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Iluminismo e absolutismo no modelo jurídico-penal de Cesare Beccaria Arno Dal Ri Júnior * Alexander de Castro ** Sumário: Introdução; 1. Iluminismo e absolutismo: o reformismo habsbúrgico na Lombardia da metade do século XVIII; 2. Um projeto de Direito Penal para o absolutismo esclarecido: o utilitarismo em Dei Delitti e delle Pene. Conclusão. Referências. * Doutor em Direito pela Università Luigi Bocconi de Milão, com Pós-doutorado pela Université Paris I (Panthéon-Sorbonne). Mestre em Direito pela Università degli studi di Padova. Professor nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. ** Mestre em Direito pelo Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC (CPGD/UFSC). Professor de Direito Penal da Universidade Federal de Santa Catarina e de Filosofia do Direito do Cesusc-São José. Resumo: Cesare Beccaria, tido como o autor que, elaborando um sistema de direito penal com base em princípios iluministas, criou as bases do moderno direito penal de cunho liberal, possuía, entretanto, vínculos muito profundos com o absolutismo aus- tríaco. Assim, no presente trabalho, analisaremos alguns pontos da tessitura política em que Beccaria produziu a obra Dei Delitti e delle Pene, procurando aprofundar a compreensão sobre o modo como o Iluminismo, no contexto de formação do absolutis- mo habsbúrgico, funcionaria na elaboração do mode- lo jurídico-penal do jurista italiano. Palavras-chave : Beccaria; Direito Penal; Iluminismo; Absolutismo Esclarecido. Abstract: Cesare Beccaria, known as the author who, elaborating a system of criminal law based on illuminists principles, has created the bases of the modern liberal criminal law, had, however, very deep bonds with the Austrian absolutism. Thus, in the present paper, we will analyze some points of the politic structure where Beccaria produced his work Dei Delitti e delle Pene, seeking to exa- mine the understanding about the way Illuminism, in the context of the Habsburg absolutism’s formation, would operate in the elaboration of the Italian jurist’s legal criminal model. Keywords: Beccaria; Criminal Law; Illuminism; Enlightened Absolutism. Introdução O nome de Cesare Beccaria figura entre aqueles autores tidos como clássicos den- tro da história do direito. Sua importância deve-se ao fato de ser ele considerado o principal marco da inserção das idéias e dos princípios da filosofia do Iluminismo no âmbito do saber jurídico-penal, o que permite colocá-lo entre os pioneiros da cons-

Iluminismo e Absolutismo no modelo jurídico-penla de Cesare Beccaria

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Cesare Beccaria, tido como o autor que,elaborando um sistema de direito penal com base emprincípios iluministas, criou as bases do modernodireito penal de cunho liberal, possuía, entretanto,vínculos muito profundos com o absolutismo austríaco.Assim, no presente trabalho, analisaremosalguns pontos da tessitura política em que Beccariaproduziu a obra Dei Delitti e delle Pene, procurandoaprofundar a compreensão sobre o modo como oIluminismo, no contexto de formação do absolutismohabsbúrgico, funcionaria na elaboração do modelojurídico-penal do jurista italiano.

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  • Iluminismo e absolutismo no modelo jurdico-penal deCesare Beccaria

    Arno Dal Ri Jnior*Alexander de Castro**

    Sumrio: Introduo; 1. Iluminismo e absolutismo: o reformismo habsbrgico na Lombardiada metade do sculo XVIII; 2. Um projeto de Direito Penal para o absolutismo esclarecido: outilitarismo em Dei Delitti e delle Pene. Concluso. Referncias.

    * Doutor em Direito pela Universit Luigi Bocconi de Milo, com Ps-doutorado pela UniversitParis I (Panthon-Sorbonne). Mestre em Direito pela Universit degli studi di Padova. Professor noscursos de Graduao e Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.** Mestre em Direito pelo Curso de Ps-Graduao em Direito da UFSC (CPGD/UFSC). Professorde Direito Penal da Universidade Federal de Santa Catarina e de Filosofia do Direito do Cesusc-SoJos.

    Resumo: Cesare Beccaria, tido como o autor que,elaborando um sistema de direito penal com base emprincpios iluministas, criou as bases do modernodireito penal de cunho liberal, possua, entretanto,vnculos muito profundos com o absolutismo aus-traco. Assim, no presente trabalho, analisaremosalguns pontos da tessitura poltica em que Beccariaproduziu a obra Dei Delitti e delle Pene, procurandoaprofundar a compreenso sobre o modo como oIluminismo, no contexto de formao do absolutis-mo habsbrgico, funcionaria na elaborao do mode-lo jurdico-penal do jurista italiano.

    Palavras-chave: Beccaria; Direito Penal;Iluminismo; Absolutismo Esclarecido.

    Abstract: Cesare Beccaria, known as the authorwho, elaborating a system of criminal law basedon illuminists principles, has created the bases ofthe modern liberal criminal law, had, however, verydeep bonds with the Austrian absolutism. Thus,in the present paper, we will analyze some pointsof the politic structure where Beccaria producedhis work Dei Delitti e delle Pene, seeking to exa-mine the understanding about the way Illuminism,in the context of the Habsburg absolutismsformation, would operate in the elaboration ofthe Italian jurists legal criminal model.

    Keywords: Beccaria; Criminal Law; Illuminism;Enlightened Absolutism.

    Introduo

    O nome de Cesare Beccaria figura entre aqueles autores tidos como clssicos den-tro da histria do direito. Sua importncia deve-se ao fato de ser ele considerado oprincipal marco da insero das idias e dos princpios da filosofia do Iluminismo nombito do saber jurdico-penal, o que permite coloc-lo entre os pioneiros da cons-

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    truo da modernidade jurdica. De tal forma, a imagem um tanto estereotipada eimprecisa que geralmente compe as concepes mais apressadas da Ilustrao dosculo XVIII acaba muitas vezes contaminando a interpretao de sua obra e des-viando a ateno dos estudiosos do direito penal para aspectos que dizem respeitomuito mais glorificadora auto-imagem que de si faz a modernidade do que squestes nas quais o jurista italiano efetivamente encontrava-se envolvido. Conse-qentemente, quando dele se fala nos tradicionais manuais de direito penal tem-seem conta, normalmente, seu papel de corajoso defensor da humanidade, que teriacontribudo para limpar a Europa do banho de sangue no qual estaria imersa,colocando assim a represso penal em conformidade com aqueles princpios filos-ficos materializados na Revoluo Francesa.

    Por outro lado, a literatura de teor crtico sobre direito penal procurou muitasvezes enxergar em Beccaria e em seus vnculos com o liberalismo que ento seafirmava (vnculos que freqentemente so exagerados na bibliografia especializa-da) a tranqila defesa de um modelo que, do cume das estruturas polticas do Esta-do liberal at ao brao da represso penal, garantiria, sem mais, o moderno domnioburgus sobre o conjunto da sociedade. Beccaria , assim, glorificado ou critica-do por posicionamentos polticos que, muito embora possussem conexes com seucontexto, no diziam respeito ao cerne dos embates polticos com que se confronta-va em sua patriciesca Milo da dcada de 60 do sculo XVIII, em que a possibilida-de da ascenso de uma pura hegemonia burguesa no era sequer sonhada. De talmaneira, a anlise do papel e da importncia de Beccaria para uma das etapas daformao do direito penal moderno, para que possa auxiliar em uma maior compre-enso do fenmeno jurdico-penal e informar de maneira mais certeira seu viscrtico, deve afiar as lminas com as quais corta os complexos histricos e voltar-separa a teia das formaes sociais na qual nosso autor se encontrava.

    Cesare Beccaria escreve Dei Delitti e delle Pene entre o final de 1763 e oincio de 1764, publicando-a nos primeiros meses desse ano. Beccaria residia emMilo, o centro da Lombardia, regio que desde a guerra da sucesso espanholafazia parte dos domnios da monarquia austraca. O jovem marqus contava entoapenas 26 anos e fazia parte de um grupo de jovens intelectuais que lia entusias-ticamente os autores do Iluminismo francs e que, escrevendo a partir de suasidias, fixaria definitivamente a filosofia iluminista na Lombardia austraca. Aomesmo tempo, a coroa austraca, em meio a seu projeto poltico autocrtico,implementava em seus domnios um potente programa de reformas que tendia racionalizao da administrao e maximizao da eficincia administrativa, eque, na medida em que se chocava frontalmente com interesses nobilirquicos,acabaria exercendo na Lombardia um papel modernizador. O progressivo suces-

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    so de tal projeto, aliado ausncia de quaisquer outras tendncias suficientemen-te fortes que elaborassem as presses por mudanas sob formas mais ousadas(como no caso da Inglaterra do sculo XVII), canalizou os interesses progressis-tas mais conseqentes em favor do projeto do absolutismo austraco. O Iluminismolombardo no seria exceo.

    Na Alemanha e em especial na Prssia, a filosofia do Iluminismo nasce e sedesenvolve muito prxima ao absolutismo e reflexo pr-absolutista. Na Fran-a, diferentemente, o Iluminismo teve sempre uma relao ambivalente com oabsolutismo, que em parte foi causada pela prpria indisposio da coroa france-sa em implementar um programa de reformas que atacasse decisivamente ospoderes estamentais e que ao mesmo tempo incorporasse as tendnciasmodernizadoras que provinham de determinados setores da sociedade. Esta rela-o ambivalente do Iluminismo francs com o absolutismo aparece nas pginasde alguns dos grandes autores da Frana das dcadas de 50, 60 e 70 do sculoXVIII, onde o flerte com o absolutismo, baseado na esperana de que a coroapudesse vir a aprofundar seu papel modernizador, atacando com mais firmeza opoder nobilirquico e realizando as reformas desejadas, tal como acontecia naPrssia com Frederico II, dividia espao com os ecos das idias liberais da Ingla-terra que, nas penas dos iluministas franceses, davam origem a concepes pol-ticas de orientao republicana e, por vezes, at democrtica. O Iluminismolombardo desenvolve-se tendo como referncia e inspirao os autores france-ses, mas na construo de seu Iluminismo os intelectuais da Lombardia confron-tavam-se com uma situao poltica e social consideravelmente diferente da fran-cesa. O fato de a coroa austraca ter incorporado em seu projeto absolutista umprograma de reformas que romperia o poder patrcio, fomentaria o desenvolvi-mento econmico e modernizaria as instituies fez com que as tendncias pr-absolutistas do Iluminismo lombardo, que estavam presentes j em suas matrizesfrancesas, se desenvolvessem com toda fora.

    Nos escritos dos autores iluministas despontava com relativa importncia achamada questo penal1 como um captulo dentro da construo terica do Estadomoderno. A obra Dei Delitti e delle Pene foi certamente a mais significativa dentreas que, no seio da Filosofia das Luzes, ocuparam-se com o direito penal e viria amarcar, assim, boa parte do debate sobre o tema. Na poca de sua publicao, a

    1 Forse in nessun periodo come nella seconda met del XVIII secolo stato intensamente dibattutoil problema penale. Per problema penale si intende un complesso di problemi tra loro conessi, di cui difficile presentare una lista completa (TARELLO, Giovanni. Il problema penale nel secoloXVIII. In: TARELLO, Giovanni (org.). Materiali per una Storia della Cultura Giuridica. Vol. V.Genova: Il Mulino, 1975, p. 15).

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    dinastia habsbrgica preparava-se, depois de uma breve interrupo, para aprofundardecisivamente sua poltica de reformas na Lombardia, uma poltica que, ao fim dogoverno de Jos II, criaria ali outro mundo. Escrita na juventude do filsofo, numperodo em que o grupo dos jovens iluministas de Milo reunido na chamada Societdei Pugni lutava para afirmar-se no cenrio poltico, inserindo-se, com seu peridi-co Il Caff, nos debates pblicos mais importantes da poca, ao mesmo tempo emque se encantava com os novos horizontes trazidos pelo reformismo habsbrgico,Dei Delitti e delle Pene retrataria com profundidade os planos e as esperanas queorientaram a formao do Iluminismo na Lombardia. O projeto de sistema penalelaborado por Beccaria pode revelar muito sobre como a empreitada poltica doabsolutismo tardio do sculo XVIII era vista pelo Iluminismo, sobre quais eram osdesafios que a formao desse absolutismo teria de enfrentar e, principalmente,sobre o papel do direito penal na dinmica institucional do sculo XVIII. Alm detudo isso, Dei Delitti e delle Pene marcou a insero do Iluminismo lombardo nomapa da cultura ilustrada da Europa do sculo XVIII, fazendo com que o continentevoltasse um pouco de sua ateno para o que escreviam os jovens patrcios deMilo.

    No presente artigo tentaremos analisar alguns pontos dentro da tessitura pol-tica da Lombardia de meados do sculo XVIII que consideramos mais relevantespara os propsitos da pesquisa e, a partir deles, tentaremos aprofundar a compreen-so do significado mais geral do modelo jurdico-penal elaborado por Beccaria emDei Delitti e delle Pene.

    1 Iluminismo e absolutismo: o reformismo habsbrgico naLombardia da metade do sculo XVIII

    O Iluminismo do sculo XVIII apresentado geralmente como a filosofia quepreparou a Revoluo Francesa e a tomada do poder pela burguesia. De tal forma,teria um estreito vnculo com o Liberalismo e estaria, por princpio, oposto ao abso-lutismo monrquico. No obstante a evidncia dos vnculos entre a filosofia doIluminismo e a Revoluo Francesa e, portanto, entre o discurso iluminista e o dis-curso do liberalismo, este esquema est longe de constituir um modelo de interpre-tao vlido universalmente. E se mesmo na Frana, onde o especfico desenvolvi-mento econmico e institucional pde colocar Liberalismo e Iluminismo lado a lado,as relaes entre o absolutismo e o discurso iluminista apresentam sinuosidades aolongo do desenvolvimento de todo o processo, muito mais complexa a relao daFilosofia das Luzes e de seus portadores com os monarcas absolutistas nos Estados

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    onde o atraso econmico e institucional tornava anacrnica a recepo das idiasliberais2.

    O discurso iluminista do sculo XVIII tem como marca principal a defesa dacausa da emancipao humana pelo uso da razo. A frmula clebre de Kant sapereaude (ousai saber), o apelo autonomia do sujeito a partir das suas potencialidadesracionais e o uso da cincia na dissoluo da imagem mstica e encantada do mundoso o que melhor caracteriza o pensamento das Luzes. No plano poltico, a reivindi-cao da emancipao pela razo fez com que o Iluminismo ganhasse uma tonali-dade fortemente crtica que, em suas formas extremadas, assumiu um cartercontestatrio consideravelmente subversivo em relao aos poderes constitudos. Equanto mais nos aproximamos dos grandes centros econmicos europeus, onde aspresses dos interessados em uma economia racional de mercado se confrontavamde forma cada vez mais irresolvel com instituies burocrticas arcaicas, maioreseram os radicalismos conseqentes do Iluminismo em seu combate contra o AntigoRegime. Ao contrrio, onde o quadro poltico-social no se caracterizava por umatenso to acirrada colocada sobre estas bases, a presso por mudanas institucionaispde tomar o caminho de uma conciliao de interesses e se transformar em ummoderado discurso reformista.

    De outro lado, tal discurso reformista teve seus caminhos facilitados na medi-da em que a reforma institucional era, para os Estados economicamente perifricosda Europa da metade do sculo XVIII, como Prssia, ustria e Portugal, uma ne-cessidade impostergvel. Assim, paralelo quele discurso reformista de origem filo-sfica, houve uma tendncia racionalizao instrumental das instituies adminis-trativas que se guiava exclusivamente por consideraes pragmticas. Ambas aspresses por racionalizao caminharam para uma confluncia e o discurso filos-fico reformador do Iluminismo se conciliou com as pretenses de monarcas absolu-tistas no sentido de uma centralizao e modernizao funcional no plano poltico-institucional. Essa progressiva fuso dessas duas tendncias que apontavam para aracionalizao nos permite falar na formao de um absolutismo esclarecido nestesEstados europeus3.

    2 ASTUTI, Guido. O Absolutismo Esclarecido em Itlia e o Estado de Polcia. Trad. Antnio ManuelHespanha. In: HESPANHA, Antnio Manuel (org.). Poder e Instituies na Europa do AntigoRegime. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984, p. 254. Na obra mencionada, Astuti analisa as relaesentre Iluminismo e absolutismo no caso italiano, dentro do contexto do Estado de Polcia. Nessa obraele percebe bem que a afinidade entre Iluminismo e liberalismo no inflexvel e deve necessariamenteser revista em determinadas circunstncias. Achamos, entretanto, muito problemticos alguns de seusposicionamentos.3 VALSECCHI, F. Lassolutismo illuminato in Europa. Lopera riformatrice di Maria Teresa edi Giuseppe II. Milano: Cooperativa Editoriale Universitaria Milanese, 1951-1952.

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    Na Frana, o absolutismo monrquico encontra-se consolidado j na segundametade do sculo XVII, em um processo iniciado com o governo de Richelieu erelativamente estabilizado com Luis XIV. Este absolutismo no implicava a elimina-o completa do conjunto dos poderes intermedirios da nobreza que inclusive cons-tituiriam, no sculo seguinte, um dos pilares da teoria poltica de Montesquieu4. Maso desenvolvimento econmico conseguido pela Frana com o comrcio e com asmanufaturas gerava os recursos necessrios para que se sustentasse o exrcito e aestrutura administrativa da coroa e possibilitava que o Estado francs se estabele-cesse como potncia dentro do cenrio poltico internacional, mesmo sem alcanarum grau maior de centralizao administrativa. De tal forma, a eliminao destespoderes intermedirios, embora fosse um desejo contnuo da coroa, no era, entre-tanto, uma necessidade to proeminente. O discurso iluminista francs no deixarade fazer crticas ao poder poltico da nobreza, mas a insensibilidade ou inaptido dacoroa francesa para atender a determinadas demandas e a existncia de uma altaburguesia com poder poltico e social, somadas ao exemplo da Inglaterra, de ondevinha boa parte dos modelos filosficos dos intelectuais franceses, fez com que oIluminismo francs fosse perdendo a sua f no absolutismo e comeasse a cami-nhar em direo a valores liberais que preparariam a Revoluo de 17895.

    Em Portugal, na Prssia e na ustria, ao contrrio, onde a situao econmi-ca era muito mais incmoda, os monarcas sentiram a necessidade, em meados dosculo XVIII, de impor sociedade a disciplina social necessria promoo deuma poltica de potncia, o que evidentemente implicava o incentivo e mesmo oimpulso a atividades econmicas internas de onde se retirariam recursos para aorganizao da burocracia centralizada e do exrcito profissional permanente. NaPrssia, o absolutismo comea a chegar ao auge apenas entre os anos 30 e 40 dosculo XVIII, e na ustria e em Portugal, apenas em meados da segunda metadedo sculo XVIII, com certo atraso, portanto, em relao a Frana e, sobretudo nosltimos dois casos, em concomitncia recepo das idias do Iluminismo. Estacircunstncia parece ter imposto um significado diverso ao absolutismo e suarelao com a Filosofia das Luzes.

    A eliminao do conjunto dos poderes intermedirios autnomos em favor daconstruo de meios administrativos que possibilitassem ao monarca a consecuodas suas tarefas de reforma e modernizao ser desejada por ele e por todos os

    4 Vale ressaltar que os poderes intermedirios do Antigo Regime no se resumem, evidentemente, aospoderes senhoriais nobilirquicos. Sobre isso, ver: OESTREICH, G. Problemas Estruturais do Abso-lutismo Europeu. Trad. Antnio Manuel Hespanha. In: HESPANHA, Antnio Manuel (org.). Podere Instituies na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984, p. 187.5 ASTUTI, Guido. op. cit. pp. 260-1. Astuti enxerga bem a ausncia de uma poltica reformadora naFrana e sua relao com a Revoluo, mas falha, em nossa opinio, ao determinar suas causas.

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    interessados no desenvolvimento das atividades econmicas6. Assim, a racionaliza-o da administrao pblica e o bem-estar social produzido por este processo (iden-tificado geralmente com a produo de bens materiais) permitiro ao discursoiluminista se conciliar com esta demanda que vem do trono, mas tambm de setoressociais politicamente inferiores do Antigo Regime. As esperanas de burgueses esetores intelectuais relativas implementao de reformas acabam recaindo sobrea figura do prncipe e este, por sua vez, comea a perceber nesse apoio uma baseimportante para a consolidao e extenso de seu domnio no plano interno (dissol-vendo os poderes intermedirios que o obstaculizavam), bem como para o desen-volvimento de reformas destinadas a promover o fortalecimento institucional doEstado com relao a seus concorrentes externos. Neste contexto, o prncipe devequase que necessariamente aparecer como o sujeito das reformas institucionais aquem incumbe reorganizar a sociedade de forma racional, orientando-a para a con-secuo do bem-estar dos sditos7. precisamente assim que a literatura polticacomea a encar-lo. Nessa conciliao entre Iluminismo e absolutismo, os ideaisliberais que tanta afinidade tinham com o discurso iluminista da autonomia individualfundada na racionalidade acabam por ficar em segundo plano.

    este conjunto de fenmenos que vemos desenhando-se na Lombardia no exatoperodo em que Beccaria travava seus primeiros contatos com a literatura francesaque o levaria a escrever Dei Delitti e delle Pene. A tarefa de modernizaoinstitucional comeou a ser executada pelo absolutismo austraco depois da guer-ra de sucesso austraca, j no reinado de Maria Teresa, graas ao impacto daquesto da disputa pela Silsia8. A Lombardia, que era possesso da ustriadesde a guerra de sucesso espanhola, comearia a passar, a partir de ento, porum programa de reformas. A primeira etapa do reformismo lombardo transcorreuentre 1749 e 1760 e foi levada a cabo, inicialmente, por Gian Luca Pallavicini e,depois, por Beltrame Cristiani e Pompeo Neri9. Essa etapa se encerraria, entretan-to, no ano de 1757, com a partida de Neri para a Toscana. Com as atenes de Vienaconcentradas na Guerra dos Sete Anos (1756-63), o empenho reformador na

    6 FRIGO, Daniela. Principe, Giudici, Giustizia: Mutamenti Dottrinali e Vicende Istituzionali fra Seie Settecento. In: COLAO, F.; BERLINGER, L. (orgs.). Iluminismo e Dottrine Penali. Milano:Giuffr, 1990, p. 18.7 FRIGO, Daniela. op. cit., p. 20.8 A forma como os mtodos administrativos do absolutismo prussiano foram construdos no mbitoda reflexo cameralstica e, em especial, da cincia de polcia causaram profundas impresses nogoverno austraco de Maria Teresa quando aplicados na Silsia, regio que foi alvo de disputas entrePrssia e ustria ao longo do sculo XVIII. Ver: SCHIERA, Pierangelo. Dallarte di governo allescienze dello Stato: Il cameralismo e lassolutismo tedesco. Milano: Giuffr, 1968, p. 228.9 WOOLF, Stuart J.; CARACCIOLO, Alberto; BADALONI, Nicola; VENTURI, Franco. StoriadItalia. Vol. 3. Dal primo Settecento allUnit. Torino: Einaudi, 1978, p. 85-6.

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    Lombardia sofrer uma interrupo. A segunda fase do reformismo lombardo co-mea em 1760, depois da chegada, no ano anterior, do conde Carlo di Firmian,novo plenipotencirio dos Habsburgs.

    Quando, a partir de 1763, Carlo di Firmian e Kaunitz resolveram, por fim,acelerar o reformismo habsbrgico na Lombardia, reanimando-o do abalo sofridopela Guerra dos Sete Anos e pela contra-ofensiva patrcia e eclesistica que mar-cou seu perodo de adormecimento, Milo j contava com um novo crculo de inte-lectuais que se candidatava ao protagonismo cultural dos prximos anos. Esse novogrupo de intelectuais reunia-se em torno de Pietro Verri e era composto por jovens,quase todos patrcios, dentre os quais podemos lembrar Alessandro Verri (irmo dePietro), Alfonso Longo, Giambattista Biffi, Pietro Secco Comneno, Giuseppe Visconti,Sebastiano Franci, Luigi Lambertenghi e Paolo Frisi. nesse grupo que se encontratambm Cesare Beccaria. Sob a liderana de Pietro Verri, esses jovens formaram achamada Societ dei Pugni, associao destinada ao livre pensamento e livrediscusso, sem estatuto ou programa definido, e voltada a combater o atraso e oimobilismo da sociedade10. O novo grupo de jovens intelectuais inspirava-se entusi-asticamente nas idias do Iluminismo francs e assim, acompanhando o espritodessa filosofia, reivindicava reformas que modernizassem a sociedade, que rom-pessem com as estruturas tradicionais que impediam o progresso e que reorgani-zassem, por fim, o conjunto social segundo os parmetros da razo11.

    Nos anos 60 do sculo XVIII temos na Lombardia austraca, portanto, ainsurgncia de duas tendncias reformadoras que buscavam a racionalizao dasinstituies e da sociedade. A primeira partia da dinastia da ustria, a casa deHabsburg, e era representada em Milo por Carlo di Firmian. O contexto de nasci-mento do reformismo austraco, produto da inspirao do modelo prussiano baseadona Polizeiwissenschaft (Cincia da Polcia), permite ver claramente os objetivosque visava. A racionalizao social e institucional deveria servir, sobretudo, ao for-talecimento do poder real, consolidao do absolutismo e ao acmulo de forasque garantissem uma posio vantajosa em relao aos conflitos externos. Por ou-tro lado, na vizinha Frana, a dcada de 1750 tinha consolidado de uma vez portodas a nova Filosofia das Luzes. Podemos dizer, destarte, que ela marca definitiva-mente a ascenso dos philosophes na Frana. Teramos, ento, um novo gruposocial cada vez mais influente, que acreditava poder reavaliar todas as crenas econdies da vida humana a partir da razo, removendo o que atrapalhava a realiza-

    10 CONSOLI, Domenico. Dallarcadia allilluminismo. Bologna: Cappelli, 1972, p. 126.11 WOOLF, Stuart J.; CARACCIOLO, Alberto; BADALONI, Nicola; VENTURI, Franco. op. cit., p.86-7.

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    o das potencialidades humanas e promovendo o progresso. A fora das idiasfrancesas garantiria sua difuso para toda a Europa e na dcada de 1760 elas j sefaziam presentes em grande parte do continente. A instaurao definitiva da Filoso-fia das Luzes na Lombardia, com o grupo de jovens filsofos da Societ dei Pugni,traria consigo outra tendncia que, ao lado da que partia da dinastia austraca, apon-taria para as reformas sociais e para a racionalizao.

    Desde o incio, duas caractersticas marcam os escritos dos filsofos da Societdei Pugni: uma grande ateno dedicada s questes econmicas e uma aguerridapostura antinobilirquica12. Ambas as questes articulam-se, conforme veremos, noproblema maior do reformismo habsbrgico em Milo. Em princpio, as idias eco-nmicas dos filsofos da Societ dei Pugni favoreciam os setores produtores emer-gentes, como o dos proprietrios de terras que tentavam aproveit-las utilizandomtodos modernos voltados produo para o mercado e o dos empreendedores,que naquela mesma poca j haviam instalado as primeiras manufaturas daLombardia. Inspirando-se na literatura iluminista fisiocrtica, que na dcada de 1760j havia alcanado enorme popularidade, eles reivindicariam a eliminao dos vn-culos feudais sobre a terra, os quais impediam seu uso econmico mais racional eeficiente, a eliminao das corporaes que impediam a existncia do livre-merca-do, o aperfeioamento do sistema fiscal e administrativo em geral, e a eliminao daproibio de exerccio do comrcio para os nobres13. Como visto, a questo econ-mica era tambm importantssima para a poltica de fortalecimento do poder real. Abvia relao entre a situao financeira de um Estado e sua condio na polticainternacional faria com que a monarquia austraca buscasse por todas as formasaumentar suas fontes de renda. A dinamizao da economia, portanto, deveria ne-cessariamente integrar a poltica de fortalecimento do poder monrquico, pois per-

    12 Antes do incio da publicao de Il Caff o grupo da Societ dei Pugni j havia debutado no mundodas letras intervindo na questo da moeda de Milo. A interveno se deu com Beccaria, atravs daseguinte obra: BECCARIA, Cesare. Del disordine e de rimedi delle monete nello Stato di Milano. In:BECCARIA, Cesare. Opere. A cura di Sergio Romagnoli. Firenze: Sansoni, 1958. Na seqnciadesenvolveu-se um acalorado debate, colocando a Societ dei Pugni contra o marqus Carpani. CAPRA,Carlo. I progressi della ragione. Vita di Pietro Verri. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 184-6. Depois dasintervenes nessa discusso, os temas econmicos reapareceriam em inmeras outras obras. Ver, attulo de exemplo, as seguintes obras dos iluministas lombardos: BECCARIA, Cesare. Elementi diEconomia Publica. In: BECCARIA, Cesare. Opere. A cura di Sergio Romagnoli. Firenze: Sansoni,1958.; CARLI, Gianrinaldo. Del libero commercio de grani. In: VENTURI, Franco. Illuministi Italiani.Tomo III. Riformatori Lombardi, Piemontesi e Toscani. Milano: Riccardo Riccardi; LONGO,Alfonso. Istituzioni Economico Politiche. In: VENTURI, Franco. Illuministi Italiani. Tomo III.Riformatori Lombardi, Piemontesi e Toscani. Milano: Riccardo Riccardi; VERRI, Pietro.Considerazioni sul commercio dello Stato di Milano. Milano: Bocconi, 1939.13 BECCARIA, Cesare. Elementi di Economia Publica... ; LONGO, Alfonso. Istituzioni economico...

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    mitiria que se extrasse, pela tributao, os recursos necessrios ao fortalecimentotanto da burocracia quanto do exrcito real. Essa dinamizao econmica seriafeita com o estmulo produo e ao comrcio interno, favorecendo deste modojustamente os setores produtores emergentes, sufocados pelas estruturas feudais ecorporativas. Assim, as reformas executadas na Lombardia pela coroa austracaestariam, em boa medida, de acordo com aquilo que era proposto pelo crculo dosintelectuais que escrevia no Il Caff.

    O tratamento da questo econmica por parte dos filsofos iluministas deMilo traz um novo componente ideolgico para a caracterstica luta dos monarcascontra os estamentos: agora eles no so apenas os rivais da coroa na luta pelopoder dentro do Estado; so tambm os que impedem a aplicao de uma polticamais racional, voltada para o desenvolvimento econmico e para o conseqentefortalecimento institucional, o que afeta tambm a luta poltica em face dos concor-rentes externos. O poder poltico e os privilgios nobilirquicos especialmentepatrcios que caracterizavam a estrutura poltica milanesa eram bices ao progra-ma econmico modernizador e dinamizador que necessariamente deveria fazer par-te do projeto absolutista da monarquia austraca. Assim, o avano do reformismohabsbrgico na esfera econmica implicaria necessariamente o declnio do patriciadomilans14. Alm do declnio do poder poltico patrcio, as reformas econmicas aindapromoviam a ascenso de novos grupos sociais. Podemos dizer, assim, que a ques-to econmica no mudou apenas o sentido da luta interna pelo poder poltico entreo monarca e os estamentos, ela tambm alterou sua dinmica, pois o papel negativoque a aristocracia acabaria adquirindo em relao ao desenvolvimento econmico(que, claro, no interessava apenas coroa, mas ao prprio conjunto social, deforma geral) contribuiria decisivamente para eliminar a hegemonia social da aristo-cracia. Alm disso, o sucesso das reformas econmicas, ao promover a ascensode novos grupos sociais, criaria uma enorme base social de apoio ao monarca15.Ante os benefcios sociais mais ou menos gerais advindos da poltica de fortaleci-mento econmico, a nobreza e o patriciado em particular cair em progressivoe crescente descrdito em face do conjunto social16. A partir de ento, dificilmenteela conseguir mobilizar as massas, sejam urbanas ou camponesas, em rebeliescontra o poder real, tal como as que marcaram o sculo XVII em toda Europa.

    14 CARPANETTO, Dino; RICUPERATI, Giuseppe. LItalia del Settecento: Crisi, Trasformazioni,Lumi. Roma-Bari: Laterza, 1994, p. 198.15 SCHOBER, Richard. Gli effetti delle riforme di Maria Teresa sulla Lombardia. In: MADDALENA,Aldo De; ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (orgs.). Economia, istituzioni, cultura in Lombardianellet di Maria Teresa. Volume II. Cultura e Societ. Bologna: Il Mulino, 1982, p. 201-2.16 GORANI, Giuseppe. Il vero dispotismo. In: VENTURI, Franco. Illuministi Italiani. Tomo III.Riformatori Lombardi, Piemontesi e Toscani. Milano: Riccardo Riccardi.

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    A percepo, por parte dos jovens filsofos, de que o monarca era a nicafora que, naquele contexto, realmente poderia realizar as reformas necessrias eimplementar um processo de desenvolvimento econmico nos termos propostos le-vou-os definitivamente para o lado do absolutismo. A questo econmica ou, maisexatamente, a mesma posio em relao aos problemas econmicos propiciava aaproximao entre os filsofos do Il Caff e o absolutismo austraco. Na medidaem que os estamentos, com seus privilgios, impediam o desenvolvimento econmi-co e a implementao de reformas de interesse geral, eles apareceriam nos escritosdos jovens iluministas lombardos como o verdadeiro poder desptico contra o qualse deveria lutar e contra o qual o soberano j estava efetivamente lutando17.

    O absolutismo esclarecido a fuso da tendncia modernizadora eracionalizadora que vinha da filosofia iluminista com aquela outra tendncia, tam-bm modernizadora e racionalizadora, que partia das dinastias reinantes em cadaEstado. A articulao entre essas duas propostas reformadoras e a formao, apartir delas, de uma nica tendncia reformista que articulava os desgnioscentralizadores dos monarcas, em sua luta pelo poder contra adversrios internos eexternos, com o anseio filosfico por reformas que melhorassem as condies devida e promovessem o progresso humano implicava necessariamente a articulaoentre os portadores dessa filosofia, os filsofos iluministas, e o projeto poltico abso-lutista em uma espcie de aliana, ainda que tcita. Para tornar isso possvel, eranecessrio que os prprios sujeitos da filosofia iluminista aderissem ao projeto abso-lutista da casa da ustria e que sua colaborao fosse aceita isto , que exerces-sem alguma influncia sobre os caminhos trilhados pela coroa em sua luta pelacentralizao poltica e no que foi feito por ela com o poder concentrado em suasmos18.

    Como mencionado, os filsofos da Societ dei Pugni contriburam decisiva-mente, ao defender reformas que modernizassem a Lombardia, para reformular aimagem do monarca em sua empreitada absolutista. Mas para que a fuso da filo-sofia iluminista com a proposta absolutista realmente se realizasse isto , para queas duas tendncias que buscavam, por motivos prprios, a racionalizao institucionale social convergissem e formassem uma s tendncia reformadora , era necess-rio que os filsofos fossem incorporados, de alguma forma, ao projeto poltico

    17 GORANI, Giuseppe. Il vero dispotismo...; CAPPIELLO, Ida. Lidea di Stato nellIlluminismolombardo. In: MADDALENA, Aldo De; ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (orgs.). Econo-mia, istituzioni, cultura in Lombardia nellet di Maria Teresa. Volume II. Cultura e Societ. Bologna:Il Mulino, 1982, p. 972-3.18 BARBARISI, Gennaro. Lelogio di Maria Teresa di Paolo Frisi. In: MADDALENA, Aldo De;ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (orgs.)s Economia, istituzioni, cultura in Lombardia nelletdi Maria Teresa. Volume II. Cultura e Societ. Bologna: Il Mulino, 1982, p. 352.

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    monrquico e passassem a exercer, com suas idias, alguma influncia importante.As caractersticas singularizadoras do contexto em que esse absolutismo tardio sedesenvolvia determinavam suas necessidades, que, antes de qualquer coisa, diziamrespeito ao aumento de eficincia da mquina burocrtica e ao desenvolvimentoeconmico necessrio para o fortalecimento institucional. Por um lado, isso deman-dava, de Viena, uma poltica reformadora que se dirigisse modernizao institucionale racionalizao burocrtica das instituies; por outro, era necessrio implementarpolticas que rompessem com os entraves dinamizao da economia. Tudo issodeterminaria o tipo de colaborao e de colaboradores demandados por Viena. Paraque tal projeto fosse vivel, era necessrio, sobretudo, possuir um quadro adminis-trativo que, alm de fiel coroa, fosse suficientemente competente para realizar astarefas exigidas. A identificao entre a proposta absolutista e as reivindicaes dosjovens filsofos do Il Caff baseadas sobretudo na questo econmica, isto , naidntica postura pr-desenvolvimentista, e na questo nobilirquica, isto , na postu-ra antinobilirquica e, principalmente, antipatrcia, alm da notria capacidade inte-lectual daqueles jovens polemistas que, com seu jornal e suas obras individuais,opinavam sobre todas as questes importantes da poltica e da economia milanesas no permitiria que fossem ignorados por muito tempo pelos representantes dacoroa austraca. A integrao dos iluministas milaneses nos quadros funcionais dacoroa, em sua empreitada absolutista, completa o processo de formao do absolu-tismo esclarecido na Lombardia austraca19.

    A fuso das duas tendncias modernizadoras a representada pela filosofiailuminista e a do absolutismo tardio no era, entretanto, um encontro perfeito. Asurgentes necessidades que atingiam com toda fora o projeto de poder daquelasdinastias que se confrontavam, de tempos em tempos, no cenrio poltico internaci-onal e que, em meio a uma economia capitalista cada vez mais desenvolvida, mira-vam-se no exemplo de potncias como a Frana e a Inglaterra, obrigavam-nas a umagressivo programa de racionalizao social que deveria tornar mais eficiente aadministrao do Estado, fomentar o desenvolvimento econmico e submeter osestamentos e os poderes polticos autnomos. O Iluminismo, por outro lado, era umacorrente filosfica que fundava na racionalidade humana um projeto de emancipa-o. Emancipao da tradio, dos dogmas religiosos, das foras da natureza, masuma emancipao tambm do poder poltico ilegtimo, assim considerado aqueleque no se fundava na autonomia humana individual, inerente idia de que cadahomem um ser racional. A poderosa influncia do liberal John Locke na formaodo iderio iluminista, to perceptvel quando se vasculham os textos da filosofiafrancesa do sculo XVIII, deixou marcas profundas. Portanto, se bem analisarmos,

    19 CAPPIELLO, Ida. Lidea di stato..., p. 969.

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    apesar da convergncia verificada entre os dois, verificamos que Iluminismo e ab-solutismo possuam interesses especficos, se considerados um em relao ao ou-tro. No havendo, assim, uma coalizo perfeita nesse compromisso entre o absolu-tismo e a filosofia iluminista, o lugar central, o lugar de comando caberia certamenteao absolutismo. A racionalidade das Luzes ficava, de certa forma, subordinada racionalidade do acmulo de poder e claro que algo do esprito original doIluminismo deveria perder-se.

    A filosofia do sculo XX ensina que o projeto da modernidade, do qual oIluminismo o principal representante, ancorava-se em uma racionalidade instru-mental, que apontava para a dominao, e em uma racionalidade comunicativa, queapontava para a emancipao ou em um pilar regulatrio e em outro emancipatrio,se se preferir20. Quando olhamos para as idias que fervilhavam nas obras dosautores do sculo XVIII, vemos que as duas coisas, dominao e emancipao,estavam profundamente imbricadas. Segundo a crtica filosfica contempornea,os problemas da modernidade teriam comeado quando o aspecto instrumental co-lonizou o comunicativo-emancipatrio. O fato de os ideais democrticos e republi-canos do Iluminismo terem sido relegados a segundo plano, na sua fuso com oabsolutismo, talvez seja um indcio de que efetivamente, na aliana da Filosofia dasLuzes com aquelas formas polticas autocrticas, aquele elemento instrumental desua racionalidade tenha sido isolado e alado ao primeiro plano.

    A absoro dos intelectuais do iluminismo lombardo no projeto poltico do ab-solutismo habsbrgico, na condio de funcionrios da coroa, colocou a capacidadeintelectual daqueles jovens intelectuais a servio do planejamento das estratgias daascenso da autocracia rgia contra a pluralidade de poderes polticos que caracte-rizava a sociedade do Antigo Regime. Nesse processo, o intelectual iluminista, as-sim absorvido e transformado em funcionrio administrativo da coroa, tem seu pa-pel redefinido: agora ele no mais o conselheiro do rei que pensa globalmente asociedade, no apenas ajudando o monarca a alcanar as metas estipuladas masinterferindo tambm na definio das prprias metas; agora ele o tcnico emproblemas jurdicos, econmicos ou cameralsticos, que articula os meios necessri-os para alcanar os fins determinados pelo rei e seus altos ministros21. claro queaquela imagem de conselheiro do rei, ao menos na Lombardia, nunca correspondeu

    20 Nos referimos aqui, evidentemente, s idias de Jrgen Habermas e Boaventura de Sousa Santos,respectivamente.21 As Consulte Amministrative, de Beccaria, so um eloqente exemplo do tipo de trabalho intelectualque se esperava de um funcionrio josefino (BECCARIA, Cesare. Consulte Amministrative. In:BECCARIA, Cesare. Opere. A cura di Sergio Romagnoli. Firenze: Sansoni, 1958). Sobre esse tema, ver:CAPRA, Carlo. Il gruppo del Caff e le riforme. In: FERRONE, Vincenzo; FRANCIONI, Gianni(orgs.). Cesare Beccaria: la pratica dei lumi. Atti del Convegno. Firenze: Olschki, 2000, p. 66.

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    propriamente realidade, mas era a maneira como os iluministas lombardos com-preendiam, em princpio, seu papel dentro do projeto modernizador e reformador doabsolutismo habsbrgico. A subordinao do intelectual iluminista ao projeto auto-crtico do absolutismo tardio a subordinao do prprio Iluminismo aos desgniosda pura acumulao do poder, lgica de uma espcie de nova razo de Estado22.Pode-se perguntar, certamente, se isso ainda tem alguma coisa a ver com Iluminismoou se estamos em uma zona na qual o que se v apenas a projeo das sombrascriadas por suas Luzes. Esse talvez seja, entretanto, um falso problema, pois dequalquer maneira a sombra sempre tem alguma coisa a ver com a luz que a tornapossvel. Cesare Beccaria talvez tenha representado jutamente o caso mais extre-mo de tal fenmeno23.

    A histria do Iluminismo lombardo guarda, entretanto, um momento de singu-lar brilhantismo para a cultura italiana do sculo XVIII um momento em que, emParis, capital mundial da Filosofia das Luzes, falava-se com curiosidade e entusias-mo dos progressos da cole di Milan. O ponto-chave desse momento, seu fatopropulsor, foi a publicao da obra Dei Delitti e delle Pene, de Cesare Beccaria.Graas a essa obra, a cosmopolita repblica das letras da Europa tomou conheci-mento da existncia dos jovens patrcios milaneses. A partir de ento, Beccariaseria, perante a Europa, a figura central do Iluminismo na Lombardia, o granderepresentante das Luzes em Milo o que lhe renderia uma enorme inveja e umprofundo rancor da parte de Pietro Verri. Veremos ento Beccaria trocar corres-pondncia com alguns ilustres nomes da Ilustrao francesa, ser recebido em Pariscomo celebridade pelo crculo dos philosophes e ser convidado por Catarina II,soberana da Rssia, para escrever o cdigo penal de seu imprio. Veremos tambmVoltaire, o arrogante lder do partido dos philosophes franceses, bajulado por umainfinidade de jovens escritores que acorriam a Paris buscando fazer carreira nomundo intelectual, pedir humildemente a Beccaria alguns conselhos jurdicos refe-rentes aos clebres processos em que se envolveu nas dcadas de 1760 e 177024.

    Nesse momento de brilhantismo do Iluminismo lombardo, protagonizado justa-mente por Beccaria, aquele que mais do que qualquer outro simbolizaria seu declnio,no haveria nada que pudesse indicar os destinos da cultura iluminista em Milo?No haveria nada que antecipasse a triste decadncia dos valores liberais, republi-canos e democrticos, to profundamente ligados ao cdigo gentico do Iluminismo,

    22 FRIGO, Daniela. op. cit.23 CAPRA, Carlo. Il gruppo..., p. 68; ZORZI, Renzo. Cesare Beccaria. Il Drama della Giustizia.Milano: Borighieri, 1996.24 Veja-se, a esse respeito, a carta de Voltaire a Beccaria contida em: VOLTAIRE. ComentriosPolticos. Trad. Antonio de Pdua Danesi. Rev. da trad. Cludia Berliner. So Paulo: Martins Fontes,2001.

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    e a ascenso exclusivista de uma racionalidade instrumental soberana e autocrti-ca? So precisamente essas as perguntas que tentaremos responder, analisandoalguns aspectos da obra Dei Delitti e delle Pene.

    2 Um projeto de Direito Penal para o absolutismoesclarecido: o utilitarismo em Dei Delitti e delle Pene

    Quando se abre Dei Delitti e delle Pene no se pode deixar de notar a pre-sena de idias contratualistas como fundamento da ordem poltica em que Beccariainsere seu modelo de direito penal25. Muito j se discutiu sobre a relao destecontratualismo jusnaturalista com as idias de natureza utilitarista que tambm ve-mos perpassar o texto26. Ao contrrio, entretanto, do que se poderia imaginar, asduas teorias que entraro para os anurios da histria do pensamento poltico comomutuamente excludentes chegavam para Beccaria de uma nica e mesma fonte: aobra do filsofo francs Claude-Adrien Helvtius27. Todo o conjunto da reflexopoltica de Beccaria fundamenta-se na influncia exercida sobre ele pela obra DoEsprito, de Helvtius28, onde o clculo de utilidades que, no contratualismo domodelo hobbesiano-lockeano, leva os indivduos passagem do estado de naturezapara o estado social sofre um aprofundamento psicolgico at levar formao deum novo modelo de abordagem poltica em que o prprio raciocnio contratualistaacabaria sendo suprfluo e em que surgiria uma nova forma de se trabalhar com oclculo de utilidades29.

    Quando falamos em utilitarismo ou raciocnio utilitarista nos referimos ao cl-culo de utilidade, ao clculo do til. No contratualismo ingls, os sujeitos realizam a

    25 BECCARIA, Cesare. Dei Delitti e delle Pene, 1987, pp. 10-2.26 Uma das mais notrias esta, em que Beccaria profere a mxima utilitarista quase com as mesmapalavras que usar Bentham tempos depois: Apriamo le istorie e vedremo che le leggi, che pur sonoo dovrebbon esser patti di uomini liberi, non sono state per lo pi che lo stromento delle passioni dialcuni pochi, o nate da una fortuita e passeggiera necessit; non gi dettate da un freddo esaminatoredella natura umana, che in un sol punto concentrasse le azioni di una moltitudine di uomini, e leconsiderasse in questo punto di vista: la massima felicit divisa nel maggior numero (BECCARIA,Cesare. Dei Delitti e delle Pene. Milano: Garzanti, 1987, p. 8).27 O enorme desconhecimento da obra de Helvtius levou inmeros autores a falar de um Beccariaroussouniano, lockeano etc. As relaes entre contratualismo e utilitarismo nas obras de Beccaria e deHelvtius so muito bem analisadas na obra: FRANCIONI, Gianni.Beccaria filosofo utilitarista. In: Cesare Beccaria tra Milano e lEuropa: convegno di studi per il250 anniversario della nascita. Milano: Cariplo-Laterza, 1990.28 BECCARIA, Cesare. Carta de Beccaria...,1996, p. 159.29 FRANCIONI, Gianni. Beccaria filosofo utilitarista...; HELVETIUS, Claude-Adrien. Del Espiritu.Trad. Jos Manuel Bermudo. Madrid: Nacional, 1984.

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    passagem para o estado social em funo dos inconvenientes dos estado de nature-za. Os objetivos visados pelos sujeitos, desde logo objetivos egosticos e individualis-tas (seja a proteo da vida, seja a proteo da propriedade), so o que os leva,atravs de um raciocnio pragmtico de meios e fins, a realizar a passagem para oestado social. A base do raciocnio a pressuposio da racionalidade individual ouda condio natural do homem como ser racional por isso pode-se falar em direitonatural ou racional. Entretanto, no modelo do contratualismo ingls o sujeito busca agratificao hedonista, mas age calculando as conseqncias, de forma a interferirsobre as prprias condies polticas e sociais de suas aes. Em outras palavras,nesse esquema de pensamento a estruturao da arquitetura poltico-social feitapelos prprios sujeitos sociais, em um hipottico acordo, atravs do clculo de utili-dade pelo qual, partindo-se do pressuposto de que todos os outros sujeitos so igual-mente racionais, cada sujeito planeja a estrutura social que corresponde melhor aseus interesses individuais. A reconstruo hipottica que visa sobretudo por mos-tra a lgica que orienta a dinmica social tem como objetivo fornecer um critriopara se distinguir o poder legtimo do ilegtimo. Evidentemente, a condio naturaldo homem no semelhante condio natural de qualquer outro ser da natureza,pois a natureza do ser humano precisamente a racionalidade: o homem um serracional. Essa , para os tericos do contratualismo, a essncia imutvel do serhumano, aquilo que o torna propriamente humano.

    No utilitarismo, entretanto, h uma espcie de bifurcao do clculo da utili-dade. Se no contratualismo ele era a base para que o sujeito planejasse a aosegundo seus interesses individuais de forma a, ao mesmo tempo, planejar a prpriaestrutura poltico-social em que se inserir30, no utilitarismo, ao contrrio, as coisasse separam. Os sujeitos sociais permanecem guiando a vida hedonisticamente apartir do clculo de utilidades, isto , planejando suas aes segundo seus objetivosegosticos. A funo, porm, de planejar globalmente a sociedade segundo o bem-comum que por sua vez tambm determinado a partir de critrios hedonstico-utilitarsticos e, portanto, pelo clculo de utilidades passa a um terceiro: o Legisla-dor. No modelo do utilitarismo, o ser humano interpretado como uma mquina quefunciona segundo a necessidade de obter prazer e de fugir da dor, e que, portanto,guia suas aes realizando uma espcie de clculo do prazer ou da dor que cadauma das aes possveis lhe trar. De tal forma, surge a idia de que, manipulandoos objetos que afetam a sensibilidade humana, pode-se direcionar a ao dos sereshumanos da maneira que se desejar. Torna-se possvel planejar, assim, com o dom-

    30 Em outras palavras, a ao que brota do clculo de utilidades do contrato social a ao queestrutura a prpria sociedade, a ao que celebra o pacto social (com cada uma de suas clusulasracionalmente escolhidas) onde definida a estrutura social.

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    nio dos princpios utilitaristas que governam a ao humana, o funcionamento dasociedade. O clculo de utilidades permite determinar, por conseqncia, os cami-nhos para se chegar ao bem-comum, considerado assim o mximo de felicidade(enquanto prazer sensvel) distribuda entre o maior nmero de pessoas. O Legisla-dor poder, portanto, planejar a arquitetura social de forma a que o prazer ou ointeresse individual esteja sempre conectado com o interesse do conjunto social oque significa direcionar as aes individuais, manobrando a sensibilidade humana,para o interesse geral.

    Assim, no modelo poltico do utilitarismo, o clculo de utilidades feito emduas etapas: na primeira, o Legislador determina o interesse geral e planeja a arqui-tetura poltico-social; na segunda, os sujeitos-agentes, buscando o mximo de grati-ficao individual, executam, ainda que sem saber, o planejamento social, e reali-zam, buscando exclusivamente seu interesse pessoal, o interesse comum, o bemgeral. Podemos dizer, portanto, que o clculo de utilidades, no nvel do planejamentosocial, passa para o Legislador, mas que os cidados, em sua ao reflexa, continu-am calculando as utilidades para escolher quais aes realizar. Por fim, devemoslembrar que esse clculo que os sujeitos-agentes realizam para decidir sobre suasaes no necessariamente consciente. Na verdade, ele pode assumir muitasvezes a forma de um reflexo condicionado, sendo realizado inconscientemente. Osmotivos aduzidos por Beccaria para sustentar a necessidade da presteza das penasdeixam isso muito claro: ela deve suceder o mais rpido possvel ao delito para que,na mente dos celerados, a idia do crime seja acompanhada necessariamente daidia do desprazer da pena31. assim que, na passagem do contratualismo para outilitarismo, a nfase migra da racionalidade para a passionalidade dos sujeitos-agentes ou, se se preferir, da calculabilidade racional-consciente para o condiciona-mento passional-inconsciente.

    Esse desmembramento do clculo de utilidades e o deslocamento de seu nvelsocial-organizativo para a alada do Legislador possuem uma enorme afinidadecom a redefinio do papel do monarca no contexto do desenvolvimento do absolu-tismo poltico. De fato, h uma marcante e inegvel proximidade entre o Legislador,do qual falam explicitamente Helvtius e Beccaria, e a imagem do rei-legislador dareflexo pr-absolutista, que organiza a sociedade atravs da legislao. Alm dis-

    31 Ho detto che la prontezza delle pene pi utile, perch quanto minore la distanza del tempo chepassa tral la pena ed il misfatto, tanto pi forte e pi durevole nellanimo umano lassociazione diqueste due idee, delitto e pena, talch insensibilmente si considerano uno come cagione e laltra comeaffetto necessario immancabile. Egli dimostrato che lunione delle idee il cemento che forma tuttala fabbrica dellintelletto umano, senza di cui il piacere ed il dolore sarebbero sentimenti isolati e dinessun effetto (BECCARIA, Cesare. Dei Delitti..., p. 46).

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    so, as necessidades econmicas em meio s quais se desenvolveu o absolutismotardio do sculo XVIII acabaram levando ao surgimento de uma espcie deutilitarismo poltico-econmico dentro da reflexo pr-absolutista, como a que en-contramos na Cincia da Polcia. A necessidade de aumentar o volume das ativida-des econmicas internas para incrementar a arrecadao encontrava-se com a von-tade dos setores ascendentes, nomeadamente a burguesia, de desenvolver ativida-des econmicas. Destarte, a defesa do absolutismo acabava acompanhada da idiade que a tarefa do soberano (absoluto) era promover o bem-estar comum, que porsua vez era identificado com o aumento de bens materiais da sociedade. Esseutilitarismo poltico-econmico que compe a reflexo pr-absolutista cria outra frentede afinidade entre o absolutismo monrquico e o utilitarismo filosfico que surgedentro do Iluminismo. O monarca absoluto que concentra em si o poder polticopara us-lo na racionalizao social e no fomento ao desenvolvimento econmicointerno poderia ser progressivamente identificado com o Legislador que organiza asociedade segundo os princpios da moral utilitarista para promover seu aperfeioa-mento geral.

    Quando analisamos detidamente Dei Delitti e delle Pene, observamos queno cmputo geral a argumentao contratualista ocupa uma pequena parte. Elaaparece no comeo do texto, onde o autor disserta sobre os fundamentos da ordempoltica e do direito penal, sobre o fundamento da atividade legislativa, sobre a sepa-rao entre os poderes de fazer e de aplicar as leis, e sobre a questo da interpre-tao32. Posteriormente, quando Beccaria trata da questo da pena de morte, osargumentos utilitaristas que buscam provar sua inutilidade so combinados com re-flexes contratualistas que buscam demonstrar sua ilegitimidade33. Assim, podemosdizer que, na reflexo de Beccaria, a idia de contrato social funciona apenas comofundamento legitimador das instituies polticas e jurdicas. O bom governo e a boapoltica legislativa, entretanto, fundam-se nas teorias utilitaristas que ofereceriamum conhecimento dos princpios que orientam a ao humana ou, em outras pala-vras, no conhecimento da psicologia humana.

    Sobre isso algumas consideraes merecem ser feitas. O utilitarismo possui,enquanto teoria poltica, esse carter de cincia do bom governo, onde assume aforma de uma teoria destinada a ensinar como dirigir a sociedade. Todavia, tal as-pecto sofre uma espcie de aprofundamento ou adensamento no contexto polticodo absolutismo tardio. A necessidade de maximizar o controle do soberano sobre asociedade para viabilizar o prprio projeto poltico absolutista faz parte das condi-es em que o absolutismo tardio se desenvolveu. Para que pases como Prssia,

    32 BECCARIA, Cesare. Dei Delitti..., 1987, pp. 10-4.33 Idem, p. 59.

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    ustria e Portugal vencessem o atraso em que se encontravam em relao sprincipais potncias europias de ento a Inglaterra e, sobretudo, a Frana eranecessrio que o poder poltico central desenvolvesse tcnicas que lhe permitissemimpor, a partir de cima, a modernizao econmica34.

    No campo jurdico, isso se coloca como o problema da eficcia da normajurdica da coroa, ou seja, da capacidade de a norma jurdica se fazer cumprir. Essepode ser considerado um dos problemas centrais do livro de Beccaria, visvel sobre-tudo na questo da mitigao das penas e da graa. A brutalidade das penas dodireito penal do Antigo Regime era um dos componentes essenciais de sua escan-dalosa ineficcia; o objetivo da pena era fundamentalmente simblico: buscava-seaterrorizar. A graa real, por meio da qual se afastava a aplicao da pena, era seucomplemento necessrio. Por meio dela, o soberano se legitimava perante o orga-nismo social e, principalmente, perante o beneficiado. Todo o modo de operar dodireito fundava-se, assim, no arbtrio e a renncia eficcia do direito penal, impl-cita nessa estrutura, tolhia a capacidade real de, por meio dele, interferir sobre oconjunto da sociedade. Isso, aos olhos iluministas, era profundamente irracional.Portanto, para Beccaria, a mitigao das penas35, a par de suas razes humanitrias(que certamente existiam), era o pressuposto para que a graa fosse eliminada dodireito penal e para que ele, conseqentemente, ganhasse a eficcia necessriapara maximizar o poder de controle do soberano sobre a sociedade36. O sistemajurdico-penal proposto por Beccaria encaixa-se perfeitamente, assim, na dinmicapoltica do absolutismo tardio, onde o que importa dar ao soberano os meios paradirecionar a sociedade, intervir nela e control-la.

    A teoria das penas de Beccaria repete em muitos pontos o que escreveraMontesquieu. Em O Esprito das Leis, ele havia iniciado uma racionalizao darepresso penal, estabelecendo o princpio da legalidade, elegendo a preveno docrime como a principal meta do direito penal, defendendo a mitigao das penas(sob o argumento de que no sua severidade que desvia os homens da prtica doscrimes, mas a certeza da punio), condenando a tortura e defendendo a necessida-

    34 SCHIERA, Pierangelo. Dallarte di governo...; ASTUTI, Guido. O Absolutismo Esclarecidoem Itlia...35 La certezza di un castigo, bench moderato, far sempre una maggiore impressione che non iltimore di un altro pi terribile, unito colla speranza dellimpunit (BECCARIA, Cesare. Dei Delitti...,57).36 A misura che le pene divengono pi dolci, la clemenza ed il perdono diventano meno necessari.Felice la nazione nella quale sarebbero funesti! La clemenza dunque, quella virt che stata talvoltaper un sovrano il supplemento di tutti doveri del trono, dovrebbe essere esclusa in una perfettalegislazione dove le pene fossero dolci ed il metodo di giudicare regolate e spedito (BECCARIA,Cesare. Dei Delitti..., p. 96).

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    de de uma relao de proporcionalidade entre as penas e os delitos37. Tudo isso,como sabem os leitores de Beccaria, est presente em Dei Delitti e delle Pene.Entretanto, essa teoria das penas recolhida de Montesquieu seria aprofundada comas teorias helvetianas. Com o contributo helvetiano, o processo de racionalizao dosistema penal conduzido por Beccaria visava no apenas fazer com que a penacumprisse melhor a finalidade de preveno do crime, mas tambm com que odireito penal contribusse para que os interesses individuais conduzissem ao chama-do interesse comum, que por sua vez era determinado pelo Legislador (e, por queno dizer, pelo rei-legislador). A aplicao, ao estudo do direito penal, do utilitarismoaprendido com Helvtius objetivava fornecer um fundamento slido para seu usoenquanto instrumento para se modelar a sociedade.

    Chegamos, ento, ao tema do uso instrumental do direito. O aspecto jurdicodo desenvolvimento do absolutismo dentro da modernidade era a aniquilao da-quele particularismo38 que marcava a estrutura jurdica do Antigo Regime. Esseparticularismo jurdico fundava-se na pluralidade de fontes de direito concorrentes eem seu complemento, a pluralidade de jurisdies (usamos a expresso em seusentido moderno). A afirmao do poder poltico monrquico foi completada, nocampo jurdico, pela afirmao da legislao real sobre todas as outras fontes jurdi-cas. A supremacia da legislao real sobre o direito romano, o direito consuetudin-rio, o direito corporativo, tinha, obviamente, o objetivo de permitir coroa aconcretizao, pelo direito, de suas intenes. No contexto do absolutismo tardio,sob a influncia da reflexo cameralstica em especial da Cincia de Polcia edas teses iluministas que outorgavam ao ser humano a capacidade de, pelo uso darazo, subjugar a realidade que o circunda e coloc-la a seu servio, esse uso instru-mental do direito tende a ganhar em sistematicidade e a conectar-se com sistemasde planejamento social. O uso das teorias utilitaristas dentro desses projetos deorganizao social a ser realizados com o instrumental fornecido pelo direito ,assim, um dos pontos altos do projeto jurdico39 da modernidade.

    Concluso

    O Iluminismo milans do Circulo do Caff desenvolveu-se num contexto emque as tendncias modernizadoras que partiam da sociedade civil eram sufocadas37 TARELLO, Giovanni. Montesquieu Criminalista. In: TARELLO, Giovanni (org.). Materiali peruna Storia della Cultura Giuridica. Vol. V. Genova: Il Mulino, 1975, p. 15.38 Idem. Storia della...39 A construo jurdica da modernidade, no liberalismo clssico, foi analisada por Pietro Costa naseguinte obra: COSTA, Pietro. Il Progetto Giuridico. Ricerche sulla giurisprudenza del libera-lismo classico. Milano: Giuffr, 1976.

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    pelas estruturas do poder patrcio. A Lombardia daqueles anos, ao contrrio, erapalco de um potente programa reformista e modernizador levado a cabo dentro doprojeto autocrtico do absolutismo habsbrgico. Em tal contexto, a identificao dosjovens intelectuais com a causa da modernizao absolutista foi praticamente inevi-tvel. Os intelectuais iluministas da Societ dei Pugni so, destarte, absorvidos poresse processo de modernizao conservadora e passam a integrar os quadros fun-cionais submetidos coroa austraca e a seus representantes lombardos. Algumasconseqncias, desde logo, so importantes. A primeira uma espcie de aberturade horizontes sofrida pela proposta absolutista, em funo da influncia desses inte-lectuais, essencial para a formao do fenmeno do absolutismo esclarecido. Asegunda que a orientao poltica do Iluminismo lombardo, na medida em que elese vinculava a um projeto de modernizao institucional conduzido no seio do abso-lutismo, acaba sendo desviada de tendncias polticas mais radicais, deixando pro-gressivamente de lado as idias republicanas que provinham de suas influnciasfrancesas e possuam certa afinidade com o esprito original da Filosofia das Luzes.

    Cesare Beccaria escreveu Dei Delitti e delle Pene no contexto de fusoentre as tendncias reformistas da dinastia habsbrgica em Milo. Assim, a adesodos filsofos iluministas ao projeto modernizador da coroa austraca no poderiadeixar de aparecer em sua obra. O projeto poltico do absolutismo no sculo XVIIIincorporava necessariamente, em face das circunstncias em que teria de se de-senvolver, um programa de modernizao econmica que propiciasse a criao dosrecursos para o fortalecimento rgio. As propostas de Beccaria, a par de suas ten-dncias humanitrias, visavam tambm dar maior eficincia ao sistema penal. Odirigismo social da teoria utilitarista conciliava-se com a imagem do rei-legisladorque se construa na literatura pr-absolutista. Assim o uso do utilitarismo helvetianopor parte de Beccaria, na construo de seu modelo de sistema penal, tinha comoobjetivo justamente aproveitar as contribuies que ele poderia dar para construirmtodos eficazes de interveno social que possibilitassem ao monarca direcionar asociedade. Portanto, o papel exercido pela teoria utilitarista voltada sobretudo afornecer ao soberano os mtodos indicados para a subordinao da sociedade civil,mais ou menos como fazia a Cincia de Polcia e a cameralstica e o implcitodesapreo pela autonomia do sujeito que ela implica, do mostras de que, ao ladodos motivos humanistas que inspiraram Beccaria, questes de outra ordem estavamem debate.

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