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Luiz L. Marins

Pierre Verger - Nocao de Pessoa e Linhagem Familiar Entre Os Iorubas

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  • Noo de Pessoa e

    Linhagem Familiar entre os Iorubs

    Pierre Verger

    Comunicao apresentada no Coloquio Internacional

    La Notion de Personne em Afrique Noire

    Paris - 1971

    Edio do Centre National de La Recherque Scientifique

    n. 544 - 1981

    Traduo:

    Carlos Eugnio Marcondes de Moura

    Publicado em:

    Sada de Ia, cinco ensaios sobre a religio dos orixs Pierre Verger, Organizao de Carlos Eugnio Marcondes de Moura.

    Fundao Pierre VergerEditora Axis Mundi

    2002

    Transcrio e notas de:1

    Luiz L. Marins

    Abril - 2011

    1 Esta transcrio conter notas do autor e do transcritor. As originais notas de referencia foram transcritas para o corpo de texto. As notas explicativas foram mantidas no rodap com sua respectiva numerao. Quando a nota for do autor, o nmero original aparecer em parnteses, logo aps ao numero da nota, e quando for apenas do transcritor, o pargrafo terminar com N.T. .

  • Introduo

    A Noo de Pessoa entre os iorubs, como inmeras outras etnias africanas, est profundamente

    ligada organizao social do grupo de que ela faz parte.

    A ideia de que passaremos em revista a das almas mltiplas2, a da diversidade dos nomes, a da

    crise de possesso pelo deus (rs) enfatizam a dependncia do indivduo linhagem familiar e

    comunidade, que engloba os vivos e os mortos, os ancestrais prximos e remotos, que se

    perpetuam em seus descendentes, aos quais transmitiram seus genes.

    Escreve Hubert Deschamps (1965, p. 19), Para o africano, o isolamento inconcebvel. Sua

    fora vital encontra-se em constante relao com a dos ancestrais e membros do grupo. A maior das

    calamidades consiste em ser separado dela, e assim, ser reduzido a uma existncia precria, e sem

    proteo, votada ao nada.

    mi, a alma, o sopro vital, e jj, a sombra

    Afirmam os iorubs que o corpo das pessoas foi criado e moldado no barro por Oldmar

    (Deus, ou Fora Suprema)3. A cabea (or) foi moldada por Obtl, que recebeu de Oldmar o

    poder de criar e de talhar os olhos, o nariz, a boca, e as orelhas. Em seguida, a respirao (m)4, foi

    insuflada por Oldmar.

    Em outras lendas, Obtl desempenha um papel mais importante enquanto divindade da

    criao, e designado como albalase (ele sugere, ele tem o poder), isto , quando ele fala, o que

    prope se torna realidade. Ele tambm saudado pelo ork (frase de louvor) Obtl alse ,

    Obtl senhor do poder (Verger, 1957, p. 416).

    As pessoas so constitudas por uma parte material, o corpo (ara), e por uma parte imaterial

    (m)5, a respirao6, a alma, o princpio vital, o esprito. Diz-se que m olj nnu ara (a respirao

    a rainha do corpo). Afirma Idowu (1962, p. 169), que a diferena entre um corpo vivo e um

    2 Esta expresso de Verger almas mltiplas, tomada por emprstimo de Willian Bascom (1956), deve ser entendida por origens mltiplas. Considero a expresso almas mltiplas, uma infelicidade acadmica. O trabalho de Bascom citado j foi traduzido e publicado na revista online Olorun n. 2. N.T.

    3 Na maioria das verses, esta funo atribuda pelo prprio Oldmar, a Obtl, o deus da criao. N.T.

    4 A palavra ioruba correta, para respirao, m (m) N.T.

    5 m (m), uma palavra genrica para esprito, mas sem invidualidade. N.T.

    6 Os conceitos de m (esprito), e m (respirao), aqui esto misturados, distorcendo os significados. Embora a segunda seja a representao fsica da primeira, no so a mesma coisa. N.T.

  • cadver, a presena ou ausncia de m.7

    m representada [tambm] por jj, a sombra das pessoas.8 aquilo que os fon denominam

    ye. jj relativamente vulnervel. Pode-se causar mal s pessoas fazendo trabalhos em sua

    sombra. Diz-se que existem trs espcies de sombra. De manh cedinho, as pessoas tm duas, uma

    esquerda e outra direita; ao meio-dia, ela se torna uma s; s seis horas da tarde existem trs.

    (Verger, 1957, p. 508).9

    A sombra (jj) enterrada com o morto, e, decorridos trs dias, transforma-se em areia, no

    fundo do tmulo.10 No nono dia, a alma (m) deixa-o, para tornar-se a sombra de um recm-

    nascido. A cada dia ocorrem, em princpio, duzentos enterros e duzentos nascimentos (duzentos

    uma cifra simblica na enumerao iorub)

    Or, a cabea

    A alma (m) pode ir para qualquer famlia. A cabea (or) retorna na mesma famlia, quando

    existe um recm-nascido.11 Or reside alternativamente 12 na terra (aiy), onde a pessoa araiy

    (habitante da terra), e na regio dos mortos (run), onde ela se torna ararun (habitante do alm).13

    Entre os iorubs, inmeras crianas recebem o nome de Babatnd (o pai voltou), ou de

    ytnd (a me voltou). Por ocasio de seu nascimento, elas so consideradas a reencarnao do

    av ou da av recentemente falecidos.

    7 Neste conceito, voltamos a enfatizar que a palavra ioruba correta para respirao, m . N.T.

    8 Embora utilize a mesma palavra,aqui Verger refere-se ao esprito, e no respirao. N.T.

    9 No h melhores explicaes deste conceito. N.T.

    10 Naturalmente que esta frase uma metfora, referindo-se alma (kan). N.T.

    11 Neste pargrafo, Verger no esclarece a que or se refere. N.T.

    12 Verger usa a palavra alternativamente, quer dizer, ou uma coisa, ou outra, entretanto, o entendimento dbio. Se o que Verger quiz dizer, que a vida alterna-se entre mundo fsico e espiritual, cada um por sua vez, ento entendemos que Verger usou a palavra Or como smbolo de eternidade. Mas, se ao contrrio, ele quiz dizer que o ser humano tem uma coexistncia entre os dois mundos, fsica, no corpo fsico (ara), e espiritual, com o corpo espritual (enkej), neste caso, usou a palavra Or como smbolo do duplo espiritual. N.T.

    13 Este pargrafo coloca em destaque a idia do duplo, o enkej. O araiy, embora tenha um corpo fsico, tem tambm um corpo espiritual, que coexiste com ele, o enkej, o duplo, o qual ,dizemos estar no run simplesmente por que no o vemos, no que seja uma conscincia ou entidade parte do araiy, pois faz as mesmas coisas que que est fazendo a pessoa, a prpria pessoa, a parte espiritual dela. um erro dizer que, no bor (ato de oferecer sacrifcios ao Or), o duplo da pessoa vem alimentar-se no igb-or (smbolo sagrado do Or), como se fosse uma outra conscincia da prpria pessoa. Entendemos que este erro de expresso deve-se a pseudoconceitos, tidos como conceitos iorub, mas que no so, adotado por alguns acadmicos que visam atender outro pseudoconceito, o de almas mltiplas, defendidos por estudiosos que no tinham conhecimento do idioma iorub, para compreender seus conceitos de Noo de Pessoa, haja visto que, em seus escritos, mal sabiam diferenciar m (esprito), de m (respirao). Estes pseudoconceitos continuam a ser divulgados ainda hoje, na internet, como se verdadeiros fossem, e no so. Gerao de papagaios, como dizia Verger. N.T.

  • [...]14

    Or a sede da inteligncia (ogbn) e recebe um culto. Todos os anos, numa cidade iorub, o

    rei, em determinada data, faz oferendas sua cabea (ibo or). No dia seguinte, todos os dignitrios

    e as pessoas que detm ttulos fazem seu prprio ibor, e depois, seu exemplo seguido pelos

    diversos chefes de famlia.

    Or, segundo William Bascom (1956), a alma ancestral guardi.15 De acordo com certos

    informantes, esta alma ancestral guardi reside no topo da cabea (tar, awj). Um informante

    de If explicou a esse autor, que podia-se ver o pulso bater naquele ponto, nas crianas, e que era

    tambm de l que o esprito16 (m) se retirava do corpo por ocasio da morte. Segundo outros

    informantes, ela, a alma ancestral guardio, reside na fronte (iwju or). A fronte seria associada

    sorte individual, que uma parte do destino. O guardio ancestral tambm est associado parte

    posterior da cabea, o occipcio (pak orn)17, que olha para trs e para o passado. Ele protege

    contra o mal feito, em lugares por onde a pessoa passou certa vez.

    Para evocar a ideia de alma, de esprito, de conscincia, emprega-se algumas vezes o termo

    okn, corao,18 ou o termo in, ventre, estmago, matriz, entranhas, com a acepo de interioridade

    (nnnn). A alegria se exprime atravs da expresso in mi dn (meu interior est suave, doce,

    delicioso, prazenteiro, agradvel). So, os [bons] sentimentos experimentados interiormente.

    Egngn, as almas dos mortos

    Considera-se que a alma dos mortos voltam para a terra, em certas famlias, sob a forma de

    egngn (Verger, 1957, p. 507). Elas aparecem para seus descendentes debaixo de belos

    panejamentos, decorados com retalhos bordados e enfeitados com bzios e lantejoulas. Sociedades

    estritamente reservadas aos homens cuidam destes egngn, invocando-os durante as cerimnias

    em que os mortos da famlia devem ser honrados. Os egngn, saindo do igbale19, vem saudar seus

    14 Pargrafo retirado pelo transcritor, por tratar sobre conceitos de outra etnia (fon), evitando assim, interao de etnias e conceitos, e para dar melhor fluxo ao texto, entretanto, poder ser lido N.T.

    15 O texto original de Verger diz: o guardio da alma dos ancestrais. Tomamos a liberdade de corrigir esta expresso, por entendermos que houve um equvoco de traduo do texto de Bascom, que escreve: ancestral guardian soul. N.T.

    16 O texto de Verger, parafraseado de Bascom, diz: era tambm de l que a respirao se retirava do corpo. Como esta interpretao conceitual equivocada por parte de Bascom, e no de Verger, mas como Verger a citou, sem corrigi-la, aproveitamos o momento deste texto, para refazer o sentido da frase. Ver o artigo original de Bascom, Concepo Iorub da Alma na revista online Olorun n. 2 (http://www.olorun.com.br). N.T.

    17 A palavra orn refere-se ao pescoo. Trata-se de um parnimo da palavra run (mundo espiritual). N.T.

    18 A palavra okn, dentro do tema Noo de Pessoa, tem o sentido de alma, e no, corao, que s toma este sentido no estudo da anatomia humana. N.T.

    19 Local onde ficam os assentamentos dos mortos. N.T.

  • descendentes com voz rouca e profunda (segi), garantindo-lhes sua proteo e prodigalizando-lhes

    benos. Danam de bom grado ao som dos tambores bat e ogbon. Considera-se que o contato

    com os panejamentos dos egngn fatal para os seres vivos, e por isso os mariwo e os oje,

    membros da sociedade, os acompanham sempre, empunhando compridas varas (isan), para afastar

    os imprudentes.20 Por outro lado, considera-se benfazejo o vento provocado pelos panejamentos,

    quando um egngn dana, girando.

    Por ocasio do funeral de um mariwo, um oje ou um olrs (pessoa dedicada a um orix),

    realiza-se uma cerimnia noturna no nono dia, quando m abandona seu corpo, no fundo do

    tmulo. Os oje e os membros da sociedade egngn vo at um lugar deserto, nos confins da

    cidade, quebrar uma cabaa que contm certos elementos, enfatizando assim, a libertao da alma

    de seu antigo companheiro.21 Faz parte destes elementos, a gua utilizada numa forja para esfriar os

    ferros do ferreiro, e com a qual lavou-se o corpo do defunto, dessa forma, apagando simbolicamente

    todas as tatuagens, diversas escarificaes, cortes de cabelo e ferimentos recebidos durante a guerra.

    Todas estas marcas se devem a gn, deus dos ferreiros, guerreiros, barbeiros, agricultores e de

    todos aqueles cujas atividades os levam a empregar o ferro.

    pilse

    pilse22, (aquilo que encontramos, vindos de nossos ancestrais, quando chegamos ao mundo)

    liga-se ao conceito de isese. Os iorubs declaram: pilse nia ni a np isese, isto , a origem de

    algum aquilo que denominamos isese, onde esto includos ao mesmo tempo, or, a cabea, o

    pai, a me, e If.

    Quando morre uma pessoa idosa, pai de muitos filhos, e tendo cumprido plenamente o que veio

    fazer na terra (ay), instala-se no altar familiar uma estatueta de argila num prato branco. Junta-se a

    esta argila um pouco de areia do tmulo representando seu m, e ela moldada sob a forma de um

    cone, no qual se esboam vagos traos humanos, os quais consistem, em depresses para os olhos e

    a boca, e uma salincia para o nariz. o isese do velho defunto, ao qual se oferecem anualmente,

    carneiros. Diz-se que isese um pouco do poder de Oldmar, que fica na casa.

    Isto pode ter pontos de semelhana com o sepessoal dos fon, que, enquanto vivem, mantm

    em sua casa um cone de argila, semelhante ao isese dos iorubs, misturado com caolim, colocado

    20 A era da internet mostrou que isto trata-se muito mais de um dogma, do que uma realidade, pois podemos ver no site Youtube, filmes de egngn abraando pessoas e carregando crianas, em plena luz do dia. N.T.

    21 Este conceito discutvel, por que, se no corpo no h mais m (respirao), tambm no haveria mais m (esprito), uma vez que o primeiro a representao fsica do segundo. N.T.

    22 Origem (Abraham, 1962, p. 554)

  • sobre um prato.

    Para Bernard Maupoil (1943, p. 401), o conjunto dos pequenos se pessoais e imateriais [dos

    fon], forma o Grande Se, conceito de que o Padre Segurola (1963, p. 40) traduz por Deus, parte

    poderosa e essencial de um ser, esprito, princpio vital, destino, sorte.

    If, sorte, destino

    If, entre os iorubs, Fa, entre os fons (Verger, 1957, p. 568), um sistema divinatrio que

    permite ao babalwo (bokonon, entre os fon), Pai do Segredo, resolver para as pessoas os

    diversos problemas que elas possam ter. As solues lhes so ditadas pelos signos (od) de If

    obtidos pela manipulao, que obedece a certas regras, nozes de dendezeiro (Elais guineensis, var.

    Idolatrica). Existem, ao todo, duzentos e cinquenta e seis od. Cada pessoa est ligada a um deles.

    No momento em que nasce uma criana, seus pais solicitam ao babala que procure saber qual

    o signo (od) que rege o destino do recm-nascido. Mais tarde, este novo ser saber quais so seus

    interditos e ter a revelao de sua identidade profunda.

    If (ou Fa) oferece a cada homem a possibilidade de saber qual o destino que marcou sua alma

    antes mesmo de encarnar na Terra e de prestar culto a esta alma23. No que diz respeito a If (ou Fa),

    no se trata de uma divindade compassiva. a voz de Deus, que encerra o homem em seu

    determinismo.

    A posse de um signo de If (ou Fa) concebida como uma aliana com uma divindade ligada

    pessoalmente ao aliado mortal, e satisfaz no homem, a necessidade de segurana e de certeza. Ele se

    torna como que um aliado ntimo, testemunha do ser que o possui (Maupoil, 1943, p. 17).

    Iponri, origem e destino

    pnr (Kpoli, entre os fon) est ligado origem e ao destino. , ao mesmo tempo, o signo de If

    obtido pelo iniciado quando ele chega idade adulta, aps realizar uma consulta na floresta sagrada

    (Maupoil, 1943, p. 16) e smbolo de sua alma exterior e de seu esprito tutelar.

    Materialmente, Ipnr constitudo pela areia ou p yrosn24 onde o signo de If do iniciado

    23 Referindo-se ancestralidade, a alma ancestral guardi, de que fala Bascom. N.T.

    24 yr rsn. P da rvore rsn (Baphia Nitida), feito por insetos roedores, que espalhado no tabuleiro divinatrio de If durante o processo divinatrio. N.T.

  • foi traado na floresta. Esse yrosn, amassado com caolim e determinadas folhas pertencentes ao

    signo, encerrado num saquinho de tecido branco, decorado no exterior com contas e bzios.

    Outras vezes, a cabea, os ps e as mos do iniciado so postas em cima desse p. Todos os

    babalas presentes sadam o signo (od) obtido, narram suas histrias (tn), fornecem indicaes

    sobre seu significado e sobre os interditos que ele contm. Formulam votos de felicidade ao

    iniciado, pegando a cada vez um punhadinho de yrosun, pondo-o aos poucos numa pequena

    cabaa, que ser a representao material do pnr. A cabaa ser colocada no altar de If particular

    do iniciado e receber oferendas e sacrifcios, a partir do momento que as indicaes forem dadas

    pelo jogo divinatrio.

    pnr liga-se ao conceito de origem das pessoas e representa as seis geraes precedentes,

    pertencendo o proprietrio do pnr, a stima gerao.

    Este mesmo nome - pnr - dado aos ancestrais, os quais, segundo se supe, residem no

    dedo do p das pessoas. Por ocasio das oferendas cabea (ibor), so oferecidos sacrifcios aos

    pais ou avs falecidos. Algumas gotas de sangue dos animais sacrificados so derramadas no dedo

    do p direito e esquerdo, representando a alma do pai (ou do av) e da me (ou da av), se acaso j

    morreram. Os espritos dos ancestrais, assim evocados, estaro presentes na cerimnia, sendo

    saudados pelo ork pnr (Bascom, 1956, p. 408), isto , por saudaes e elogios feitos ao mesmo

    tempo a esses ancestrais, e por direito de filiao, pessoa que faz oferendas sua cabea.

    Bolaji Idowu (1962, p. 171) prope a etimologia pn or para pnr, com o significado de

    escolha da cabea.

    Orrun, a origem da cabea, e w, o cordo umbilical, a placenta.

    Existe uma relao entre pnr, orrun, [ambos origem da cabea], e w, o cordo umbilical. O

    w, aps o nascimento colocado num pote (isasn) e instalado no quintal, a fim de que orrun

    fique num lugar fresco, no muito distante da casa, e ali se planta um dendezeiro. A criana, ao

    alcanar a idade adulta, sempre cuidar dele com muita dedicao.

  • iyal, o peito da casa

    Nas regies iorubs, no lugar situado diante da residncia, encontra-se um ponto denominado

    iyal (o peito da casa) ou joriwol (encontro com o mortos da terra). ali que se fincam os osun

    (asen, entre os fon), feitos de hastes de ferro ornamentadas, que formam altares portteis, com a

    finalidade de prestar culto aos mortos. nesse lugar que os vivos encontram os mortos da famlia

    para ador-los25. Ele, em geral, rodeado por plantas, akoko (dracaena fragrans), ou ologunsese

    (erythrina senegalensis).

    Diante do templo dos Orixs, ele [osun] recebe o nome de idomosun. Durante as cerimnias, os

    deuses encarnados nos olorixs vem por diversas vezes saudar ritualmente os osun, ali fincados

    [como altares mveis] para representar a alma dos olorixs falecidos.

    Nas casas, entre os iorubs, o culto aos mortos se realiza no ilsein, onde estes ltimos so

    representados por potes colocados sobre uma bancada de terra. Fileiras de bzios pendem sobre

    eles, e um isan (vara de atori, glyphea lateriifolia) fica encostado na parede. Entre os fon, o culto

    feito no dehoho, onde so fincados os asen. Ali se oferecem libaes [ocasionais] aos mortos.

    Diversidade dos nomes

    A identidade das pessoas definida pelos nomes. Eles assumem um valor particular, em

    sociedades baseadas na oralidade, nas quais se atribui grande poder palavras. Em tais sociedades,

    as palavras so consideradas verdadeiras locues encantatrias, dotadas de poder e capazes de

    influenciar o futuro.

    Veremos a seguir, como os nomes de uma pessoa so ligados aos nomes de seus ancestrais, nas

    regies iorub, outrora grafa.

    Os iorubs recebem trs nomes a quatro nomes (Johnson, 1921, p. 79), e pelo menos trs deles

    so indispensveis, sendo o primeiro, facultativo.

    25 Neste contexto, o ancestral tambm um enkej alb'run , ou seja, uma segunda pessoa, protetor no run, mas no deve ser confundido com o duplo espiritual da pessoa, tambm chamado enkej, no contexto individual de pessoa. N.T.

  • 1. Orko amntrunwa:26

    o nome trazido do alm pela criana, quando circunstncias particulares de seu nascimento,

    podem ser exprimidas por meio de um nome aplicvel a todas as crianas, nascidas nas mesmas

    circunstncias. Entre eles, citem-se:

    Taiwo e Kehind nomes dados aos gmeos.

    Idowu criana que nasce depois dos gmeos.27

    Ig crianas que nascem pelos ps.

    Ojo meninos que nascem com o cordo umbilical em volta do pescoo

    Aina idem, para as meninas.

    Dada crianas que nascem com cabelos encaracolados.

    2. Orko bso28

    So nomes baseados em consideraes relativas prpria criana e relacionado com a situao

    da famlia no momento do nascimento. Samuel Johnson (1921, p. 79) classifica os bso em:

    a) nomes que se referem diretamente prpria criana, e indiretamente famlia.

    Para os meninos:

    Aydl a alegria entra na casa.

    Aknyele um menino enrgico convm casa.

    Para as meninas:

    Mornik tenho algum a quem acariciar.

    Etc.

    26 Pronncia: Orc amuntrunua (iorubs). N.T.

    27 Estes nomes deram origem expresso sincrtica umbandista, Cosme, Damio e Doum. N.T.

    28 Pronncia: orc abss (iorubs). N.T.

  • b) nomes que se refere mais famlia do que a criana.

    Ogndaln nossa casa foi devastada pela guerra.

    tgby os inimigos privaram-nos da honra.

    Olbisi a honra aumentou.

    Etc.

    c) nomes compostos com Ad (coroa), Ol (chefe) e Oy (ttulo), denotam que a criana

    pertence um famlia principesca ou titulada.

    Adby foi a coroa quem o fz nascer.

    Oyymi o ttulo me convm.

    Etc.

    d) nomes que carregam um nome de Orix, indicando que a famlia o cultua.

    Sngbnmi - Sng deu-o para mim.

    suntk vale a pena louvar sun

    Ogndp Ogn, console-me com este aqui.

    3. Ork um nome qualificativo, indicando as caractersticas da criana, ou aquelas que lhe so

    desejadas para o futuro.

    Nos ork dos meninos se fazem pequenos conceitos de valentia e fora:

    jm aquele que se apodera aps a batalha

    jn aquele que possui, aps a batalha

    Alo aquele que divide e esmaga

  • Os ork das meninas evocam ternura e graa:

    Ayk aquela que cria alegria sua volta

    bb aquela que nasceu aps splicas

    Os pais chamam frequentemente os filhos por seus ork, mas seria considerado, grave falta de

    etiqueta e inconcebvel grosseria, se uma criana chamasse seus pais pelos ork deles.

    4. Orl no se trata de um nome propriamente dito. O orl indica a origem longnqua da

    linhagem familiar e tem um importncia muito grande para situar o pedigree de algum.

    Quando so enunciados, o ork, o ork e o orl de uma pessoa, ela identificada, e sua

    famlia se torna conhecida. Estes orl so, e, geral, nomes de animais: Erin (elefante), Ekn

    (leopardo), kn (gara); ou de objeto: p (mastro).

    Cada um destes orl possui compridos ork (saudaes de louvores), cujo sentido algumas

    vezes permanece obscuro (Verger, 1965, p. 239). As mes os recitam para seus filhos, as mulheres

    da casa sadam, por meio deles um parente distante da famlia, que est de visita; ou os egngn

    enuncia-os, com sua voz roufenha, quando cumprimenta seus descendentes durante as cerimnias

    realizadas para evoc-lo.

    rs (e Voduns)

    Alm dos ancestrais diretos da famlia, os iorubs cultuam os Orixs (Voduns para os fon), seus

    ancestrais longnquos, cuja lembrana se perdeu mais ou menos na noite dos tempos e cujo carter

    divino mantido sobretudo por seus descendentes atuais.

    Retomando o texto de certos autores, recordemos que, confirmando tal ponto de vista, Le

    Hriss (1911, p. 97) declara que todos os voduns so os ancestrais maravilhosos das tribos que

    contriburam para a formao do Daom. Leo Frobenius (1913, p. 54), escreve que o sistema

    religioso dos iorubs baseia-se no conceito de que cada pessoa o representante do deus (rs)

    ancestral. A filiao se d pela linha masculina. Todos os membros de uma mesma famlia so

    posteridade de um mesmo deus. Bernard Maupoil (1943, p. 57) confirma que entre essas

  • divindades, parecem ser numerosas aquelas que viveram outrora na Terra: o elemento terrestre e o

    celeste se reconhecem melhor um no outro, e semelhante crena exprime a secreta e recproca

    nostalgia que parece inclinar os voduns a se tornarem novamente humanos, e os homens a se

    elevarem ao nvel do conhecimento ou ao exerccio das coisas divinas. William Bascom (1956,

    408), afirma que um orix uma pessoa que viveu na Terra quando esta foi criada, em tempos

    primordiais, e da qual descendem as pessoas de hoje. Quando tais orixs desapareceram, seus filhos

    comearam a oferecer-lhes sacrifcios e a dar sequencia a todas as cerimnias que eles mesmos

    realizaram quando se encontravam na Terra. Esse culto passou de uma gerao a outra, e hoje um

    indivduo considera o orix que ele adora, o ancestral do qual ele descende.

    Diferentemente dos mortos da famlia, os orixs ( e voduns) manifestam-se aos seres humanos

    por meio de transes de possesso em alguns de seus descendentes, eleitos pelos deuses para lhes

    servirem de mdiuns. So os olorixs (ou vodunsi).

    Bernard Maupoil (l943, p. 53) acrescenta que o carter essencial da divindade (rs ou vodun)

    parece estar na propriedade que ela tem de apoderar-se da sua cabea: vodun wata tiwe me vodun

    vem na sua cabea.

    A possesso pelo deus durante as cerimnias celebradas para os orixs e voduns, coloca

    admiravelmente em evidncia a estreita ligao que existe entre a pessoa iorub (ou fon) e seus

    ancestrais.

    O olorix (ou vodunsi) em estado de transe, exibe em seu comportamento as caractersticas

    possudas por esse ancestral (orix ou vodun), e cujos genes ele carrega, por intermdio da

    hereditariedade.

    As circunstncias da existncia e as presses da organizao social do meio a que ele pertence

    facilitaram o predomnio de certos genes, acentuados por uma ou outra paternidade (Aucher,

    1968, p. 65), em detrimento de alguns outros genes, com os comportamentos que da decorrem.

    A iniciao permite a alguns dentre esses genes, que a pessoa tem escondidos ( o ancestral

    orix), manifestarem-se e revelarem-se diante de todos. Nesse outro estado [alterado de

    conscincia], nada existe que seja alheio natureza profunda do olorix. A iniciao exerce sobre

    ele um efeito comparvel a de certas drogas.

    Sabemos que nenhuma droga introduz uma nova funo no organismo, mas que ela

    simplesmente acentua, inibe ou modifica de certo modo funes j existentes (Seymour, 1961).

    Pode-se pensar que, por ocasio da iniciao, banhos e beberagens base de plantas dadas aos

    novios contenham drogas. Elas [as beberagens] se destinam no tanto a fazer os iniciados entrar

    em transe, [mas sim] provocar um estado de torpor, durante um longo perodo (alguns meses),

  • tempo os quais os novios so treinados para adquirir os reflexos condicionados29, tais como o de

    entrar em transe ao ouvir certos ritmos de tambores, e ento se comportar como o ancestral. Tal

    comportamento, no fundo seria apenas um dos aspectos de sua prpria personalidade, de certa

    maneira, acentuada, inibida ou modificada, para chegar quela personalidade que eles

    carregavam em si, em estado latente.

    Em outras palavras, conforme a pessoa esteja em estado de viglia ou transe, ela representa

    alternativamente sua personalidade atual ou a de seu ancestral (Verger, 1954, p. 338).

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    1957 (traduzido por Carlos Eugnio Marcondes de Moura sob o ttulo Notas aos Cultos dos Orixs

    e Voduns na Bahia de Todos os Santos, Brasil e na antiga Costa dos Escravos, frica. So Paulo,

    29 As aspas so nossas. Verger sugere que o transe um treinamento psicolgico para provocar um transe de representao (animismo), ao invs de, um transe de possesso, pois seria impossvel o mesmo ancestral manifestar-se em diversos adeptos ao mesmo tempo. Entretanto, apesar desta viso de Verger, at certo ponto verdadeira, o transe de possesso existe, e o desafio dos pesquisadores est em descobrir por quem verdadeiramente, o iniciado est sendo possudo. Alguns aventam a hiptese, no comprovada, desta possesso ocorrer por um ancestral da linhagem deste orix, e no do orix propriamente dito. Fica-se por estudar melhor este assunto. N.T.

  • Editora da Universidade de So Paulo, 2000, p. 416).

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