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  • 8/13/2019 Habeas Corpus Vanderlei

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    DEFENSORIA PBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA EM FLORIANPOLISAv. Prof. Othon Gama DEa, n. 622, Centro, Florianpolis.

    CEP 88015-240. Telefone (48) 3665-6370.

    Excelentssimo Sr. Desembargador Presidente do Tribunal de Justia do Estado

    de Santa Catarina

    Vanderlei Fernandes, brasileiro,convivente em unio estvel, jardineiro, portador do

    Registro Geral de n. 5300556/SC, domiciliado Servido Alphaville, bairro Ingleses

    do Rio Vermelho, Florianpolis, atualmente recolhido no Presdio de Florianpolis,vem,

    por meio da Defensoria Pblica do Estado de Santa Catarina, impetrar Habeas

    Corpus com Requerimento de Antecipao dos Efeitos da Tutelaem face de ato

    ilegal perpetrado pelo Dr. Humberto Goulart da Silveira, Juiz de Direito da 3 Vara

    Criminal da Comarca de Florianpolis,pelas razes a seguir expostas.

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    CEP 88015-240. Telefone (48) 3665-6370.

    I Prolegmenos1: da priso em flagrante ao indeferimento do requerimento de

    revogao da priso preventiva e da necessidade de, por meio de Habeas Corpus,

    restituir a liberdade do Impetrante.

    Conforme Nota de Culpapresente folha 28, o Ru foi preso em flagrante (...)

    por infrao ao disposto nos artigos 14, Lei 10.826/03 e 16, Lei 10.826/03 (...).

    O Acusado teria em depsito duas cpsulas calibre 38 e uma cpsula calibre 9

    mm.o que se l folha 09.

    A suposta conduta deu ensanchas sua segregao provisria que acabou

    por ser convertida em priso preventiva por ocasio de deciso prolatada por este juzo

    em 25 de outubro ltimo.

    Ao motivar a deciso que transmutou a natureza da priso provisria a que foi

    submetido o Ru, o Magistrado Coatorfez uma rpida refernciaa um suposto crime

    de estupro em que estaria o ora Impetrante envolvido. Desde j, preciso asseverar,

    contudo, que sua priso em flagrante no tem a sua origem.

    Requerida a revogao da priso preventiva no ltimo dia 30 de outubro o

    que se vislumbra s folhas 105 a 116 , o Magistrado Coator, aps ouvir o Ministrio

    Pblico do Estado de Santa Catarina, indeferiu o pedido da Defesa em 22 de novembro

    deciso presente folha 129.

    contra tal deciso do Juiz de primeiro grau cuja ordem acabou por

    ilegalmente manter a segregao cautelar do Ru que se impetra este Habeas

    Corpus.

    ***

    Diante da ausncia de justa causapara a manuteno da segregao cautelar

    do Ru, deve-se imediatamenterestituir sua liberdade.

    De modo a se ver livreum seu direito,o ora Impetrante se vale do Habeas

    Corpus, que no seno

    (...) uma ao que tem por objeto uma prestao estatal consistente norestabelecimento da liberdade de ir, vir e ficar ou, ainda, na remoo

    1

    Em anexo, segue cpia integral do feito de que se est a tratar.

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    de ameaa que possa pairar sobre esse direito fundamental dapessoa. E tal prestao se consubstancia na ordem de habeas corpus,atravs da qual o rgo judicirio competente reconhece a ilegalidadeda restrio atual da liberdade e determina providncia destinada

    sua cessao (alvar de soltura) ou, ento, declara antecipadamente ailegitimidade de uma possvel priso (Fernandes, Antonio Scarance;Gomes Filho, Antonio Magalhes; Grinover, Ada Pellegrini. Recursosno Processo Penal. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.345)2.

    De acordo com a Constituio Federal,

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

    no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

    (...)

    LXVIII - conceder-se- "habeas-corpus" sempre que algum sofrerou se achar ameaado de sofrer violncia ou coao em sualiberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder;

    (...)

    Por seu turno, o Cdigo de Processo Penal determina que

    Art. 647. Dar-se- habeas corpus sempre que algum sofrer ou seachar na iminncia de sofrer violncia ou coao ilegal na sualiberdade de ir e vir, salvo nos casos de punio disciplinar.

    2 No mesmo sentido, asseveram Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco e

    Inocncio Mrtires Coelho que O habeas corpus destina-se a proteger o indivduo contraqualquer medida restritiva do Poder Pblico sua liberdade de ir, vir e permanecer. A liberdadede locomoo h de ser entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida deautoridade que possa em tese acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir(Curso deDireito Constitucional. 4 edio. So Paulo: Editora Saraiva e Instituto Brasiliense de DireitoPblico, 2009, p. p. 566 e 568).E, ainda conforme Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhes Gomes Filho e Ada PellegriniGrinover, O pedido de habeas corpusser necessriotoda vez que houver uma priso atual ousimples ameaa, mesmo que remota, de restrio ao direito de liberdade fsica de algum(Recursos no Processo Penal. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 350).

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    Tambm conforme o Cdigo de Processo Penal,

    Art. 648. A coao considerar-se- ilegal:

    I - quando no houver justa causa;

    (...)

    Segundo Aury Lopes Jr., (...) se considera ausente a justa causa quando

    decretada a priso cautelar sem suficiente fumus commissi delicti ou

    periculum libertatis, que devem estar suficientemente demonstrados para

    justificar a medida (Direito Processual Penal. So Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.

    1330).

    Ora, no outra a situao que se est a arrostar: verificar-se-, nas prximas

    laudas, que o Juiz de Direito da 3 Vara Criminal da Comarca de Florianpolis Dr.

    Humberto Goulart da Silveira age ilegalmente ao manter o ora Impetrante

    cautelarmente preso.

    II Caso, ao fim do processo, venha a ser condenado, o Impetrante ter direito

    substituio de sua pena de recluso por penas restritivas de direitos ou, no

    mnimo, a, desde o incio, cumprir sua reprimenda em regime aberto.

    Ru primrio, de conduta ilibada e com residncia fixa, o Impetrante foi

    denunciado por supostamente manter em depsito duas cpsulas calibre 38 e uma

    calibre 9 mm.

    Caso condenado por tal condutacuja descrio se encontra no artigo 163da

    lei n. 10.826/2003, o castigoa que o Ru ser submetido variar, abstratamente, de

    trs a seis anos de recluso. Uma multa tambm h de ser posta em sua conta se a

    Denncia for julgada procedente.

    3Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depsito, transportar, ceder,ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar armade fogo, acessrio ou munio de uso proibido ou restrito, sem autorizao e em desacordo comdeterminao legal ou regulamentar: Pena recluso, de 3 (trs) a 6 (seis) anos, e multa.

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    Em tal caso, a discricionariedade conferida ao magistrado na aplicao da

    reprimenda assaz considervel 4 : trs anos de ergstulo correm entre as penas

    mnima e mxima estipuladas pelo legislador.

    Diante de uma tal margem, proporcionalidadeque dever se ater o julgador

    na fixao da pena5.

    Utilizado, de ordinrio, para aferir a legitimidade das restries dedireitos muito embora possa aplicar-se, tambm, para dizer doequilbrio na concesso de poderes, privilgios ou benefcios o

    princpio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essncia,consubstancia uma pauta de natureza axiolgica que emanadiretamente das idias de justia, eqidade, bom senso, prudncia,moderao, justa medida, proibio de excesso, direito justo e valoresafins; precede e condiciona a positivao jurdica, inclusive a de nvel

    constitucional; e, ainda, enquanto princpio geral do direito, serve deregra de interpretao para todo o ordenamento jurdico (BRANCO,Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocncio Mrtires; MENDES, GilmarFerreira. Curso de Direito Constitucional. 4 edio. So Paulo: EditoraSaraiva e Instituto Brasiliense de Direito Pblico, 2009, p. 142-143).

    4 Opondo-se s arbitrariedades levadas a cabo no perodo medieval, o direito penal modernoconfere ao julgador a possibilidade de, dentro de certos parmetros objetivos, avaliar de modo

    concreto a pena a ser estabelecida ao Ru. Segundo Cezar Rober to Bitencourt, A primeirareao do Direito Penal moderno ao arbtrio judicial dos tempos medievais foi a adoo da penafixa, representando o mal justo na exata medida do mal injusto praticado pelo delinquente. Naverdade, um dos maiores males do Direito Penal anterior ao Iluminismo foi o excessivo poder dos

    juzes, exercido arbitrariamente, em detrimento da Justia e a servio da tirania medieval. Ainiquidade que resultava do exerccio arbitrrio do poder de julgar constituiu um dos maiores

    fundamentos do movimento liderado por Cesare de Beccaria visando reforma do Direito punitivo.E a reao mais eficaz contra aqueles extremos seria naturalmente a limitao do arbtrio judicial,com a definio precisa do crime e um sistema rgido de penas fixas. Na concepo de Beccaria,seguindo a de Montesquieu, ao juiz no deveria sequer ser admitido interpretar a lei, mas apenasaplic-la em seus estritos termos. Assim, a um sistema largamente aberto na dosagem da penasucedeu um sistema de pena rigorosamente determinada, consubstanciado no Cdigo Penal

    francs de 1791. Por esse novo sistema, a funo do juiz limita-se aplicao mecnica do textolegal. Mas logo se percebeu que, se a indeterminao absoluta no era conveniente, tambm a

    absoluta determinao no era menos inconveniente. Se a pena absolutamente indeterminadadeixava demasiado arbtrio ao julgador, com srios prejuzos aos direitos fundamentais doindivduo, igualmente a pena absolutamente determinada impediria o seu ajustamento, pelo juiz,ao fato e ao agente, diante da realidade concreta (Tratado de Direito Penal Parte Geral. SoPaulo: Editora Saraiva, 2012, p. 853).

    5Consoante Guilherme de Souza Nucci, a fixao da pena no seno (...) um processo judicialde discricionariedade juridicamente vinculada visando suficincia para preveno e reprovaoda infrao penal. O juiz, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador (mnimo e mximo,abstratamente fixados para a pena), deve eleger o quantum ideal, valendo-se do seu livreconvencimento (discricionariedade), embora com fundamentada exposio do seu raciocnio(juridicamente vinculada) (Cdigo Penal Comentado. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2010, p. 393).

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    Se, em uma gaveta de uma pia de cozinha, o Impetrante no detinha seno trs

    munies, no se h, por certo, de conden-lo a uma pena de quatro, cinco ou seis

    anos de recluso. Reptar-se-ia, assim, o princpio da proporcionalidade. Em verdade,

    frente s circunstncias arrostadasdiante da primariedade do agente e do diminuto

    magote de munio supostamente apreendida sua pena no dever ser seno a

    mnima prevista: trs anos de recluso6somados a uma pequena multa.

    Tivesse o Impetrante em depsito cem, duzentas ou trezentas munies, sua

    pena deveria ser um tantinho maior. De fato, o armazenamento de uma grande quantia

    de balas dar ensanchas a uma condenao mais rigorosa que a deteno de um

    pequeno nmero delas.

    O Superior Tribunal de Justia STJj julgou casos em que certos agentesdetinham mais de dez munies. As penas de recluso a eles cominadas no

    ultrapassaram os trs anos:

    HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIO DE CALIBRERESTRITO (ART. 16 DA LEI 10.826/03). PACIENTE CONDENADO PENA DE 3 ANOS DE RECLUSO, EM REGIME SEMIABERTO, E DEZDIAS-MULTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. CONDUTA TPICA.PRECEDENTES DESTA CORTE. DOSIMETRIA DA PENA.PENA-BASEFIXADA NO MNIMO LEGAL (3 ANOS). CIRCUNSTNCIASJUDICIAIS FAVORVEIS. GRAVIDADE EM ABSTRATO DO DELITO.ILEGALIDADE DO REGIME MAIS GRAVOSO. PRECEDENTES DOSTF E STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR.PARECER DO MPF PELA CONCESSO DA ORDEM. ORDEMPARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Na linha de precedentes desta Corte,

    para a configurao do delito previsto no art. 16 da Lei 10.826/03,basta o porte de munio de uso proibido ou restrito sem a devidaautorizao da autoridade competente. 2. O aludido crime previsto noart. 16 da Lei 10.826/03 visa a resguardar a incolumidade pblica,sendo presumida, por Lei, a ofensividade ao bem jurdico tutelado, quedecorre da mera conduta de portar munio de arma de fogo, a qual,

    portanto, , em tese, tpica. No h, dessa forma, como ser acolhida atese da defesa, relativa atipicidade material da conduta, mormentena hiptese dos autos em que o paciente foi surpreendido por Policiais

    Civis,portando 16 cartuchos, calibre 40, todos com capacidadepara sofrer deflagrao e sendo adequados para armas do tipopistola e submetralhadora, consoante o Laudo de Exame de Munio.3. As doutas Cortes Superiores do Pas (STF e STJ) j assentaram, eminmeros precedentes, que, fixada a pena-base no mnimo legal ereconhecidas as circunstncias judiciais favorveis ao ru, incabvelo regime prisional mais gravoso (Smulas 718 e 719 do STF). 4.Ressalva do entendimento pessoal do Relator, de que o Magistradono est vinculado, de forma absoluta, pena-base aplicada ao crime,quando opera a fixao do regime inicial de cumprimento da sano

    6Um anode xadrezpor cada balade revlver certamente faria com que o Ru pensasse muito

    bem nas consequncias de seu ato...

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    penal, podendo impor regime diverso do aberto ou semiaberto, pois ospropsitos da pena e do regime prisional so distintos einconfundveis. 5. Parecer do MPF pela concesso da ordem. 6. Ordem

    parcialmente concedida, para estabelecer o regime inicial aberto de

    cumprimento da pena.(STJ - HC: 112553 RJ 2008/0170736-2, Relator: Ministro NAPOLEONUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 18/03/2010, T5 - QUINTATURMA, Data de Publicao: DJe 26/04/2010).

    O Tribunal de Justia do Distrito Federal segue-lhe a alheta:

    APELAO CRIMINAL. POSSE ILEGAL DE MUNIO DE USORESTRITO. ARTIGO 16, CAPUT, DA LEI N 10.826/2003. SENTENA

    CONDENATRIA. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIO.ERRO DE PROIBIO. INEXISTNCIA. PEDIDO DEDESCLASSIFICAO PARA O CRIME DE PORTE ILEGAL DE MUNIODE USO PERMITIDO, PREVISTO NO ARTIGO 14, CAPUT, DA LEI N10.826/2003. INVIABILIDADE. TIPO PENAL QUE DISPENSACONHECIMENTO DO AGENTE QUANTO A SER OU NO A ARMA OUMUNIO DE USO PROIBIDO OU RESTRITO. PEDIDO DE REDUODA PENA EM RAZO DA PRESENA DE ATENUANTE. NOACOLHIMENTO. PENA-BASE FIXADA NO MNIMO LEGAL.IMPOSSIBILIDADE DE REDUO DA PENA AQUM DO MNIMO NASEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA. ENUNCIADO N 231 DA SMULADO STJ. RECURSO CONHECIDO E NO PROVIDO. 1. O CDIGOPENAL, NO CAPUT DE SEU ARTIGO 21, PRECONIZA QUE "O

    DESCONHECIMENTO DA LEI INESCUSVEL". ADEMAIS, VALEASSINALAR QUE A INFORMAO DE QUE A POSSE DE MUNIOCONSTITUI ATIVIDADE ILCITA J SE ENCONTRA POR DEMAISDIFUNDIDA PELOS MEIOS DE COMUNICAO, SENDO POSSVEL AQUALQUER INDIVDUO OBTER INFORMAES ACERCA DACLANDESTINIDADE DESSE COMPORTAMENTO. ASSIM, INCABVEL AABSOLVIO SOB A ALEGAO DA EXISTNCIA DE ERRO DEPROIBIO. 2. O TIPO PENAL DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 16,CAPUT, DA LEI N 10.826/2003 NO EXIGE QUE O AGENTE TENHACONHECIMENTO QUANTO A SER OU NO A ARMA OU MUNIO DEUSO PROIBIDO OU RESTRITO, BASTANDO, PARA A CONFIGURAODO DELITO, QUE O INDIVIDUO REALIZE ALGUMA DAS CONDUTAS

    NELE DESCRITAS E QUE A ARMA OU MUNIO SEJA DE USOPROIBIDO OU RESTRITO. 3. A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NOPODE SER FIXADA AQUM DO MNIMO LEGAL, NA SEGUNDA FASEDA DOSIMETRIA, AINDA QUE SE RECONHEA EM FAVOR DO RU ACIRCUNSTNCIA ATENUANTE DA CONFISSO ESPONTNEA.ENUNCIADO N 231 DA SMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIA. 4. RECURSO CONHECIDO E NO PROVIDO PARAMANTER INCLUME A SENTENA QUE CONDENOU O APELANTENAS SANES DO ARTIGO 16, CAPUT, DA LEI N 10.826/2003 PENA DE 03 (TRS) ANOS DE RECLUSO, EM REGIME INICIALABERTO, E 15 (QUINZE) DIAS-MULTA, NO VALOR LEGAL MNIMO,SUBSTITUDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUASRESTRITIVAS DE DIREITOS.

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    (...)

    Cuida-se de APELAO CRIMINAL interposta por Francisco deLima Sampaio Mileno contra a sentena que o condenou nassanes do artigo 16, caput, da Lei n 10.826/2003 (posse ilegal demunio de uso restrito), nos autos da ao penal n2007.09.1.023416-6, em curso perante o Juzo da Segunda VaraCriminal da Circunscrio Judiciria de Samambaia DF (fls.166/174).

    O Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios denunciouFrancisco de Lima Sampaio Mileno como incurso nas penas do artigo16, caput, da Lei n 10.826/2003 e do artigo 50 do Decreto-Lei n3.688/1941 (explorar jogo de azar em lugar acessvel ao pblico). Adenncia narrou os fatos nos seguintes termos (fls. 02/04):

    [...] No dia 04.12.2007, na QR 413, conjunto 05, lote 10,Samambaia/DF, o denunciado, agindo consciente e voluntariamente,

    possuiu munies de uso restrito, quais sejam12 (doze) cartuchosintactos, calibre 762, marca CBC, sem autorizao e emdesacordo com determinao legal ou regulamentar.

    (...)

    (TJ-DF - APR: 76107920078070009 DF 0007610-79.2007.807.0009,Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Data de Julgamento:05/08/2010, 2 Turma Criminal, Data de Publicao: 18/08/2010,DJ-e Pg. 184).

    ***

    Caso, portanto, seja o Impetrante realmente condenado por manter em

    depsito trs trs! munies, sua pena no suplantar quatro anos de recluso.

    Nesse caso, a reprimenda seria, j ao incio, cumprida, segundo disposio do

    Cdigo Penal,em regime aberto:

    Art. 33 - A pena de recluso deve ser cumprida em regime fechado,semi-aberto ou aberto. A de deteno, em regime semi-aberto, ouaberto, salvo necessidade de transferncia a regime fechado.

    (...)

    2 - As penas privativas de liberdade devero ser executadasem forma progressiva, segundo o mrito do condenado,

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    observados os seguintes critrios e ressalvadas as hipteses detransferncia a regime mais rigoroso:

    (...)

    c) o condenado no reincidente, cuja pena seja igual ou inferiora 4 (quatro) anos, poder, desde o incio, cumpri-la em regimeaberto.

    Assim, conforme Cezar Roberto Bitencourt,

    O condenado s permanecer recolhido (em casa de albergadoou em estabelecimento adequado) durante o repouso noturno e

    nos dias de folga.O condenado dever trabalhar, frequentar cursosou exercer outra atividade autorizada fora do estabelecimento e semvigilncia. Com responsabilidade e disciplinadamente o detentodever demonstrar que merece a adoo desse regime e que para eleest preparado, sem frustrar os fins da execuo penal, sob pena deser transferido para outro regime mais rigoroso (art. 36, 2, do CP). Omaior mrito do regime aberto manter o condenado em contato com asua famlia e com a sociedade, permitindo que o mesmo leve uma vidatil e prestante (Tratado de Direito Penal Parte Geral. So Paulo:Editora Saraiva, 2012, p. 687).

    No bastasse isso, tudo leva a crer que, em caso de condenao, sua penaser, ainda de acordo com determinao do Cdigo Penal, substituda por penas

    restritivas de direitos:

    Art. 44. As penas restritivas de direitos so autnomas e substituemas privativas de liberdade, quando:

    I aplicada pena privativa de liberdade no superior a quatro anos e ocrime no for cometido com violncia ou grave ameaa pessoa ou,

    qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

    II o ru no for reincidente em crime doloso;

    III a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e apersonalidade do condenado, bem como os motivos e ascircunstncias indicarem que essa substituio seja suficiente.

    Ainda conforme Cezar Roberto Bitencourt,

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    A possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade, como fez aAlemanha, est estabelecida no Cdigo Penal brasileiro e disposiodo juiz para ser executada no momento da determinao da pena nasentena (art. 59, IV, do CP), j que, por sua prpria natureza, requer a

    prvia determinao da quantidade de pena a impor. E, como nadosagem da pena o juiz deve escolher a sano mais adequada,levando em considerao a personalidade do agente e demaiselementos do artigo citado e, particularmente, a finalidade preventiva, natural que nesse momento processual se examine a possibilidadede substituir a pena privativa de liberdade. Ao determinar aquantidade final da pena de priso, se esta no for superior aquatro anos ou se o delito for culposo, o juiz, imediatamente,dever considerar a possibilidade de substituio. Somente seno for possvel essa substituio o juiz passar a examinar a

    possibilidade da suspenso condicional da pena (arts. 77, III, do CP e157 da LEP) (Tratado de Direito Penal Parte Geral. So Paulo:Editora Saraiva, 2012, p. 728).

    No h, pois, sentido algum em manter o Impetrante cautelarmente

    segregado se, ao fim do processo, ver-se- ele longe do ergstulo. Nada justifica

    sua priso preventiva que, absurdamente, j se arrasta por mais de 45 dias.

    ***

    O artigo 312 do Cdigo de Processo Penal determina que a priso preventiva

    poderser decretada em certos casos.

    Por sua vez, seu artigo 313 dispe que, nos termos do artigo 312, a priso

    preventiva ser admitidaem tal ou qual oportunidade.

    Ora,podere admitir no equivalem aprender obrigatoriamente.

    Qualquer priso provisriaseja ela flagrante, preventiva ou temporriadeve

    ser concretamente julgada. No fosse de tal forma, bastaria que um ciborgueou algo

    que o valha ocupasse o lugar do Magistrado. Nem tudo se resolve mediante a operao

    de subsunes automticas. A razoabilidadee aproporcionalidadedevem nortear toda

    a atividade jurisdicional.

    realmente preciso atentar para aproporcionalidadeda constrio:

    As medidas cautelares pessoais esto localizadas no ponto maiscrtico do difcil equilbrio entre dois interesses opostos, sobre os quais

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    gira o processo penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficcia narepresso de delitos. O Princpio da Proporcionalidade vai nortear aconduta do juiz frente ao caso concreto, pois dever ponderar agravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem

    perder de vista a densidade do fumus comissi delicti e do periculumlibertatis. Dever valorar se esses elementos justificam a gravidadedas consequncias do ato e a estigmatizao jurdica e social que irsofrer o acusado. Jamais uma medida cautelar poder se converterem uma pena antecipada, sob pena de flagrante violao presunode inocncia (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. So Paulo:Editora Saraiva, 2012, 9 Edio, p. 793 794).

    bem verdade que o crime que se est a pr na conta do Impetrante punido

    com pena mxima de seis anos de recluso e multa. Ocorre que, conforme j exposto,

    assaz provvel que, se condenado, sua reprimenda fsica no ultrapassar trs anos.No foi com outro propsito que o legislador valeu-se, no caput do artigo 313 do

    Cdigo de Processo Penal, da expresso ser admitidaa priso preventiva: a depender

    do caso concreto, a liberdade provisria h de ser determinada ainda que a pena

    privativa de liberdade mxima abstratamentecominada seja superior a quatro anos.

    III Para o Magistrado de primeiro grau o Coator , a priso preventiva do

    Impetrante necessria para resguardar a ordem pblica, a instruo penal e a

    aplicao da lei o que, ver-se-, no tem nenhum sentido.

    J se sabe a que extremos levou a defesa incondicional da ordem e da

    legalidade. Sob o manto de tais expresses, uma srie de regimes polticos tentou

    legitimarhorrores institucionais de, literalmente,toda ordem (!).

    O discurso da poltica invariavelmente ressurte nos Cdigos e na

    Jurisprudncia.

    Ocorre que, por vezes, os ventos mudam. A Constituio da Repblica

    atualmente vigente prova disso: como cantou Bob Dylan, The Times They are a-

    changin.

    Hoje, diante da importncia conferida pela Carta Magna ao estado de inocncia

    ningum ser tido por culpado antes do trnsito em julgado de sentena condenatria

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    Mas a aplicao da lei penalj estsendo assegurada: o Impetrante vem sendo

    processado e, sem demonstrar qualquer inteno fugir, aguarda o fim do feito. Ora, o

    Ru casado, tem filho e trabalha nesta cidade: ele no vai a lugar nenhum.

    O STJ entende que juzos subjetivos quanto possibilidade de evaso no

    podem dar azo a prises cautelares:

    Priso preventiva. Fundamentao baseada na gravidade abstrata dodelito, bem como em juzos subjetivos quanto probabilidade de fuga.Insubsistncia. Deciso que deve demonstrar, de modo efetivo, ascircunstncias concretas autorizadoras da custdia cautelar. Ordemconcedida.

    Penal e processual penal. Homicdio qualificado. Priso preventivafundada na gravidade do delito, em abstrato ena probabilidade defuga do co-ru. Constrangimento ilegal evidenciado. A simplespresuno de periculosidade em razo da natureza abstrata do delitono enseja a decretao de priso preventiva, quando nodemonstrada a periculosidade do agente e, por conseguinte, qualquer

    prejuzo para a ordem pblica ou para o desenvolvimento da aopenal. O decreto de priso preventiva deve fundamentar-se em fatosque efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendidosos requisitos do art. 312 do CPP. Juzos subjetivos quanto

    probabilidade de fuga, mxime do co-ru, no bastam para amanuteno da custdia, como expediente para garantir a

    instruo criminal.Deve o magistrado demonstrar, de modo efetivo,as circunstncias concretas, suscetveis de ensejar a custdiapreventiva, consistentes nos maus antecedentes e na periculosidadedo agente, com o fito de justificar o decreto prisional. Precedentes

    jurisprudenciais. Ordem concedida, nos termos do voto (STJ 6Turma HC 26.10 j. 15.04.2003).

    No h, portanto, qualquer sentido em se manter o Impetrante provisoriamente

    segregadopara que se assegure a aplicao da lei penal.

    ***

    O argumento de que a priso cautelar do Ru fundamental para a

    convenincia da instruo de fazer rir: se as munies supostamente mantidas em

    depsito pelo Impetrante j foram apreendidas e, inclusive, periciadas, como o

    Impetrante h de prejudicar as investigaes realizadas para o desvelamento do

    hipottico crime? Est-se, a, diante de uma desculpa esfarrapada.

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    IV

    possvel que o Magistrado Coator esteja a confundir as coisas: se oImpetrante suspeito de cometer crime diverso cuja apurao est a se dar em

    outro juzo, isso no tem nada que ver com esteprocesso.

    O Impetrante vem sendo investigado por ter supostamente praticado um

    estupro. Mas tal caso no tem nada que ver com o depsito de munio de que est

    sendo o Ru acusado.

    O Magistrado Coator parece, contudo, estar convencido de que a prisocautelar do Impetrante fundamental para que no possa ele estuprarningum. Ora,

    uma coisa uma coisa; outra coisa outra coisa.

    Se o juiz responsvel pela conduo de um eventual processo em que se

    investigar um suposto estupro praticado pelo ora Impetrante entender que a

    segregao cautelar deste ltimo necessria, caber quele e no, por bvio, ao

    Magistrado Coator...determin-la.

    O Coator est, pois, a julgar o Impetrante pelo que este supostamente , mas

    no pelo que fez. Cedio , no entanto, que o Direito Penal do Autorno compatvel

    com a Constituio Federal.

    V O Magistrado Coator est a se valer de um cabedal tpico do Direito Penal do

    Autor para manter a priso do Impetrante.

    Em O Estrangeiro, romance do escritor franco-argelino Albert Camus,

    Meursault sua personagem principal v-se s voltas com o Direito do Autorque

    no julga seu crime, mas sua alma7.

    O drama principia com Meursault a afirmar que sua me morrera:

    7E tentei continuar a escutar, pois o procurador comeou a falar da minha alma(Camus, Albert.

    O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?, p. 195).

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    Hoje, minha me morreu. Ou talvez ontem, no sei bem. Recebi umtelegrama do asilo: Sua me falecida. Enterro amanh. Sentidos

    psames. Isto no quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem (Camus,Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?, p. 47).

    Diante da notcia, Meursault viajou cidade em que sua me falecera.

    Acompanhou, ento, as exquias com um tantinho de indiferena o que causou

    estranheza entre aqueles que a prestigiaram.

    No dia seguinte ao enterro no sbado , a personagem principal ps-se a

    engraar-se com Maria Cardona um antigo affairque, casualmente, encontrara na

    praia. s tantas, Meursault disse-lhe que sua me acabara de falecer:

    Disse-lhe que a minha me tinha morrido. Como queria saber hquanto tempo, respondi-lhe: morreu ontem. Esboou um movimento derecuo, mas no fez nenhuma observao. Tive vontade de lhe dizerque a culpa no fora minha, mas detive-me porque me pareceu j terdito isso mesmo ao meu patro. Isto nada queria dizer. De qualquermodo, fica-se sempre com um ar um pouco culpado (Camus, Albert. OEstrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?, p. 71).

    O domingo foi integralmente usado para, da sacada de seu apartamento,

    admirar gatos de rua a brigar sobre latas de lixo e para pensar no que a segunda-feira

    lhe reservaria:

    Pensei que passara mais um domingo, que a me j fora a enterrar,

    que ia regressar ao meu trabalho e que, no fim de contas, continuavatudo na mesma (Camus, Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livrosdo Brasil, 196?, p. 76).

    Dias depois disso, um seu vizinho teve uma ciznia com certo rabe. Ao

    fortuitamente envolver-se na peleja de ambos, Meursault acabou por mat-lo em um

    balnerio situado nos arrabaldes da cidade:

    E desta vez, sem se levantar, o rabe tirou a navalha da algibeira emostrou-ma ao sol. A luz reflectiu-se no ao e era como uma longalmina faiscante que me atingisse a testa. No mesmo momento, o suor

    amontoado nas sobrancelhas correu-me de sbito pelas plpebrasabaixo e cobriu-as com um vu morno e espesso. Os meus olhosficaram cegos, por detrs desta cortina de lgri as e de sal. Sentiaapenas as pancadas do sol na testa e, indistintamente, a espada de

    fogo brotou da navalha, sempre diante de mim. Esta espada a ardercorroa-me as pestanas e penetrava-me nos olhos doridos. Foi entoque tudo vacilou. (...) Todo meu ser se retesou e crispei a mo quesegurava o revlver. O gatilho cedeu, toquei na superfcie lisa dacoronha e foi a, com um barulho ao mesmo tempo seco eensurdecedor, que tudo principiou. Sacudi o suor e o sol. Compreendique destrura o equilbrio do dia, o silncio excepcional de uma praiaonde havia sido feliz. Voltei ento a disparar mais quatro vezes contraum corpo inerte, onde as balas se enterravam sem se dar por isso. E

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    era como se batesse quatro breves pancadas, porta da desgraa(Camus, Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?,

    p. 131).

    Cautelarmente preso, o homicida entrevistou-se com seu defensor:

    Sentou-se na cama e explicou-me que tinham andado a investigar aminha vida privada. Tinham descoberto que a minha me morrerarecentemente no asilo. Procedera-se ento a um inqurito em Marengo.Os investigadores tinham sabido que eu dera provas deinsensibilidade no dia do enterro (Camus, Albert. O Estrangeiro.Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?, p. 139).

    Pouco mais tarde, encontrou-se com o juiz de instruo, que

    Deixou-se ficar calado durante alguns momentos, enquanto a mquinade escrever, que no deixara de seguir o dilogo, prolongava ainda as

    ltimas frases. Em seguida, olhou-me atentamente e com umbocadinho de tristeza. Murmurou: Nunca tinha visto uma alma to

    empedernida como a sua. Os criminosos que aqui vieram, choraramsempre diante desta imagem da dor [de Jesus Cristo]. Ia responderque isso sucedia porque, justamente, eram criminosos. Mas penseique, afinal tambm eu era como eles. No me conseguia habituar aesta idia... O juiz levantou-se ento, como se quisesse significar que ointerrogatrio acabara. Perguntou-me apenas, com o mesmo ar um

    pouco fatigado, se estava arrependido do meu acto. Meditei e disseque, mais do que verdadeiro arrependimento, experimentava um certoaborrecimento. Tive a impresso de que no me compreendia. Masnesse dia, as coisas no foram mais longe (Camus, Albert. OEstrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?, p. 146-147).

    J durante seu jri, o promotor de justia dirigiu-lhe a palavra:

    Disse-me que ia agora abordar questes aparentemente estranhas aomeu caso, mas que talvez o tocassem de muito perto. Percebi que meiam outra vez falar da minha me e senti at que ponto isso meaborrecia. Respondi que era porque no ganhava o bastante para a tercomigo e para cuidar dela como deveria ser. Perguntou-me se,

    pessoalmente, sofrera com o facto e respondi que nem a minha me,nem eu, espervamos j alguma coisa um do outro, nem alis deningum, e que os dois nos havamos habituado s nossas novasvidas (Camus, Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil,

    196?, p. 174-175).A olhar com firmeza para os jurados, o mesmo promotor asseverou:

    Meus senhores, um dia depois da morte da sua me, este homemtomava banhos de mar, iniciava relaes com uma amante e ia rir sgargalhadas, num filme cmico. Nada tenho a acrescentar (Camus,Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros do Brasil, 196?, p. 183).

    O defensor pblico ripostou-lhe com veemncia:

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    Enfim, esto a acus-lo de ter assassinado um homem ou de lhe termorrido a me? (Camus, Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros

    do Brasil, 196?, p. 186).

    Frente situao,

    O pblico riu-se. Mas o procurador [promotor] levantou-se outra vez,ajustou a toga e declarou que era preciso ter a ingenuidade do ilustredefensor para no sentir que entre as duas ordens de factos haviauma relao profunda, pattica, essencial. Sim, exclamou ele com

    fora, acuso este homem de ter assistido ao enterro da me com umcorao de criminoso (Camus, Albert. O Estrangeiro. Lisboa: EdioLivros do Brasil, 196?, p. 186).

    Ao fim de seu julgamentoem que, alfim, foi sentenciado morte, Meursault

    ponderou que

    Mesmo do lugar dos rus, sempre interessante ouvir falar de nsprprios. Durante os arrazoados do procurador e do meu advogado,posso dizer que se falou muito de mim e talvez at mais de mim quedo meu crime (Camus, Albert. O Estrangeiro. Lisboa: Edio Livros doBrasil, 196?, p. 191).

    Eis, a, pois, um clebre exemplo literrio do que vem a ser o Direito Penal do

    Autor: no fundo, Meursault foi condenado por ter encarado com indiferenaa morte de

    sua me. Pouco se dava ao juiz, ao promotor ou aos jurados que, rompendo a

    harmonia do dia, tivesse ele crivado cinco balas em um rabe. Importava-lhes, antes

    de tudo, julg-lo moralmente8

    : homem absurdocamusiano que era, deveria ser mortopelo que era, mas no pelo que fizera.

    ***

    No mbito do Direito Penal do Autor, o agente punidoporque teria podido agir

    de forma diversa. De fato, mesmo anos domnios do Direito Penal do Autor, aqueles

    que atuam em legtima defesa, em estado de necessidade ou em exerccio regular de

    direito, no so castigados.

    Ocorre que, conforme Friedrich Nietzsche, durante a maior parte de suahistria, a humanidade no se valeu desse discurso que no seno o do livre-

    arbtrio cristopara legitimar condenaes criminais:

    Esta idia, hoje to geral, e na aparncia to natural e necessria,para explicar a formao do sentimento de justia de que o criminosomerece o castigo porque teria podido proceder de outro modo, ,realmente, uma forma muito tardia e requintada do juzo e da induo,

    8 impossvel no sugerir, aqui, a leitura do curso ministrado por Michel Foucault em 1974 e1975 no Collge de FranceOs Anormais, que, em sntese, trata do modo cientficocom que os

    psiquiatras forenses descreviam os criminosos da Franadas dcadas de 1950 e 1960...

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    e quem a coloca nas origens erra grosseiramente acerca da psicologiada humanidade primitiva. Durante o perodo mais largo da histriahumana, no castigavam o malfeitor porque o julgassem responsvel

    pelo seu ato; nem sequer se admitia que s o culpado devia ser

    castigado. Antes se castigava ento como os pais castigam agora osfilhos, arrebatados pela clera que o dano excita; mas esta clera mantida em certos limites e modificada no sentido de que todo o danoencontre de algum modo o seu equivalente, sendo susceptvel decompensar-se ao menos por uma dor que sofra o autor do prejuzo.Donde tirou o seu poder esta idia primordial to arraigada, a estaidia, talvez indestrutvel, de que o prejuzo e a dor so equivalentes?J o disse: da relao contratual entre credor e devedor, que toantiga como a prpria noo de sujeio legal que, por sua vez, nosleva s formas primitivas da compra e venda e do cmbio (AGenealogia da Moral. So Paulo: Editora Moraes, 1985, p. 33).

    Por um bom nmero de anos, portanto, punia-se um criminosocomo se punia

    um sujeito que no cumpria um contrato. No se lhe jogavam na cara suas fraquezas

    morais; no se punham os julgadores a espinafrar seu modo de vida: punia-se ofato.

    ***

    por demais cedio que h um Direito Penal do Autor e um Direito Penal do

    Fato. Em seus julgamentos, aquele se atm moralidade o ru malvado, frio,

    calculista, cnico, sarcstico, insensvel... daquele que agiu; estoutro, quilo que foi

    cometidoele roubou, matou, estuprou.

    Claus Roxin alumia tal classificao:

    Por Derecho penal del hecho se entiende una regulacin legal, envirtude de la cual la punibilidad se vincula a una accin concretadescrita tipicamente (o a lo sumo a varias acciones de ese tipo) y lasancin representa slo la respuesta al hecho individual, y no a todala conduccin de la vida del autor o a los peligros que en el futuro seesperan del mismo. Frente a esto, se tratar de un Derecho penal deautor cuando la pena se vincule a la personalidaddel autor y sea suasocialidad y el grado de la misma lo que decida sobre la sancin.

    Lo que hace culpable aqu al autor no es ya que haya cometido umhecho, sino que slo el que el autor sea 'tal' se convierte en objeto de lacensura legal; "all donde entre los presupuestos de la conminacin

    penal se incluye algo distinto y ms que el si y el cmo de una accinindividual, y donde esse algo ms debe buscarse en la peculiaridadhumana del autor, estamos ante un sistema en que la pena se dirigeal autor como tal.(...)

    Est claro que el principio constitucional nullum crimen, nullapoena sine lege favorece ms el desarrollo de un Derecho penaldel hecho que el de um Derecho penal de autor; pues lasdescripciones de acciones y las penas por el hecho se

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    acomodan ms al principio de precisin o determinacin queunos preceptos penales que atiendan a "un elementocrimingeno permanente" em la persona del autor o "al ser-ashumano de la personalidad que hay que castigar" y que midan

    por ese baremo la clase y cuanta de la sancin. As pues, unordenamiento jurdico que se base en principios propios de unEstado de Derecho liberal se inclinar siempre hacia unDerecho penal del hecho.(...)

    Zimmerl ha expuesto en su libro "Der Aufbau des Strafrechtssystems"(1930) que un sistema de Derecho penal ha de estructurarse de modocompletamente distinto segn que se base en un Derecho penal delhecho o en un Derecho penal de autor ''; y va tan lejos en esa idea queconsidera que en esa decisin reside la cuestin centred, y que se

    plantea en primer lugar, de la posicin de las vas de cualquierconcepcin del sistema: "Hecho concreto o personalidad, sta es la

    pregunta sobre el fundamento primario de todo sistema".(...)

    Est fuera de discusin que el Derecho actualmente vigente espredominantemente un Derecho penal del hecho.(...)

    Asimismo existe actualmente un amplio acuerdo en que tambin sedeben interpretar conforme al Derecho penal del hecho, y no al deautor, los tipos que atienden a determinados motivos o actitudesinternas del sujeto activo. As p.ej., el hecho de matar a otro de modo"cruel" se castiga como asesinato ( 211), y a ese respecto, segn la

    jurispr., acta con crueldad "quien le produzca a la vctima dolores

    especialmente intensos o torturas de tipo fsico o psquico por unaactitud interna insensible e inmisericorde". Y para la comprobacin deesa actitud no importa si el autor como tal es una persona cruel, lo quesera un punto de vista del Derecho penal de autor, sino que el BGHdice expresamente: "Tal actitud interna, que pertenece al concepto deactuacin cruel, no tiene por qu radicar en el modo de ser del autor niinfluir constantemente en el conjunto de su comportamiento". Bastacon que el mismo haya mostrado en su hecho concreto una actitudinterna falta de sentimentos y que le haya causado especialessufrimientos a la vctima. Un homicdio as (p.ej. un hecho por celos)ser "cruel" y deber castigarse como asesinato, aunque no concuerdecon la imagen de la personalidad del autor, que acaso se hayamostrado por lo dems como una persona pacfica y de buen corazn.

    Y otros elementos tpicos del asesinato, como la "codicia" o la"alevosa", tampoco presuponen que el autor sea un sujeto codicioso oalevoso, sino slo que en el hecho concreto haya puesto de manifiestoesos rasgos. Lo mismo rige para la interpretacin de elementos tpicoscomo "brutal" ( 223 b), "desconsiderado" ( 315 c I, n. 2), etc.(...)

    Aqu cabe plantear en primer lugar el supuesto de que haya motivosdel Derecho penal de autor que influyan en la eleccin del marco

    penal. As ocurra en el antiguo 20 a (nm. 8), que prevea unapena especialmente agravada para "delincuentes habitualespeligrosos" y presupona una "valoracin global" de la

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    (Direito e Razo: Teoria do Garantismo Penal. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

    2010, p. 508).

    Masao menos teoricamente...no por aqui.

    Determina a Constituio da Repblica Federativa do Brasil que ningum ser

    considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria; que

    ningum ser levado priso ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade

    provisria, com ou sem fiana; que a priso ilegal ser imediatamente relaxada pela

    autoridade judiciria; que ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o

    devido processo legal9.

    De fato,

    A Constituio estabelece, no art. 5, LVII, que ningum setaconsiderado culpado at o trnsito em julgado da sentena penalcondenatria, consagrando, de forma explcita, no direito positivoconstitucional, o princpio da no-culpabilidade ou o princpio da

    presuno de inocncia (antes do trnsito de julgado da sentenapenal condenatria) (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO,Inocncio Mrtires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de DireitoConstitucional. 4 edio. So Paulo: Editora Saraiva e InstitutoBrasiliense de Direito Pblico, 2009, p. 676).

    Pode-se facilmente atribuir ao Constituinte brasileiro a pecha de vanguardista.

    Nopresumiuele a inocncia; afirmou-a:

    O princpio da inocncia, cuja origem mais significativa pode serremontada Revoluo Francesa e queda do Absolutismo, sob arubrica da presuno de inocncia, recebeu tratamento distinto por

    parte de nosso constituinte de 1988. A nossa Constituio, comefeito, no fala em nenhuma presuno de inocncia, mas daafirmao dela,como valor normativo a ser considerado em todas as

    fases do processo penal ou da persecuo penal, abrangendo, assim,tanto a fase investigatria quanto a fase processual propriamente dita.

    (...)

    A partir, ento, da Constituio de 1988, com todas as profundasalteraes nela inseridas, de modo especial em relao s garantiasindividuais de quem se acha submetido a processo penal, o princpioda inocncia tornou-se efetivamente uma realidade normativa, comtoda a carga de positividade que vem expressa no art. 5, 1, da CF,segundo o qual as normas definidoras de direitos e garantias

    9

    Tudo isso se l nos incisos LVII, LXVI, LIV, LXV e LVII de seu art. 5.

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    fundamentais tm aplicao imediata (Oliveira, Eugnio Pacelli de.Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 491 e 544).

    Na realidade, uma vez mais conforme Luigi Ferrajoli,

    A culpa, e no a inocncia, deve ser demonstrada, e a prova daculpa ao invs da de inocncia, presumida desde o incio que formao objeto do juzo.

    Esse princpio fundamental de civilidade representa o fruto de umaopo garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, aindaque ao custo da impunidade de algum culpado. (...) sobre essa opoque Montesquieu fundou o nexo entre liberdade e segurana dos

    cidados: a liberdade poltica consiste na segurana, ou ao menos naconvico que se tem da prpria segurana, e essa segurana nunca posta em perigo maior do que nas acusaes pblicas e privadas;de modo que, quando a inocncia dos cidados no garantida,tampouco o a liberdade. Disso decorre se verdade que osdireitos dos cidados so ameaados no s pelos delitos mastambm pelas penas arbitrrias que a presuno de inocncia no apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas tambm umagarantia de segurana ou, se quisermos, de defesa social: daespecfica segurana fornecida pelo Estado de direito e expressa

    pela confiana dos cidados na justia, e daquela especfica defesadestes contra o arbtrio punitivo (Direito e Razo: Teoria do GarantismoPenal. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 506).

    ***

    Na teoria,avant-garde; na prtica, nem tanto.

    que, por estas plagas, a priso cautelar seja ela qual for atingiu

    dimenses patolgicas10. Como em outros campos do poder,a exceo tem-se tornado

    a regra.

    Deveras, segundo Eugenio Ral Zaffaroni,

    A caracterstica mais destacada do poder punitivo latino-americanoatual em relao ao aprisionamento que a grande maioria aproximadamente dos presos est submetida a medidas deconteno, porque so processados no condenados. Do ponto de vista

    formal, isso constitui uma inverso do sistema penal, porm, segundo

    10

    A expresso foi tomada emprestada de Luigi Ferrajoli, que a utiliza em seu Direito e Razo.

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    a realidade percebida e descrita pela criminologia, trata-se de umpoder punitivo que h muitas dcadas preferiu operar mediante apriso preventiva ou por medida de conteno provisria transformadadefinitivamente em prtica. Falando mais claramente: quase todo o

    poder punitivo latino-americano exercido sob a forma de medidas, ouseja, tudo se converteu em privao de liberdade sem sentena firme,apenas por presuno de periculosidade.

    (...)

    Em sntese, pode-se afirmar que o poder punitivo na Amrica Latina exercido mediante medidas de conteno para suspeitos perigosos, ouseja, trata-se, na prtica, de um direito penal de periculosidade

    presumida, que a base para a imposio de penas sem sentenacondenatria formal maior parte da populao encarcerada (OInimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007, p. 70 e71).

    Mas preciso alterar um tal quadro, vez que (...) a priso preventiva est

    submetida ao princpio da necessidade estrita, no podendo, em qualquer hiptese, ser

    confundida com antecipao de pena (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO,

    Inocncio Mrtires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4 edio.

    So Paulo: Editora Saraiva e Instituto Brasiliense de Direito Pblico, 2009, p. 708).

    A privao cautelar da liberdade deve ser sempre a exceo. que

    (...) o estado de inocncia (e no a presuno) probe a antecipao dosresultados finais do processo, isto , a priso, quando no fundadaem razes de extrema necessidade, ligadas tutela da efetividade do

    processo e/ou da prpria realizao da jurisdio penal (De Oliveira,Eugnio Pacelli. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey,2004, p. 27)11.

    No outro o entendimento do Supremo Tribunal FederalSTF:

    11De acordo com Luigi Ferrajoli, A histria da deteno cautelar do imputado no transcurso doprocesso est estritamente conectada com a do princpio da presuno de inocncia: na medida enos limites em que a primeira foi sendo cada vez mais admitida e praticada, seguiram-se de pertoos desenvolvimentos tericos e normativos do segundo. Desse modo, ocorreu que enquanto emRoma, aps experincias alternadas, chegou-se a proibir por completo a priso preventiva, naIdade Mdia, com o desenvolvimento do procedimento inquisitrio, ela se tornou o pressupostoordinrio da instruo, baseada essencialmente na disponibilidade do corpo do acusado comomeio de obter a confisso per tormenta. E s voltou a ser estigmatizada com o Iluminismo,concomitantemente reafirmao do princpio nulla pena, nula culpa sine judicio e redescoberta do processo acusatrio (Direito e Razo: Teoria do Garantismo Penal. So Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 508).

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    HC 81.395/TORel. Celso de MelloDJ de 15-8-2003

    Priso preventiva enquanto medida de natureza cautelar no tempor f inalidade punir, antecipadamente, o indiciado ou o ru. A prisopreventiva no pode e no deve ser utilizada, pelo Poder Pblico,como instrumento de punio antecipada daquele a quem se imputoua prtica do delito, pois, no sistema jurdico brasileiro, fundado embases democrticas, prevalece o princpio da liberdade, incompatvelcom punies sem processo e inconcilivel com condenaes semdefesa prvia.A priso preventiva que no deve ser confundida com a priso

    penal no objetiva infligir punio quele que sofre a suadecretao, mas destina-se, considerada a funo cautelar que lhe inerente, a atuar em benefcio da atividade estatal desenvolvida no

    processo penal (...).

    O entendimento do STF deve, por bvio, ser respeitado.

    VII As Medidas Cautelares j no se resumem priso preventiva e liberdade

    provisria.

    H pouqussimos anos, o Cdigo de Processo Penal foi alvo de substanciais

    modificaes no que toca s medidas cautelares.

    No se est mais, hoje, diante do tudo ou nada. Agora, assomam entre a priso

    preventiva e a liberdade provisria uma srie de medidas, todas descritas no artigo

    319 do Cdigo de Processo Penal.

    Desde a edio da Lei n. 12.403, quaisquer medidas cautelares ho de ser

    aplicadas tendo em vista a adequao da medida gravidade do crime, circunstncias

    do fato e condies pessoais do indiciado ou acusado.

    preciso atentar para aproporcionalidadeda constrio:

    As medidas cautelares pessoais esto localizadas no ponto maiscrtico do difcil equilbrio entre dois interesses opostos, sobre os quaisgira o processo penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficcia narepresso de delitos. O Princpio da Proporcionalidade vai nortear aconduta do juiz frente ao caso concreto, pois dever ponderar agravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem

    perder de vista a densidade do fumus comissi delicti e do periculumlibertatis. Dever valorar se esses elementos justificam a gravidade

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    das consequncias do ato e a estigmatizao jurdica e social que irsofrer o acusado. Jamais uma medida cautelar poder se converterem uma pena antecipada, sob pena de flagrante violao presunode inocncia (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. So Paulo:

    Editora Saraiva, 2012, 9 Edio, p. 793 794).

    No caso de que se est a tratar, no h que se determinar a priso preventiva

    do Impetrante. Diante das circunstncias fticas presentes, tal medida soaria de todo

    desproporcional. Caso no se conceda ao Impetrante a liberdade provisria, faz-se

    necessrio lanar mo de qualquer outra medida cautelar diversa da priso

    preventiva.

    VIII Da Concesso da Liminar.

    O Ru que, se condenado, muito provavelmente ter sua pena de recluso

    convertida em restritiva de direitosencontra-se preso h praticamente dois meses.

    A ilegalidade de sua priso manifesta razo pela qual se h de,

    liminarmente, restituir sua liberdade.

    Conquanto no exista qualquer previso legal a respeito da possibilidade de

    concesso de antecipao dos efeitos da tutela em sede de Habeas Corpus, tanto a

    literatura jurdica quanto a jurisprudncia tm-na acatado:

    Apesar da sumariedade do procedimento do habeas corpus, certassituaes excepcionais recomendam a antecipao da restituio daliberdade ao paciente ou, ento, tratando-se de ordem requerida emcarter preventivo, da adoo de providncias urgentes para oresguardo do direito de ir, vir e ficar

    Assim, embora no prevista em lei para o remdio aqui analisado, aconcesso de liminar vem sendo admitida pela jurisprudncia, emcarter excepcional, sempre que presentes os requisitos das medidascautelares em geral (fumus boni iuris e periculum in mora), poranalogia com a previso existente em relao ao mandado desegurana (Fernandes, Antonio Scarance; Gomes Filho, AntonioMagalhes; Grinover, Ada Pellegrini. Recursos no Processo Penal. SoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 370-371).

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    Presentes tanto o fumus boni iuris os itens I, II, III e IV desta petio dele

    trataram de forma minudentequanto opericulum in moratolhido de sua liberdade,

    o Impetrante se encontra preso em um ergstulo oitocentista, a ordem de soltura por

    ora pleiteada dever ser imediatamente expedida.

    IX Requerimentos

    Diante do exposto, requer-se:

    a) liminarmente, em sede de antecipao dos efeitos da tutela, a concesso deordem que determine a imediatarestituio da liberdade do ora Impetrante;

    b) a oitiva do Ministrio Pblico do Estado de Santa Catarina;c) frente falta de proporcionalidade entre a priso cautelar e o provvel

    resultado final do processo, inconstitucionalidade da ordem pblicacomo

    arrimo para segregaes cautelares e ausncia de fundamento para a

    manuteno da priso preventiva com o propsito de resguardar a ordem

    pblica, a instruo penal e a aplicao da lei, a concesso de ordem que, a

    confirmar a deciso liminarmente prolatada, relaxe a priso ilegal do

    Impetrante; alfim,

    d) sucessivamente, a converso da segregao preventiva em medida cautelardiversa da priso.

    Florianpolis, 03 de dezembro de 2013

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    Marcel Mangili Laurindo

    Defensor Pblico do Estado de Santa Catarina

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