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 Revista de Antropologia Uma Categoria do Pensamento Antropológico: A Noção de Pessoa Author(s): Márcio Goldman Reviewed work(s): Source: Revista de Antropologia, Vol. 39, No. 1 (1996), pp. 83-109 Published by: Revista de Antropologia Stable URL: http://www.jstor.org/stable/41616181  . Accessed: 28/02/2013 21:05 Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at  . http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp  . JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected].  .  Revista de Antropologia  is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista de  Antropologia. http://www.jstor.org

Goldman Nocao de Pessoa-libre

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    Uma Categoria do Pensamento Antropolgico: A Noo de PessoaAuthor(s): Mrcio GoldmanReviewed work(s):Source: Revista de Antropologia, Vol. 39, No. 1 (1996), pp. 83-109Published by: Revista de AntropologiaStable URL: http://www.jstor.org/stable/41616181 .Accessed: 28/02/2013 21:05

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  • Uma Categora do Pensamento Antropolgico: A Noo de Pessoa1

    Marcio Goldman2 Museu Nacional - UFRJ

    RESUMO: A "noo de pessoa" certamente uma das categorias mais re- correntes no corpo conceituai da antropologia social e cultural. Isso to verdadeiro que costumamos esquecer a grande quantidade de problemas que a noo transporta, bem como o fato de que seu sentido preciso pare- ce variar muito de autor para autor. Partindo do texto clssico de Mauss a respeito do tema, este artigo pretende, por meio de um rpido histrico da questo, mapear alguns desses problemas e explicitar algumas dessas ambi- guidades. Finalmente, novos caminhos so propostos visando a recupera- o do potencial criativo que a "pessoa" sempre representou na reflexo antropolgica, funcionando como meio para a elaborao de perspectivas alternativas acerca da diversidade social e cultural.

    PALAVRAS-CHAVE: noo de pessoa, individualismo, histria da antro- pologia.

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    "Uma magnfica resposta - mas qual era a pergunta?". Eis como Steven Lukes (1985, p. 282) abre uma coletnea de ensaios a respeito do texto de Marcel Mauss que baliza praticamente todas as discusses contem- porneas em torno da "noo de pessoa". De fato, j h algum tempo essa questo parece to obviamente importante aos antroplogos que costumamos esquecer a enorme quantidade de problemas que se ocul- tam atrs da aparente simplicidade do tema. Dada a verdadeira proli- ferao de estudos acerca deste "objeto", curioso que Michel Cartry ( 1 973, pp. 1 5-6) lamente o "estado de abandono" ao qual a antropologia social teria relegado a questo da pessoa depois dos trabalhos pioneiros de Lvy-Bruhl, Mauss e Leenhardt. Abandono cheio de riscos, segundo Cartry, uma vez que a no considerao do problema levaria a deixar de lado um aspecto sempre presente no "pensamento selvagem", a saber, a "imagem do homem" que este necessariamente comportaria Alm disso, prossegue o autor, ao no investigar sistematicamente essa imagem, os antroplogos perderiam a capacidade de dar conta do modo pelo qual os grupos pensam as relaes do homem com a natureza e as instituies sociais, abrindo as portas para a projeo de nossa prpria noo de pessoa sobre as outras sociedades. Cometeramos, assim, o pecado ca- pital da disciplina, o etnocentrismo, aqui travestido de individualismo.

    Mas o etnocentrismo tem suas artimanhas, e seria possvel indagar se a insistncia na questo no poderia refletir igualmente uma preocupao especificamente ocidental. Tudo indica que desde as "tcnicas de si" na Grcia Antiga at os debates contemporneos em torno dos dilemas da "identidade" - passando pela experincia crist e pelas mais variadas for- mulaes filosficas -, o problema da pessoa, ou do indivduo, jamais deixou de obcecar o Ocidente. E isso a despeito de todas as formas de valorao positivas, negativas, ambguas ou supostamente neutras que nosso processo de individualizao possa ter recebido. Que isso seja igualmen- te central para toda e qualquer sociedade uma questo em aberto. Se h aqueles, como Cartry, que sustentam a presena universal da "pessoa", outros (por exemplo, Carneiro da Cunha, 1979, p. 3 1) acreditam que a

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, US?, 1996, v. 39 n 1.

    noo no absolutamente um invariante sociolgico, e que s culturas que desenvolveram uma concepo desse tipo poderiam ser legitimamente opostas outras, para as quais o fato emprico da existncia do indivduo humano no teria recebido maior elaborao conceituai.

    Os objetivos deste trabalho certamente no exigem uma resposta con- clusiva a essa questo. Alm disso, no se trata evidentemente de buscar propor uma nova conceituao da "pessoa" ou do que quer que se deseje designar com este termo. O que se pretende aqui simplesmente elaborar um mapeamento do campo coberto por este debate. De qualquer forma, claro que nenhum mapa pode se supor ingnuo, e a partir do que apre- sentarei talvez seja possvel avanar uma problematizao mais profunda do tema, bem como algumas indicaes sobre como poderamos proce- der em relao a ele. Nesse sentido, a primeira constatao que, se a "noo de pessoa" evidentemente varia de sociedade para sociedade, a noo desta noo no parece variar menos de antroplogo para antro- plogo. Pessoa, personalidade, persona, mscara, papel, indivduo, indivi- dualizao, individualismo etc., so palavras empregadas ora como si- nnimos ora como alternativas - ou ainda em oposio umas s outras. Isso provoca uma certa confuso terminolgica que no tenho a menor pretenso de ser capaz de resolver, mas que vale a pena de toda forma tentar expor, uma vez que, como diz Paul Veyne ( 1 978, p. 9), "a indiferena pelo debate sobre palavras se acompanha ordinariamente de uma confu- so de idias sobre a coisa".

    * * *

    praticamente unanimidade entre os antroplogos situar o incio do debate sobre a noo de pessoa em um texto um pouco enigmtico de Marcel Mauss, escrito em 1938. Uma categoria do esprito humano: a noo de pessoa, aquela de Eu, pretende testar e aplicar a hiptese durkheimiana de uma histria social das categorias do esprito humano no nvel das concepes acerca da prpria individualidade. Trata-se de mos-

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    trar como, a partir de um fundo primitivo de indistino, a noo de pes- soa que conhecemos e qual atribumos erroneamente existncia univer- sal se destaca lentamente de seu enraizamento social para se constituir em categoria jurdica, moral e mesmo lgica. Do "personagem" primitivo, existente apenas enquanto encarnao de um ancestral, teramos chega- do, assim, pessoa moderna, supostamente existente em si mesma - pas- sando pelas etapas da persona latina, da pessoa crist, do eu filosfico e da personalidade psicolgica. Num certo sentido, portanto, o estudo ab- solutamente durkheimiano. Mais do que isso, parece se esforar por re- solver uma questo um pouco incerta no pensamento do prprio Durkheim. Sua sociologia, como se sabe, postulava que a autonomizao progressi- va do indivduo em face da totalidade social s poderia ser compreendida como um efeito do desenvolvimento da prpria sociedade, que, ao se di- ferenciar internamente, permitiria a diferenciao concomitante de seus membros. No entanto, esse processo propriamente morfolgico deve se fazer acompanhar pela elaborao de uma noo que o realize simultane- amente no plano das representaes:

    a evoluo culmina na elaborao de uma representao racional da pes- soa, de carter mondico e independente [Beillevaire e Bensa, 1984:539].

    Por outro lado, se a anlise de Mauss cumpre esse objetivo durkhei- miano, num outro sentido, o texto parece escapar dos quadros mais rgidos da escola sociolgica francesa. Sob a evoluo quase linear da noo de pessoa, o que acaba sendo revelado a variao das represen- taes sociais em torno do indivduo humano. verdade que Mauss tem o cuidado de distinguir o sentimento, o conceito e a categoria de pessoa, fazendo da ltima um privilgio ocidental. De qualquer forma, a ateno na oscilao dos sentimentos e conceitos no deixa de constituir uma radicalizao do projeto mais geral da sociologia durkheimiana. O texto apresenta, portanto, duas vertentes, que poderamos denominar muito precariamente de evolutiva e de relativista. difcil, contudo, deixar de

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    concluir que, no esprito de Mauss, a primeira leva a melhor. Tudo se passa como se ele buscasse, atravs das incontestveis variaes a que a noo de pessoa est submetida ao longo da histria e entre as sociedades, o caminho que teria conduzido ao pleno reconhecimento de uma essncia dada confusamente desde o incio - o que constitui, alis, procedimento recorrente nas anlises da escola sociolgica francesa.

    * * *

    Apesar de todas as homenagens, A noo de pessoa. . . no , certa- mente, o primeiro texto da histria da antropologia a abordar essa ques- to. O prprio Mauss (1927) j havia tratado do tema quase dez anos antes, por ocasio de um debate em torno do livro de Lvy-Bruhl, A alma primitiva, publicado em 1927. Livro que pretendia justamente estudar

    como os homens que se convencionou chamar primitivos se represen- tam sua prpria individualidade [Lvy-Bruhl, 1927, Avant- Propos].

    claro que os princpios gerais adotados por Lvy-Bruhl no podiam permitir que traasse uma evoluo ou uma histria no estilo da de Mauss. Para ele, no haveria nenhuma elaborao mais sofisticada a respeito do ser humano enquanto indivduo nas sociedades primitivas, e o que se poderia apreender em suas representaes que este jamais pensado indepen- dentemente do que o cerca, de suas roupas a seus antepassados reais ou mticos. O indivduo no passaria de um "lugar de participaes", e, para compreender como chegamos a uma noo da pessoa em si, seria preciso abandonar o postulado de uma lenta evoluo ascendente, substituindo-o pela hiptese de uma mutao de ordem mental que teria feito com que passssemos a ver seres individuais l onde os primitivos enxergavam ape- nas relaes e participaes totais. nesse esprito que, alguns anos mais tarde, Maurice Leenhardt ( 1 947) empreender a investigao da Pessoa e o mito no mundo melansio.

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    Mas possvel recuar mais um pouco. Num trabalho fascinante, Adam Kuper (1988) demonstrou que a elaborao de uma imagem das socie- dades ditas primitivas, bem como das "tradicionais", cumpriu a funo poltica e intelectual de permitir o desenvolvimento de imagens da "socie- dade moderna", de nossa prpria cultura. Atravs de um curioso jogo de espelhos, partia-se de uma concepo mais ou menos implcita da socie- dade ocidental, encontrava-se nos primitivos o inverso dessa estrutura, e confirmavam-se, assim, nossa originalidade e superioridade. Desse modo, desde 1 86 1 , Maine pde opor o "contratualismo" do Ocidente ao car- ter estatutrio das sociedades primitivas e tradicionais. imerso do indi- vduo no grupo e nas relaes sociais, nossa cultura teria contraposto, a partir do Direito romano, a livre associao de indivduos. Lembremos que Mauss situava seu trabalho sobre a pessoa na esfera do Direito e da moral e que Maine era um jurista preocupado em provar a inviabilidade da aplicao direta da legislao britnica na ndia: baseada no contra- tualismo e no utilitarismo, como poderia funcionar em uma sociedade que no saberia reconhecer conceitualmente o indivduo? Status e Contrato so efetivamente outros nomes para o que se costuma designar por soci- edade e indivduo. Nesse sentido, haveria ainda muito a dizer sobre o papel da sociedade hindu na constituio e no desenvolvimento do pensamento antropolgico, bem como sobre os aspectos morais e jurdicos que mar- cam a emergncia deste ltimo.

    De qualquer forma, no se trata de negar que o texto de Mauss constitua um marco decisivo dos estudos sobre a pessoa. Seeger, Da Matta e Vivei- ros de Castro buscam situ-lo na origem de uma das duas vertentes que distinguem na contribuio antropolgica sobre o tema. Seria preciso acres- centar apenas que, como vimos, o prprio trabalho de Mauss apresenta dois aspectos, o evolutivo e o relativista. certamente no segundo que se pensa quando se afirma o pano de fundo maussiano dos estudos das

    noes de pessoa enquanto categorias de pensamento nativas - expl- citas ou implcitas -, enquanto, portanto, construes culturalmente variveis [Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro, 1979, p. 5].

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    A incluso da obra de Louis Dumont nessa vertente s me parece per- tinente, contudo, se admitirmos, como tentarei mostrar adiante, que seus trabalhos se ancoram no aspecto evolutivo do texto de Mauss - mais do que no relativista, em todo caso. Antes, porm, cumpre deter-se um pou- co nos estudos acerca da variabilidade cultural das noes de pessoa.

    Alm do j mencionado trabalho de Leenhardt - que aliava inspira- o maussiana princpios tomados a Lvy-Bruhl -, esses estudos pare- cem ter se desenvolvido especialmente entre os africanistas franceses, a partir da obra de Marcel Griaule, e, numa perspectiva mais histrica, em torno do pensamento de I. Meyerson. Para Griaule, a pessoa o

    problema central: estudo de todas as populaes da Terra conduz final- mente a um estudo da pessoa. Qualquer que seja a idia que se faa de uma sociedade, quaisquer que sejam as relaes reais ou imaginrias que os indivduos ou as comunidades sustentem, permanece que a no- o de pessoa central, que est presente em todas as instituies, re- presentaes e ritos, e que mesmo, frequentemente, seu objeto prin- cipal [citado em Dieterlen, 1 973 : 1 1 ] .

    Dado o pressuposto central da etnografia de Griaule a estrutura do social est determinada pelas concepes religiosas (Bastide, 1973:370) -, compreende-se que essa perspectiva tenha se conduzido de modo parti- cular por meio do qual cada sociedade ou grupo social concebe e articula sua noo de pessoa. curioso observar igualmente que esse tipo de anlise se desenvolveu especialmente em relao s sociedades africanas e, no Brasil, a respeito dos chamados cultos afro-brasileiros. Foi apenas bem mais recentemente que se sustentou a necessidade de aplic-lo a outras culturas, em especial aos grupos indgenas sul-americanos (cf. Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro, 1 979) .

    Os trabalhos inspirados por Meyerson, por sua vez, poderiam ser enca- rados como ocupando uma posio intermediria entre aqueles que bus- cam analisar a variedade emprica das noes de pessoa e os que tentam enquadrar tais noes em moldes histricos mais ou menos evolutivos:

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    A pessoa, com efeito, no um estado simples e uno, um fato primitivo, um dado imediato: ela mediata, construda, complexa. No uma catego- ria imutvel, eterna ao homem: uma funo que se elaborou diferente- mente atravs da histria e que continua a se elaborar sob nossos olhos [Meyerson, 1973:8].

    Ora, se a posio do prprio Meyerson parece mais prxima do programa evolutivo traado por Mauss, a maior parte dos trabalhos que reclamam uma inspirao direta ou indireta em seu pensamento se assemelha mais a uma verso histrica daquilo que Griaule e seus se- guidores efetuaram na ordem geogrfica e etnogrfica (cf. Vernant, 1973, por exemplo).

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    Como afirmei acima - e ao contrrio do que sustentam diversos comen- tadores (por exemplo, Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro, 1979:5; Duarte, 1986:40), inclusive o prprio autor (Dumont, 1979:24, nota 3a) -, no creio que a contribuio de Dumont possa ser inscrita sem problemas na vertente do pensamento de Mauss que denominei precariamente de relativista. Sustentar que deriva mais da vertente evolutiva pode, contudo, dar margem a mal-entendidos que cumpre tentar esclarecer. Como se sabe, o alvo inicial de Dumont a pretensa universalidade da noo de indivduo. Para atac-la, distingue o indivduo emprico e universal, mas "infra-socio- lgico", do "indivduo-vaio", especfico da nossa tradio cultural. A ques- to do indivduo, ou da pessoa, assim transposta para a de uma ideologia que a instauraria como valor dominante. De fato, o verdadeiro problema de Dumont no o "indivduo", mas o "individualismo", essa crena que

    a humanidade constituda de homens, e cada um desses homens con- cebido como apresentando, a despeito de sua particularidade e fora dela, a essncia da humanidade [Dumont, 1979:17].

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    Crena ou ideologia a opor-se ao "holismo", o acento posto sobre a sociedade em seu conjunto, como Homem cole- tivo. O ideal se define pela organizao da sociedade em vista de seus fins [e no em vista da felicidade individual]; trata-se antes de tudo de ordem, de hierarquia, cada homem particular devendo contribuir em seu lugar para a ordem global e a justia consistindo em proporcionar as funes sociais em relao ao conjunto [Dumont, 1979:23].

    Do ponto de vista da ideologia - que Dumont define de modo abran- gente como "um conjunto mais ou menos social de idias e valores" (Dumont, 1979:15, nota Ia), sustentando ao mesmo tempo que constitui o objeto privilegiado da anlise antropolgica (Dumont, 1979, p. 15) -, o individualismo ocidental moderno contrastaria com o holismo tradicional. Tudo se passa ento como se Dumont aprofundasse a vertente inaugura- da por Mauss, desvendando o carter especificamente moderno da cate- goria de pessoa, o "indivduo-valor" em seus prprios termos. No entan- to, como observamos, a posio de Mauss sugere que o processo de emergncia da pessoa corresponde ao desenvolvimento de um princpio contido desde o incio, de forma implcita, no que poderamos denominar "formas elementares da individualidade". Dumont, ao contrrio, no se cansa de denunciar o carter artificialista do individualismo contempor- neo (Dumont, 1979:23), chegando mesmo a pressupor que, longe de ter- mos abolido a hierarquia, como acreditamos, o que fizemos foi simples- mente passar a submeter o todo parte. A uma impossvel supresso do princpio hierrquico, Dumont contrape, portanto, uma inverso substan- tiva que mantm a hierarquia do ponto de vista formal. Alm disso, seria possvel argumentar que seu trabalho sincrnico e que suas compara- es operam sobre um eixo etnogrfico, no histrico, deixando, assim, de lado todo o carter evolutivo do texto de Mauss. O problema, por um lado, que a hiptese de um indivduo "infra-sociolgico" subjacente s diferentes valoraes culturais ameaa reintroduzir o essencialismo maus-

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    siano, no sendo casual que Dumont se esforce em determinar a existn- cia de um "indivduo-fora-do-mundo" na ndia. Por outro lado, o desen- volvimento de seu pensamento na direo da anlise da "gnese" do indi- vidualismo na sociedade moderna faz suspeitar que esse processo poderia ser interpretado como uma espcie de evoluo em retrocesso, condu- zindo de um estado em que se reconhece o fato objetivo da preponderncia do todo sobre a parte a um outro, onde este princpio seria perigosamente recusado. Se lembrarmos ainda que ao final do texto sobre a pessoa, Mauss - retomando uma antiga preocupao de Durkheim e da escola sociolgica francesa - manifesta seus temores em relao aos perigos que uma individualizao excessiva poderia representar para a sociedade oci- dental, perceberemos que a distncia que o separa de Dumont deste pon- to de vista muito menor do que poderia parecer primeira vista.

    Outra possibilidade seria sustentar que as anlises de Dumont talvez pu- dessem ser incorporadas investigao mais abrangente da noo de pes- soa, na perspectiva relativista igualmente inaugurada por Mauss. Para isso, bastaria considerar o individualismo moderno uma certa concepo a res- peito da pessoa humana. Concepo estranha, certamente, na medida em que se afastaria de modo singular de praticamente todas as noes de pes- soa que os antroplogos descrevem nas sociedades que costumam estu- dar. De fato, como afirma Lvi-Strauss, ao comparar as representaes da identidade existentes em diversas sociedades,

    uma curiosa convergncia pode ser extrada dessa comparao. A des- peito de seu afastamento no espao e de seus contedos culturais hete- rogneos, nenhuma das sociedades que constituem uma amostragem fortuita parece ter por adquirida uma identidade substancial: elas a despedaam em uma multido de elementos em relao aos quais, para cada cultura, se bem que em termos diferentes, a sntese coloca um pro- blema [Lvi-Strauss, 1 977 : 1 1 ] .

    Se a quase totalidade das sociedades humanas fragmenta a pessoa em elementos mais ou menos dspares, conectando cada um deles com um transcendental social ou sobrenatural, a especificidade do Ocidente po-

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    deria ser localizada na concepo de um ser uno e indiviso, relacionado aos demais seres de natureza idntica sua sob o modo da pura exterioridade: um universo composto de "indivduos", portanto. Essa exterioridade das relaes encontraria sua compensao num desenvolvimento sem igual de uma dimenso de vida interior, moral e psicolgica, desconhecida pelas outras culturas. Nesse sentido, o "indivduo" seria simplesmente a "pessoa" redu- zida sua expresso sociolgica mnima e dotada de uma densidade psico- lgica mxima - uma espcie de grau zero da sociabilidade.

    O problema que, fora de algumas manifestaes difusas, presentes em geral de modo vago em certas anlises sociolgicas em sentido amplo, no nada fcil localizar com preciso esse suposto "individualismo" do mundo ocidental moderno e contemporneo. Seja do lado do campo dos saberes - ciso do sujeito na psicanlise, dualismos filosficos, epignese das cincias naturais. . . -, seja nas vises de mundo mais abrangentes - corpo e alma, emoo e inteligncia. . . -, o que parece emergir, ao con- trrio, uma concepo da pessoa formalmente semelhante quelas en- contradas nas sociedades "primitivas" e "tradicionais", um ser dividido em elementos cuja "sntese coloca um problema". curioso que os antrop- logos aceitem a idia de um individualismo ocidental e, ao mesmo tempo, dediquem todos os seus esforos a encontrar entre ns as representaes que no obedecem a esse modelo supostamente dominante. Na verdade, a caracterizao de um "indivduo" enquanto tal s parece surgir com al- guma clareza em algumas concepes ocidentais a respeito da sociedade, no da pessoa:

    a sociedade constituda por unidades autnomas iguais, a saber, por indivduos separados [. . .] que [. . .] so mais importantes em ltima ins- tncia que qualquer grupo constituinte mais amplo [MacFarlane, citado em La Fontaine, 1 985 : 1 24] .

    Essa definio do individualismo britnico sugere que o individualismo em geral corresponde muito mais a uma "noo de sociedade" que a uma "noo de pessoa", derivando antes de uma "etnossociologia" que de uma

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    "etnopsicologia" ou mesmo de uma "etnofilosofia" (cf. Seeger, Da Mattae Vi- veiros de Castro, 1979, p. 5). Como sustenta La Fontaine (1985, pp. 136-7), no devemos esquecer que essa concepo nasce e se desenvolve num tipo de sociedade muito particular, o Estado-Nao, e que, portanto,

    idias de sociedade, diferentemente conceptualizadas, e a natureza do conceito de pessoa so assim interdependentes [La Fontaine, 1985:138]. Isso permitiria o abandono de toda forma de evolucionismo, levando a

    perceber que nossas prprias concepes dependem de uma transforma- o scio-poltica complexa, no de um processo evolutivo qualquer.

    Mas no seria essa, afinal de contas, a verdadeira concepo de Dumont? Ao definir o individualismo como uma ideologia, no seria nesta direo que seu pensamento estaria apontando? Creio que sim, e este o ponto forte de sua contribuio. O ponto fraco, por outro lado, reside justamente na utilizao da noo de ideologia. verdade, como demons- trou Duarte, que a categoria definida

    num sentido bastante peculiar, que no tem nada em comum com o sen- tido "negativo" da tradio marxista e que tem uma vocao totalizante ainda maior do que o sentido antropolgico habitual de "cultura" [Duarte, 1986:49].

    O problema que "nunca fica to claro (...) o que no ideolgico" (Duarte, 1986:49), o que faz com que o conceito marxista de ideologia seja, na verdade, submetido a uma simples operao de inverso, no de questionamento e superao. Em vez de conceb-lo como um vu ocul- tando uma realidade mais profunda e verdadeira, Dumont parece supor que a ideologia determinante e que o real no passaria de mero resduo acessvel apenas por "subtrao" (Dumont, 1979:58). E essa posio que permite a Beteille (citado em La Fontaine, 1 985 : 1 34- 1 35) criticar a asso- ciao, crucial para Dumont, entre individualismo e igualitarismo, susten- tando que o segundo princpio no passaria de um mecanismo ideal desti- nado a ocultar a efetiva desigualdade necessariamente produzida em uma sociedade que unciona atravs da competio dos indivduos que a compem.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, LISP, 1996, v. 39 n 1.

    Essa crtica, contudo, corre o risco de ressuscitar uma concepo de ideologia da qual Dumont pretende muito justamente se afastar. De fato, pens-la como "vu" ou "cmara escura" extremamente empobrecedor, na medida em que perdemos de vista sua positividade intrnseca, tornan- do muito difcil, por exemplo, entender como um "engodo" do tipo do igualitarismo poderia se sustentar contra todos os desmentidos da experi- ncia mais cotidiana. Por outro lado, rebater o "real" sobre o "ideolgico" tampouco leva muito longe, j que neste caso seramos obrigados a admi- tir que o princpio de igualdade no poderia ser inteiramente aplicado na prtica por contradizer alguma condio de possibilidade de existncia da ordem social - o que torna difcil compreender como pde ser inventado e ter se mantido durante tanto tempo. Creio que a soluo, se soluo h, seria abrir mo definitivamente do par real/ideologia, admitindo uma mate- rialidade generalizada manifesta seja nas "idias", seja nas "coisas". As- sim, como sugeriu Michel Foucault ( 1 973), possvel que o princpio de igualdade seja intrinsecamente inaplicvel e que sua funo consista sim- plesmente em permitir que um conjunto de procedimentos disciplinares atoe sobre homens "iguais", diferencindoos politicamente. Mais precisamente, a igualdade j faz parte desses procedimentos ao diluir as antigas hierar- quias e permitir uma nova ordem, no duplo sentido da palavra. Benzaquem de Arajo e Viveiros de Castro (197: 138; 165-167) tm, portanto, razo ao sustentar que a preocupao exclusiva de Dumont com os aspectos formais ("ideolgicos") o obriga a excluir a materialidade do indivduo, re- legando-a a um plano "infra-sociolgico". Ora, mais que ningum, os an- troplogos deveriam saber que as culturas investem diretamente os cor- pos e que toda separao entre o fsico, o psquico e o social no pode passar de pura abstrao.

    * * *

    A dicotomizao "realidade/ideologia" percorre certamente todo o cam- po das cincias humanas. No caso especfico da antropologia, creio que

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    tendeu a assumir a forma de um antigo debate que sempre dividiu a disci- plina, a conhecida oposio entre sociedade e cultura. Como se sabe, a antropologia "cultural" norte-americana inclinou-se a sustentar, desde Boas, uma precedncia metodolgica e objetiva dos valores e das idias sobre as relaes sociais concretas, enquanto a antropologia "social" britnica, desde Radcliffe-Brown, caracterizou-se pela postura inversa. Quase re- duzida a efeito de fatos mentais no primeiro caso, a ordem da sociedade concebida como produtora de seu epifenmeno ideal, a cultura, no se- gundo. verdade que a antropologia francesa, ao menos a partir de cer- tos textos de Mauss, tendeu a permanecer margem do debate, o que no desautoriza supor que, nesse contexto, a posio de Dumont poderia ser considerada "culturalista". Dado um referencial emprico objetivo e universal - o indivduo "infra-sociolgico" neste caso -, a antropologia se limitaria a descrever os modos pelos quais as diferentes culturas humanas elaborariam as mais variadas concepes a seu respeito, da pessoa tradi- cional ao indivduo moderno. Um dos limites do relativismo que costumam acompanhar a posio culturalista justamente ter de supor esse referen- te fixo, absoluto, em torno do qual se processariam variaes devidamen- te limitadas. Assim, mesmo a chamada "escola de cultura e personalidade" - que buscava fechar o fosso entre essas duas noes - deve postular uma realidade humana infra-estrutural, biopsicolgica, que as culturas traba- lhariam diferentemente a fim de produzir distintos tipos de personalidade.

    A posio da antropologia social britnica diante dessas questes apa- rentemente outra. Como mencionei acima, Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro (1979, p. 5) distinguem duas vertentes na abordagem antropo- lgica da noo de pessoa. A primeira, j analisada, derivada de Mauss, em relao qual procurei mostrar a possibilidade de subdividi-la em duas orientaes distintas. A segunda vertente isolada por esses autores corres- ponde justamente ao modo pelo qual a questo foi desenvolvida na tradi- o antropolgica britnica. Seu ponto de partida poderia ser localizado na distino efetuada por Radcliffe-Brown entre o "indivduo" e a "pes-

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, lisp, 1996, v. 39 n 1.

    soa" sobre a base de uma diferenciao entre os aspectos biolgico e social da existncia humana. O primeiro aspecto corresponderia ao "indivduo", objeto de estudo de bilogos e psiclogos; o segundo nos colocaria s voltas com a posio ocupada por estes "indivduos" na rede de relaes sociais concretas (a "estrutura social"), que os transformaria em "pessoas", objeto de estudo da sociologia e da antropologia social. Alm do trusmo - homem = ser biolgico + ser social -, esta posio, claramente aparen- tada ao homo duplex de Durkheim, comporta um outro perigo. Ao fazer coincidir sempre indivduo biolgico e pessoa social (que no passa de indivduo mais relaes), o esquema no permite nenhuma flexibilidade na compreenso do modo pelo qual o grupo estudado concebe tanto a realidade individual propriamente dita quanto a efetiva posio das pes- soas na trama social. Abandonando, assim, as "noes" nativas de pes- soa e sociedade, acaba por projetar as concepes ocidentais, supondo que a unidade mnima do sistema corresponda invariavelmente a uma en- tidade individual. verdade que alguns seguidores de Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard em particular, procuraram abandonar essa postura "indi- vidualista", localizando a unidade mnima da estrutura social em grupos mais inclusivos como cls ou linhagens, no nas pessoas. O problema, j le- vantado em diversas ocasies, que esses "grupos corporados" acabam sendo concebidos imagem e semelhana dos indivduos, como verda- deiras "superpessoas" dotadas de interesses, necessidades, desejos, di- reitos e deveres especficos.

    Ao lado disso, evidente que o modelo proposto por Radcliffe-Brown de ordem abstrata, dizendo respeito teoria social em sentido amplo e a qualquer sociedade humana emprica, sendo de emprego aparentemen- te muito difcil na compreenso concreta da diversidade das noes de pessoa apresentadas por diferentes sociedades. Foi Meyer Fortes quem se encarregou da transposio metodolgica do modelo. Para isso, foi preciso apenas supor que qualquer grupo humano deva necessariamente engendrar uma concepo social de um dado biolgico universal, de tal for-

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    ma que a objetividade do indivduo se faa sempre acompanhar de uma no- o de pessoa convergente, claro, com a estrutura social mais abrangente:

    Em suma, eu sustentaria que a noo de pessoa no sentido maussiano intrnseca prpria natureza e estrutura da sociedade humana e ao com- portamento social humano em toda parte [Fortes, 1973:288].

    "A sociedade a fonte da noo de pessoa (personhood )" (Fortes, 1972:289), e a tarefa do antroplogo consiste em no apenas descrever essa noo, mas, sobretudo, em demonstrar sua origem e insero socio- lgicas. Estamos de volta ao relativismo e podemos nos dar de conta que as vertentes maussiana (em seus dois aspectos) e funcionalista no esto to afastadas uma da outra como poderamos esperar. Aps postular a existncia de uma ordem do indivduo e de uma da sociedade, trata-se apenas de analisar - de maneiras distintas, certamente - o modo de elabo- rao do primeiro pela segunda. Nesse sentido, contribuies como as de Maiinowski ou do interacionismo simblico norte-americano parecem consistir em uma simples inverso do esquema, passando a indagar como o indivduo afeta a sociedade ou reduzindo a ltima a um conjunto de microirelaes interindividuais.

    Michel Cartry parece, portanto, ter razo ao apontar as "trs direes de pesquisa" que prevaleceriam nos estudos sobre a noo de pessoa:

    Para alguns, o objetivo buscado restituir to fiel e completamente quan- to possvel os sistemas de pensamento ou representaes indgenas, extraindo sua coerncia interna [...]. Para uma outra categoria de pesqui- sadores, trata-se menos de extrair a coerncia de uma doutrina do que analisar como tal ou qual noo ligada pessoa est compreendida e utilizada num quadro institucional preciso ou em tal ou qual ponto do sistema das relaes sociais. Enfim, para [alguns], a preocupao maior buscar delimitar atrs dos modelos indgenas uma estrutura inconsci- ente mais profunda [Cartry, 1973:23].

    Culturalismo, funcionalismo e estruturalismo estariam, assim, perfeitamente representados nos estudos antropolgicos sobre a noo de pessoa. Mais

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, LISP, 1996, v. 39 n 1.

    do que isso, importante observar que, para alm dos rtulos sempre dis- cutveis, essas variantes parecem constituir verdadeiras "estruturas elemen- tares" do pensamento antropolgico, manifestando-se a respeito dos mais variados temas empricos. A questo que se coloca se devemos perma- necer nessas estruturas, contentando-nos em operar algumas bricolages, ou se seria possvel e desejvel buscar alternativas a elas.

    * * *

    A antropologia social ou cultural sempre oscilou entre uma ambio totalizadora mais ampla que a das demais cincias sociais e um particularismo dificilmente igualado pelas outras disciplinas do campo. Os trs modelos isolados por Cartry assinalam bem essa oscilao. Os estudos sobre as "fi- losofias" indgenas se caracterizam em geral por apresentar as representa- es das culturas estudadas como monolticas e totalizantes, servindo mes- mo para definir de modo global a sociedade como um todo. Por outro lado, os modelos de inspirao funcionalista buscam discernir as particularidades que as noes de pessoa apresentariam devido sua insero na estrutura social abrangente. Enfim, a ambio de desvendar modelos inconscientes, se levada s ltimas consequncias, realizaria no mais alto grau a vertente universalista do pensamento antropolgico. Desse ponto de vista, a dificul- dade experimentada por Cartry em apontar estudos propriamente "estrutu- ralistas" sobre a noo de pessoa pode indicar que as categorias efetiva- mente em ao na prtica social dificilmente encontram expresso direta no elevado nvel de abstrao em que essa perspectiva se coloca. Estaramos, assim, condenados a optar entre definies culturais amplas e anlises soci- olgicas particularizantes. Opo que no parece colocar maiores proble- mas enquanto lidamos com sociedades tidas como de pequena escala, uma vez que, neste caso, mesmo o diferencialismo funcionalista acabaria por ser capaz de rebater a diversidade das representaes, e mesmo dos grupos, sobre uma estrutura social pensada como abrangente.

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    Nesse sentido, preciso admitir que o chamado estudo antropolgico das sociedades complexas sempre apresentou pelo menos uma virtude: revelar, como numa ampliao, dificuldades j presentes no estudo das sociedades "primitivas", mas que a podiam passar mais ou menos des- percebidas, seja devido a caractersticas intrnsecas dessas sociedades, seja, mais provavelmente, devido posio especial do observador em relao a elas. No caso especfico dos estudos sobre a noo de pessoa, esta propriedade reveladora se manifesta, por um lado, nos problemas encontrados para definir uma concepo global que seria caracterstica do Ocidente ou, em escala apenas um pouco menor, de alguma sociedade nacional moderna. Manifesta-se igualmente, por outro lado, na tentao de fazer proliferar microestudos de pequenos grupos constitutivos das grandes sociedades contemporneas, tomados quase como sucedneos das pequenas culturas em que o antroplogo costumava efetuar suas ob- servaes. Esses trabalhos, em geral, so certamente capazes de elucidar algumas diferenas significativas entre os grupos estudados, mas dificilmente conseguem articular essas diferenas com as questes mais abrangentes que inevitavelmente se colocam quando defrontamos com sociedades de grande magnitude.

    possvel, entretanto, que essas oscilaes no constituam signos in- teiramente negativos e que a alternncia entre o inventrio minucioso das diferenas e as estruturas globais da sociedade e da natureza humanas possa fornecer uma alternativa para novas investigaes. A prtica etno- grfica da antropologia sempre funcionou como defesa contra os exage- ros das teorias, mtodos e grandes generalizaes. Por outro lado, a am- bio totalizante dessa disciplina aponta por vezes na direo de uma investigao quase kantiana a respeito das condies de possibilidade da existncia humana e social. Nesse sentido, nosso particularismo e nosso universalismo talvez possam se corrigir mutuamente, permitindo uma in- vestigao "crtica" das condies de possibilidade dos fenmenos huma- nos, investigao que busque essas condies no conjunto de variveis

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    concretas com as quais estamos sempre lidando, no em um transcendental qualquer. A uma abordagem antropolgica em sentido estrito, seria pre- ciso substituir uma analtica histrica e etnogrfica. Mauss esteve prximo de faz-lo e certamente teria sido bem-sucedido se no tivesse subordi- nado a perspectiva histrica a uma antropologia sociologizada.

    O mrito mais claro do texto de Mauss esboar uma histria social da subjetividade. Mas ao trmino de seu percurso, a pessoa se acha reajus- tada aos contornos da imagem que se compraz em oferecer, a da comple- tude e da soberania, caues de uma ordem social destotalizada. Mauss moralista reencontra Durkheim; um temor assombra sua sociologia: que o social se dissolva, que o indivduo se furte [Beillevaire e Bensa, 1984:541].

    J observamos que as noes de pessoa so inseparveis das noes de sociedade. Mas, ao exprimir as coisas nesses termos, ainda pode- mos ter a falsa impresso de estarmos lidando com substncias que s variariam secundariamente, na medida em que fossem refletidas por representaes diferenciadas. Talvez seja preciso radicalizar essa po- sio, admitindo que o prprio par indivduo/sociedade que consiste em uma especificidade do imaginrio ocidental, ou, ao menos, de certas cul- turas particulares. Mais precisamente, talvez fosse preciso sustentar que a sociedade ocidental tem se dedicado h muito tempo a produzir este par enquanto realidade. No se trata de ideologia, portanto, mas de um con- junto de prticas bem datadas que seria preciso tentar reconstituir. Nesse sentido, aos trs modelos isolados por Cartry, deveramos acrescentar outro, que se tem manifestado especialmente nos estudos histricos, mas do qual a antropologia poderia legtima e proveitosamente se apropriar.

    Esses estudos se caracterizam, em primeiro lugar, por um certo nomi- nalismo. Assim, a propsito desse "'individualismo' que se invoca to freqiientemente para explicar, em pocas diferentes, fenmenos diversos", e sob cuja rubrica costumamos agrupar "realidades completamente dife- rentes" (Foucault, 1984b:56), Michel Foucault, ao analisar a sociedade romana, acreditou ser necessrio distinguir ao menos trs aspectos:

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    a atitude individualista, caracterizada pelo valor absoluto que se atribui ao indivduo em sua singularidade, e pelo grau de independncia que lhe atribudo em relao ao grupo ao qual pertence ou s instituies das quais depende; a valorizao da vida privada, isto , a importncia reconhecida s relaes familiares, s formas de atividade domstica e ao domnio dos interesses patrimoniais; enfim, a intensidade das rela- es consigo, isto , das formas atravs das quais -se chamado a tomar a si mesmo por objeto de conhecimento e domnio de ao, a fim de se transformar, corrigir, purificar, promover sua salvao. Essas atitudes podem estar ligadas entre si [. . .]. Mas esses vnculos no so nem cons- tantes nem necessrios [Foucault, 1984b:56-7].

    Isso significa que, dependendo do sentido em que tomemos a palavra, uma sociedade ou um grupo pode aparecer como absolutamente "indivi- dualista" ou como renegando a pertinncia do "indivduo". A terminologia , portanto, meramente relativa, o que torna intil tentar encerrar essa posio em uma espcie de paradoxo que consistiria em simplesmente substituir conceitos problemticos por outros to ou mais comprometidos que aqueles que se deseja abandonar. A necessidade de um certo nomi- nalismo no exclui, por outro lado, que este esteja submetido a duas con- dies, a fim de no cair num jogo de palavras que logo se mostraria es- tril. Em primeiro lugar, a operao nominalista deve ser acionada incessantemente, todas as vezes que uma substituio conceituai se mos- trar efetiva para o refinamento da anlise. Em segundo lugar - ponto mais importante -, o nominalismo est limitado apenas pelas necessidades da causa, ou seja, s se detm ao produzir uma inteligibilidade do fenmeno considerada satisfatria pelo analista - o que no implica, evidentemente, que outros no possam prolongar o processo numa espiral infinita.

    Nessa direo, Jean-Pierre Vernant (1987:23-4) foi capaz de demons- trar que a distino heurstica entre "o indivduo stricto sensu", "o sujei- to" e "o eu, a pessoa", produz um poderoso instrumento metodolgico para esclarecer certas questes relativas cidade grega e participao dos cidados em seus contextos polticos. Do mesmo modo, Paul Veyne (1987:7) acreditou ser necessrio definir o "indivduo" como "um sujeito,

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    um ser ligado sua prpria identidade pelo conhecimento ou conscincia de si" para poder dar conta da hesitao entre obedecer e revoltar-se em certo perodo da histria romana. Essas posies no denotam, creio, um simples particularismo exagerado, mas o pressuposto de que, se alguma generalizao possvel, esta s pode ser atingida atravs de um confron- to entre diferenas, no por meio de princpios supostamente to univer- sais que seriam capazes de englobar todas as variaes concretas.

    em virtude de consideraes desse gnero que o texto de Vernant comporta uma discreta contestao de uma das principais teses de Dumont, a que afirma a origem "fora-do-mundo" do indivduo ociden- tal (Vernant, 1987:20-1; 36-7). De fato, um dos principais problemas ao se trabalhar com noes como a de ideologia a dificuldade em esca- par das armadilhas substancialistas e das reificaes. Opondo globalmen- te "holismo" e "individualismo", Dumont deixa escapar a possibilidade de utilizao dessas noes como instrumentos heursticos destinados a con- ferir inteligibilidade a um conjunto de fatos muito complexos, converten- do-as em princpios tericos no interior dos quais se torna possvel encai- xar o que quer que seja com um mnimo de esforo. At mesmo o totalitarismo e o nazismo podem, assim, ser reduzidos a simples perturba- es de nosso individualismo geral, tomando difcil adivinhar o que pode- ria escapar de um esquema aparentemente to poderoso.

    Da mesma forma, ao situar a "sociedade brasileira" entre a hierarquia e o individualismo, Roberto Da Matta ( 1 979) termina por acrescentar, contra seus prprios objetivos, um "tipo" queles j isolados por Dumont. 'Tipo" cujo carter aparentemente intermedirio pode fazer desconfiar de um resduo evolucionista permeando todo o raciocnio. Uma alternativa fornecida por Laymert Garcia dos Santos (1982), ao empregar a nomen- clatura de Da Matta em um sentido operativo e metodolgico, analisando a individualizao e a personalizao como algumas das prticas polticas que atravessam as relaes sociais no Brasil. claro que outras poderiam ser isoladas e essa, creio, a tarefa que se coloca para aqueles interessa- dos em prosseguir nesse tipo de trabalho.

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    s teorias que buscam captar a substncia de ideologias englobantes, seria preciso opor, consequentemente, uma analtica dos processos ima- nentes s prticas mltiplas. Esta , sabe-se, uma posio avanada por Michel Foucault (1984a), ao dedicar-se, j no final da vida, ao estudo do que denominou "formas de subjetivao", e que, grosso modo, podera- mos tambm chamar de "noo de pessoa". Este estudo representa, na verdade, uma consequncia mais ou menos necessria de suas pesquisas anteriores, das quais, infelizmente, terminou por ser a concluso precoce. bastante conhecido o fato de que essas pesquisas se desenvolveram na direo da anlise das configuraes polticas que objetivaram certas for- mas de subjetividade ao longo da histria recente da sociedade ocidental. "Sujeitos" que se manifestaram em diferentes esferas, dos saberes - "su- jeitos do conhecimento" - s mais variadas prticas sociais -, loucura, de- linquncia, sexualidade. ... O problema que as primeiras descries e anlises de Foucault costumavam ser to cerradas, que provocavam a falsa impresso de no haver sada do campo mapeado, a no ser atravs de uma espcie de grande recusa que pretenderia reiniciar tudo do zero. Isso produziu o duplo e lamentvel efeito de fazer com que alguns simplesmen- te deixassem de dar ateno a tudo o que provm, por exemplo, da an- tropologia, e que outros recusassem, de forma igualmente global, os tra- balhos de Foucault, em nome da preservao dessa mesma antropologia. A prpria idia de uma produo de sujeitos sempre pareceu esbarrar no perigo do mecanicismo, ao sugerir que esses sujeitos seriam simples efei- tos passivos do funcionamento de mecanismos situados sobre outros pla- nos, cuja natureza jamais temos certeza de conhecer. Os trabalhos sobre as formas de subjetivao pretendem justamente afastar esse fantasma mecani- cista. Em lugar de supor que a interioridade seja um puro reflexo de algo su- postamente exterior, foi preciso admitir que ela constitui um espao de elabo- rao de foias extrnsecas, projetando-se, ao mesmo tempo, para fora

    Creio que essa posio abra um enorme campo para investigaes empricas de grande importncia e em relao s quais a antropologia no

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    pode permanecer indiferente. Alm da j mencionada distino entre as diferentes modalidades e acepes do "individualismo", Foucault (1984a:33-35) apontou quatro dimenses sobre as quais a anlise das formas de subjetivao deveria incidir:

    a) a determinao da matria investida (a "substncia tica", nas pala- vras de Foucault): o corpo, a(s) alma(s), a vontade, o desejo. . . ;

    b) a investigao da razo do investimento (o "modo de subjetivao"): aceitao da ordem social abrangente, vontade de distino, obedincia a um princpio tido como universal ... ;

    c) a delimitao do modo de investimento (a "elaborao do traba- lho tico"): exerccios fsicos ou espirituais, formas de autodeciframento, contato com o sobrenatural ... ;

    d) a anlise do objetivo de todo o processo (a "teleologia do sujeito moral"): integrar-se na ordem social, garantir a salvao, fundir-se com os deuses ou antepassados ....

    Percebe-se, portanto, que a conduo de uma anlise dessa nature- za depende de um alargamento do que costumamos denominar "no- o de pessoa". Seria preciso reconhecer que situar-se sobre o plano puramente representacional insuficiente, e que este plano constitui apenas parte do fenmeno, sendo necessria a incluso das mltiplas esferas relativas s prticas institucionais e individuais.

    Se desejarmos permanecer fiis tradio antropolgica, deveramos reconhecer que, aps toda essa discusso, ainda Marcel Mauss quem nos aguarda no final do caminho. Para admiti-lo, basta reunir ao texto sobre a pessoa suas anlises a respeito da "expresso obrigatria dos sentimen- tos" e das "tcnicas corporais". Recuperaramos, assim, o plano do "fato social total", onde fsico, psquico e social no mais podem ser distinguidos, e onde representaes e processos empricos no constituem mais que dimen- ses ou expresses sempre articuladas das prticas humanas que pretende- mos investigar.

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  • Marcio Goldman. Uma Categoria do Pensamento Antropolgico

    Notas 1 Uma primeira verso deste texto foi apresentada ao seminrio "A Religio

    e a Questo do Sujeito no Ocidente", organizado pelo Centro Joo XXIII de Ao Social em Engenheiro Paulo de Frontin, RJ, outubro de 1993.

    2 Professor-adjunto, Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1996, v. 39 n 1.

    ABSTRACT: The " notion de personne " is certainly one of the most recur- ring categories in the conceptual frame of social and cultural anthropology, but we use to forget the great number of problems underlying this notion, as well as that its specific sense seems to change from author to author. Beginning with Mauss's classic paper about the issue, this article intends to map some of these problems and ambiguities. To do that it sketches the historical background of the question and tries to present some ways to recover the creative potential of a concept that has always permitted the elaboration of alternative points of view about social and cultural diversity.

    KEY WORDS: personhood, "notion de personne", individualism, history of anthropology.

    Aceito para publicao em maio de 1995.

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    Article Contentsp. [83]p. 84p. 85p. 86p. 87p. 88p. 89p. 90p. 91p. 92p. 93p. 94p. 95p. 96p. 97p. 98p. 99p. 100p. 101p. 102p. 103p. 104p. 105p. 106p. 107p. 108p. 109

    Issue Table of ContentsRevista de Antropologia, Vol. 39, No. 1 (1996), pp. 13-285Front MatterO Trabalho do Antroplogo: Olhar, Ouvir, Escrever [pp. 13-37]Antroplogos nativos en la Argentina. Anlisis reflexivo de un incidente de campo [pp. 39-81]Uma Categoria do Pensamento Antropolgico: A Noo de Pessoa [pp. 83-109]Reciprocidade e Hierarquia [pp. 111-144]Musicalidade e Ambientalismo na Redescoberta do Eldorado e do Caraba: uma Antropologia do Encontro Raoni-Sting [pp. 145-189]A Lngua Geral como Identidade Construda [pp. 191-219]Os Primeiros Aldeamentos na Provncia de Gois: Bororo e Kaiap na Estrada do Anhangera [pp. 221-244]Fronteiras Religiosas em Movimento no Cone-Sul [pp. 245-263]ResenhasPierre Fatumbi Verger: um viajante perdido em pleno sculo XX [pp. 267-271]Review: untitled [pp. 273-278]Review: untitled [pp. 279-285]

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