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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - CAMPUS DE CASCAVEL
CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS – NÍVEL DE
MESTRADO PROFISSIONAL
MARIA SELMA BISPO DA SILVA
A ESCRITA NOS ANOS INICIAIS: PERCURSOS E PERCALÇOS – REFLEXÕES SOBRE A AUTORIA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE PRODUÇÃO ESCRITA DE
ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
CASCAVEL
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - CAMPUS DE CASCAVEL CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS – NÍVEL DE MESTRADO PROFISSIONAL
MARIA SELMA BISPO DA SILVA
A ESCRITA NOS ANOS INICIAIS: PERCURSOS E PERCALÇOS – REFLEXÕES
SOBRE A AUTORIA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE PRODUÇÃO ESCRITA DE ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – Nível de
Mestrado Profissional, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE –
Campus de Cascavel, como requisito para obtenção do título de mestre, no curso de Mestrado Profissional – Profletras.
Linha de pesquisa: Linguagem e Letramento.
Orientadora: Profa. Dra. Luciane Thomé
Schröder
CASCAVEL
2019
Ficha de identificação da obra elaborada através do Formulário de Geração
Automática do Sistema de Bibliotecas da Unioeste.
Silva, Maria Selma Bispo da
A escrita nos anos iniciais: percursos e percalços: Reflexões sobre a autoria a partir das práticas de produção escrita de alunos do5o.ano do Ensino Fundamental /Maria Selma Bispo da Silva; orientador (a), Luciane Thomé Schroder, 2019.
140 f.
Dissertação (mestrado profissional), Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Programa de Pós-Graduação em Letras, 2019.
1. Discurso. 2. Escrita. 3. Autoria. 4. Anos iniciais.
I. Schroder, Luciane Thomé. II. Título.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, deixo aqui meu agradecimento a todos que vieram antes de mim e que se constituíram em senderos luminosos para a minha jornada.
AOS MEUS PAIS, Sr. Zezé e Dona Maria, por receber-me como filha e serem a mão que conduz e acaricia, possibilitando me tornar a pessoa que hoje sou.
Á MEUS FILHOS, Mariana e Vinícius, parceria formada por toda uma vida,
motivos de minhas lutas. Obrigado filho pelas muitas vezes que madrugou comigo.
A MEU NETO Cauã, minha fonte de esperança e força nos momentos difíceis.
A MINHA NORA e NETO de coração Jéssica e Arthur, presentes que a vida me
deu.
Aos MEUS IRMÃOS pelo apoio incondicional.
AS MINHAS AMIGAS, Cleonice Luz e Jussara Marquesi, amigas para toda hora, força nos momentos difíceis e risos nos momentos de alegria.
AOS PROFESSORES do Programa de Pós-Graduação do Mestrado profissional em Letras - Profletras, pela grande contribuição à minha formação
acadêmica e profissional. AOS PROFESSORES, Dra. Carmem Teresinha Baumgartner e Dr. Alexandre
Sebastião Ferrari Soares, por aceitarem fazer parte da minha banca e pelas contribuições para a melhoria desse trabalho.
Finalmente, meu agradecimento especial à minha ORIENTADORA Profa. Dra.
Luciane Thomé Schröder, por sua paciência, determinação e confiança durante todo
esse trabalho e que certamente levarei como exemplo pela vida.
Não fosse isso,
eu era menos.
Não fosse tanto,
eu era quase.
Paulo Leminski
SILVA, Maria Selma Bispo da. A ESCRITA NOS ANOS INICIAIS: percursos e
percalços - reflexões sobre a autoria a partir das práticas de produção escrita de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. 2019. p.135. Dissertação (Mestrado em
Letras – PROFLETRAS), Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cascavel, 2019.
RESUMO
Este trabalho filia-se à teoria da Análise do Discurso de linha francesa e toma por orientação principal os estudos de Michel Pêcheux (1997) e Orlandi (1996; 1997;
2001; 2007 e 2011). A temática que permeia a investigação trata sobre a constituição da autoria nos anos iniciais. Tema movimentado pelo objetivo de analisar como a
escola trata a questão. No percurso da pesquisa, optamos desde o início em colocar em cena os sujeitos envolvidos no processo. Isso significou uma organização das análises em diferentes momentos a fim de que fosse possível lançar um olhar às
condições de produção do texto na escola. O percurso assumido, portanto, movimentou os corpora colhidos para atender a diferentes etapas, todas, dirigidas a
trazer à tona resposta ao questionamento: quais as condições de enunciação das crianças na escola quanto à prática de constituição da autoria? Em outras palavras: o que a escola tem feito para propiciar que a criança assuma a posição sujeito-autor?
Postas as colocações, a pesquisa organizou, primeiramente, uma discussão sobre a escola definida como um importante Aparelho Ideológico do Estado (ALTHUSSER,
1985). Considerada essa condição como pano de fundo, apresentamos, na sequência, as reflexões em torno dos discursos pedagógicos que adentram o universo escolar na voz dos discursos oficiais e se mostram atravessando e constituindo os
discursos e prática dos professores. Importante ressaltar que a partir desse momento a pesquisa delineia um primeiro quadro que aponta às limitações quanto aos
procedimentos em relação à prática da produção textual, limitações que são evidenciadas no capítulo de análise referente aos encaminhamentos dos professores. Feito esse percurso e compreendendo esse primeiro quadro, passamos à análise dos
textos dos alunos resultantes dos encaminhamentos. O trabalho que se apresenta neste momento foi orientado com um objetivo que se colocou no decorrer da pesquisa:
percebemos que os alunos dizem, ainda que fragilizados por encaminhamentos pouco comprometidos com a perspectiva da autoria. E buscamos mostrar isso por meio das análises. Assim, a condição da autoria conforme defendida é evidenciada no sentido
de que ela não significa ato inaugural, mas movimento de sentidos por parte de um sujeito e suas condições de produção. Ao partirmos para o encerramento,
apresentamos o encaminhamento didático-pedagógico que representa, nesse momento, o resultado das certezas adquiridas por meio do estudo, ou seja, de que para dizer é preciso dar condições aos alunos. Uma condição que se concretiza por
uma prática docente envolvida com a leitura e a reflexão, em que o espaço para o aluno dizer é valorizado como espaço de constituição da autoria.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso. Escrita. Autoria. Anos Iniciais.
SILVA, Maria Selma Bispo da. THE WRITING IN THE INITIAL YEARS: trajectories
and mishaps - reflections on the authorship based on written production practices
of 5th year students of Elementary School. 2019. p.135. Dissertation (Master in
Letters – PROFLETRAS), Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cascavel, 2019.
ABSTRACT
This dissertation is based on the French Discourse Analysis theory and is based mainly on the studies of Michel Pêcheux (1997) and Orlandi (1996, 1997, 2001, 2007 and
2011). The thematic that permeates the investigation deals with the constitution of the authorship in the Elementary education. Theme moved by the objective of analyzing how the school treats the question. In the course of research, we chose from the
beginning to put on the scene the subjects involved in the process. This meant organizing the analyzes at different times so that it was possible to look at the total
conditions of production text in the school. The course, therefore, moved the corpora harvested to attend to different stages, all aimed at raising the answer to the question: what are the conditions of enunciation of the children in the school regarding the
practice of constitution of the authorship? In other words, what has the school done to enable the child to assume the subject-author position? In view of the above, the
research organized, first, a discussion about the school defined as an important Ideological Apparatus of the State (ALTHUSSER, 1985). Considering this condition as a backdrop, we present, next, the reflections around the pedagogical discourses that
enter the school universe in the voice of the official discourses and are shown traversing and constituting the discourses and practice of the teachers. It is important
to emphasize that from this moment the research delineates a first frame that points to the limitations regarding the procedures in relation to the practice of textual production, limitations that are evidenced in the chapter of analysis referring to the referrals of the
teachers. Once this course has been completed and the first one is understood, we are going to analyze the texts of the students resulting from the referrals. The work that
is presented at this moment was oriented with an objective that was put in the course of the research: we perceive that the students say, although weakened by referrals little committed to the perspective of authorship. And we try to show this through
analysis. Thus, the condition of authorship as defended is evidenced in the sense that it does not signify an inaugural act, but a movement of meanings on the part of a
subject and his conditions of production. When we leave for closure, we present the didactic-pedagogical routing that represents, at that moment, the result of the certainties acquired through the study, that is, that for to say it is necessary to give
conditions to the students. A condition that is materialized by a teaching practice involved with reading and reflection, in which the space for the student to say is valued
as a space for the constitution of authorship.
KEYWORDS: Discourse. Writing. Authorship. Elementary education.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD – Análise do Discurso
AIE – Aparelho Ideológico do Estado
DP – Discurso Pedagógico
PA – Professora A
PB – Professora B
PC – Professora C
PD – Professora D
PE – Professora E
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNLP – Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa
DCNEB – Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
DCE – Diretrizes Curriculares Estaduais
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12
1 ESCOLA: UM ESPAÇO DE RATIFICAÇÃO DAS IDEOLOGIAS DOMINANTES ................................................................................................15
2 APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS
DOCUMENTOS OFICIAIS .............................................................................26
3 O DISCURSO DOS PROFESSORES: sujeito, formação discursiva e
memória .........................................................................................................32
4 O INTERVALO: O QUE SE DIZ E O QUE (NÃO) SE FAZ: produção escrita, texto e discurso ............................................................................................45
5 AS PRODUÇÕES ESCRITA DOS ALUNOS: reflexões sobre um princípio
de autoria .......................................................................................................60
5.1 RETOMANDO O PERCURSO PARA REFLETIR OS PERCALÇOS
.......................................................................................................................108
6 DA TEORIA À PRÁTICA: Um encaminhamento de leitura e produção
textual resultado de um processo..............................................................112
6.1 SOBRE A APLICAÇÃO PRÁTICA DE UM ENCAMINHAMENTO DE LEITURA
E PRODUÇÃO TEXTUAL: descrição reflexiva dos encaminhamentos........................................................................................ ..115
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................127
REFERÊNCIAS .......................................................................................................130
INTRODUÇÃO
Professora dos anos iniciais da educação básica, atuando há 18 anos no ensino
público, na rede municipal de Foz do Iguaçu, tenho minha trajetória acadêmica ligada
a esse espaço institucional.
Estudante de escola pública desde os anos iniciais até os bancos universitários,
fiz um pacto com esse espaço, o de defendê-lo sempre. Essa defesa está diretamente
ligada ao que ela, escola pública, pode significar para os indivíduos que, como eu,
carregam consigo os mais sinceros ideais de uma sociedade mais justa e menos
excludente.
Ser professora, para mim, não é vocação, tampouco missão. É, antes de tudo
um ato de rebeldia. É ser - dentro de um espaço que atua para a manutenção e
conservação de um pensamento hegemonicamente dominante - um discurso outro,
que provoque reflexões e instaure processos de rupturas na estabilização das
estruturas viciadas do seio escolar. Fruto de uma sociedade onde poucos são
autorizados dizer e a muitos cabe a amarga fatia de cumprir o estabelecido e o
determinado.
É, portanto, dentro do espaço escolar que ousamos lançar nosso olhar para
uma das ramificações dos estudos da linguagem: a produção textual, enquanto prática
que possibilita ao aluno colocar-se na posição autor.
Assim, a pesquisa que se delineia intenciona lançar uma reflexão sobre a
autoria nos anos iniciais a partir das condições de produção de práticas de escrita na
escola.
Para isso, filiamo-nos à Análise de Discurso de linha francesa (AD), que,
enquanto disciplina de entremeio1, insere nos estudos da linguagem um olhar para o
sujeito numa perspectiva histórica; que trata o discurso como efeitos de sentido entre
locutores, toma o texto enquanto materialização do discurso marcado por condições
de produção específicas. O que a Análise do Discurso nos propiciou foi entender
esses elementos fundamentais quando pensamos a autoria no espaço escolar.
Para elaborar este trabalho colocamos em cena os sujeitos envolvidos no
1 A ideia de entremeio refere-se a espaços habitados simultaneamente e estabelecidos por relações
contraditórias entre teorias (ORLANDI,1996, P.23).
processo, ou seja, as vozes que os autorizam e as práticas que são mobilizadas no
fazer docente para, assim, construirmos um pano de fundo que permitisse as reflexões
sobre o tema.
Dessa forma, optamos pelo seguinte percurso:
O primeiro capítulo tem como objetivo lançar uma reflexão sobre a posição de
autoridade da instituição escolar sustentada na perspectiva althusserianas, que
concebe a escola enquanto um dos aparelhos ideológicos do estado, lugar de
legitimação das relações sociais pelos discursos que faz circular. Tomamos a escola
enquanto lugar de circulação de discursos e, portanto, de circulação de ideologias, ou
seja, o discurso pedagógico é um lugar que faz circular o preestabelecido, o que está
determinado e autorizado a ser dito. Espaço onde os sujeitos professor e aluno
assumem lugares já ditos que determinam as posições sujeitos à serem ocupadas.
No segundo capítulo, refletimos as vozes autorizadas que organizam a prática
do professor em sala de aula a partir dos documentos oficiais como os PCNLP (1997),
as DCEs (2008) e Currículo AMOP (2015). Nosso olhar recai no tocante à produção
de texto a fim de analisarmos como esses discursos legitimam os discursos do
docente e, por conseguinte, as suas práticas. Como recorte, nos valemos dos
encaminhamentos dos PCNLP (1997), por ele se constituir no documento pertencente
à esfera federal, que ainda se configura como referencial para o ensino da língua
portuguesa, e que valida (por consonância ou pela crítica) os demais documentos.
No terceiro capítulo, apresentamos o resultado da entrevista com cinco
professores, de cinco escolas públicas da cidade de Foz do Iguaçu, PR. O resultado
da entrevista mostra como os discursos pedagógicos, presentes nos documentos
oficiais (as vozes autorizadas a dizer o que se deve ensinar e como se deve ensinar)
são postos em prática pelo sujeito-professor. A análise permite afirmar sobre o
processo de regulação no discurso do professor, ao reproduzirem os dizeres
autorizados pela e para a escola na tarefa de cumprir o determinado.
No quarto capítulo, lançamos nosso olhar para as concepções de texto e
discurso a partir da AD, objetivando relacionar os conceitos às atividades de produção
textual. Por meio das análises dos encaminhamentos de escrita determinados pelos
professores, constatamos que esses revelam em seus enunciados o discurso
pedagógico autoritário-autorizado. Os encaminhamentos analisados, caracterizam um
sujeito professor preso à concepção do trabalho com o texto que objetiva ensinar
regras e normas, cujas preocupações voltam-se aos aspectos gramaticais, a estrutura
do gênero, as questões notacionais da língua e, em outro momento, para a atribuição
de notas, em detrimento das questões discursivas que priorize as condições para que
o texto seja pensado como lugar do dizer: espaço da autoria.
No quinto capítulo, temos as análises das produções textuais dos alunos,
resultantes dos encaminhamentos analisados no capítulo quatro. Para a construção
dessas análises, buscamos nos textos dos alunos, indícios, marcas que atestassem
os seus movimentos de acesso a uma memória discursiva que propiciasse o dizer e
se posicionar diante da comanda do professor. As análises mostram como a posição
do sujeito professor se faz importante para o dizer do aluno, uma vez que ofereça o
que, como, sobre e onde dizer o que se diz. Por outro lado, o estudo mostra como
essas práticas se constituem como silenciadoras do dizer quando desconsideram o
papel mediador do professor. As práticas de produção textual nesse contexto negam
ao aluno a possibilidade de dentro da escola, colocar-se como responsável pelo seu
dizer, pelas escolhas que faz para organizar seu texto, como nos afirma Orlandi (1996,
p. 75) que “para ser autor a escola é necessária [...] pois enquanto lugar de reflexão,
é um lugar fundamental para a elaboração dessa experiência, a da autoria, na relação
com a linguagem”.
O sexto capítulo trata do momento em que apresentamos um encaminhamento
de atividade que se fez no decorrer da caminhada: teoria e prática acontecendo no
decorrer da trajetória. O encaminhamento descrito sustenta-se na perspectiva da
leitura/compreensão/interpretação enquanto instâncias que autorizam o aluno a
assumir a posição leitor que tem na outra face a posição autor. A leitura, nesse
contexto, assim como a escrita, faz parte de um processo de instauração de sentido.
Portanto, a leitura é o gatilho que leva a interpretar, instaurar sentidos e dá as
condições para o aluno, relacionando as múltiplas vozes que se apresentam num
texto, pensar o seu. Confiantes nesse caminho é que o trabalho em sala junto aos
alunos se desenvolveu.
Para finalizar, tecemos nossas considerações acerca dos corpora analisados,
e também, sobre as impressões frente à prática desenvolvida, atestando que os
encaminhamentos do professor tanto podem se constituir em percalços, como
atuarem como lugar da mediação, da interlocução, transformando-se em percursos
para que os alunos ascendam à posição de autor. Na certeza de que não há receita,
esse trabalho se movimentou, durante todo o seu percurso, a fim de atender ao desejo
da pesquisadora de comprovar que o discurso, na escola, pode ser outro
1 ESCOLA: UM ESPAÇO DE RATIFICAÇÃO DAS IDEOLOGIAS DOMINANTES
Introduzimos nossa reflexão assumindo uma perspectiva de escola surgida em
meio ao modelo capitalista de estado instaurado a partir da Revolução Industrial2.
Nesse modelo ocorre o deslocamento das atribuições com o ensino, ou seja, o
que se configurava na sociedade feudal como modelo de produção escravagistas,
(ALTHUSSER, 1992) é substituído pelo modelo escolar que visa atender à sociedade
burguesa.
As lutas de classe e, porque não dizer, as lutas ideológicas travadas no decorrer
dos séculos XVI ao XVIII, na Europa, tinham como objetivo passar o poder do estado
às mãos da aristocracia feudal para a burguesia capitalista-comercial e, assim,
sustentar o novo modelo de produção hegemonicamente burguês, que, como força
detentora das funções outrora desempenhadas pela igreja, entre elas o ensino,
instaura um modelo de escola indispensável para a reprodução das relações de
produção capitalista.
Era preciso formar mão-de-obra para novas funções que se apresentavam nas
indústrias - manufatura e tecelagem -, ou seja, saberes práticos para o exercício da
função a ser desempenhada nos novos espaços de produção. Surge, então, a escola
com um ensino pensado para manutenção da posição burguesa e garantia de uma
posição subordinada ao proletário, legitimando a relação de uma diferença de classes,
que se sustenta ainda hoje apesar dos muitos avanços.
Consideramos importante ressaltar que a ideologia é um ritual com falhas e na
escola, assim como em qualquer aparelho ideológico, há resistência por parte
daqueles que fazem parte dele, sendo possível que outros sentidos se instaurem e
promovam mudanças.
Ao localizar a escola enquanto espaço da reprodução da força de trabalho,
Althusser (1992) assevera que isso ocorre pela reprodução de saberes práticos, e
também por regras, que, num processo de submissão garantem a ordem
estabelecida.
2 ARRUDA, José Jobson de A. A Revolução Industrial foi um novo modelo de relações de produção que surge na Europa no século XVIII, fazendo emergir novas técnicas de produção industrial
consolidando o capitalismo como sistema econômico.
“Uma reprodução da submissão desta à ideologia dominante para os operários e uma reprodução da capacidade para manejar bem a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a fim de que possam assegurar também < pela palavra >, a dominação da classe dominante (ALTHUSSER, 1992, p.21).
É sob esse viés que olhamos para a escola enquanto espaço de ratificação das
ideologias dominantes, ou seja, como espaço de “inculcação massiva da ideologia da
classe dominante, que são em grande parte reproduzidas nas relações de produção
de uma formação social capitalista” (ALTHUSSER,1992 p.66). A escola é espaço de
circulação de discursos e, por isso, de circulação de ideologias, que hoje tomam a
forma de outras linguagens tidas como politicamente corretas, mas sem perder seu
laço com a prática que a fundamenta como Aparelho Ideológico do Estado.
A escola determina padrões de comportamentos, por parte dos sujeitos que
detêm o poder, para dizer como as coisas devem ser, pois “Uma ideologia existe
sempre num aparelho e na sua prática ou suas práticas” (ALTHUSSER, 1992, p.84).
Os Aparelhos Ideológicos de Estado, são designados por Althusser como “um certo
número de realidades que se apresentam [...] sob forma de instituições distintas e
especializadas”.
Pêcheux, em seu livro “Semântica e Discurso” (2010), ao discorrer sobre as
condições ideológicas de reprodução/transformação das relações de produção que:
O AIE de Estado, não é a expressão da ideologia dominante (burguesa) mas o local e o meio para a realização dessa dominação [...] o que significa que os Aparelhos Ideológicos de Estado constituem, simultânea e contraditoriamente, o lugar e as condições ideológicas da transformação de produções (PÊCHEUX, 2010, p.131).
Assim, apesar das mudanças que a instituição escolar passou desde o século
XIX, até os dias atuais, podemos entendê-la, mesmo que a partir de outras roupagens
discursivas, como atravessada por discursos pertencentes a uma formação social
ideológica e capitalista, que trabalha na manutenção de uma classe social sob a outra.
Sem adentrar ao complexo da discussão histórica em relação à constituição da
instituição escolar, brevemente acenada, podemos afirmar que suas práticas políticas
se mantêm vigorosas. Sabemos, por exemplo, das diferenças sócio-políticas que
condicionam uma realidade às escolas públicas em relação às instituições privadas,
sendo que as primeiras, à mercê das políticas de estado são voltadas para atender
aos interesses escusos e questionáveis daqueles que talvez nunca a tenham
frequentado.
Os estudos de Brandão (1984), Buffa (1987) e Mészáros (2008) acolhem essa
perspectiva, como é possível verificar nas citações que seguem abaixo.
Brandão (1984, p.23) ao referir-se à escola pública enquanto espaço de
formação do proletário, nas sociedades capitalistas, desde sua criação, afirma que
essa “foi estruturada com finalidade de educar essa parcela da sociedade,
domesticando-a e direcionando-a para o papel que estes deverão ocupar na
sociedade”. Desta forma, vê-se que a divisão de conhecimento opera para as relações
das diferentes classes.
No mesmo sentido, Buffa (1987, p.28), olhando para a escola enquanto um
novo espaço de educação, criado a partir dos princípios da sociedade burguesa,
assevera que “a educação dos trabalhadores pobres tem por função discipliná-los
para a produção, aquele mínimo necessário para fazer do trabalhador um cidadão
passivo”. O mesmo ponto de vista é sustentado por Mészáros (2002, p. 45), quando
o autor afirma que “uma das funções principais da educação formal nas nossas
sociedades é produzir tanta conformidade ou consenso quanto for capaz, a partir de
dentro e por meio de seus limites institucionalizados e legalmente sancionados”.
Assim, temos que a escola se constituiu com funções pensadas por uma
determinada classe, que a elevou a uma esfera de poder, em razão de que a
instituição escolar passou a ser usada para determinados fins que não o de
proporcionar autonomia aos sujeitos, mas para habilitá-los a um determinado serviço3.
Conforme afirma Althusser (1992, p.62), “por detrás dos jogos do seu Aparelho
Ideológico de Estado político, que estava à boca de cena, o que a burguesia criou
como Aparelho Ideológico de Estado n.1, e, portanto, dominante, foi o aparelho
escolar”. Essa colocação é determinante para compreendermos o quadro em que
pensamos a escola nesta pesquisa, visto que esse quadro nos faz refletir as práticas
que afetam os docentes e, por consequência, os alunos.
Considerando, portanto, as perspectivas ideológicas presentes na organização
das instituições escolares, a escola contribui com a parte que lhe cabe, ou seja,
reproduzindo as relações sociais de produção capitalista, com a formação da força de
trabalho e na inculcação da ideologia dominante, moldando o sujeito ao sistema
3 O ensino profissionalizante no Brasil, desde a criação das ‘Escolas de Aprendizes Artífices’ em 1909
até os dias atuais com os cursos de formação profissionalizantes oferecidos em escolas estaduais e nos institutos federais, nas modalidades médio e pós-médio, tem o intuito de formar para dar condições as pessoas de se profissionalizarem e, assim, atenderem as demandas que o mercado necessita.
vigente por meio dos seus discursos, sem que isso signifique uma prática consciente
dos sujeitos que firmam os pés no chão escolar: professores e alunos.
Em seu espaço de poder, a instituição escolar passa a ser peça fundamental
para o desenvolvimento e fortalecimento da sociedade como a concebemos, a partir
dos discursos a que somos submetidos, por meio das leis que condicionam a escola
a ser o que ela é hoje. “Por outras palavras, a Escola (mas também outras instituições
do Estado como a Igreja, outros aparelhos como o Exército) ensinam os mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia dominante, ou o
manejo das práticas desta” (ALTHUSSER, 1992, p. 22).
Compreendendo esse papel da escola, que, ao passar dos anos vem passando
por uma certa democratização e modernização, podemos afirmar que tratamos de
uma instituição que movimenta discursos e, por meio dos discursos que ela faz
circular, movimenta práticas ideológicas. Junto desse papel maior um outro trabalho
é feito, pois como lugar de repouso dos mecanismos de funcionamento de discursos,
a escola é um espaço de formação e apropriação dos conhecimentos produzidos
historicamente pela humanidade. Sendo assim, é reconhecida como o espaço da
educação formal e ascensão social, isto é, a partir da escolarização o sujeito torna-se
um cidadão que passa a pertencer ao grupo dos letrados.
Esse valor cidadão, adquirido por meio da escola, se materializa nos discursos
presentes nos documentos oficiais, que a legitimam como o espaço de emancipação
de sujeitos. Esse discurso, remonta, por exemplo, o exposto na Constituição Federal,
que em seu artigo 205, sobre o direito à educação enquanto direito social, diz o
seguinte: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício de cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(C.Fed. 1988, p.94).
Esse discurso autorizado expresso na lei maior do país ecoa nos discursos que
são levados à escola, por exemplo. Seguindo uma escala hierárquica, da Constituição
Federal aos documentos que chegam à escola, temos o exposto nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997, p.33) que, ao se referir à instituição escola, explica: “a
educação escolar deve constituir-se em uma ajuda intencional, sistemática e
planejada [...] diferindo de processos educativos que ocorrem em outras instâncias
sociais”.
A partir dessa matriz, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (2013),
que foi criada para, entre outros objetivos, atender ao ensino de 5 a 9 anos, traz em
seu texto de apresentação o mesmo discurso: “a formação escolar é o alicerce
indispensável e condição primeira para o exercício pleno da cidadania e o acesso aos
direitos sociais, econômicos, civis e político” (DCNEB, 2013, p.4).
Temos, como podemos verificar, os discursos oficiais atravessando as
formações discursivas da escola e sobre a escola, constituindo-a ideologicamente
enquanto espaço de apropriação dos conhecimentos e de formação humana: “Cabe,
pois, à escola, diante dessa sua natureza, assumir diferentes papéis, no exercício de
sua missão essencial, que é a de construir uma cultura de direitos humanos para
preparar cidadãos plenos” (DCNEB, 2013, p.25). Assim, as práticas políticas
escolares figuram em diversos mecanismos colocados em funcionamento, tais como
os currículos e programas de ensino, os materiais didáticos, as hierarquias funcionais
e as políticas de formação de professores.
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica,
trazem um entendimento do processo que corrobora com os papéis definidos para a
prática escolar, mas que cabem e findam, em princípio, no papel, pois fica-se definido
que o trabalho educacional é
Constituído pelas experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, buscando articular vivências e saberes dos alunos com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos estudantes (DCNEB, 2013, p.112).
Uma educação com qualificação social, segundo as Diretrizes Curriculares da
Educação Básica (2013, p.107), reafirma o jargão, sobre “[a escola] propiciar aos
estudantes vislumbrar na educação (...) o aumento de possibilidades de inserção no
mundo do trabalho”, silenciando outros efeitos de sentido como o de estar a serviço
de.
Por meio dos micros instâncias e relações de poder que se fazem presentes no
cotidiano escolar, podemos afirmar que a escola é uma instituição privilegiada quanto
à manutenção das ideologias dominantes (ALTHUSSER, 1992). Desse ponto de vista,
é preciso refletir sobre os discursos pedagógicos que se constituem no interior da
escola e de que forma eles são perpetuados nas práticas de ensino.
Em Vigiar e Punir, Foucault (2004) trata, entre outras questões, sobre a
disciplina. E nos valemos de um dado momento para pensar a sua reflexão naquilo
que recai sobre o processo disciplinador que ocorre na escola. O autor assemelha a
prática da educação escolar ao quartel, à prisão e às fábricas. Ele mostra como
nessas instâncias, muito proximamente umas das outras, funciona um processo
disciplinar que objetiva a formação, ou formatação do sujeito – seus corpos – a certas
normas e valores. Assim, a condição do sujeito é restrita
[...] à formação de uma relação que ao mesmo tempo o torna mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação, calculada de seus elementos, seus gestos, seus comportamentos (FOUCAULT, 2004, p.133).
Postos os parâmetros acima, que objetivou inserir o estudo como pertencente
a um panorama direcionador para esta pesquisa, passamos a pensar a prática do
discurso institucionalizado em sala de aula, no caso, o discurso pedagógico que
representa as relações estabelecidas no interior do aparelho educacional. Com
relação ao discurso pedagógico (doravante DP), Orlandi (2003) diz se tratar de um
discurso circular que gira em torno de si. Ao produzir um dizer institucionalizado, a
escola passa a ser sede de um discurso de poder, responsável pela sua manutenção
e cristalização que se materializa no fazer docente.
Isso se dá em função da formação discursiva4 predominante no escopo escolar,
que afeta os sujeitos que nela e fora dela circulam, que veem a escola como espaço
de saber formal a ser adquirido sem ressalvas que a questionem. Nesse sentido, os
educadores, os alunos e os pais dos alunos têm, na escola, a representação de
saberes legitimados que, numa formação imaginária se apresentam como uma
possibilidade a todos os sujeitos acenderem socialmente. Orlandi (1996) é crítica
quanto à perspectiva que caracteriza o discurso pedagógico como um discurso neutro,
que visa transmitir informações e objetiva a ausência de práticas ideológicas.
A ideia de neutralidade do discurso pedagógico, difundida inclusive pela escola,
e, também, fora dela, inculca a evidência e a naturalização de saberes que colabora
para legitimá-la como instituição de poder. De acordo com Orlandi (2003), os
discursos da escola e sobre a escola atuam por meio da convenção, determinam
costumes e valores que imprimem autoridade ao discurso pedagógico.
Os anos iniciais de escolarização, ou seja, do primeiro ao quinto ano,
4 Orlandi em seu livro Análise de Discurso - princípios e procedimentos (1997) define Formação
Discursiva como aquilo que numa posição ideológica dada determina o que pode e deve ser dito.
representam um percurso configurado como um rito de passagem da oralidade para
a escrita. Trata-se de um novo espaço-tempo, de uma prática em que o sujeito se
apropria de um objeto simbólico e histórico – a escrita alfabética – para exercer as
funções de leitor e escritor a partir de uma prática político-pedagógica. No sentido de
que cabe (ria) à escola capacitar os alunos à ampliação de seu conhecimento com
relação ao uso da linguagem, ao pleno exercício de seu uso em diferentes
manifestações.
Aproximando as reflexões da Análise do Discurso, temos na escola um espaço
de relações entre sujeitos, que vão se apropriando de conhecimentos, enquanto
sujeitos históricos, que se constituem pelos discursos com os quais se relacionam. Na
perspectiva da teoria, a linguagem não é vista apenas como suporte de pensamento,
nem tampouco como meramente instrumento de comunicação entre os sujeitos, mas
para a AD, “tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações: conflitos,
reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidade, etc” (ORLANDI, 1996
p.17).
Como percebemos, a tarefa escolar não é estável porque os sujeitos
envolvidos estão à mercê de políticas educacionais, que podem mudar, mais por
interesses econômicos e menos por coerência com a construção de uma educação
comprometida com a sociedade, com efeito a escola foi e continua sendo subordinada
a interesses diversos e, muitas vezes, distantes dos firmes propósitos que figuram
apenas no papel.
Olhando para o ensino fundamental nos anos iniciais, é preciso lembrar que a
criança chega à escola com uma competência linguístico-discursiva inicial,
desenvolvida em nível oral, além de contar com capacidade de elaboração e aquisição
de saberes aos quais é exposta.
Vygotsky (2010) em seus estudos afirma que, o que difere o homem das demais
espécies é a sua capacidade de operar com as funções psicológicas superiores, entre
elas, a linguagem. E é por meio dela que o indivíduo estabelece relações com o
mundo. É pela “a aquisição da linguagem [portanto] enquanto processo pelo qual a
criança se firma como sujeito da linguagem (e não como aprendiz passivo) e pelo qual
constrói ao mesmo tempo seu conhecimento do mundo, passando pelo outro”.
Nessa perspectiva, trazendo os apontamentos de Orlandi (1997, p.48), temos
que o sujeito está “sujeito à língua e a história, pois para se constituir, para (se)
produzir sentidos ele é afetado por elas”.
Não podemos negar que em relação ao ensino da Língua Portuguesa,
acenamos para uma mudança significativa nas concepções de aprendizagem e de
ensino, sobretudo, a partir dos anos 80, decorrentes dos avanços das ciências
linguísticas e seus diálogos com as metodologias de ensino da língua materna.
Podemos afirmar que com a entrada da disciplina de Linguística nos cursos
de graduação, o ensino de Letras sofreu uma grande mudança de paradigmas (ILARI,
1997), pois a inclusão dessa ciência nos cursos de Letras trouxe um grande potencial
formativo, ou seja, a linguística:
i) introduz na formação do professor de letras um elemento de participação ativa na análise da língua, que o habilitara a reagir de maneira crítica as opiniões correntes, e lhe permitirá, em sua vida profissional, avaliar com independência os recursos didáticos disponíveis e as observações e dificuldades de seus alunos. ii) amplia as perspectivas a partir das quais a língua é observada; multiplica os horizontes do que se pode considerar curiosidade legitima acerca da língua e da competência para comunicar. iii) proporcionar-lhe uma vivência do método próprio das ciências naturais, envolvendo momentos de intuição e momentos de formalismo em formular e avaliar hipóteses e alternativas (ILARI, 1997 p.17).
Assim, em decorrência das reconfigurações teóricas em relação aos saberes
sobre a língua(gem) e o ensino da Língua Portuguesa, podemos entender que
aconteceram avanços no espaço escolar. A partir do momento que os professores
passaram a ser expostos aos estudos da fonética, fonologia, sociolinguística,
psicolinguística e análise do discurso, por exemplo, os contrastes entre culturas
dominante e culturas relegadas, entre formas de expressão de prestígio e formas
desprestigiadas, como aponta Ilari (1997) “entre a solução de gabinete e as soluções
de quem vive os fatos, entre a indústria de livros didáticos e materiais cujo parâmetro
são pessoas reais”, temos um professor que parece poder se movimentar.
Apesar dos avanços promovidos pela linguística moderna, algumas práticas
escolares, alheias a esses estudos, parecem conduzir o ensino da língua ignorando o
aluno como sujeito histórico, que movimenta sentidos nos discursos que o constitui.
Isso se comprova por conta de uma fiel ritualização aos processos tradicionais de
ensino. Muitas pesquisas criticam esse nosso cenário5, em que unidades desprovidas
5 Ver estudos de Soares (1999); Possenti (2002); Geraldi (1996).
de sentido são trabalhadas num universo artificial de aprendizado, impondo ao aluno
a condição do “não saber”.
Por essa via, a linguagem e suas manifestações escritas são colocadas ao
aluno como uma ilustre desconhecida, sem vínculo com os saberes que ele já usa e
domina. E, diga-se, usa proficientemente, na globalidade das diferentes situações
discursivas cotidianas.
Segundo Possenti (2000, p. 28), a criança no seu ambiente familiar ou com
os amigos faz uso da linguagem proficientemente. Mas a escola ignora esse potencial,
deixando de proporcionar ao aluno situações de aprendizagem, “práticas, efetivas,
significativas e contextualizadas”, nas quais é importante fazer-se entender pelo outro
e entender o que o outro tem a dizer.
Soares (1998) esclarece que antes dos anos 80, o princípio norteador para o
ensino da escrita era o de que a criança deveria se apropriar do sistema formal a partir
das unidades menores – letras, sílabas, palavras – para as unidades maiores – frases,
orações e texto. Com os avanços nos estudos da linguagem mencionados, a autora
afirma que este princípio é substituído por outro: concebe-se que a apropriação do
sistema de escrita deve ser feita durante o processo de aprendizagem, ou seja, a
criança aprende a escrever agindo e interagindo com a língua formal, por meio dos
discursos.
A inauguração desse olhar para a linguagem, enquanto processo de interação
entre sujeitos do discurso, concebe que estar no discurso não se dá de forma isolada,
mas ao contrário, permite a compreensão de que como sujeito do discurso estamos
imersos numa relação com a sociedade e, sendo assim, imersos nos discursos que
se organizam a partir dos diferentes contextos históricos e ideológicos dos quais todos
fazem parte.
Trazendo à cena a Análise de Discurso no espaço educacional, entendemos
que o ensino de língua materna, consequentemente, da produção textual, precisa
considerar as diferentes instâncias de uma determinada formação ideológica e
discursiva que condicionam o uso que se faz da língua(gem), visto que “a língua
enquanto produto desta história e enquanto condições de produção da história
presente, vem marcada pelos seus usos e pelos espaços sociais desses usos”.
(GERALDI, 1996, p. 20).
Pêcheux (apud ORLANDI, 2011), ao se referir ao termo discurso, afirma que
este não pode ser considerado como fala (que escapa ao sistema), tampouco como
um suplemento social do enunciado (um elemento particular do sistema da língua). O
autor evoca a distinção entre base linguística e processo discursivo (que se
desenvolve sobre essa base), distinção essa que, segundo ele, pode autorizar as
considerações das relações de contradição, antagonismo, aliança e absorção entre
formações discursivas que pertencem a formações ideológicas diferentes, o que não
implica a existência de uma pluralidade de línguas, pertencentes a estas formações.
Uma palavra, uma expressão ou uma preposição não tem um sentido que lhe seria “próprio”, vinculado a uma literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantem com outras palavras, expressões e proposições da mesma formação discursiva (PÊCHEUX, 2010 p.148).
Os sentidos não são determinados pelas propriedades da língua e sim pelas
relações constituídas nas e pelas relações discursivas, que não funcionam
automaticamente, são heterogêneas em sua própria condição, com fronteiras
espontâneas que estão constantemente se configurando e se reconfigurando em suas
relações. Portanto, refletir sobre as condições de escrita nos anos iniciais é pensar na
condição de produção; nos discursos que orientam os sujeitos envolvidos, e como os
discursos se orientam no interior das complexas e distintas instituições escolares e
não-escolares.
Olhar como os discursos se movimentam no espaço escolar levou-nos a
retomar algumas considerações sobre o discurso pedagógico, trazendo a voz de
Orlandi (2011), que ao discorrer sobre a característica do discurso pedagógico, afirma
que este tende para o discurso autoritário, que se apropria da linguagem como
instrumento de dominação, uma vez que exclui sujeitos do campo do saber, fazendo
circular o preestabelecido, o determinado, o autorizado. Orlandi (2011) ao refutar a
suposta neutralidade atribuída ao discurso pedagógico apoia-se nas contribuições
althusserianas e pecheutianas para deslocar sentidos que legitimam a transparência
das informações e da organização do discurso escolar.
Pêcheux (2010) e Althusser (1992) tratam a escola como uma instituição onde
a luta ideológica de classes se fundam. Ressaltam, como já dito, que essa inculca nos
sujeitos dizeres de evidência e naturalização de sentidos no interior das formações
discursivas de modo silencioso e velado: “[...] oferecendo certas quantidades saberes
embrulhados pela ideologia dominante (francês, aritmética, história natural, ciência,
literatura) ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (ética, orientação
cívica, filosofia) [...] (ALTHUSSER, 1992, p.121).
O posicionamento da escola e dos sujeitos que nela se relacionam são
atravessados por costumes, valores e moldes que determinam desde o conteúdo até
os sujeitos que podem reproduzir tais conteúdo. Podemos inferir que, diante do quadro
que se delineia, para cada escolha pedagógica, mesmo que não intencional, tem-se
uma postura/ação política, posto que “toda e qualquer metodologia de ensino articula
uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação de
sentidos – com os mecanismos utilizados em sala de aula” (GERALDI,1984 p.43), o
que gera suas consequências.
O traçado até o momento teve por objetivo apontar para a defesa do espaço
escolar como um importante Aparelho Ideológico do Estado que funciona a partir de
densas engrenagens, ou seja, seu fundamento é feito de pessoas, daí sua
complexidade. E, assim, perspectivas se abrem para avaliações e novas
possibilidades.
Na sequência, por meio da primeira parte da análise dos corpora da pesquisa,
apresentamos uma reflexão sobre os discursos que orientam a prática docente que
figuram nos documentos oficiais, e se materializam na voz do professor e, por
consequência, na sua prática.
2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS: a
perspectiva da produção textual
Sabemos que o ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais deve buscar ao
longo dos nove anos da Educação Básica promover a ampliação dos níveis de
conhecimento do aluno no que diz respeito ao uso da linguagem, em observância ao
processo de letramento de cada faixa etária, possibilitando a esse aluno o acesso aos
saberes linguísticos e discursivos necessários para a atividade social.
Essa garantia se estabelece por meio de diversas vozes, como a do Estado,
cuja regulamentação do ensino, sustentado no que determina a Constituição Federal
(1988) em seu art. 6º, afirma: “São direitos sociais a educação” e ainda no artigo 210,
“serão afixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental de maneira a
assegurar a educação básica comum. ” O direito expresso no discurso da lei ma ior
ecoa em diferentes documentos que circulam nas escolas, permitindo que se afirme
sobre a escolarização ser um direito irrestrito de todo o cidadão.
Voltando-nos à base escolar e, no caso, ao ensino da língua materna, podemos
citar os PCNLP (1997), numa de suas passagens, onde acena sobre a importância do
ensino da linguagem para o aluno, por lhe outorgar autonomia: “O domínio da língua
oral e escrita é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela
que o homem se comunica, tem acesso a informação, expressa e defende pontos de
vista, partilha e constrói visão de mundo, produz conhecimento” (PCNLP, 1997, p. 21).
Em outro momento, sobre a linguagem enquanto atividade discursiva e o
conceito de textualidade, o mesmo documento faz as seguintes colocações: “A
linguagem é um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais
existentes nos diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história” e, mais:
“produzir linguagem significa produzir discursos” (PCNLP, 1997 p.22 - grifo nosso).
No sentido de que para a AD, o discurso é efeito de sentido entre interlocutores, é
portando, uma das instâncias materiais da relação linguagem/pensamento/mundo.
As DCEs (2008) trazem na sua construção um diferencial o entendimento de
que o currículo deve ser configurador da prática e, por isso, apresenta na sua
fundamentação vínculos com as teorias sociais. Assim, distanciado dos PCNLP, se
apresentam como uma proposta pensada sob o viés sócio histórico de homem e
sociedade, o que significa que as DCE’s apresentam avanços com relação às
concepções teórico-metodológicas para o ensino da língua.
O professor de Língua Portuguesa precisa, então, propiciar ao educando a prática, a discussão, a leitura de texto das diferentes esferas sociais [...], práticas discursivas que abrangem, além dos textos escrito e falados, a integração da linguagem verbal com outras linguagens (multiletramento) (DCE’s, 2008, p.50).
Nesse sentido reiteram, explicam, ainda que “compreende-se a leitura (e a
escrita) como ato dialógico, interlocutor, que envolve demandas sociais, históricas,
políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento” (DCE’s,
2008, p. 56).
Na instância municipal, na cidade de realização da pesquisa, a rede de
educação de Foz do Iguaçu (PR) adota o currículo da Associação dos Municípios do
Oeste do Paraná (AMOP)6 que, baseado nos princípios do Materialismo Histórico e
Dialético e na Teoria Histórico-Cultural, apresenta um avanço significativo em relação
aos demais documentos oficiais, uma vez que traz a concepção de homem, sociedade
e ensino pautados nessas concepções teóricas.
Para o ensino de Língua Portuguesa, o documento da AMOP sustenta-se na
concepção sócio interacionista de linguagem, entendendo-a como constituída no
processo histórico, político e cultural.
(...) a linguagem é um trabalho coletivo, que resulta de um momento histórico, político e cultural, construído em meio as relações de poder, por isso defende-se que ela é mais que um código ou uma estrutura gramatical, uma vez que (re) produz as relações entre o homem e o mundo (AMOP, 2015, p.94).
O uso da língua, sob essa perspectiva, envolve questões que não são apenas
de natureza linguística, mas cognitivas e sociais, pois “depende do contexto histórico,
e dos sujeitos que representam fatos sociais por meio de discursos” (AMOP, 2015,
p.95 – grifo nosso).
A instituição escolar se apresenta como garantia de inserção dos sujeitos na
vida social, cabendo a ela permitir ao aluno assumir suas múltiplas posições sociais.
E isso se garantiria (ou se efetivaria) por meio do domínio da linguagem.
Como afirma Saviani (2007, p.420): “A prática social, põe-se, portanto, como
ponto de partida e ponto de chegada da prática educativa”, fazendo coro ao fato dado
de que sociedade e escola subsistem uma à outra.
6 Esse documento serve de base para a elaboração de proposta de ensino/aprendizagem nas escolas
públicas municipais de 53 munícipios integrantes da região oeste do Paraná.
A par das boas intenções, em documentos, sobre o que significa a prática de
ensino da linguagem e do texto, a contestação recai sobre a prática de produção
escrita, que requer ser entendida como espaço em que o aluno se coloca como sujeito
do discurso, expondo suas relações com o mundo que habita e o habita, numa
perspectiva consonante ao defendido nos documentos citados.
Frente ao exposto e aos objetivos do trabalho, as reflexões se voltam na
sequência ao que dizem os documentos, precisamente, frente ao trabalho com a
produção textual.
Retomando as orientações constantes nos PCNLP (1997, p.47), temos o
seguinte: “O trabalho com a produção de texto, tem com finalidade formar escritores
competentes, capazes de produzir textos coerente, coesos e eficazes”. Afirma-se,
ainda, que é necessário “ensinar os alunos a lidar com a escrita da linguagem – os
aspectos notacionais, relacionados ao sistema alfabético e as restrições ortográficas
– como com a linguagem escrita – os aspectos discursivos relacionados a linguagem
que se usa para escrever” (PCNLP, 1997, p.48). Observamos que a concepção de
texto presente nos PCNLP oscila entre as concepções de ordem gramatical e a textual
pragmática comunicativa, incidindo com maior evidência a partir dessa última.
É notório que o texto tenha alçado um espaço privilegiado no ensino, tornando-
se o objeto de ensino-aprendizagem por excelência. Porém, esse ensino e
aprendizagem, aparece, na maioria das vezes, focado na superfície do texto, na
escrita ortográfica e nas questões gramaticais.
A língua, será trabalhada, na sala de aula, a partir da linguagem de uso, que é a dimensão dada pelo Conteúdo Estruturante. Assim, o trabalho com a disciplina considerará os gêneros discursivos que circulam socialmente, com maior atenção àqueles de maior exigência na sua elaboração formal” (DCE’s, 2008, p.63).
Buscando firma-se enquanto proposta inovadora, as DCE’s lançam uma crítica
aos PCNLPs, afirmando que esses tomam o texto como unidade de ensino, mas se
distanciam do dialogismo fundamentado nas ideias bakthinianas.
(...) as indicações dos PCNLP podem ser coerentes e produtoras, e de fato são em vários aspectos, mas encerrando o trabalho com textos preestabelecidos, afastaram-se da proposta do dialogismo bakthiniano diante do texto, dos discursos, da vida, do conhecimento”. (BRAIT, 2000 p.24 apud DCE’s, 2008, p.47).
Ou, ainda: O texto com modelos preestabelecidos enfatiza aspectos formais do texto, deixando de considerar que todo texto é um elo de cadeia da interação social, sempre é uma resposta ativa a outros textos e
pressupõe outras respostas. A abordagem apenas formal exclui o texto de seu contexto social (DCE’s, 2008, p.47).
O Currículo para a Educação Básica do Oeste do Paraná, compreende o texto
como espaço em que se pode avaliar a dimensão da subjetividade, pois “ao escrever,
o sujeito se coloca no texto, afirmando, negando, argumentando e justificando”
(AMOP, 2015 p.101). Neste quadro, a produção escrita deve ser considerada como
trabalho, mediado pelo educador, propondo, sugerindo, orientando, propondo
discussões, leituras, encaminhamentos e orientações que sirvam de atividades
prévias.
Não olvidando que os documentos oficiais mencionados se constituem do
entrecruzamento das esferas políticas, teóricas e educacionais, trazendo na sua
historicidade, sobretudo, a dimensão política e ideológica dos discursos que o
fomentam, talvez possamos entender a multiplicidade teórica e metodológica que lhes
é inerente. Interessamo-nos aqui, também, guardada as devidas instâncias de onde
se anunciam, o fato de que eles se propõem ao ensino de língua materna tendo o
texto como unidade básica de ensino. E apontamos o que nos move, ou seja, à
ausência de alguma abordagem sobre a autoria.
A partir dos estudos de pesquisadores como Geraldi (1984;1997), Possenti
(2005), Coracini (1999), Orlandi (1996;2001;2011) podemos afirmar que existe uma
lacuna quanto ao trabalho com a produção textual quando se pensa a formação do
sujeito que não apenas reproduz, mas que pode organizar com responsabilidade seu
discurso. Entendemos que entre as quatro paredes da sala de aula e o mundo lá fora,
a escola, representada pelo professor, comporta-se, ainda, de maneira surda. Seja
por uma escolha sustentada por práticas que desconsideram a natureza dialógica da
linguagem, seja por desconhecimento sobre a própria prática discursiva frente à
reflexão do “por que se está fazendo o que se faz”, no que diz respeito à compreensão
do ensino de língua materna como algo significativo para a vida do aluno.
Ainda que os discursos da escola intencionem marcá-la como espaço de
mediação dialógica, sociointeracionista e etc., conforme apresentado nos trechos
selecionados dos documentos oficiais citados anteriormente, na mecanização de
algumas das suas práticas, os sujeitos desse processo são ‘individualizados’ e
ignorados como sujeitos sociais, ou seja, sujeitos historicamente construídos.
Essa concepção de sujeito que pensa por si, tomado como indivíduo e que
encontra em si a explicação de seus atos e pensamento se contrapõe à abordagem
discursiva de sujeito, que o compreende como sujeito ideológico, “cindido, disperso,
heterogêneo, inconsciente. Decorre daí a impossibilidade de controlar, pela
linguagem, o outro, a partir do controle dos efeitos de sentido de seu dizer”
(CORACINI, 1999, p.69).
Depreendemos dessa abordagem que professor e aluno se constroem por meio
das relações sociais que são mediadas pela linguagem/discurso e o ensino é uma
prática social que se vale do discurso. É na interação entre esses sujeitos que os
discursos vão sendo produzidos à medida que reproduzem os saberes já existentes.
Saberes estes que refletem na prática do domínio formal e na condição dos sujei tos
de à partir dos discursos existentes elaborar um ponto de vista sobre determinado
assunto.
A concepção de linguagem, posta em cena, implica em tomá-la como prática
de interação, marcada por seu caráter dialógico numa remissão aos estudos de
Bakhtin referenciados nos documentos: “a prática de produção de textos precisa ser
realizada pensando nas condições nas quais é produzida: para quem, onde e como
se escreve” (PCNLP, 1997, p.44); e, ainda: “ensinar língua materna faz-se necessário
a compreensão de que a palavra constitui produto de interação do locutor e do ouvinte”
(DCE’s, 2008, p.49); nesse sentido, o outro é imprescindível.
Trazendo para a perspectiva da AD, o processo de interação se dá pelo
discurso, que nesse sentido é mediação entre o homem e sua realidade.
” essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência humana” (ORLANDI, 1997, p.15).
Desse modo, entendemos que o processo de interação é um processo que
envolve a relação dos sujeitos num determinado espaço social, sob determinadas
condições de produção. Portanto, assumimos o discurso que acena essa condição
nos documentos oficiais, que entendem a escola como espaço de interação, de ação
e formação de sujeitos históricos que se constroem na e pela história.
Consideradas as questões acima, as aulas de língua portuguesa devem ter
como princípio norteador, no que se refere ao trabalho com a produção textual,
possibilitar a formação de um sujeito capaz de se pronunciar por meio do texto que
escreve, com clareza e criticidade para, enfim, ser capaz de se perceber enquanto
sujeito social, que reconhece nas práticas sociais da linguagem, efetivamente, uma
possibilidade de manifestação sobre o mundo.
Assim, pensar prática de produção de texto na escola é pensar nos
mecanismos de domínio do processo discursivo, nos quais o aluno se constitui, no
caso, como produtor-autor. É pensar, ainda, nos mecanismos de domínio dos
processos textuais nos quais ele marca sua prática de autoria quando se tem razões
para dizer. Isso é dito, incisivamente, nos documentos oficiais, como podemos
verificar: “o produtor de texto ao assumir-se como locutor implica em ter o que dizer,
razão para dizer, como dizer e interlocutores para quem dizer” (DCE’s, 2008, p.69).
Buscamos então, à frente, refletir sobre as práticas que envolvem a escola, as
vozes autorizadas sobre o que e o como ensinar a fim de analisar como o
encaminhamento de escrita pode promover o exercício da autoria e como esse
reconhecimento da autoria é modificador do olhar sobre a prática de escrita.
Explicitamos que a reflexão não recai sobre o professor, mas aos discursos
pedagógicos que o orienta, sobretudo, quanto aos encaminhamentos de escrita
levados à sala de aula.
Nesse trabalho, buscamos nos aproximar da realidade escolar para sustentar
as justificativas para a pesquisa e o trabalho de reflexão pretendida. Por isso, a cada
passo, buscamos trazer as vozes dos sujeitos que estão envolvidos no processo.
Voltamo-nos para o discurso e, nessa perspectiva, ressaltamos a inculpabilidade, ou
seja, não há culpados, nem erros a serem apontados: há discursos para serem
refletidos.
No capítulo seguinte, apresentamos a primeira parte dos corpora coletados
para a pesquisa. Trata-se de recortes de uma entrevista realizada com cinco
professores, que trazem elementos sobre o atravessamento de um discurso
pedagógico dominante no discurso do professor que, no caso, é atravessado pelos
documentos oficiais de ensino. Sendo assim, elegemos os PCNLP como documento
para as reflexões que propomos. A escolha se justifica pelo fato de este ser um
documento oriundo da esfera federal e, por isso, servir de base para o ensino no país,
direcionando os pensamentos em políticas públicas e materiais didáticos oferecidos à
escola pública.
3 O DISCURSO DOS PROFESSORES: sujeito, formação discursiva e memória
A teoria que fundamenta a pesquisa está centrada na Análise do Discurso de
linha francesa, disciplina que teve seu surgimento na década de 60. Michel Pêcheux
(1938-1983), na oposição aos estudos estabelecidos pelo estruturalismo à época,
reinaugura uma nova ordem de saberes, voltados ao sujeito, ao discurso e ao todo
complexo que envolve ambos.
Orlandi (1997), na apresentação da obra Semântica e Discurso: uma crítica a
afirmação do óbvio, de Pêcheux, afirma em seu prefácio que a AD proposta pelo
filósofo é uma forma de reflexão sobre a linguagem que “não aceita o desconforto de
se ajustar no lugar já feito “(ORLANDI, 1997, p.07). E que “seus princípios teóricos
não se alojam em regiões já categorizadas do conhecimento, mas em intervalos da
articulação contraditória das disciplinas” (idem).
Assim decorre uma nova forma de conceber a linguagem, no caso, pensada a
partir do discurso, da relação estabelecida pela língua e os sujeitos que a falam e as
situações em que se produz o dizer. Esse novo paradigma de olhar sobre/para a
linguagem se vale de contribuições do materialismo histórico, das teorias linguísticas
e da psicanálise (PÊCHEUX, 2012).
Segundo Orlandi (1997), o analista deve pensar o discurso identificando as
marcas linguísticas que definem o funcionamento discursivo do texto, que servirão de
pistas para a relação entre o ideológico e o discurso. Diante de um dispositivo de
interpretação, por meio de um processo de descrição e interpretação, o analista deve
explicitar como os elementos discursivos estão funcionando e produzindo sentidos.
Portanto, é através dos dispositivos textuais da AD, que se estabelecerá a
possibilidade de o analista do discurso compreender o texto para lá das evidências de
sentido, ou seja, (re)pensar os sentidos dados.
Para o desenvolvimento da pesquisa, objetivando nos aproximarmos dos
discursos constitutivos da instituição escolar, buscamos lançar um olhar para o fazer
docente, uma vez que consideramos relevante para o estudo, como já dito, trazer as
vozes dos envolvidos no processo. Considerando a complexidade e a incompletude
dos sujeitos, atravessados ideologicamente, entendemos que “o sujeito é pois um
lugar movediço, de inspirações de práticas pedagógicas e por isso mesmo político”
(GERALDI, 1996, p. 20).
A escola é constituída de sujeitos, que ocupam lugares específicos e, por isso,
posições-sujeito determinadas, que ecoam nos discursos que constitui a instituição
escolar. Nesse espaço, por exemplo, aluno e professor ocupam posições distintas,
principalmente pelo lugar socialmente atribuído a cada um deles.
Antes de prosseguirmos, consideramos importante descrever como se deu a
inserção da pesquisadora nos espaços escolares, de onde partem os corpora em
estudo, ou seja, as entrevistas analisadas, os encaminhamentos de produção escrita
e os textos (analisados no capítulo seguinte). Assim, apresentamos na sequência uma
caracterização do espaço da pesquisa, delineando, na medida do possível, a sua
configuração.
O município de Foz do Iguaçu, cidade situada no oeste do Paraná, faz fronteira
com o Paraguai e a Argentina. De acordo com o último censo, tem cerca de 256.000
habitantes e conta com 105 escolas que atendem 39.089 alunos7.
Em relação ao nível Fundamental I, que atende crianças entre os cinco e os
nove anos de idade, o município conta com 51 escolas da rede pública, com 19.070
alunos matriculados. Estes, na sua maioria, são representantes da classe média
baixa, predominando os de famílias de menor renda econômica.
Em razão de uma série de fatores, não é raro que ao final do 5º ano as crianças
desse segmento finalizem os estudos no mesmo nível de leitura e escrita dos alunos
no processo inicial da alfabetização, isto é, o terceiro ano. Esses dados são apontados
em documentos como o Censo Econômico (IBGE), resultados das avaliações de larga
escala, como a Prova Brasil, que fornece índices para aferir o IDEB (Índice de
Desenvolvimento do Ensino Básico).
Outra questão que se esboça quanto à realidade sobre esses sujeitos
(professores, alunos e comunidade), é a visão que eles têm da escola, compartilhada
principalmente pelos familiares das crianças: a escola é tida como um espaço de
ascensão social, ou seja, ela ainda figura em formações imaginárias como espaço
privilegiado para que o sujeito consiga ascender socialmente de um a outro patamar
econômico e social.
Podemos afirmar que a escola, para esses sujeitos, parece ser o único espaço
de exercício de uma cidadania, afinal, é o espaço da construção/apropriação de
saberes sistematizados, o espaço de acesso à cultura, o espaço de contato com a
7 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (ANO)
cultura letrada. Essas são as expectativas dos cidadãos representantes das mazelas
de uma sociedade desigual, para quem a escola pública está a serviço e, portanto,
precisa se constituir enquanto espaço emancipatório.
Para a pesquisadora é um espaço possível de atuação, que enseja por práticas
de rupturas, que leve, conforme afirma Freire (2002), “a questionar o discurso
institucional, que proíbe o movimento de ação do professor, e o que o próprio
professor impõe em sua prática, mesmo sem o conhecimento disso”.
No mesmo caminho, Orlandi (2011, p. 37) nos instiga a “buscarmos,
professores e alunos, um discurso pedagógico que enseja pelo menos polêmico, e
que não nos obrigue a despirmos de tudo que é vida lá fora ao atravessarmos a soleira
da porta da escola”. Geraldi (1997, p.128 – 129) nos leva a acreditar que “podemos
pensar que professores e alunos [e acrescentamos a sociedade escolar e sociedade
política] mantenham uma relação de interlocução em que aqueles respeitem o direito
à palavra destes, concordando, discordando, acrescentando, perguntando, etc.”
Prosseguindo, as entrevistas que compõem o capítulo pertencem a
professores de cinco escolas escolhidas pelo critério de localização, ou seja, as
escolas e os professores representam regiões diferentes da cidade. As turmas desses
estabelecimentos têm em média vinte e oito alunos e a faixa etária fica entre os nove
e onze anos. Os professores entrevistados possuem curso superior completo, sendo
que entre os cinco, um é formado em Letras, os demais são formados em Pedagogia
e Normal Superior; quatro deles são professores concursados da rede e um está sob
o regime temporário; e as idades variam entre os trinta e os quarenta e cinco anos.
Importante relatarmos que a inserção da pesquisadora, desde os primeiros
contatos com a direção das escolas até o momento da entrevista, observação e coleta
do corpus, contou com a colaboração e interesse por parte de todos os envolvidos.
Destacamos, ainda, que a indicação do professor-interlocutor da pesquisa foi feita
pela respectiva direção de cada escola. A concessão da entrevista ocorreu no dia da
hora atividade do professor e em data-horário previamente determinados, portanto,
pela direção (acordado pelo professor).
Cada uma das professoras entrevistadas respondeu a três perguntas, que
consideramos pontuais, para começarmos a esboçar uma compreensão dos
discursos presentes nas condições de produção da escola.
Ao analisarmos o discurso das professoras, apresentados em seguida,
podemos observar o atravessamento em sua voz dos discursos que organizam os
documentos oficiais de ensino, disseminados pelo governo federal, estadual e da
instância municipal.
O encaminhamento adotado para a entrevista foi o seguinte: as perguntas
foram expostas às professoras e, em seguida, foram relidas e as respostas gravadas.
Ao optarmos pela gravação, e não respostas a questionário, tínhamos por expectativa
maior espontaneidade e menor preocupação do professor em buscar apoio a fontes
de consulta. As perguntas feitas às professoras foram:
1) quantas atividades de produção escrita o planejamento inicial prevê? 2) como são selecionados os temas? 3) quais os gêneros privilegiados?
Ao elaborarmos as questões, presamos por questionamentos simplificados na
perspectiva de que eles gerariam respostas objetivas. Ao elaborá-las, esperávamos
que elas pudessem permitir: a) delinear o espaço ocupado pela produção textual no
planejamento, b) permitir saber sobre as motivações dos temas, ou seja, se eles se
configuravam numa escolha pessoal, em função do livro didático ou a partir de outras
fontes (como a mídia) e c) saber sobre os gêneros textuais/discursos mais presentes.
Acreditávamos que as respostas poderiam nos dar elementos, com certa
objetividade, quanto ao trabalho com a produção textual e a autonomia do professor.
Contudo, não foi o que obtivemos como material, por isso, apresentamos em
anexo as entrevistas na integra. Para o momento, optamos em expor recortes para a
análise, que vêm ao encontro do objetivo do capítulo: analisar a presença da voz
autorizada, presente nos documentos oficiais, no discurso do professor.
Deixamos como ressalva a quebra na expectativa já acenada: no lugar de
respostas pontuais, estas foram longas, explicativas e circulares.
Nesse sentido, num processo de autoavaliação, talvez a formulação devesse
ter sido outra quando, por exemplo, esperávamos que o termo planejamento se
remetesse ao “planejamento do próprio professor” e não ao “Planejamento” definido
pelas instâncias autorizadas.
Por outro lado, a reflexão reitera o fato de haver para o sujeito professor um
discurso pedagógico oficializado, que é assumido sem maior reflexão. O que se
apresenta sobre o resultado da pesquisa junto aos professores, seja por um dado ou
outro, tem sua reflexão apoiada nos gestos de interpretação, nos efeitos de sentido
que por sua vez remetem às formações discursivas já definidas para a posição-sujeito
professor e aos efeitos de sentido gerados, visto que
Compreender o que é efeito de sentidos é compreender que o sentido não está (alocado) em lugar nenhum mas se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos, e isso só é possível, já que sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela inscrição no jogo das múltiplas formações discursivas (ORLANDI, 2011, p.20).
Pêcheux (2012), ao referir-se ao termo discurso, afirma que ele (o discurso) é
efeito de sentido entre locutores. Assim, uma mesma palavra pode ter sentido
diferente para diferentes sujeitos. Os diferentes efeitos de sentido são constituídos na
relação reguladora historicamente dada, entre as muitas formações discursivas que
assujeitam os sujeitos, conforme a tríade teórica que define o capítulo: pensamos o
sujeito (1) a partir de um discurso (2) que sustenta as memórias (3) de um dizer e se
revela na formação discursiva evidenciada, no caso, do discurso pedagógico
autorizado.
Na sequência, apresentamos os corpora desse momento. As respostas são
organizadas a partir da pergunta e resposta das professoras, feito o devido recorte
para o momento.
Pergunta 1: Quantas atividades de produção escrita o planejamento inicial prevê? PA: O planejamento que recebemos não prevê número de atividades escritas. PB: O planejamento da Secretaria Municipal de Educação de Foz, ele
não prevê a produção de texto propriamente dita, (...) procuro fazer uma produção de texto uma vez a cada quinze dias. PC: O nosso planejamento ele não prevê, assim, atividades
específicas, ele não diz o que você tem que fazer durante o percurso (...). PD: Ele não prevê, o planejamento da escola não prevê nenhuma atividade para a produção de texto, a AMOP sim, mas o que nós recebemos anualmente não. PE: Bom, é, na verdade não há uma quantidade, é que o planejamento
não apresenta pra gente uma quantidade de atividades nesse sentido, (...).
As respostas, na sua unanimidade, apresentaram o entendimento de
planejamento como um roteiro a ser seguido, porém determinado por um discurso
externo, neste caso, o discurso do documento oficial que autoriza e que diz o que deve
ser feito e como deve ser feito. Salientamos, portanto, que não se trata de uma ação
pensada e planejada pelo sujeito/professor.
É interessante essa relação com o discurso autorizado e o movimento dos
professores, que afirmam trabalhar a produção de textos (mesmo que o planejamento
não diga isso), quase que numa desobediência saudável (até porque estão sendo
questionados sobre isso). De qualquer modo percebemos os professores,
movimentando dizeres, deslizando sentidos sobre o planejamento, em meio ao “fogo
cruzado” entre os documentos e suas convicções, constituindo sua memória
discursiva.
Por fim, observamos no discurso do professor, o atravessamento de uma voz
de autoridade. Entendemos essa voz como o discurso pedagógico (DP) que,
regulamenta, regula e engessa por máximas, certos saberes, que aparecem como
válidos para a ação, constituindo-se em modelos. Desse engessamento presente na
instituição escolar, resultam práticas docentes que se ancoram em vozes externas,
nesse caso, autorizada por um discurso oficial intuindo que todas as ações precisam
estar respaldadas nele. Por outro lado, temos a ausência de ações que estão
respaldadas pelo que não se diz, ao dizer. Afinal, o “planejamento” não “cobra” a
produção textual.
Retomamos a orientação do Currículo da Associação dos Municípios do Oeste
do Paraná, que é apresentado pela Secretaria Municipal de Foz do Iguaçu, como voz
que orienta o trabalho no município. Neste documento, quanto à organização
curricular, temos: “por isso torna-se relevante a utilização das produções textuais em
diferentes momentos do período letivo” (2015, p.123). Os ditos e os não-ditos orientam
os dizeres de um grupo e dos sujeitos movidos pelos ecos de sua constituição
histórica. Como dissemos, os professores estão em meio ao “fodo cruzado”.
Vemos o professor, conforme pontua Orlandi (2011 p. 23), “atuando através da
convenção; o costume que, dentro de um grupo, se considera como válido e está
garantido pela reprovação da conduta discordante”. Disto decorre que, a escola ao se
orientar por máximas que validam as ações, tornando-as modelos de conduta
obrigatórias, contribui para a legitimidade do dizer institucionalizado.
Por outro lado, observamos que embora tragam o discurso oficial, os
professores não estão surdos a outras vozes, a outras necessidades, a outros
caminhos e acenam movimentos outros, para “fazer” aquilo que deve ser feito: fazer
o aluno escrever.
Pergunta 2: Como são selecionados os temas? PA: Então, eu trabalho seguindo a proposta do conteúdo bimestral, do
planejamento né, que eu tenho vários gêneros textuais que eu deveria ter trabalhado, (...) conforme está lá no planejamento, e a partir daí procuro trabalhar a seleção dos temas.
PB: Geralmente os temas, eles são decorrentes do planejamento que
nós recebemos, com os gêneros textuais, muitas vezes a gente também procura ouvir a mídia, PC: Eu costumo escolher temas atuais, é.., trabalhamos muito com
projetos aqui na escola, principalmente é, reportagem, notícias, coisas que levem a criança a pensar, PD: Eu procuro selecioná-los de acordo com o interesse do aluno, que seja um gênero atrativo e que também seja do conhecimento deles. PE: Os temas geralmente estão articulados ao conteúdo trabalhado,
então a gente dá um seguimento, para que as crianças consigam cristalizar aquilo que foi inserido, no caso o conteúdo trabalhado e dessa forma a gente consegue ver o desenvolvimento do aluno no processo ensino/ aprendizagem.
Pensar na relevância do tema escolhido para as produções é pensar nos
sujeitos envolvidos no processo, reconhecendo-os como sujeitos capazes de dizer.
Entretanto, quando não conseguimos extrapolar as facetas da instituição escolar, no
que diz respeito às suas práticas, vemos no DP o apagamento de um sujeito que se
diz crítico e, ao mesmo tempo, traz à tona formações discursivas que guiam
inconscientemente suas ações. Nesse contexto, fazer uso da extensa lista de gêneros
discursivos, elencados nos documentos oficiais, oferece ao professor uma falsa
garantia de que tal encaminhamento, por si só, garante o aprendizado do sujeito aluno,
quando se pensa na linguagem enquanto prática social.
Em resposta à pergunta, “Como são selecionados os temas? ”, notamos um
esforço à obediência, a voz que diz o que precisa ser tratado na escola ancorada à
responsabilidade da escolha, no documento oficial. Podemos verificar isso a partir do
exposto pela PA, “a proposta do conteúdo bimestral, do planejamento né, é, que eu
tenho vários gêneros textuais que eu deveria ter trabalhado”; ou PB, “eles são
decorrentes do planejamento que nós recebemos, com os gêneros textuais, muitas
vezes a gente também procura ouvir a mídia...”. Observamos que os sujeitos
professores constituem suas práticas pela imposição expressa em “que eu deveria ter
trabalhado”, assim os objetivos para se produzir textos ficam reduzidos ao
cumprimento do que determina o planejamento, forçando uma não escuta, talvez, às
necessidades particulares de cada grupo de alunos.
Em outro momento, PB, ao dizer, “a gente também procura ouvir a mídia”,
apresenta um discurso que se contradiz, pois no planejamento, os trabalhos com os
gêneros discursivos midiáticos são contemplados, demostrando, assim, uma tentativa
de modulação do discurso, dada as condições de produção dos mesmos. O professor
é um sujeito e como sujeito, para a AD, ele deixa de ser uma noção idealista.
Sabemos, portanto, que não é o sujeito em si que fala, mas tal como existe
socialmente, interpelado pela ideologia, assujeitado, cindido. Pêcheux (2010),
denomina o processo como uma forma-sujeito assumida: o sujeito não é a origem, a
fonte absoluta do sentido, porque na sua fala outras falas são ditas. Daí a
complexidade na observação dos dizeres dos professores.
Brandão (2002, p.89) ao discorrer sobre os conceitos de assujeitamento ou
interpelação, afirma que este consiste em fazer com que cada indivíduo, sem que esse
se perceba interpelado, mas ao contrário, pensando ser senhor da sua vontade, seja
levado a ocupar seu lugar, a identificar-se ideologicamente com grupos ou classes de
uma determinada formação social. O conceito de formação social remete ao espaço
de relações, entre as classes que compõe uma determinada comunidade e que tem
as relações (políticas e ideológicas) assentadas em práticas determinadas pelos
modos de produção dominante, mantendo entre si laços de aliança, antagonismo ou
dominação (BRANDÃO, 2002, p.90).
Decorre daí que, uma formação discursiva pode ser entendida como aquilo que
pode ser dito, numa determinada formação ideológica, a partir de uma determinada
posição sujeito, numa conjuntura sócio histórica dada. Para Pêcheux (ORLANDI,1997
p.43) as FD podem ser vistas como “regionalizações do interdiscurso, configurações
específicas do discurso em suas relações”.
Importante ressaltar que o ensino de Língua Portuguesa, pautado nos gêneros
textuais/discursivos, a partir dos documentos oficiais, se vale dos postulados de
Bakhtin/Volochinov (2003), sua maior referência. E se apresenta como a possibilidade
de rompimento de um ensino centrado na gramática, uma vez que esse último
desconsidera o que se apresenta nas teorias discursivas e nas teorias de base sócio
interacionista, que colocam em cena o sujeito e suas relações com o mundo na e pela
linguagem.
Conceber o texto como unidade de ensino-aprendizagem. É entendê-lo como um lugar de entrada para esse diálogo com outros, que remetem a outros textos passados e que farão surgir textos futuros. Conceber o aluno como produtor de texto é concebê-lo como participante ativo desse diálogo continuo: com textos e leitores (GERALDI, 2000, p.22)
Sobre o lugar da linguagem como mediação, temos que:
A Anális