Paulo.

A cidade de São Paulo possui o maior número, seguida de Osasco e Rio de

Janeiro, contando com igrejas (Apostólicas, Católicas, e Evangélicas), Clube

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65

Armênio, União Geral da Armênia de Beneficência, Associação de Damas Brasil

Armênia, Organização Marachá, Colégio José Bonifácio e também com os três

partidos históricos.

A comunidade está completamente inserida na vida política e social do país.

(MARCARIAN, 2008, pgs. 109-115)

Na capital temos três igrejas evangélicas de seguimentos diferentes, porém

fundadas e iniciadas com caráter étnico com famílias armênias.

3. COOPERAÇÃO ARMÊNIA-DIÁSPORA

O governo através de algumas iniciativas tem como objetivo estreitar as

relações de todas as colônias no âmbito político, econômico ou social, consolidando

as duas partes do povo armênio (Armênia-Diáspora) com conferências, jogos

esportivos, delegações para as colônias nas diásporas, cooperação de documentos;

com enfoque na armenidade deve guiar-se tanto unida como separada na resolução

dos problemas atuais. (SYMONIAN, 2006, pg. 87)

No âmbito econômico, a cooperação também é importante para a

reconstrução econômica do país e, no âmbito político, a questão do reconhecimento

internacional do genocídio é prioritária.

No âmbito da educação na cooperação Armênia-Diáspora, a questão mais

atual é a conservação da armenidade, capacitando professores na diáspora.

(SYMONIAN, 2006, pg. 88)

Hacob Symonian apresenta um resumo quantitativo da diáspora com dados

de 2005 das colônias com mais de 10.000 pessoas, exceto o Egito.

América Ásia Europa

EUA 1.400.000 Turquia 82.000 França 450.000

Canadá 50.000 Líbano 130.000 Alemanha 40.000

Argentina 130.000 Síria 100.000 Grã-Bretanha 12.000

Brasil 20.000 Israel 10.000 Espanha 15.000

Uruguai 19.000 Iraque 23.000 Rep. Checa 10.000

Austrália 45.000 Iran 150.000 Grécia 40.000

Bulgária 45.000

CEI África

Rússia 2.000.000 Egito 5.000

Belarus 25.000

Ucrânia 150.000

Geórgia 460.000

Usbequistão 70.000

Kazaquistão 20.000

Turcomenistão 20.000

Page 66: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

66

As informações do livro de Grun nos mostra que a posição do Brasil ficou

inalterada mas houve um aumento significativo tanto nos Estados Unidos como na

Rússia, (1992, pg. 17)

As colônias estiveram isoladas por muito tempo por conta da distância

geográfica nos últimos anos. Com o advento da globalização e as facilidades de

diálogo, pôde-se trazer uma nova postura como forma de integrar as colônias, mas

ainda não existe um órgão que corresponda a essa centralização.

Para Sapsezian, o histórico da Armênia e a diáspora é um só, porém nas suas

análises, os fatos indicam que os armênios da diáspora e seus descendentes não

são mais um fenômeno transitório, indicando que a configuração existente é um

componente definitivo dos armênios. (SAPSEZIAN, 2010, pgs. 280-282)

Ele entende que estas “diásporas” trazem inquietações quanto à

sobrevivência e enfraquecimento da armenidade em meio a tantas diferenças por

todo mundo, mas também, dão a oportunidade de ampliação da realidade social no

contexto em que cada colônia está inserida. (SAPSEZIAN, 2010, pg. 283)

Castells colabora com esta colocação de Sapsezian pois para ele o Estado-

Nação, seja ele de que direção política for, vem perdendo suas características por

conta da globalização. Só consegue estabilidade por meio de suas atividades

econômicas, e estas para se destacarem devem estar inseridas em processos de

internacionalização por meio de nova construção social, projetando uma nova

identidade a ser alcançada. São ações que requerem resistência da comunidade por

meio das tecnologias para conseguir conquistar seus direitos. (CASTELLS, 2000,

pgs. 200-350)

Page 67: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

67

CAPÍTULO QUARTO: BRASIL - NOVA CANAÃ

Os grupos étnicos conhecidos até o século XVIII eram os portugueses,

espanhóis, judeus, além do negro africano em condições sociais e culturais muito

significativas que marcam profundamente a cultura brasileira.

Os grupos que chegam ao Brasil a partir do século XIX encontram um país

com formação sócio-econômica baseada em condições ou ocupações

condicionadas por políticas internas e de visualização externa para a colonização.

Desta forma a geografia de ocupação se processa com extensões de terra

vulneráveis às invasões, juntamente com os diferentes tipos de agriculturas,

produzindo diferentes tipos de sociedades em cada região.

As correntes imigratórias trouxeram alemães, italianos, russos, árabes,

holandeses, japoneses etc. que conforme dados do ISA (Instituto Sócio-Ambiental)

estima-se em duzentos e doze grupos e aproximadamente cento e cinqüenta línguas

diferentes. (BORGES PEREIRA, 2000, pg. 6)

As condições de distribuição foram variadas e posteriormente a polarização

de grupos adequados para o meio rural, por chegarem rotulados de bons

agricultores, favoreceu construírem colônias isoladas, inicialmente sem mudanças

no seu ethos cultural, caso dos italianos, alemães e japoneses no mundo rural.

Com a Segunda Guerra, o panorama político interno mudou a política de

imigração até então praticada, impondo restrições quanto aos estrangeiros,

deixando de se considerar como critério o trabalhador ideal. Fixando cotas para

entrada dos imigrantes, passou-se a ter uma valorização de mão de obra brasileira

e, além do desemprego dos imigrantes, havia também uma preocupação quanto a

colônias exclusivamente étnicas que passaram a ser vistas como elemento

desagregador da segurança do país.

Esta política acelerou o processo de urbanização, e colônias de imigrantes se

deslocaram para outras áreas do país. (BORGES PEREIRA, 2000, pg. 16)

São Paulo teve um papel diferenciado na experiência de imigração com os

chamados imigrantes urbanos. A importância do café no desenvolvimento do estado

trouxe um número considerável de viajantes e tinham na cidade de São Paulo o

centro financeiro e de abastecimento porque ficava no meio das rotas para as

regiões do interior do estado. No interior algumas colônias se fixaram

satisfatoriamente, outras não, abandonando as fazendas de café posteriormente e

se transferindo para outras atividades e para outros núcleos coloniais,

principalmente retornando à capital.

Page 68: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

68

As mudanças de hábito e as rápidas transformações sociais, provocando

crescimento desordenado da cidade, a transferência da elite do café para capital vão

intensificando o desenvolvimento da capital com os imigrantes dedicando-se às mais

variadas atividades.

Dentro desse universo encontramos os registros de entrada de mais de

100.000 “turcos” ou “turcos-árabes”. Aqui temos um problema quanto aos registros,

pois segundo dados do censo entre estas duas categorias de registros estavam em

torno de 25.700 Sírios e Libaneses e 825 Armênios, junto com 78.637 Turcos.

Para Borges Pereira:

“Com certeza, esses “turcos” eram na sua totalidade imigrantes sírio-libaneses, pois até 1892 todos os oriundos do Oriente Próximo eram classificados, indistintamente de início, como “turcos” e, depois, como “turcos-arabes”, pois a região de proveniência dessas correntes migratórias era parte do Império Otomano”. (2000, pg. 19)

1. CHEGADA EM TERRAS BRASILEIRAS

Os armênios chegam ao Brasil a partir do século XIX, primeiramente com o

patriarca Gaspar Gasparian e posteriormente seu sobrinho Hazarian que já teria

dado o primeiro impulso à coletividade armênia no Brasil. (MARCARIAN, 2008, pg.

110)

Mihram Latif, outro armênio, à convite do imperador D. Pedro I (1879), tornou-

se engenheiro chefe de estradas de ferro em Pernambuco, Minas Gerais, Ceará,

Vitória, etc. e ajudando na reconstrução da passarela Beira Mar no Rio de Janeiro

com o prefeito Passos. Quando da sua morte em 1929, o Correio da Manhã registra

uma homenagem, com editorial exclusivo.

Em 1988 chega Gabaret Haleplian, o tabaquista com larga experiência no

preparo de charutos.

No ano seguinte Hagop e Avedis Dermirdjian, os irmãos Hagop, Ghazar

Nazarian, os irmãos Hovhannes e Sarkis Korukian, Israel Israelian, Khatchadur

Kalaidjian, Ohan Khatchikian, Markar Gasparian. Estes armênios não eram

intelectuais nem comerciantes, apenas foram forçados pelas circunstâncias a

procurarem um novo local para lutar pela sobrevivência. Na época da Primeira

Guerra, São Paulo contava com aproximadamente 20 famílias armênias sem

qualquer estrutura organizacional (KECHICHIAN, 2000, pg. 40).

Quando as notícias do massacre chegaram, Vache Boghossian deu o primeiro

passo para a primeira organização, arrecadando o que foi possível entre todos para

ajudar no Fundo De Salvação Nacional. Em 1917 foi fundada a Sociedade Armênia

de Beneficência substituindo a anterior (Cruz Vermelha Armênia). Novamente neste

Page 69: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

69

ano foi enviada nova ajuda financeira ao Fundo, (2000, pg. 40). Em 1918 foi

destinada nova quantia aos soldados armênios do exército do Cáucaso.

O governo brasileiro participou da Conferência de Paz e os armênios se

organizaram para defesa da causa, enviando delegados que se encontraram

diretamente com o chefe da missão, Dr. Epitácio da Silva Pessoa.

Parte da Carta:

1º de Janeiro de 1929 [...] O futuro da Armênia depende dessa conferência do mundo civilizado, que logo será realizado, e para os filhos de Haig que residem no Brasil, será imensa a sua gratidão para com este país abençoado [...] (KECHICHIAN, 2000, pg. 44)

Nessa época, alguns armênios saíram de países vizinhos e chegaram ao

Brasil entrando pelo Rio Grande do Sul, sendo que algumas famílias ficaram nesse

estado e as outras se deslocaram para São Paulo.

Das 720 famílias cadastradas na primeira grande chegada dos armênios, 320

ficaram em São Paulo seguidas de 60 famílias em Presidente Altino/Osasco. Outras

157 famílias espalharam-se por Araçatuba, Bauru, São José do Rio Preto, Ribeirão

Preto, Osasco e Ferraz de Vasconcelos. Outras localidades como Rio de Janeiro

(35), Amazonas (1), Minas Gerais (14), Mato Grosso (18), Rio Grande do Sul (5),

Ceará (5) e Paraná (3) também receberam famílias.

Estes números se referem a minha interpretação dos dados levantados por

Kechichian. (2000, pg. 62-65).

Ele também conclui que desse total de famílias o número aproximado de

armênios no Brasil chegaria em torno de 5000 pessoas nesse momento.

Embora tenha sido uma imigração com características urbanas, algumas

poucas famílias procuraram o meio rural para se estabelecer, conforme nos mostram

os dados anteriores.

Há que se lembrar que essa é a primeira geração, aquela que traz consigo as

marcas incontestáveis da armenidade.

2. A COMUNIDADE EM SÃO PAULO

A comunidade armênia é sem dúvida nenhuma eminentemente urbana, salvo

alguns poucos casos em que famílias se aventuraram no interior paulista em busca

de condições mais próximas da realidade a que estavam acostumadas.

Na capital paulista estes armênios desembarcavam em Santos e rumavam

para à capital atraídos pelas oportunidades de trabalho.

Page 70: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

70

Estas famílias se juntavam com os poucos conhecidos que aqui estavam e

passaram a se fixar nas imediações do Mercado Municipal Central, entre as ruas

Anhangabaú, Pajé, 25 de Março, Santo André e os bairros Santana, Imirim e

Estação da Luz.

1920 é o marco da chegada dos armênios sobreviventes aos massacres, mas

como vimos já havia alguns armênios que moravam em São Paulo, é o caso de

Riskallah Jorge que já possuía um próspero comércio (Casa da Bóia) na rua

Florêncio de Abreu. (GRUN, 1992, pg. 22)

2.1 Bairro Escolhido

Assim como os bairros Brás, Pari, Bexiga, o Bom Retiro passava por

transformações no século XIX e no início do XX para características essencialmente

urbanas que incorporavam os traços da revolução industrial.

As mudanças nos fluxos para atender às características estruturais do bairro e

as redes criadas levam-nos a incluir os armênios nos pólos de colonização de

imigrantes ao longo do mesmo território.

O italiano cede lugar aos judeus, ora, esse é o “vizinho” que os armênios,

juntamente com sírios e libaneses encontram e assim se sentem mais próximos de

sua realidade, já que os costumes e língua dos brasileiros eram muito diferentes.

O entendimento sobre uma sociologia urbana começou a ser discutida a partir

dos anos 20. Estudos etnográficos dos grandes centros, o planejamento urbano, o

livre mercado na economia e a comunicação do conhecimento da sociedade foram

questões discutidas na cidade americana de Chicago.

A corrente de pensamento que resultou dessas discussões deu origem na

sociologia à Escola de Chicago que dominou até recentemente os debates urbanos.

(VÉRAS, 2000, pg.28).

Donald Peerson um dos cooperadores da Escola de Chicago em passagem

pelo Brasil escreve “Brancos e Pretos na Bahia: estudo do contato racial” (1942).

As reflexões sobre a Escola Sociológica de Chicago concluem que existe na

cidade uma região que circunda o comércio central, chamada de zona de transição e

que se expande margeada por indústrias leves e comporta a deteriorização

residencial onde se fixam os imigrantes mais pobres. Seguindo esse raciocínio, o

Bom Retiro e Estação da Luz, que eram bairros contíguos, estariam nessa zona de

transição da cidade de São Paulo com características específicas, pois a leste da

ferrovia ficava o setor de residências de altas rendas.

Page 71: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

71

Para o estudo dos imigrantes a contribuição da Escola de Chicago foi a de

perceber que as grandes vias comerciais que partem do centro são o ponto de

entrada desses imigrantes na cidade.

Desta forma, a zona de transição e o comércio central de entrada possibilitam

a fixação de novos grupos imigrantes por possuir pouca popularidade natural, porém

esses grupos se movimentam dentro do território, em processo de sucessão, no qual

diferentes grupos se distribuem e se movimentam sequencialmente pela cidade.

(RUFATO, 2006, pgs. 97-106)

Sem entrar nos detalhes porque passa cada grupo nessa movimentação é

possível identificar nessa zona de expansão da cidade o imigrante italiano,

posteriormente o judeu com sírio-libaneses e armênios se estabelecendo nos bairros

da Luz, Bom Retiro, Pari e cercanias do rio Tietê como Santana.

[...] do barro de suas várzeas surgiram olarias, e uma indústria de fiação e tecelagem, fundada no processo 1884, conferiu-lhe desde o início feições de bairro proletário, atraindo inúmeros operários. [...] Como bairro operário localizado nas imediações do centro, Bom Retiro abrigava um número muito expressivo de oficinas de fundo de quintal e outros estabelecimentos a meio termo entre o comércio e a indústria. [...] Em meio ao comércio e as indústrias, no Bom Retiro ainda se residia. A exemplo de outros bairros operários, a maior parte das casas era modesta, e os poucos casarões foram com o tempo sendo transformados em cortiços. A feição proletária do bairro contemplava-se ainda a proximidade de dois liceus formadores de mão de obra industrial (TRUZZI, 2001, pgs. 145-147).

A convivência com o semelhante, ou seja aquele que pertence a mesma etnia

traz na sua formação sócio-cultural a delimitação do território no qual está inserido,

transformando bairros caracteristicamente pluriétnicos e multirraciais. (VÉRAS,

2003, pg.159)

Ainda que hoje muitos armênios se transferiram para bairros com visibilidade

de ascensão social, pois encontramos alguns morando no bairro do Jardins e

Pinheiros, a localidade das igrejas nos garante a ilha de sobrevivência cultural

construída pelos armênios. Tanto é assim que uma quarta igreja evangélica32 de

corporação armênia terminou recentemente sua séde a trezentos metros da Igreja

Apostólica na mesma região das demais.

Lembremos ainda que é a região onde encontramos dentro da Estação

Armênia do metrô um memorial aos armênios de São Paulo.

A alguns metros deste mesmo local, há um monumento em homenagem aos

Mártires (Av. Santos Dumont), onde ocorre uma rememoração em memória do

Genocídio todos os dias vinte e quatro de abril de cada ano.

32

Igreja Evangélica Filadélfia.

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72

2.2 As Igrejas

A organização da comunidade paulista foi amplamente desenvolvida a partir

da implantação dos referenciais nacionais dos armênios. As primeiras famílias que

estavam em São Paulo, agregadas posteriormente aos armênios da segunda leva

que aqui chegaram, fundamentam toda a ação de construção do imaginário armênio

a partir das suas igrejas e em paralelo com entidades que podem ampliar a

convivência social, guardadas as condições socioeconômicas que se apresentavam

no momento.

2.2.1 Igreja Apostólica Armênia São Jorge

Em meados de 1923 chega ao Brasil, proveniente de Beirute, o Padre Manuel

Samuelian da Sede da Cilícia e juntamente com a Comissão da Fundação da

Coletividade33 que já existia decidiram alugar um prédio na região central da cidade

para organizar as atividades para construção de uma igreja para os armênios. Feito

isto, solicitaram autorização do Patriarcado de Constantinopla.

Por questões políticas as igrejas armênias da América Latina deveriam estar

subordinadas à diocese da América do Norte, e posteriormente o Padre Samuelian

mais a Comissão são instruídos a se subordinarem a esta hierarquia.

Enquanto a parte administrativa sofria alterações, a Comissão Fundadora

continuava a reforma do prédio alugado, e em 06 de Janeiro de 1924, no dia de

Natal da Igreja Apostólica Armênia, a primeira missa foi celebrada.

Em 1938 foi inaugurado o primeiro edifício religioso armênio na cidade de São

Paulo, na Rua Senador Queirós, na zona central da capital.

Por conta da ampliação desta rua, a igreja foi desapropriada e em 1945 foi

reinaugurada a Igreja Apostólica Armênia na Avenida Santos Dumont, 55, onde se

encontra hoje.

Anexo à igreja foi construído o Externato José Bonifácio e o Centro Armênio

para eventos culturais e sociais.

Em 1985 a igreja tornou-se uma diocese sob jurisdição do Catolicossato de

Etchmiadzin. (SAPSEZIAN, 2010, pgs. 288-289)

2.2.2 Igreja Católica Armênia

A primeira estrutura católica armênia nasceu com Serop Khalakian que

congregava um núcleo católico na cidade que mais tarde se consolidou com a vinda

do Padre Vicente Tatultian, que se estabeleceu no bairro da Luz junto com outros

33

Grun, relata que o grupo era chamado de “Conselho dos Quarenta” e que reunia os principais integrantes da colônia engajados na ação comunitária da época.

Page 73: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

73

armênios em 1935. Considerado o padre mais generoso e ativo dos clérigos, não se

furtava em auxiliar a todos, independente do pertencimento das igrejas.

Durante trinta anos (1935-1966) a Paróquia teve como sede provisória a Igreja

São Cristóvão da Luz, na Av. Tiradentes, 84. Em 1971 é inaugurada sua sede

definitiva na Av. Tirantes, 718, dedicando seu santuário a São Gregório, Iluminador,

posteriormente passando à condição de igreja e não mais de missão.

Foi inaugurada também pelas irmãs da ordem de Nossa Senhora da

Imaculada Conceição uma escola, porém sem funcionamento nos dias de hoje.

(SAPSEZIAN, 2010, pgs. 289-290)

2.2.3 Igreja Central Evangélica Armênia

Desde 1920 os evangélicos realizavam seus cultos na cidade de São Paulo

em local improvisado na região central da capital. Em 1950 inauguraram seu próprio

templo. Criaram a Mocidade Evangélica Armênia Zarktsman Archaluis (MEAZA) com

atividades religiosas, culturais, sociais e esportivas. Em 1937 a primeira escola

armênia no Brasil diplomou 50 alunos dessa escola, todos filhos de imigrantes

armênios apostólicos, católicos e evangélicos. O primeiro coral da Igreja se

apresentou no Conservatório Dramático e musical de São Paulo em 1939.

Desde sua inauguração a igreja se encontra na Avenida do Estado, 1191.

2.3 Organizações

2.3.1 Artística Melodias Armênias – SAMA /Clube Armênio

Visando preservar a identidade cultural e valores da nação Armênia, foi criado

em 1941 o SAMA, voltado para necessidade e objetivos da coletividade Armênia no

Brasil participando de atividades sociais, culturais, esportivas, religiosas e cívicas na

vida de uma nação e que foi a origem do Clube Armênio (1968), com sede própria.

2.3.2 Sociedade Beneficente de Damas Brasil-Armenia-HOM

Esta é uma entidade de damas com sede em Boston (EUA), e filiais em vários

países inclusive na Armênia. Fundada em 1934 no Brasil, na cidade de São Paulo,

tem como finalidade preservar e incentivar o sentimento de armenidade, valorizando

o ser humano nos campos da cultura e assistência social. Mantém a casa de

repouso para idosos da comunidade, dá suporte ao Externato José Bonifácio.

2.3.3 A União Geral Armênia de Beneficência – UGAB

Em 1º de setembro de 1964, os armênios de São Paulo já estabelecidos

social e economicamente, um grupo de 23 pessoas, se reuniram na fábrica de

calçados Merci pertencente à família Semerdjian e plantaram a semente dos

princípios ugabianos que estabelecem caráter apolítico, condenando toda

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74

discriminação religiosa. Esta entidade tem como objetivo principal a formação física

e intelectual das futuras gerações, bem como dar assistência social aos carentes.

Em 1974 foi construído o Complexo Educacional, Social, Esportivo e Cultural

Alex Manoogian; também foi criado curso regular de língua armênia (1975), Escola

da UGAB (1980-1982), Edifício Educacional Escola Paren e Regina Bazarian (1984),

Ginásio de Esportes Hagop Mavian (1986) que situa-se na rua Natingui nº 1545.

2.3.4 Sociedade Beneficente e Cultural Marachá

Esta sociedade foi idealizada por Karnig Bazarian em 1947 numa reunião de

patrícios originários de Marach. De acordo com ele, os objetivos da Marachá são

atividades culturais, artísticas, esportivas e filantrópicas.

A construção da sede própria na Avenida Santos Dumont nº 42 teve ajuda da

comunidade e da Fundação Calouste Gulbenkian.

Gulbenkian é um mito para os armênios, chamado de “Mr. Five Percent”, por

ter se associado com os petroleiros, recebendo em cada poço que abria 5% de todo

petróleo descoberto.

2.4 Outros

FRA/ Tashnagtsutiun

Entidade político patriota efetivamente empreendedora. Dessa militância

nasceu: Externato José Bonifácio, Clube Armênio, Coral Vartan Minassian,

programa radiofônico Melodias Armênias, Soc. Auxiliadora de Damas Armênias

(HOM), ACASP (Associação Cultural ARMÊNIA).

Partido Democrático Liberal / Ramgavar Azadagan

Mantém o ramo brasileiro da Associação Cultural Tekeyan e é um dos

esteios da UGAB nacional.

Partido Democrático Social / Hentchakian

Tem atuação mais discreta.

Estudos Armênios USP

Desde 1964 a USP oferece cursos de Língua e Literatura Armênia, fundado

por Yessai Kerouzian.

Monumento aos Mártires Armênios

Concebido pelo escultor José Jerez Recalde em 1965. A obra relembra a

morte de 1,5 milhões de armênios no genocídio turco.

Foi restaurada em 2009/2010 para compor a rememoração de 95 anos

desse massacre.

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75

3. COMUNIDADE EM OSASCO

Presidente Altino e Osasco eram bairros distantes da grande São Paulo.

Atraídos pelo baixo custo dos terrenos, uma parcela de armênios se transferiu para

lá, acolhidos no início por Vahram Keutendjian que os abrigava num primeiro

momento.

Diferentemente da colônia de São Paulo, as famílias armênias se dedicaram

tanto à criação de gado leiteiro para produção de yogurte e coalhada, como também

trabalharam de operários na Cerâmica Hervy e no Frigorífico Wilson naquele local.

(FREITAS, 2000, pg. 90)

As famílias que vão para Osasco na década de 20 eram de poder aquisitivo

menor do que as de São Paulo, com economias formadas de pequenos capitais

familiares trazidos da Armênia, e outros com pequeno capital conseguido com

mascateação, contava com a maioria dos homens sem especialização profissional.

Em 1928 compraram um terreno para construção de uma igreja. Fundaram

também uma associação “União Tzar de Presidente Altino”, composta por

moradores maiores de 18 anos, homens ou mulheres que ali morassem por mais de

seis meses.

Poderíamos dizer que foi uma atitude vanguardista, visto que, as mulheres no

seio das famílias armênias tinham lugar como mãe do lar, cabendo ao marido tomar

todas as decisões.

Mais importante ainda foi a decisão de nenhuma discriminação por convicções

políticas ou religiosas. Após um ano de participação, os integrantes tornavam-se

membros da organização com direito à voto e eleição.

Através de vários eventos e mensalidades, compraram um terreno de 500

metros quadrados, posteriormente mais dois, totalizando 1.500 metros quadrados.

Após muitas campanhas de caridade, a Igreja Armênia começa a ser construída em

1930.

Devido a divergências administrativas, a união mudou de nome passando a

ser Sociedade Armênia de Presidente Altino.

Em 1932 a igreja foi concluída e parte da igreja foi utilizada como escola até

1946, contando posteriormente com edifício próprio. A primeira celebração deu-se

em 1935 e recebeu o nome de Igreja Apostólica São João Batista34. (KECHICHIAN,

2000, pgs. 90-91).

34

Rua Carlos da Costa Ramalho Junior nº 498 - Osasco

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76

Dando continuidade às atividades sociais, fundaram a Sociedade Esportiva e

Cultural Mocidade Armênia de Presidente Altino (SEC-MAPA) em 1942 com o

objetivo de realizar atividades sociais, culturais e esportivas na comunidade.

(Freitas, 2000, pg. 90)

Nas décadas de 40 e 50 os negócios imobiliários suplantaram a produção de

venda de leite e coalhada (KECHICHIAN, 2000, pg. 66).

Muitos se estabeleceram com a venda de secos e molhados, e outros com

lojas de calçados. Os armênios ganharam notoriedade, fortaleceram a comunidade,

se articularam em todos os sentidos na cidade e hoje a colônia faz parte da história

da cidade.

O trabalho de campo nesta comunidade se limita a duas visitas na igreja de

Osasco, porém me pareceu uma sociedade bem organizada. É possível notar que o

site na internet é mais completo que os demais.

Tal qual no grupo Armênio de São Paulo, a colônia de Osasco tem como

referencial a memória coletiva passada pelos pais. Para os poucos armênios com

quem conversei, a identidade está sendo perdida; os jovens ouvem as histórias mas

não tem o mesmo referencial de seus pais, por isso a iniciativa da comunidade de

Osasco pela preservação da memória oral dos descendentes e pela construção de

um museu e uma biblioteca para esta finalidade.

Os contextos e as repetições formais de seus símbolos não é o suficiente para

que as influências externas, no caso brasileiro, não criem, em paralelo, um novo

referencial para essas gerações mais recentes. Esta foi uma preocupação levantada

por uma entrevistada mais jovem. Outro ponto também é a preocupação de que

poucos jovens demonstram interesse pelas raízes de seus pais.

4. COMUNIDADE EM FERRAZ DE VASCONCELOS

Em 1930 um grupo de armênios compram 23 chácaras uma ao lado da outra

no município de Ferraz de Vasconcelos. Posteriormente o casal Kevok e Vitoria

Apakarian doam parte de seu sítio para construção de uma igreja com a finalidade

de preservação da armenidade neste local.35 Algumas dessas famílias tinham o seu

sítio apenas para passeio, mas as que ali permaneceram desenvolveram a

plantação de pêssegos, maçã, no bairro de Romanópolis, contando com a

experiência que possuíam no cultivo da videira, em Marach na Armênia.

35

A Igreja Evangélica Armênia, situa-se na Rua Floriano Peixoto nº 680 –Bairro Romanopólis.

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77

Conforme a tradição bíblica, Noé após parar com a Arca no Monte Ararat, se

dedicou ao cultivo da videira, abusou do vinho e amaldiçoou seu filho mais novo

Cam por ter visto sua nudez após sua embriaguez (Gen. 9:20 e 21).

Da Armênia diz-se que a viticultura se espalhou por toda Ásia Menor, Trácia,

Península Balcânica em direção ao sul do Egito, posteriormente chegando à Roma,

Gália e Mediterrâneo, o que nos remete ao mito fundador armênio de que são

descendentes de Noé. (FREITAS, 2000, pg. 91)

No Bairro Romanópolis há uma rua denominada Armênia em homenagem a

estes primeiros habitantes. Segundo Freitas, em sua pesquisa de 2000, uma dessas

famílias armenias tem a intenção de ceder o seu espaço para construção de um

museu. (2000, pgs. 91 e 92)

A pesquisa sobre Ferraz tem como principal fonte as informações da Sra.

Marlene Gazebdian que durante muitos anos foi a secretaria da igreja.

Fora isto, na participação de evento na ICEASP, esteve presente o Rev.

Edivaldo Sales Costa, atual dirigente da igreja de Ferraz.

Em entrevista ele informa que hoje os cultos são ministrados somente em

português e que na membresia apenas três famílias são armênias, os demais

brasileiros.

Posteriormente o Rev. Roy nos informou que apesar de a igreja ser vinculada

a ICEASP, a administração eclesiástica está sob a coordenação da Igreja

Presbiteriana do Brasil, a qual indicou o atual dirigente da igreja. Esta igreja segue

atualmente o rito em português com conteúdo do culto presbiteriano.

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78

CAPÍTULO 5: A ARMENIDADE

Os debates sobre etnia sempre foram orientados para valorização de raça e

semelhanças, num primeiro momento, e posteriormente para a cultura étnica.

Lesser diz que no caso brasileiro, o conceito de raça não se refere somente à

cor, mas existe uma complexidade no caso dos estudiosos brasileiros que

entendiam “raça” vinculado à biologia e ao meio ambiente. Para ele, esta foi a razão

do esmagamento da população nativa e africana no Brasil, pois incorporava a visão

de superioridade “branca” com a ajuda dos imigrantes europeus que eram brancos.

(LESSER, 2001, pgs. 23-24)

Tempos depois, junto com o conceito de raça, acrescentou-se a “etnicidade”,

que se resume na carga cultural prémigratória que os grupos trouxeram e colocaram

em xeque diante da identidade nacional vigente. Quando do despertamento nacional

para a questão de que a sua identidade étnica poderia estar ameaçada pelos grupos

étnicos árabes, sírios, libaneses, turcos e judeus, passa a existir um movimento para

a visibilidade destas colônias criando a idéia de uma aceitação da brasilidade, tendo

mais êxito os sírios e libaneses que intensificaram a imagem de união dos dois

grupos com os brasileiros.

Todas as estratégias possíveis de boa conduta e boa convivência foram

utilizadas pelos sírios e libaneses para a sensibilização dos políticos e da nação

brasileira para que a etnicidade libanesa fosse aceita como componente da

nacionalidade brasileira.

“Os líderes da comunidade armênia, que contava com vinte e cinco mil membros, formados em fins do século XIX definiam seu lugar de forma ainda mais agressiva, tentando separar-se dos imigrantes “árabes”. Eles insistiam em que os armênios eram brancos , e “uma etnia legítima e heroicamente ocidental”. (LESSER, 2001, pg. 110; GRUN, 1992, pg. 32)

As propostas apresentadas sobre identidade cultural abordam concepções

tanto antropológicas como sociológicas e uma definição única se torna muito difícil.

Também para Ruth Cardoso, identidade étnica é uma forma de estabelecer

contrastes que separa “nós” dos “outros”, mas a participação e modo de olhar as

condições sociais do grupo étnico pode explicitar e desvendar relações

desconhecidas. Ela diz: “O encontro com desconhecidos, com que se pode cultivar

uma relação de alteridade, é que permite conhecer o modo de operar de sistemas

simbólicos diversos que são postos em movimentos por esta interlocução”. (2004,

pg. 103)

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Nesse sentido podemos dizer que nossa convivência com o grupo, constituiu

em experiências de aprendizado dos elementos que são compartilhados nas

narrativas desse grupo evangélico.

A identidade desse grupo de armênios não é uma reprodução pura e simples

da identidade presente no país de origem, mesmo porque o contexto urbano insere

novos problemas gerando a necessidade de novas respostas, ficando claro quando

da nossa participação na rotina dos cultos e da familiaridade com o grupo feminino.

Barth centraliza sua concepção como “referência de identidade” e que se

completa com limites que esses grupos étnicos criam em torno da sua organização.

Para ele apesar de movimentação e interação com a sociedade, não deixa mde

existir fronteiras:

“a etnicidade não é um conjunto intemporal, imutável de “traços culturais (crenças, valores, símbolos, ritos, regras de conduta, língua, código de polidez, práticas de vestuário ou culinária, etc.), transmitidas de mesma forma de geração para geração na história do grupo, ela provoca ações e reações entre o grupo e os outros em uma organização social que não cessa de evoluir.” (BARTH, 1998, pg. 11)

Nossa percepção sobre o grupo pesquisado é que o papel da etnia serviu

para mantê-los espiritualmente e materialmente unidos. Hoje a existência da

comunidade se baseia nos interesses e preocupações em comum, mas é possível

se encontrar os traços de sua identificação étnica.

Esta comunidade tem algumas características peculiares de isolamento, tanto

que um dos poucos trabalhos realizado por um não armênio, foi o de Robert Grun

cujo trabalho data de 1992, e que entre outras coisas fala da dificuldade de acesso

para contrapor as informações e análises por ele realizadas. Outra consideração

importante a fazer é que a colônia tem um número pequeno em relação às outras

etnias que vieram do Oriente Próximo.

Esse processo pode ser explicado segundo o que Saito define como “uma

faixa de segurança”. Para ele grupos minoritários com posturas muito diferenciadas

do “mundo de fora” tendem a criar tais mecanismos a fim de garantir e preservar

características que se prendem à sociedade materna. (SAITO, 1961, pg. 210-212)

Devido a essa bagagem cultural do armênio, a reorganização social é muito

mais demorada principalmente pela língua que não tem nenhuma proximidade com

o português. Dentro dessa perspectiva, em nossa pesquisa de campo, observamos

uma reformulação cultica das igrejas tradicionais apostólica e católica realizando

parte de sua liturgia em português, coisa impensável há alguns anos atrás.

Naquela oportunidade Grun verificava que o papel da igreja apostólica na

comunidade é de supervisionamento em todos os setores. Na nossa pesquisa se

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revelou que esta igreja possui o maior número de membros, tem o maior número de

pessoas à frente das diversas organizações e também o maior número de

descendentes e que portanto o seu capital social, além de maior visibilidade tem

também maior poder de influência.

A Igreja Apostólica se fez presente em todas as colônias da diáspora, zelando

pelos traços diferenciais de sua cultura, operando nos limites especiais que o

governo lhe outorga.

Nossa linha de observação, no entanto, recai sobre o segmento eclesiástico

de menor representatividade em termos numéricos.

Evidentemente que por ser uma igreja étnica a inclusão do “outro” no seu

círculo social não se deu no primeiro momento. Mesmo porque a pesquisa se iniciou

com observações, a princípio nas Igrejas Apostólica e Católica em São Paulo, a

Igreja Apostólica em Osasco, a Igreja Evangélica Irmãos Armênios, finalizando com

a Igreja Central Evangélica Armênia.

Para Stuart Hall o grupo diaspórico não emigrou de livre vontade, mas porque

se viu impelido a fazê-lo por várias situações que podem vincular-se a uma decisão

familiar, de mudança de trabalho ou a um grupo obrigado a refugiar-se por

problemas de guerra ou por perseguição. Desta forma o grupo leva consigo toda sua

bagagem cultural, com seus ritos,mitos, história, ídolos, que a princípio é

contrastada com a mesma carga de cultura que o local no qual ele será inserido lhe

impõe. Diante desta situação o grupo faz novas mudanças na sua identidade.

(HALL, 2009, pgs. 25-50).

Assim como os outros teóricos, Hall menciona a dificuldade de conceituar a

identidade por conter uma complexidade grande que é pouco compreendida na

ciência social para que seja estabelecido como um critério fechado, pois os

indivíduos são constituídos por identidades diferentes em momentos diferentes por

sua história, e é ele quem diz:

“assim, a identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, através de processos inconscientes e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo, “imaginado” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. (2006, pg. 38).

Ele ainda coloca que os grupos diaspóricos da América Latina tem uma

tendência marcante ao processo de miscigenação, não havendo uma identidade

pura, porque na medida em que os indivíduos se deslocam, novas identidades são

formadas pelo choque das diferenças. Ele define a diáspora como uma “subversão

dos modelos culturais tradicionais orientados para uma nação”. (2009, pg. 36).

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Diante da discussão da natureza das minorias étnicas, existem alguns

símbolos da identidade que fazem a distinção do seu grupo diante dos outros: a

língua, religião, família, vestuário, cor da pele, etc.

Especificamente, para os Armênios, os traços identitários biológicos foram

registrados por Oliveira Viana mencionados no livro de Grun:

“Os imigrantes turco-árabes formam uma colônia numerosissima... Do ponto de vista antropológico, esse grupo é muito heterogêneo. Nele, os elementos preponderantes são os Armênios. Ora, os Armênios (ao menos os armênios imigrantes, são indivíduos que Kossovitch descreve como de tipo acentuadamente braquicéfalo, de estatura abaixo da média (1,62), de pigmentação mate de pele, de cabelos brunos com reflexos amarelados ou avermelhados de olhos geralmente escuros e só muito raramente, azuis ou verdes. (1959, pgs. 640–611). (OLIVEIRA VIANA, apud GRUN, 1992, pgs. 32-33).

Vestimentas não podem ser utilizadas como referenciais de identidade para

os armênios pois não configuram diferenciação no modo de se vestir como por

exemplo os africanos ou os judeus ortodoxos. Cor da pele como vimos não

estabelece uma característica, pois são brancos e mesmo tendo a pele “mate” como

descrito anteriormente, isto não configura uma distinguível característica em relação

aos brasileiros. Outros símbolos que estão diretamente ligados com a socialização

do grupo se estabelecem, na nossa concepção, pelo sobrenome, pela língua, pela

religiosidade, pelas memórias, mas tudo se inicia pelo casamento.

O casamento armênio se dá numa sociedade patriarcal em que as mulheres

têm uma colocação de subordinação ao marido. Hall apresenta as identidades

nacionais como fortemente generificadas. Em similaridade com os ingleses por ele

analisados, a armenidade tem fortes associações masculinas, com as mulheres

exercendo um papel secundário como guardiãs do lar e do clã, e como “mães” dos

“filhos” (homens) da nação. (HALL, 2006, pg. 61)

No livro de Grun, há o relato que, diferentemente de outras colônias orientais,

os armênios não concedem dotes ao novo casal e geralmente os filhos homens tem

maiores privilégios em relação às filhas mulheres. Dentro do grupo estudado

algumas senhoras são casadas com cônjuges escolhidos pela família e relataram

também a importância de se ter um filho homem para a perpetuação do clã.

É dentro do casamento que se processa a proteção e reprodução da cultura

armênia, transferindo os valores culturais de geração em geração. Sapsezian

colabora com esta afirmação em meio ao registro de suas recordações sobre sua

mãe:

[...] Piedosa, era também fervorosamente armênia. Seu amor a Deus era inseparável da devoção à herança de seu povo. Eu tinha apenas seis anos quando ela nos ensinou o alfabeto armênio. Antes mesmo de aprendermos a ler o português, nós, seus três filhos, já conseguíamos ler pequenas frases

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em armênio. Menciono esses fatos aparentemente anódinos para indicar que, desde os anos que passamos no remoto interior brasileiro, nossa mãe tivera o zelo de plantar em nós, órfãos de pai, as sementes da confiança num Pai celeste, e órfãos de pátria, as do apego à memória de nossa origem nacional. (2008, pgs. 301-302).

Há que se notar que esta transferência só é possível em meio a casamentos

endogâmicos onde a preservação dos valores culturais são praticamente impostos

pelos descendentes da primeira geração.

No caso particular do grupo de senhoras apenas uma delas tem um

casamento chamado “misto”, as demais concretizaram a tendência do grupo.

Continuando o relato de Sapsezian sobre sua mãe: [...] Todos os seus filhos

tinham se casado com descendentes de armênios. Essa era a regra naquela

primeira geração de imigrantes. (2008, pg. 304)

No trabalho realizado por Grun já havia a percepção da tendência para a

exogamia e para as preocupações da segunda geração quanto as implicações que o

casamento “misto” poderia causar a comunidade. Ele apontava que a terceira

geração em contato com a sociedade brasileira, com a ascensão desses

descendentes a cursos universitários e a novas perspectivas de trabalho

transformariam e reestruturariam seus conceitos quanto ao casamento. (1992, pgs.

76-77).

Os relatos das senhoras da igreja (2ª. Geração) mostraram esta tendência

pois aproximadamente 40% dos seus filhos fizeram seus casamentos fora da

comunidade étnica.

Hoje o casamento misto não é encarado como desastroso, mas a maioria dos

evangélicos armênios ainda preferem um casamento endogamico. Nos foi colocado

que é desejável, mas não obrigatório, pois já aceitam com alguma naturalidade o

casamento misto.

Um fator importante no caso brasileiro é a falta de renovação na colônia, pois

cessaram os fluxos migratórios. Não havendo crescimento na colônia, não há

renovação, e a tendência é de uma ruptura étnica.

Se pegarmos como exemplo os italianos que chegaram após a Segunda

Guerra Mundial, vamos verificar que o grupo ganhou visibilidade em São Paulo com

contato direto no plano social e cultural com os brasileiros numa aliança até mesmo

matrimonial. Não significa que não houve inconsistências entre as duas

nacionalidades que foram assimiladas, e hoje sentimos a presença italiana em

vários níveis de nossa cultura. O importante do grupo de italianos é que não

possuíam um etnocentrismo forte e por isso a transculturação foi fácil, o que não

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ocorre com o grupo armênio que ainda hoje se revela etnocêntrico. (BORGES

PEREIRA, 2000, pgs. 13-15)

A desinência do nome é uma marca de importância para os armênios.

Qualquer que seja o sobrenome de uma pessoa cuja desinência seja “Ian”,

seguramente trata-se de um armênio ou descendente, e este orgulho é sem dúvida

uma marca de pertencimento a uma cultura e a uma história.

“Entz ou Antz” seriam sufixos armênios que também foram utilizados durante

um breve período. (KHAZINEDIAN, 1987, pg. 41)

Em artigo da Folha de São Paulo de 200736, a Profa. Monica Nalbandián 37

explica melhor esta característica dos sobrenomes:

“Sarkisian, Nercessian, Gasparian, Agassian... Os sobrenomes armênios são facilmente identificáveis, pois a grande maioria termina com o sufixo "ian", que, em armênio, significa "filho de" ou "oriundo de". "Tudo depende do significado da primeira parte do sobrenome. O significado mais comum é o "filho de", pois a maioria dos sobrenomes fazem referência à profissão do patriarca da família”. Dessa forma, o sobrenome "Vosgueritchian", por exemplo, significa filho de ourives. Já "Najarian" quer dizer filho de carpinteiro. O sobrenome também pode marcar o local de origem da família, como, por exemplo, em "Sivaslian": oriundo da cidade de Sivas. Muitos armênios da diáspora mudaram o sobrenome para se adaptar mais facilmente ao país a que chegavam ou por medo de perseguição. Na Rússia, por exemplo, muitos trocaram o "ian" pelo "ov". Já na Turquia, o final foi trocado por "oglu".

Vemos que há um conjunto de comportamentos, interesses e marcas que

interagem, dando força a essa identidade étnica, que creditam na sociedade

brasileira um diferencial sem que sejam no entanto estereotipados e sem que haja

uma comoção contra a comunidade.

1. O PAPEL DA MEMÓRIA SOCIAL

Assim como lembranças de fatos de nosso dia-a-dia como aniversário,, datas

alusivas a festividades nacionais, as memórias fazem parte dos processos de

construção de uma história que tem como mecanismo principal a perpetuação dos

traços, dos acontecimentos, sejam eles felizes ou não, de uma pessoa ou de um

grupo.

Através do histórico e do lingüístico produz-se na memória uma força

simbólica que a transforma numa questão social. Se para gerações anteriores as

memórias foram o enfoque das histórias orais sobre todos os acontecimentos, na

medida em que passam para as próximas gerações, vão perdendo a força, pois a

eficácia da imagem simbólica não se faz presente. É um tema controverso em que

36

Folha de São Paulo, 26 de Abril de 2007. Folha Turismo, pag. F5. Colaboração da matéria de Renata Summa. 37

Professora de língua e cultura armênia.

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muitos estudiosos desvalorizam a história oral como fonte de trabalho acadêmico

como base de reconhecimento das informações. Nossa reflexão é que muito do que

presenciamos em todos os sentidos está intimamente ligado às memórias passadas,

e estas memórias são trazidas por livros, filmes, fotos, imagens, lembranças de fatos

narrados pelos protestantes armênios.

Após nossa incursão no grupo de senhoras e exposição da proposta do

trabalho, fomos amplamente assessorados por literaturas que algumas senhoras

possuíam, pelas lembranças de fatos narrados pelos pais, avós, e também por

fotografias.

Uma das memórias com grande conteúdo histórico foram os aportes sobre a

história do Monte Ararat. Ele tem significado histórico, bíblico, mas também um

significado geográfico “do lugar do Ararat”.

Quando da visualização do filme “A Long Journey Home Isabel Bayrakdarian”

38pudemos entender este sentimento de algo tão distante e tão presente no discurso,

na lembrança.

O filme fala de mãe e filha armênias que saem do Canadá para a Armênia por

conta de uma apresentação da filha (Isabel) que é cantora. O filme todo é um

resgate da memória coletiva dos lugares e igrejas importantes para os armênios,

porém o ponto emocional se dá quando elas partem para um local do lado armênio,

onde é possível avistar o Monte Aratat, e a reação da mãe ao vê-lo de longe é de

extremo êxtase emocional. É possível perceber que mesmo para os membros das

colônias diaspóricas o passado histórico ainda está presente. Diríamos que, dentro

do conceito de Hall, essa identificação emocional desse símbolo da armenidade é o

que ele chama de “celebração móvel”, pois ela é construída constantemente através

das representações. (HALL, 2006, pg. 12-13)

Recentemente em novembro de 2011, num jantar típico da ICEASP, pudemos

na oportunidade compartilhar de uma apresentação de lugares históricos e não

históricos de uma recente viagem de um dos membros em terras armênias,

reconstruindo a sua memória histórica e expressando os símbolos assimilados e

compartilhando com a comunidade.

Apesar de ser um descendente da diáspora armênia a passagem pelo

território armênio e a vista do Monte Ararat evidenciou que a distância e o tempo não

o impediu de manifestar sua alegria por esta história e esse nacionalismo.

38

Filme apresentado no curso de Cultura Armênia – Manifestações Artísticas. Novembro/2010. FFLCH. USP. Curso de Cultura ARMÊNIA II. Profa. Deize Crespim Pereira.

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85

O primeiro sentimento sobre a identidade étnica é o do pertencimento a um

determinado grupo. Embora todos os traços de etnicidade se interliguem, pois não

sobrevivem isoladamente, diríamos que a língua é o fator de reprodução da

bagagem cultural.

A língua se consistiu num traço de identidade armênia que dá a característica

de como o grupo se articula e expressa sua cultura, seja ela oral ou escrita. Há uma

relação íntima entre a linguagem e a vivência histórica que é transmitida. May fala

que:

“a língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das necessidades humanas de se congregar socialmente, de construir e desenvolver a expressão da “alma” ou do “intimo”, ou do que quer que seja, do individuo; é, acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade se expressa como se seus membros fossem a sua boca”. (2006, pgs. 76-77)

O pertencimento da língua a um ramo isolado indo-europeu demonstra as

diversas incursões que as colônias armênias sofreram ao longo de sua história,

reconstruída posteriormente no seu idioma. Os antigos dialetos estão ligados a este

idioma tornando-o uma língua complexa de ser pesquisada e de ser aprendida.

Como falamos em capítulo anterior esta particularidade lingüística tornou os

armênios um grupo mais isolado ainda em relação aos seus vizinhos geográficos.

A língua armênia resistiu ao longo dos tempos; na comunidade evangélica e

nos cultos religiosos, sua presença é significativa. Num dos resumos da história da

ICEASP, lemos o seguinte: [...] a igreja sempre teve e tem até hoje, como objetivo

principal salvaguardar a fé cristã e transmitir para as gerações toda a cultura e a

língua armênia.39

No grupo de senhoras, todas falam as línguas presentes: português do Brasil

e armênia. Uma delas tem dificuldade ainda de entendimento do português sendo

que muitas vezes é necessário intervenção de uma outra senhora para a tradução

do que foi falado.

Assim como também tem duas senhoras que só entendem o armênio, porém

não falam. O valor da manutenção da língua pode-se dizer que é um patrimônio de

propriedade da comunidade. Notamos que mesmo diante da dualidade de

pertencimento, existe resistência no plano lingüístico, uma rejeição ao

integracionismo. A única escola armênia da coletividade ligada a Igreja apostólica

continua com o modelo de manutenção da identidade armênia com o ensino da

língua nos seus cursos.

39

Resumo cedido pela secretaria da ICEASP . Abril/2011.

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Borges Pereira analisando grupos urbanos (judeus, sírios e libaneses) relata o

seguinte:

“A análise sócio-antropológica, alongando-se para outros níveis da situação de contato, permite detectar as manifestações e movimentos de resistência de grupos que, sufocados pela política de homogeneização da cultura, tentam preservar as suas identidades étnicas e lutam para quebrar os bloqueios que se colocam a sua plena participação na vida nacional” (2000, pg. 9)

Tanto quanto existe a multiplicidade de etnias, existe também um patrimônio

rico de línguas diferentes presentes não apenas na zona urbana de São Paulo como

em diferentes pontos do país. Falta uma política de preservação desses diferentes

idiomas.

Nenhum fato poderia ter sido registrado neste trabalho se não estivesse

impregnado na memória de cada participante da pesquisa como também daqueles

que com mais sorte conseguiram registrar através de literatura.

Essa memória coletiva tem força para resistir por 90 anos ou mais e ainda

assim permanecer atual.

Falamos dos relatos que todos têm a respeito do genocídio, que sem dúvida

nenhuma nos dias de hoje se transformou na maior marca identitária dos armênios,

pois mobiliza o mundo todo.

Não há duvidas que fatos narrados de extrema crueldade tendem a trazer no

cotidiano das pessoas um sentimento de indignação, mas que com o tempo tende a

cair no esquecimento. Estes não foram fatos simples, foi um extermínio em massa

com requintes de crueldade. São marcas na vida de pessoas que esperam nesse

reconhecimento o retorno da existência, pois na medida em que esse processo não

se completa é como se essas pessoas, essas famílias nunca tivessem existido.

“Halbwachs caracteriza a memória como “o que ainda é vivo na consciência

do grupo para o indivíduo e para a comunidade”.” (HALBACHS, apud NUNES, 2007,

pg. 25)

Diante do problema do reconhecimento do Genocídio Armênio, o Rev. Roy se

posiciona de maneira muito consciente da sua cidadania e da sua função pastoral,

fazendo a seguinte colocação:

“O amor é o distintivo do cristão, e, assim, amamos os trucos e desejamos que eles sejam recipientes de todas as ricas benção de Deus. São seres humanos dignos do amor de Deus. Respeitamos a inteligência e os ricos valores históricos e culturais deste povo a quem amamos sinceramente. Admiramos as reformas históricas, sociais e culturais promovidas pelo governo turco e de alguns países de não reconhecimento do genocídio é injusta e, como toda injustiça, desperta em nós, armênios, o sentimento de indignação. Creio que toda humanidade torna-se alvo de violência quando um ato bárbaro praticado por quem quer que seja deixa de ser reconhecido e punido. Portanto, como cristãos, continuaremos protestando contra a injustiça e clamando para que Deus nos conceda misericórdia, e que este tipo de

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barbárie jamais seja repetido na historia. Mas desejamos, ao mesmo tempo, como cristãos, que a população turca seja ricamente abençoada pelo Deus de amor a quem nós adoramos. (ROY ABRAHAMIAN, 2011 – Entrevista em Anexo)

A história e a memória recuperam marcas identitarias para protegê-las do

esquecimento. Mas algumas são possíveis de se transportar de forma material; é o

caso da minha curiosidade no início do trabalho em saber o que era aquela cruz

estranha na parede da igreja que pode ser observada do metrô.

Alguns autores dizem que a Armênia é a terra das pedras, devido à

quantidade e a variedade de tonalidade de pedras em suas terras.

Sabe-se que a arte de se esculpir cruzes em pedras se iniciou na era

medieval e se transformou em uma tradição e composição puramente armênia. São

cruzes de vários tamanhos chegando a três metros de altura e também com

formatos que não se repetem e que podem ser vista em praticamente todo o

território armênio.

Como esta arte é uma expressão da cultura armênia em visita a várias casas

de descendentes armênios notamos a presença destes objetos decorativos.

Diz-se que as igrejas e as cruzes foram as formas que o povo encontrou para

consagrar a sua terra e seu país à fé em Cristo daí sua importância como símbolo

da fé cristã.

Recentemente em 17 de novembro de 2010 a UNESCO endossou as cruzes

da Armênia como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

2. REDES SOCIAIS

As redes são fundamentais para a integração dos novos elementos na nova

realidade.

A perspectiva de rede social aponta para o entendimento da participação dos

indivíduos tanto para o recebimento em famílias como para integração no mercado

de trabalho.

As redes articuladas nas cadeias migratórias promovem a observância da

utilização de recursos variados para disseminar as experiências dentro desses

grupos em processos migratórios.

Tilly classifica as mobilidades migratórias baseadas na distância entre

origem/destino e o grau de ruptura, porém é possível que um determinado grupo se

classifique numa tipologia e posteriormente ao criar nova condição mude para outra.

(Tilly, apud, TRUZZI, 2008, pg. 200)

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Não só a informação que chega ao grupo ou família com tendência a imigrar é

importante, como também as informações fornecidas do país que vai migrar, ao vivo,

por carta, vizinho, parentes, os quais são mais confiáveis do que as fornecidas por

alguns folhetos distribuídos. (TRUZZI, 2008, pg. 206)

Martes informa que não há necessidade de laços profundos entre os

imigrantes e as diversidades concluindo que:

[...] de modo geral, é por meio das redes que são veiculadas informações e opiniões que condicionam a favor da emigração[...]. As redes sociais, geralmente de parentesco, amizade ou mesmo religiosas, são fundamentos para explicar como os brasileiros chegam aos Estados Unidos, sobretudo porque elas ajudam a reduzir o custo psicológico e econômico da emigração. (2000, pg. 73)

A comunicação contínua dos imigrantes com suas origens favorecem a

expansão das redes sociais. Esses contatos entre imigrantes apoiados em laços

sociais multiplica as conexões de rede social delimitadas pelo universo cultural.

As redes sociais promovidas por eles mesmos para os seus pares,

resignificando as ações sociais em função do apelo étnico, geralmente de

parentesco, amizade ou religiosa, ajudam a diminuir o impacto psicológico e

econômico sobre aquele que chega para se inserir na colônia.

Tentamos então relacionar as estruturas receptoras dos fluxos imigratórios de

armênios localizados em São Paulo.

Varam Keutnedjian que chegou junto com as primeiras famílias iniciou sua

ajuda aos imigrantes recém chegados em sua chácara Cruzeiro de Sul (no bairro da

Penha). Posteriormente, levando-se em conta a importância da agregação da

colônia através da igreja, ele financia o término da igreja de Osasco.

Rizkallah Jorge Tahanian, proprietário da Casa da Bóia, uma próspera

empresa comercial na Rua Florêncio de Abreu, no seu andar superior abrigava aos

recém chegados, funcionando como uma mini-hospedaria para os armênios.

Além disso possuía um casarão na esquina da Rua Anhangabaú com Barão

de Duprat com a mesma finalidade (Grun, 1992, pg. 22: FREITAS, 2000, pg. 89)

São a princípio, iniciativas individuais mas que principalmente no centro vão

estabelecer a rede de convivência solidária do grupo.

A solidariedade se estendia também pela inserção econômica. Parte destes

armênios tornaram-se mascates, posteriormente comerciantes e finalmente

empresários.

Truzzi registra a vocação armênia para a mascateação: [...] “na terra de

origem o ofício de mascate era mais freqüentemente exercido por gregos, armênios

e judeus”. (1991, pg 51)

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89

Grun aponta para o fato de que a maioria dos armênios se estabeleceu no

ramo de calçados, ressaltando que eram de qualidade inferior aos calçados

produzidos pelos italianos. (1992, pg. 40)

Através do ramo calçadista formou-se uma rede de recém chegados para o

aprendizado na fabricação de calçados e posteriormente para o início de seu próprio

negócio com moldes de coleções antigas, crédito, couro de baixa qualidade e

insumos. Esses insumos eram fornecidos pela Casa da Bóia. (GRUN, 1992, pgs. 48-

98)

Nessa época as ruas São Caetano e Pagé abrigaram a maioria dessas

sapatarias.

Keichichian descreve o nome e as atividades econômicas de 137 famílias que

se fixaram na capital paulista a partir de 1936. Encontramos nesta lista armênios no

ramo do comércio em geral, metalúrgicos, ourives, alfaiates entre outros e 59

famílias ligadas ao ramo de calçados. (2001, pgs. 53-60)

Esta esmagadora maioria no ramo calçadista reforça a tese difundida pelos

próprios armênios de que essa habilidade está presente desde a antiguidade.

No caso dos grupo protestante a tendência ao ramo calçadista é parcial.

Alguns dos maridos das senhoras são comerciantes, ourives, contadores,

vendedores. Já em relação aos seus filhos a diversidade é maior encontramos

médicos, engenheiros, dentistas, historiadores, biólogos.

Para Martes, tanto a solidariedade como a identidade cultural, dentro de

qualquer conceito adotado sobre etnia, como “identificação étnica”, “solidariedade

étnica”, “comunidade étnica”, “etnicidade”, sempre estarão presentes e, para ela, a

solidariedade deve ser objeto de pesquisa e não apenas um dado. (2000, pgs. 176-

180)

A pesquisa de um grupo de imigrantes requer uma noção específica de

solidariedade que nasce na identidade do grupo de estudo e que Durkein define

como a “solidariedade mecânica”.

As igrejas tem caráter expansionista e portanto sua participação nos

movimentos migratórios são milenares, exercendo um papel importante no

acolhimento e adaptação do imigrante, voltado principalmente para a solidariedade

do grupo. (MARTES, 2000, pgs. 142-149)

No caso dos armênios, a ICEASP já dava seus primeiros passos a sua

vocação solidária desde 1924. O pastor Bitchmaian organizava cultos domésticos

com a minoria evangélica na cidade e posteriormente em 1927 foi criada uma

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90

congregação evangélica no meio da comunidade, nas imediações do Mercado

Central. A comunidade se reunia na rua Barão de Duprat, num salão do terceiro

andar de um pequeno edifício comercial.

Em paralelo havia também a dedicação e solidariedade de um padre chamado

Vicente, conhecido como “padre dos armênios”, que ajudava aos recém chegados.

O espaço do culto era improvisado com púlpito e bancos para 100 pessoas,

porém já era conhecida como Igreja Evangélica Armênia.

Esta pequena igreja se unia com os armênios que tinham raízes de tradição

evangélica no país. Só em 1930 chega o padre Yesmigue com a função de unir os

armênios apostólicos. Há que se dizer que embora as igrejas tivessem um

posicionamento ideológico cristão diferente nesse primeiro momento, isto não os

impedia de solidarizar-se uns com outros, uma vez que a armênidade, a

solidariedade entre si era a marca do grupo, pois a solidariedade étnica é também

uma solidariedade de interesses. (MARTES, 2000, pg. 177)

No espaço do culto evangélico funcionava também uma classe infantil de

língua armênia dirigida pela professora Makrouhi Kaloustian, que foi substituída

depois pelo educandário Turian Varjaran considerada uma experiência pioneira na

área escolar.

É possível notar a preocupação da língua na preservação da identidade e

segundo Sapsezian, nessa época a insistência para guardar a herança do país, era

prioridade em todos os segmentos religiosos bem como em todos os

empreendimentos comunitários. (2008, pgs. 51-52)

As redes possibilitam compartilhar experiências e interagir dentro de seu

grupo e suas ações solidárias, proporcionando o zelo da etnicidade.

Para Martes:

“ A idéia elementar de rede é bastante simples. Trata-se de uma articulação entre diversas unidades que através de certas ligações, trocam elementos ente si, fortalecendo-se reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas unidades, as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto na medida em que são fortalecidas por ele, permitindo-lhe expandir-se em novas unidades ou manter-se em equilíbrio sustentável. Cada nódulo de rede representa uma unidade e cada fio um canal por onde essas unidades se articulam através de diversos fluxos”. (2000, pg. 24)

A Escola Dominical com as histórias bíblicas em armênio contribuíam para

melhorar o conhecimento da língua. Era um local de integração com debates,

brincadeiras, jogos, passeios, etc. Um dos marcos dessa época foi a apresentação,

no Teatro Municipal de São Paulo, da peça épica Vartanantz, que retratava a

resistência heróica dos armênios, frente ao invasor persa no século V. Evento que

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91

contou com toda comunidade armênia de São Paulo. (SAPSEZIAN, 2008, pgs. 52-

53)

Na medida em que outras organizações são criadas por outras entidades e

outras igrejas, a tendência do grupo é de afastamento em função das diferenças

das ideologias religiosas. As famílias evangélicas continuaram agregadas por conta

do vínculo da armenidade, e posteriormente as outras gerações se distanciaram um

pouco das famílias freqüentadoras das igrejas apostólicas e católicas. Hoje é

possível notar que as famílias se encontram somente quando algum evento se torna

comum a toda comunidade, independente do ramo cristão assumido.

Vários eventos como: recital, jantares com comidas típicas, culto de ação de

graças pela morte de algum membro, lançamento de livro; nestas ocasiões é notória

a participação de visitantes armênios na igreja.

A igreja tem um papel de extrema importância junto com outras redes para

apoiar os imigrantes. (MARTES, 2000, pg. 118)

Como não existe fluxo migratório recente de armênios, o papel da igreja é o

de apoiar aos membros e manter a identidade comunitária.

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92

PARTE III – PROTESTANTISMO(S)

CAPÍTULO SEXTO: O QUE FOI O PROTESTANTISMO

1. A REFORMA PROTESTANTE40

A historicidade nos mostra que o cristianismo nasceu com uma propensão a

ser universal. Isto se deveu a visão revolucionária de Constantino, que ao fortalecer

o cristianismo, unificaria pela religião os povos do império. Para isso permitiu total

liberdade religiosa, o que colocou em igualdade todas as religiões do império e

posteriormente aos cristãos, incentivou a construção de igrejas, isenção de impostos

e para dirimir as disputas doutrinárias entrou nos assuntos da igreja, colocando a

cruz, símbolo do cristianismo, junto das águias do seu estandarte.

A idéia da propagação dos ideais cristãos, segundo Paul Tillic, se deu através

da possibilidade de diálogo e utilização até mesmo de palavras, símbolos que

surgiram ao longo da história das religiões com a figura de Jesus Cristo sem que

Este perdesse suas peculiaridades.

Para ele o cristianismo pode incorporar conotações tanto judaicas como

pagãs sem desfocar o evento Jesus Cristo.

O culto dos santos é um exemplo dessa tendência cristã, pois os romanos

estavam acostumados aos deuses de suas cidades e aos lugares sagrados,

veneravam relíquias e atribuíam poderes miraculosos a esses objetos.

Por volta de 400 A.D. o culto à virgem Maria já estava vitorioso.

Como vimos anteriormente tanto ortodoxos como católicos tinham suas

diferenças dogmáticas, mas em especial a igreja católica que se tornara uma

potência no século XVI mantinha certas centralidades tanto no governo como na

população, quanto à legitimidade da fé, da igreja e do poder dos seus governantes.

Cristo teria dado autoridade a Pedro seu discípulo, sobre os outros apóstolos

e teria sido ele portanto o primeiro bispo da igreja, e Roma teria recebido este

legado portanto, tais bispos tinham o direito divino da autoridade. A partir do quinto

século a palavra papa passa a ser utilizada quase que exclusivamente para os

bispos de Roma.

A influência do papa na religião e na política ocasionando insatisfações por

parte das autoridades civis; a corrupção política, econômica e moral dentro da igreja;

produziam uma profunda carência espiritual. A igreja, como mediadora entre Deus e

os homens, era meticulosa e induzia os fiéis a praticarem as boas obras; a

40

Rev. Hermisten Maia Pereira Costa – aulas no Curso de Ciências da religião – A reforma Protestante em Ciências da Religião, Mackenzie. Outubro/2009.

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93

inquisição regulava as tentativas reformistas pela morte; o culto com ritual metódico

consistindo grande parte na leitura da vida dos santos; foram alguns dos aspectos

para uma reforma geral. Vários movimentos foram sugerindo a contraposição a esta

degradação da igreja de Roma, como por exemplo: primeiramente os cataristas, os

valdenses; posteriormente João Witcliff, João Huss que geraram reformas. Além

dessas insatisfações no campo religioso, haveria também revoltas por questões

sociais.

Em especial a Alemanha passava por grande descontentamento, pois parte

dos pobres sofriam exploração dos seus direitos.

2. LUTERO

Lutero, um monge do convento dos agostinhos (Erkfurt), com suas angustias

espirituais espelhava o espírito dos séculos anteriores que constava em uma análise

da fragilidade humana. Esta reforma foi um movimento religioso e teológico na sua

origem, mas causou profundas transformações políticas, sociais, econômicas e

culturais.

Lutero interrompe um sistema católico diferentemente de seus antecessores.

Ele consegue mudar o caráter do catolicismo que aprisionava o indivíduo no

gerenciamento do divino-humano liderado pela igreja. A graça só poder ser

alcançada pelos mandamentos, salvando o homem da punição eterna, fazendo com

que as pessoas ficassem presas e com medo do Deus ameaçador, punitivo de difícil

acesso. (TILLIC, 2004, pgs. 227-229)

Lutero objetiva apresentar que Deus era pessoal, sem mediação do clero ou

de coisas, e que se dava pela aceitação da mensagem bíblica. Destruía a condição

mágica de trabalhar mais pela igreja, mortificando o corpo para se aproximar desse

Deus, tornando a relação mais próxima, mais confiante, baseada no amor, e não por

méritos. Quanto aos sacramentos, passam a ter outros enfoques na vida cristã. Os

abusos da penitência, compra de indulgências, a libertação dos mortos no purgatório

pelo papa, a confissão para o sacerdote, o padrão duplo de moralidade, entre

outras, devem estar dentro das atitudes humanas voluntárias em amor a Deus.

Somente dessa forma, Deus se torna presente para todos. A única punição que

existe para o indivíduo é o desespero da separação de Deus. (TILLIC, 2004, pgs.

230-235)

Lutero não ficou impune, foi excomungado e condenado à morte por heresia

pela igreja e levado diante do poder civil (Worms – 1521) entre acusações e

defesas, com representantes de vários países e com a população a seu favor.

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94

A dieta terminou em confusão e em meio ao tumulto Lutero se retirou

amparado por alemães. Sua condenação pelo Edito de Worms, veio a seguir mas

nunca foi executada e ele se tornou o líder do movimento religioso nacional.

Para Tillic, Lutero foi o ponto mais importante da história da igreja, isto é, foi o

rompimento que Lutero conseguiu produzir no sistema romano, mas ressalta que o

evento que Lutero proporcionou não pode ser comparado ao movimento

“Luteranismo” que tem sido associado à ortodoxia protestante e movimentos

políticos. (TILLIC, 2004, pg. 227)

Desde o princípio a reforma tencionava responder as insatisfações humanas

com uma existência mais bíblica, porém seria impossível alguém abraçar a reforma

e continuar com a mesma ética medieval. A concepção da Reforma de Lutero

(Alemanha) e Calvino (Suíça) contribuiu para a formação da mentalidade moderna.

Em 1526 as idéias dos reformistas foram toleradas no que se chamou a

primeira Dieta de Speier, e todo sul da Alemanha mais a Áustria tornaram-se

católicos enquanto que os outros aderiram aos reformistas, transformando a

Alemanha num mosaico religioso. O imperador nesse momento não se opôs por

estar em guerra contra o papa e contra Francisco I.

É fato que a igreja católica não ficou quieta e também partiu para suas

considerações contrárias aos reformistas.

Esse movimento nasceu num contexto humanista renascentista, onde Lutero,

Zuinglio e Calvino, apesar das diferenças de compreensão, enfatizaram a

centralidade da Palavra de Deus e as Escrituras para se pensar sobre o próprio

Deus, e se distanciaram da visão puramente humanista de perspectivas seculares.

Na Dieta de Speier de 1529 há um protesto formal contra a igreja católica e

sua contra reforma, e é a partir desse momento que o movimento será chamado de

“Protestante”. Basicamente católicos romanos impediam a propaganda de reforma

no contexto dos dois representantes, Lutero e Zuinglio.

A reforma trouxe uma contribuição sem igual, pois onde quer que fosse,

colocava as escrituras na língua do povo.

3. ZUINGLIO

Zuinglio era contemporâneo de Lutero, nascido na Suíça, e também rompeu

com o papado por ideais parecidos aos de Lutero, mas em relação ao culto, suas

reformas foram mais radicais. Zuinglio conseguiu adotar um serviço de comunhão

em lugar da missa, procurou remover tudo que se chegasse à velha ordem religiosa

e que não tinha apoio bíblico, se estendendo pelo sul da Alemanha.

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Assim surgiram os dois agentes de Reforma lado a lado combatidos pelo

catolicismo romano. Tentou-se uma unificação das duas correntes protestantes e

quatorze dos quinze artigos ficaram acordados, porém em relação a doutrina da

Ceia do Senhor, não houve acordo e sendo este um ponto importante não

concretizaram a aliança de unificação. Após sua morte surge um novo líder na

Suíça; Calvino, que já pertencia a segunda geração da reforma.

4. CALVINO

Calvino era um intelectual de posses; quando se tornou protestante não se

sabe ao certo, mas em 1533 junto com outros protestantes volta para Paris devido a

perseguições. Após três anos na Basílica, escreveu um livro chamado “Institutos”,

que nessa primeira edição era pequeno e não era o tratado de teologia que ele

completou posteriormente.

Em passagem por genebra recebeu o convite de Farel para ajudá-lo a levar à

cidade recém declarada protestante a solidificação desse protestantismo, visto que a

cidade era desorganizada tanto no terreno moral quanto no religioso.

Calvino a princípio não consegue passar os ideais da reforma e é expulso da

cidade ficando em Estrasburgo com seu trabalho reconhecido como pastor da igreja

protestante.

Genebra solicita sua volta e no seu retorno estabelece um propósito de torná-

la uma cidade cristã modelo do cristianismo. O ponto inicial foi reorganizar a igreja; a

partir da criação do ofício de ministro protestante, criou o consistório que era

composto para presbíteros com o dever de vigiar a conduta dos ministros e do povo,

e a administração da beneficência na cidade ficou a cargo dos diáconos.

Criou um sistema educacional completo e uma academia com curso de

teologia. Para ele a verdadeira religião e a educação são inseparáveis. Outros

estrangeiros iam à Genebra para estudar teologia.

Apesar de grande oposição após vinte e três anos, a cidade se tornou notável

pela cultura, pela ordem, pela moral e pelo cristianismo ardoroso, e nos últimos nove

anos de sua vida ele foi o governador da cidade. Genebra se tornara o refúgio dos

Reformadores perseguidos. Vieram refugiados da França, Holanda, Escócia,

Inglaterra. Além de liberdade, encontraram preparo sólido para divulgação do

protestantismo, e Calvino, além de ser o dirigente da Reforma na França, mesmo à

distância realizou o mesmo trabalho em outros países, escrevendo o livro “As

Institutas”.

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96

Calvino dentro de seus pensamentos coloca a doutrina de Deus como

elemento fundamental em sua teologia. Somente através da miséria humana, se

pode entender a majestade divina. Ele trata Deus com um ser numinoso e

desenvolve a teoria do simbolismo cristão para a contemplação e admiração da

transcendência do divino. Como os símbolos podem levar à idolatria e interferir no

seu relacionamento com Deus, Calvino, se opôs ao uso de quadros ou qualquer

outro símbolo. Posteriormente acrescentou o princípio da predestinação. Deus

mostra a punição permitindo o mal para aqueles a quem ele quer educar. Assim,

Deus traz a providência ao homem do seu destino eterno. A predestinação é

individual e nem todos são criados para o mesmo destino.

Desta forma a nova vida criada entre o homem e Deus é o cumprimento da

Lei de Deus. Por isso a vida cristã é linha ascendente que sobe em estágios

metódicos. Para passar por estes estágios eram necessários a limpeza do indivíduo

pela sobriedade, castidade e temperança e tudo fora disso era tido como sujeira. O

segundo estágio era o lucro por meio do trabalho.

O capitalismo já se manifestara com a ostentação dos ricos com mansões,

castelos, etc..

Calvino levantou a possibilidade da riqueza ser usada de outra forma; as

cidades e capitais influenciadas pelo calvinismo eram prósperas e originaram o

capitalismo alemão.

Igreja é o lugar visível, é educativa e tem a função de levar o corpo dos

predestinados através de pregação e sacramentos à igreja invisível de Deus.

Ele exigiu aos magistrados de Genebra o cumprimento da lei e tanto

sacerdotes quanto os ministros não precisavam se envolver necessariamente com

esse governo. A autoridade absoluta na Bíblia e o incentivo de leitura em todos os

grupos protestantes, pois continha a “Doutrina Celestial”, deveria ser obedecida,

ajudando, desta forma, a preservar as doutrinas do cristianismo.

5. A REFORMA NO ORIENTE

Em 1453 Constantinopla é conquistada pelos Turcos e o Império Cristão do

Oriente, a Catedral de Santa Sofia, o marco do cristianismo oriental, se transforma

numa mesquita e os cristãos perdem seus direitos perante a lei.

O patriarca de Constantinopla passou a ter poderes sobre Antioquia,

Jerusalém e Alexandria outorgados pelo sultão, o qual indicava o próprio patriarca.

Nessa época ficava mais sob o domínio político do sultão perdendo a

influência sobre o povo.

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97

Parte dos intelectuais do Oriente fugiram para a Europa, o que tornou a igreja

oriental enfraquecida, deixando de participar da Reforma num período de

estagnação, diante do despertamento intelectual pelo qual o mundo todo passava.

No norte, a Rússia levanta-se como império e sua igreja se tornou

independente de Constantinopla e a mais fortalecida no oriente quando em 1587, o

bispo de Moscou tornou-se patriarca. Foi uma igreja desenvolvida, tanto na

educação como na vida moral do clero, sem mudanças em termos doutrinários.

Quando o protestantismo atinge a Rússia, os protestantes são perseguidos e

expulsos.

A Igreja Católica em algumas regiões da Rússia foi bem sucedida na sua

contra-reforma porque cedeu a certas atitudes liberais, exigindo apenas a

obediência ao papa. Esses católicos foram chamados de Uniatas.

No século XVIII, a Igreja Russa Oriental passa a ser controlada pelo Czar e a

fazer parte do governo absoluto e opressor sem que se registre qualquer

desenvolvimento para a igreja.

6. PROCESSO HISTÓRICO PARA AMÉRICA

Para se conhecer as raízes do missionarismo americano é necessário o

conhecimento da história do povoamento das colônias que seriam posteriormente,

os Estados Unidos.

A princípio são os Anglo-Saxões que povoando as colônias vão afastando os

espanhóis e franceses destas terras.

Tanto Luteranos como Calvinistas tornaram-se fortes na América porém

adaptados a um protestantismo pré-existente, que expressava novas influências

radicais do cristianismo, mudando pontos do luteranismo e calvinismo. (Tillich, 2004,

pg.226)

As missões protestantes para outros países foram lentas e somente no século

XVI e XVII tornaram-se mais consistentes com a imigração, como exemplo os

Irmãos Morávios ou os Puritanos da nova Inglaterra. Eram calvinistas que não

conseguindo reformas na igreja inglesa decidiram se mudar para América,

evangelizando os indígenas. Isto alavancou o processo missionário no século XIX

que se estendeu para outros países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África

do Sul, com a presença de luteranos, anglicanos e outros.

O povoamento é intenso com os protestantes radicais da Inglaterra. O grande

contingente foi de luteranos e calvinistas. Os luteranos mais radicais se organizaram

entre si, segundo os de sua piedade. Os calvinistas, os primeiros puritanos a chegar,

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98

sentiam-se responsáveis pela ordem da sociedade, e o calvinismo com todas as

suas variantes influenciou intimamente as colônias, transformando a vida social e

impondo um ideal de construção da Nova Inglaterra. (MENDONÇA, 1995, pg. 48)

Somente no século XIX a presença católica será sentida pela imigração de

franceses, irlandeses e alemães, sendo um catolicismo de imigração.

6.1 A América

Os séculos XVII a XIX fora época de grande expansão colonial britânica e que

repercutiu na história do protestantismo: a colonização das “Treze Colônias” na

América do Norte que posteriormente formariam os Estados Unidos.

Os motivos políticos, econômicos e religiosos entre os séculos XVII a XIX

influenciaram a história dessas colônias. Todas faziam parte do processo complexo

da empresa colonial inglesa.

Os empresários ingleses não podiam aspirar conquistar terras, riquezas e

tesouros, pois já estavam com a Espanha. Tentaram fundar colônias com fins

comerciais, não tendo resultados esperados com a participação dos índios, decidem

criar colônias agrícolas com mão de obra inglesa, que estaria sob a tutela dos

proprietários dessas colônias.

Os ingleses por motivos comerciais dizimaram muitas colônias indígenas para

ficar com suas terras, exceto a campanha que os morávios em Rhod Island e

Pensylvania desenvolveram e que foram notáveis experiências de liberdade

religiosa. Na Virginia, depois de duas tentativas fracassadas, começa em 1607 a sua

colonização. Junto com a Companhia da Virginia veio um capelão com intenção de

implantar a igreja da Inglaterra e oferecer recursos religiosos aos colonos e índios.

O auge do puritanismo na Inglaterra se dava nessa época, e os acionistas

dessas companhias entenderam que esses princípios deveriam estar nessa colônia.

Leis divinas, morais, marciais, culto duas vezes ao dia, observância do Dia do

Senhor e penas cíveis por pecados como linguagem profana ou uso de roupas sem

modéstia faziam parte dos ideais da sociedade santa, dos puritanos.

Os primeiros anos foram muito difíceis, sem grande êxito econômico, como

também não haviam alcançado a evangelização dos índios da região. Começaram a

cultivar tabaco na região e trouxeram mão de obra da África iniciando uma

sociedade escravista, marca desta colônia. Com mudança de reinado na Inglaterra,

os puritanos se enfraqueceram e parte da colônia da Virginia foi cedida à colônia de

Maryland cujo proprietário era católico.

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99

Em meio a tudo isto a Igreja Anglicana continuou sendo a da maioria das

colônias, porém sem as características do puritanismo dos primeiros anos,

adaptadas às novas realidades, a uma sociedade escravista sem impacto para os

escravos e para os colonos brancos considerados de classes inferiores. Os colonos

tinham interesse em evitar a conversão e batismo, evitar a educação pois assim

asseguravam seus serviços.

Alguns brancos de classes inferiores já estavam aliançados com os quakers.

Mais tarde o metodismo avançou muito na Virginia e quando se constituiu os

Estados Unidos, formou-se a Igreja Metodista Episcopal.

Na Carolina do Sul, com características semelhantes a Virginia, as camadas

mais elevadas pertenciam à Igreja Angliana e as classes mais baixas tornaram-se

quakers ou batistas.

A Geórgia se tornou um centro de refugiados dos condenados por dívidas. O

anglicanismo não conseguiu estabilidade, os Morávios e Whitefield com o

metodismo calvinista foram os mais promissores.

Ao norte fundou-se várias colônias que se chamaram de Nova Inglaterra. Ali a

motivação religiosa era predominante. Em Plymouth, 101 homens, mulheres e

crianças fazem um pacto a bordo do navio Myflower e se comprometem a obedecer

as leis justas e iguais para a comunidade. No local passaram por uma epidemia

reduzindo-os à metade da população. Receberam instruções dos índios, plantaram

milho, praticaram caça e pesca e agradeceram com uma festa de ação de graças

que se tornou tradição norte americana. Um grupo de puritanos ingleses desejaram

ir posteriormente para Massachusetts.

Este grupo só queria que o uso do novo testamento fosse utilizado na Igreja

Anglicana e esperavam realizar isso na nova colônia, era a vontade de Deus, um

chamado.

Fundaram também as colônias de Connecticut e New Haven, com o mesmo

padrão de Massachusetts.

O rei da Inglaterra James II impôs a tolerância religiosa nas colônias inglesas,

por conta das diferentes ideologias das igrejas implantadas.

Os puritanos apresentaram algumas controvérsias teológicas. Nesse período

a dificuldade se dava porque batizavam crianças e insistiam na necessidade de uma

experiência de conversão para ser cristão, o que tirava o sentido do batismo.

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Alguns queriam se guiar apenas pelos princípios bíblicos, e a controvérsia

gerou um pacto; todos os cristãos batizaram seus filhos e faziam parte do pacto,

mas só seriam membros da igreja após ter a experiência que lhes faltava.

O sistema de governo congregacional inaugurou o modo de as igrejas se

relacionarem com certas limitações; adotaram uma confissão de fé, nessa época.

A intolerância religiosa entre os puritanos levou alguns a abandonar as

colônias, como Roger Willians que, por conta de suas idéias radicais, foi condenado

à deportação, porém fugiu e se refugiou na Baia de Narragansett que comprou dos

índios. Fundou ali a colônia Providence que é a Capital do Estado de Rhode Island.

Para Willian a liberdade de consciência e os direitos de cidadania não se limitariam

com base nas opiniões religiosas das pessoas. A comunidade de Portsmouth foi

fundada perto de colônia de Providence e no outro extremo da Ilha foi fundada

Newport. As comunidades cresceram rapidamente e receberam idéias batistas,

quakers e etc.

Os batistas ingleses ficaram exilados na Holanda e quando regressaram à

Inglaterra estavam voltados para o arminianismo. Os que já estavam na Inglaterra

eram calvinistas. Estas diferenças deram origem aos batistas “gerais”, que

professavam que Jesus Cristo morreu por todos os batistas, e os “particulares”, entre

os quais prevalecia a idéia de que Jesus morreu pelos que estavam predestinados à

salvação.

A igreja de Willians tornou-se batista e mesmo nessa colônia alguns tornaram-

se “batistas gerais” e outros “ particulares”.

Foram muito perseguidos e quando da implantação de tolerância religiosa

voltaram a ter êxito.

Maryland ficou com maioria protestante e com minoria católica, pois esta teve

muitos de seus direitos restritos. Em Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e

Delaware não houve fixação de um grupo religioso em particular, por isso áarias

correntes se fixaram.

No século XVIII os presbiterianos também tiveram sua divisão.

O “grupo antigo” exigia adesão a Westminster, o “grupo novo”. A experiência

pessoal chega a Northampton, Massachusets junto com o convicto calvinista, o

pastor Jonathan Edwards, cuidando da vida devocional dos membros que foi

cessando e acabou após três anos.

Posteriormente com Whitefield houve grande agitação e novas experiências

de conversões de arrependimento, com lágrimas e expressões de arrependimento.

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101

Por conta disso foi acusado de substituir o estudo e devoção da solenidade do

culto pela emoção. Esses pastores eram calvinistas convictos e seus sermões eram

doutrinários, mas estas eram manifestações de uma experiência individual.

Estes avivamentos favoreceram aos batistas e metodistas, pois vários

presbiterianos e congregacionistas tornaram-se “batistas particulares”.

O número de imigrantes nas colônias cresceu muito e os batistas e metodistas

se empenharam nas conversões.

Esse avivamento se estendeu às treze colônias, tornando-se em sentimento

de comunidade entre elas e produziu novos desafios para o cristianismo; trouxeram

à teologia o sentimento nacional de expansão para salvar os “pagãos”. A volta de

Cristo, nas escrituras, impunham uma urgência da propagação da salvação. Foi com

esse espírito e com benefícios econômicos e políticos que as missões tiveram êxito.

No bojo das missões estava a política americana de aumentar sua influência e

salvar os países atrasados, mesmo que fosse necessário pegar em armas. A

expansão da fé justificava tudo. Entre os batistas e congregacionais a associação foi

voluntária na formação da sociedade. Entre presbiterianos e os holandeses

reformados prevaleceu o princípio institucional.

Nesta época os protestantes tinham uma grande contribuição para a

expansão do cristianismo, enquanto o catolicismo passava por descrença.

Uma das contribuições das missões foi a instituição de escolas para a

preparação dos cidadãos. Eram escolas presbiterianas, congregacionais e

espicopais. Além da educação se esforçavam para a formação de seus ministros e

também para o reforço dos ideais protestantes. Implantaram a Escola Dominical e

em 1824 já havia a Associação das Escolas Dominicais da America fundamentada

no ensino religioso para crianças.

A Escola Dominical era uma função paralela às igrejas; surgiram também

outras entidades auxiliadoras como YMCA que objetivava o desenvolvimento

espiritual de moços, além da ênfase na distribuição de bíblias.

Todos estes fatores impulsionaram a ideologia do Destino Manifesto41 nas

áreas missionárias onde os recursos financeiros sendo vultosos, não faltaram para a

causa mundial de implantação do Reino de Deus.

41

O mesmo comissionamento outorgado aos judeus através de Abraão se transferia agora para os americanos num messianismo nacional direcionado para redenção política, moral e religiosa do mundo. MENDONÇA, 1995, pg. 62.

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102

7. PROTESTANTISMO NO BRASIL

Entendemos que a religião de um modo geral é a força que impulsiona a

história da sociedade e a história dos próprios seres humanos e que acaba se

fundindo até com movimentos políticos e, portanto, isto ocorreu com o

protestantismo que alavancou mudanças na realidade brasileira.

Ha vários estudos sobre os protestantes e a sua relação com nossa

sociedade. É comum para os estudiosos classificarem o processo de implantação do

protestantismo levando em conta os períodos de entrada e fixação, embora não

existam períodos históricos exatos, estáticos e fechados. (ALENCAR, 2005, pg. 37)

Alencar propõe tratarmos os protestantismos de: imigração, de missão,

pentecostal e contemporâneo (gospel).

7.1 Protestantismo de imigração

O protestantismo de imigração representou a preservação da identidade

étnica, caso da igreja armênia, que não tinha como objetivo a expansão de sua fé

aos brasileiros mas o de preservação da cultura.

O maior representante dessa categoria é a Igreja Luterana que se instala no

sul do país com a numerosa colônia.

Este grupo dá origem a dois tipos de luteranismo, porém já existem trabalhos

de grupos étnicos menores de valdenses, batistas e menonitas.

Aqui temos que fazer uma colocação quanto ao protestantismo de imigração

que em alguns períodos se utilizou de pastores das casas missionárias para compor

o seu quadro eclesiástico. (DREHER, 2007, pg. 49)

7.2 Protestantismo de Missão

A definição de protestantismo tem seu foco central nas instituições

protestantes, nas respectivas tradições e propagação de suas idéias normativas.

Desta forma, chegam ao Brasil os Episcopais (1888), Batistas (1881), Metodistas

(1836), Congregacionistas (1850), e Presbiterianos (1859).

Essas diferentes expressões chegam com o objetivo de anunciar o evangelho

e implantar suas igrejas aqui. Segundo Alencar eram predominantemente

proselitistas, não no sentido pejorativo, mas no sentido etimológico de “fazer um

prosélito, converter alguém”. (2005, pg. 40)

A sociedade brasileira acabou acolhendo esta nova prática religiosa de forma

dúbia, uns aceitando, achando ser uma religião mais moderna, imagem esta, criada

pelos próprios missionários, e outros rejeitando.

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103

Para Mendonça a inserção do protestantismo se desenvolveu porque este

chegou num momento histórico-social propício, em que a aceitação ocorreu nas

camadas “livre e pobre” da população rural e teve um facilitador que foi seguir a

trilha da expansão do café (1995, pg. 16)

Intensificaram a visão protestante através da educação. As igrejas católicas

eram elitistas e com modelo pedagógico atrasado. As escolas protestantes eram

mistas, modernas, com tecnologia e pedagogia modernas, influenciando a elite

paulista.

Alencar nos diz:

“É uma cultura muito letrada, numa terra de cultura oral; e uma mensagem bíblica de responsabilidade pessoal para um ethos messiânico, e uma religião que ergue escolas mistas e modernas numa terra onde a alta burguesia ainda vai para a Europa estudar”. (2000, pg. 40)

O contraponto do protestantismo sempre foi o catolicismo. Para se encontrar a

modernidade era necessário ser protestante. Atraso, analfabetismo, religiosidade

popular eram sinônimos do catolicismo. A investida pesada nos colégios e educação

resultou exatamente no que apregoavam, ou seja, as localidades com escolas

protestantes eram melhores que as católicas.

Houve de qualquer forma muita tensão entre as partes. O catolicismo diante

do processo de romanização podia ser desenvolvido livremente, e nas inúmeras

discussões entre os católicos Roma, Reforma, Lutero, o diabo e o protestantismo

estavam sempre presentes. (DREHER, 2007, pg. 57)

Todo esse empenho gerou a concordância de que o protestantismo era

marcado pelo rigor da ética e portanto, um movimento plenamente inserido no

contexto urbano.

O protestantismo para Mendonça deve ser analisado do ponto de vista

sociológico.

O discurso do protestante missionário era diferente do discurso que o leigo

ouvia até então. As diferentes religiões vieram de fora e trouxeram contextos, ritos,

usos e costumes de outros locais. A submissão às leis, à defesa do casamento civil,

obediência, pureza moral e higiene pessoal estavam no discurso de todas.

Além disso, todo o movimento se articulou com outros segmentos

organizacionais para constituir uma rede de sociabilidade para publicações e

eventos para estabilizar o convertido (ACM, Exercito Salvação, Escola Dominical,

etc.)

O protestante chegou com mensagem pronta. Mendonça diz que o

protestantismo tem vocação para o fundamentalismo porque se coloca como aquele

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104

que tem a verdade, a vocação atribuída por Deus para levar a salvação. As marcas

do fundamentalismo são: sempre querer certezas, tornar-se dogmático, sua ética e

sua mentalidade isolacionista gera ausência de cultura. (1990, pg. 143)

A religião oficial não pode fazer muita coisa, pela imensidão do território e pela

penetração dos protestantes sem ao menos ter resistência da burguesia rural. Há

que se dizer que apesar desta situação favorável, não tiveram êxito em todo o

território, instituindo grupos fechados e esparsos. (MENDONÇA, 1995, pg. 156)

No Rio de Janeiro havia os protestantes da Igreja Evangélica Fluminense

(Kalley) desde 1851.

Havia Metodistas em Mato Grosso do Sul e Rio Grande Sul. Em 1870 um

grupo de americanos (aproximadamente 2000), que se encontravam em Santa

Barbara D”Oeste e Americana, recebem nas cidades além de presbiterianos, os

metodistas e batistas (1881).

Os metodistas constroem o Colégio de Piracicaba em 1876 e também

colégios, no Rio de Janeiro (1878) e Juiz de Fora (1884); posteriormente foram para

o Rio Grande do Sul, Belém, Pará através do missionários do Uruguai.

Os batistas fizeram presença na Bahia (1882), Maceió (1888), Recife (1886).

Quando há a Proclamação da república no Brasil, é possível configurar

algumas características do protestantismo de Missões, segundo Dreher:

“1. todos os missionários eram norte-americanos e vinham do país que buscava hegemonia no hemisfério; 2. traziam consigo valores culturais que procuravam transferir para o novo contexto: progresso!; 3. o adestramento ocorreria, via de regra, pelas capitais; 4. procuravam atingir as elites por meio dos colégios; 5. em geral, o trabalho começava a prosperar quando surgiam colaboradores nacionais e o movimento batista se expandiu graças a colaboração de leigos; 6. no interior da colônia, por vezes, a conversão do clã (coronel). No mais, eram convertidos indivíduos. Acentuava-se, assim a relação “eu-Deus”. (2007, pg. 56)

Posterior à República Velha e após a consolidação missionária, o

protestantismo, na visão de Dreher já se constituiria em uma versão “brasileira”.

Esse “protestantismo brasileiro” seria diferente daquele trazido pelas missões e

também o protestante teria os seguintes atributos:

“1. piedade pessoal, participação na vida da igreja, testemunho público de fé; 2. ao invés de praticar o lazer e de se resignar é considerado trabalhador e poupador; 3. pratica a temperança: não bebe, não fuma, é higiênico; 4. é obediente, desconhecendo o “jeitinho”; 5. não transforma a sociedade, mas a condena por causa de seus vícios. É contra carnaval, baile e festa; 6. separa Igreja e política. A Igreja é considerada espiritual, nada tendo a ver com este mundo; 7. em vez do caráter profético, surge nesse protestantismo o institucionalismo. (2007, pg. 58)

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105

7.3 Protestantismo Pentecostal

Acabando este período, irrompe no país o protestantismo pentecostal. Vem

dos Estados Unidos com imigrantes europeus pobres e incultos, que surgiu entre os

negros. Aqui vão atingir aos pobres e marginalizados.

Francescon, fundador da Congregação Cristã do Brasil tem na sua igreja uma

conotação étnica, realizando os cultos em italiano.

Daniel Berg e Gunnar Vingren, fundadores da Assembléia de Deus, atingem

ex escravos, seringueiros e nordestinos em todo o país, em apenas vinte anos.

Este protestantismo não tem pretensões de atingir a elite, mas trazer

resignação diante da opressão. O pentecostalismo nega o mundo, ao afirmar que

ele é do diabo e está perdido, portanto não há necessidade de mudá-lo. (DREHER,

2007, pg. 59)

Não foi um movimento uniforme, mas é considerado o mais importante

fenômeno religioso do século. Há, nele, diferentes perspectivas de acomodação

social, de superação da pobreza e de autonomia.

Da mesma maneira existe uma dezena de estudiosos que escrevem sobre

estes fenômenos olhando para ele das mais variadas formas. (ALENCAR, 2005,

pgs. 47-49)

Foi um crescimento acelerado e também pode-se notar que até hoje alguns

grupos familiares estão a frente dessas igrejas, como também há varias

comunidades autônomas e algumas já com sinais de estruturação organizacional.

7.4 Protestantismo Contemporâneo (Gospel)

Após 1970 teremos um novo protestantismo inserido na sociedade.

A maioria dos autores classificam-no como “neopentecostal”, porém em nosso

entendimento este termo não possui a dimensão das diversas características e

nuances que compõe este novo tipo de igreja, por isso a nomenclatura usada por

Alencar de “Protestantismo contemporâneo (gospel)” nos parece permitir uma

melhor locomoção dentro do tema, mesmo não sendo nossa intenção o

aprofundamento.

Para se ter noção do que falamos, fazem parte deste movimento: Igreja

Universal do Reino de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja o Brasil para

Cristo, Os Batistas Renovados, a Igreja Internacional da Graça, Renascer em Cristo

e mais recentemente a Igreja Mundial do Poder de Deus.

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106

Todas estas tem visibilidade midiática, portanto este universo é muito maior,

considerando que existem igrejas de médio e pequeno porte que fazem parte desse

protestantismo.

Este movimento contemporâneo se caracteriza por se estruturar em torno do

carisma do seu fundador. Este por sua vez consegue responder às necessidades

dos indivíduos que tanto podem ser religiosas quanto emocionais.

Como as respostas são imediatas, essas igrejas normalmente estão de portas

abertas o dia todo porém, o forte de todas elas são os rituais culticos. São

expressões de emoções, músicas festivas, e sentimentos variados nas orações.

Essa dignidade e pertencimento levadas ao indivíduo muitas vezes faz a

pessoa romper com atitudes consideradas impuras como drogas, bebidas, cigarro,

prostituição etc.

Uma outra característica marcante é o princípio de captação de dízimos e

ofertas que Dreher rotula de teologia de mercado e supermercado. (2007, pg. 64)

Outras correntes que trazem teologias novas, como a teologia da

prosperidade, podem ser considerados movimentos dentro desse protestantismo.

Nesses breves relatos pode-se observar que o que chamamos de

protestantismo brasileiro está sempre em constante mudança e nos cabe observar e

traçar os caminhos que essas mudanças estabelecem para a nossa sociedade.

8. PRESBITERIANOS

Vamos nos deter um pouco mais sobre o presbiterianismo, visto que veremos

mais adiante a forte ligação que a igreja protestante armênia tem com este

segmento.

O modelo do presbiteriano de compartilhar o poder com os leigos foi muito

influente na formação da nação americana.

O presbiterianismo não era estável, vários grupos presbiterianos foram para a

América e houve outros grupos próprios, com definições próprias, como exemplo os

escoceses-irlandeses. Numa reunião desses presbitérios variados, no final de 1729

foram aprovados por todos a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster

como padrões no Sínodo de Filadélfia.

Após o despertamento que já comentamos anteriormente e a educação

teológica, os presbiterianos dividiram-se em dois grupos: Ala velha (sínodo

Filadélfia) e Ala nova (sínodo Nova York).

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107

Enquanto passam por transformações teológicas, em 1788 os sínodos de

Nova York e Filadélfia se dividem em quatro. Por questões políticas e pela influência

que o presbiterianismo exercia no pais, estes passaram por mais divisões.

Diante do problema da escravidão, novamente se dividem em duas grandes

denominações e se estabelecem a Igreja do Sul (1867) e a Igreja do Norte (1870).

Todos os membros da igreja e todas as congregações locais elegem seus

representantes. Estes formam conselhos para governar a Igreja. Desta forma há na

composição das várias instâncias jurídicas local, regional, e nacional com a

participação de clérigos e leigos.

Simontom chega em 1859 ao Brasil, em busca de conhecer o país e a língua,

partindo para o caráter de missões genuinamente. Após quatro anos, inaugura a

primeira Igreja Presbiteriana no Rio de Janeiro. Blackfor, outro missionário

presbiteriano, vem para São Paulo e em 1865 funda a Igreja Presbiteriana de

Brotas.

O trabalho missionário é custeado pelas duas igrejas Presbiterianas

Americanas. No Rio de Janeiro, foi organizada pelos missionários da Igreja do Norte,

e os Presbitérios de Campinas e Minas pelos missionários da Igreja Presbiteriana do

Sul.

Com a conversão do Padre Jose Manoel da Conceição ao presbiterianismo, o

trabalho se desenvolveu, quando este passa a pregar nos lugares onde havia sido

vigário e era conhecido. Com a impressa evangélica, a igreja se transformou na

mais numerosa do país.

Mendonça analisando o episódio da divisão diz que:

“Apesar de Simonton ter estudado em Princeton, então reduto do pensamento presbiteriano conservador do norte, ele apresentou, como já foi dito, uma certa ambigüidade de pensamento e de ação refletindo a situação vigente nos círculos presbiterianos ate bem depois de ter ele deixado o seminário”. (1995, pg. 180)

Outra análise interessante de Mendonça desse mesmo episodio é que a igreja

do sul, com tendência aos escravismo, não podia comprometer a doutrina da igreja e

transportou essa questão para uma nova doutrina conhecida como Teologia da

Igreja Espiritual em similaridade com a bíblia no texto de Marcos 12:17, e assume

que para a igreja importavam as questões espirituais, e ao estado as políticas.

Esta experiência também no Brasil faz com que os presbiterianos se

mantenham afastados de questões de ordem social e política.

Mendonça acha que os americanos que chegaram em Americana e Santa

Barbara D’Oeste foram providenciais para os presbiterianos e outras missões. Estas

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108

cidades receberam o apoio das Igrejas do Sul e, apesar das diferenças com a Igreja

do Norte, no Brasil, elas se uniram e formaram o Sínodo do Brasil (1888) de caráter

puramente institucional contribuindo para o seu crescimento.

No final do Império, os presbiterianos contavam com mais de cinqüenta

igrejas, quatro presbitérios (unidades regionais eclesiásticas), um seminário para

preparação de pastores, dois colégios e diversos periódicos. Nas atas presbiterianas

em 1891 já contavam com quase três mil membros, contavam com dezenove

missionários americanos e doze pastores nacionais. Em 1877, se encontravam na

Bahia, no Recife (1873), Maranhão, Ceará e Alagoas (1889). (MENDONÇA, 1995,

pgs. 29-33)

Os clérigos passavam por processos rigorosos e demorados na sua formação

eclesiástica. Esta formação não era suficiente para que os norte-americanos

olhassem os brasileiros sem a superioridade étnica e a falta de compreensão aos

hábitos nacionais.

Anos mais tarde, surgiu um conflito interno com a possibilidade de os “crentes”

integrarem a maçonaria e mais as insatisfações com os missionários, tudo isto levou

em 1903 a Igreja Presbiteriana a uma divisão. A partir desta data os insatisfeitos

fundam a Igreja Presbiteriana Independente, onde é possível notar que nessa

disputa interna a questão mais contundente era a identidade do presbiterianismo no

Brasil.

Posteriormente outras divisões iriam acontecer dando origem à Igreja

Presbiteriana Conservadora (1940), Igreja Presbiteriana Fundamentalista (1950),

Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil (1972) e Igreja Presbiteriana Unida do Brasil

(1983). No século XX inicia-se um movimento ecumênico em todo mundo com

intenção de unidade no cristianismo e uma experiência mais articulada na vida social

do pais.

Mendonça diz que a ideologia do protestantismo social foi barrada enquanto

teologia, mas nas igrejas locais surgiu como opção de ajuda nos bairros através de

serviços sociais (bibliotecas, hospitais, escolas, etc.) (2005, pg. 58)

Chega ao Brasil Richard Shaull para assumir como professor no Seminário de

Campinas. Desenvolveu junto aos jovens um diálogo instruindo sobre a participação

social e apresentando o que havia de novo na Europa sobre o pensamento cristão.

Souza resume este período do presbiterianismo desta forma:

“A Igreja Presbiteriana do Brasil, desenvolveu, como outros setores do protestantismo, uma notável discussão acerca da responsabilidade social do cristão. A discussão esteve aberta nos jornais da Igreja e da Mocidade, nas revistas da Escola Dominical, nos congressos nacionais da Mocidade

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109

Presbiteriana e no Supremo concílio da Igreja, que, em 1962, promulgou seu Pronunciamento Social,. Aplicações práticas foram feitas na evangelização de favelas, de operários, de estudantes, com ênfase na responsabilidade social. A Igreja foi desafiada a olhar para o campo social e político como uma esfera de ação de Deus e, portanto, da Igreja também. (2005, pg. 174)

Logo se armou, contrário a esta tendência, o fundamentalismo em defesa da

ortodoxia protestante pós Segunda Guerra Mundial.

A repressão fundamentalista tanto interna quanto externa se articulou e

provocou o afastamento da ala considerada liberal ou modernista da igreja

protestante.

Souza diz que as disputas internas coexistiam há muito tempo, porém após o

golpe militar de 1964 a Igreja muda o enfoque de seus artigos, complementando

que: “Quando o fundamentalismo torna-se majoritário na Igreja Presbiteriana do

Brasil, a Igreja volta-se tanto para questões internas que não é mais possível

resgatar nem essa visão liberal de participação social”. (2005, pg. 241)

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110

CAPÍTULO SÉTIMO: A IGREJA CENTRAL EVANGÉLICA ARMÊNIA

O protestantismo armênio chega ao Brasil com os refugiados da diáspora.

A ICEASP será a única igreja protestante estudada nesse trabalho, porém

temos conhecimento da existência em São Paulo de uma denominação armênia de

cunho protestante, “Irmãos Armênios”, e uma segunda com a formação de sua base

da comunidade armênia mas que não utiliza a palavra “Armênia” em seu nome

oficialmente, a saber, Igreja Evangélica Filadélfia.

Além disso, sabemos de outros núcleos armênios espalhados pelo Brasil mas

não os pesquisamos para saber da existência ou não de mais igrejas evangélicas

armênias.

A ICEASP é a terceira igreja evangélica armênia construída na América

Latina. A primeira a se estabelecer foi a Igreja Evangélica Congregacional de

Buenos Aires, fundada em 1922. A Primeira Igreja Armênia do Uruguai foi fundada

em 1924 em Montevidéu. A Igreja Central Evangélica Armênia de São Paulo foi a

terceira igreja construída e em 1924 e se fundou uma quarta igreja também em

Montevidéu chamada de Igreja Evangélica Armênia de Montevidéu.

Atualmente a ICEASP é administrada pelo Rev. Roy Abrahamian contando

também com a presença de um pastor auxiliar indicado pela Igreja Presbiteriana do

Brasil, o Rev. Djair de Oliveira Marques.

1. HISTÓRICO42

Oficialmente a ICEASP registra que em 1920 quando chegavam os primeiros

imigrantes armênios, vários já pertenciam ao quadro protestante, com a maioria

vindos de Aintab, Marash, Jarpert, Alepo, Hadjim, Damasco, Cesárea, Van, Beirute e

trouxeram a experiência cristã diretamente do movimento iniciado em Istambul em

1846.

Esta igreja começa suas atividades em São Paulo em 1926, orientadas pelo

Rev. Mikael Bichmayan, o Professor Peniamín Gaidzakian e Apraham Partamyan,

sendo oficializada como igreja em 1927.

Em 1930 a comunidade se reunia num edifício comercial pequeno na Rua

Barão de Duprat.

O espaço para o culto era improvisado contendo um púlpito modesto e bancos

para cem pessoas. Os primeiros registros em atas relacionam os nomes de Garabed

Marachlian Kpoian, Sarkis Dolnadjian, entre outros.

42

Resumo histórico traduzido da versão libanesa por Hampartsum Moumdjian, revisado por Marlene G.

Gazebayukian e digitado por Amestuí A. Darakjian como forma de preservar a história protestante e a história da igreja de São Paulo e de seus pastores.

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111

Foi nesse mesmo salão de culto que passou a funcionar a classe infantil da

língua armênia dirigida Prof. Makraini Koloustian, sendo a primeira experiência

escolar da comunidade armênia de São Paulo. Estas atividades da igreja foram

registradas em atas desde 1930.

Tivemos acesso a essa documentação e no final deste trabalho mostramos

algumas fotos destas atas.

Todos os livros que contem decisões, mudanças administrativas, valores da

construção da sede, etc. estão registrados na língua armênia.

De 1926 a 1930 o Ver. Mikael Bickmayan dirigiu esta congregação. Sapsezian

relata que o reverendo tinha “imponente aparência profética, de longas barbas

brancas”. (2008, pg. 50).

Este reverendo em meados de 1930 retira-se de funções pastorais por conta

de uma animosidade criada entre ele e pastor Gaidzakian que chegara na

comunidade.

Em casos como estes é evidente que a comunidade se polarizou a favor de

um ou a favor de outro, e quando da sua retirada, um pequeno grupo de armênios

saiu com ele. Posteriormente se constitui numa nova congregação, porém, segundo

relatos de Dna. Marlene, alguns anos depois a congregação encerrou suas

atividades. (SAPSEZIAN, 2008, pg. 154)

A igreja passa então para a direção do Pastor Garabed Kerikian que foi

assessorado pelo Prof. Peniamim entre de 1930 e 1939, período em que se

consolida e se efetiva como uma Igreja constituída.

Por problemas de saúde o reverendo se ausentou e o Prof. Gaidzakian

passou a dirigir a igreja até 1954.

Em 1956 convidado pelo Conselho da Igreja, o Pr. Aharon Sapsezian assume

a direção, visto que o Pastor Gaidzakian também se encontrava com problemas de

saúde, o qual veio a falecer em 1960.

O jovem pastor Sapsezian juntamente com o assessor George Daidzakian,

que era sobrinho do pastor recém falecido, empreenderam na comunidade

evangélica armênia um período de grande desenvolvimento para a igreja mantendo

a identidade armênia. Os esforços da comunidade motivaram a criação do grupo de

juventude armênia MEAZA – Mocidade Evangélica Armênia “Zarkatsman Archaluis”

(Aurora do Progresso) que contagiou a colônia, projetando o grupo evangélico

dentro da comunidade armênia e ampliando a visibilidade na colônia frente aos

católicos e apostólicos armênios.

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112

Em 1965 o Rev. Sapsezian muda para Europa, e o Conselho constituído pela

igreja assume os trabalhos da direção contando com a orientação do conselheiro

George Gaidzakian até 1968.

Havia certa dificuldade em se encontrar um pastor armênio naquele momento,

então foi convidado para direção do púlpito o Rev. Daniel Belmont que se empenhou

até 1973.

A procura por um pastor armênio cessou quando o Conselho convidou o

jovem Moses B. Janbazian, natural do Líbano, para assumir as atividades da igreja.

Empreendeu um novo ritmo à igreja durante sete anos de sua gestão, e em

1980, ao assumir a AMAA – Associação Missões Armênia da América, transfere-se

para os Estados Unidos com sua família.

O Rev. Belmont retorna após esse episódio, ficando por mais dois anos

auxiliando nos trabalhos pastorais.

Nos anos de 1982 a 1986 o Pr. Antonio Dominoni, trabalhando ativamente,

logo assimilou a armenidade. Desenvolveu um trabalho importante com os jovens

evangélicos formando um grupo muito coeso, e sua esposa se dedicando ao grupo

de senhoras.

Em meados de 1986 ambos se transferiram para seu estado de nascimento,

Santa Catarina. Porém, havia sido um período de muito entusiasmo dos jovens

evangélicos, formalizando o grupo JEA Juventude Evangélica Armênia, quer

estudando a bíblia ou mesmo na participação com equipes esportivas, distribuindo

bíblias e literaturas aos participantes.

Em 1987 assume a igreja o Rev. Alberto Darahdgian, que fica até 1989

quando se transfere aos Estados Unidos com sua família.

Os jovens e crianças eram o foco da renovação da ICEASP.

De 1990 a 1991 o Rev. Dominioni novamente ficou à frente da igreja, e

durante o ano de 1992 tiveram a colaboração do Rev. Belmont nas atividades.

Entre os intervalos que existiram quando da saída dos pastores, a igreja foi

administrada pelo Conselho e este foi ajudado por três jovens que traziam os

Estudos bíblicos: Renato Mincherian que graduou-se no Seminário Teológico Batista

Regular, Roy Abrahamian que graduou-se no Instituto Bíblico Brasileiro e em

medicina e Leon Achjian Junior que se graduou em engenharia.

Em janeiro de 1993 o Rev. Dimitrios Prodomus Constantinidis, indicado pelo

Rev. Belmont, assumiu o púlpito, como visitante em maio, ficando até abril de 1994.

Foi um tempo de crescimento da igreja porque, através de seu dinamismo, trouxe

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113

famílias afastadas, deu assistência espiritual aos impossibilitados de estarem na

igreja, dinamizou a Igreja Evangélica de Ferraz de Vasconcelos. Sua esposa

colaborou ativamente na Sociedade de Senhoras e na Escola Dominical.

Estenderam os laços com as igrejas armênias evangélicas como também com

as igrejas católica e apostólica.

Proporcionou o intercâmbio com as igrejas da América do Sul, como também

incentivou a formalização dessa união.

Em 1994 a igreja esteve sob a orientação do Rev. Nuban Santurian e

posteriormente com o Rev. Aslan Pilavjan.

Desde 2001 assumiu o púlpito o Rev. Roy Abrahamian que com seu caráter

inovador empreendeu maior dinamismo e dedicação aos membros da comunidade.

Está a frente da igreja trabalhando para conciliar aos filhos e netos dos armênios da

comunidade evangélica a doutrina bíblica, a língua e tradição em meio às influências

externas.

No primeiro momento esteve acompanhando nos trabalhos da igreja como

Pastor Assistente o Rev. Dionísio Ataíde e por motivos de saúde se afastou, estando

no momento como seu auxiliar o Rev. Djair Oliveira Marques.

1.1 O Templo

O Conselho da Igreja evangélica se mobilizava para levantar recursos entre a

comunidade para construir uma sede própria, visto que o local no centro da cidade

se tornava inadequado para as pretensões de consolidação da comunidade

evangélica.

Em 1953 a Comissão de Construção composta por Avedis Asdurian, Assadour

Djinishian, George H. Gaidzakian, Hagop Gazebayoukian, Kerop Ketendjian e Zaven

Sapsezian finalizou a compra de um terreno na Avenida do Estado após muito

esforço financeiro.

O engenheiro Alberto Kuyumjian doou o projeto e acompanhou a obra desde

seu início, com contribuições financeiras também dos armênios católicos e

apostólicos como fruto da solidariedade da comunidade.

Ainda no início da construção foi marcado um culto para oficialização do

lançamento da pedra fundamental da igreja em 15 de Maio de 1955. Nesta

oportunidade foi depositada uma urna inviolável, no subsolo da Igreja (Salão social,

hoje) contendo uma Bíblia e um Hinário Armênio, o histórico da ICEASP, a lista de

membros da Igreja, a história da Armênia e um exemplar das Revistas Dziadzan e

Tchan.

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114

No Salão Social (parte inferior da igreja), num palanque improvisado e com

assentos feitos de tábuas rústicas, a cerimônia foi iniciada, com o comparecimento e

reconciliação entre os pastores que estiveram afastados, por solicitação do pastor

Sapsezian.

Foi uma construção relativamente demorada e somente em junho de 1973

sua estrutura estava toda finalizada, faltando apenas detalhes de acabamento.

Perto do término, na decoração da igreja (bancos, púlpito, etc.), a Comissão

iniciou na busca de um projeto de mobília que pudesse compor com o estilo de

construção da igreja, sugerido pelo Rev. Sapsezian.

A finalização ficou por conta de um vitral para harmonizar com o templo, que é

uma réplica de uma tela do pintor renascentista Grunewald, que representava a

Ressurreição de Cristo, com algumas adequações, pois foi construída em vitral e

que permanece até hoje.

O Khatchkar, fruto da minha curiosidade, foi incluído posteriormente, e a igreja

como a conhecemos hoje ficou pronta em 2005.

2. CULTOS

Os cultos desde a inauguração da igreja evangélica se processam aos

domingos. Reservando os outros dias para outras atividades.

Os cultos se iniciaram somente na língua nativa, posteriormente foram

realizados de forma a contemplar as duas línguas envolvidas: o português e o

armênio desde 1956.

Isto foi estratégico para o aprendizado daqueles que ainda sentiam

dificuldades com a língua da nova terra, e com a língua armênia para os nascidos

em solo brasileiro que deveriam conhecer a língua de seus pais.

O sermão é feito em português e posteriormente o resumo é lido em armênio.

No resumo informativo da ICEASP podemos ler o seguinte:

[...] “A Igreja Evangélica armênia sempre teve como meta transmitir a mensagem da Palavra de Deus, em armênio e em português, através dos pastores evangélicos e ainda, os hinos e “sharagans”

43 cantados em

armênio, que ainda hoje têm sido ensinados às novas gerações”. (Abril/2011)

A igreja recebe seus membros com bíblias, hinários nas duas versões das

línguas e o boletim semanal em português, salvo algumas vezes em que as músicas

são cantadas e impressas em armênio.

As músicas do hinário, normalmente cantadas com letras em português não

inibem aos mais idosos em fazê-lo em armênio.

43

Sharagans são hinos litúrgicos (sec. XII e XIII).

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115

O trabalho se inicia as 10:45 hs e vai até as 12:15 hs, a não ser que tenha

algum evento por conta de comemorações específicas.

Atualmente os cultos seguem a estrutura que descrevemos a seguir e pode

ser acompanhada pelo boletim entregue antes do seu início.

2.1 Estruturação Cultica

Tema: Tem a ver com o sermão que será ministrado. É o foco da ministração.

Prelúdio

Oração de Abertura: Normalmente realizada pelo reverendo auxiliar.

Convite à adoração: Convite à comunidade a entrar em adoração ao Senhor.

Livro, Capítulo e Versículos são mencionados para acompanhamento.

Hino: Normalmente dois hinos indicados do hinário.

As músicas são cantadas pelo grupo de louvor da igreja com

aproximadamente sete pessoas. Algumas são acompanhadas por um órgão

tradicional de igrejas, outras por teclado com simulador de instrumentos para

as músicas mais atuais.

O grupo é ensaiado por um maestro, que quinzenalmente vem pessoalmente

para tocar na igreja. É músico e maestro da “Catedral Evangélica de São

Paulo”.44

Oração de Intercessão: A maioria das vezes realizada pelo pastor auxiliar e

em algumas ocasiões é solicitada aos obreiros da igreja.

Cânticos de Louvor: São músicas escolhidas pelo grupo de louvor da igreja,

mais atuais e de domínio público. Além disso todas as letras são transcritas no

próprio boletim para acompanhamento.

Texto bíblico: Texto escolhido para dar embasamento ao sermão que virá

posteriormente. Aqui normalmente é utilizado o texto quase completo. Como

ritual o pastor auxiliar lê os versículos pares e os membros lêem os versículos

impares.

Mensagem: Sempre realizada pelo Rev. Roy, que após terminar resume o

sermão todo em armênio.

Na falta do Rev. Roy, quando a mensagem é feita pelo pastor auxiliar, ao seu

lado sempre tem um presbítero que faz as leituras necessárias em armênio.

Hino: Novamente um hino tradicional (hinário).

Ofertório e hino: Aqui é o momento em que se ofertam valores.

44

Rua Nestor Pestana, 152.

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116

Ao término, um dos diáconos que procederam ao recolhimento ora por todos

que ofertaram ou dizimaram. É um ritual discreto em que as doações vão

sendo coletadas durante a execução do hino com a mesma reverência que

ocorreu no culto todo.

Ainda em relação a valores, os membros são portadores de um carnê de

contribuição que reforça o setor financeiro para fazer frente às necessidades

da igreja, como a manutenção da igreja, pagamento de água, luz, telefone,

secretaria, zeladoria, cópias, correio, etc.

O grupo feminino também contribui com uma anuidade que se destina

também aos desafios do grupo dentro das atividades da igreja.

Avisos: Este é momento onde todos os avisos são passados para a igreja,

incluindo as datas de aniversariantes da semana, como também avisos

relacionados às outras entidades da comunidade, como festas, lançamentos,

ajuda, etc.

Hino: Normalmente dois hinos que encerram os cultos.

Bênção Apostólica

Amém

Postludio

Todos se dirigem para o salão social da igreja. Ali são recepcionados pelos dois

reverendos da igreja e é também o momento de confraternização da comunidade

entre si, com um serviço de café.

2.2 Estruturação Administrativa

A igreja conta com atividades voltadas para a solidificação espiritual, como

também social, mas não foge ao que comumente vemos como padrão das igrejas

históricas mantendo alguns departamentos desde sua fundação: Conselho (direção

geral da igreja); Junta de ecônomos (setor administrativo, financeiro e patrimonial) ;

Sociedade de Senhoras (departamento que se responsabiliza pela confraternização

de todos os membros); Mesa diaconal (obra assistencial em geral); Escola dominical

(educação cristã); Secretaria (assessoria ao Pastor e aos departamentos em geral).

2.2.1 Escola Bíblica Dominical

Sala para crianças e adolescentes

Coordenada pelo pastor auxiliar, Rev. Djair O. Marques, com estudos bíblicos

que acontecem aos domingos das 10:00 as 10:45 hs.

Sala para adultos

Page 117: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

117

Acontece aos domingos às 10hs com a coordenação do Rev. Roy

Abrahamian.

É importante salientar que desde o início de nossa participação, verificamos

que não é um curso formal, mas bastante inovador comparado com os cursos

normais de Estudos Bíblicos.

Trata-se de aulas cujo conteúdo é de Análise Transacional, com

embasamento bíblico e teológico para as questões gerais do ser humano,

desenvolvidas pelo Rev. Roy.

Além de ser uma experiência inovadora é também catalisadora das condições

de relacionamentos interpessoais que muitas vezes são abordadas, mas que em

última analise revelam as necessidades das pessoas.

Claro que numa classe de adultos é esperado que as questões levantadas,

mesmo quando mais particulares, sejam encerradas dentro do contexto ético de

relacionamento e tem sido esta a minha percepção em relação ao grupo.

Percebo que o número de participantes aumentou em relação ao início mas

continua com uma freqüência modesta em torno de dez a quinze pessoas por aula.

Para o Rev. Roy, é um curso temporário e implantado com a finalidade de

aumentar a freqüência da igreja por ser algo novo.

2.2.2 Grupo de Senhoras

Grupo de senhoras armênias da igreja anteriormente tinham mais participação

por conta de chás, bazares para arrecadação de ajuda a outros grupos, festas

comemorativas e as reuniões de oração. Estas reuniões eram semanais e nesta

gestão administrativa optaram por reuniões quinzenais sendo uma realizada na

igreja e a outra na casa de uma participante que se dispuser a oferecer a casa.

As reuniões se processam num clima de confraternização com música, leitura

bíblica e em cada reunião uma das senhoras é escolhida previamente para fazer a

ministração para todas as presentes.

Quando a reunião é fora da igreja, as senhoras se organizam e levam teclado,

bíblias e hinários; tudo o que é necessário para transferir a reunião na casa cedida.

A gestão administrativa muda de dois em dois anos e a escolha da

coordenadora do grupo é feita pelo próprio grupo.

2.2.3 Sábados Especiais

Um sábado no mês é dedicado a Estudos Bíblicos com Rev. Roy, os demais

dependem da programação estabelecida para o mês em questão.

Page 118: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

118

2.3 Atividades Sociais

A) Churrasco: A cada dois meses é realizado um churrasco de

confraternização da comunidade evangélica.

B) Jantar: Não tem freqüência de realização, é estabelecido dentro de um

cronograma possível, levando-se em conta costumes e comidas típicas armênias.

C) Datas Comemorativas: O mês de aniversário da igreja (setembro) é

marcado por uma programação diferenciada, o que torna a socialização da igreja

mais dinâmica, mais coesa.

Exemplo disto foi a inauguração do elevador para idosos, após o culto de

26/09. Contou com a colaboração financeira de armênios não evangélicos e que lá

estiveram para a inauguração. Posteriormente no salão social houve um coquetel.

Em maio de 2010 houve uma programação especial de música com a

apresentação do Madrigal e Orquestra de Câmara SoArte. Foi uma apresentação

magnífica com lotação da igreja esgotada.

2.4 Atividades Eventuais

A) Casa HOM

A Sociedade feminina tem o compromisso de visitação à casa de Repouso

HOM45, dedicando uma tarde de oração para os internos. Neste semestre a casa

passou por reformas e somente no mês de dezembro haverá a participação da

sociedade para uma cantoria de natal.

B) Ferraz de Vasconcelos

A igreja realiza a arrecadação de agasalhos e outros para Ferraz de

Vasconcelos, por se tratar de uma comunidade mais carente e sem muitos recursos.

Além disso, por diversas vezes organizaram campanhas para a restauração e

construção na Igreja.

C) A AMAA todos os anos em dezembro solicita a adoção simbólica de

crianças armênias. É um valor estipulado (em dólar) para cada criança e o membro

adota quantas crianças desejar para que estas possam receber na Armênia, um kit

de Natal.

D) Fonethon

O Fundo Nacional Armênio – Himmadram (com 18 filiais em todo mundo)

realiza anualmente em novembro uma campanha com toda a comunidade de São

Paulo para arrecadação de fundos com a finalidade de melhorar o armazenamento e

abastecimento de água na Armênia e em Karabakh.

45

Situada a Rua Elfrida, 264 – Imirim.

Page 119: Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.pdf

119

E) Participações

A igreja recebe os convites de datas comemorativas ou de eventos

patrocinados pelas organizações que são o elo de ligação entre as colônias

diaspóricas e o Estado-Nação armênio.

Estes eventos, uma vez que são independentes da filiação religiosa, sempre

são representados pelos evangélicos armênios. Seja nos eventos consulares, nos

lançamentos de livros, em exposições relacionadas aos armênios, etc.

É de caráter da igreja repassar as informações sempre nos cultos para toda a

comunidade evangélica.

3. DOUTRINA DA IGREJA

A doutrina da ICEASP, conforme seu próprio texto no site nos folhetos

distribuídos em eventos, nos fala o seguinte:

“A ICEASP adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Antigo e Novo Testamentos e crê em Jesus Cristo como o Filho de Deus, nosso Senhor e Salvador que morreu na cruz pelos nossos pecados e ressuscitou no terceiro dia. A ICEASP é de governo presbiteriano, de linha reformada, e adota como sistema expositivo de doutrina e prática a Confissão de Fé de Westminster. O credo apostólico resume os principais pontos da doutrina cristã Protestante.

Vejamos o que isto significa.

A Reforma iniciada por Lutero, Zuibglio e Calvino desde o início se

caracterizou por alguns preceitos teológicos sendo que o mais importante em todas

as esferas reformistas é justamente ter como regra de fé as Escrituras Sagradas e

claro está que a Bíblia comporta Antigo e Novo Testamentos.

A crença em Jesus Cristo está implícita no Novo Testamento onde a narrativa

de sua vida e de seus atos justifica o conceito dEle ser o filho de Deus.

O presbiterianismo incorpora o desenvolvimento profundo e articulado de

João Calvino um dos grandes reformadores. A interpretação bíblica deste teólogo

deu origem a uma grande obra sistemática denominada “Institutas”.

O seu conjunto de doutrinas inclui concepções específicas sobre culto, liturgia,

ministério, evangelização, e governo da igreja.

Vimos anteriormente que historicamente situações políticas e sociais geraram

diferenças, que influenciaram tanto calvinistas como luteranos, no desenvolvimento

doutrinário. Outro ponto importante é o governo presbiteriano.

Este termo foi adotado quando a Reforma atingiu a Escócia, Inglaterra e

Irlanda e tem a ver com a política praticada na época.

Os reis preferiam o sistema episcopal para poder manter sua influência

política sobre a igreja.

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120

Já os reformadores presbiterianos desejavam um sistema onde o governo da

igreja fosse mais democrático. Elaboraram o sistema sustentado por presbíteros

eleitos pela comunidade e reunidos em Concílios o que poderia ser mais autônomo

em relação aos governantes civis.

Esta prática já se faz presente na ICEASP que tem em seu quadro diáconos,

diaconisas e presbíteros. A distinção fica por conta de que não há exigência de

formação teológica rigorosa como nas igrejas presbiterianas com processo de

verificação teológica para se efetivar uma pessoa ao presbitério.

A confissão de Fé de Westminster foi elaborada por teólogos (121) na Abadia

de Westminster (Londres) em 1643 e a última elaborada durante o período da

Reforma. São tratados dos símbolos de fé das Igrejas de Origem Reformada

embasados na Palavra de Deus como Regra Única e Infalível de Fé e de Prática, um

pequeno sistema de teologia.

A confissão é fruto das discussões e erros que desafiavam os cristãos

reformados naquele momento. E que posteriormente foi aceita por todos os

presbitérios que se instalaram nas colônias Americanas em 1887 e aqui no Brasil na

organização do primeiro Sínodo em 1888. (KYLE, 2001, pg. 5-12)

Silas fala que Calvino também desenvolveu Confissões de Fé, mas que a

Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) adota oficialmente a Confissão de Westminster e

que para ele haveria a necessidade de preocupar-se em fazer uma Confissão de fé

própria para IPB. (SOUZA, 2005, pgs. 28-35)

Kyle diz que a Confissão de Fé na história das Igrejas Presbiterianas serve de

laço de união e estreita as relações entre os presbiterianos de todo o mundo.

Os catecismos especialmente têm servido para doutrinar a mocidade no

evangelho. (KYLE, 2001, pg. 8)

Terminemos dizendo que o Credo Apostólico é de caráter mais pessoal e foi

desenvolvido nos séculos quarto e quinto, produzido no concílio Ecumênico de

Nicéia, Constantinopla, Efeso e Calcedônia.

Desde que chegaram ao Brasil, os armênios evangélicos se orientam por este

credo e consta dos relatos que esta foi a declaração de fé dos quarenta armênios

que organizaram a primeira Igreja Evangélica Armênia em 1846.

Credo Apostólico:

“Creio em DEUS Pai, Todo-Poderoso, criador do céu e da terra; e em JESUS CRISTO, seu Filho Unigênito, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, foi crucificado, morto e sepultado, no terceiro dia ressurgiu dos mortos, subiu ao céu e está à direita de DEUS Pai, Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no ESPIRITO SANTO, na Santa Igreja universal, na comunhão

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121

dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do corpo e na vida eterna. Amém. (MOUMDJIAN, 1996, pg. 40)

4. SACRAMENTOS

Segundo a Confissão de Fé de Westminster, os sacramentos são selos para

representar Cristo e seu benefícios.

Como em todas as igrejas reformadas, são ordenados por Cristo dois

sacramentos: o Batismo e a Ceia do Senhor, pelo pastor legalmente ordenado.

O Batismo serve como selo do pacto da graça e é praticado na ICEASP por

aspersão. Segundo Mateus 28:19-20, deve continuar até o final do mundo.

A Santa Ceia é celebrada sempre no primeiro domingo do mês com dimensão

ritualística na distribuição do pão e do cálice, simbolizando o Corpo e o Sangue de

Cristo. Este sacramento era administrado somente em quatro ocasiões do ano mas

partir de 1956 passa a ser realizado mensalmente. (SAPSEZIAN, 2008, pg. 153)

Quanto a batizados, casamentos e enterros, constatamos que no início estes

atos pastorais eram realizados em língua armênia, posteriormente passaram a ser

realizados em armênio ou segundo o pedido da família e está em uso ainda hoje.

5. PROTESTANTISMO ARMÊNIO

Todas as classificações do protestantismo produzidas por autores latino

americanos fazem a distinção entre o protestantismo de missão e imigração. Para

eles, o protestantismo de imigração tem como principal característica transplantar

seu universo religioso originário para os locais onde se estabelecem.

Portadores acentuados pelas regras da etnia, e com teologia mais definida na

relação com suas fontes, passaram a ser reconhecidas como “étnicas.

(MENDONÇA, 1990, pgs. 24-25)

Wirth acha que os conceitos de “igrejas de transplante”, “igreja de imigração”

ou “étnica” não servem para expor todo o universo religioso e cultural de uma igreja,

ressaltando apenas o aspecto exterior como definidor do grupo. (1999, pgs. 69-70)

Apesar de a ICEASP ser protestante, a lingüística, a bagagem cultural, a

característica do urbanismo confere a ela a continuidade da sua experiência

religiosa transplantada literalmente das colônias de origem tornando-a um caso bem

particular de protestantismo de imigração.

Aliado a isto existe o fato de que no início do protestantismo armênio o vínculo

com a igreja oficial era muito grande, pois o nacionalismo armênio se confundia com

a história da Igreja Apostólica Armênia. Os protestantes defendem claramente em

todas as citações históricas que não se aliançaram com os missionários americanos.

No entanto, nas leituras dos livros históricos da Igreja Apostólica, todos são

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122

unânimes em afirmar a participação da Junta Missionária Americana junto aos

armênios classificando todas as suas ações de proselitistas.

Khazinedzian dá o seu parecer sobre este início:

“Podemos dizer inclusive que os primeiros armênios que seguiram as pregações dos evangelistas americanos não tiveram impressão, nem a intenção de deixar sua igreja de origem. Ainda hoje, os protestantes armênios são muito ligados a Igreja Armênia e consideram-se – para alguns- como fazendo parte dela” . (1979, pg. 73)

Outra característica entre os protestantes de imigração, são a forte tendência

ao isolacionismo e as grandes concentrações no meio rural brasileiro onde puderam

sedimentar a sua cultura.

A comunidade protestante armênia é mais particular por tratar-se de um grupo

urbano desde o início.

Para Wirth:

“O protestantismo de imigração é, por isso, um protestantismo étnico que tem na preservação da cultura e especialmente do idioma uma de suas características fundamentais. No plano institucional, aparece inicialmente vinculado a igrejas do país de origem”. (1999, pg. 71)

Pudemos observar que a igreja tem uma freqüência aumentada quando

realiza alguma comemoração. Nos demais dias a freqüência dos cultos dominicais

gira em torno de 30 pessoas o que corresponderia a aproximadamente trinta

famílias.

Isto se mostrou inquietante porque no folheto comemorativo da igreja datado

de 2007, há uma relação de aproximadamente 150 nomes de famílias armênias

cadastradas como protestantes.

Dna. Marlene afirmou que as trinta famílias são fiéis a igreja. Os demais

aparecem algumas vezes na igreja e outros mudaram para igrejas brasileiras.

Mendonça nos informa que o protestantismo de imigração quanto ao

crescimento, embora vegetativo, por ocorrer dentro da etnia, constituem exceção em

face das igrejas de origem missionária. O autor esclarece ainda que nas igrejas de

imigração como as luteranas, há uma tendência crescente para ajustamento à

cultura brasileira, e ao seu crescimento podendo incorporá-las no momento, ao

protestantismo de missão. (1990, pgs. 24-25)

As tradições teológicas rituais e litúrgicas estão presentes desde sua

implantação, porém o modelo eclesiológico nos parece não ter força suficiente para

fixar o armênio protestante na igreja, visto que pertence a um mundo globalizado.

Hall chama atenção para a separação entre espaço e lugar pois apesar de os

lugares permanecerem fixos, onde mantemos raízes, o espaço pode ser “cruzado”

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123

num piscar de olhos por outro fato que nos chame a atenção. Colocando de outra

forma:

“As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais. (HALL, 2006, pg. 73)

Mendonça acha que o protestantismo de imigração anda em direção a um

relacionamento mais unido à sociedade brasileira, se inserindo cada vez mais nas

lutas sociais levantando a seguinte questão:

[...] a hipótese de que maior integração de um seguimento religioso a um campo pode facilitar seu crescimento, ou ao menos manter seu volume relativo, ao passo que a menor integração pode inibir o crescimento ou até provocar tendência à diminuição. (1990, pg. 25)

Não nos foi possível verificar se o grupo, mesmo distante dos missionários

nas colônias armênias, não tenha assimilado formas de estruturação organizacional.

Os missionários partiram de várias colônias, mas em especial a Junta dos

missionários Americanos que chegaram na Armênia saíram de Massachusetts, local

do desenvolvimento presbiteriano naquele momento.

O fato é que a igreja, ainda que intuitivamente, se estruturou desde o início

com um conselho e com decisões do grupo, o que se assemelha ao conceito

presbiteriano.

Pela proximidade destas características organizacionais e teológicas também,

ingressaram com um pedido de incorporação da igreja na composição do grupo

presbiteriano de São Paulo. Isto se deu em 2007, e em resposta a nossa pergunta a

expectativa do Rev. Roy é que seja homologado o pedido em 2012, quando então a

igreja passará ao quadro de Igrejas Presbiterianas do Brasil.

Quanto ao questionamento sobre a característica étnica da igreja, o Rev. Roy

acha que não existirá incompatibilidade porque a IPB já tem no seu quadro, igrejas

étnicas (Chinesa, Coreana, Árabe).

Neste ano houve uma reunião da SAF (Sociedade Auxiliadora Feminina) no

salão social da igreja que é uma organização de trabalho feminino dentro da igreja

presbiteriana. Segue a mesma ordem hierárquica de governo da Igreja Presbiteriana

do Brasil com Conselhos, Presbitérios, Sínodos e Confederação Nacional.

Não nos parece que esta estrutura venha a ser aplicada no grupo de senhoras

da igreja por conta de suas particularidades culturais.

Nos arriscamos a dizer que conforme nossa análise, o protestantismo de

imigração marcou esta igreja e teve características muito particulares, mas foi

suplantando pelo protestantismo de missões. Este se sustentou em muitos lugares

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124

do Brasil, recebendo maior destaque, se espalhou e implantou mais igrejas,

destacando nesse grupo o protestantismo presbiteriano.

Arriscamos também a enumerar alguns fatores que podem esclarecer porque

foi solicitada a inclusão da igreja no grupo presbiteriano.

Primeiro fator foi a mentalidade educacional, fato que também se verificou na

Armênia quando da entrada de missões. Segundo fator foi a identificação da

organização da igreja com estrutura de diáconos, presbíteros, e a inclusão de

mulheres como ajudadoras. Terceiro fator foi a formalidade teológica e ritualista,

sendo governados e direcionados por um concílios, diferente do entusiasmo batista

ou metodista que também se fazem presentes no Brasil. Quarto fator é que a

comunidade étnica tem sofrido mudanças na preservação cultural no espaço urbano,

com o envelhecimento da maioria dos membros e o pouco interesse dos jovens;

sentimos que isto tenha influenciado a busca por uma entidade organizada e

constituída civilmente que mais se aproximasse das suas próprias características

originais e que no futuro possa dar continuidade a igreja.

Aliás, ouvimos muitas vezes sobre a importância de estar legalmente

instituídos.

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125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O protestantismo armênio considerado de imigração é bem particular.

Não sofreu a crise da política de nacionalização do governo brasileiro

diferentemente do protestantismo étnico alemão.

Após a Segunda Guerra Mundial, a manutenção da cultura germânica como

elemento definidor da identidade religiosa e a dependência da matriz alemã foram

rompidas e como conseqüência exerceram sua vocação para a expansão. (WIRTH,

2005, pg. 75)

O protestantismo armênio pôde por mais tempo usufruir da sua condição de

grupo étnico e redefinir os aspectos culturais e religioso na igreja. (BORGES

PEREIRA, 2005, pg. 106)

A ICEASP iniciou a trajetória religiosa e educacional na comunidade armênia

em São Paulo, recriando sua própria identidade. Nós diríamos que a colônia é

focada tanto na religião quanto nas suas raízes culturais porém como acontece com

grande número de colônias de imigrantes, parte das novas gerações percorre

caminhos diferentes.

Os membros ainda se mantêm “armênios” na essência do termo, porém o

esvaziamento é típico de redefinições identitarias por parte das gerações mais novas

e também pela adequação de adultos em comunidades que ofereçam mais

envolvimento as suas questões e mudanças.

Os espaços sociais se constituem em representações das lembranças, onde os

indivíduos se encontram com seu próprio passado e com o passado dos seus,

tornando este local permeado das vivenciais culturais.

Consideramos que até o presente momento é um protestantismo etnicizado.

O presbiterianismo sofreu mudanças e privilegiou a ideologia norte-americana

protestante do binômio evangelizar e civilizar. (MENDONÇA, 2005, pg. 52)

O trabalho missionário que aqui chegou também sofreu mudanças e, na medida

em que o trabalho e a liderança mudou e cresceu, houve também mudanças na

construção do referencial presbiteriano.

O conceito criado pelo professor Borges Pereira de uma religião universal

etnicizada ressalta melhor o protestantismo armênio pois o principal marcador

cultural dessa comunidade é a religião.

O autor complementa que o discurso de identidade étnica com o discurso de

identidade religiosa se tornam uma aspecto só; e não podem ser separados dentro

da comunidade. (BORGES PEREIRA, 2005, pg. 106)

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126

A incursão de ICEASP no grupo presbiteriano em similaridade aos coreanos e

chineses, merece estudos à parte por preservarem seus cultos segundo suas

tradições denominacionais. Para Mendonça o protestantismo no Brasil tem suas

encruzilhadas. (2005

, pg 53)

A comunidade protestante armênia está estagnada. Não há inclusão na

membresia e somado a este fato a pluralidade religiosa externa com o dinamismo de

teologias novas, ajuda no esvaziamento do grupo.

Os membros ainda se mantém “armênios” na essência do termo, porém a saída

de membros é típica de redefinições identitárias por parte das gerações mais novas

e também pela adequação de adultos em comunidades que ofereçam mais

envolvimento as suas questões e mudanças.

As igrejas tradicionais Apostólica e Católica mantém um relacionamento de

cordialidade entre elas, porém nos pareceu existir um ponto de tensão quanto ao

poder de influência do grupo majoritário.

Em relação as outras igrejas protestantes este relacionamento cordial também

se faz presente. E as confessionalidades cristãs do grupo armênio, estas não

apresentam conflitos entre si.

As redes solidárias que se formaram com o grupo de imigrantes armênios

quando chegaram ao Brasil, conseguiram ultrapassar as fronteiras da

confessionalidade e direcionar a convivência da comunidade.

O presente trabalho não esgota as possibilidades de pesquisa com esse grupo

pelo contrário abre espaço para aprofundamento dentro da ICEASP com o novo

rumo institucional.

Possibilita também a investigação dos outros ramos protestantes das igrejas:

Igreja Evangélica Filadélfia ou a Igreja Evangélica Irmãos Armênios.

Se quisermos retroceder podemos aprofundar a pesquisa em relação ao

movimento dos paulicianos e tondraquianos que alguns historiadores armênios

defendem como os iniciadores do protestantismo armênio.

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127

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ANEXOS

Entrevista realizada com Ver. Roy Abrahamian Entrevista – Outubro/2011 Igreja Central Evangélica Armenia Rev. Roy Abrahamian

1) Reverendo, o senhor nasceu na Armênia? Nasci em SP.

2) Como o senhor chegou a igreja evangélica? Há informação de que sua formação foi toda ela construída na Igreja Apostólica Armênia? Como se deu a mudança? Meu pai era evangélico e estudei no Mackenzie, que é presbiteriano. Comecei a freqüentar reuniões na capela presbiteriana do Mackenzie, onde passei a criar gosto pela leitura da Bíblia. Depois conheci minha atual esposa, que me levou a Igreja Central Evangélica Armênia de SP, onde me tornei membro e depois pastor.

3) A igreja realiza alguma obra atual na área social, por exemplo com viúvas, crianças ou idosos? Sim, a igreja tem uma diaconia e ajuda instituições e pessoas com cestas básicas e outros mantimentos.

4) A igreja presta algum tipo de apoio para o imigrante? Tanto para aquele que quer ingressar como para aqueles que já estão no Brasil e que apresentam alguma dificuldade? Sim, mas a ajuda é dada sempre pela diaconia após entrevista com o imigrante.

5) Minha pergunta é porque no início os armênios prestavam um tipo de ajuda aos novos armênios que aqui chegavam. Sei que o número de imigrantes hoje é bem menor mas existe isso por parte daqueles que são evangélicos ou hoje se restringe aos órgãos oficiais? Tanto a ICEASP, como as demais igrejas armênias e os órgãos oficiais prestam esse tipo de ajuda, por uma questão de solidariedade e identificação cultural.

6) A igreja batiza crianças? A partir de que idade? Por ser igreja presbiteriana, batizamos crianças, em qualquer idade.

7) Como a igreja recebe conversos que já são batizados em outras denominações? Nossa igreja não rebatiza, a não ser em casos excepcionais, dependendo da fé do candidato. O membro é recebido por transferência de outras igrejas. Se o membro não era evangélico, ele faz pública profissão de fé diante da congregação da igreja, mas, se já foi batizado, não precisa ser batizado de novo.

8) Existe algum trabalho evangelístico ou de estudos bíblicos para com a comunidade evangélica além da Escola Dominical? Sim, temos programações especiais desenvolvidas com este propósito, normalmente aos sábados.

9) A Escola Dominical me chama atenção pelo conteúdo que o senhor desenvolve através da análise transacional. Percebo que a escola é freqüentada por um publico reduzido e pelos mais velhos. O senhor acha que há eficácia nesse conteúdo para esse grupo? Qual o objetivo nesse caso?

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O curso de AT preenche uma necessidade específica da vida psicológica dos membros, e tem duração limitada. Os membros que estão freqüentando estão sendo beneficiados. Antes do curso, a freqüência era menor ainda.

10) A que o senhor atribui a falta de interesse dos membros mais jovens da igreja? A igreja evangélica armênia é colonial e tradicional, e enfrenta o desafio de viver em um meio cultural onde existe forte influência de valores pertencentes a outras culturas e tradições. A igreja evangélica armênia é uma das poucas igrejas evangélicas coloniais que ainda sobrevivem, ao lado das igrejas evangélicas chinesas, coreanas e árabe. Muitos filhos de armênios passam a casar-se com pessoas de outras culturas e absorvem suas tradições culturais, deixando de freqüentar o meio armênio. Isto é normal.

11) Ainda nessa linha de pensamento, a igreja evangélica tem como objetivo propagar o evangelho de Cristo, como a ICEA trabalha os afastados da igreja e que em 90% são armênios ou descendentes? Promovemos programações culturais, almoços e jantares com comidas típicas para atrairmos esta população específica, além de cartas com convites e com a divulgação de nosso trabalho.

12) Existe por exemplo um trabalho específico para agregar os jovens, ou a pluralidade religiosa já se instalou no meio evangélico armênio e muitos buscam outros caminhos? A pluralidade religiosa é uma realidade em nosso meio, e muitos têm buscado igrejas com outros valores e tradições culturais, especialmente as igrejas de cunho neopentecostal.

13) Existem mais duas igrejas evangélicas armênias (minha pesquisa). Esta diversidade atrapalha ou ajuda a ICEA? Em nosso caso, não atrapalha. Pelo contrário, mantemos bons laços de cooperação com estas entidades. Mas é necessário ressaltar que estas igrejas não seguem a linha presbiteriana.

14) Não me parece que a igreja evangélica agregue muitos membros além dos próprios armênios. Esta comunidade está envelhecendo qual a perspectiva que o senhor vê para um futuro próximo para a manutenção da ICEA? Claro que o futuro pertence a Deus, e este desafio não é só de nossa igreja, mas de todas as instituições de nossa comunidade. Procuro, como pastor, estimular os atuais casais a perpetuarem as tradições culturais de nossos antepassados e transmiti-las aos filhos. Procuro estimular os pais a ensinarem o armênio e a trazerem seus parentes para a nossa igreja. Mas também estimulo a comunhão com outras igrejas da nossa denominação (presbiteriana), pois vivemos no Brasil e amamos esta nação.

15) Na sua visão ela deixará de ser étnica? Creio que não, mas claro que, ao longo do tempo, aumentará o número de membros brasileiros, o que enriquecerá nossa vida espiritual.

16) Percebo que na liturgia e ritual da ICEA um ponto forte é a leitura em armênio para manter um dos traços da identidade armênia. Este pode ser um fator de complicação para a continuidade e sobrevivência da ICEA? A leitura em armênio e o resumo do sermão nesta língua são dois mecanismos pelos quais procuramos manter algo de nossa cultura. Mesmo aqueles que não entendem a língua apreciam isto, e entendo que este fator ajuda na manutenção de nossa comunidade.

17) Esse envelhecimento afeta também a parte administrativa? Ou seja, o jovem armênio evangélico hoje tem interesse em participar do quadro administrativo como presbítero da igreja? E como se dá esse processo? É necessário que tipo de formação para o ingressante?

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Hoje nós temos vários jovens em nossa diretoria administrativa. Não é necessária nenhuma formação específica, além da fé.

18) Lendo o livro do Rev. Sapsezian (Memória de um Brasarmenio) ele sugere que a participação das mulheres deveria ser mais ampla na igreja. Existe uma controvérsia grande em torno do trabalho episcopal feminino na maioria das igrejas históricas. Como o senhor analisa esta questão? Sou pastor presbiteriano, membro da IPB. Como tal, sigo as recomendações de minha denominação. As mulheres podem trabalhar como obreiras de nossa igreja, mas elas não são ordenadas para o presbiterato.

19) Hoje, como a ICEA realiza o apoio para com a igreja de Ferraz de Vasconcelos? Temos um convênio com a IPB e hoje a igreja de Ferraz de Vasconcelos é dirigida por esta denominação. Ajudamos materialmente esta igreja e o templo é de propriedade de nossa igreja.

20) Ela segue o mesmo ritual e características da igreja de São Paulo? Ela segue a mesma liturgia (presbiteriana), mas não há leitura em armênio.

21) No site oficial da igreja, nos é informado que a igreja esta ligada a AEUNA que me parece ter uma confissão de fé direcionada a todas as igrejas evangélicas armênias do mundo todo. O fato de no mesmo site haver a declaração de que a ICEA adota a confissão de Westminster muda a posição doutrinária da igreja armênia de São Paulo? A AEUNA segue a linha reformada, e a maioria das igrejas ligadas a ela é de linha congregacional e presbiteriana. Não há, portanto, choque de doutrinas. Além disso, a AEUNA é uma união fraternal de igrejas, sem cunho denominacional.

22) A ICEA está se filiando (ou já se filiou) a Igreja Presbiteriana Brasileira (IPB). O que pode mudar na linha doutrinária da igreja? A ICEA já segue a linha presbiteriana (isso está em nosso estatuto). Temos um convênio com a IPB e estamos concluindo os trâmites para a nossa filiação, o que deve ocorrer logo no início de 2012.

23) Não existem igrejas presbiterianas étnicas. A ICEA será a primeira ou vai se adequar aos princípios presbiterianos? Como será? Existem, sim, outras igrejas presbiterianas étnicas, como a chinesa, a coreana e a árabe. Mas seremos a primeira igreja étnica a fazer parte da IPB. A IPB reconhece as nossas particularidades culturais e religiosas, e respeita esta diversidade, que em nada altera a doutrina.

24) O boletim da IPB (2007) informa a avaliação da entrada da ICEA. Já é oficial? Nossa igreja se filiará oficialmente, se Deus permitir, no início de 2012, conforme o processo que temos iniciado com esta denominação há cerca de 5 anos. Atualmente temos convênio de cooperação, mas logo já seremos filiados.

25) A ICEA também participa da Agencia de Missões Armênia e a IPB também tem uma Agencia Presbiteriana de Missões Transculturais. Isto traz algum conflito de participação? Me parece que o direcionamento e o alcance das duas são diferentes. A igreja se prepara para as duas filiações? Não haverá nenhum conflito quanto a este assunto. A IPB já se prontificou a nos ajudar em nosso trabalho missionário na Armênia. A AMAA ( Associação Missionária Armênia da América) é financiada e dirigida principalmente por membros ligados a igrejas presbiterianas e congregacionais dos EUA.

26) Como a igreja evangélica interpreta o Genocídio Armênio? O Genocídio Armênio é um fato trágico de nossa história, e não apenas de nossa história, mas da humanidade. Lamentavelmente, ele ainda não foi reconhecido, por falta de apoio de alguns países, que, por motivos políticos,

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ainda não reconheceram esta barbárie. Mas cremos na justiça de Deus e sabemos que Ele tem um propósito soberano em todas as coisas.

27) Como o terror da história com tantos mortos armênios pode ser tolerada? Esta barbárie causa indignação a todos que respeitam a vida humana. Como membros de nossa comunidade armênia, participamos sempre das comemorações do 24 de abril, onde protestamos, de forma civilizada e pacífica, contra esta injustiça praticada contra nosso povo. Ansiamos pelo reconhecimento do genocídio.

28) Existe uma teodicéia armênia? Não creio que haja uma teodicéia especificamente armênia, mas a nossa trágica história impregna nossos livros devocionais e religiosos do sentimento de dor causada pelo genocídio.

29) É possível repensar o mal na nova situação secular e não reivindicar justiça política (reconhecimento do genocídio pelos Turcos) e não reivindicar justiça divina diante de tanto sofrimento sofrido (causado pelos Turcos) visto que o amor deveria ser o cartão de apresentação do evangélico? Esta é uma excelente pergunta. O amor é o distintivo do cristão, e , assim, amamos os turcos e desejamos que eles sejam recipientes de todas as ricas bênçãos de Deus. São seres humanos dignos do amor de Deus. Respeitamos a inteligência e os ricos valores históricos e culturais deste povo a quem amamos sinceramente. Admiramos as reformas históricas, sociais e culturais promovidas pelo governo turco, que trouxeram grande desenvolvimento a este povo. Mas entendemos que a política adotada pelo governo turco e de alguns outros países de não reconhecimento do genocídio é injusta e, como toda injustiça, desperta em nós, armênios, o sentimento de indignação. Creio que toda humanidade torna-se alvo da violência quando um ato bárbaro praticado por quem quer que seja deixa de ser reconhecido e punido. Portanto, como cristãos, continuaremos protestando contra a injustiça e clamando para que Deus nos conceda misericórdia, e que este tipo de barbárie jamais seja repetido na história. Mas desejamos, ao mesmo tempo, como cristãos, que a população turca seja ricamente abençoada pelo Deus de amor a quem nós adoramos.

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Figuras 1 – Fases da Construção da ICEASP

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Figura 2: Fases da Construção da ICEASP

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Figura 3: Primeiro Culto realizado em 1955

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Figura 4: Coral da Igreja

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Figura 5: Apresentação no Teatro Municipal

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Figura 6: Atas da Igreja

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Figura 7: Lateral da Igreja Armênia Atual

Figura 8: Destaque do Khatchkar da Igreja Armênia Atual

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Fiigura 9: Imagens de khatchkars em homenagem aos desaparecidos no Genocídio

Figura 10: Imagem do Khatchkar dentro da Estação Armênia do Metrô de São Paulo.

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Figura 11: Imagens do interior da ICEASP

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Figura 12: Igreja Armênia Atual (1)

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Figura 13: Igreja Armênia Atual (2)

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Figura 14: Igreja Armênia Atual (3)

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Figura 15: Igreja Armênia Atual (4)

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Figura 16: Boletim informativo de um dos cultos da ICEASP

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Figura 17: Boletim informativo de um dos cultos da ICEASP(2)

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Figura 18: Igreja Armênia de Ferraz de Vasconcelos

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Figura 19: Rev. Roy orando na rememoração do Genocídio Armênio em 2011.

Figura 20: Representantes das Igrejas Armênias na rememoração do Genocídio Armênio em 2011

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Figura 21: Monumento em homenagem aos mártires do Genocídio Armênio (2011)