Upload
tato-diaz
View
10
Download
3
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Autores: Octavio Serpa Junior, 2 Rosana Onocko Campos, 3 Nuria Malajovich,4 Ana Maria Pitta, 5 Alberto Giovanello Diaz, 6 Catarina Dahl, 7 Erotildes Leal |
Citation preview
1053Experincia, narrativa e conhecimento:a perspectiva do psiquiatra e a do usurio
| 1 Octavio Serpa Junior, 2 Rosana Onocko Campos, 3 Nuria Malajovich,
4 Ana Maria Pitta, 5 Alberto Giovanello Diaz, 6 Catarina Dahl, 7 Erotildes Leal |
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psiquiatria. Rio de Janeiro-RJ, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]
2 Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciencias Mdicas, Sade Coletiva. Campinas-SP, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]
3 Universidade Federal Fluminense, Psicologia. Rio das Ostras-RJ, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]
4 Universidade Catlica de Salvador. Salvador-BA, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]
5 Universidade Nacional de Rosrio. Rosrio, Argentina. Endereo eletrnico: [email protected]
6 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Psiquiatria. Rio de Janeiro-RJ, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]
7 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Medicina. Maca-RJ, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]
Recebido em: 28/07/2014Aprovado em: 13/10/2014
Resumo: O presente estudo, realizado em parceria entre UFRJ, UNICAMP e UFBA, pretendeu conhecer a experincia das pessoas com o diagnstico de transtorno do espectro esquizofrnico, em tratamento nos CAPS, e a experincia dos psiquiatras inseridos na rede pblica de ateno sade mental. Narrativas relacionadas ao processo sade-doena, no caso de pessoas com diagnstico de esquizofrenia, e narrativas sobre o processo de formulao do diagnstico de esquizofrenia, prognstico e tratamento, no caso dos psiquiatras, foram estudadas. Este um estudo qualitativo, multicntrico, informado pelas abordagens tericas da Anlise Interpretativa Fenomenolgica e da Antropologia mdica, realizado nas cidades de Campinas, Rio de Janeiro e Salvador. A principal ferramenta metodolgica empregada para produo das narrativas foram os grupos focais. Tcnicas da entrevista de explicitao foram incorporadas. As categorias identificadas no estudo Experincia de Adoecimento, Diagnstico de Esquizofrenia, Estigma Social, Experincia de Restabelecimento e Tratamento e o Contexto Dinmico dos CAPS e as narrativas que as compuseram foram apresentadas e discutidas com o propsito de dar visibilidade aos elementos que caracterizam as narrativas-experincias dos parcipantes e indicar o modo como se configura sua complexidade.
Palavras-chave: experincia de adoecimento; narrativa; esquizofrenia.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312014000400005
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1054
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
IntroduoEm meados do sculo passado, o processo de transformao da assistncia psiquitrica
engendrou, no mundo ocidental, a reorientao do modelo de assistncia em sade
mental. Foram eixos desse processo a desinstitucionalizao dos pacientes de longa
permanncia nas instituies psiquitricas, a progressiva (re)insero dessas pessoas
na vida social e a criao de uma rede de servios comunitrios de sade mental
(THORNICROFT; TANSELLA, 2008). O modelo de ateno comunitria
sade mental preocupava-se com o diagnstico e tratamento dos transtornos
mentais, mas no s. Por considerar o adoecimento mental um processo complexo,
buscava, atravs da reabilitao psicossocial, tratar igualmente dos seus impactos
sobre a vida do adoecido. Ou seja, as desabilidades (disabilities) experimentadas por pessoas diagnosticadas com transtornos mentais graves, como por exemplo a
esquizofrenia, constitua questo para o tratamento. A satisfao das necessidades
individuais dos usurios, a incorporao da experincia subjetiva dos mesmos, assim
como das questes que envolvem as diferentes esferas da vida cotidiana (trabalho,
famlia, lazer...), tornaram-se eixos a serem considerados no desenho do cuidado
em sade, ampliando a prpria ideia de tratamento.
No Brasil, em consonncia com a tendncia mundial de transformao da
assistncia psiquitrica acima referida, iniciou-se, em fins dos anos 1970, um
processo de reformulao da assistncia psiquitrica pblica que, nas dcadas
seguintes, pautou a poltica pblica de assistncia em Sade Mental. A partir
do ano de 2002, basicamente dois eixos reduo dos leitos hospitalares e
criao de uma rede de ateno sade mental, de base comunitria e territorial,
para o atendimento a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes
sustentaram a direcionalidade da poltica pblica de Sade Mental. Foi neste
cenrio que surgiram os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), equipamentos
estratgicos (LEAL; DELGADO, 2007, p. 137) que visam tanto a promoo
da sade/sade mental quanto o desenvolvimento de prticas clnicas promotoras
de ateno integral e a reabilitao psicossocial das pessoas diagnosticadas com
transtornos mentais graves.
Transcorridos 12 anos da publicao da portaria que instituiu os CAPS
como dispositivo estratgico desta poltica (BRASIL, 2002), o desafio que
ora se coloca o da radicalizao da centralidade do usurio no desenho e nas
aes de cuidado (ONOCKO CAMPOS, 2001) neste e nos demais servios
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1055que compem hoje a rede territorial de servios comunitrios. Esforos tm
sido feitos nesta direo. Dentre eles, citamos a tentativa de mudar o modo de
tratar as narrativas e experincias das pessoas adoecidas. Consideradas tambm
como ndice da condio existencial (GOLDBERG, 1996; TENRIO, 2001),
as narrativas podem, e devem, deixar de ser consideradas apenas no registro da
patologia, o que configuraria mais um impulso na direo da promoo de uma
relao e um lugar social diferentes para a experincia da loucura. A necessidade
de dilogo com a experincia vivida do usurio intensifica-se nesse cenrio.
Deixar-se iluminar por esta experincia apresenta-se como condio para auxiliar
a pessoa adoecida na lida com seu processo de adoecimento, a compreender sua
prpria experincia, a reduzir estigma e a criar condies de possibilidades mais
auspiciosas para sua vida presente e futura.
Esse tipo de inciativa, que tambm do mbito da prtica clnica, no se d,
todavia, de forma simples e automtica no cotidiano dos servios. Recentemente,
alguns autores tm indicado que os servios comunitrios de sade mental ainda
encontram importantes obstculos e desafios para superar o cuidado centrado no
modelo biomdico e no hospital psiquitrico (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006;
BEZERRA, 2007; MENEZES; YASUI, 2009). A fora da ideia de que a evoluo
dos transtornos mentais depende nica e exclusivamente das variveis relacionadas
ao modelo biomdico (etiologia, diagnstico, prognstico, agudeza e cronicidade,
entre outras) e que prescinde da atmosfera histrico-cultural e scio-ambiental
que envolve o sujeito adoecido, seu modo de ser-no-mundo, de se relacionar com
os outros e de viver e compreender a prpria experincia de adoecimento (LEAL;
SERPA JR.; MUOZ, 2007), constituem alguns destes importantes obstculos.
A estes empecilhos, ligam-se outros de igual relevncia. Citamos, por exemplo,
os limites impostos pela tradio diagnstica e clnica pautada na Psicopatologia
Descritiva, perspectiva hegemnica no campo, que, pela viso das alteraes
psicopatolgicas que oferece, pouco contribui para a promoo de prticas
inclusivas e cidads em sade mental. Benedetto Saraceno (1997, 1999) foi um
dos autores que, h mais de uma dcada, indicou os limites desta tradio para
operar um cuidado transformador, centrado no usurio e situado no territrio.
A valorao negativa da experincia existencial decorrente dos transtornos
mentais, e sua consequente qualificao como ndice de uma condio
humana inferior, por parte tambm de quem a vivencia, outro elemento que
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1056
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
contribui para que o desenho do cuidado no privilegie o usurio como seu
eixo, preserve a ideia de que os trantornos mentais graves evoluem quase que
impreterivelmente para a deteriorao e que o estigma ligado a elas se mantenha.
Estudos, principalmente da ltima dcada, tm indicado, por exemplo, que
a recuperao dos transtornos mentais no est nica e diretamente ligada
presena ou ausncia de sintomas e que guarda ntima relao com o modo
como o sujeito lida com esses fenmenos e os significa em suas vidas (CORIN;
LAUZON, 1992; HONIG et al., 1998; ROMME; ESCHER, 1997; CORIN,
2003; DAVIDSON, 2003; DEL BARRIO et al., 2004).
Este panorama permite antever as dificuldades em jogo quando se trata de
pr em dilogo a perspectiva dos profissionais referidos ao modelo biomdico
de conhecimento, em especial a do psiquiatra, aparelhado com o instrumental
dos sistemas classificatrios que s acessam a esquizofrenia do exterior, e a da
pessoa com diagnstico de esquizofrenia, que vivencia uma transformao
nos aspectos mais bsicos de suas modalidades experienciais. Consegue o
psiquiatra, e os demais profissionais que utilizam modelos que compartilham
caractersticas semelhantes ao modelo de conhecimento biomdico, acessar esta
experincia e compreender as narrativas produzidas pelos usurios a partir dela?
E o usurio com diagnstico de esquizofrenia consegue compreender melhor
sua experincia de adoecimento e dar sentido ao seu processo de tratamento, a
partir da imagem de seu transtorno oferecida pela psicopatologia descritiva e seus
sistemas classificatrios? No seria chegada a hora de investir na radicalizao do
dilogo entre as perspectivas do usurio e do psiquiatra, trazendo para o centro
da cena aquilo que deve ser o objeto da Psicopatologia: a experincia subjetiva
corporificada e as elaboraes narrativas engendradas a partir dela?
O presente estudo, realizado em parceria entre a Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), pretendeu conhecer a experincia
das pessoas com o diagnstico de transtorno do espectro esquizofrnico, em
tratamento nos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), e a experincia dos
psiquiatras inseridos na rede pblica de ateno sade mental. Narrativas
relacionadas ao processo sade-doena, no caso de pessoas com diagnstico
de esquizofrenia, e narrativas sobre o processo de formulao do diagnstico
de esquizofrenia, prognstico e tratamento, no caso dos psiquiatras, foram
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1057estudadas. Investigar se as narrativas sobre a experincia de adoecimento dos
usurios iluminam o conhecimento tcnico do psiquiatra e se o conhecimento
tcnico dos psiquiatras capaz de iluminar a experincia dos usurios sobre o
fenmeno sade-doena-cuidado foram os principais objetivos deste estudo.1
MtodoEste um estudo qualitativo, multicntrico, informado pelas abordagens tericas
da Anlise Interpretativa Fenomenolgica (SMITH; FLOWERS; LARKIN,
2009) e da Antropologia mdica (KLEINMAN; EISENBERG; GOOD, 1978;
KLEINMAN, 1988; GOOD, 1994), realizado nas cidades de Campinas,
Rio de Janeiro e Salvador. Nele foram analisadas narrativas de experincia de
adoecimentos de usurios de CAPS diagnosticados com esquizofrenia e narrativas
acerca do processo de formulao do diagnstico e tratamento de pessoas com o
diagnstico de esquizofrenia de psiquiatras inseridos na rede pblica de ateno
sade mental.
A Anlise Interpretativa Fenomenolgica um tipo de abordagem aplicada
pesquisa qualitativa que, orientada pelo referencial terico da Fenomenologia
e Hermenutica, visa compreender de modo interpretativo os processos de
construo de sentido, o universo de significaes, aes sociais e relaes entre
os sujeitos, situados em determinado contexto e momento histrico e o modo
como estes compartilham a prpria experincia e seus significados (SMITH;
FLOWERS; LARKIN, 2009).
A experincia de adoecimento relaciona-se ao modo como a pessoa que adoece,
seus familiares e sua rede social vivem, interpretam, explicam, lidam e respondem
ao sofrimento causado por uma doena. Nesta perspectiva, as narrativas sobre o
adoecimento ocupam posio de suma relevncia nos estudos sobre a experincia do
adoecimento (KLEINMAN, 1988), supondo o entrelaamento entre subjetividade,
corpo, linguagem e cultura (SCHUTZ, 1945; GOOD, 1994; DAVIDSON,
2003). As narrativas exercem a funo de mediao entre a experincia vivida
dos sujeitos imersos em uma comunidade lingustica e os acontecimentos e a
unidade temporal da histria relatada (RICOEUR, 1997). Sua anlise vem sendo
crescentemente utilizada nos estudos qualitativos em sade como estratgia para
acessar a experincia subjetiva e as biografias dos participantes (ONOCKO
CAMPOS; FURTADO, 2008; RABELO; ALVES; SOUSA, 1999).
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1058
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
A principal ferramenta metodolgica empregada para produo das narrativas
foram os grupos focais (KRUGER; CASEY, 2009). Tcnicas da entrevista de
explicitao (VERMERSCH, 2006), que orientam a formulao de questes
que evitam narrativas generalizantes, distantes da sua vivncia pessoal, foram
incorporadas. Escolheu-se o grupo focal tambm porque, no caso dos usurios,
se tratava de uma populao com menor poder contratual, que dispe de
um conhecimento sobre a prpria experincia que no a priori legitimado
socialmente. O setting grupal tem a capacidade de criar ambiente de suporte
mtuo e de reasseguramento entre os participantes, proporcionando maior
fluidez no processo de construo das narrativas e minimizando a verticalidade
que geralmente existe entre pesquisador e participante em situao de entrevista
individual (MOEKE-MAXWELL; WELLS; MELLSOP, 2008).
O processo de recrutamento dos participantes aconteceu de agosto a novembro
de 2009. Os sujeitos da pesquisa foram usurios de um CAPS em cada uma
das localidades e psiquiatras de Campinas e do Rio de Janeiro. Dentre os que
aceitaram participar da pesquisa, foram recrutados os que contemplaram os
critrios abaixo indentificados:
Usurios: 1) autoatribuio de experincias comuns condio esquizofrnica (alterao da conscincia de si, audio de vozes, sensao de estar sendo perseguido
ou vigiado, entre outras). Para favorecer a autoatribuio de experincias, foi exibido
um vdeo, seguido de uma roda de conversa com os usurios dos servios. Nesse
momento, os usurios se identificavam ou no com as modalidades experienciais
relacionadas esquizofrenia, apresentadas no vdeo. O vdeo, produzido pela
equipe de pesquisa com o patrocnio da FAPERJ, em parceria com alunos da Escola
de Comunicao da UFRJ, reuniu autorrelatos de pessoas com o diagnstico de
esquizofrenia selecionados a partir de levantamento bibliogrfico na seco de
First-Person Accounts do Schizophrenia Bulletin, no perodo de 1980 a 2009. Os
autorrelatos foram adaptados, roteirizados e atuados por atores amadores. Para a
elaborao do roteiro, levou-se em conta tanto o espectro de experincias peculiares
ao adoecimento esquizofrnico quanto o perfil scio-demogrfico da clientela
dos CAPS do Rio de Janeiro; 2) ter o diagnstico de esquizofrenia ou transtorno
psictico, segundo o instrumento diagnstico MINIPLUS e o diagnstico da
equipe, ambos orientados pelos critrios da CID10; e 3) estar em tratamento no
CAPS e no haver contra indicao, por parte da equipe, sua participao.
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1059Psiquiatras: trabalhar na rede pblica de sade mental, em servio diferente do servio em que foram recrutados os usurios, a fim de se preservar o vnculo
e a privacidade envolvidos na relao mdico-paciente.
No decorrer do processo de recrutamento, alguns usurios, apesar de terem
preenchido os critrios e concordado em participar do estudo, no compareceram
aos grupos. No caso dos psiquiatras, as principais barreiras a impossibilitar ou
dificutar o recrutamento e sua participao foram: sobrecarga de trabalho, alta
rotatividade destes profissionais nos servios, escassez desta categoria profissional
na rede de sade mental, dificultando seu afastamento para realizar atividades
alm das previstas, dentre outros. Em Salvador, por estes motivos, no foi possvel
realizar o grupo com psiquiatras.
Os grupos focais, audiogravados e transcritos, foram conduzidos por dois
a trs pesquisadores (moderador, observador e anotador). No caso dos grupos
focais com usurios, um tcnico do servio participou exercendo a funo de
moderao clnica. Os grupos aconteceram de novembro de 2009 a setembro
de 2010, nos prprios servios, em trs tempos. No tempo 1 (T1), os usurios
recrutados em cada uma das cidades se reuniram com o propsito de produzir
narrativas sobre o processo de adoecimento e os psiquiatras se agruparam para
narrar a experincia de construo do diagnstico e do projeto teraputico.
Os temas propostos nos grupos com os usurios foram: antecedentes, crise,
restabelecimento (recovery)/no-restabelecimento. Para a discusso destes
temas, 22 encontros aconteceram nas trs cidades. Nos grupos com psiquiatras,
foram discutidos: formulao do diagnstico de esquizofrenia, prognstico e
tratamento. Foram realizados dois encontros, pelas limitaes acima descritas.
No tempo 2 (T2), os usurios de cada um dos servios se reuniram para discutir
as narrativas dos psiquiatras, apresentada em texto transcrito, e vice-versa. Nesta
fase, foram realizados sete encontros com usurios, nas trs cidades, e dois com
psiquiatras. No tempo 3 (T3), realizado apenas no Rio e em Campinas, usurios
e psiquiatras se encontraram presencialmente no mesmo grupo com o propsito
de discutir o material produzido em todo o processo. Nesta ltima fase, dois
encontros foram realizados. O nmero de participantes nos grupos focais foi
de sete usurios no Rio de Janeiro, quatro em Campinas e sete em Salvador. O
participantes psiquiatras foram quatro do Rio de Janeiro e cinco em Campinas.
Tcnicas da observao participante (no processo de entrada no campo e
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1060
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
recrutamento e nos grupos), registros de campo e entrevistas (diagnsticas) individuais tambm fora utilizados.
O processo de anlise das informaes aconteceu em trs momentos distintos. Primeiramente, dois pesquisadores codificaram e categorizaram, de forma independente, os textos das transcries, luz de rvores de anlise estruturadas a partir dos eixos temticos propostos nos grupos. O contato com o material permitiu a identificao de diferentes modalidades narrativas: modelo explicativo, descrio da experincia e impacto da experincia/experincia encarnada. Da emergiram tambm categorias e subcategorias temticas: experincia de adoecimento; diagnstico de esquizofrenia; estigma social; experincia de restabelecimento; tratamento e contexto dinmico dos CAPS. Aps este primeiro momento, os mesmos pesquisadores validaram conjuntamente as categorizaes prvias e geraram a primeira verso categorizada e consolidada do material, a partir da insero das narrativas em uma mscara de anlise. Finalmente, um terceiro pesquisador trabalhou na validao final do material, gerando uma verso mais sinttica das narrativas, de acordo com as categorias e subcategorias temticas.
A pesquisa foi realizada segundo as normas e princpios ticos de pesquisas envolvendo seres humanos, com parecer aprovado pelos Comits de tica e Pesquisa do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (n 87 Liv. 02-09), do Comit de tica da UNICAMP (n 870/2009) e da Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro (n 210A/2009). Todos os participantes foram esclarecidos acerca dos objetivos e procedimentos do estudo e forneceram consentimento informado para participar, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os nomes que identificam os participantes so fictcios, a fim de preservar seu anonimato.
Resultados: o que mostram as narrativasAs narrativas analisadas e apresentadas neste artigo foram produzidas com a participao de 18 usurios e nove psiquiatras, que tm suas principais caractersticas sociodemogrficas indicadas nas tabelas 1 e 2.
A mdia de idade dos usurios 44 anos, sendo a maioria do sexo masculino, solteira, em idade produtiva, com ensino mdio completo, no inserida no mundo do trabalho, identifica-se como miscigenada e refere ter religio. A mdia de idade dos psiquiatras foi 32 anos. Todos so formados em universidades pblicas e descrevem-se como brancos. A maioria do sexo feminino e tem dois ou mais empregos. Dois referem ter ps-graduao senso estrito.
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1061Tabela 1. Informaes sociodemogrficas dos usurios participantes. Campinas, Rio de Janeiro e Salvador, 2009-2010
Variveis N (18)
Sexo Feminino Masculino
612
Faixa etria
30-39 anos40-49 anos50-59 anos60-69 anos
Sem informao
58131
Estado civil Solteiro (a)
Casado(a)/amigada(o)Divorciado(a)/separado(a)
1062
Escolaridade
Ensino fundamental incompletoEnsino fundamental completo
Ensino mdio incompletoEnsino mdio completo
Ensino superior completoSem informao
421911
Raa/Etnia NegraParda
Branca
567
Profisso/ocupao DesempregadoAposentado/Auxlio doena/Pensionista
Sem informao
6111
Religio CatlicaEvanglica
Esprita No temOutras
Sem informao
742221
Diagnstico (segundo o MINIPLUS)
Transtorno PsicticoEsquizofrenia
216
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1062
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Tabela 2. Informaes sociodemogrficas dos psiquiatras participantes. Campinas e Rio de Janeiro. 2009-2010
Variveis N (9)
Sexo Feminino Masculino
63
Faixa etria 20-29 anos30-39 anos
27
Escolaridade Ensino superior completo em universidade pblica
Ps-graduao
7
2
Raa/Etnia Branca 9
Vnculo de trabalho na rede pblica de sade mental
123
342
*Valor de referncia R$ 622,00
Anlise das narrativasAs categorias identificadas neste estudo e as narrativas que as compuseram
sero apresentadas a seguir. A discusso tem o propsito de dar visibilidade aos
elementos que caracterizam as narrativas-experincias dos parcipantes e indicar o
modo como se configura sua complexidade.
A Experincia de AdoecimentoEu vivi a minha vida toda sendo diferente, no porque eu me achava diferente, era o
externo que me achava diferente. (Snia).
A vivncia do transtorno mental expressa no fragmento acima atravs da fala
sobre ser diferente, uma alterao do sentimento de si nem sempre identificada
como adoecimento, podendo se apresentar como uma experincia de vida, uma
marca de existncia.
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1063Quando a gente no t bem a gente no tem percepo que as coisas esto indo mal pra gente. Quem percebe sempre um membro da famlia [...]. (Carlos).
Nas circunstncias em que alteraes psicopatolgicas so vivenciadas como
marca existencial e de vida, e no de adoecimento, como mostram os fragmentos
acima, a vivncia de adoecimento pode advir mesmo assim, precipitada pelo olhar
e/ou pela palavra do outro, de fora para dentro. A experincia de adoecimento
pode ainda surgir em decorrncia de consequncias negativas ocasionadas na
vida da pessoa, como observado na narrativa seguinte: Eu fui suspensa e com a suspenso eu fiquei muitssimo abalada, fiquei com depres-so, muito magrinha... (Regina).
Este fragmento evidencia que o sofrimento, o sentimento de estar adoecido, foi
experimentado a partir da suspenso do trabalho, foi efeito desta suspenso e no
das dificuldades que a antecederam; estas sim, provavelmente ligadas diretamente
doena e expresso de seus sintomas. A experincia de adoecimento, neste e no
exemplo anterior, no consequncia direta das alteraes propriamente ditas do
transtorno mental. sim um resultado indireto delas, j que estas alteraes no
so vivenciadas nem reconhecidas como problemas por quem as experiencia. No
exemplo da Regina, todavia, a experincia de adoecimento no surge de fora para
dentro, do jogo relacional, como efeito de um olhar ou palavra do outro. Aqui, a
vivncia de adoecimento decorre da repercusso, sobre a vida da pessoa, daquilo que
externamente se reconhece como um sintoma ou como alterao psicopatolgica.
O corpo est sempre presente nas experincias de adoecimento relatadas.
Varia a forma de apresentao. Em relatos de experincia da crise, por exemplo,
o corpo se presentifica a partir da vivncia de uma ruptura radical que provoca
uma alterao na familiaridade bsica que envolve a relao com o corpo: Me sentia normal [...] [com a crise]... voc perde os cinco sentidos, os cinco sentidos vo pra falncia. (Csar).
Sensaes desagradveis no corpo so referidas muitas vezes:A gente sente uma dor sem ter nada, sem ter machucadura nenhuma. (Sonia).
As manifestaes corporais tambm podem aparecer na construo da
experincia de adoecimento, fundamentando uma teoria explicativa: Eu acho que por fora de uma desnutrio. Algum tipo de vitamina, protena que me deixava com essa variao na ideia. (Saulo).
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1064
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
A inrcia relatada como importante ou mesmo principal sinal de adoecimento.
Fala-se muito da necessidade de movimento, de empreender alguma atividade
que faa o corpo se mexer:Tem que brigar consigo mesmo, brigar com a doena, pra no ficar assim jogada, n. (Selma).
O Diagnstico de Esquizofrenia
Eu perguntei: Doutor, eu tenho o qu?!. Ele disse: Voc esquizofrnico. (Silvio).
Nem sempre a forma de tomar contato com o diagnstico assim, pela via da
comunicao direta entre mdico e paciente, como observado no dilogo a seguir: - Cleusa: Esquizofrenia .... Eu queria saber o significado disso.
- Moderador: .... J disseram isso para a senhora? De esquizofrenia, j falaram isso para a senhora?
- Cleusa: No falam!... Eu tenho uma carta plastificada, que eu tenho que andar com ela.
- Moderador: E est escrito esse nome l?
- Cleusa: T...
Que sentido pode ter esta palavra, este diagnstico, para um usurio de
servios de sade mental? Em que isto o ajuda a compreender as inusitadas
vivncias subjetivas que o acompanham, em alguns casos h muito tempo?
Qual a relao deste nome com suas experincias de vida e com o percurso de
tratamento que muitas vezes ele inaugura? Seja atravs da comunicao direta
do diagnstico, seja pela sua presena escrita em algum laudo ou documento, a
etiqueta diagnstica parece pouco servir para responder s inquietaes que estas
perguntas carregam.At hoje o mdico no definiu. A primeira coisa que o mdico falou para mim, falou que eu estava com esquizofrenia. E o outro mdico falou que eu estava com distrbio mental. E o outro falou que eu estava doente mental. Eu tomo vrios ti-pos de medicamentos! E depois o mdico falou que depois de dois anos, eu poderia parar de tomar os remdios, que eu ia ficar bom. Por que eu estou assim at hoje? Tem alguma coisa [...] invisvel. (Rui)
As vrias formas utilizadas pelos profissionais de sade para nomear os
problemas mentais, reflexo de modelos classificatrios diversos, ou mesmo de
diferentes estratos de um mesmo sistema classificatrio, so frequentemente
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1065experimentadas pelos usurios como indefinio do seu problema, dificultando
o manejo com o prprio problema, com os tratamentos e vivido como ndice de
um prognstico nebuloso, no palpavl e pouco compreensvel.
Da perspectiva dos psiquiatras, o diagnstico, no contexto da prtica clnica
nos CAPS, tem importncia pragmtica relativa e tende a ter deflacionada a
sua relevncia para esta prtica clnica. O diagnstico parece ajudar pouco
o psiquiatra a dar a direo do tratamento, e experimentado como recurso
insuficiente para definir as estratgias teraputicas a serem utilizados no contexto
do CAPS. A funo do diagnstico foi delimitar um certo campo de problemas:Eu s no acho que os dispositivos que eu vou usar sejam to diferentes se fosse um outro diagnstico. A forma de pensar, a forma de voc cuidar vai ser a mesma, inde-pende do diagnstico [...]. Eu acho que o diagnstico no pra eu saber como eu vou tratar, pra eu saber em que rea que eu estou caminhando, entendeu? (Roseana).
As narrativas dos psiquiatras sobre o processo de feitura do diagnstico
revelam uma mescla de aspectos objetivos e subjetivos ou empticos. Os objetivos
se aproximam dos critrios operacionais dos sistemas classificatrios vigentes: [...] Quando d crise bem fcil. Voc tem os sintomas, so floridos, n, as alucina-es, delrios de influncia... (Cleber).
Os elementos oriundos de uma apreenso subjetiva, emptica, por sua vez,
encontram pouca ou nenhuma ressonncia nos critrios operacionais destes
sistemas classificatrios e na psicopatologia descritiva. Os psiquiatras indicam
encontrar no senso comum o sentido para os aspectos subjetivos e empticos que
se presentificam no processo de feitura do diagnstico. Observa-se, entretanto,
como prprio aos sentidos que emergem do senso comum, que so sentidos
pouco refletidos e, por isso, frequentemente naturalizados: Eu tendo a achar que uma coisa muito sutil assim sabe? uma coisa que foge [...] uma coisa realmente mais subjetiva, que s vezes est num certo estar do indivduo, no seu contexto de vida. (Roseana).
Outro trao comum encontrado nas narrativas dos psiquiatras diz respeito a
associao entre o diagnstico de esquizofrenia e a expectativa de um prognstico
necessariamente desfavorvel, o que os leva muitas vezes a evitar e/ou adiar a
formulao do diagnstico e a sua posterior comunicao aos pacientes e aos seus
familiares: , tem que ter um cuidado n, pra dar o diagnstico! (Carmen)
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1066
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Estou pensando em alguns pacientes em que a dvida persistiu...Acho que a tem uma torcida para que no seja isso... Esquizofrenia no!! Eu acho que a gente torce para que no seja isso! (Carol).
Nas narrativas dos usurios, a contrapartida destas preocupaes se revela
atravs do peso estigmatizante que experimentam quando o diagnstico de
esquizofrenia lhes atribuido, direta ou indiretamente. Os usurios desconhecem
os critrios em jogo na atribuio deste diagnstico, por parte do psiquiatra, e
desconhecem tambm os sentidos que o mdico lhe atribui. Tais sentidos so
praticamente incompreendidos para quem os recebe, alm de pouco evidentes.
A fora estigmatizante do diagnstico o que se manifesta com pujana para os
usurios, conforme observado nos relatos a seguir:Esquizofrnico... De onde ele tirou essa palavra?! [...] Um rtulo muito forte, machu-ca muito uma pessoa, entende?! (Rogrio).
Dependendo do paciente, o diagnstico, eu acho que pode no ser escondido, mas pode ser omitido, para o bem do prprio paciente. At ele adquirir uma maturidade maior para ele entender exatamente o que ele tem, ou que ele possa entender s o que convm para ele entender, devido sua problemtica. (Ralson).
Nas narrativas estudadas, a fora estigmatizante promove a recusa ou a
evitao do diagnstico. Alguns usurios sugerem que ele s seja revelado numa
perspectiva dialgica, de modo que quem o receba possa elaborar seu sentido.
Estigma SocialA temtica do estigma ligado aos transtornos mentais, em particular
esquizofrenia, se apresenta tanto na narrativa dos psiquiatras, quanto na dos
usurios. Para os psiquiatras, em geral, o estigma se revela ligado ao tema do
diagnstico de esquizofrenia, expresso na cautelosa formulao do diagnstico e
de sua comunicao, como j indicado acima:Eu sinto que muitas vezes eu resisto [a atribuir o diagnstico de esquizofrenia]! (Carol).
No relato dos usurios, o tema do estigma se relaciona diretamente experincia
de adoecimento e liga-se tambm aos efeitos do adoecimento sobre sua vida,
quilo que ele ou os outros supem que possa ou no fazer. O modo como a
sociedade os v e valora, elemento determinante da experincia do estigma, pode
ser experimentado, por exemplo, como um das consequncias da crise: Quando eu voltei da crise, hoje em dia todo mundo me trata diferente, ningum con-fia em voc como confiava antes [...]. , minha me bem difcil ela me deixar andar
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1067sozinho [...]. A confiana deles, da minha tia, eu no recuperei at hoje. difcil eles confiarem em mim (Ricardo).
Na experincia de alguns usurios, o estigma comea dentro da prpria
famlia, estendendo-se vizinhana/comunidade e ao mundo do trabalho: O preconceito grande, o mercado de trabalho no aceita pessoas com esquizofrenia, tm medo de a pessoa ter uma crise mais violenta. (Snia).
O estigma internalizado, uma outra forma de experimentar o estigma, est
fortemente presente e igualmente fonte de sofrimento, como relata Roberta: Eu queria ser diferente, mas eu fiquei diferente de outra forma [...]. muito difcil voc aceitar que voc doente. Voc ver que um dia voc foi boa e agora doente.
Para alguns usurios, a superao do estigma possvel, a despeito de sua
fora, e pode ser uma das vias do restabelecimento.
A Experincia de Restabelecimento A complexidade do processo de restabelecimento, entendido aqui como dimenso
da experincia de adoecimento, tem relao com o estigma social:Na minha rua eu fiquei tachada como louca, que eu moro num bairro onde meus vizinhos pararam de falar comigo quando eu fui internada no hospital psiquitrico [...]. Ento quando voc sai, voc escuta: Cuidado maluca, maluca!A gente fica taxada para o resto da sua vida... (Regina).
Para os usurios, o restabelecimento constitui um processo que se d no
fluxo da experincia. Vivido como um mosaico de possibilidades, pode envolver
a melhora ou piora dos sintomas, o restabelecimento parcial ou superao
da doena, e ainda o enfrentamento do estigma social. O restabelecimento
foi experimentado tambm a partir do manejo dos efeitos e dificuldades que
decorrem do adoecimento, principalmente queles relacionados s atividades da
vida diria e insero no mundo do trabalho. Vale ressaltar que nem sempre os
usurios reconhecem essas dificuldades como adoecimento.Depois da crise?! Ah, fiquei impossibilitado para muita coisa... Eu sempre sonhei, as-sim, eu estava estudando na poca, trabalhando, sempre sonhei em fazer uma carreira [...]. Ento a mdica falou que eu no podia mais trabalhar [...], ento aquilo ali me impossibilitou [...], a eu fiquei nessa dvida: o qu mais eu posso fazer?! ( Ricardo).
A aceitao da doena e do tratamento e a superao da etiqueta diagnstica
tambm foram aspectos relevantes para o restabelecimento, nas narrativas
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1068
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
dos usurios. Observa-se, entretanto, que estes trs aspectos no descrevem
as mesmas experincias: aceitao da doena no o mesmo que aceitao da
etiqueta diagnstica, ou do tratamento, e superao no necessariamente passa
pela aceitao da etiqueta diagnstica. A etiqueta diagnstica, por exemplo, pode
ser recusada e, ao mesmo tempo, o tratamento ser aceito. Rogrio mostra isso de
forma clara quando diz que no vai carregar [...] esse rtulo e vai passar uma
borracha nisso tudo, ao referir-se ao diagnstico de esquizofrenia. Ele, todavia, assduo ao CAPS e utiliza os tratamentos ali ofertados. Os relatos indicam
ainda que a aceitao da doena no necessariamente signfica aceitar a descrio
desse fenmeno em termos biomdicos ou psicolgicos ou fazendo uso desses
vocabulrios. A aceitao da doena, de modo a promover o restabelecimento,
pode ocorrer mediado por outros sentidos.
Usurios que experimentam como problemas de sade mental o que os
psiquiatras descrevem como sintomas vozes, depresso, momentos de
delrio podem encontrar melhora e controle dessas vivncias, mediante
tratamento, e assim experimentar, em alguma medida, o restabelecimento. A
busca de explicao sobre os motivos que os levaram a entrar em crise ou a
piorarem novamente um esforo de atribuio de sentido experincia de estar
adoecido. Esse exerccio constitui outra via para o restabelecimento, podendo
ser utilizada por aqueles que vivenciam ou no melhora ou controle dos seus
problemas, conforme faz Cleusa no prximo fragmento: Eu queria saber assim, tambm, porque tem hora que eu fico boa, ai daqui um pouco que j vou comear tudo de novo?
A criao de estratgias pessoais em busca do restabelecimento frequentemente
vo alm do mbito do tratamento no CAPS, como referiu um dos usurios que
se valeu da estratgia religiosa de tomar passe magntico. As narrativas dos
usurios mostram tambm que os recursos teraputicos ofertados pelo servio
e pelo sistema de sade podem ser ressignificados. Encontrar um sentido para
o CAPS e para as prticas que a se realizam, por parte dos usurios, pode
acontecer mesmo quando estes sentidos so estranhos e distantes daqueles que
os profissionais de sade lhe atribuem. Csar exemplifica bem isso quando
diz que vai ao CAPS porque l se desmancha trabalho. Repousar no quarto
sozinho, ir para a rua; ficar sentada no escuro; catar latinhas; entrar para
a poltica; no dar confiana para as vozes ou reconhecer quando as vozes
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1069esto chegando, foram algumas estratgias peculiares utilizadas pelos usurios para lidar com o mal estar que experimentam.
O CAPS foi referido como parte do conjunto maior de recursos que contribui para o enfrentamento da experincia de adoecimento e para a criao de oportunidades de restabelecimento. As estratgias vinculadas ao contexto de tratamento no CAPS foram: correr para o CAPS em caso de sentir-se mal; passar o dia no CAPS; tomar medicao; conversar; ocupar a mente e observar outros usurios no convvio com o CAPS, como diz Snia:
Eu fico observando esses pacientes, no porque quero cuidar da vida deles, mas pra saber de fato como que eu fico quando estou em crise.
O restabelecimento pode ainda ser favorecido pela experincia de recuperao da capacidade de circular, de retomar um percurso no territrio e de retraar um cotidiano no espao habitado.
Eu me sinto muito bem, porque hoje eu pego nibus e venho sozinha. Eu no pegava um nibus. [...] eu no andava sozinha mais, voc entende? Eu no descia o morro para ir na padaria. Hoje eu vou na padaria, hoje eu vou no mercado. (Roberta).
Tratamento e o contexto dinmico dos CAPSOs usurios referem que servios comunitrios de sade mental tipo CAPS, e os hospitais psiquitricos, propiciam experincias diferentes. A experincia de melhora aps o incio do tratamento no CAPS se d mesmo com o relato de recidivas da crise e de outras manifestaes da doena.
A medicao descrita pelos usurios como um mal necessrio, principalmente por seus efeitos no corpo. A tomada diria vivida como dolorosa e produtora de sofrimento:
Eu tomo injeo e remdio sabe... muito remdio, remediada que eu tomo a... [...] to-mar um monte de agulhada, no fcil no, agulhada no, di...sofri, sofri... (Caio).
O uso dos medicamentos considerada uma necessidade da qual no podem prescindir se querem encontrar algum tipo de estabilizao:
Agora eu diminui de ficar ouvindo vozes, depois que a mdica passou um medica-mento de alto custo da srie ouro, a eu diminui de ouvir vozes [...] Agora eu estou ouvindo uma vozinha de vez em quando. Estou bem melhor. (Slvio)
Nas narrativas dos psiquiatras, a medicao um dos principais determinantes da estabilizao. Nos quadros esquizofrnicos, consideram no s indispensvel como torna-se critrio diagnstico.
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1070
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Um marcador informal pra gente isso... a questo da necessidade da medicao. [...] Isso no est no CID mas a gente pensa, se a gente consegue tirar a medicao e ele consegue viver bem, ai a gente vai pensar no esquizofrnico!, a gente refaz o diagnstico, a nossa cabea funciona assim. (Carol)
A expectativa de que os usurios no acatem o esquema medicamentoso como prescrito, apareceu num dos relatos:
Mais de 50%, eu acho que no toma exatamente o que eu passo, toma o que ele, o que ele l determina, o equilbrio que ele encontra, n e da eu avalio...(Raimundo).
Revela-se a um reconhecimento de que o usurio pode no seguir o que lhe indicado, ou faz-lo a seu modo, e que ao mdico cabe avaliar o equilbrio que advm dessa escolha. H relato da dificuldade frente recusa da medicao prescrita no momento da crise. Essa dificuldade, produtora de angstia para o psiquiatra, tem relao com perceber-se sem recursos para manejar situaes desta natureza e no ter ferramentas para, a partir da recusa, estabelecer relao emptica com o paciente:
[] a sensao que me d, que com cinco minutos de conversa meu arsenal de argu-mentos acabou, eu falei: o que que eu vou fazer?, tipo assim, no consigo acessar nada, no tenho criatividade nenhuma na hora, tamanha a angstia que pra mim esse tipo de situao. (Roseana)
De um modo geral, o estmulo aceitao da prescrio relatado como algo que exige esforo grande do mdico e expe a necessidade da construo compartilhada dessa proposta de tratamento, tarefa mais facilmente desenvolvida no contexto do CAPS: criar um vinculo melhor (Clovis), para tornar aquela interveno mais delicada possvel (Roseana), exigindo uma fineza que sempre com o paciente, no sem ele, n, medicar no sem ele, n, sem o paciente (Rita), sendo por vezes necessrio adiar uma interveno: esse manejo d pra fazer em CAPS (Carla).
Nas narrativas dos usurios se destacam as diferenas entre as experincias de prescrio e do uso dos medicamentos nos contextos do hospital e do CAPS. Na internao psiquitrica, a medicao experimentada como imposta e no negociada. No CAPS, o fato de a medicao ser parte de uma gama mais ampla de ofertas e ser adminstrada num contexto em que o controle sobre a ingesta menor, sua indicao e uso no so experimentadas como imposio arbitrria:
No sanatrio voc obrigado a tomar medicao, voc no tem querer. No CAPS, voc pega o medicamento leva pra casa, tem o domnio, o controle. (Saulo).
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1071A medicao referida pelos usurios como mais um dos elementos que
concorre para a recuperao:O remdio, as oficinas, a companhia da senhora, dos amigos, batendo papo, os pas-seios. (Silvio).
Muitos usurios falaram sobre o CAPS como um servio que oferece diversas
possibilidades teraputicas, onde se pode conversar, fazer amigos, fazer
oficina, almoar, pegar remdio, dentre outras atividades. Eu acho que o tratamento no CAPS foi fundamental pra minha reabilitao, minha tentativa de me reabilitar, estabelecer meu sistema nervoso na tranquilidade. Eu ve-nho, participo das oficinas, das atividades. Escutando as palestras e orientaes que servem pra minha vida, pro meu dia a dia.[...] Eu no t sentindo mais nada. T me sentindo mais tranquilo. (Saulo).
ConclusoDistintas dimenses do mundo da vida se interconectam e tecem uma rede de
experincias, aes, relaes, lugares e significados. Tudo isso compe, num sentido
mais amplo, um campo que a antropologia mdica nomeia como experincia
de adoecimento (KLEINMAN; EISENBERG; GOOD, 1978; KLEINMAN,
1988; GOOD, 1994). Muitos elementos podem se articular nesta malha: o vivido
subjetivo corporificado, o reconhecimento individual de que algo no vai bem,
a convivncia com a famlia e vizinhos, o trabalho, o cuidado em sade mental,
as dificuldades encontradas para integrao na vida comunitria, estratgias
utilizadas para superao, dentre outros elementos. Os resultados revelaram,
todavia, que a experincia de adoecimento tout court se produz mesmo quando o usurio no experimenta como patolgico aquilo que o psiquiatra identifica como
sintoma. Para os usurios, a experincia de que algo vai mal e de que patolgico
pode decorrer dos efeitos, sobre o cotidiano, daquilo que o psiquiatra chama de
patolgico. Algumas vezes de fora para dentro, por ao ou olhar de um outro, por
uma interveno mdica, ou mesmo pelo estigma que a vivncia de adoecimento
surge para o usurio. As estratgias e caminhos trilhados em direo ao processo
de restabelecimento e superao tambm so multiplos e diversos (DAVIDSON,
2003). O processo de restabelecimento no depende exclusivamente dos recursos
teraputicos e ocorre, por exemplo, atravs da ressignificao da experincia do
tratamento a partir de universos de sentido fora do campo da sade. Isso tem
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1072
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
grande importncia no contexto brasileiro porque aqui o peso social negativo da esquizofrenia est na comunidade, no usurio e at mesmo na perspectiva do psiquiatra. O estigma, que pode mesmo estar internalizado, nem sempre obstculo ao processo de restabelecimento e este ltimo no necessariamente requer o desaparecimento dos sintomas para ser vivenciado.
Quanto experincia do processo de formulao do diagnstico, do prognstico e do projeto teraputico, vivida pelos psiquiatras, as narrativas explicitam que o exerccio clnico marcado de forma especial e particular pela relao prtica que se estabelece entre o conhecimento empirco aquele que emerge do exerccio da formulao do diagnstico, da indicao do tratamento e do encontro com a pessoa adoecida e o conhecimento terico, prvio a esse exerccio prtico. Dentre os vrios aspectos que caracterizam o exerccio clnico, dois se destacam. um exerccio solitrio, no s porque o psiquiatra pode realiz-lo ou, em geral, o realiza sozinho, mas especialmente porque a experincia que vivencia neste exerccio tem uma dimenso no compartilhvel que no ecoa seus conhecimentos tericos. O senso comum, principal saber a configurar a lente utilizada para conhecer a complexidade existencial da pessoa com transtorno mental, no encontra quaisquer elementos, no mbito do conhecimento terico adquirido previamente, que favoream seu questionamento, porque este quase que exclusivamente marcado por uma viso naturalizada do sujeito.
Assim fica patente como a objetificao do transtorno mental, efeito do modo de construo diagnstica proposto pelos sistemas de classificao empregados, que se limitam a uma Psicopatologia Descritiva, no fornece aos psiquiatras os recursos necessrios para lidar com a diversidade de experincias existenciais subsumidas pela categoria esquizofrenia. Reciprocamente, da perspectiva dos usurios, esta mesma objetificao do transtorno no os favorece em nada porque no lhes permite, a partir do vocabulrio do mdico e da equipe em geral, criar verses para sua experincia que sejam mais auspiciosas. Quando conseguem criar estas verses seja atravs da adaptao do vocabulrio do campo da sade, ou lanando mo de algum outro tais verses so pouco valorizadas pelos psiquiatras que no as considera significativas nem com sentidos relevantes, permanecendo como um desafio para o cuidado oferecido nos servios tipo CAPS (BEZERRA, 2007; MENEZES; YASUI, 2009). Vale ressaltar, entretanto, que os CAPS apresentam-se como espaos potentes para a criao de pontes de dilogo entre as narrativas de usurios e psiquiatras e novos sentidos para o adoecer.
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1073O dispositivo metodolgico proposto pela pesquisa, descrito acima na seo
Metodologia, visava criar condies favorveis para a produo de narrativas por
usurios de servios de sade mental e por psiquiatras. A apresentao recproca
das narrativas de cada um dos dois grupos foi feita no T2 dos grupos focais e no
T3, quando ambos os grupos de participantes foram reunidos em um mesmo
encontro de grupo focal. Tivemos como resultado uma rica produo narrativa,
que tomada como objeto de anlise na seo Resultados. Contudo, a conversa
entre a experincia do psiquiatra e a experincia do usurio, que poderia ter
sido suscitada no T2 e T3 dos grupos focais, efetivamente no acontece. No
produzido nem um novo saber que seja til para o psiquiatra, nem uma descrio
que permita ao usurio lidar com a experincia do adoecimento. Nenhum novo
saber sobre o vivido, que seja compartilhvel, til para os dois e para o campo da
sade mental, se produz a partir deste dilogo entre a experincia do psiquiatra e
do usurio. As construes narrativas dos usurios parecem no produzir efeitos
sobre as construes narrativas dos psiquiatras e vice-versa. No foi possvel
identificar nenhuma narrativa hbrida, que incorpore elementos das narrativas
dos usurios ou psiquiatras como algo que amplia o campo de conhecimento ou
de ao. Permanece em aberto a questo acerca dos meios e recursos necessrios
para a produo de um conhecimento e de prticas que possam integrar as
diferentes perspectivas em jogo.2
RefernciasALVERGA, A.R.; DIMENSTEIN, M. A reforma psiquitrica e os desafios na
desinstitucionalizao da loucura. Interface, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 299-316, 2006.
BEZERRA JR., B. Desafios da Reforma Psiquitrica no Brasil. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 243-250, 2007.
BRASIL. MINISTRIO DA SADE. Portaria GM n 336, de 19 de fevereiro de 2002.
Define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centros de ateno Psicossocial.
Dirio Oficial da Unio, 2002; 20 de fev.
CORIN, E. LOmbre de la Psychose... Des tracs en creux aux marges de la culture. Cahiers de Psychologie Clinique, v. 21, p. 197-218, 2003.
CORIN, E.; LAUZON, G. Positive Withdrawal and the Quest for meaning: The
reconstruction of experience among schizophrenics. Psychiatry, v. 55, p. 266-278, 1992.
DAVIDSON, L. Living Outside Mental Illness. Qualitative studies of recovery in Schizophrenia. New York: New York University Press, 2003.
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1074
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
DEL BARRIOS, L.R. et al. Avaliao qualitativa de Servios em Sade Mental a partir das perspectivas de usurios e profissionais. Negociao, cidadania e qualidade dos servios. In: BOSI, M.L.M.; MERCADO, F.J.(orgs.) Pesquisa Qualitativa em Sade. Petrpolis: Vozes, 2004. p. 401-450.
GOLDBERG, J. Clnica da Psicose. 2 ed. Rio de Janeiro: Te Cor, 1996.
GOOD, B. Medicine, rationality, and experience. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
HONIG, A. et al. Auditory Hallucinations: A Comparison between Patients and Nonpatients. Journal of Nervous and Mental Diseases, v. 186, n. 10, p. 646-651, 1998.
KLEINMAN, A. The Illness Narrative. Suffering, Healing and the Human Condition. New York: Basic Books, 1988.
KLEINMAN, A.; EISENBERG, L.; GOOD, B. Culture, Illness, and Care Clinical Lessons from Anthropologic and Cross-Cultural Research. Annals of Internal Medicine, v. 88, n. 2, p. 251-258, fev. 1978.
KRUGER, R.A.; CASEY, M.A. Focus Groups. A practical guide for applied research. 4th ed. Thousand Oaks: Sage, 2009.
LEAL E.M.; DELGADO, P.G.G. Clnica e cotidiano: o CAPS como dispositivo de desinstitucionalizao. In: PINHEIRO, R. et al. (orgs.). Desinstitucionalizao na sade mental: contribuies para estudos avaliativos. Rio de Janeiro: Cepesc, 2007. p. 137-154.
LEAL, E.M.; SERPA JR., O.D.; MUOZ, N.M. A clnica da disfuno social: contribuies da psicopatologia do senso comum. In: COUTO, M.C.V.; MARTINEZ, R.G. (orgs.). Sade Mental e Sade Pblica: Questes para a agenda da Reforma Psiquitrica. Rio de Janeiro: FUJB/NUPPSAM/IPUB/UFRJ, 2007, p. 69-99.
MENEZES, M.P.; YASUI, S. O psiquiatra na ateno psicossocial: entre o luto e a liberdade. Cincia & Sade Coletiva, v. 14, p. 217-226, 2009.
MOEKE-MAXWELL, T.; WELLS, D.; MELLSOP, G.W. Tangata whaiora/consumers perspectives on current psychiatric classification systems. International Journal of Mental Health Systems, p. 2-7, 2008.
ONOCKO CAMPOS, R.T. Clnica: a palavra negada - sobre as prticas clnicas nos servios substitutivos de sade mental. Sade em debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 98-111, maio/ago. 2001.
ONOCKO CAMPOS, R.T.; FURTADO, J.P. Narrativas: utilizao na pesquisa qualitativa em sade. Revista de Sade Pblica, v. 42, n. 6, p. 1.090-6, 2008.
RABELO, M.C.; ALVES, P.C.; SOUSA, I.M. Introduo. In: ______. Experincia de Doena e Narrativa. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.
RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Campinas: Papirus, 1997.
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1075ROMME, M.; ESCHER, S. (orgs.) Na Companhia das Vozes. Para uma anlise da experincia de ouvir vozes. Lisboa: Estampa, 1997.
SARACENO, B. Manual de sade mental. 2 ed. So Paulo: Hucitec, 1997.
______. Libertando Identidades: da reabilitao psicossocial cidadania possvel. Rio de Janeiro: Instituto Franco Basaglia, 1999.
SCHUTZ, A. On multiple realities. Philosofy and Phenomenological Research, v. 5, n. 4, p. 533-576, 1945.
SERPA JR., O.D.; LEAL, E.M. Schizophrenia, Experience and Culture. Dialogues in Philosophy, Mental and Neuro Sciences, v. 3, n. 2, p. 50-51, 2010.
SERPA JR., O.D. et al. A incluso da subjetividade no ensino da psicopatologia Interface. Comunicao, Sade e Educao. Botucatu, v. 11, p. 207-222, 2007.
SMITH, J.A.; FLOWERS, P.; LARKIN, M. Interpretative Phenomenological Analysis: Theory, Method and Research. London: Sage, 2009.
TENRIO, F. A psicanlise e a clnica da Reforma Psiquitrica. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
THORNICROFT, G.; TANSELLA, M. Quais so os argumentos a favor da ateno comunitria sade mental?. Pesquisas e Prticas Psicossociais. So Joo del-Rei,v. 3, n. 1, p. 9-25, 2008.
VERMERSCH, P. Lentretien dexplicitation. Paris: ESF, 2006.
Notas1 A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (Edital MCT/CNPq/CTSade/ MS/SCTIE/DECIT n 33/2008) e os autores declaram no haver conflito de interesses.2 O.D. Serpa Jr: coordenador geral da pesquisa e do campo Rio de Janeiro. Elaborao do projeto de pesquisa. Participao em reunies multicntricas de pesquisa para construo, organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Conduo de grupos focais no Rio de Janeiro e Salvador. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Participao na redao e reviso da verso final do artigo. R. Onocko-Campos: coordenadora do campo Campinas. Elaborao do projeto de pesquisa. Par-ticipao em reunies multicntricas de pesquisa para construo, organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Participao na redao e reviso da verso final do artigo. N. Malajovich: elaborao do projeto de pesquisa. Participao em reunies multicntricas de pesquisa para construo, organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Conduo de grupos focais no Rio de Janeiro. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Participao na redao e reviso da verso final do artigo. A.M. Pitta: coordenadora do campo Salvador. Ela-borao do projeto de pesquisa. Participao em reunies multicntricas de pesquisa para construo,
| Oct
avio
Ser
pa J
unio
r et
al.
|
1076
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Conduo de grupos focais em Salvador. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Participao na redao e reviso da verso final do artigo. A.G. Diaz: implementao prtica do campo Campinas. Elaborao do projeto de pesquisa. Par-ticipao em reunies multicntricas de pesquisa para construo, organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Conduo de grupos focais em Campinas. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Reviso da verso final do artigo. C. Dahl: elaborao do projeto de pesquisa. Participao em reunies multicntricas de pesquisa para construo, organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Conduo de grupos focais no Rio de Janeiro e Campinas. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Participao na redao e reviso da verso final do artigo. E. Leal: elaborao do projeto de pesquisa. Participao em reunies multicntricas de pesquisa para construo, organizao do campo emprico e ajustes metodolgicos para os procedimentos de recrutamento e coleta de dados. Conduo de grupos focais em Campinas e Salvador. Participao em reunies multicntricas para anlise e interpretao dos dados. Participao na redao e reviso da verso final do artigo.
Physis Revista de Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 4 ]: 1053-1077, 2014
Exp
eri
ncia
, nar
rati
va e
con
heci
men
to: a
per
spec
tiva
do
psiq
uiat
ra e
a d
o us
uri
o
1077
Experience, narrative and knowledge: the perspective of the psychiatrist and the userThis study, conducted in a partnership composed by UFRJ, UNICAMP and UFBa, wanted to investigate the experience of people with a diagnosis of schizophrenia spectrum disorder, in treatment in CAPS, and the experience of psychiatrists inserted in the public mental health care services. Narratives related to health and illness, in the case of people with schizophrenia, and narratives about the process of formulation of the schizophrenia diagnosis, prognosis and treatment in the case of psychiatrists, were studied. This is a qualitative, multicenter study, informed by the theoretical approaches of Interpretative Phenomenological Analysis and Medical Anthropology held in Campinas, Rio de Janeiro and Salvador. The main methodological tool used for the production of narratives were focus groups. Procedures of the Explicitation Interview were incorporated. The categories identified in this study were Illness Experience, Diagnosis of Schizophrenia, Social Stigma, Recovery Experience, and Treatment and dynamic context of CAPS. The narratives that composed each category were presented and discussed in order to give visibility to the elements characterizing the narratives-experiences, indicating how it configures its complexity.
Key words: illness experience; narrative; schizophrenia.
Abstract