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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 692 (Ano VIII) (01/9/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 692 · 01/09/2016 (ano VIII) ISSN ... Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha. Coordenador

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 692

(Ano VIII)

(01/9/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–-

 

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        1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56525 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 692 de 01/09/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

01/09/2016 Roberto Monteiro Pinho 

» Morosidade e o livre convencimento do juiz

ARTIGOS  

01/09/2016 José Gabriel Pontes Baeta da Costa » Da aplicabilidade do incidente de deslocamento de competência 

01/09/2016 Maria Eduarda Andrade e Silva 

» Forma de devolução dos valores devidos à fazenda pública: revogação da decisão 

judicial antecipatória de tutela e benefícios previdenciários recebidos indevidamente 

01/09/2016 Felipe Farias Coimbra 

» Pedágio: Uma análise histórica interna e externa e a sua natureza jurídica 

01/09/2016 André Beltrão Gadelha de Sá 

» Considerações gerais sobre o aborto 

01/09/2016 Alexsandro Santos Carvalho Filho 

» Projeto de Lei que cria o dia da literatura de cordel em Sergipe 

01/09/2016 Thaís Ramos de Barros Cavalcanti 

» Aspectos jurídicos do gerenciamento dos resíduos sólidos de serviços de saúde 

MONOGRAFIA 

01/09/2016 Giovanna Brandão de Araújo » A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou judicialização e a 

responsabilidade solidária do Município de Almenara com os demais entes federativos 

no fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de 

Lupus 

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        3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56525 

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www.conteudojuridico.com.br

MOROSIDADE E O LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ

 ROBERTO  MONTEIRO  PINHO:  Foi  diretor  de Relações  Internacionais da Confederação Geral dos Trabalhadores  (CGT),  editor  do  Jornal  da  Cidade, subeditor  do  Jornal  Tribuna  da  Imprensa, correspondente  internacional,  juiz  do  trabalho  no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e a Seção de Dissídios Coletivos  ‐ SEDIC, é membro da Associação Brasileira de Imprensa ‐ ABI, escritor, jornalista, radialista, palestrante na área de RH,  cursou  sociologia, direito, é  consultor  sindical, no  setor  privado  é  diretor  de  RH,  especialista  em Arbitragem (Lei 9.307/96

tem levado alguns intérpretes da Lei 13.105/2015 entender que não mais

existe no Brasil o princípio do livre convencimento motivado. O que vem a ser um

equívoco, se deixar levar pela ausência do diploma. No mais é de se apreciar, que

“o livre convencimento”, é parte integrante do arcabouço jurídico, cabendo ao

julgador, data venia, lançar mão da espontânea dicção legal, sem prejuízo da

segurança jurídica.

Em que pese o “livre convencimento” na fase de instrução, a luz da presença

das partes, creio ser temerário, o livre convencimento fora deste cenário. Um dos

exemplos está na execução, já que no art. 831 do Novo CPC, “a penhora deverá

recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,

dos juros, das custas e dos honorários advocatícios” e, deve seguir a ordem de

preferência, estando o “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em

instituição financeira” a frente dos demais bens, tal qual previsto no art. 835.

O “livre convencimento” pode se tornar uma arma diabólica para a

credibilidade do judiciário (que já não é das melhores). O Órgão Especial do TJ/SP

decidiu há pouco instaurar processo administrativo disciplinar contra a juíza Juliana

Nobre Correia, da 2ª vara do JEC Central de SP.

Alvo de duas representações, a magistrada foi acusada de extinguir processos

sem análise de mérito de maneira reiterada e sistemática. Após a realização de

apuração e análise, o corregedor geral constatou que as ações mostram um

comportamento direcionado à negativa de jurisdição. Em outras palavras: "negar a

essência da função que nós exercemos como magistrados". Trocando em

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números: de 938 sentenças que extinguiram o processo – analisadas durante

determinado período –, 302, ou 1/3, fundamentaram-se no art. 51, III, da lei

9.099/95. Explicou.

A bem da verdade o Judiciário é um poder

verticalizado, em que as instâncias inferiores devem, como

regra, aplicar a lei tal como interpretada pelas cortes

superiores (vide arts. 103-A da CF e arts. 543-A e 543-C, do

CPC/1973) –, a novel regra é de interpretação da lei, não de

valoração da prova (que continua sendo livre).

O CPC/2015 não excluiu o julgador, tolhendo qualquer espaço de liberdade

decisória. Além da autonomia na valoração motivada da prova, mesmo em matéria

de interpretação do Direito há espaço para a liberdade de convicção. O art. 489, §

1º, VI, do CPC/2015, ao indicar, a contrario sensu, que o juiz pode deixar de seguir

enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, desde que

demonstre, através de fundamentação idônea, a existência de distinção no caso

em julgamento (distinguishing) ou a superação do entendimento (overrulling), prova

isso.

O que houve, portanto, foi apenas o advento de uma disciplina mais clara do

método de trabalho do juiz, não a extinção da autonomia de julgamento. Equivale

dizer que a prova dentro da lei, não é suficiente para atender o direito da demanda.

Parece-me estranho que a cada momento o judiciário por vozes da sua mais

alta Corte, rediscute e informatização do processo judicial. Uma proposta que

visava e era apregoada como a mais eficaz para combater a morosidade, parece

que mergulhou no infinito do nada.

Mas a exemplo de medidas anteriores, saudadas como salutar, a qualidade e

agilidade da prestação judiciária, este apenas beneficia o fluxo interno do trabalho,

enquanto o destinatário, principal ator neste mar de tormenta eletrônica, padece e

se vê fustigado da pior e mais desprezível forma, provocada pela má qualidade

latente e continua do sistema.

Isolados na soberba, onde dirigentes de tribunais (que são juízes), promovem

reformas para tão somente os cartórios e secretarias trabalharem cada vez menos

e os advogados, cada vez mais.

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DA APLICABILIDADE DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA

JOSÉ GABRIEL PONTES BAETA DA COSTA: Graduado em Direito pela PUC/MG, campus Poços de Caldas. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera/UNIDERP. Advogado inscrito na OAB/MG, atuante nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Penal e Civil.

RESUMO:  A  Emenda  Constitucional  nº.  45/04  criou  um  novo  instituto 

jurídico,  chamado  de  incidente  de  deslocamento  de  competência, 

aplicável  nas  hipóteses  de  graves  violações  aos  direitos  humanos, 

ensejando a transferência do  inquérito ou da ação  judicial às  instâncias 

federais. Esta criação levou a grandes discussões doutrinárias, em função 

de uma aparente violação a alguns princípios constitucionais, como o juiz 

natural, o contraditório, a ampla defesa, o pacto federativo e a segurança 

jurídica.  O  escopo  do  presente  artigo  foi  o  de  ponderar  sobre  a 

constitucionalidade  do  incidente  de  deslocamento  de  competência, 

adequando‐o ao ordenamento  jurídico pátrio através dos princípios da 

razoabilidade  e  da  proporcionalidade,  trazendo  à  tona  algumas  lições 

sobre os mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos e 

analogias à federalização através de casos concretos, como os incidentes 

suscitados até hoje, primando pela  sua aplicabilidade no ordenamento 

jurídico pátrio. 

Palavras‐chave:  Incidente.  Deslocamento  de  competência.  Direitos 

humanos.  Federalismo.  Princípios  constitucionais.Cláusulas  Pétreas. 

Proporcionalidade. 

ABSTRACT: The Constitutional Amendment 45 / 04 created a new  legal 

institute,  called  the  incident  displacement  of  jurisdiction,  applicable  in 

cases of serious human rights violations, allowing for the transfer of the 

investigation  or  the  lawsuit  to  federal  authorities.  This  creation  led  to 

major  doctrinal  discussions,  due  to  an  apparent  violation  of  some 

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constitutional principles, as the natural judge, the contradictory, the legal 

defense,  the  federal pact and  legal certainty. The  scope of  the present 

paper was to examine the constitutionality of the incident displacement 

of  competence,  adapting  it  to  the  national  legal  system  through  the 

principles  of  reasonableness  and  proportionality,  bringing  up  some 

lessons about  international mechanisms of human rights protection and 

analogies  to  the  federalization  through  specific  cases,  such  incidents 

raised to date, striving for its applicability in the national legal system. 

Keywords:  Incident.  Displacement  of  competence.  Human  rights. 

Federalism. Constitutional principles. Immutable clauses. Proportionality.  

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. DIREITOS HUMANOS. O sistema interamericano 

de proteção dos direitos humanos e as obrigações assumidas pelo Brasil. 

A FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES GRAVES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS. 

Requisitos  e  pressupostos  para  o  deslocamento  de  competência. 

Existência  de  grave  violação  aos  direitos  humanos.  Assegurar  o 

cumprimento de obrigações  internacionais de direitos humanos.  Inércia 

ou  incapacidade  das  autoridades  responsáveis  de  responder  ao  caso 

específico.  ARGUMENTOS  CONTRÁRIOS  À  CONSTITUCIONALIDADE  DO 

INCIDENTE.  ARGUMENTOS  FAVORÁVEIS  À  CONSTITUCIONALIDADE  DO 

INCIDENTE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 

INTRODUÇÃO 

A Emenda Constitucional nº 45/04, comumente conhecida por 

“reforma  do  Judiciário”,  introduziu  no  ordenamento  jurídico  pátrio, 

dentre outros  institutos, o  Incidente de Deslocamento de Competência, 

representado pela sigla IDC. 

Tal  incidente  se  afigura  através da  interpretação  extraída da 

norma contida no § 5º do artigo 109 da Constituição Federal, o qual prevê 

a  possibilidade  de  o  Procurador‐Geral  da  República  suscitar  perante  o 

Superior  Tribunal  de  Justiça,  em  qualquer  fase  do  inquérito  ou  do 

processo, o aludido  incidente de deslocamento de competência, com o 

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fito de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados 

internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário. 

O dispositivo legal em comento prevê, pois, a federalização dos 

crimes graves contra os direitos humanos, consistindo na possibilidade de 

deslocamento de competência da Justiça Comum para a Justiça Federal 

nas hipóteses em que houver configurada uma grave e clara violação de 

direitos humanos. 

Impende  ressaltar  que  para  o  deferimento  do  aludido 

deslocamento,  faz‐se  necessário  a  comunhão  de  alguns  requisitos 

objetivos, extraídos da redação do parágrafo 5º do supracitado artigo 109, 

assim  como  a  harmonização  com  os  princípios  constitucionais  que 

tangenciam toda a atividade jurisdicional. 

Neste ponto,  insta consignar que desde o seu nascimento, tal 

norma  fora  alvo  de  severas  críticas  dentro  das  acaloradas  discussões 

jurídicas,  mormente  em  face  de  supostas  violações  a  princípios 

consagrados na Constituição Federal, destacando‐se a possível afronta ao 

princípio do Juiz Natural, ao contraditório e a ampla defesa. 

Por  conseguinte,  o  presente  estudo  objetiva  analisar  a 

compatibilidade do  Incidente de Deslocamento de Competência  com a 

Constituição Federal, e, por consequência, com o ordenamento  jurídico 

vigente. 

Anote‐se que o propósito não é esgotar as concepções teóricas 

acerca dos direitos humanos e/ou constitucionais, mas analisar o referido 

instituto  à  luz  de  uma  hermenêutica  constitucional  que  sufraga  pela 

prevalência  e  defesa  dos  direitos  humanos  e  pela  harmonização  e 

constitucionalidade da “Federalização” em comento. 

Para  tanto,  utilizar‐se‐á  da  o  método  dedutivo,  através  do 

levantamento  bibliográfico  para  fins  de  pesquisas,  tendo  como  fonte 

primordial  a  doutrina  brasileira,  o  direito  estrangeiro  comparado  e  a 

jurisprudência,  assim  como  eventuais  fontes  necessárias  para  o  bom 

desenvolvimento do tema abordado. 

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DIREITOS HUMANOS

Para uma eficaz compreensão do tema objeto deste estudo é 

imprescindível conhecer um pouco acerca dos direitos humanos,  tendo 

em vista que sua violação ou grave ameaça é um dos requisitos para o 

deslocamento de competência.

Sucintamente, pode‐se asseverar que os direitos humanos são 

direitos tidos como fundamentais ao ser humano, fazendo parte das suas 

necessidades mais  básicas.  Sem  a  garantia  de  tais  direitos,  a  vida  em 

sociedade tornar‐se‐ia inviável ou ficaria prejudicada. 

Não se pode olvidar que o ser humano é tido com sujeito da 

história e, como tal, a constrói ao longo dos anos, trazendo consigo traços 

inerentes à sua personalidade. Neste diapasão, Hanna Arendt  (1979, p. 

32)  afirma  que  “os  direitos  humanos  não  são  um  dado,  mas  um 

construído, uma invenção humana, em constante processo de construção 

e reconstrução”. 

Pelo magistério de Alexandre de Moraes (1998), tais direitos se 

afiguram como previsões necessárias a todas as Constituições, no sentido 

de  consagrar  o  respeito  à  dignidade  humana,  assim  como  garantir  a 

limitação de poder  e oportunizar o desenvolvimento da personalidade 

humana. 

Ressalta‐se que tais direitos são construídos ao longo do tempo, 

evoluindo ao lado da própria sociedade, na constante busca por meios que 

garantam uma sobrevivência digna a cada ser humano. 

Nesta esteira,  importante o ensinamento de Dalmo de Abreu 

Dallari: 

Todos os seres humanos devem ter asseguradas, 

desde  o  nascimento,  as  condições  mínimas 

necessárias  para  se  tornarem  úteis  à  humanidade, 

como também, devem ter a possibilidade de receber 

os  benefícios  que  a  vida  em  sociedade  pode 

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proporcionar.  Esse  conjunto  de  condições  e  de 

possibilidades associa as características naturais dos 

seres humanos, a capacidade natural de cada pessoa 

e  os meios  de  que  a  pessoa  pode  valer‐se  como 

resultado da organização social. É esse conjunto que 

se dá o nome de direitos humanos (DALLARI, 2004, p. 

12). 

No magistério  de Herkenhoff  (1997)  entende‐se  por  direitos 

humanos  aqueles  direitos  tidos  como  fundamentais,  que  integram  a 

personalidade  do  indivíduo  pelo  simples  fato  de  ser  considerado 

“humano”. Outrossim, são direitos que não resultam de uma concessão 

da sociedade política, pelo contrário, tal sociedade possui o dever de os 

consagrá‐los e protegê‐los. 

Uma vez reconhecida a existência dos direitos humanos emerge 

a discussão da necessidade de afirmação desses direitos no plano teórico‐

normativo: de um lado e sua efetividade e de outro, sua aplicação fática. 

O binômio da teoria do direito e da sua aplicação na realidade é um dos 

principais problemas que assolam a democracia contemporânea. Isto é, a 

existência  dos  direitos  humanos  pode  ser  facilmente  comprovada, 

entretanto,  sua  aplicação  fática  e  garantia  por  parte  do  Estado 

Democrático de Direito nem sempre se concretizam. 

Insta destacar que em um primeiro momento histórico, nem 

todo ser humano era detentor dos direitos supracitados. Somente através 

de  revoluções,  guerras  e  revoltas,  que  se  concederam  direitos  a  uma 

camada maior da população, abrangendo classes até então esquecidas, 

em um lento processo de evolução. 

Nesta esteira, preleciona Norberto Bobbio: 

Os direitos do homem, por mais  fundamentais 

que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos 

em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em 

defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e 

nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e 

nem de uma vez por todas (1992, p. 05). 

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Insta  salientar  que  os  direitos  humanos  possuem  uma 

característica peculiar que lhes permite ter aspecto formal, tendo em vista 

que  são  consolidados  por  leis,  através  de  tratados  internacionais, 

incorporando as Constituições contemporâneas. 

Nesta  esteira,  Flávia  Piovesan  (2006)  afirma  que  a  partir  da 

Declaração  Universal  dos  Direitos  Humanos,  introduziu‐se  o  conceito 

hodierno  de  direitos  humanos,  cujas  características marcantes  são:  a 

universalidade, indivisibilidade e a interdependência. Segue o magistério 

mencionado: 

Universalidade  porque  clama  pela  extensão 

universal dos direitos humanos, sob a crença de que 

a  condição  de  pessoa  é  o  requisito  único  para  a 

dignidade e  titularidade de direitos.  Indivisibilidade 

porque  a  garantia  dos  direitos  civis  e  políticos  é 

condição  para  a  observância  dos  direitos  sociais, 

econômicos  e  culturais  e  vice‐versa.  Quando  um 

deles é violado, os demais também são. Os direitos 

humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, 

interdependente  e  inter‐relacionada,  capaz  de 

conjugar  o  catálogo  de  direitos  civis  e  políticos  ao 

catálogo de direitos  sociais, econômicos e culturais 

(PIOVESAN, 2006, p. 216). 

Através  da  universalidade  e  da  indivisibilidade  é  possível 

garantir  tais  direitos  dentro  de  qualquer  ordenamento  jurídico 

contemporâneo,  primando  pelo  Estado  Democrático  de  Direito.  Souza 

Cruz  (2001)  ensina  que  o  quadro  dos Direitos Humanos  se  integra  ao 

modelo  de  qualquer  constituição  democrática,  haja  vista  que  são 

elementos  indissociáveis,  tais  quais  os  órgãos  vitais  são  para  o  corpo 

humano. 

A  Constituição  Federal  se  encarrega  de  ditar  os  parâmetros 

gerais  que  tangenciam  a  proteção  e  aplicação  dos  direitos  humanos, 

ficando a cargo do legislador infraconstitucional estabelecer os caminhos 

que  deverão  ser  seguidos  para  a  concretização  destes  direitos.  Nesta 

senda,  é  sob  a  tutela  da  Constituição  Federal  de  1988  que  os  direitos 

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humanos passam a ser valorados com maior intensidade, ressaltando que 

a Emenda Constitucional nº. 45/04, através da norma contida no § 3º do 

artigo  5º,  elevou  os  tratados  internacionais  sobre  direitos  humanos  à 

equivalência de emendas constitucionais, após a aprovação em cada Casa 

do Congresso Nacional, em dois  turnos, por  três quintos dos votos dos 

respectivos membros. 

Flávia Piovesan assevera que “a Constituição de 1988 é o marco 

jurídico da transição democrática e da  institucionalização dos direitos e 

garantias  fundamentais.  O  texto  demarca  a  ruptura  com  o  regime 

autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático 

pós‐ditadura” (PIOVESAN, 2003, p. 39). 

O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e as

obrigações assumidas pelo Brasil

No  âmbito  da  Organização  dos  Estados  Americanos  existem 

diversos  atos  internacionais  que  fixam  o  contexto  normativo  para  a 

proteção dos direitos humanos, sendo patente que o documento central 

do  aludido  sistema  interamericano  é  a  Convenção  Americana  sobre 

Direitos Humanos, conhecida por “Pacto de São José da Costa Rica”.

A referida Convenção, adotada em 22 de novembro de 1969, 

consagra em seus 82 artigos um extensivo rol de garantias dentre as quais, 

destacam‐se  a  existência  da  Comissão  Interamericana  de  Direitos 

Humanos,  bem  como  da  Corte  Interamericana  de  Direitos  Humanos, 

responsáveis por atuar no sistema em cotejo, com funções que se aplicam 

a  todos  os  Estados‐membros  da Organização  dos  Estados Americanos, 

independentemente de terem ratificado ou não o Pacto de São José da 

Costa Rica. (CAZETTA, 2009) 

A  Comissão  Interamericana  de  Direitos  Humanos  tem  como 

função precípua promover a observância e a defesa dos direitos humanos, 

assim  como  as  atribuições  que  decorrem  do  artigo  41  da  Convenção 

alhures mencionada.[1]  

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De outra banda, a Corte  Interamericana de Direitos Humanos 

tem  importante papel de  intérprete final do estatuto  interamericano de 

direitos humanos, podendo manifestar‐se quanto à correta interpretação 

das  obrigações  assumidas  pelos  Estados  que  integram  o  bloco 

supracitado. 

No  que  tangencia  ao  Brasil,  além  dos  impactos  da 

jurisprudência da Corte na  interpretação das obrigações assumidas pelo 

país,  que  devem  ser  levados  em  consideração  na  implementação  das 

políticas  públicas,  na  atuação  judicial  e  na  formulação  legislativa,  já 

subsistem  alguns  precedentes  importantes,  como  no  caso  “Ximenes 

Lopes”,  que  resultou  na  primeira  condenação  brasileira  por 

descumprimento  de  obrigação  internacional  de  proteção  aos  direitos 

humanos. [2] 

Ademais, o Brasil adotou uma variedade de atos internacionais 

de proteção dos direitos humanos, firmados na seara da Organização das 

Nações Unidas  e,  posteriormente,  à  Declaração Universal  dos  Direitos 

Humanos,  vindo  a  ratificar  inúmeros  instrumentos  específicos, 

destacando  o  já  citado  Pacto  de  São  José  da  Costa  Rica,  os  Pactos  de 

Direitos Civis e Políticos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, as 

Convenções sobre a eliminação da escravidão, a repressão aos crimes de 

genocídio,  decorrentes  de  gênero  ou  raça,  tortura,  tráfico  de  seres 

humanos, dentre outros. (CAZETTA, 2009) 

Nesse contexto de regras e obrigações assumidas pelo Estado 

brasileiro,  através  da  implementação  de  políticas  públicas  eficazes, 

reconhecendo  a  imperiosa  necessidade  de  cumprimento  das  regras 

internacionais de direitos humanos, ganha destaque a efetiva repressão e 

combate  aos  crimes  que  atentem  violentamente  contra  os  direitos 

humanos, dando o devido enfoque para o Incidente de Deslocamento de 

Competência e suas repercussões no plano teórico‐normativo, mormente 

em  face da  sua  suposta  inconstitucionalidade, consoante avençado por 

diversas vozes. 

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A FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES GRAVES CONTRA OS

DIREITOS HUMANOS

De maneira sucinta, importa aduzir que a referida federalização 

dos  crimes  graves  contra  os  direitos  humanos  fora  inserida  no 

ordenamento  jurídico  vigente  através  da  Emenda  Constitucional  nº. 

45/04. Contudo, a previsão de julgamento de crimes em geral pela Justiça 

Federal,  conforme  previsto  em  tratados  internacionais,  remete‐se  à 

Constituição Federal de 1967.

Convém relembrar que o regime militar havia recriado a Justiça 

Federal  através do Ato  Institucional nº 2, promulgado em 1965. Nesta 

esteira, o referido regime ditatorial apresentou um projeto para uma nova 

Constituição,  através  de  um  processo  constituinte  contestável,  que 

resultou  na  aprovação  da  Carta  Maior  de  1967,  cuja  característica 

marcante era o controle sobre os atos do governo, atrasando as decisões 

judiciais  em que  ainda  seriam  aplicáveis  as normas da Constituição de 

1946 (SARLET, 2006, p. 39). 

Passado uma década, veio a Emenda Constitucional nº 7, data 

de  13  de  abril  de  1977,  a  qual  incluía no  artigo  125  o  seguinte  texto: 

“quando,  iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter 

ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”, conferindo à Justiça Federal 

a  competência  das  hipóteses  que  posteriormente  seriam  previstas  na 

Constituição de 1988. 

Já no ano e 1996,  fora editado o primeiro Plano Nacional de 

Direitos Humanos, sendo então, encaminhado ao Ministro da Justiça da 

época,  Nelson  Jobim,  a  primeira  proposta  de  federalização  os  crimes 

contra os direitos humanos, através do Projeto de Emenda Constitucional 

nº 368‐A de 13 de maio do corrente ano. Neste contexto, tal proposta fora 

apensada à Proposta e Emenda Constitucional nº 96/92 que originou a 

Reforma do Judiciário, anos após. Com muitas discussões acaloradas, no 

ano de 2000 modificou‐se o texto, o qual fora aprovado (SARLET, 2006, p. 

39). 

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Posteriormente, fora aprovada a última redação pelo Senado, 

em  primeiro  turno,  na  data  de  7  de  julho  de  2004,  resultando  na 

aprovação definitiva em plenário no dia 17 de novembro de 2004, sendo 

promulgada a Emenda Constitucional nº 45/04 na data de 8 de dezembro 

de 2004 e publicada em 31 de dezembro do mesmo ano. [3] 

Outrossim,  cumpre  anotar  que  a  federalização  dos  crimes 

contra os direitos humanos não  é única medida que  transfere  à  seara 

federal  uma  competência  que  não  lhe  é  originária.  Sem  adentrar  em 

maiores discussões, fugindo do escopo principal deste estudo, importante 

apenas mencionar a Lei nº 10.446/02 que dispõe sobre as infrações penais 

de repercussão interestadual ou internacional, em atendimento ao artigo 

144 da Constituição Federal[4], atribuindo à Polícia Federal a competência 

para proceder com a investigação, independente da responsabilidade dos 

órgãos de segurança do Estado (BONAVIDES, 2010, p. 523). 

Urge  destacar,  pois,  que  o  incidente  de  deslocamento  de 

competência  representa  apenas  uma  das  medidas  possíveis  de 

transferência  da  competência  estadual  para  a  federal.  Destarte,  seus 

requisitos  e  pressupostos  que  o  diferenciam  dos  demais  instrumentos 

serão adiante sublinhados. 

Requisitos e pressupostos para o deslocamento de competência

A norma contida no artigo 109, inciso V e em seu § 5º, é apta e 

clara a demonstrar como tem início o procedimento de deslocamento de 

competência, deixando  implícito que não compete ao Procurador‐Geral 

da  República  emitir  qualquer  decisão  acerca  do  cabimento  ou  não  da 

medida pleiteada. Para este, caberá apenas a análise dos pressupostos 

constitucionais que dão azo à propositura do deslocamento em cotejo.[5]

Da leitura das normas supracitadas, pode‐se asseverar que para 

subsista a prerrogativa de federalização em estudo, três requisitos básicos 

devem  coexistir,  sendo  eles:  a  existência  de  uma  grave  violação  aos 

direitos humanos, a necessidade de assegurar o cumprimento de tratado 

internacional do qual o Brasil seja signatário e a inépcia ou incapacidade 

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das  autoridades  originariamente  competentes  para  responder  ao  caso 

específico. 

Existência de grave violação aos direitos humanos

De plano,  impende mencionar que não  se  trata de qualquer 

violação aos direitos humanos, mas sim, de grave violação. Nesta seara, 

surge  uma  acalorada  discussão  doutrinária  do  conceito  exato  do  que 

seriam as “graves violações” aduzidas.

Destarte, o exato conteúdo da expressão “direitos humanos” 

também  suscita  grande  debate,  vez  que  o  legislador  transferiu  a 

responsabilidade  de  conceituar  tais  temas  para  a  doutrina  e  a 

jurisprudência. Anote‐se que o presente estudo não busca esgotar  tais 

questões,  objetivando  apenas  descrever  um  cenário  propício  para 

adentrar nos argumentos favoráveis e contrários ao instituto em análise. 

Acerca da gravidade das  lesões ou violações, em que pese o 

silêncio do  legislador, é grande a  contribuição da doutrina e do direito 

comparado para que se configure tais violações. 

De imediato, é premente destacar que se trata de um conceito 

jurídico  indeterminado,  traço  característico  dos  textos  constitucionais 

contemporâneos,  o  que  não  inviabiliza  a  aplicação  do  preceito 

constitucional, mas enseja uma análise hermenêutica mais aprofundada. 

A indeterminação de conceitos é uma técnica que visa evitar o 

engessamento  do  ordenamento  jurídico,  conferindo  a  necessária 

permeabilidade,  se afigurando como expressões propositalmente vagas 

que  são  utilizadas  pragmaticamente  pelo  legislador,  com  o  fito  de 

propiciar o ajuste de certas normas a uma realidade cambiante ou ainda 

pouco conhecida. (FARIA, 1993, p. 139) 

O  Superior  Tribunal  de  Justiça  ao  julgar  o  Incidente  de 

Deslocamento  de  Competência  IDC‐1,  sufragou  como  adequada  a  não 

definição de um rol taxativo do que seriam graves violações, permitindo a 

flexibilização da norma diante do caso concreto, in verbis: 

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Dada a amplitude e a magnitude da expressão 

“direitos humanos”, é verossímil que o constituinte 

derivado  tenha optado por não definir um  rol dos 

crimes que passaram para a competência da Justiça 

Federal, sob pena de restringir os casos de incidência 

do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando‐o de sua 

finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento 

de  obrigações  decorrentes  de  tratados 

internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, 

examinando‐se  cada  situação  de  fato,  suas 

circunstancias  e  peculiaridades  detidamente, 

motivo pelo qual não há de  se  falar em norma de 

eficácia  limitada.  Ademais  não  é  próprio  de  texto 

constitucional tais definições (BRASIL, 2005, p. 217).  

Pelas  palavras  do  relator,  um  rol  exemplificativo  dos  crimes 

considerados  como  graves  violações  poderia  criar  uma  banalização  do 

instituto  da  federalização,  fugindo  do  princípio  básico  do  texto 

constitucional.  Assim,  cada  caso  deve  ser  analisado  sob  o  prisma  dos 

princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. 

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça ao  julgar o “caso 

Manoel Mattos” [6] (IDC‐2) decidiu que é de responsabilidade do referido 

órgão  examinar  o  caso  concreto,  observando  a  razoabilidade  e  a 

proporcionalidade  da medida,  dando  efetividade  ao  deslocamento  de 

competência, superando a subjetividade legislativa do mesmo. 

Para o doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira, a medição de 

gravidade da violação aos direitos humanos não está na violência do ato 

em  si, mas  “ao  grau  de  repercussão  a  conduta,  em  relação  à  efetiva 

possibilidade de intervenção da Administração e das autoridades federais 

para a repressão e prevenção de tais delitos” (OLIVEIRA, 2005, p. 202). 

No  que  se  refere  à  concepção  de  “direitos  humanos”,  urge 

destacar  que  se  trata  de  temática  extensa,  que  não  se  adequaria  a 

principal proposta deste estudo. Para tanto, importa trazer à baila que a 

concepção de direitos humanos ultrapassa a institucionalização da política 

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estatal, impondo certa dimensão jusnaturalista, uma vez que são direitos 

inerentes à personalidade humana independente de reconhecimento do 

Estado para que sejam validados. 

Um conceito recorrente, sustentado por Ingo Sarlet, denota que 

os  direitos  humanos  são  aqueles  direitos  previstos  em  textos 

constitucionais,  posto  que  ao  atingirem  a  consagração  na  Constituição 

Federal,  passariam  a  ser  considerados  como  direitos  fundamentais 

(SARLET, 1998, p. 31). 

Embora  extremamente  útil,  tal  intepretação  não  pode  ser 

levada  à  cabo,  aplicada  de  maneira  automática,  pois  se  assim  fosse, 

haveria  a  exclusão  do  âmbito  do  incidente  de  deslocamento  de 

competência  todo  e  qualquer  direito  assegurado  pelo  Texto 

Constitucional  de  1988,  visto  que  os  direitos  humanos  se  tornariam 

fundamentais,  esvaziando  o  campo  de  atuação  do  deslocamento  em 

questão (CAZETTA, 2009, p. 149). 

Luciano Mariz Maia, citado por Ubiratan Cazetta assevera que 

inexiste exclusividade científica no uso das expressões em cotejo, visto 

que  os  direitos  humanos  já  responderam  pelo  nome  de  direitos 

individuais, civis, políticos,  liberdades fundamentais, direitos do homem 

etc, sendo destituído de razão que se considerem como direitos humanos 

apenas  aqueles  previstos  em  tratados  internacionais,  e  como  direitos 

fundamentais  àqueles  mesmos  direitos  integrados  na  Constituição 

Federal (MAIA apud CAZETTA, 2009, p. 149). 

Complementando  as  afirmações  retro, Mario  Luiz  Bonsaglia 

sustenta uma interpretação mais ampla do conceito de direitos humanos, 

aduzindo que: 

[...] quando se fala em “crimes contra os direitos 

humanos” naturalmente está a se considerar aquelas 

infrações mais graves, que atentam contra os direitos 

humanos  não  apenas  garantidos  na  Constituição  e 

leis  federais,  mas,  também,  por  sua  especial 

relevância,  consagrados  em  instrumentos 

internacionais, como convenções e  tratados, a cuja 

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observância  o  Brasil  encontra‐se  vinculado 

(BONSAGLIA, 2006, p. 02) 

Contudo,  insta  consignar  que,  se  não  é  correto  uma  leitura 

estrita sobre os direitos humanos, também não é razoável que se adote 

um conceito demasiadamente abrangente, como no caso da possibilidade 

de  suscitação  do  incidente  de  deslocamento  em  qualquer  persecução 

criminal. 

Para tanto, deve‐se buscar um elemento diferencial, um ponto 

de  inflexão  que  demande  a  premente  necessidade  de  alteração  da 

competência,  derivada  da  conjugação  de  várias  situações,  objetivas  e 

subjetivas,  como  o  contexto  em  que  atuava  a  vítima,  a  vinculação  da 

ofensa  a  uma  reiterada  atuação  estatal  ilícita,  a  uma  tentativa  de 

intimidação  de  minorias  ou  a  prática  de  crimes  internacionalmente 

reconhecidos como hediondos, rememorando que o Direito Internacional 

Público  possui  o  chamado  “núcleo  duro”  de  direitos  que  devem  ser 

preservados  pela  humanidade,  tais  quais  standarts  mínimos  que 

constituem  a  definição  de  crimes  contra  a  humanidade,  ressaltando 

dentre eles, a escravidão, a execução sumária, as detenções arbitrárias, as 

discriminações de toda espécie, a tortura, a violência sexual ou contra a 

mulher e a violência contra aqueles indivíduos considerados mais frágeis, 

como crianças e idosos (CAZETTA, 2009, p. 151‐152). 

Nesta  seara,  se  manifestou  o  Superior  Tribunal  de  Justiça, 

quando do julgamento do primeiro incidente de deslocamento proposto: 

É  imprescindível,  todavia,  verificar  o  real 

significado da expressão “grave violação de direitos 

humanos”,  tendo  em  vista  que  todo  homicídio 

doloso, independente da condição pessoal da vítima 

e/ou  repercussão  do  fato  no  cenário  nacional  ou 

internacional, representa grave violação ao maior e 

mais importante de todos os direitos do ser humano, 

que é o direito à vida (BRASIL, 2005, p. 217) 

Assim,  o  conceito  de  “grave  violação”  guarda  enorme 

intimidade  com o  caso  concreto, o qual  será  analisado  sob  a égide da 

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proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de impedir a banalização do 

incidente de deslocamento de competência e o esvaziamento da Justiça 

estadual. 

Ademais, pode‐se arguir que a definição de graves violações aos 

direitos humanos será uma tarefa  imperativa, mas não subjetiva, diante 

dos inúmeros parâmetros e normas que possuem ligações com o sistema 

internacional de proteção destes direitos. Há de ser um crime que viole 

um bem de proteção jurídica elevada no sistema nacional e internacional, 

em circunstâncias excepcionais ou que representem práticas sistemáticas 

de violações a grupos vulneráveis (BARROSO, 2006, p. 40). 

Por  todo  o  exposto,  pode‐se  adentar  a  um  ponto  de 

convergência entre este primeiro requisito e um segundo: a garantia de 

que o Brasil cumpra as obrigações decorrentes de tratados internacionais 

de direitos humanos, dos quais seja signatário. Conclui‐se que a expressão 

“grave violação” deve ser analisada em cada caso concreto,  importando 

ainda,  a  responsabilidade  do  Estado  brasileiro  diante  de  tratados 

internacionais assumidos. 

Assegurar o cumprimento de obrigações internacionais de direitos

humanos

A  Emenda  Constitucional  nº  45/04  também  introduziu  no 

ordenamento  jurídico  pátrio  a  denominada  “constitucionalização  dos 

tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que 

aprovados  pelo  quorum  qualificado  das  emendas  constitucionais” 

conforme o artigo 5º, § 3º da Constituição Federal e ainda, a submissão 

do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, consoante o artigo 5º, § 4º da 

Constituição Federal (LENZA, 2009, p.339).

Ademais,  o  Brasil  é  signatário  de  uma  série  de  tratados  e 

convenções internacionais nos quais se compromete a apurar e punir os 

delitos  considerados  graves  contra  os  direitos  humanos, 

responsabilizando‐se perante cortes e organismos internacionais. 

Portanto, a violação em comento deve estar arrolada entre as 

quais a União tem o dever de reprimir, em decorrência da assinatura de 

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algum tratado internacional. A partir do momento em que o Brasil passa 

a se submeter ao Tribunal Penal Internacional e a Corte Interamericana de 

Direitos Humanos, cria‐se um rol de possibilidades de responsabilização. 

Nesta esteira, o segundo requisito para o deslocamento de competência 

reside justamente nesta possibilidade de responsabilização internacional 

do Brasil perante os tratados internacionais dos quais seja signatário. 

Neste  passo,  o  Procurador‐Geral  da  República  assim  se 

manifestou durante o julgamento do IDC nº 1: 

No  que  diz  com  a  possibilidade  de 

responsabilização  internacional  decorrente  do 

descumprimento  de  obrigações  assumidas  em 

tratados  internacionais,  é  de  se  ressaltar  que  a 

República  brasileira,  signatária  dos  principais  atos 

internacionais  de  proteção  de  direitos  humanos, 

responsabiliza‐se pelo efetivo  cumprimento de  tais 

obrigações, submetendo‐se tanto ao sistema global, 

quanto  ao  sistema  interamericano  de  direitos 

humanos, especialmente diante do reconhecimento 

da  jurisdição  da  Corte  Interamericana  de  Direitos 

Humanos (BRASIL, 2005, p. 217) 

Novamente, faz‐se necessário a análise de cada caso concreto, 

a  fim  de  que  seja  avaliado  se  os  fatos  narrados  configuram  o 

descumprimento de obrigação  internacional,  indicando aquela que  fora 

desrespeitada. 

Ainda, Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira ensinam que há 

vários  casos  contra  o  Brasil  pendentes  de  apreciação  na  Comissão 

Interamericana  de  Direitos  Humanos,  onde  alguns  apontam,  inclusive, 

para a responsabilidade direta da União em face da violação dos direitos 

humanos (PIOVESAN; VIEIRA, 2005, p. 08). 

Por  oportuno,  faz‐se  necessário  mencionar  que  o  Estado 

brasileiro  fora  condenado  perante  a  Corte  Interamericana  de  Direitos 

Humanos, através do caso “Ximenes Lopes”, alhures mencionado. 

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Ressalta‐se, por derradeiro, que não se trata de mera presunção 

de risco da responsabilidade internacional, mas sim de descumprimento 

explícito de obrigação anteriormente assumida pelo Estado brasileiro. 

Assim, presentes os dois primeiros requisitos contidos na letra 

da lei, mesmo que de caráter subjetivo, faz‐se necessário a existência de 

um  terceiro  pressuposto,  a  incapacidade  das  instâncias  e  autoridades 

locais em oferecer respostas efetivas à grave violação ocorrida. 

Inércia ou incapacidade das autoridades responsáveis de

responder ao caso específico

A omissão ou demora  injustificada na  resolução do crime, na 

sua apuração ou no seu julgamento, é um requisito implícito ao parágrafo 

5º do artigo 109 da Constituição Federal, tendo em vista que não haveria 

justificativa em deslocar a competência caso o órgão estadual responsável 

cumprisse  adequadamente  com  seu  dever  de  persecução  penal  e 

consequente julgamento.

Tal requisito elucida o caráter subsidiário do deslocamento, no 

qual, a federalização não pode ser entendida como prima ratio, ou seja, 

como primeira medida a ser tomada no caso de grave violação a direitos 

humanos. 

Em  verdade,  o  deslocamento  de  competência  é  medida 

excepcional,  de  caráter  subsidiário  tal  como  as  demais  medidas 

constitucionais que dispõem  sobre conflitos  federativos, pois  se não as 

fosse, o  legislador  teria  atribuído  a  competência diretamente  à  Justiça 

Federal.  Sendo  assim,  a  competência  do  Estado  federado  resta 

reafirmada, transferindo para o âmbito federal apenas os casos em que o 

poder estadual não possuir meios efetivos para reprimir e punir a grave 

violação aos direitos humanos (CAZETTA, 2009, p. 159). 

Outrossim,  analisando  o  bojo  constitucional  voltado  à 

autonomia dos  entes  federados,  a  transferência dessa  autonomia pela 

federalização  só estará  justificada de  forma excepcional para preservar 

um bem maior, nos estritos limites da legalidade. 

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Insta  mencionar  que  a  necessidade  de  esgotamento  dos 

recursos  internos  é  uma  regra  geral  para  que  se  chegue  às  cortes 

internacionais,  e  desse  modo,  não  poderia  ser  diferente  com  o 

deslocamento de competência ora estudado. 

Vladimir Aras leciona sobre este requisito: 

A omissão ou demora injustificada na elucidação 

do  crime  é  pressuposto  implícito  à  norma  em 

comento,  porquanto  não  haveria  razão  para  o 

deslocamento  se  os  órgãos  estaduais  estivessem 

cumprindo adequadamente seu dever na persecução 

penal (ARAS, 2005, p. 03). 

O posicionamento  retro encontra‐se  relativamente pacificado 

pelo  Superior  Tribunal  de  Justiça,  através  dos  dois  julgamentos  de 

incidentes de deslocamento de  competência propostos  até o presente 

momento. É o que preconiza o relator do IDC‐1, caso Dorothy Stang[7]: 

Na espécie, as autoridades estaduais encontram‐

se  empenhadas  na  apuração  dos  fatos  que 

resultaram na morte da missionária norte‐americana 

Dorothy  Stang,  com  o  objetivo  de  punir  os 

responsáveis,  refletindo a  intenção de o Estado do 

Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais 

importante  dos  direitos  humanos,  o  que  afasta  a 

necessidade  de  deslocamento  da  competência 

originária  para  a  Justiça  Federal,  de  forma 

subsidiária,  sob  pena,  inclusive,  de  dificultar  o 

andamento  do  processo  criminal  e  atrasar  o  seu 

desfecho,  utilizando‐se  o  instrumento  criado  pela 

aludida  norma  em  desfavor  de  seu  fim,  que  é 

combater a  impunidade dos crimes praticados com 

grave violação de direitos humanos (BRASIL, 2005, p. 

217).  

Na mesma  toada,  no  julgamento  do  IDC‐2  fora  reconhecido 

pelo Superior Tribunal de Justiça o apelo feito pelas autoridades locais no 

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sentido de serem  incapazes de promover a eficiente apuração dos fatos 

tendo  em  vista  a  magnitude  da  infiltração  do  crime  organizado  nas 

instâncias oficiais. 

É notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias. Há quase um pronunciamento uníssono em favor do deslocamento da competência para a Justiça Federal, dentre eles, com especial relevo: o Ministro da Justiça; o Governador do Estado da Paraíba; o Governador de Pernambuco; a Secretaria Executiva de Justiça de Direitos Humanos; a Ordem dos Advogados do Brasil; a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba. As circunstâncias apontam para a necessidade de ações estatais firmes e eficientes, as quais, por muito tempo, as autoridades locais não foram capazes de adotar, até porque a zona limítrofe potencializa as dificuldades de coordenação entre os órgãos dos dois Estados. Mostra-se, portanto, oportuno e conveniente a imediata entrega das investigações e do processamento da ação penal em tela aos órgãos federais (BRASIL, 2010).

Na mesma  toada,  no  julgamento  do  IDC‐2  fora  reconhecido 

pelo Superior Tribunal de Justiça o apelo feito pelas autoridades locais no 

sentido de serem  incapazes de promover a eficiente apuração dos fatos 

tendo  em  vista  a  magnitude  da  infiltração  do  crime  organizado  nas 

instâncias oficiais.

Assim,  a  proteção  dos  direitos  básicos  não  se  esgota  e  nem 

poderia  se  esgotar  apenas  com  a  atuação  dos  estados‐membros.  A 

intervenção federal no âmbito estadual afigura‐se como um reflexo, uma 

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manifestação ou particularização da própria noção de soberania,  tendo 

em mente que o Estado também é expressão de poder interno, possuindo 

supremacia no âmbito internacional. Por estes motivos, faz‐se necessário 

que a  intervenção em comento seja utilizada apenas em última análise, 

quando não restarem mais alternativas ao estado‐membro, ou o mesmo 

se mostrar ineficaz na persecução que se fizer necessária (CAZETTA, 2009, 

p. 159). 

Fica  caracterizado,  por  derradeiro,  que  o  incidente  de 

deslocamento  de  competência  é  medida  excepcional  de  caráter 

subsidiário, após a comprovação da  incapacidade das autoridades  locais 

em combater a grave violência aos direitos humanos. 

ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À

CONSTITUCIONALIDADE DO INCIDENTE

Mesmo antes da aprovação da Emenda Constitucional nº. 45, a 

constitucionalidade  da  norma  que  insere  a  federalização  das  causas 

relativas aos direitos humanos já era alvo de importantes debates no meio 

jurídico e político, sendo patente que tal debate continua mesmo após a 

entrada em vigor das alterações extraídas da Emenda alhures aduzida.

Após  a  suscitação  do  primeiro  incidente  perante  o  Superior 

Tribunal  de  Justiça,  foram  interpostas  duas  Ações  Diretas  de 

Inconstitucionalidade  contra  o  inciso  V‐A  e  o  §  5º  do  artigo  109  da 

Constituição  Federal.  Tais  ações  foram  propostas  pela  Associação  dos 

Magistrados  Brasileiros  e  pela  Associação  Nacional  dos  Magistrados 

Estaduais,  refletindo a  insatisfação que a emenda provocou nas classes 

dos  magistrados  estaduais  e  alguns  membros  do  Ministério  Público 

estadual.  Do  ponto  de  vista  da  fundamentação  jurídica,  as  ADINs 

argumentam  que  o  incidente  de  deslocamento  de  competência  não 

possui  auto  aplicabilidade,  sendo  contrário  a  determinados  princípios 

constitucionais. (CAZETTA, 2009, p. 69) 

Sem o  intuito de esgotar as teses de  inconstitucionalidade do 

deslocamento de competência, do ponto de vista jurídico, elas possuem 

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fundamentações  semelhantes.  Aduzem  que  o  deslocamento  fere  as 

garantias constitucionais do  juiz natural, do devido processo  legal e do 

pacto federativo. 

Lílian Mendes Haber, Carolina Ormanes Massoud e Ibrain José 

das Mercês Rocha afirmam que  seria  fato  “menos danoso,  se a EC nº. 

45/04,  pretendendo  prestigiar  a  federalização  dos  crimes  contra  os 

direitos  humanos,  sem  desmerecer  o  Ministério  Público  e  a  Justiça 

Estadual, tivesse atribuído competência expressa à Justiça Federal, pura e 

simplesmente” (HABER; MASSOUD; ROCHA, 2005, p. 27).  

Luiz  Alexandre  Cruz  Ferreira  e Maira  Cristina  Vidotte  Blanco 

Tárrega (2005) asseveram ainda: 

Mais grave, entretanto, é a fixação de um critério 

de  competência  condicional  e  fundado  na  pura 

subjetividade de uma única autoridade. Ora, o art. 5º, 

LIII,  da  CF/88  assegura  que  “ninguém  será 

processado nem sentenciado senão pela autoridade 

competente”.  É  inerente  ao  princípio  do  devido 

processo  legal  que  a  regra  de  competência  seja 

objetivamente  fixada antes do ajuizamento da  lide. 

Assim foi durante grande parte da história brasileira. 

Ocorre que, a partir da reforma, a competência para 

as ações relativas à violação de direitos humanos não 

pode ais ser  fixada no momento da propositura da 

ação,  as  depende  de  uma  condição  extrínseca  às 

próprias partes  litigantes, qual  seja o oferecimento 

de  pedido  de  “deslocamento  de  competência” 

formulado  pelo  Procurador‐Geral  da  República 

(FERREIRA; TARREGA, 2005, p. 462). 

Pelos  argumentos  acima  elencados,  o  deslocamento  de 

competência  alteraria  a  competência das  ações  relativas  à  violação de 

direitos humanos após o momento oportuno, violando o devido processo 

legal. 

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Sucintamente, aduzem os defensores da inconstitucionalidade 

do presente instituto que haveria clara violação ao pacto federativo, vez 

que  subsistirá uma  livre  intervenção  federal nos estados, bem  como  a 

volta da avocação por parte do Procurador‐Geral da República. Aduzem 

ainda, que há a criação de uma descriminação para com as  instituições 

judiciárias estaduais e a criação de “tribunais de exceções”, vedados pela 

Constituição Federal. 

Antonio Scarance Fernandes  (2010) afirma que o  juiz natural 

estaria sendo duplamente violado, em face do artigo 5º, incisos XXXVII e 

LIII  da  Constituição  Federal,  pois  só  são  órgãos  do  judiciário  aqueles 

instituídos pela Constituição, reforçando que ninguém pode ser  julgado 

por  órgão  constituído  após  o  fato  e  entre  os  órgãos  pré‐constituídos, 

vigora uma ordem taxativa e hierárquica de competências. 

Nesta  seara,  o  incidente  de  deslocamento  de  competência 

feriria a proibição dos tribunais ex post facto, uma vez que a modificação 

da competência se daria após o crime, sendo que tal incidente poderia ou 

não ser suscitado pelo Procurador‐Geral da República, ensejando maiores 

objetividades sobre quais delitos serão considerados de grave violação aos 

direitos humanos. Outrossim, a reforma do  judiciário estaria violando o 

princípio da segurança jurídica, tendo em vista que o infrator não saberia 

ao certo qual juízo será competente para julgar seu caso. Ressalta‐se que 

todos  os  aspectos  relacionados  à  existência  do  crime,  bem  como  à 

persecução e à condenação penal devem ser previamente fixados em lei. 

Ademais,  a  federalização  dos  crimes  atingiria  o  principio 

constitucional do devido processo legal, ignorando a ampla defesa, tendo 

em vista que o acusado encontraria grande dificuldade na produção de 

provas em razão da distancia às Varas Federais. 

Nesta linha de raciocínio, Luiz Alexandre Cruz Ferreira e Maira 

Cristina Vidotte Blanco Tárrega comentam: 

A  primeira  matéria  que  cumpre  discutir  é  o 

reconhecimento expresso pelo  reformador de uma 

maior dignidade e importância da Justiça Federal em 

relação  à  Justiça  Estadual.  Aquela  antiga 

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preocupação do constituinte originário de relacionar 

a  matéria  da  competência  às  atividades  objetivas 

desenvolvidas,  preservando‐se  uma  idêntica 

importância  institucional,  já  não  existe  mais.  Fica 

reconhecida a  indignidade da Justiça Estadual e sua 

incapacidade  em  “assegurar  o  cumprimento  de 

obrigações decorrentes de tratados  internacionais”. 

O critério utilizado é muito claro: quando a violação 

dos direitos humanos  for  leve, a competência é da 

Justiça  Estadual.  Quando  a  violação  for  grave,  a 

competência  é  da  Justiça  Federal  (FERREIRA; 

TARREGA, 2005, p. 462). 

A  associação  nacional  dos  membros  do  ministério  público 

(CONAMP)  elenca  uma  série  de  argumentos  contrários  à 

constitucionalidade do artigo 109, § 5º da Constituição Federal de 1988, 

alguns, já mencionados neste trabalho, quais sejam: a violação da cláusula 

pétrea  do  juiz  natural,  já  que  o mesmo  será  estabelecido  por  critério 

subjetivo,  onde  não  há  o  exato  conceito  de  “violação  de  direitos 

humanos”; a violação do contraditório por parte do Procurador‐Geral do 

estado  que  deverá  simplesmente  obedecer  ao  Procurador‐Geral  da 

República; a quebra da razoável duração do processo, tendo em vista que 

a demora será maior no âmbito federal, levando até a prescrição de alguns 

crimes (BRASÍLIA, 2005). 

ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À

CONSTITUCIONALIDADE DO INCIDENTE

Os  principais  argumentos  dos  defensores  da  federalização 

residem  justamente  em  sua  função  precípua:  preservar  os  direitos 

consagrados como humanos, coibindo e punindo as graves violações que 

ensejem uma responsabilização internacional do Brasil.

Por  oportuno,  faz‐se  necessário  elucidar  que  o  ato  de 

interpretar o  texto  constitucional não  se  caracteriza por uma atividade 

anódina,  sem  importância,  ou  ainda  de  um  ato mecânico.  Interpretar 

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implica a busca de um sentido, através da qual, serão resguardados uma 

série de princípios, como bem aduz Eros Grau: 

O  intérprete produz  a norma  jurídica não por 

diletantismo, porem visando a sua aplicação a casos 

concretos. Interpretamos para aplicar o direito e, ao 

fazê‐lo,  não  nos  limitamos  a  interpretar  os  textos 

normativos, mas também, compreendemos os fatos. 

A norma jurídica é produzida para ser aplicada a um 

caso  concreto.  Essa  aplicação  se  dá  mediante  a 

formulação de uma decisão judicial, uma sentença, 

que  expressa  a  norma  da  decisão.  Aí  a  distinção 

entre normas  jurídicas e norma de decisão. Esta é 

definida a partir daquelas (GRAU, 2003, p. 09). 

De  máxima  importância  para  o  correto  entendimento  dos 

argumentos  favoráveis  à  constitucionalidade  do  incidente  de 

deslocamento de competência, é de se destacar o pensamento de Luís 

Roberto Barroso: 

[...]  a  distinção  qualitativa  entre  regra  e 

princípio  é um dos pilares da moderna dogmática 

constitucional,  indispensável  para  a  superação  do 

positivismo  legalista, onde as normas se cingiam a 

regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada 

como  um  sistema  aberto  de  princípios  e  regras, 

permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual 

as  ideias  de  justiça  e  de  realização  dos  direitos 

fundamentais  desempenham  um  papel  central.  A 

mudança de paradigma nessa matéria deve especial 

tributo  à  sistematização  de  Ronald  Dworkin.  Sua 

elaboração  acerca  dos  diferentes  papéis 

desempenhados  por  regras  e  princípios  ganhou 

curso universal e passou a constituir o conhecimento 

convencional na matéria. (BARROSO, 2006, p. 30). 

Ainda,  o  referido  autor  discorre  sobre  a  valoração  dos 

princípios, vejamos: 

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Os princípios contêm, normalmente, uma maior 

carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão 

política relevante, e indicam determinada direção a 

seguir.  Ocorre  que,  em  ordem  pluralista,  existem 

outros princípios que abrigam decisões, valores ou 

fundamentos  diversos,  por  vezes  contrapostos.  A 

colisão  de  princípios,  portanto,  não  só  é  possível 

como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. 

Por  isso  a  sua  incidência  não  pode  ser  posta  em 

termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. 

Deve‐se reconhecer aos princípios uma dimensão de 

peso ou importância. À visa dos elementos do caso 

concreto,  o  intérprete  deverá  fazer  escolhas 

fundamentadas,  quando  se  defronte  com 

antagonismos  inevitáveis,  como  os  que  existem 

entre  a  liberdade  de  expressão  e  o  direito  de 

privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, 

o  direito  de  propriedade  e  a  sua  função  social.  A 

aplicação dos princípios se dá, predominantemente, 

mediante ponderação (BARROSO, 2006, p. 30). 

Neste  diapasão,  se  tratando  de  interpretação  constitucional, 

José  Jesus Cazetta  Júnior  (2004) afirma que a necessária ponderação é 

aplicável  ao  caráter  constitucionalismo  pós‐guerra,  onde  o  modelo 

tradicional de solucionar conflitos entre regras é inútil, tendo em vista que 

a Constituição não mais  consagra valores homogêneos, mas um amplo 

conteúdo material  de  princípios  de  direitos  fundamentais,  até mesmo 

contraditórios.  Apenas  através  da  ponderação  é  possível  manter  a 

coexistência  e  a  igualdade  abstrata  entre  as  normas  ou  direitos  que 

refletem  valores plurais, próprios de uma  sociedade heterogênea, mas 

que pretende manter‐se unida em torno da Constituição. 

Essa é a situação a qual se encontra a análise do  incidente de 

deslocamento de competência, tendo em vista as supostas violações aos 

princípios  constitucionais  alhures  mencionados,  em  contraposição  a 

outros princípios de efetividade e proteção aos direitos humanos, como a 

consagração  da  dignidade  da  pessoa  humana,  por  exemplo.  Essa 

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contradição  aparente  enriquece  o  debate  e  permite  uma  melhor 

compreensão dos interesses colocados em pauta, desempenhando papel 

eminentemente dialético. 

Não  obstante,  é  inegável  que  não  existem  direitos 

fundamentais ilimitados, como afirmou o Supremo Tribunal Federal, veja‐

se: 

[...] os direitos e garantias  individuais não tem 

caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional 

brasileiro,  direitos  ou  garantias  que  se  revista  de 

caráter  absoluto,  mesmo  porque  razoes  de 

relevante interesse público ou exigências derivadas 

do  princípio  de  convivência  das  liberdades 

legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, 

por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas 

das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que 

respeitados  os  termos  estabelecidos  pela  própria 

Constituição.  O  estatuto  constitucional  das 

liberdades públicas, ao delinear o regime  jurídico a 

que  estas  estão  sujeitas  –  e  considerando  o 

substrato ético que as informa – permite que sobre 

elas  incidam  limitações  de  ordem  jurídica, 

destinadas de um lado, a proteger a integridade do 

interesse  social  e,  de  outro,  a  assegurar  a 

coexistência  harmoniosa  das  liberdades,  pois 

nenhum direito ou  garantia pode  ser exercido em 

detrimento  da  ordem  pública  ou  com  desrespeito 

aos direitos e garantias de terceiros (BRASIL, 2000, 

p. 20). 

Em  se  tratando  de  conflito  entre  princípios  constitucionais, 

sobre os quais não se podem aplicar as regras da hierarquia das normas 

(lei superior prevalece sobre inferior); da cronologia (lei posterior revoga 

anterior) ou da especialização (lei específica prevalece sobre lei geral), Luís 

Roberto Barroso ensina: 

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[...]  a  denominada  ponderação  de  valores  ou 

ponderação  de  interesse  é  a  técnica  pela  qual  se 

procura estabelecer o peso relativo de cada um dos 

princípios contrapostos. Como não existe um critério 

abstrato que imponha a supremacia de um sobre o 

outro,  deve‐se,  à  vista  do  caso  concreto,  fazer 

concessões  recíprocas,  de  modo  a  produzir  um 

resultado  socialmente  desejável,  sacrificando  o 

mínimo  de  cada  um  dos  princípios  ou  direitos 

fundamentais em oposição. O  legislador não pode, 

arbitrariamente, escolher um dos interesses em jogo 

e  anular  o  outro,  sob  pena  de  violar  o  texto 

constitucional.  Seus  balizamentos  devem  ser  o 

princípio  da  razoabilidade  e  a  preservação,  tanto 

quanto  possível,  do  núcleo mínimo  do  valor  que 

esteja  cedendo  passo. Não  há  aqui,  superioridade 

formal de nenhum dos princípios em tensão, mas a 

simples  determinação  da  solução  que  melhor 

atende  o  ideário  constitucional  na  situação 

apreciada (BARROSO, 2006, p. 30). 

Por  conseguinte,  para  a  análise  da  constitucionalidade  da 

federalização em cotejo, interessa analisá‐la sob a égide dos princípios da 

razoabilidade e da proporcionalidade. Nesta toada, explicitam Barcellos e 

Barroso: 

O  princípio  da  razoabilidade  ou  da 

proporcionalidade  [...]  não  está  expresso  na 

Constituição, mas tem seu fundamento nas ideias de 

devido  processo  legal  substantivo  e  na  de  justiça 

Trata‐se de um valioso instrumento de proteção dos 

direitos  fundamentais  e  do  interesse  público,  por 

permitir o controle da discricionariedade dos atos do 

Poder Público e por funcionar como a medida com 

que a norma deve ser interpretada no caso concreto 

para a melhor realização do fim constitucional nela 

embutido  ou  decorrente  do  sistema.  Em  resumo 

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sumário,  o  princípio  da  razoabilidade  permite  ao 

Judiciário  invalidar  atos  legislativos  ou 

administrativos  quando:  a)  não  haja  adequação 

entre o fim perseguido e o instrumento empregado 

(adequação)  b)  a  medida  não  seja  exigível  ou 

necessária,  havendo  meio  alternativo  menos 

gravoso  para  chegar  ao  mesmo  resultado 

(necessidade/vedação  do  excesso)  e  c)  não  haja 

proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que 

se perde  com a medida é de maior  relevo do que 

aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido 

estrito).  O  princípio  pode  operar,  também,  no 

sentido  de  permitir  que  o  juiz  gradue  o  peso  da 

norma, em uma determinada incidência, de modo a 

não  permitir  que  ela  produza  um  resultado 

indesejado pelo sistema, assim fazendo a justiça do 

caso concreto (BARCELLOS; BARROSO, 2006, p. 362‐

363). 

É possível  reconhecer que a  compatibilidade do  incidente de 

deslocamento  de  competência  somente  acontecerá  se  este  instituto 

atender ao princípio da razoabilidade, passando pela adequação ao caso 

concreto,  pela  necessidade  de  utilização  deste meio,  pela  vedação  ao 

excesso  e  pela  proporcionalidade  em  sentido  estrito. Muito  embora  a 

comprovação destas adequações esteja diluída pelo trabalho, é possível 

justificá‐los sucintamente adiante. 

Para que  se possa  identificar  a  adequação,  faz‐se necessário 

aferir qual o  fim perseguido e o  instrumento que será empregado para 

tanto. O incidente de deslocamento de competência possui como objetivo 

a criação de um  instrumento que permita uma ampliação qualitativa da 

proteção dos direitos humanos,  agindo  como meio eficaz para  realizar 

diretamente  a  resposta  judicial  aos  casos  de  grave  violação  dos 

compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. 

Objetivando alcançar tal intento, criou‐se um instrumento que, 

respeitando o modelo federal do Estado brasileiro, atribuiu a um tribunal 

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superior,  já  responsável  pela  defesa  e  pela  uniformização  da  ordem 

infraconstitucional, a missão de identificar os casos concretos em que haja 

efetiva  necessidade  de  intervenção  do  ente  federal.  Concebeu‐se, 

portanto,  um  mecanismo  cuidadoso  que  envolve  a  manifestação 

fundamentada,  em  processo  judicial,  e  que  terá  por  resultado  a 

redistribuição do  feito a um  juízo previamente  reconhecível, dotado de 

todas as garantias institucionais típicas do Poder Judiciário e do Ministério 

Público (CAZETTA, 2009, p. 92). 

Não pairam dúvidas de que o fim almejado encontra abrigo em 

uma sociedade que preza pelo princípio da dignidade da pessoa humana 

como um de seus  fundamentos e na prevalência dos direitos humanos. 

Outrossim,  o  referido  instrumento  preserva  a  entidade  federativa, 

salvaguardando  a  noção  de  devido  processo  legal,  garantindo  a 

adequação da federalização. 

Ademais, não parece restar questionamento de que o incidente 

de deslocamento é uma medida exigível, uma vez que o Estado brasileiro 

poderá  ser  responsabilizado  internacionalmente  pelas  obrigações 

assumidas.  Afora  outros  casos  de  relevância,  basta  rememorar  que  o 

Brasil já fora condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos 

pelo caso “Ximenes Lopes”, além de sofrer medidas provisionais adotadas 

no caso da Penitenciária “Urso Branco”[8] e do  tratamento degradante 

nas unidades da FEBEM em São Paulo. 

Nesta  seara,  a  federalização  é  medida  exigível  diante  da 

necessidade da concretização dos direitos humanos, em contraposição a 

uma  realidade  muito  distante  do  ideal,  com  reiteradas  situações  de 

desrespeito aos direitos mais fundamentais do ser humano. Implica, por 

oportuno,  averiguar  se  existe meio menos  gravoso  ou  alternativo  ao 

incidente de deslocamento de competência. 

Neste diapasão, Ubiratan Cazzeta leciona que: 

O  IDC não é  instrumento  redentor, que  trará, 

sozinho, a solução para o problema da violação dos 

direitos  humanos.  Todavia,  não  é,  tampouco,  um 

mecanismo  autoritário  ou  abusivo,  como  se 

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pretendeu  configurá‐lo  nas  críticas;  aliado  a  um 

ampla  teia de atuações estatais, poderá, sim, vir a 

ser  um  instrumento  eficaz  para  romper  situações 

concretas  de  desrespeito  aos  direitos  humanos 

(CAZETTA, 2009, p. 93‐94). 

No que se refere aos ganhos decorrentes da medida, é patente 

que se configuram como maiores do que as eventuais perdas de que se 

pode  cogitar,  pois  o  incidente  preserva  os  contornos  do  federalismo, 

assegura o juízo natural, sem ofender o devido processo legal, garante a 

ampla defesa e se configura por importante aparato para manter alerta os 

estados‐membros. 

Nesse  comenos,  o  primeiro  argumento  balizador  da 

constitucionalidade  do  instituto  reside  no  término  da  conjectura 

paradoxal  onde  o  Estado  brasileiro  é  responsabilizado  pelo 

descumprimento  das  obrigações  internacionais  na  pessoa  jurídica  da 

União,  de  forma  única  e  exclusiva,  sem  que  a  mesma  tivesse  a 

possibilidade  de  chamar  para  si  tal  responsabilidade,  investigando, 

processando ou julgando os crimes que ensejaram sua punição. 

Pedro  Lenza  (2011)  ressalta  que  a  previsão  estabelecida  no 

artigo 109, V‐A e no §5º do mesmo artigo da Constituição Federal  fora 

muito bem vindo e acertado no sentido de adequar o funcionamento do 

Judiciário  brasileiro  ao  sistema  de  proteção  internacional  dos  direitos 

humanos, destacando ainda que a União é que será responsabilizada em 

nome  do  Estado  brasileiro,  por  aquilo  que  fora  acordado  em  tratados 

internacionais. Outrossim, havendo descumprimento ou afronta a direitos 

resguardados  pelos  referidos  tratados,  a  União  não  poderá  invocar  a 

cláusula  federativa  para  se  eximir  das  responsabilidades  assumidas 

perante os órgãos internacionais. 

No mesmo sentido, Flávia Piovesan ressalta que a federalização 

será  importante  instrumento na concretização e  realização dos direitos 

humanos, quando os mesmos padeçam de graves violações, primando por 

um Estado Democrático de Direito, consoante o disposto no artigo 1º da 

Constituição Federal, salientando ainda:  

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Se  qualquer  Estado  Democrático  pressupõe  o 

respeito dos direitos humanos e  requer a eficiente 

resposta estatal quando de sua violação, a proposta 

de  federalização  reflete  sobretudo  a  esperança  de 

que  a  justiça  seja  feita  e  os  direitos  humanos 

respeitados (PIOVESAN, 2005, p. 42). 

Outro  argumento  que  consolida  a  constitucionalidade  do 

incidente  de  deslocamento  reside  na  possibilidade  de  dotar  o  sistema 

jurisdicional de melhores instrumentos para enfrentar a impunidade e a 

afronta à ordem jurídica, em casos quem envolvam as já badaladas graves 

violações aos direitos humanos,  fato que muitas  vezes não ocorre nos 

órgãos  estaduais.  Trazendo  à  baila  sua  experiência  defronte  as  Cortes 

Internacionais, Francisco Rezek aduz: 

Em  geral,  nas  federações  os  crimes  dessa 

natureza,  os  crimes  previstos  por  qualquer motivo 

em  textos  internacionais,  são  crimes  federais  e  da 

competência do sistema federal de Justiça. Isso tem 

várias  vantagens,  como  uma  jurisprudência 

uniforme, uma  jurisprudência unida, a não  tomada 

de  caminhos  diversos  segundo  a  unidade  da 

federação em que se processe o crime. É vantajoso e 

é praticado em outras  federações  (REZEK, 2002, p. 

150). 

Outrossim, pode‐se citar outros casos de federalização através 

do  estudo  do  direito  comparado,  como  acontece  com  o  crime  de 

narcotráfico nos Estados Unidos da América (REZEK, 2002, p. 152). 

Ademais, é  cediço que o estado brasileiro  já  se mostrou por 

vezes  ineficaz  e  inoperante  na  persecução  e  julgamento  de  crimes  de 

grande repercussão internacional, como no caso do massacre de Eldorado 

dos Carajás[9] e a chacina da Candelária[10]. Ressalta‐se que ambos os 

casos  foram  marcados  pela  influencia  negativa  de  agentes  estatais, 

incluindo a presença de policiais no banco dos réus. A então Relatora das 

Nações  Unidas  sobre  Execuções  Sumárias,  Arbitrárias  e  Extrajudiciais, 

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Asma Jahangir,  identificou a Emenda Constitucional 45/2004 como “um 

passo bem‐vindo para combater a impunidade” (GAJOP. 2010, p. 28). 

Paulo Bonavides (2010) atesta que o incidente de deslocamento 

de  competência  visa  preservar  os  mais  altos  valores  protegidos  pela 

Constituição Federal, sem que com isso as demais cláusulas pétreas sejam 

prejudicadas, pois inexiste direito absoluto, que não possa ser relativizado 

diante  do  choque  com  outro  direito  normatizado  e  de  mesma  força 

hierárquica.  Para  tanto,  faz‐se  necessário  o  uso  do  princípio  da 

proporcionalidade, mais elástico que os demais, protegendo o  cidadão 

contra excessos do Estado e defendendo as liberdades constitucionais. 

Não obstante, em  regra,  tem‐se que a  Justiça Federal é mais 

isenta  e  imparcial,  não  sendo  influenciada  pelas  injunções  políticas  ou 

coorporativas  da  localidade  do  crime.  Flávia  Piovesan  e  Renato  Vieira 

corroboram  com  tal  posicionamento,  se  referindo  as  vantagens  da 

“competição  saudável”  entre  as  policias  judiciárias  e  entre  a  Justiça 

Federal e a Estadual: 

Com  a  federalização  dos  crimes  contra  os 

direitos  humanos  passa  a  existir  uma  salutar 

concorrência  institucional  para  o  combate  à 

impunidade e para a garantia e justiça, expondo‐se 

à sociedade civil os poderes e os limites estatais no 

cumprimento de seus compromissos internacionais 

e  domésticos.  De  um  lado,  encoraja‐se  a  atuação 

estatal sob o risco de deslocamento de competência 

em  razão  da  matéria,  e  de  outro  se  aumenta  a 

responsabilidade  das  instancias  federais  para  o 

efetivo  combate  à  impunidade  das  violações  aos 

direitos humanos (PIOVESAN; VIEIRA, 2005, p. 09). 

Entrementes, para a real eficácia do incidente em estudo, faz se 

necessário  que  o  mesmo  esteja  balizado  pelo  princípio  da 

proporcionalidade, com fito de que tal instituto não se torne uma medida 

banalizada, fugindo de seu escopo principal. Segundo Gilmar, citado por 

Jorge Assaf Maluly: 

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A  proporcionalidade  se  dá  quando  verificada 

restrição  a  determinado  direito  fundamental  ou  a 

um conflito entre distintos princípios constitucionais 

de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo 

de cada um dos direitos por meio da aplicação das 

máximas que  integram o mencionado princípio da 

proporcionalidade. São três as máximas parciais do 

princípio  da  proporcionalidade:  a  adequação,  a 

necessidade  e  a  proporcionalidade  em  sentido 

estrito. Há de perquirir‐se na aplicação do princípio 

da proporcionalidade, se em face do conflito entre 

os  dois  bens  constitucionais  contrapostos,  o  ato 

impugnado afigura‐se adequado  (isto é, apto para 

produzir o  resultado desejado), necessário  (isto  é, 

insubstituível  por  outro  meio  menos  gravoso  e 

igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito 

(ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre 

o  grau  de  restrição  de  um  princípio  e  o  grau  de 

realização  do  princípio  contraposto) 

(MENDES apud MALULY, 2005, p. 06). 

Note‐se que o incidente de deslocamento de competência não 

chega a subtrair nenhuma competência originária dos estados, tampouco 

se apresenta como uma violação ao pacto federativo, tendo em vista sua 

natureza  subsidiária  e  mediante  a  comprovação  da  incapacidade  do 

estado‐membro em  investigar, processar ou  julgar o acontecido.   Neste 

mesmo  sentido,  assim  se manifestou  o Ministro  Arnaldo  Esteves  Lima 

quando  do  julgamento  do  primeiro  incidente  de  deslocamento  de 

competência: 

O  deslocamento  de  competência  –  em  que  a 

existência de crime praticado com grave violação aos 

direitos humanos é pressuposto de admissibilidade 

do  pedido  –  deve  atender  ao  princípio  da 

proporcionalidade  (adequação,  necessidade  e 

proporcionalidade  em  sentido  estrito), 

compreendido na demonstração concreta de risco de 

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descumprimento  de  obrigações  decorrentes  de 

tratados  internacionais  firmados  pelo  Brasil, 

resultante da  inércia, negligência,  falta de  vontade 

política  ou  de  condições  reais  do  Estado‐membro, 

por  suas  instituições,  em  proceder  à  devida 

persecução penal (BRASIL, 2005, p. 217). 

Trata‐se, pois, de uma garantia constitucional de eficácia plena, 

com caráter eminentemente instrumental, possibilitando o deslocamento 

da competência, de  forma horizontal, da  Justiça Estadual para a  Justiça 

Federal,  pois  ambas  compõe  uma  só  Justiça,  um  só  sistema  judiciário 

brasileiro.  Assim,  embora  não  seja  contemporâneo  à  Emenda 

Constitucional 45, o ilustre magistério de João Mendes Júnior, datado de 

1916  ainda  sobrevive  ao  tempo,  servindo  como  base  para  o  presente 

estudo: 

O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da força, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância (MENDES JR., 1916).

A advertência de ontem há de ser o farol de hoje, pois o Brasil 

não  é  um  país  de  tradição  cujos  estados‐membros  são  fortes 

individualmente. O papel central da União na manutenção da cidadania é 

uma realidade que não se pode olvidar (CAZETTA, 2009, p. 98).

Destaca‐se que o deslocamento de competência está  inserido 

em um sistema de federalismo considerado cooperativo, nascido a partir 

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da crise do Estado Liberal clássico, onde a União foi adquirindo ainda mais 

competências, repassando algumas aos seus estados‐membros. 

A  cooperação  de  competências  jurisdicionais  é  necessária 

sempre que determinado ente da federação não possuir condições para 

cumprir as prescrições constitucionais, seja por negligência, por  inércia, 

ou por falta de vontade dos governantes. Reitera‐se que quando o poder 

local  não  conseguir  desempenhar  suas  tarefas,  caberá  à  União, 

subsidiariamente, assumi‐las (CAZETTA, 2009, p. 98). 

A  federalização dos  crimes  constitui  regra de modificação de 

competência interna com base constitucional e subsidiária, no sentido de 

complementar  a  competência  residual  da  justiça  estadual  e  não  de 

suprimi‐la. Analisando as competências delimitadas pela Constituição de 

1988  há,  de  modo  geral,  um  favorecimento  às  competências 

concorrentes, no sentido de que exista um federalismo cooperativo, com 

os olhos voltados mais para a colaboração de seus estados‐membros do 

que com a  independência total. Segundo Alexandre de Moraes (2002) a 

intervenção consiste em medida excepcional de supressão temporária a 

autonomia  de  determinado  ente  federativo,  fundada  em  hipóteses 

taxativamente previstas no  texto  constitucional e que visa à unidade e 

preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, 

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 

Cumpre anotar que a distribuição da competência entre União 

e os estados varia de acordo com condições históricas, relembrando que 

no Brasil, os estados‐membros  jamais gozaram de autonomia absoluta. 

Com o saber de quem ajudou a construir o sistema federativo brasileiro, 

Rui Barbosa bem situa a origem unitária da federação: 

Senhores,  não  somos  hoje  uma  federação  de 

povos até ontem  separados, e  reunidos de ontem 

para hoje, Pelo contrário, é da união que partimos. 

Na união nascemos. Na união se geraram e fecharam 

os olhos nossos pais. Na união ainda não cessamos 

de estar. Para que a união seja a herança de nossa 

descendência,  todos  os  sacrifícios  serão  poucos 

(BARBOSA, 2003). 

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É  justamente  embasado  nessa  substituição  de  tarefas  que  o 

legislador  constitucional  previu  a  possibilidade  de  intervenção  federal, 

consoante o artigo 34 da Constituição Federal. Ademais, tal medida possui 

caráter mais drástico, possuindo como um dos fundamentos, a proteção 

dos direitos humanos, conforme alínea b, inciso VII do artigo em comento. 

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005), 

analisando o  instituto da  intervenção  federal, dissertam que  “o Estado 

Federal  deve  conter  um  dispositivo  de  segurança,  necessário  à  sua 

sobrevivência.  Esse  dispositivo  constitui,  na  realidade,  uma  forma  de 

mantença do federalismo diante de graves ameaças”. 

 Ora, se é possível tal medida drástica para assegurar os direitos 

da pessoa humana, não há de se falar em inconstitucionalidade ao realizar 

uma intervenção considerada pontual, apenas em relação à determinado 

caso concreto. 

Por derradeiro,  insta  salientar acerca da decisão do  Superior 

Tribunal  de  Justiça  quando  do  julgamento  do  IDC‐1,  porquanto  as 

preliminares de inépcia da inicial e de que o dispositivo seria uma norma 

de eficácia contida, carecendo de um rol definidor e exemplificativo dos 

crimes considerados graves, foram rejeitadas de plano, restando patente 

que  “não  há  incompatibilidade  do  incidente  de  deslocamento  de 

competência  com  qualquer  outro  principio  constitucional  ou  com  a 

sistemática processual em vigor” (BRASIL, 2005, p. 217). 

Arrematando a temática, leciona Alexandre de Moraes: 

As  justiças especializadas no Brasil não podem 

ser  consideradas  justiças  de  exceção,  pois  são 

devidamente  constituídas  e  organizadas  pela 

própria  Constituição  Federal  e  demais  leis  de 

organização  judiciária.  Portanto,  a  proibição  de 

existência  de  tribunais  de  exceção  não  abrange  a 

justiça especializada, que é atribuição e divisão da 

atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos 

do Poder Judiciário (MORAES, 2002, p. 109). 

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Importante  destacar  que  a  federalização  dos  crimes  graves 

contra os direitos humanos reafirmou a competência dos órgãos estaduais 

para apuração e  julgamento dos mesmos, disponibilizando apenas, um 

instrumento subsidiário e extraordinário para ser aplicado quando houver 

incapacidade do órgão estadual em cumprir com as obrigações assumidas 

internacionalmente pela União. Outrossim, haverá sempre a possibilidade 

de não haver o deslocamento, desde que a Justiça Estadual atue de forma 

competente diante da grave violação ocorrida. 

CONCLUSÃO

Inicialmente, convém destacar que para o Estado brasileiro, se 

mostra  essencial  o  papel  da  Comissão  Interamericana  de  Direitos 

Humanos e da Corte  Interamericana de Direitos Humanos, responsáveis 

por averiguar a responsabilidade do Brasil em decorrência da omissão ou 

ação de atos por agentes estatais que violem os direitos humanos.

A  presente  possibilidade  de  responsabilização,  corroborando 

com a expressa aceitação do Brasil à  jurisdição da Corte  Interamericana 

de Direitos Humanos, implica em um novo modo de agir em relação aos 

atos  externos,  incorporando  ao  cotidiano  nacional  o  respeito  às 

obrigações internacionalmente assumidas. Submetem a este crivo, os atos 

dos  Três  Poderes,  não  importando  na  seara  internacional,  como  se 

organiza  o  Estado,  pois  o mesmo  é  considerado  uno  e  indivisível  não 

podendo utilizar suas dissonâncias para fugir do compromisso assumido 

internacionalmente.  Neste  diapasão.  É  patente  que  o  compromisso 

externo, mesmo que indiretamente, reforça o compromisso interno, pois 

a  atuação  internacional  requer  a  insuficiência  dos  meios  internos, 

impondo um esgotamento dos  recursos  locais de proteção aos direitos 

humanos.  Tal  esgotamento  representa  o  reconhecimento  de  que  a 

instância  internacional  somente deve  atuar  após  ter dado  ao  Estado  a 

chance de fazer valer suas regras internas, coibindo e corrigindo as graves 

violações aos direitos humanos. 

Neste  diapasão,  a  possibilidade  de  deslocamento  de 

competência  introduzida  pela  Emenda  Constitucional  nº  45  recebeu 

diversas críticas, as quais sustentavam ofensas a determinados princípios 

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constitucionais.  Tais  ponderações  evocam  dois  alertas  importantes:  o 

primeiro  se  refere  ao  excesso  de  críticas  pelo  uso  de  expressões 

indeterminadas; o segundo se faz necessário pelo suposto entendimento 

de  que  os  princípios  do  juiz  natural,  do  pacto  federativo  e  do  devido 

processo  legal  teriam um grau de proteção que  inviabilizaria uma nova 

leitura  no  sistema  constitucional,  pautada  pela  razoabilidade  e  pela 

proporcionalidade.  Contudo,  ressalta‐se  que  os  conceitos 

indeterminados,  por  vezes  tão  criticados,  visam  garantir  que  o  texto 

constitucional seja maleável ao avanço social. 

Por todo o exposto, é patente que não há violação ao princípio 

do pacto federativo, uma vez que o federalismo contemporâneo busca um 

modelo de cooperação entre seus entes, relembrando que a União é que 

será responsabilizada internamente pelas violações que forem praticadas 

dentro de seus estados‐membros. 

Não se verifica, também, qualquer violação ao princípio do juiz 

natural,  eis  que  não  há  a  criação  de  um  juízo  de  exceção, mas  sim,  a 

possibilidade de deslocamento para um Tribunal previamente conhecido. 

Ademais, o princípio do juiz natural visa garantir um julgamento imparcial 

dentro  das  regras  previamente  conhecidas.  Ora,  mesmo  com  o 

deslocamento para a  Justiça Federal, não há de se  falar em  julgamento 

parcial, tampouco em ofensa à legislação pátria em vigor. O que se verifica 

é  apenas  uma  redistribuição  da  competência  por  critérios  assumidos 

previamente pela Constituição Federal. 

No que atine ao devido processo  legal e a ampla defesa,  tais 

princípios  estarão  resguardados  diante  da  suscitação  do  incidente  de 

deslocamento,  tendo  em  vista  que  o  requerido  ou  investigado  terá 

interesse  legítimo  a  ser  defendido  e  deverá  ser  ouvido  pelo  Superior 

Tribunal de Justiça. 

Por  conseguinte,  o  uso  da  expressão  “grave  violações  aos 

direitos humanos”, considerada por alguns como genérica em demasia, 

não se diferencia de tantos outros conceitos indeterminados presentes no 

texto Constitucional, pois a Constituição Federal empregou um termo cujo 

conteúdo deverá ser analisado diante do caso concreto, evitando seu uso 

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indiscriminado, mas assegurando a sua utilidade. Destarte, analisando a 

constitucionalidade  da  federalização,  deve‐se  ater  ao  seu  elemento 

diferencial,  o  ponto  de  inflexão  que  demande  a  extraordinária 

necessidade de alteração de competência. 

Verificou‐se que o incidente de deslocamento de competência 

se baseia em três sustentáculos, três requisitos: a identificação da grave 

violação aos direitos humanos; o compromisso internacional assumido; a 

incapacidade  do  estado‐membro  em  oferecer  resposta  oportuna  e 

adequada. Assim  sendo, não  se  trata de medida banal, vez que para o 

efetivo deslocamento é imperioso que os aludidos requisitos coexistam no 

caso concreto. 

Não sem razão, pode‐se realizar uma comparação do incidente 

de deslocamento a um sistema de freios e contrapesos, onde o controle 

recíproco acaba por induzir atuações preventivas, que evitam a ocorrência 

do ilícito. A mera possibilidade de deslocamento tem o condão de forçar 

o estado‐membro a adotar medidas efetivas, visando evitar a perda da 

competência. 

Por  derradeiro,  pelo  sucinto  estudo  dos  casos  concretos, 

mormente o IDC‐1 e o IDC‐2, infere‐se que as características do incidente 

derivam  da  conjugação  de  várias  situações,  como  o  contexto  em  que 

atuava a vítima em defesa dos direitos humanos, a vinculação da ofensa a 

uma reiterada atuação estatal  ilícita ou, até mesmo, atos constantes de 

racismo ou xenofobia. Todos estes exemplos denotam que o conceito de 

graves violações se  limita aos  fatos que se subtraem à normalidade, ao 

conjunto  de  situações  rotineiras,  impedindo  que  a  federalização  seja 

banalizada. 

Nesse comentos, impende salientar que o instituto em análise 

não  tem  o  escopo  de  ser  um  instrumento  salvacionista  de  todos  os 

problemas do  judiciário brasileiro. Não serão a Justiça Federal, a Policia 

Federal e o Ministério Público Federal que  irão acabar com a crescente 

impunidade no Brasil. É cediço que os estados‐membros possuem plena 

capacidade para investigarem e julgarem os casos de graves violações aos 

direitos  humanos,  sendo  inegável  que  têm  juízes  capacitados,  policiais 

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preparados e promotores atuantes. Entrementes, toda regra possui sua 

exceção, e a experiência concreta do país demonstra que a transferência 

para  a  Justiça  Federal  é  recomendada  face  à  impunidade,  à  excessiva 

demora e ao envolvimento de agentes estatais nos crimes. 

Por derradeiro, é oportuno que o incidente de deslocamento de 

competência seja considerado como um  instrumento de  fortalecimento 

dos  esforços  conjuntos  dos  estados‐membros  e  da  União,  na  busca 

incessante e essencial para a concretização dos direitos assegurados pela 

Constituição, tornando realidade o ideal preconizado como dignidade da 

pessoa humana em seu mais amplo escopo, não permitindo a banalização 

ou  vulgarização o  incidente, devendo  ser utilizado  apenas quando não 

houver  no  plano  local,  meios  hábeis  ou  eficazes  para  a  apuração, 

persecução  e  processamento  de  graves  crimes  contra  os  direitos mais 

básicos do ser humano. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAS, Vladimir. Direitos humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Revista Consultor Jurídico, maio 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/34833,1>. Acesso em: 21 jul.2013.

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ARTEIRO, Rodrigo. O incidente de deslocamento de competência e o federalismo cooperativo na defesa dos

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NOTAS:

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[1] Artigo 41 - A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições:

a) estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b) formular recomendações aos governos dos Estados-membros, quando considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos; c) preparar estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; d) solicitar aos governos dos Estados-membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; e) atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os Estados-membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes solicitarem; f) atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e g) apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

[2] Damião Ximenes Lopes faleceu no ano de 1999, com 30 anos de idade. Damião, que possuía problemas mentais diagnosticados, foi sujeito à contenção física, amarrado com as mãos para trás e a necrópsia revelou que seu corpo sofreu diversos golpes, apresentando escoriações localizadas na região nasal, ombro direito, parte anterior dos joelhos e do pé esquerdo, equimoses localizadas na região do olho esquerdo, ombro homolateral e punho. No dia de sua morte, o médico da Casa de Repouso, sem fazer exames físicos em Damião, receitou-lhe alguns remédios e, em seguida, se retirou do hospital, que ficou sem nenhum médico. Duas horas depois, Damião morreu. (RAMOS, 2006).

[3] Art. 109 – Aos Juízes Federais compete processar e julgar:

V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

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V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o parágrafo quinto deste artigo;

[...]

§ 5º - nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, o incidente de deslocamento e competência para a Justiça Federal).

[4] Art. 1º - Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional eu exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:

[...]

III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; [...]

[5] Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:

[...]

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo.

[...]

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do

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inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

[6] O defensor de direitos humanos e ex-vereador Manoel Mattos foi executado na noite de 24 de janeiro de 2009, com dois tiros de espingarda calibre 12, no município de Pitimbú, praia de Acaú, litoral sul da Paraíba. Ele foi vereador e denunciava a atuação de grupos de extermínio que teriam assassinado adolescentes, homossexuais e supostos ladrões nos municípios de Pedras de Fogo (PB), Itambé e Timbaúba (PE), na divisa dos dois estados. Quando foi assassinado, Manoel Mattos deveria estar sob proteção policial, conforme entendimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Suspeita-se que mais de duzentas execuções tenham sido cometidas pelos grupos de extermínio enfrentados publicamente por Manoel Mattos. Por se tratar de caso de grave violação a direitos humanos, entendendo que existiam inúmeros processos e inquéritos arquivados sem algum motivo justificável, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o crime contra o ex-vereador Manoel Mattos será julgado pela Justiça Federal. O assassinato ocorreu em janeiro de 2009 e a apuração do episódio e do envolvimento de cinco suspeitos ocorreria na Justiça estadual da Paraíba, caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) não tivesse pedido a federalização.

[7] A freira Dorothy Stang, de setenta e três anos, chegou ao Brasil em 1966 e desde então passou a atuar na questão de conflitos agrários nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, principalmente no que diz respeito ao assentamento de famílias em regiões rurais e na preservação da floresta amazônica. A missionária atuava também em questões sociais, mostrando intensa preocupação na área da educação. Sua atuação foi de encontro aos interesses dos fazendeiros e grileiros da região, o que fez com que por inúmeras vezes a missionária recebesse ameaças de morte. Dentro desta situação, Dorothy Stang procurou a imprensa e as autoridades regionais a fim de pedir proteção, mas não houve qualquer atitude concreta para solucionar o problema, o que acarretou no assassinato da norte-americana em 12 de fevereiro de 2005 no município de Anapu. O Ministério Público do Pará denunciou os envolvidos. São eles: Vitalmiro Bastos Moura, Amair Feijoli , Rayfran Neves Salles e Clodoaldo Batista. O homicídio teve grande repercussão internacional, tendo sido foco da manifestação de diversas organizações não-governamentais, como

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por exemplo, a ONG Anistia Internacional, que condenou o ocorrido com a missionária norte-americana, afirmando que os governos federal e do Estado do Pará precisam acabar com a violência e com o medo.

[8] Trata-se da chacina que ocorreu nas dependências da penitenciária Urso Branco, no estado de Rondônia, após a tentativa de fuga em massa, onde alguns dos 1,3 mil presos teriam assassinados outros 27 detentos. O caso é o maior massacre de presos do país depois do Carandiru, e ganhou repercussão internacional pela brutalidade dos assassinatos, que envolveram até decapitação, choque elétrico, e enforcamento. Em 2004, o Ministério Público ofereceu denúncia contra 44 presos e 6 agentes públicos: o então diretor geral do presídio, o ex-diretor de segurança, o ex-Superintendente de Assuntos Penitenciários e o ex-gerente do sistema penitenciário de Rondônia, além de dois oficiais da Polícia Militar do estado.

[9] Trata-se da morte de dezenove sem-terra que ocorreu em 17 de abril de 1996 no município de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. O confronto ocorreu quando aproximadamente 1.500 sem-terra que estavam acampados na região decidiram fazer uma marcha em protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira. A Polícia Militar foi encarregada de tirá-los do local, porque estariam obstruindo a rodovia BR-155, que liga a capital do estado Belém ao sul do estado levando ao conflito mencionado.

[10] Na madrugada do dia 23 de julho de 1993, aproximadamente à meia-noite, vários carros pararam em frente à Igreja da Candelária. Logo após, policiais militares abriram fogo contra mais de setenta crianças e adolescentes que estavam dormindo nas proximidades da Igreja. Como resultado da chacina, seis menores e dois maiores morreram e várias crianças e adolescentes ficaram feridos.

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FORMA DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES DEVIDOS À FAZENDA PÚBLICA: REVOGAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL ANTECIPATÓRIA DE TUTELA E BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS INDEVIDAMENTE

MARIA EDUARDA ANDRADE E SILVA: Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília.

RESUMO: A Fazenda Pública goza de rito especial de cobrança de débitos 

insertos em Dívida Ativa por meio da Lei 6.830/80. Entretanto, não são 

todos os créditos fazendários passíveis de inscrição em tal rol e cobrança 

via executivo diferenciado. Precisamente no que se refere aos casos de 

devolução  de  valores  recebidos  por  segurado  ou  servidor  público  em 

razão de decisão judicial posteriormente revogada, o crédito não poderá, 

como  regra  geral,  ser  cobrado  via  execução  fiscal,  consoante  o 

entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Do mesmo modo, os casos 

em que se pretende a  restituição de quantias  recebidas  indevidamente 

em virtude de fraude ou ilícito civil também não podem ensejar a imediata 

inscrição do débito em Dívida Ativa. Nesses casos, o STJ entende que deve 

ser  prestada  reverência  ao  contraditório  e  à  ampla  defesa,  como 

requisitos  essenciais  à  aferição  da  certeza  e  da  liquidez  do  título.  Isso 

porque, sob o ponto de vista subjetivo, a certeza do título judicial significa 

a possibilidade de identificação do devedor. Em se negando o indivíduo a 

admitir a prática do ilícito ou da fraude, é necessário prévio processo de 

conhecimento  para  fins  de  apuração  de  sua  responsabilidade  civil. 

Posteriormente,  em  razão  do  sincretismo  processual,  mantido  e 

expandido  no  novo  Código  de  Processo  Civil,  será  dado  início  ao 

cumprimento  de  sentença,  sem  que  seja  ajuizado  o  feito  executivo 

fiscal.    Portanto,  embora  a  inscrição  em  Dívida  Ativa  e  a  extração  da 

respectiva certidão sejam atividades unilaterais da Fazenda Pública, bem 

como  inobstante a amplitude do conceito de Dívida Ativa não‐tributária 

veiculado pelo art. 39 § 2º  da Lei 4320/64, não serão todos os débitos que 

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poderão ser inscritos como tal, segundo o entendimento do STJ, que vem 

se inclinando no sentido da garantia do contraditório. 

PALAVRAS‐CHAVE:  Dívida  Ativa.  Execução  fiscal.  Cobrança.  Liminar. 

Cassação. Ilícito civil. Fraude. Contraditório. 

INTRODUÇÃO

O  presente  artigo  possui  como  objetivo  expor  o 

entendimento  jurisprudencial do Superior Tribunal de  Justiça acerca da 

forma de  cobrança,  judicial ou administrativa, dos  créditos da  Fazenda 

Pública na hipótese de revogação de decisão judicial precária concessiva 

de vantagem patrimonial ou benefício em desfavor do erário público, bem 

como o modo de persecução do crédito no caso em que a própria Fazenda 

constata a ocorrência de fraude na percepção de quantias pagas a título 

de benefício previdenciário. 

1. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DECORRENTE DE ORDEM JUDICIAL POSTERIORMENTE REVOGADA

É necessário, primeiramente, analisar a situação na qual, 

no  bojo  de  um  processo  judicial,  há  a  inicial  concessão  de  ordem  de 

pagamento de verbas a servidor público ou a segurado previdenciário em 

sede de decisão interlocutória, a qual, mais adiante, resta revertida.

O STJ entende que, em havendo a revogação de decisão 

judicial  precária  que,  em  antecipação  de  tutela,  havia  determinado  à 

Fazenda  Pública  o  pagamento  de  valores  em  benefício  de  servidor  ou 

segurado  do  RGPS,  a  devolução  desse  importe  à  Fazenda  é  uma 

decorrência lógica da própria revogação da decisão. 

As únicas exceções à regra da devolução residem nos casos 

em  que  o  Tribunal,  em  sede  de  apelação,  confirma  ser  devido  o 

pagamento do benefício, porquanto, na hipótese, a decisão de segunda 

instância  criaria,  na  ótica  do  segurado,  uma  justa  expectativa  e  uma 

legítima confiança na existência do direito ao  recebimento dos valores, 

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razão  por  que  eventual  ordem  judicial  contrária  não  poderia  implicar 

a  repetição da verba (EREsp 1086154/RS, DJe 19/03/2014), bem como no 

caso de procedência de ação rescisória de sentença que,  já estabilizada 

pela segurança da coisa julgada, havia declarado ser devido o pagamento 

do benefício previdenciário (AR 4.186/SP, DJe 04/08/2015). 

Para além desses  casos, a  regra, no âmbito do STJ,  tem 

sido pela devolução dos valores pagos em razão de decisão antecipatória 

de tutela posteriormente revogada. Embora haja recente precedente do 

STF em sentido oposto, o presente artigo empreenderá análise somente 

da posição  jurisprudencial vencedora atualmente no âmbito do STJ  (Cf. 

ARE 734242 AgR, 04‐09‐2015 Publicado em 08/09/2015). 

Isso  porque,  segundo  o  Superior  Tribunal  de  Justiça,  o 

caráter precário da decisão não permite  supor que o particular  tivesse 

uma justa expectativa de que os valores seriam recebidos definitivamente. 

Ademais,  o  pagamento  da  verba  não  se  deu  por  erro  ou  equívoco 

interpretativo por parte da Administração Pública, mas por decisão do 

Judiciário, posteriormente modificada. Por esses motivos não se poderia 

alegar  boa‐fé  objetiva  dos  beneficiários  a  fim  de  sustentar  a 

irrepetibilidade da  verba. Demais disso, não  se acolhe a  tese de que a 

verba  seria  alimentar  e,  por  isso,  não  sujeita  à  devolução.  (REsp 

n.1.401.560/MT,  ‐ recurso repetitivo. Ver, ainda, REsp 1384418/SC, Rel. 

Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, 

DJe 30/08/2013). 

O  tema deste artigo, porém, é pesquisar a  forma  como 

essa devolução deve ser feita. Adiante‐se que o STJ não tem admitido a 

inscrição do débito em Dívida Ativa. 

1.1. Forma de devolução por parte do servidor público

A Primeira e a Segunda Turma do Sodalício da Cidadania 

assentaram  a  necessidade  de  que  seja  aberto  umprocesso 

administrativo interno contra o servidor que recebeu a verba oriunda da 

decisão  judicial  revogada,  tendo em vista a necessidade de  respeito ao 

contraditório  e  à  ampla  defesa.  Somente  após  aberto  o  processo 

administrativo e facultado o exercício do contraditório e da ampla defesa 

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serão  admitidos  osdescontos  diretamente  na  folha  de  salários  (ou 

proventos) do servidor público (ativo ou inativo).Confira‐se:

Esta Corte possui jurisprudência no sentido de que é 

obrigatória a devolução por servidor público de vantagem 

patrimonial  paga  pelo  erário  público,  em  face  de 

cumprimento  de  decisão  judicial  precária,  desde  que 

observados  os  princípios  do  contraditório  e  da  ampla 

defesa. AgRg no Ag 1337780/RS, Rel. Ministro ARNALDO 

ESTEVES  LIMA,  PRIMEIRA  TURMA,  julgado  em 

21/03/2013, DJe 06/12/2013) Na segunda turma:AgRg no 

REsp 1301411/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 

SEGUNDA  TURMA,  julgado  em  21/08/2014,  DJe 

03/09/2014)” (g.n.). Cf. também, STJ, RMS 18.057/RS, Rel. 

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJU 

de 02/05/2006). 

É  necessário,  ainda,  observar  os  percentuais máximo  e 

mínimo de desconto em folha, que estão estabelecidos, em regra, na lei 

que rege a carreira do servidor em questão. No âmbito da Lei 8.112/90 – 

União, autarquias e fundações federais ‐ o limite máximo de desconto é 

de 10% da remuneração do servidor: 

"Esta  Corte  Superior  de  Justiça  firmou  já 

entendimento  de  que  é  obrigatória  a  devolução  de 

vantagem patrimonial paga pelo erário público, em face de 

cumprimento  de  decisão  judicial  precária,  desde  que 

respeitados  os  princípios  do  contraditório  e  da  ampla 

defesa e o limite máximo de desconto previsto em lei, a 

saber, a décima parte da  remuneração, nos  termos do 

artigo   da Lei n°  . / .” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 

1.224.995/CE,  Rel.  Ministro  HAMILTON  CARVALHIDO, 

PRIMEIRA TURMA, DJe de 18/04/2011) (g.n.) 

Na hipótese, porém, em que os descontos não possam ser efetuados até o ressarcimento integral – seja por demissão, exoneração ou cassação da aposentadoria do servidor – a própria lei 8112/90 admite a inscrição do débito em dívida ativa:

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“Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa” (g.n.)

1.2. Forma de devolução por parte de segurado previdenciário:

Insta  voltar  a  atenção  a  hipótese  distinta,  referente  ao 

caso  de  débito  direto  à  autarquia  previdenciária,  fora  do  âmbito  da 

relação servidor público‐Estado. No caso de os valores serem devidos pelo 

indivíduo ao próprio  INSS, como é o caso de benefícios previdenciários 

pagos em razão de decisão interlocutória antecipatória de tutela, é preciso 

que a autarquia previdenciária execute a sentença em que se consignou a 

irregularidade  da  percepção  das  verbas,  isso  é,  a  sentença  de 

improcedência proposta pelo segurado. Após a liquidação do valor e caso 

o segurado já receba algum outro benefício pago pela autarquia, devem 

ser feitos descontos mensais, no percentual máximo de 10%, por analogia 

com o serviço público federal. Vide o julgado, em que se analisou hipótese 

em  que  particular  recebeu  pensão  por  morte  por  ordem  judicial 

posteriormente reformada:

“ À  luz do princípio da dignidade da pessoa humana 

(art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de 

devolver os valores obtidos por  força de antecipação de 

tutela posteriormente revogada, devem ser observados os 

seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução 

de  sentença  declaratória  do  direito  deverá  ser 

promovida;  b)  liquidado  e  incontroverso  o  crédito 

executado, o  INSS poderá fazer o desconto em folha de 

até  % da remuneração dos benefícios previdenciários 

em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por 

simetria  com  o  percentual  aplicado  aos  servidores 

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públicos”(art.  46,  §  1º,  da  Lei  8.213/1991.12.  Recurso 

Especial  provido.(REsp  1384418/SC,  Rel.  Ministro 

HERMAN  BENJAMIN,  PRIMEIRA  SEÇÃO,  julgado  em 

12/06/2013, DJe 30/08/2013) (g.n.) 

O débito,  caso não  seja pago, por, por  exemplo,  serem 

inviáveis os descontos, não pode ser inscrito em dívida ativa. 

Isso porque o STJ assentou a compreensão de que não se 

mostra  impossível  inscrever  em    dívida  ativa  o  débito  oriundo  de 

recebimento  indevido  de  benefício  previdenciário,  mesmo  na  grave 

hipótese de o beneficiário haver empregado fraude (Resp 867718/PR, DJe 

04/02/2009). 

2.DEVOLUÇÃO DECORRENTE DE FRAUDE OU ILÍCITO CIVIL 

NA PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO 

Por  seu  turno,  quando  esse  recebimento  indevido  não 

tiver  advindo  de  decisão  judicial  precária,  deve  ser  proposta  ação  de 

conhecimento a fim de se apurar a responsabilidade do indivíduo (e não 

deve haver a  inscrição em dívida ativa). Para o Tribunal, não haveria a 

certeza  que  deve  ser  inerente  à  CDA,  nem  tampouco  existiria  lei  a 

autorizar  a  inscrição.  Logo,  como  regra  geral,  sendo  o  caso  de  ilícito 

fundado  na  responsabilidade  civil,  sempre  deve  haver  o  processo  de 

conhecimento. Nele, o réu terá a oportunidade de se utilizar dos meios e 

recursos inerentes à ampla defesa e ao contraditório, possibilitando‐se o 

reconhecimento de seu dolo ou de sua culpa. Vide o aresto, julgado sob o 

rito dos recursos especiais repetitivos: 

  “À mingua  de  lei  expressa,  a  inscrição  em  dívida 

ativa  não  é  a  forma  de  cobrança  adequada  para  os 

valores  indevidamente  recebidos  a  título  de  benefício 

previdenciário previstos no art.  , II, da Lei n.  . /  

que  devem  submeter‐se  a  ação  de  cobrança  por 

enriquecimento  ilícito  para  apuração  da 

responsabilidade civil.  (...)Não há na  lei própria do  INSS 

(Lei  n.  8.213/91)  dispositivo  legal  semelhante  ao  que 

consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n.8.112/90. 

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Sendo assim, o art.  , § º,  II, do Decreto n.  . /  

que determina a  inscrição em dívida ativa de benefício 

previdenciário  pago  indevidamente  não  encontra 

amparo  legal.”(REsp  1350804/PR, Rel. Ministro MAURO 

CAMPBELL  MARQUES,  PRIMEIRA  SEÇÃO,  julgado  em 

12/06/2013, DJe 28/06/2013).(g.n.) 

No mesmo sentido, abordando diretamente a hipótese da 

ocorrência de fraude: 

“O  crédito  oriundo  de  suposta  fraude  no 

recebimento  de  benefício  previdenciário  deve  ser 

assentado  judicialmente  no  afã  de  aferir  os  requisitos 

necessários exigíveis para dar início à execução.3. É que a 

repetição do indébito impõe ao jurisdicionado manejar o 

processo de cognição, assim como, diante do pagamento 

indevido,  o  Poder  Público  não  pode  lançá‐lo 

unilateralmente,  devendo  valer‐se  da mesma  forma  de 

tutela  jurisdicional.4.  É  cediço  nesta  Corte  que  é 

necessária  a  propositura  de  ação  de  conhecimento,  em 

que  sejam  garantidos o  contraditório e a ampla defesa, 

para o reconhecimento judicial do direito à repetição, por 

parte do INSS, de valores pagos indevidamente a título de 

benefício  previdenciário,  pois  não  se  enquadram  no 

conceito  de  crédito  tributário,  tampouco  permitem  sua 

inscrição  em dívida  ativa.(...). 3. Crédito proveniente de 

responsabilidade  civil  não  reconhecida  pelo  suposto 

responsável  não  integra  a  chamada  dívida  ativa,  nem 

autoriza  execução  fiscal.  O  Estado,  em  tal  caso,  deve 

exercer,  contra  o  suposto  responsável  civil,  ação 

condenatória, em que poderá obter o  título executivo. 

4.É  nula  a  execução  fiscal  por  dívida  proveniente  de 

responsabilidade civil, aparelhada assentada em títulos." 

(REsp nº 440540/SC) (...)”(REsp 1177342/RS, Rel. Ministro 

LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 

19/04/2011) (g.n.). 

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Em  consequência,  ter‐se‐á  mero  cumprimento  de 

sentença condenatória, não podendo ser operada a  inscrição em dívida 

ativa do débito  já  reconhecido  judicialmente. A  esse  respeito, o  STJ  já 

adotou  o  entendimento  de  que  violaria  a  economia  processual  a 

pretensão de cobrança via execução fiscal de valor já constante de título 

executivo judicial. No aresto em questão foi analisada a possibilidade de 

inscrever em Dívida Ativa os honorários sucumbenciais devidos à Fazenda. 

O raciocínio exposto no aresto, contudo, é válido à hipótese presente: 

“Com  efeito,  se  no  processo  judicial  o  Estado‐juiz 

arbitra crédito em favor do Estado‐administração, crédito 

esse  que  pode  ser  obtido  diretamente  nos  autos,  em 

procedimento  ulterior  e  consequente  ao  trânsito  em 

julgado, não há motivo  lógico ou  jurídico para conceber 

que o  Estado‐administração desista  – obrigatoriamente, 

sob pena de cobrança em duplicidade – da sua utilização, 

para  então  efetuar  a  inscrição  da  verba  honorária  em 

dívida  ativa  e,  depois,  ajuizar  novo  processo, 

sobrecarregando desnecessariamente o Poder  Judiciário 

com demandas (a Execução Fiscal, como se sabe, pode ser 

atacada por meio de outra ação, os Embargos do Devedor) 

cujo  objeto  poderia,  desde  o  início,  ser  tutelado  no 

processo  original.(...)”  (REsp  1126631/PR,  Rel.  Ministro 

HERMAN  BENJAMIN,  SEGUNDA  TURMA,  julgado  em 

20/10/2009, DJe 13/11/2009). 

CONCLUSÃO 

Conclui‐se,  portanto,  que,  em  se  tratando  de  valores  a 

serem  devolvidos  pelo  servidor  à  Administração  Pública,  em  razão  da 

revogação de decisão  judicial precária, não deve ocorrer, ao menos em 

princípio, a inscrição do devedor em Dívida Ativa, mas sim, a instauração 

de  processo  administrativo  em  que  se  oportunize  o  contraditório  e  a 

ampla defesa. Uma vez reconhecido o dever de devolução da vantagem 

patrimonial,  devem  ocorrer  descontos  nos  salários  ou  proventos  do 

servidor, em percentuais ditados pela  legislação de regência. No âmbito 

da  União,  autarquias  e  fundações  públicas  federais,  aplica‐se  a 

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percentagem  de  10%  sobre  a  remuneração,  consoante  Lei  8.112/90 

(art.46). 

No  caso,  porém,  de  benefício  previdenciário  pago  pelo 

INSS em razão de decisão judicial precária posteriormente revertida, como 

regra  geral,  segundo  o  STJ,  a  restituição  do montante  recebido  deve 

ocorrer por meio de descontos sobre benefícios porventura já percebidos 

pelo  segurado  ou,  não  sendo  a  hipótese,  através  do  cumprimento  da 

sentença que declarou a improcedência do direito alegado pelo segurado. 

Por sua vez, em se cuidando de benefício recebido a partir 

de mecanismo fraudulento, a repetição desses valores ao erário público 

não deve ocorrer por meio de cobrança via execução fiscal, mas deve ser 

obrigatoriamente precedida de ação de conhecimento em que se busque 

o reconhecimento da fraude e da responsabilidade civil do seu praticante. 

Uma vez obtida a sentença de procedência, deve ser dado  início ao seu 

regular cumprimento. Nesse âmbito, prestando homenagem à economia 

processual, a Fazenda não deve optar por cobrar o débito via execução 

fiscal. 

Em  suma,  nota‐se  que  não  há  imediatismo  entre  a 

existência de um débito não‐tributário perante a Fazenda e sua inscrição 

em  Dívida  Ativa.  É  necessário  ter  em  mente  que,  embora  amplo,  o 

conceito de Dívida Ativa não abarca quaisquer débitos, sobretudo aqueles 

já proclamados em títulos judiciais (art.39 da Lei 4320/64). Embora o rito 

da execução fiscal seja benéfico à Fazenda (Lei 6830/80), nem sempre ele 

poderá ser utilizado, devendo ser dada preferência a meios extrajudiciais, 

como  o  processo  administrativo,  e  ao  próprio  sincretismo  processual. 

Ademais, a unilateralidade na  formação da Dívida Ativa, segundo o STJ, 

não permite  supor que possa  a  Fazenda Pública nela  inserir quaisquer 

débitos.  A  relevante  função  orientadora  da  jurisprudência  vem 

justamente a delinear essas possibilidades, exercício que, consoante  se 

expôs em  linhas volvidas, vem  se  inclinando no  sentido de  favorecer a 

garantia do contraditório, da ampla defesa e da economia processual. 

REFERÊNCIAS 

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 ‐ 1984‐0454 

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual 

Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. Vol. 3.6.ed.São Paulo: Saraiva, 2013. 

CARNEIRO,  Cláudio.  Processo  Tributário  Administrativo  e 

Judicial.4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 

NERY  JR, Nelson  e NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários  ao 

Código de Processo Civil. Novo CPC – Lei 13.105/2015.São Paulo: RT, 2015. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 

Volume único.6.ed.São Paulo: Método, 2014. 

SABBAG,  Eduardo.  Manual  de  Direito  Tributário.  7.ed.São  Paulo: 

Saraiva, 2015. 

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PEDÁGIO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA INTERNA E EXTERNA E A SUA NATUREZA JURÍDICA

FELIPE FARIAS COIMBRA: ADVOGADO, graduado pela Universidade Católica de Pernambuco.

RESUMO: O artigo em comento tecerá comentários a respeito da inclusão 

do pedágio no Brasil e no mundo, analisando‐se, ao final, um dos dilemas 

doutrinários que permeiam o instituto jurídico em comento, seria ele uma 

taxa ou uma tarifa? 

Palavras‐chave:  Pedágio,  Fundo Nacional  Rodoviário,  natureza  jurídica, 

taxa, tarifa. 

SUMÁRIO:  1.  INTRODUÇÃO,  2.  BREVE  HISTÓRICO  DA  INSTITUIÇÃO NO 

BRASIL,  3.  IMPLEMENTAÇÃO  DO  PEDÁGIO  EM  OUTROS  PAÍSES,  4.  DA 

NATUREZA JURÍDICA: TAXA OU TARIFA?, 5. CONCLUSÃO, 6. REFERÊNCIAS. 

1.INTRODUÇÃO

Inicialmente, serão demonstrados alguns detalhes a respeito de relatos históricos da instituição do pedágio no Brasil, ingressando-se em seguida em uma demonstração da utilização do instituto em outras localidades no mundo. Ademais, será tratado sobre a discussão doutrinária de qual seria a natureza jurídica do pedágio, tendo por base as normas brasileiras, interpretações de renomados juristas e o posicionamento atual dos tribunais superiores.

2.BREVE HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO NO BRASIL

Em nosso país, o pedágio foi instituído através da Carta Magna de 1946. Nessa Constituição o pedágio foi estipulado no artigo 27, dentre as taxas destinadas a indenizar despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas. [1]

Art. 27- É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por

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meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de taxas, inclusive pedágio, destinada exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas.

A partir das décadas de quarenta e cinqüenta, as construções de rodovias ganharam uma extensão devido a alguns fatores, tais como: a criação do Fundo Nacional Rodoviário (Decreto nº. 8.463/1945) – estabeleceu uma modalidade de imposto sobre combustíveis destinando a sua arrecadação para custear a construção de malhas rodoviárias e o forte crescimento da indústria automobilística nacional, no ano de 1957. Entretanto, no final dos anos setenta o país começou a sofrer graves dificuldades financeiras, acabando por afetar diretamente as construções de novas rodovias e a manutenção das já existentes pelo poder público.

Além das séries de prejuízos sofridos pelo estado quanto as suas rodovias, a crise também afetou os usuários acarretando a possibilidade de pessoas virem a sofrer acidentes nas estradas degradadas espelhadas pelo país, causando várias mortes por ocasião de acidentes nas estradas.

Em 1988, o Fundo Nacional Rodoviário foi extinto, e com a falta de verba para a criação e manutenção de rodovias, foi instituído pelo Estado algumas alternativas, como, por exemplo, a concepção do Selo-Pedágio, através da Lei nº. 7.712/1988. A lei do selo-pedágio tratava a respeito da cobrança de pedágio nas pontes e obras especiais que as integravam, bem como, em rodovias federais.

Para fins de análise a respeito do instituto do Pedágio, não obstante destacarmos o que dispunha os artigos 2º, 3º e 5º da Lei em comento (Lei nº. 7.712/1988), senão vejamos:

Art. 2º- Contribuinte do pedágio é o usuário de rodovia federal sob jurisdição do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER.

[...] Art. 3º- O montante calculado para ser

arrecadado com o pedágio não poderá ultrapassar ao necessário para conservar as rodovias federais, tendo em vista o desgaste que os veículos automotores, utilizados no tráfego,

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nelas provocam, bem como a adequação dessas rodovias às necessidades de segurança do trânsito.

Parágrafo único. Fica aprovada a tabela anexa de valores do pedágio, para o exercício de 1989, que será anualmente ajustada na lei de diretrizes orçamentárias.

[...] Art. 5º. Quando o veículo for encontrado

trafegando em rodovia federal sem o comprovante do pagamento do pedágio ou fora do período de tolerância de três dias de sua validade, o usuário sujeitar-se-á ao recolhimento de seu valor, acrescido de multa equivalente a 100% (cem por cento), calculada sobre o valor atualizado.

§ 1º O disposto neste artigo não será aplicável em trecho de rodovia federal que se encontre sob jurisdição do Estado ou do Município, ou em trecho situado no perímetro urbano do Município onde o veículo esteja licenciado.

Contudo, a lei acima fora revogada em 1990 através da Lei nº. 8.075/90.

Para José Antonio Savaris, os pedágios rodoviários no Brasil tiveram três fases, sendo estas:

1ª Antes da Constituição de 1988, eram exigidos, desde 1969, nas rodovias federais de pista dupla, inclusive na Ponte Rio-Niterói e, desde 1947, nas auto-estradas de São Paulo. Nesta fase, estes pedágios eram operados pelos próprios governos, e a maioria era deficitária. Já segunda fase que “se refere à desativação dos pedágios federais, logo após a promulgação da Constituição de 1988, com a instituição do selo - pedágio na área federal, na tentativa frustrada de generalizar a cobrança de pedágio”. A terceira e atual fase é caracterizada pela intensificação do

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pedágio, com a adoção do regime de concessões à iniciativa privada, a partir de 1996, por meio da Lei 9.277, que permitiu a delegação de rodovias federais a Estados e Municípios, mediante convênios com a União, e a implantação de novos pedágios por concessões privadas. [2]

3. IMPLEMENTAÇÃO DO PEDÁGIO EM OUTROS PAÍSES

Conforme será abaixo demonstrado, o instituto do pedágio não é uma forma de concessão de rodovias exclusiva do Brasil, sendo também aplicada em vários países, conforme preceitua o escritor Neuto Gonçalves dos Reis em sua resenha, considerando a lista dos seguintes adeptos ao pedágio espalhados pelo mundo: Japão, Rússia, Malásia, China, Paquistão, Cingapura, Hungria, Filipinas e integrantes da Comunidade Européia”. [3]

A partir de agora, passemos a análise de alguns adeptos da concessão de rodovias, demonstrando suas peculiaridades.

Foram os italianos os primeiros que implantaram o regime de concessão de rodovias, no ano de 1925, a conhecida rota Milano – Laghi. O sistema ali utilizado é aquele que as rodovias são delegadas as sociedades de economia mista. O autor Neuto Gonçalves relata em sua resenha que:

A Itália possui 6.175 km de vias expressas concedidas, gerenciadas pela SPA Societá Autostrade, de economia mista, com 51% de ações estatais. Deste total apenas 3.200 km são concedidos a outras administrações públicas e particulares (vias de menor importância). A construção e a manutenção das rodovias são financiadas pelo pedágio. Desde 1950, o conceito adotado é o de arrecadar recursos para conservar não uma única rodovia, mas uma malha completa, por meio de subsídios cruzados, ou seja, receitas transferidas de uma estrada para outra. Apenas uma entre as 25 concessionárias italianas (a que explora o trecho de Turim a Milão, de 127 km) é privada. As restantes contam com capital público e apoio de organismos regionais ou locais. (grifos nossos). [4]

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A SPA Societá Autostrade, empresa de economia mista, é a responsável pelo gerenciamento das mais importantes rodovias no país, sendo as de menor estimação geridas por outras administrações privadas e públicas espelhadas na Itália. A criação e a manutenção das rodovias são custeadas a partir da cobrança do pedágio. [5]

As concessionárias italianas, a partir dos benefícios gerados pelo Estado, estão incumbidas de gerenciar tanto as malhas rodoviárias lucrativas, como também as não lucrativas, sendo assim, operando por uma grande malha rodoviária no país.

Segundo Schimtz, em sua tese de doutorado, há, portanto, uma ajuda cruzada entre as rodovias naquele país “como se beneficiam de garantias do governo, são obrigadas em contrapartida a operar trechos não lucrativos do sistema, voltando todas as rodovias para o governo após o final do período de concessão. [6]

A Espanha, no intuito de beneficiar e incentivar a concessão de rodovias, implementou um sistema ousado para chamar empresas concessionárias para serem suas parceiras nos contratos de concessão de rodovias, conforme comenta Neuto Gonçalves:

Embora a legislação espanhola permita a exploração de pedágios desde 1953, somente em meados da década de 60 as concessões vieram a florescer, graças ao Plano Nacional de Autopistas, que oferecia muitos atrativos para as empresas: a) Isenção de impostos na compra das ações das concessionárias; b) Garantias do governo para empréstimos obtidos no exterior; c) Seguro contra variação cambial das dívidas; d) Possibilidade de depreciação do investimento; e) Subsídios nos primeiros anos de operação em forma de dinheiro o vantagens. De 1964 a 1980, foram concedidos 3.000 km de vias expressas. Em 1982, o governo socialista aboliu o plano de concessões, os benefícios às concessionárias, assim como seguros cambiais e garantias de empréstimos, e criou uma estatal para coordenar o sistema de rodovias. [7]

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O poder público na Espanha possui significativa participação nos contratos de concessão de rodovias através do intermédio de um delegado nomeado por decreto governamental e encarregado de acompanhar as atividades das empresas concessionárias. [8]

Como demonstrado a partir de alguns exemplos e citado no início, vários países também adotaram o sistema de concessão de rodovias a partir da cobrança do pedágio muito em razão do custo elevado para manter e construir malhas rodoviárias, contudo, utilizando cada nação de suas peculiaridades próprias no intuito de regular a prática do pedágio em seus territórios.

4.NATUREZA JURÍDICA: TAXA OU TARIFA?

Muitos se questionam a respeito da natureza jurídica do pedágio, tratando como ora como taxa (tributo) ora como tarifa (preço público). Neste tópico analisaremos a questão.

Pois bem, alguns autores que defendem a natureza jurídica do pedágio como tributo (taxa), utilizam como principal argumento o fato de que o artigo 150, V, da Constituição Federal de 1988, legitima sua cobrança. Como se trata de norma integrante do capítulo referente ao Sistema Constitucional Tributário, mais exatamente dentro da seção das limitações do poder de tributar, sendo por conseqüência necessariamente um tributo. Abaixo, segue a transcrição literal do dispositivo acima mencionado:

Seção II DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos

antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

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b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

IV - utilizar tributo com efeito de confisco; V - estabelecer limitações ao tráfego de

pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos

outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos

políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser;

A referida tese é sustentada, dentre outros, pelo Tributarista Luciano Amaro, consoante exposto em uma de suas obras:

O pedágio aparece na Constituição de uma forma insólita. O art. 150, V, ao proibir o estabelecimento de limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvou a

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‘cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público’.

Essa disposição deu legitimação constitucional expressa ao pedágio. Além disso, reconheceu-lhe natureza tributária (por oposição à ideia de que ele traduziria um preço público), pois essa figura está referida num dispositivo que cuida de tributos, e como exceção a um princípio que limita a criação de tributos. [9]

Conquanto, a questão não é tão simples. O fato de a norma estar ou não localizada dentro do Sistema Tributário Nacional não confere certeza absoluta quanto à sua natureza. Como exemplo, deveríamos então avaliar como obrigação não tributária a Contribuição para o Salário-Educação (Constituição Federal de 1988, artigo 212, § 5º) e a Contribuição para o PIS (Constituição Federal de 1988, artigo 239), já que ambas não estão dentro do capítulo referente à Tributação Nacional, nem tampouco dentre as Contribuições mencionadas no artigo 195, da CF/88, sendo estas efetivamente consideradas como tributos conforme reza o artigo 149 da Carta Magna.

A interpretação baseada apenas na disposição geográfica da norma não deve ser considerado como índice seguro e suficiente para identificar a natureza jurídica do instituto. [10]

Analisando o pedágio como forma de tributo, convém recordarmos o conceito desse último instituto segundo o que retrata o Código Tributário Nacional:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Interpretando o que dispõe o dispositivo acima, percebe-se que para uma obrigação ser considerada como tributária deve primeiramente enquadrar-se nos requisitos ali mencionados, dentre os quais a cobrança vinculada.

Ocorre que o valor arrecadado nas rodovias pedagiadas sempre é recolhido para uma empresa privada que desempenha a função de concessionária do serviço público relativo ao amparo da rodovia, sendo assim, não há que se falar em vinculação alguma já que a concessionária poderá, em algumas ocasiões, até mesmo

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deixar de arrecadar o pedágio. Situação esta completamente diferente do que ocorre com a autoridade pública, que, de maneira alguma, poderá vir a dispor da cobrança, arrecadação ou lançamento de receitas tributárias. [11]

Ademais, conforme também disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, o tributo deve ser instituído mediante lei. O artigo 97, I e II do Código Tributário Nacional também segue essa mesma linha, conforme a seguir demonstrado:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução,

ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; (...)

Percebe-se então que para instituir, extinguir, majorar ou reduzir o tributo, é necessário lei prévia oriunda de autoridade competente para tanto, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária disposto no artigo 150, I, da Constituição Federal de 1988.

Deste modo, qualquer reajuste sofrido no pedágio, enquadrando este como tributo, dependeria de todo um trâmite legislativo para vingar, contrariando, assim, o que dispõe o artigo 65, §8 da Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), norma esta que também regula as concessões de rodovias, dispondo que o reajuste se dará até mesmo por mera apostila.

Apesar dos argumentos acima expostos, que denegam a natureza tributária do pedágio, alguns ainda o colocam como tributo, mais especificamente como taxa e não como tarifa ou preço público, residindo ai grandes divergências.

Por possuírem semelhanças, mostra-se de suma importância distinguir, as taxas das tarifas, denominadas estas últimas também de preços públicos, a partir de definições doutrinárias.

No dizer de Leandro Paulsen a taxa ““[...] é tributo, sendo cobrada compulsoriamente por força da prestação de serviço público de utilização compulsória ou do qual, de qualquer maneira, o indivíduo não possa abrir mão. Já a tarifa (preço público) “[...] não é tributo, constituindo, sim, receita originária decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntariedade. [...]” [12]

A taxa, por ser espécie tributária, está submetida a um regime de direito público e a ela se aplicam todas as limitações

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constitucionais de tributar (tais como a anterioridade nonagesimal e do exercício financeiro). Já o preço público (tarifa) está submetido a um regime de direito privado, por possuir natureza contratual, sendo imprescindível para a validade de sua cobrança a efetiva utilização do serviço prestado ao usuário, de modo que não se admite a cobrança de tarifa pela utilização em potencial do serviço como ocorre com a taxa. [13]

Neste sentido e ciente de possíveis confusões acerca dos institutos em alusão, o Supremo Tribunal Federal intentou superar divergências ao editar súmula, de número 545, que fixou o seu entendimento acerca da diferenciação de tais figuras:

“Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.

Por força da lei de Concessões e por ter previsão contratual, sendo a concessão de rodovia firmada a partir de um contrato administrativo em que houve anteriormente todo um trâmite de licitação sendo lá tratado o valor tarifário, o preço público (tarifa) é o modelo hoje utilizado para remunerar o serviço de concessão de rodovias, já sendo pacífico também tal entendimento na jurisprudência pátria, reconhecendo, assim, a natureza não-tributária do pedágio, consoante ementa do TJ/RS abaixo transcrita:

"PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA. PREÇO PÚBLICO. A Constituição Federal em vigor de forma expressa, excepcionando a regra, autorizou a cobrança de pedágio pela utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público. A natureza jurídica do pedágio é tarifária e não tributo, conforme o entendimento predominante da jurisprudência pátria. Tratando-se de preço público (tarifa), não está o pedágio sujeito aos requisitos constitucionais que disciplinam os tributos, não havendo em se falar em inconstitucionalidade. Precedentes da Corte. Apelo provido. (TJ/RS – Ap. 70000525071 – 2ª C. Civ. – Rel. Des. Teresinha de Oliveira Silva – j. em 27.11/2002) (grifos nossos)

5. CONCLUSÃO

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O alvo da disposição em questão foi de relatar a respeito do pedágio a partir de uma análise mais didática e histórica do que propriamente jurídica, tornando-se, assim, uma leitura mais célere e de fácil absorção por parte do leitor.

Ademais, tratou-se sobre o debate tributário a respeito da natureza jurídica de tal instituto, muito embora hoje em dia já possua um entendimento consolidado nos tribunais superiores considerando-o como tarifa-preço público, buscando-se, com isso, explanar para sociedade o que de fato está pagando às concessionárias responsáveis pelas rodovias pedagiadas quando as utiliza com os seus veículos automotores.

Certamente, com as avaliações feitas em relação ao presente tema, aguarda-se que outros trabalhos sejam realizados de forma mais específica, para que contribuam cada vez mais para o entendimento da coletividade sobre o pedágio, por se tratar de um tema tão significante e presente na nossa contemporaneidade quando estamos tratando do uso das nossas malhas rodoviárias.

6. REFERÊNCIAS

MACHADO, Kal. Concessões de Rodovias – mito e realidade. 1. ed. São Paulo: Prêmio Editorial Ltda., 2002. p. 83. [1]

SAVARIS, José Antonio. Pedágio: Pressupostos jurídicos. 1. ed., 3 tiragem. Curitiba: Juruá, 2006 p. 49. [2]

REIS, Neuto Gonçalves dos. Um livro a favor do Pedágio (Resenha). Disponível em: <http://www.ntcnet.org.br/Kal_Machado.htm>. Acesso em: 2011. [3] [4] [7]

MACHADO, Kal. Concessões de Rodovias – mito e realidade. São Paulo: Prêmio Editorial Ltda. 2002. p. 85-86. [5]

SCHMITZ, Rutsnei – Tese de Doutorado – Uma contribuição metodológica para avaliação da tarifa de pedágio em rodovias. Florianópolis, 2001. p. 14. [6]

MACHADO, Kal. Concessões de Rodovias – mito e realidade. São Paulo: Prêmio Editorial Ltda. 2002. p. 83. [8]

BERTI, Flávio de Azambuja. PEDÁGIO: Natureza Jurídica. Curitiba, 2009. p. 176/177 c/c AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. [9] [10] [11]

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PAULSEN, Leandro. Direito Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 10ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado: ESMAFE, 2008. p.40. [12]

LEAL, Marcello. Da natureza Jurídica do Pedágio: apontamentos sobre taxa e preços públicos (Resenha). Disponível em:<http://www.tributarioeconcursos.com/2013/05/da-natureza-juridica-do-pedagio.htmlde 2002. Acesso: Março de 2014. [13]  

   

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CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO

ANDRÉ BELTRÃO GADELHA DE SÁ: advogado criminalista, especialista em Direito Penal, Processual Penal e Segurança Pública pela FESP/PB.

.       Etimologia e Conceito de Aborto 

  Etimologicamente,  a  palavra  aborto  deriva  do 

latim“abortus”.  “Ab”  significa  privação  e  “ortus”  significa  nascimento. 

Portanto, quanto ao étimo, aborto significa privação do nascimento[1]. 

          De acordo com a Medicina Legal, o termo “aborto” como utilizado 

largamente  no  âmbito  jurídico  está  incorreto.  Aborto,  segundo  esta 

ciência, significa o resultado da ação e não a própria ação. Abortamento 

seria mais adequado porque trata da ação em si, que é o objeto jurídico 

que  pretende  ser  tutelado  pelo  direito,  apesar  da  imprecisão 

terminológica.  Entretanto,  como  já  consolidada  no  âmbito  jurídico,  se 

utilizará  da  palavra  aborto  para  se  referir  tanto  ao  produto  do 

abortamento, quanto à ação propriamente dita. 

          Pela definição médico‐legal o delito de aborto é a interrupção 

da gravidez feita dolosamente em qualquer momento do ciclo gravídico, 

haja ou não a expulsão do feto. Classifica‐se em espontâneo, o qual não 

causa  repercussão  jurídica  criminal  por  se  tratar  de  um  fato  natural; 

acidental,  que  da mesma  forma  não  repercute  juridicamente  por  não 

apresentar um de seus requisitos essenciais, qual seja, o dolo, a vontade 

de abortar; eugênico, o que evita o nascimento de pessoas deficientes, 

visando o aperfeiçoamento da reprodução humana ‐ quando o feto tem 

alguma anomalia séria (principalmente cerebral), não sendo previsto em 

nossas  leis,  e;  violento,  que  são  as  espécies  previstas  e  punidas 

legalmente. 

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          Tradicionalmente, a palavra aborto é empregada no sentido da 

interrupção da gestação com a morte do  feto acompanhada ou não da 

expulsão do produto da concepção do útero materno. A gravidez pode ser 

interrompida e o feto permanecer no claustro materno. De acordo com 

Noronha[2],  “aborto  é  a  interrupção  da  gravidez  com  a  destruição  do 

produto da concepção (ovo, embrião ou feto). 

                   A distinção entre as  fases existentes desde a concepção ao 

nascimento  são  de  ordem  temporal  e  biológica:  ovo  é  o  produto  da 

concepção  até  a  segunda  semana  desde  a  fecundação  –  começa  a  se 

dividir por mitose e dá origem ao embrião; posteriormente passa‐se ao 

período  embrionário,  que  vai  da  segunda  à  oitava  semana  depois  da 

fecundação – neste ocorre  sua  fase de diferenciação orgânica; a partir 

deste  o  concepto  é  denominado  feto  (é  só  neste  que  começa  a  se 

desenvolver o cérebro)[3]. 

2. O Aborto na Prática

A cada dia que passa, mais e mais países modificam suas legislações no sentido da legalização da prática abortiva. É pertinente neste sentido a observação de Danda Prado:

Também é preciso lembar que a legislação se põe, com frequência, a serviço de razões político-demográficas do Estado, e situa-se aí a causa da separação que sempre existiu entre a legislação sobre o aborto e o aborto de fato. A esse respeito, o fenômeno observado através dos tempos é que as mulheres abortam dentro ou fora da lei, mas o que se modifica consideravelmente é o índice de abortos mortais ou prejudiciais à saúde da mãe (…), pois este se reduz quando o aborto sai da clandestinidade.[4]

Como prova de que a legislação à respeito do aborto flutua muito mais ao sabor das mudanças político-demográficas do que pelo sentimento moral que rege tal questão, temos o curioso caso da Ilha de Formosa (atual Taiwan), ocorrido até fins do século XIX. Neste local, o aborto era obrigatório para mulheres com menos

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de 36 anos de idade, ou seja, toda e qualquer mulher menor de 36 anos que engravidasse seria obrigada a abortar. A medida era praticada pelo Estado com o único fundamento de que era necessária para garantir a subsistência e condições de vida decentes na ilha através do controle populacional. Atualmente, aquela ilha faz parte da China e tem-se a prática do aborto, em qualquer estágio da gestação, como um crime, sancionando quem a realize com pena de reclusão.

Com base nos dados expostos acima, percebe-se que o fato de um país criminalizar ou não o aborto não se dá por questões de cunho moral, muito menos constitui óbice ou incentivo à sua prática. É um fato presente em todas as civilizações, desde a mais conservadora à mais liberal. O grande diferencial que se encontra é no que diz respeito ao índice de mortalidade das gestantes que praticam aborto, revelando-se extremamente alto nos países em que sua prática é ilegal, e por sua vez praticamente nulo onde aquele é permitido por lei. Por se tratar de crime, o aborto nos países que o proíbem, necessariamente tem que passar pelo tortuoso caminho da clandestinidade.

.       O Grave Problema do Aborto Clandestino

                   Desafortunadamente, não existem dados confiáveis para se 

avaliar a ocorrência de aborto provocado no Brasil. Há estimativas de que 

são praticados cerca de 1,4 milhão de abortos anualmente, onde cerca de 

270  mil  levam  gestantes  ao  pronto  socorro  público  em  função  de 

complicações decorrentes do procedimento. A dificuldade de se avaliar o 

número preciso do total de abortos é decorrência do fato de todos serem 

praticados, salvo os poucos autorizados por lei, na clandestinidade. Se o 

procedimento não acarretar nenhum mal à saúde da ex‐gestante, é lógico 

que ela não procurará atendimento hospitalar, ficando um sub‐registro da 

frequência do aborto provocado. 

          Como é uma prática proibida e punida por lei, resta às gestantes 

que queiram praticá‐la recorrer a clínicas particulares ou auto provocá‐lo, 

via de  regra  em  condições precárias. Aquelas que  recorrem  às  clínicas 

privadas se valem de um procedimento muito mais seguro e eficiente do 

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que  aquelas  que  o  realizam  sozinhas  ou  com  acompanhamento  de 

pessoas leigas, despreparadas, em ambientes insalubres e com métodos 

inadequados. Naturalmente, quem recorre à primeira opção são pessoas 

de  considerado  poder  aquisitivo,  já  que  os médicos  que  realizam  tal 

procedimento cobram um “extra” devido ao risco que estão submetidos 

(punição com reclusão). 

          Por outro lado, aquela que pratica o aborto por meios próprios 

é, via de regra, a gestante pobre e desinformada sobre sua situação. Não 

resta outra opção de socorro a esta, na  intenção de realizar um aborto 

voluntário,  senão  sujeitar‐se  a  condições  precárias,  charlatanismos  e 

meios abortivos[5] que podem não  só  causar mutilações, mas  torná‐la 

infértil ou mesmo causar‐lhe o óbito. Como consequência, temos os dados 

revelados  pelos  órgãos  de  saúde,  trazendo  o  assombroso  número  de 

atendimentos hospitalares das vítimas de abortos mal sucedidos. 

          3.1. Principais métodos utilizados na realização do aborto e o 

risco que empreendem à saúde física da mulher 

As técnicas mais utilizadas para prática abortiva clandestina são:

1 - Dilatação ou corte: uma faca em forma de foice dilacera o corpo do feto, que é retirado em pedaços.

2 - Drogas: muitas são as substâncias utilizadas, tais como arsênio, antimônio, chumbo, cobre, ferro, fósforo e vários ácidos e sais.

3 - Plantas: Absinto (losna, abuteia, alecrim, algodaro, arruda, cipó-mil-homens, esperradura) e várias ervas amargas. Todas estas substâncias devem ser ingeridas em grande quantidade para que ocorra o aborto.

4 - Esquartejamento: consiste em esquartejar o feto ainda no ventre da mãe.

5 - Retirada do líquido amniótico: retira-se o líquido amniótico de dentro do útero e coloca-se uma substância contendo sal. De 24 a 48 horas iniciam-se contrações e o feto é expulso como num parto normal.

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6 - Sufocamento: também chamado de parto parcial, o feto é puxado para fora deixando apenas a cabeça dentro, já que ela é grande demais. É introduzido um tubo na sua nuca, que sugará sua massa cerebral, levando-o à morte e possibilitando a sua retirada.

As técnicas acima expostas além de serem apresentarem uma potencialidade danosa altíssima para as gestantes, são cruéis e ferem tanto a dignidade da gestante quanto a do feto. Não é pelo fato de se defender a legalização do aborto que se deve permitir que se utilize de meios inadequados e cruéis para acabar com a vida intra-uterina[6]. No capítulo IV se exporá que, na realidade, um dos pontos defendidos neste trabalho monográfico é no sentido de se eliminar por completo o sofrimento do feto.

Já em relação ao aborto legal, são utilizadas as seguinte técnicas

            ‐ Sucção, aspiração ou AMIU: o colo do útero é imobilizado e 

um aparelho de sucção evacua completamente o produto da concepção.

2 - Curetagem: o colo do útero é dilatado e com uma cureta (instrumento de aço semelhante a uma colher) e é feita uma raspagem suave do revestimento uterino, do embrião, da placenta e das membranas que o envolvem.

3 - Mini-aborto: acontece com menos de 7 semanas de gravidez, sem menstruar. O médico examina o tamanho do feto e sua posição no útero. A vagina é lavada com uma solução anti-séptica e anestesiada em três pontos. O órgão é preso por um tipo de fórceps e é introduzida uma sonda ligada a um aparelho de sucção que removerá o endométrio e o embrião/feto.

As técnicas utilizadas no abortamento legal são indiscutivelmente mais seguras para a gestante e possuem a qualidade de, pelo fato de serem praticadas em um ambiente adequado e trazerem comprovadamente um maior índice de sucesso, causarem um enorme benefício à saúde pública, privando-a das internações que viriam dos abortos praticados na clandestinidade.

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          3.2. Uma questão de saúde pública

          É um fato inegável que existe em nossa sociedade um grande 

número de abortos praticados anualmente, fato ocorrido dentre todas as 

classes sociais, independentemente de cor, raça, credo ou partido político. 

                   Ocorre que a vulnerabilidade às complicações do aborto são 

maiores para as gestantes economicamente frágeis, via de regra mulheres 

com pouco acesso à  informação e serviços de saúde reprodutiva, tendo 

que recorrer a métodos  inseguros para consumar o ato. Segundo dados 

da OMS, 13% dos  casos de morte materna  são decorrentes do  aborto 

praticado sob situação de risco – sessenta e sete mil mortes maternas por 

ano[7]. 

                   O nosso país encontra‐se com um Sistema Único de Saúde 

precário, que mal atende as necessidades básicas de nossa população. 

Não é raro ver em notícias jornalísticas casos de pessoas que vêm à óbito 

nos corredores hospitalares, sem receber qualquer tipo de atendimento. 

A prática clandestina do aborto só vem para lotar ainda mais este já tão 

abalado  órgão,  sendo  o  número  total  de  internações  quase  que 

exclusivamente de pacientes pobres, vez que não tiveram condições de 

abortar em clínicas particulares. 

          Há a possibilidade de prevenção das consequências negativas 

do aborto através da disponibilização de procedimentos para interrupção 

da  gravidez  realizados  por  profissionais  de  saúde  treinados,  com 

equipamentos  adequados  e  padrões  de  higiene.  Atualmente  no  nosso 

país, se apresenta como único entrave do emplacamento desta política de 

saúde pública o  fato do aborto voluntário  ser  criminalizado pelo nosso 

ordenamento jurídico. 

          3.3. O aborto no Estado da Paraíba 

No Estado da Paraíba, pesquisadoras da Cunhã – Coletivo Feminista, Grupo Curumim (Pernambuco), CFEMEA (Brasília), IPAS (Rio de Janeiro) e representantes do movimento de mulheres investigaram no ano de 2009, os números e o impacto da ilegalidade do aborto para as mulheres e o sistema público de saúde do Estado.

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Os resultados integram o Dossiê sobre a Realidade do Aborto Inseguro na Paraíba: O Impacto da Ilegalidade do Abortamento na Saúde das Mulheres e nos Serviços de Saúde de João Pessoa e Campina Grande. De acordo com as pesquisadoras:

Um exemplo de desperdício de dinheiro público é a baixa utilização da AMIU (Aspiração Manual Intra-Uterina) no estado, que tem inúmeras vantagens – inclusive de menor custo para o SUS - em relação ao procedimento de curetagem pós-abortamento, que é a raspagem do útero. A curetagem prolonga o tempo de internação da paciente, oferece riscos de infecção para as mulheres, e é mais cara do que a AMIU. Enquanto João Pessoa realizou apenas 29 AMIU entre janeiro de 2008 e junho de 2009, foram realizadas na capital 2.803 curetagens e, em Campina Grande (onde ainda não é realizado o procedimento de AMIU), foram feitas 2.319 curetagens no mesmo período.[8]

Os gastos públicos em João Pessoa com curetagens pós-abortamento foram de aproximadamente R$ 532 mil e, em Campina Grande, o custo com o procedimento foi de R$ 414 mil. Somando os custos das duas maiores cidades do Estado em questão, foram gastos R$ 946 (novecentos e quarenta e seis mil reais) no tratamento de recuperação de pacientes que realizaram aborto clandestino e sofreram complicações. Ao mesmo tempo, foram gastos com AMIU apenas R$ 3.746, em João Pessoa, no mesmo período.

4. Conclusões

Percebe-se que houve um prejuízo de quase um milhão de reais à saúde pública paraibana em 2009 devido a práticas abortivas clandestinas, enquanto menos de 0,4% deste valor foi gasto com os métodos legais. As despesas foram elevadas devido a criminalização da prática abortiva, o que levou as gestantes a praticarem-no clandestinamente. Caso fosse legalizado, utilizar-se-ia a técnica do AMIU, como exposto acima muito mais barata,

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preservar-se-ia a dignidade da gestante ao oferecê-la tratamento adequado às suas necessidades e ainda sanaria um grave problema de saúde pública, contribuindo para desobstruir o já tão saturado Sistema Único de Saúde.

Como visto, esta questão da legalização do aborto deve ser prioridade dos legisladores pátrios, pois está se ferindo gravemente dois bens jurídicos fundamentais do Estado Brasileiro, que é a saúde pública e a dignidade da pessoa humana, em específico da gestante carente e hipossuficiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Código penal. Decreto‐Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.  In: 

VADE Mecum. 3. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2006. 

BULOS, Uadi Lamêgo. Comentários à constituição federal. 5. ed. São 

Paulo: RT, 2008. 

DINIZ, Débora. Aborto seletivo no Brasil e os alvarás judiciais. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v5/abortsele.html> Acesso em 20 de out. de 2009.

EMMERICK, Rulian. Aborto, (Des)criminalização, direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008.

ENCICLOPÉDIA Brasileira Mérito, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v.14

JOHNSTON, Robert. Global Abortion Summary. 2000-2007, 2008. Disponível em <http:/www.oms.org>. Acesso em 14/09/2009.

KALSING, Vera Simone. O movimento em defesa da vida na votação do aborto legal no Rio Grande do Sul Disponível em <http://www.sociologos.org.br/textos/outros/aborto.htm.> Acesso em 10 de out. de 2009.

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LIMA, Carolina Alves de Souza. Aborto e anencefalia: direitos fundamentais em colisão. Curitiba: Juruá, 2009.

LOREA, Roberto Arriada. Acesso ao aborto e liberdades laicas. Rio de Janeiro: Horizontes Antropológicos vol.12. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-1832006000200008&script=sci_arttext.> Acesso em 02 de set. de 2009.

PACHECO, Eliana Descovi. O aborto e sua evolução histórica. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3764/O-aborto-e-sua-evolucao-historica>. Acesso em 05 de agost. de 2009.

NOTAS:

[1] ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: UNAMA, 1999.

[2] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 49.

[3] MOORE, K. L.; Persaud, T.V.N. Embriologia Clínica. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

[4] PRADO, Danda. Que é o aborto? São Paulo: Brasiliense, 2007, pg 34.

[5] Cf: os principais métodos utilizados no aborto clandestino estão expostos no próximo tópico.

[6] Cf: Fazendo-se uma comparação, não é pelo fato de um país aceitar a pena de morte que se irá apedrejar os condenados em praça pública.

[7] ORGANIZATION, World Health. Abortion and death.Disponível em <www.who.int/> Acesso em 14/10/2009.

[8] CORREIO, da Paraíba. Dossiê revela o estado do aborto na Paraíba. Disponível em <http://jornalcorreio.com.br>. Acesso em 15/10/2009

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PROJETO DE LEI QUE CRIA O DIA DA LITERATURA DE CORDEL EM SERGIPE

ALEXSANDRO SANTOS CARVALHO FILHO: Acadêmico de Direito pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - FANESE.

Resumo: A literatura de cordel é um tipo de poesia popular, originalmente 

oral, e depois impressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel, 

expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem 

ao  nome  que  vem  lá  de  Portugal,  que  tinha  a  tradição  de  pendurar 

folhetos em barbantes. No Nordeste do Brasil, herdamos o nome (embora 

o povo chame esta manifestação de folheto), mas a tradição do barbante 

não perpetuou. Ou seja, o folheto brasileiro poderia ou não estar exposto 

em  barbantes.  São  escritos  em  forma  rimada  e  alguns  poemas  são 

ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. 

As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou 

cordelistas,  recitam  esses  versos  de  forma  melodiosa  e  cadenciada, 

acompanhados de viola,  como  também  fazem  leituras ou declamações 

muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores. 

Palavra‐chave:  Poesia  popular,  Manifestação  de  folheto,  Rimas, 

Cordelistas, Tradição, Cultura. 

Sumário: Resumo; 1.  Introdução; 2. História da Literatura de Cordel no 

Estado; 3. Importância da Literatura de Cordel; 4. Projeto de Lei aprovado 

na Câmara de Aracaju que cria o Dia da Literatura de Cordel; 5. Conclusão; 

6. Referências. 

1. Introdução

O  presente  trabalho  acadêmico  tem  por  objetivo  analisar  as 

contribuições da Literatura de Cordel e a criação da Lei que marca um dia 

comemorativo para a cultura Sergipana, fazendo uma análise sobre o que 

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é  cultura,  e  como  o  cordel  contribuiu  para  o  enriquecimento  do 

reconhecimento de nosso estado. Para tanto, pesquisa a sites, estudos de 

obras  teóricas,  foram  as  ferramentas  metodológicas  utilizadas  para 

alcançar o objetivo proposto.

2. História da Literatura de Cordel

A literatura de cordel é um gênero literário escrito para o povo e que 

ao  longo dos anos serviu para veicular a  informação que algumas vezes 

era mais rápida que o jornal. O cordel originou‐se em relatos orais e depois 

popularizou‐se  na  forma  "impresso  em  folhetos".  Os  folhetos  eram 

pendurados em barbantes (cordéis ou barbantes em Portugal) e vendidos, 

por isso a popularização do seu nome literatura de cordel. O Brasil iniciou 

esta literatura impressa no século XIX com características próprias e com 

temas locais e da época. Além dos temas da época também eram escritas 

lendas,  temas  religiosos,  fatos históricos. Alguns  folhetos chegam a  ser 

pérolas  do  cotidiano  da  época  como  por  exemplo  as  façanhas  do 

cangaceiro Lampião (Virgulino Ferreira da Silva, 1900‐1938) e o suicídio do 

presidente Getúlio Vargas (1883‐1954) são alguns dos assuntos de cordéis 

que tiveram maior tiragem no passado. Não há  limite para a criação de 

temas  dos  folhetos.  Praticamente  todo  e  qualquer  assunto  pode  virar 

cordel nas mãos de um poeta competente. 

No  Brasil,  a  literatura  de  cordel  é  produção  típica  do  Nordeste, 

sobretudo  nos  estados  de  Pernambuco,  da  Paraíba,  do Rio Grande  do 

Norte  e do Ceará. Costumava  ser  vendida  em mercados  e  feiras pelos 

próprios  autores.  Hoje  também  se  faz  presente  em  outros  Estados, 

como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O cordel hoje é vendido 

em  feiras  culturais,  casas de  cultura,  livrarias  e nas  apresentações dos 

cordelistas. 

3. Importância da Literatura de Cordel

Veículo de fabuloso fomento à identidade regional, o cordel tem nas 

camadas  populares  seus mais  constantes  e  fiéis  consumidores,  sendo 

através dos tempos valorizado e cultuado como a verdadeira e autêntica 

literatura nordestina, o livro de bolso do povo da região.

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4. Projeto de Lei aprovado na Câmara de Aracaju que cria o Dia da Literatura de Cordel

No  dia  19  de  julho  de  2014,  a  Câmara  de  Vereadores  da  Capital 

aprovou um projeto de  Lei que estabelece o dia 19 de  julho como Dia 

Municipal da Literatura de Cordel.

O Projeto de Lei 51/2014, de autoria do vereador  Iran Barbosa (PT) 

pretende  homenagear  os  cordelistas  sergipanos  através  de  uma  figura 

representativa da arte dos versos: o cordelista Itabaianense, João Firmino 

Cabral. 

O dia 19 de  julho  foi escolhido por ser nesse dia que  João Firmino 

sergipano,  patrono  da  primeira  Cordelteca  do  País  –  que  funciona  na 

Biblioteca Pública Clodomir Silva –, tomou posse na Academia Brasileira 

de Literatura de Cordel. 

Falecido  em  2013,  João  Firmino  era  bastante  conhecido  entre  os 

admiradores  do  cordel  que  visitavam  o Mercado  Antônio  Franco.  No 

mercado,  ele mantinha  uma  banca  de  venda  de  inúmeros  folhetos  de 

Cordel e  recebia,  com muita  simpatia, poetas, estudantes, professores, 

pesquisadores e turistas de todas as partes. 

Joelson  Santana  Cabral,  filho  do  cordelista,  comemorou  a 

homenagem. “A aprovação desse projeto foi muito boa para todos nós, 

que  vivemos  do  Cordel,  porque  vai  incentivar  ainda mais  a  cultura  do 

Cordel”. 

5. Conclusões

Apesar do processo de globalização, que busca a mundialização do 

espaço geográfico – tentando, através dos meios de comunicação, criar 

uma  sociedade  homogênea  –  aspectos  locais  continuam  fortemente 

presentes.  A  literatura  de  cordel  é  um  desses  aspectos:  várias 

comunidades continuam mantendo seus costumes e tradições. 

6. Referências

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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103‐

37862015000100097&lang=pt 

http://tudodocordel.blogspot.com.br/p/historia.html  

http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2014/07/camara‐de‐

aracaju‐aprova‐projeto‐de‐lei‐que‐cria‐dia‐da‐literatura‐de‐cordel.html  

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ASPECTOS JURÍDICOS DO GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE

THAÍS RAMOS DE BARROS CAVALCANTI: Advogada, formada em Direito, em 2012.2, pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Anhanguera Uniderp - LFG.

RESUMO: O Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde é uma maneira de buscar melhor qualidade de saúde para os profissionais, na manipulação do lixo hospitalar das Unidades de Saúde. A educação ambiental é muito importante para se ter o correto tratamento do resíduo, uma vez que o manipulador deve saber qual o local indicado onde este deve ser depositado, se no lixo comum ou no hospitalar. O tratamento desses resíduos especiais é feito através da incineração que, após ser queimado, é levado para o aterro sanitário. Aponta-se a partir deste estudo que, sem dúvida alguma, para obter o melhor gerenciamento dos resíduos de saúde é preciso que haja uma educação ambiental permanente nas unidades de saúde para que os profissionais lidem melhor com o lixo hospitalar.

Palavras-chave: Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde. Educação ambiental.

ABSTRACT: The Health Service Management of Solid Waste is one way to find the best health quality for hospital waste professional workers in Health Centers. Environmental Education is very important for the best treatment of waste because the professionals who manipulate waste must know where to appropriately store garbage and hospital waste as well. The treatment of this special waste is implemented through incineration and then sent to sanitary embankments. It was pointed out starting of this study, in order to get better health solid waste management, it is necessary to develop an environmental education program to help health professionals deal with hospital waste.

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Keywords: Health Service Management of Solid Waste. Environmental Education.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a importância da legislação municipal sobre os Resíduos de Saúde, buscando informações a respeito do que deve ser feito para melhorar o gerenciamento desses resíduos nas unidades de saúde.

O tema de “resíduos de serviços de saúde” (RSSS) é polêmico e amplamente discutido, pois esses são particularmente importantes pelo risco potencial que apresentam à saúde pública e ao meio ambiente, podendo ser fonte de microorganismos patogênicos, componentes químicos e radioativos (GARCIA, 2009).

Destaca-se a conscientização das autoridades na busca de alternativas para a prevenção da saúde dos manipuladores dos RSSS e para a prevenção do meio ambiente. A Lei 12.305 de 2010 vem sujeitar os geradores dos resíduos especiais à elaboração de um plano de gerenciamento nas unidades de saúde.

O objetivo do trabalho é mostrar como a educação ambiental em conjunto com o Plano de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) nas instituições de saúde torna-se fundamental, pois, a partir do correto gerenciamento, alcança-se a minimização de resíduos, como também o aumento de eficiência dos serviços nos estabelecimentos de saúde, proporcionando-se qualidade na saúde do analista, encarregado da disposição dos resíduos especiais, bem como na população em geral e no meio ambiente[1].

2 A PROBLEMÁTICA DOS RSSS NO BRASIL

Muito se discute sobre a temática de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde, isso porque o risco que eles podem acarretar à saúde pública e ao

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meio ambiente é muito alto em função das suas características físico-químicas e biológicas.

Na atualidade, os Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde (RSSS) englobam os resíduos dos hospitais, farmácias, drogarias, clínicas, hospitais veterinários, dentre outros semelhantes[2].

Estão compreendidos como resíduos hospitalares: sangue e hemoderivados, excreções, secreções, restos oriundos de áreas de isolamento, fetos e peças anatômicas, bem como objetos perfurantes ou cortantes capazes de causar punctura ou corte (FIORILLO, 2012).

Tendo vista os problemas trazidos pelos resíduos hospitalares, bem como os riscos de contaminação que representam, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece uma série de normas para conceituar e denominar os resíduos gerados nos hospitais, laboratórios, clínicas e demais serviços de saúde. Busca-se com isso facilitar a classificação, a separação e o destino do material a partir do seu conhecimento (FIORILLO, 2012).

A Resolução 358/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) dispõe sobre a necessidade de estimular a minimização da geração de resíduos, promovendo a substituição por materiais de menor risco, assim como a reciclagem, dentre outras alternativas[3].

O artigo primeiro da Resolução do CONAMA 358/05 diz que:

Esta Resolução aplica-se a todos os serviços relacionados com o atendimento à saúde humana ou animal, inclusive os serviços de assistência domiciliar e de trabalhos de campo; laboratórios analíticos de produtos para saúde; necrotérios, funerárias e serviços onde se realizem atividades de embalsamamento (tanatopraxia e somatoconservação); serviços de medicina legal; drogarias e farmácias inclusive as de manipulação; estabelecimentos de ensino e pesquisa na área de saúde; centros de controle zoonoses; distribuidores de produtos farmacêuticos;

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importadores, distribuidores e produtos materiais e controles para diagnóstico in vitro; unidades móveis de atendimento à saúde; serviços de acupuntura; serviços de tatuagem entre outros similares.

De forma a promover um gerenciamento adequado desses resíduos, a legislação brasileira estabeleceu que os seus geradores sejam os responsáveis pela implantação do Plano de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde (RSSS), elaborado para cada unidade de saúde em função as suas características, conforme o artigo 20°, alínea a, da Lei nº 12.305/2010.

Segundo Machado (2009, p.230) quando se trata de resíduos sólidos o gerador é responsável por eles, do berço ao túmulo[4]. Aplica-se o princípio do poluidor pagador pelo qual o gerador se responsabiliza desde o transporte dos resíduos até a sua disposição final. Devendo tomar todas as providências cabíveis para evitar qualquer poluição ou degradação ambiental.

No que diz respeito à infecção hospitalar, ressalta-se o alto risco oferecido aos agentes que estão em contato com esses materiais, levando-se em consideração, principalmente, a possibilidade de contaminação e acidentes de trabalho, fatos que despertaram a necessidade de legislar-se sobre o assunto a fim de proteger o meio ambiente, como também os agentes profissionais envolvidos, assim como a população em geral.

Nesta seara, é da Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios, proteger o meio ambiente, como também e combater a poluição em qualquer de suas formas, conforme o artigo 23º da Constituição Federal.

Cabe ao Estado promover o equilíbrio entre a produção e conservação ambiental, segundo o artigo 174 da nossa Carta Magna. Portanto, a fiscalização das atividades poluidoras é do Poder Público, competindo-lhe fixar ditames a serem observados por todos.

3 PLANO NACIONAL DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE

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São responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fundações instituídas pelo Poder Público, assim estruturados na composição do Sisnama (PADILHA, 2010).

A Lei 12.305/2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativos à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos – à exceção dos rejeitos radioativos, objeto de regulamentação específica -, delimitando a esfera de responsabilidade dos geradores de resíduos e do poder público, além de prever instrumentos econômicos (MILARÉ, 2011).

No presente contexto, cita-se o artigo 3º inciso XVI da referida Lei que define esses resíduos da seguinte maneira:

Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.

Os resíduos sólidos podem ser classificados, conforme o artigo 13º da Lei 12.305/2010, quanto à origem ou quanto à periculosidade. Quanto à origem, os resíduos podem ser: domiciliares, de limpeza urbana, urbanos, de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, públicos de saneamento básico, industriais, serviços de saúde, construção civil, agrossilvopastoris, serviços de transporte, mineração. Quanto à periculosidade podem ser resíduos perigosos ou não perigosos. Os resíduos perigosos são aqueles em razão de suas características tais como: por exemplo, a corrosividade, reatividade, toxidade, patogenicidade

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apresentam risco à saúde pública ou à qualidade ambiental. Os resíduos não perigosos são aqueles não abrangidos pelos perigosos.

O Plano Nacional de Resíduos Sólidos deve ser elaborado pela União em colaboração com o Ministério do Meio ambiente e tem como objetivos a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental. Leva-se em consideração a essa proteção ambiental os princípios da prevenção, precaução, do poluidor-pagador, articulados no artigo 9º da Lei 12.305/2010.

A incorreta gestão dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde recebeu um tratamento diferenciado devido à conscientização da população e das autoridades que perceberam que a alta periculosidade desses resíduos apresenta riscos para a saúde de quem os manipula e infecções hospitalares nos pacientes.

A Resolução 306, no capítulo VI, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2004) estabelece quais são os resíduos infectantes ou biológicos dentro do Grupo A (resíduos que apresentam agentes biológicos) separando-se em cinco categorias, a saber:

A1: Culturas e estoques de microorganismos; resíduos de fabricação de produtos biológicos, exceto os hemoderivados; descarte de vacinas de microorganismos vivos ou atenuados, meios de cultura e instrumentais utilizados para transferência, inoculação ou misturas de culturas, resíduos de laboratórios de manipulação genética.

- Resíduos resultantes da atenção à saúde de indivíduos ou animais, com suspeita ou certeza de contaminação biológica por agentes de risco 4, microorganismo com relevância epidemiológica ou causador de doença emergente ou cujo mecanismo de transmissão seja desconhecido.

- Bolsas transfusionais contendo sangue ou hemocomponentes rejeitadas por contaminação ou má

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conservação, ou com prazo de validade vencido, e aquelas oriundas de coleta incompleta; sobras de amostras de laboratório contendo sangue ou líquido corpóreos, recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, contendo sangue ou líquidos corpóreos na forma livre.

A2: Carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos provenientes de animais submetidos a processos de experimentação com inoculação de microorganismos, bem como suas forrações, e os cadáveres de animais suspeitos de serem portadores de microorganismos de relevância epidemiológica e com risco de disseminação, que foram submetidos ou não a estudo anátomo-patológico ou confirmação diagnóstica.

A3: Peças anatômicas (membros) do ser humano; produto de fecundação sem sinais vitais, com peso menor que 500 gramas ou estatura menor do que 25 centímetros ou idade gestacional menor do que 20 semanas, que não tenha valor científico ou legal e não tenha havido requisição pelo paciente ou familiar.

A4: Kits de linhas arteriais, endovenosas e dialisadores, quando descartados; filtros de ar e gases aspirados de área contaminada; membrana filtrante de equipamento médico – hospitalar e de pesquisa, entre outros similares; sobras de amostras de laboratórios e seus recipientes contendo fezes, urina e secreções, provenientes de pacientes que não contenham nem sejam suspeitos de conter agentes Classe de Risco 4, nem apresentem relevância epidemiológica e risco de disseminação, ou microorganismo causador de doença emergente cujo mecanismo de transmissão seja desconhecido ou com suspeita de contaminação com príons.

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- Resíduos de tecido adiposo proveniente de lipoaspiração, lipoescultura ou outro procedimento de cirurgia plástica que gere este tipo de resíduo; recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, que não contenham sangue ou líquidos corpóreos na forma livre; peças anatômicas (órgãos e tecidos) e outros resíduos provenientes de procedimentos cirúrgicos ou de estudo anátomo-patológicos ou de confirmação diagnóstica.

- Carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos provenientes de animais não submetidos a processos de experimentação com inoculação de microorganismos, bem como suas forrações; bolsas transfusionais vazias ou com volumes residuais pós-transfusão.

A5: Órgãos, tecidos, fluidos orgânicos, materiais perfurocortantes ou escarificantes e demais materiais resultantes.

A RDC 306/2004 da ANVISA concentra-se ainda sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde, determinando seu processamento, desde a gestão, planejamento, segregação, acondicionamento, armazenamento, transporte até o tratamento. Isso devido ao cuidado que se deve ter com os trabalhadores que estão expostos a esses materiais preservando-se a saúde pública, os recursos naturais e o meio ambiente.

O Gerenciamento dos resíduos gerados nos serviços de saúde (GRSS) visa a preservar a saúde pública e a qualidade do meio ambiente, considerando os princípios da biossegurança referente ao emprego de medidas técnicas, administrativas e normativas para prevenir acidentes, preservando a saúde pública e o meio ambiente; considerando que os serviços de saúde são os responsáveis pelo correto gerenciamento de todos os RSS por eles gerados, atendendo às normas e exigências legais, desde o momento de sua geração até a sua destinação final[5].

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A RDC 306/04 da ANVISA e a Resolução 358/05 do CONAMA classificam os resíduos sólidos em cinco grupos: A, B, C, D e E. O grupo A refere-se aos resíduos com a presença de agente biológicos, tais como placas e lâminas de laboratório, carcaças, tecidos.

O grupo B diz respeito aos resíduos com substâncias químicas como medicamentos, reagentes de laboratório, resíduos com metais pesados. No grupo C estão presentes aqueles materiais com presença de radionuclídeos conforme as normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

O grupo D são os resíduos comuns como, por exemplo, sobras de alimentos, resíduos de áreas administrativas. E, por fim, o grupo E que inclui os materiais perfurocortantes ou escarificantes como lâminas de bisturi, agulhas, ampolas de vidro, pontas diamantadas, lancetas, dentre outros.

Para se ter a redução dos resíduos infectantes é primordial o correto manejamento interno no interior das unidades de serviços de saúde, o que acarretará também, uma menor despesa com o tratamento dos RSS. O manejo interno engloba a segregação que é a separação desses resíduos de outros no local de geração, de acordo com as características químicas, físicas, biológicas e seu estado físico.

Conforme a RDC 306 - Capítulo III - 1.3 (ANVISA 2004) a identificação consiste no conjunto de medidas que permite o reconhecimento dos resíduos contidos nos sacos e recipientes, fornecendo informações ao correto manejo dos RSS.

A identificação deve estar aposta nos sacos de acondicionamento, nos recipientes de coleta interna e externa, nos recipientes de transporte interno e externo e nos locais de armazenamento, em local de fácil visualização, de forma indelével, utilizando-se símbolos, cores e frases, atendendo a NBR 7.500 da ABNT, além de outras exigências relacionadas à identificação de conteúdo e ao risco específico de cada grupo de resíduos. A identificação poderá ser feita por adesivos, desde que seja garantida a resistência destes aos processos normais de manuseio de sacos e recipientes. De acordo com a classificação dos RSS, os resíduos são identificados da seguinte maneira (FREIRE, 2009):

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- Grupo A: é identificado pelo símbolo de substância infectante referenciado na NBR 7.500 da ABNT, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos;

- Grupo B: é identificado mediante o símbolo de risco associado, com a discriminação de substância química e frases de risco, e de acordo com NBR 7.500 da ABNT;

- Grupo C: é representado pelo símbolo internacional de presença de radiação ionizante (trifólio de cor magenta) em rótulos de fundo amarelo e contornos pretos, acrescido da expressão REJEITO RADIOATIVO;

- Grupo D: inclui resíduos comuns, considerando todos os que não se enquadram nos demais grupos;

- Grupo E: é identificado pelo símbolo de substância infectante, mencionado na NBR 7.500 da ABNT, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos, acrescidos da inscrição RESÍDUO PERFUROCORTANTE, alertando para o risco que o resíduo apresenta (ANVISA, 2004).

O acondicionamento compreende a embalagem correta com materiais resistentes à punctura, ruptura e vazamentos, impermeável, baseado na 9191/2000 da ABNT[6], respeitando os limites de peso de cada saco. Cada saco deve ter a identificação dos resíduos que estão sendo transportados, apontando, assim, para o correto manejo dos RSS.

Esses sacos devem ser resistentes à perfuração, dotados de estanqueidade e impermeabilidade, com tampa de abertura sem contato manual, resistentes ao tombamento. Os recipientes de sala de cirurgia e parto não necessitam de tampa de vedação.

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De acordo com a NBR 12.808 (ABNT, 1993) os sacos onde os resíduos sólidos são acondicionados são de dois tipos:

- Sacos Classe I destinam-se para os resíduos comuns ou institucionais podendo, ser de qualquer cor.

- Sacos Classe II, para os resíduos especiais. Nesse caso, os sacos devem ter cor branca e leitosa com a identificação do fabricante. Devem conter o nome “substância infectante” ou “substância radioativa” com área mínima de 5% do saco.

Os resíduos perfurocortantes, devido ao perigo de acidentes em função de sua natureza, devem ser acondicionados em recipientes rígidos antes de serem lançados em sacos plásticos com fechamento e identificação adequados.

Os resíduos líquidos devem ser acondicionados em recipientes constituídos de material compatível com o líquido armazenado, resistentes, rígidos e estanques, com tampa rosqueada e vedante (RDC 306,2004).

O transporte interno é o translado até o local destinado ao armazenamento temporário ou à apresentação para a coleta externa. Deve ser realizado atendendo roteiro previamente definido e em horários não coincidentes com a distribuição de roupas, alimentos e medicamentos, período de visita ou de maior fluxo de pessoas ou de atividades. Deve ser feito separadamente, de acordo com o grupo de resíduos, em recipientes específicos para cada grupo de resíduos (RDC Nº 306 ANVISA, 2004).

Os recipientes para transporte interno devem ser constituídos de material rígido, lavável, impermeável, provido de tampa articulada ao próprio corpo do equipamento, cantos e bordas arredondados, identificados com o símbolo correspondente ao risco do resíduo neles contidos, de acordo com este Regulamento Técnico. Devem ser providos de rodas revestidas de material que reduza o ruído. Os recipientes com mais de 400 l de

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capacidade devem possuir válvula de dreno no fundo. O uso de recipientes desprovidos de rodas deve observar os limites de carga permitidos para o transporte pelos trabalhadores, conforme normas reguladoras do Ministério do Trabalho e Emprego (ANVISA, 2004).

A sala para guarda de recipientes de transporte interno de resíduos deve ter piso e paredes lisas, laváveis e resistentes ao tráfego de recipientes coletores. Deve possuir ponto de iluminação artificial e área suficiente para armazenar, no mínimo, dois recipientes coletores, para o posterior traslado até a área de armazenamento externo. Quando a sala for exclusiva para o armazenamento de resíduos, deve ser identificada como “SALA DE RESÍDUOS”. Caso a sala tenha outra utilidade, deverá dispor de área exclusiva de, no mínimo, 2 m², para armazenar dois recipientes coletores para posterior traslado até a área de armazenamento externo (ANVISA, 2004).

O armazenamento temporário fica em locais em que a coleta seja rápida e próxima ao ponto de geração, isso para que facilite o trabalho dos coletores e geradores do resíduo. Não poderá ser feita a disposição dos resíduos direta dos sacos sobre o piso, sendo obrigatória a conservação dos sacos em recipientes de acondicionamento. O armazenamento temporário poderá ser dispensado nos casos em que a distância entre o ponto de geração e o armazenamento externo justifique (RDC 306,2004).

O armazenamento externo consiste na guarda dos materiais em ambiente ao qual os veículos coletores tenham acesso. Aqui também não é permitida a manutenção dos sacos fora dos recipientes. Conforme a RDC 306/04 a coleta e transporte externos dos resíduos de serviços de saúde devem ser realizados de acordo com a NBR 12.810 e NBR 14652 da ABNT. A coleta e o transporte externo removem os resíduos do armazenamento externo até a unidade de tratamento.

Após fazer todo o processo de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde vem o tratamento com as técnicas e processos para alterar as características dos resíduos, eliminando o risco de contaminação, de acidentes ocupacionais ou de dano ao meio ambiente para a destinação final. É fundamental esse processo, uma vez que ao final da desinfecção e

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esterilização os RSSS serão juntados com os resíduos comuns (RDC 306, 2004).

O tratamento dos resíduos de saúde pode ser feito no próprio estabelecimento gerador ou em local de tratamento licenciado de acordo com a Resolução 237/1997 do CONAMA podendo ser fiscalizado pela vigilância sanitária e ambiental.

Alguns processos térmicos são utilizados para inativar os microorganismos patogênicos, e que geralmente é conseguido a uma temperatura de 100ºC. A autoclavagem é um vapor superaquecido que desinfecta os resíduos a baixo custo sem emitir efluentes gasosos. Outro procedimento que vem sendo muito utilizado no tratamento dos RSSS devido ao alto teor de umidade diz respeito aos microondas que geram alta temperatura com a radiação eletromagnética.

Os incineradores ocorrem a temperaturas em torno de 1000º C e têm a grande vantagem de serem eficientes no tratamento e reduzir o volume de 95% dos resíduos, todavia importam um alto custo para sua implantação e devendo atentar para os impactos ambientais que podem ocasionar. O sistema pirólise consiste no aquecimento de até 1000ºC em uma atmosfera sem oxigênio.

Quanto ao processo químico, o sistema de esterilização e desinfectação requer primeiro a trituração dos resíduos, após serem estes imersos em líquido desinfectante durante 15 a 30 minutos. A irradiação é um processo químico que rompe o DNA e NA dos microorganismos causando a destruição celular.

Após todo o processo de tratamento, vem à destinação final dos resíduos infectantes que deve ser feita em aterros sanitários com licença do órgão estadual ambiental. Segundo pontua Luís Paulo Sirvinskas (2006, p.115) o aterro sanitário é a forma de disposição do lixo mais adequada e econômica. A escolha do local deverá ser submetida ao estudo prévio de impacto ambiental para constatar a viabilidade da implantação do aterro. Todas as alternativas devem ser analisadas para lograr-se o menor impacto ambiental possível.

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Trata-se de uma área extensa para a disposição do lixo coletado diariamente que, após a sua compactação, é coberta com uma camada de terra no final de cada dia. São colocados respiros e drenos para a saída dos gases e do chorume, observando-se os princípios da engenharia sanitária (SIRVINSKAS, 2006).

Ainda de acordo com Sirvinskas (2006, p. 214) o destino dos resíduos sólidos é uma questão de saúde pública. Compete à engenharia sanitária estabelecer critérios adequados para o destino desses resíduos.

Os métodos mais utilizados no tratamento de RSS são a esterilização a gás ou vapor, desinfecção química, por adição de peróxido de hidrogênio, hipocloritos, ácidos, alcoóis, compostos de amônia quaternário ou cetona e incineração após a compactação ou trituração dos resíduos, se necessário. Esses resíduos podem ainda ser tratados por ativação térmica, irradiação ou por plasma (FREIRE, 2009).

4 CONCLUSÃO

O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde torna-se útil para cada unidade geradora desse resíduo, uma vez que proporcionará melhor qualidade de vida para à população em geral, aos manipuladores nas unidades de saúde e à preservação do meio ambiente da cidade.

O gerenciamento é uma questão complexa envolvendo várias etapas a serem seguidas como o acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos de saúde (FREIRE, 2009).

A educação nas unidades de saúde é o meio de se ter um melhor gerenciamento dos resíduos especiais, já que muitas pessoas que manipulam os resíduos não sabem que destino deve ser dado, se no âmbito do lixo hospitalar ou comum. Com isso acaba quebrando uma futura etapa que deve ser seguida e prejudicando assim futuramente todos que estão direta e indiretamente em contato com o resíduo.

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 ‐ 1984‐0454 

A prevenção e educação permanente no sentido de evitar novas ocorrências são desafio para todos os envolvidos e demanda esforços intensos de formação e informação aos profissionais e alunos dos cursos da área, visando a prevenção dos acidentes de trabalho que culminam, sempre, em desgaste emocional do profissional, riscos à saúde, problemas de ordem econômica e social, necessidade de investimentos financeiros, problemas éticos e legais, envolvendo os profissionais, pacientes e a instituição, entre outros[7].

Em suma, pode-se afirmar que o gerenciamento de Resíduos Sólidos e de Serviços de Saúde, no que concerne a sua juridicidade, está amplamente amparado por ordenamentos jurídicos, sob muitos aspectos, irretocáveis.

Por estes, são minuciosamente definidos, as competências e responsabilidades dos governantes das três esferas do poder: o federal, o estadual e o municipal. Da mesma forma, neles são estabelecidos os direitos e deveres das comunidades, bem como, dos cidadãos que as integram.

Faltam-lhe, contudo, o complemento de instrumentos eficazes e mais exigentes, susceptíveis de assegurar: a continuidade de uma fiscalização integral; a continuidade de uma fiscalização permanente; a penalização rigorosa e exemplar dos transgressores de seus comandos sejam eles autoridades públicas ou simples cidadãos comuns.

Pois, é de todos, consabido, que as leis são quase sempre, perfeitas, quando definem o quê, como, quando e por quem algo deva ser feito. Mas ela não tem o condão de fazer por nós.

Ora, chega a ser quase uma tara nacional, nosso apuro na formulação das leis, mas nossa incúria e negligência quando se trata de colocá-las em prática, de cumpri-las fielmente e de desencorajar os que as infrigem, pela aplicação sem complacências, de salutar corretivo penal.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Coleta de Resíduos de Serviços de Saúde: NBR 12810. Rio de Janeiro, 1993.

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_________. Resíduos de Serviços de Saúde: NBR 12808. Rio de Janeiro, 1993.

_________. Resíduos Sólidos – Classificação: NBR 10004. Rio de Janeiro, 2004.

_________. Identificação para o transporte terrestre, manuseio, movimentação e armazenamento de produtos: NBR 7.500. Rio de Janeiro, 2004.

_________.Sacos plásticos para acondicionamento de lixo – Requisitos e métodos de ensaio. NBR 9191: Rio de Janeiro, 2002.

_________. Coletor-transportador rodoviário de resíduos de serviços de saúde - Requisitos de construção e inspeção - Resíduos do grupo A: NBR 14.652. Rio de Janeiro, 2001.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº. 306, de 07 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o regulamento técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da República Federativo do Brasil, Brasília, DF, 10 dez, 2004.

_________. Conselho Nacional de Meio ambiente. Resolução CONAMA nº 358, de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da República do Brasil, Brasília, DF, 04 de maio de 2005.

_________. Constituição (1988). Constituição Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

_________.Congresso Nacional. Lei Federal nº 12.305 de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 e dá outras providências.

FREIRE, Ivanise Ramos. Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde.

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 ‐ 1984‐0454 

_________. Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde no Hospital Universitário Onofre Lopes. Natal, RN: [sn], 2009. Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Educação e sustentabilidade ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GARCIA. Gisela Gressler. Avaliação do método de tratamento de resíduos de serviços de saúde através as esterilização por meio da autoclavagem. Porto Alegre, RS: [sn], 2009.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Vários autores.Sociedade e Meio ambiente: A educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.15 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente – A gestão ambiental em foco.7. ed. São Paulo: RT, 2011

PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

SILVA, Emília Margareth de Melo. Vários autores. Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Norte – PEGIRS/RN – Estudos de regionalização da gestão integrada de resíduos sólidos do Estado do Rio Grande do Norte e elaboração do plano regional de gestão integrada de Resíduos Sólidos Estadual. Natal, RN: Governo do Estado Do Rio Grande do Norte, 2012.

SÊCCO, Iara Aparecida de Oliveira. Vários autores. Acidentes de Trabalho e Riscos Ocupacionais no dia a dia do trabalhador hospitalar: desafio para a Saúde do Trabalhador.

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 ‐ 1984‐0454 

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

SAAD, Caroline D.R. et al. Resíduos Sólidos Infectantes em Unidades de Saúde de média e alta complexidade na visão dos manipuladores. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Universidade Potiguar.

SILVA, Ivanilde Ramos. Natal: uma referência para a solução do tratamento dos resíduos sólidos. Urbana Revista de Notícias, Ano 1, n.1, abr. 2006.

[1] FREIRE. Ivanise Ramos. Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde. Natal/RN: 2009.

[2] Artigo científico sobre Resíduos Sólidos Infectantes em Unidades de Saúde de média e alta complexidade na visão dos manipuladores.

[3] Resolução 358 de 29 de abril de 2005 do Conama, dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências.

[4] Essa expressão tem origem no direito ambiental americano – from cradle to grave – Significa que a responsabilidade do gerador de resíduos não se encerra nem com a disposição final nem com a entrega do resíduo a um transportador, mesmo que o contrato possua cláusula específica sobre a transferência de responsabilidade, para que este transporte os resíduos até o local de sua disposição final. Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: ATLAS, 2009.

[5] RDC 306 de 07 de Dezembro de 2004 dispõe sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Saúde.

[6] A NBR 9191:2000 foi substituída posteriormente pela NBR 9191:2002 que dispõe sobre sacos plásticos para acondicionamento de lixo – Requisitos e métodos de ensaio.

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[7] SÊCCO. Iara aparecida de Oliveira. Vários autores. Acidentes de Trabalho e Riscos Ocupacionais no dia a dia do trabalhador hospitalar: desafio para a Saúde do Trabalhador.

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Curso de Gestão Microrregional

SENAC/ MG

Giovanna Brandão de Araújo

Almenara/MG

2012

 

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Giovanna Brandão de Araújo

A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou judicialização e a

responsabilidade solidária do Município de Almenara com os demais entes

federativos no fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil (cellcept) no

tratamento de Lupus.

Trabalho de conclusão do curso de Gestão Microrregional de

Saúde apresentado ao SENAC/MG como requisito parcial para

obtenção do título de Especialista em Gestão Microrregional de

Saúde.

Orientadora: Fernanda Pereira Zhouri

Almenara/MG

2012

 

 

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Giovanna Brandão de Araújo

A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou

judicialização e a responsabilidade solidária do Município de Almenara

com os demais entes federativos no fornecimento do medicamento

Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.

Trabalho de conclusão do curso de Gestão Microrregional de

Saúde apresentado ao SENAC/MG como requisito parcial para

obtenção do título de Especialista em Gestão Microrregional de

Saúde.

 

 

Aprovada em ______, de ________________ de 2012.

 

Banca Examinadora:

_______________________________________________________

Reginaldo Costa Sakamoto

Especialista – Senac/MG

_______________________________________________________

_______________________________________________________

 

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Ao Ministério Público de

Minas Gerais, pela

oportunidade de

aperfeiçoamento nos estudos.

 

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo direcionamento e sabedoria que me destes

nesta nova etapa de aperfeiçoamento dos meus estudos.

Ao meu amor Márcio pelo apoio, incentivo, paciência e

carinho incondicional.

 

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RESUMO

Atualmente presenciamos ao crescente número de ações judiciais, nas quais os

cidadãos pleiteiam a observância de um direito constitucional que é o direito à saúde.

A todos os cidadãos é garantido o direito à saúde – direito fundamental indissociável

do direito à vida – sendo dever do Estado, com atuação conjunta e solidária das esferas

institucionais da organização federativa efetivar políticas socioeconômicas para a sua

proteção, promoção e recuperação.

No presente estudo abordaremos a saúde nos Tribunais e a responsabilidade conjunta e

solidária dos entes federados no fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil

(cellcept) no tratamento de Lúpus.

Palavras-chaves: Judicialização da saúde. Responsabilidade conjunta e solidária dos entes

federativos no fornecimento Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.

 

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ABSTRACT

Today we witness the growing number of lawsuits in which citizens plead for the fulfillment of a constitutional right which is the right to health.Every citizen is guaranteed the right to health - a fundamental right to life inseparable from the right - and duty of the State, acting jointly and severally of institutional spheres of federal organization effective socioeconomic policies for their protection, promotion and recovery.In the present study will cover health in the Courts and joint and several liability of federal agencies in drug delivery Microfenolato Mofetil (CellCept) in treatment of lupus.

Keywords: Legalization of health. Joint and several liability of federal entities in the

supply Microfenolato Mofetil (CellCept) in treatment of Lupus.

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SUMÁRIO

 

1. Introdução.................................................................................................................... 09

1.1. Justificativa/Formulação do Problema................................................................... 10

1.2. Formulação do Problema......................................................................................... 11

1.3. Objetivos.................................................................................................................... 12

1.4. Meta............................................................................................................................ 12

1.5. Metodologia............................................................................................................... 12

1.6. Plano de Ação............................................................................................................ 13

1.7. Público Alvo............................................................................................................... 14

1.8. Cronograma Físico-Financeiro................................................................................ 14

2. Referencial Teórico...................................................................................................... 16

2.1. Abordagem das críticas à judicialização da saúde................................................ 16

2.2. A distribuição de competências entre os entes federativos na organização do

sistema único de saúde.....................................................................................................

22

2.3. Da responsabilidade solidária e conjunta dos entes federados no fornecimento

de medicamentos..............................................................................................................

24

2.4. Do medicamento microfenolato mofetil (cellcept)................................................. 27

2.5. Análise de caso concreto........................................................................................... 29

3. Conclusão...................................................................................................................... 32

4. Referências Bibliográficas........................................................................................... 34

 

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1. INTRODUÇÃO

A Carta da República de 1988, em seu art.196, preceitua que a saúde é

direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido acesso universal e igualitário às

ações e serviços de promoção, proteção e recuperação. O art. 198 do mesmo diploma legal

que dispõe da integralidade do atendimento, reza que “as ações e serviços públicos de saúde

integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado

de acordo com as diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da

comunidade”. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm).

Atualmente, presenciamos uma grande movimentação dos cidadãos no

Judiciário pleiteando por medicamentos e tratamentos. A intervenção do Poder Judiciário,

mediante determinações à Administração Pública para que forneça gratuitamente

medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de

prestação universalizada do serviço de saúde.

A questão envolve um direito fundamental social que o Estado

prioritariamente tem o dever de assegurar a todos, sem distinção, com uma de suas atribuições

essenciais. E estas não se restringem a uma programação meramente assistencial, médico-

hospitalar e de oferta de medicamentos, mas seu alcance envolve todo o bem estar físico e

mental do cidadão. Daí decorrem situações por vezes surpreendentes, que o poder público por

desídia, incompetência ou carência de recursos não contorna, queda-se inerte, assim o cidadão

desassistido ou se sentindo preterido, recorre ao judiciário para salvaguardar seu direito,

possivelmente em risco iminente e irreparável dano em caso de demora.

O presente estudo procura contribuir para a racionalização do problema na

microrregião de Almenara, com a elaboração de critérios e parâmetros que justifiquem e

legitimem a atuação judicial no campo particular das políticas de distribuição de

medicamentos discorrendo, também sobre a responsabilidade conjunta e solidária do

município de Almenara com os demais entes federativos no fornecimento do medicamento

Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.

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10 

 

1.1. JUSTIFICATIVA

Percebe-se que a Promotoria de Justiça de Almenara é periodicamente acionada

pelos cidadãos pedindo providências, ante a recusa da Secretaria Municipal de Saúde de

Almenara no fornecimento de medicamentos, internações e Transferências de pacientes para

fora do domicílio.

Constata-se que em casos em que o medicamento é de alto custo o município tem

alegado que a responsabilidade do fornecimento é do Estado e não da municipalidade.

Diante de tal quadro, o Ministério Público vem ajuizando ação civil pública e

mandado de segurança para fazer valer o direito constitucional à saúde.

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11 

 

1.2. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou judicialização?

A responsabilidade solidária do município de Almenara com os demais entes

federativos no fornecimento do medicamento não padronizado e de alto custo, Microfenolato

Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.

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12 

 

1.3. OBJETIVOS

Objetivo Geral: Analisar as peculiaridades dessa “judicialização da

prestação de assistência farmacêutica”, indicando os principais aspectos a serem observados

por aqueles que a pleiteiam e a concedem, de modo a racionalizar e equilibrar os direitos que

dela são objeto.

Demonstrar a distribuição de competência dos entes federativos no tocante

ao fornecimento de medicamento de alto custo.

Objetivos específicos: Demonstrar quais os critérios utilizados nas decisões

judiciais para o fornecimento do medicamento de alto custo no município de Almenara.

Proporcionar aos cidadãos os meios para tornar efetivo o direito fundamental

- saúde no que se refere ao fornecimento de medicamentos, diante da responsabilidade

solidária dos entes federados no fornecimento de medicamentos.

1.4. META

Através deste projeto de intervenção objetiva-se reduzir a judicialização do

fornecimento de medicamentos e apresentar argumentos e parâmetros teóricos para a atuação

dos Poderes Judiciários e Executivos, bem como ao Ministério Público de Minas Gerais no

que se refere ao fornecimento de medicamentos de alto custo pelo SUS.

1.5. METODOLOGIA

Com o objetivo de se adquirir os resultados almejados no presente projeto adotarei a

pesquisa bibliográfica sobre o tema da judicialização da saúde e responsabilidade dos entes

Federados no fornecimento de medicamento. Buscando, também verificar a padronização ou

não do medicamento microfenolato mofetil para o tratamento do Lupus, bem como a

comprovação científica da droga.

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13 

 

Verificar nas decisões judiciais proferidas na Comarca de Almenara quais os motivos

e fundamentos utilizados para conceder o medicamento.

1.6. PLANO DE AÇÃO

META 1: reduzir a judicialização do fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil

(cellcept) no tratamento de Lupus de Almenara e demonstrar a competência dos entes

federados no fornecimento de medicamento de alto custo.

Ação: Analise bibliográfica.

Local: Projeto de Intervenção.

Motivo: Obter conhecimento sobre a eficácia do medicamento Microfenolato

Mofetil(cellcept) no tratamento do Lúpus.

Como: Através de dados e pesquisas realizadas.

Responsável: Aluna

Data: Início - Fim: 02/01/12 a 15/01/2012.

Custo: zero

META 2: Identificar qual o valor global gasto pelo Município de Almenara na compra do medicamento.

Local: Secretaria Municipal de Saúde.

Motivo: a identificação dos dados em exame permitirá a uma análise diagnóstica da situação em estudo.

Como: analisando a Programação Pactuada Integrada de cada município da região em questão.

Responsável: Curador do SUS.

Data de início e fim: janeiro de 2012

Indicador: valor em reais destinados à compra do medicamento.

Custo: zero, por se tratar de informação que não exige meio complexo de obtenção.

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14 

 

META 3 : Identificar e quantificar o número de casos que exigiram o fornecimento do medicamento no município de Almenara nos últimos 12(doze) meses.

Local: Secretaria Municipal de Saúde de Almenara.

Motivo: com a identificação dos dados em exame poder-se-á facilitar a análise diagnóstica do problema enfrentado.

Como: verificando os registros de casos junto aos sistemas de registro da Secretaria Municipal de Saúde.

Responsável: Curador do SUS.

Data de início e fim: fevereiro a março de 2012

Indicador: percentual de usuários do medicamento.

Custo: zero.

1.7. PÚBLICO ALVO

O presente trabalho foi elaborado para atingir a Secretaria Municipal de Saúde de

Almenara e o Poder Judiciário da Comarca de Almenara conscientizando-os da

responsabilidade dos entes federados no fornecimento de medicamento de alto custo, como

Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus de Almenara.

1.8. CRONOGRAMA FISICO-FINANCEIRO

META

reduzir a judicialização do

fornecimento do medicamento

Microfenolato Mofetil (cellcept) no

tratamento de Lupus de Almenara e

conscientizar o município de

Almenara da sua responsabilidade

PERÍODO

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15 

 

solidária e conjunta do

fornecimento do supracitado

medicamento com os demais entes

federados

1.1. Ação 01 Analise bibliográfica.

Custo zero

1.2. Ação 02

Identificar qual o valor global gasto pelo Município de Almenara na compra do medicamento.

janeiro de 2012

Custo Inestimável

1.3. Ação 03

Identificar e quantificar o número de casos que exigiram o fornecimento do medicamento no município de Almenara nos últimos 12(doze) meses.

fevereiro a março de 2012

Custo Inestimável

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16 

 

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. ABORDAGEM DAS CRÍTICAS À JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

A intitulada judicialização da saúde constantemente vem sendo alvo de inúmeras

críticas, muitas delas consistentes, mas não inafastáveis. No Brasil, por uma distorção, a

implementação das políticas públicas vem saindo das esferas dos Poderes Executivo e

Legislativo e migrando para o Poder Judiciário.

É sabido que o número de ações judiciais foi tão grande que fez com que o Supremo

Tribunal Federal realizasse uma audiência pública. Estamos diante de uma judicialização da

política, que por um lado prestigia o Poder Judiciário com discussões vitais para o país, mas

por outro declara a falência na resolução dos conflitos nas esferas que lhe são peculiares. Já é

comprovado que o Poder Judiciário é sobrecarregado com inúmeras demandas e acaba por se

tornar moroso devido à excessiva litigiosidade.

O direito social à saúde é o que adquiriu maior debate acadêmico e número de ações

na esfera judicial, em prol da efetividade. A acessibilidade ao SUS é de grande vulto, o que

acaba por ser difícil e torna-se mais complexa a resolução do conflito.

Fala-se muito que o Poder Judiciário estaria fazendo a micro-justiça, ante ao

desconhecimento das questões médicas e à pressão das indústrias farmacêuticas. Alega-se que

o Judiciário não possui o conhecimento médico necessário para instituir políticas de saúde¹ e

que o Judiciário deve observar apenas a micro-justiça e não a macro-justiça, destinada à

administração pública².

Ademais, aponta-se que muitos juízes não têm consciência de algumas ações para

obtenção de medicamento e tratamentos que são fomentadas pela indústria farmacêutica, com

a esperança de que um maior número de decisões judiciais concedendo seus medicamentos

pressione o governo a incluí-los na lista do programa oficial de saúde.

________________________________

¹ Ver Gouvêa (2003, p. 22-23 apud BARROSO, 2008, p. 19).

² Ver Barcellos (2006 apud BARROSO, 2008, p. 19).

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17 

 

Ocorre que, inúmeros dados demonstraram o contrário do que acima se apontou e que

os juízes, ao proclamarem decisões que optem pelo direito à saúde e à vida, realizam macro-

justiça, ainda que não imediatamente. Isso porque, se fizermos uma estudo mais aprofundado

do desenvolvimento do SUS e de alguns medicamentos, constataremos que muitos deles só

foram implementados por pressão das decisões judiciais. Eis o que confirma o próprio

CONASS (BRASIL, 2007, p. 143):

Nas secretarias Estaduais de Saúde as primeiras ações judiciais eram referentes ao fornecimento de medicamentos de alto custo, de difícil acesso e de medicamentos antiretrovirais para o tratamento de AIDS. No caso dos antiretrovirais, a partir de 1996, com a introdução da terapia combinada para o tratamento de AIDS, o número de ações judiciais para o fornecimento desses medicamentos aumentou significativamente e tiveram grande impacto no orçamento público, chegando a consumir em uma Unidade da Federação, no ano de 2001, cerca de 80% do orçamento previsto para a compra de medicamentos antiretrovirais [...].

Situação semelhante, com aumento expressivo de ações judiciais, ocorreu com o lançamento de novos medicamentos para o tratamento da Hepatite Viral crônica C, entre eles as alfapeginterferonas. Nesse caso, várias ações civis públicas foram movidas pelo Ministério Público para garantia do fornecimento desses medicamentos aos pacientes, além de inúmeras ações judiciais individuais. A maior parte delas determinava o fornecimento de medicamento a pacientes que não se enquadravam nos critérios do Protocolo Clinico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite Viral Crônica C, estabelecido pelo Ministério da Saúde e publicado pela Portaria SAS/MS n. 863, de 4 de novembro de 2002 [...].

Portanto, essas ações forçam o poder público a implementar programas especiais para

certos tipos de doenças, como temos hoje para a Aids, Diabetes, Hepatite, Parkinson e outros,

isso é fazer macro-justiça³.

________________

³ Confira-se, a respeito, a explicação de Ana Paula de Barcellos, Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, Revista de direito do Estado 3:32, 2006: “Ainda que superadas as críticas anteriores, o fato é que nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou condições de avaliar, sobretudo em demandas individuais, a realidade da ação estatal como um todo. Preocupado com a solução dos casos concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora outras necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para o atendimento de demandas ilimitadas: a macro-justiça. Ou seja: ainda que fosse legítimo o controle jurisdicional das políticas públicas, o jurista não disporia do instrumental técnico ou de informação para levá-lo a cabo sem desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas globalmente considerado”.

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Forçoso é concluir que as decisões judiciais foram e continuam sendo

imprescindíveis para o aperfeiçoamento do sistema e a efetivação das políticas públicas de

saúde.

Alegam, também que o judiciário estaria violando o princípio democrático da

separação dos poderes, sendo esta argumentação utilizada pela União, pelos Estados e

Municípios em suas defesas, alegando que não se pode retirar dos poderes legitimado pelo

voto popular (Executivo e Legislativo) a prerrogativa de decidir de modo os recursos públicos

devem ser gastos, sob pena de violação ao indigitado princípio da separação dos poderes,

estatuído no art. 2° da CF (Constituição da República de 1988) : “São Poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. (BRASIL.

Constituição -1988).

Em termos acadêmicos, já se reconhece que a Separação dos Poderes, idealizada por

Montesquieu, não representa um divórcio estanque entre os Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário. Tal teoria, em verdade, encontra-se suplantada, já que no Estado Contemporâneo o

Legislativo também julga, o Executivo também legisla e o Judiciário também administra, nos

casos expressamente previstos na Constituição.

A Constituição Cidadã de 1988, impôs ao Poder Judiciário a árdua tarefa de dar-lhes

concretude, especialmente quando os demais Poderes, tanto pela omissão legislativa, como

pela administrativa, os colocarem em risco.

Lado outro, a ordem constitucional brasileira adotou o sistema do checks and

balances, com o intuito de evitar abusos no exercício do poder político e proporcionando o

equilíbrio e a harmonia entre os poderes constitucionais, que passaram a agir com fiscalização

mútua, buscando evitar a supremacia de um sobre o outro4.

No que se refere às atribuições do Poder Judiciário, dispôs a Carta Magna que é

função precípua do Poder Judiciário apreciar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV),

____________ 4Moraes, Alexandre de, Direito Constitucional, 11ª Ed. p.369.

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incluindo-se aí, as atuações do Estado-Administração que prejudiquem os administrados ou

interesses da coletividade e as políticas públicas, também suscetíveis de controle jurisdicional,

como a saúde pública (CF, art. 196 a art. 200).

Logo, tudo isso autoriza o juiz a exercer o controle do ato administrativo questionado,

pois nenhuma lesão a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.

A doutrinadora Ada Pellegrini Grinover sustenta que os interesses metaindividuais

tornam o Judiciário uma instância política: “[...] é o dado político que altera o próprio

conceito de processo, mais entendido como clássico instrumento de solução de lides

intersubjetivas, mas transformando em meio de solução de conflitos metaindividuais por isso

mesmo tipicamente políticos” (GRINOVER, 1979, p. 30-31).

Conforme expresso na Constituição Federal, apesar de os juízes não serem eleitos pelo

povo, devem fundamentar suas decisões e torná-las públicas. Para Inocêncio Mártires

(MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 66), citando Lo Racional como Razonable, “[...] é

especificadamente pela justificação que o autor de uma decisão quer se trate de um juiz ou de

uma autoridade administrativa constrói a credibilidade sobre a qual repousa a confiança que

nele depositam os cidadãos”.

Portanto, o judiciário vem assumindo o seu papel na concretização das normas

constitucionais, sem ferir o princípio da separação dos poderes, até mesmo porque num

Estado Democrático de Direito o Estado soberano deve submeter-se à própria justiça que

institui e o Judiciário nada mais faz senão cumpri-la, determinando a realização prática do

texto constitucional.

A judicialização da saúde ainda enfrenta uma dura crítica: o impacto orçamentário e a

cláusula da reserva do possível, segundo a qual a prestação dos serviços públicos pelo Estado

está condicionada à disponibilidade de recursos necessários para a implementação de tais

serviços, em suma, não é permitido exigir do Estado nada acima de um limite básico social.

Os entes Federados têm alegado em suas defesas nas ações judiciais a cláusula da

reserva do possível apenas em sua parte teórica. Não apresentam os números, não se aponta

quanto foi gasto em saúde pública, em medicamentos.

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O Supremo Tribunal Federal em suas decisões não vem aceitando a tese da cláusula do

possível no tocante à efetivação de políticas públicas. Ao julgar a Ação de Descumprimento

de Preceito Fundamental 45/DF, Relator, Ministro Celso de Mello, assim proferiu decisão:

“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERALIDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRALIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, também já se manifestou a respeito da

observância da cláusula da reserva do possível no tocante à saúde, senão vejamos:

EMENTA: CONSTITUCIONAL - DIREITO À SAÚDE -FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - RESERVA DO POSSÍVEL - INAPLICABILIDADE. Em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, não se há de aplicar a denominada Teoria da Reserva do Possível. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0699.08.089466-9/001 -COMARCA DE UBÁ - APELANTE(S): MUNICÍPIO UBA -APELADO(A)(S): ROBERT CRISTIAN DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. MANUEL SARAMAGO -ACÓRDÃO -Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador MANUEL SARAMAGO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO. Belo Horizonte, 30 de setembro de 2010. DES. MANUEL SARAMAGO - Relator

Logo, a indigitada escassez de recursos deve ser comprovada pelos entes públicos.

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Oportuno ressaltar o entendimento sustentado pelo Ministro Celso de Mello, no

julgamento da Argüição de Descumprimento Fundamental nº 45,:

“Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”

Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica

dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar):

Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir'" (STF, DJ nº 84, 04/05/2004).

Assim, somente após a garantia da vida, requisito básico para o convívio em

sociedade, é que os administradores públicos poderão optar pelo investimento do saldo

remanescente dos recursos públicos.

De todo o exposto, conclui-se que ao deferir uma prestação incluída entre as políticas

sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o Judiciário não está

criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento.

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2.2. A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS

NA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.

A organização do Sistema Único de Saúde se dá mediante uma divisão

administrativa regionalizada e hierarquizada com base no critério da complexidade das ações

e serviços (inc. II do art. 7º da Lei n. 8.080/90).

Cabe aos Municípios, nesse contexto, a concretização de ações e serviços de menor

complexidade, aos Estados os de média e alta complexidade e à União os de alta

complexidade. É o que se depreende dos artigos 8º e seguintes da Lei n. 8.080/90, bem como

da interpretação sistemática desse diploma legal e de todos os outros atos normativos que

disciplinam a assistência à saúde.

Paralelamente existe um sistema de financiamento dessa atuação Estatal, pautado por

critérios diversos dos que ditam a divisão de atribuições de ações e serviços. Ou seja, não é só

a complexidade das ações e serviços que dita a aplicação e o repasse de verbas destinadas à

saúde, mas também critérios como a densidade populacional e a arrecadação tributária.

Não raro essa divergência de critérios acarreta discrepâncias que tornam inviáveis ou

ineficazes políticas públicas de saúde.

Isso ocorre, por exemplo, nos Municípios que se consubstanciam em pólos regionais

de prestação de serviços, nos quais o Estado atua custeando ações e serviços de alta

complexidade – subsidiando hospitais secundários e terciários, por exemplo – sem se

desvincular das obrigações financeiras que tem para com os serviços de pequena

complexidade prestados pela esfera municipal.

No tocante ao fornecimento de medicamentos, em princípio o raciocínio aplicado é o

mesmo: cabe aos municípios o fornecimento de medicamentos básicos e aos Estados e à

União os de alta e média complexidade.

Fica a cargo dos Estados, por exemplo, a dispensação dos medicamentos

denominados “excepcionais”.

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Não obstante essa divisão administrativa, o Poder Judiciário brasileiro vem se

posicionando no sentido de que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos é

solidária entre as três esferas de poder, independentemente das atribuições/divisões

administrativas ditadas pela legislação infraconstitucional.

Embora essa solidariedade seja defendida, predominantemente, sob o argumento de

que o direito à saúde, enquanto direito fundamental, deve prevalecer sobre os demais, também

é possível sustentá-la com base na hierarquização de fixação de atribuições.

Ou seja, cabe aos entes políticos, sobretudo à União e aos Estados, definir as ações e

serviços sociais de alta complexidade.

Embora a lei permita a participação de todos os entes e da própria sociedade na

formulação das políticas públicas, é fato que as diretrizes principais são ditadas pela União e,

no caso da assistência farmacêutica, não é diferente.

Não parece coerente afastar a União e o Estado da responsabilidade de prestar a

assistência farmacêutica – em especial na hipótese de medicamentos excepcionais – quando

são eles que estabelecem quais medicamentos devem ser fornecidos.

Da mesma forma, não parece correta a interpretação que afasta a responsabilidade

dos Municípios com base na hierarquia inerente ao sistema. Primeiro, porque essa hierarquia

não exclui a solidariedade havida entre os entes estatais, ditada pela própria Constituição

Federal; segundo porque não nos parece coerente afastar, de forma prematura e peremptória, a

responsabilidade do Município quando há situações em que esses entes são flagrantemente

beneficiados pela atuação do Estado e da União em grandes centros populacionais e/ou

quando se evidencia a negligente aplicação de recursos.

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2.3. DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E CONJUNTA DOS ENTES

FEDERADOS NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS, SEGUNDO

ENTENDIMENTO DO PODER JUDICIÁRIO.

O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde,

há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito

Federal e Municípios).

O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à

promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no art. 196 da CF.

Conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no Agravo

Regimental, suspensão de liminar 47, 17.03.2010:

“a competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal) de prestações na área de saúde”.

Ainda para o Supremo Tribunal Federal o fato de o Sistema Único de Saúde ter

descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, como

o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a

obrigação solidária e subsidiária entre eles.

Tem-se que o Sistema Único de Saúde é uma instituição descentralizada, não se

podendo estabelecer, para sua atuação, núcleos com competências diferenciadas nos diversos

entes federativos, sob pena de obstar a concretização do direito à saúde, mormente nos casos

de urgência - como no caso em espeque - nos termos do art. 23 e 198 da CF/88.

Nesse sentido, dada a responsabilidade solidária dos entes públicos, não podem estes

se furtarem de sua obrigação constitucional de resguardo ao direito à saúde, mesmo nos casos

de fornecimento de medicamento/insumo e caráter excepcional à população.

Este, também é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, senão

vejamos:

Processo: AgRg no Ag 907820/SC AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007/0127660-1 Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES

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(1141) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 15/04/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 05/05/2010 Ementa: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. Conforme orientação firma na QO no REsp 1.002.932/SP, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça não precisa paralisar a análise de matéria que vem sendo enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral. 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que não cabem embargos de declaração para que o STJ enfrente matéria constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros". (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Agravo regimental não provido.

É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é dever do Estado

fornecer gratuitamente às pessoas carentes a medicação necessária para o efetivo tratamento

médico, conforme premissa contida no art. 196, da Constituição Federal.

Ademais, considerando que o Sistema Único de Saúde é financiado pela União,

Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 198, § 1º, da Constituição

Federal, pode-se afirmar que é solidária a responsabilidade dos referidos entes no

cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população.

O direito constitucional à saúde faculta ao cidadão obter de qualquer dos Estados da

Federação (ou Distrito Federal) os medicamentos que necessite, sendo desnecessário o

chamamento ao processo dos demais entes públicos.

Nesse entendimento:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSOESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. IDOSO.LEGITIMIDADE PASSIVA SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS(MUNICÍPIO, ESTADO E UNIÃO). ARTS. 196 E 198, § 1º, DA CF/88. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.

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2. Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tal premissa impõe ao Estado a obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde.

3. O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. Legitimidade passiva do Estado configurada. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 828.140/MT, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20.03.2007, DJ 23.04.2007) (grifei).

O egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais em consonância com as Cortes

Superiores do STF e STJ, também possui entendimento de que no que toca ao direito do

cidadão à saúde e à integridade física, a responsabilidade do Município é conjunta e solidária

com a dos Estados, do Distrito Federal e da União, vez que a competência de cada Ente

Federado não está explicitada na Constituição Federal de 1988, nem na Lei nº. 8.080/90 - Lei

Orgânica da Saúde.

Para o TJMG a definição de critérios para a repartição de competências é apenas

esboçada por inúmeros atos administrativos federais, estaduais e municipais, que não podem

sobrepor às normas constitucionais e infraconstitucionais que preveem a competência

concorrente dos Entes Federados, bem como a responsabilidade solidária destes.

Ademais, o Sistema Único de Saúde é uma instituição descentralizada, não se

podendo estabelecer, para sua atuação, núcleos com competências diferenciadas nos diversos

entes federativos, sob pena de obstar a concretização do direito à saúde, mormente nos casos

de urgência - como no caso em espeque - nos termos do art. 23 e 198 da CF/88.

Nesse sentido, dada a responsabilidade solidária dos entes públicos, não podem estes

se furtarem de sua obrigação constitucional de resguardo ao direito à saúde, mesmo nos casos

de fornecimento de medicamento/insumo de caráter excepcional à população. Por outro lado,

a ausência de comprovação objetiva de eventual limitação financeira, não pode afastar o seu

dever constitucional de garantir ao cidadão o mínimo de condições para uma vida digna -

mínimo existencial ou mínimo vital-correlacionado com a área de saúde.

Assim, para que qualquer dos entes federados seja compelido a fornecer determinado

insumo/medicamento ou promover o acesso a tratamentos de moléstias, basta que o cidadão

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demonstre a necessidade do provimento e disponibilidade dos meios recomendados pelos

especialistas, haja vista que o direito constitucional é amplo e o direito invocado é de extrema

relevância.

2.4. DO MEDICAMENTO MICROFENOLATO MOFETIL (CELLCEPT)

De acordo com a Portaria n. 2.577/06, medicamentos de alto custo são

medicamentos utilizados para tratamento de doença rara ou de baixa prevalência, com alto

valor unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo

elevado; doença prevalente, com uso de medicamento de alto custo unitário ou que, em caso

de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado desde que haja tratamento

na atenção primária, ao qual o paciente apresentou necessariamente intolerância ou evolução

para quadro clínico de maior gravidade; o diagnóstico ou conduta terapêutica para o agravo

estejam inseridos na atenção especializada. (PORTARIA Nº 2.577/06 do Ministério da Saúde)

De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas

Gerais, o medicamento micofenolato Mofetil Cellept® está no 5º lugar na lista de

medicamentos mais solicitados no tratamento de Lupus e transplante, estando também

inserido no rol de medicamento de alto custo.

TABELA 1

Item Medicamentos mais solicitados Indicação Nº de pacientes

Valor gasto anualmente

Porcentagem em relação ao gasto com ações judiciais no ano de 2008

1º Adalimumabe 40mg (Humira®) Psoríase e Espondilite Anquilosant

e

183 R$ 8.165.650,32 19,19

2º Etanercepte 25 mg e 50 mg (Enbrel®)

Psoríase e Espondilite Anquilosant

e

129 R$ 16.045,872,00 37,71

3º Insulina Glargina 100 UI/ml (Lantus®)

Diabetes Melitus

103 R$ 345.721,44 0,81

4º Ácido Ursodesoxicólio 150mg e 300mg (Ursacol®)

Cirrose Biliar

Primária

99 R$ 382.897,44 0,9

5º Micofenolato Mofetil 500mg - (Cellcept®)

Lupus eritematoso

e Transplante

79 R$ 95.700,00 0,22

6º Infliximabe 100mg (Remicade®) - Psoriáse e Espondilite Anquilosant

e

67 R$ 5.293.998,00 12,44

7º Sildenafil 25 mg, 50mg, 20mg (Viagra® e Revatio) -

Hipertensão pulmonar

67 R$ 1.550.767,20 3,64

8º Temozolomida 5mg, 20mg, 100mg e 250mg

câncer 49 R$ 1.944.961,20 4,57

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9º Rituximabe 100mg e 500mg (Mabthera®) -

Artrite reumatóide e

câncer

44 R$ 4.684,794,84 11,01

10º Adefovir 10mg (Hepseral®) Hepatite 31 R$ 149.209,20 O,35 Total 851 R$ 38.659.571,64 90,85%

Total gasto com ações judiciais no ano de 2008 R$42.552.696,00

Fonte: Dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais obtidos no sítio eletrônico http://www.amep.org.br/docs/apresenta_seminario_aten_prim/judi.pdf

Nos últimos anos, o medicamento micofenolato de mofetil (CellCept) tem sido usado

como um medicamento eficaz para o lúpus, especialmente quando associada à doença renal.

CellCept tem sido útil em reverter a doença renal ativa do lúpus (doença renal do lúpus) e na

manutenção da remissão clínica depois de ser estabelecida. Seu menor perfil de efeitos

colaterais tem a vantagem em relação aos medicamentos tradicionais imunossupressão

(http://www.mavicevap.com/medi/pt/1349.html).

De acordo com o que consta da bula do medicamento CellCept@, medicamento

referência que tem como princípio ativo o microfenolato de mofetila, esse fármaco é indicado

pelo laboratório fabricante para a profilaxia e tratamento de pacientes submetidos a

transplante de rim, coração ou fígado, conforme bula disponibilizada no site do laboratório

fabricante (www.roche.com.br).

Assim, o medicamento pleiteado não possui indicação de uso aprovada e

regulamentada pela Anvisa não é indicado formalmente no tratamento de Lupus. Seu uso para

tais finalidades é feito, portanto, de forma off-label.

(...) Um dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde é o atendimento às

patologias (codificadas por seus respectivos CID's), autorizadas na referida Portaria, a qual

deve ser obrigatoriamente verificada por todos os gestores do programa, no caso, a Secretaria

de Estado de Saúde.

O medicamento micofenolato de mofetila se encontra autorizado para fornecimento

apenas aos pacientes transplantados (...). Essas indicações englobam todas as previstas na bula

do medicamento pleiteado e, portanto, autorizado pela ANVISA.

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29 

 

2.5. ANÁLISE DE CASO CONCRETO

No presente estudo de caso discutiu-se a responsabilidade solidária e conjunta dos

entes federativos no fornecimento de medicamento de alto custo e o entendimento do Poder

Judiciário frentes às inúmeras demandas ajuizadas.

Na Comarca de Almenara há apenas uma ação em curso requerendo o fornecimento do

medicamento micofenolato mofetil cellcept no tratamento do Lúpus e que, em recente

julgamento do recurso de apelação pelo TJMG o indigitado recurso foi provido, reformando a

sentença na qual havia concedido a segurança impetrada pelo Ministério Público do Estado de

Minas Gerais, na condição de substituto processual da menor G.M.M, nascida em 30/01/1994,

portadora de Lúpus Eritomatoso Sistêmico de evolução crônica, determinando às autoridades

impetradas, quais sejam, a Sra. Prefeita do Município de Almenara e o Sr. Secretário de Saúde

do Município de Almenara a fornecerem o medicamento ao representante legal da menor, na

dosagem prescrita.

O egrégio TJMG ao julgar o recurso supracitado entendeu que: “no contexto enfocado,

como exceção à regra, o Município não deve ser considerado responsável pelo fármaco

pleiteado pelo impetrante (Micofenolato mofetila), cujo fornecimento se dá apenas em caráter

excepcional, sob severa fiscalização e controle da autoridade estadual, mediante adoção de

critérios rígidos. ""A competência do Município para o fornecimento de medicamentos aos

usuários do Sistema Único de Saúde não é ampla e irrestrita. - O Município não pode ser

compelido a disponibilizar medicamento de uso prolongado para doença crônica que não faz

parte da assistência básica à saúde, que não se inclui no âmbito de sua competência e que

assume natureza excepcional”, senão vejamos:

Númeração Única: 0051030-40.2010.8.13.0017

Relator: Des.(a) ARMANDO FREIRE

Relator do Acórdão: Des.(a) ARMANDO FREIRE

Data do Julgamento: 25/10/2011

Data da Publicação: 25/11/2011

Inteiro Teor:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. ADOLESCENTE PORTADORA DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. IMPETRAÇÃO CONTRA AUTORIDADES MUNICIPAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ORDEM DENEGADA. - Regra geral, o sistema de compartilhamento de competências, tal como estabelecido no art.

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23, II, da CRFB/88, reserva competência concorrente ao gestor do fundo municipal de saúde para avaliar as ações e a forma de execução dos serviços públicos relativos à saúde, a ele competindo garantir atendimento público aos munícipes acometidos por doenças e que carecem de recursos para o necessário tratamento, ainda que sua atividade deva obediência às regras previamente estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Todavia, no contexto enfocado, como exceção à regra, o Município não deve ser considerado responsável pelo fármaco pleiteado pelo impetrante (Micofenolato mofetila), cujo fornecimento se dá apenas em caráter excepcional, sob severa fiscalização e controle da autoridade estadual, mediante adoção de critérios rígidos. "A competência do Município para o fornecimento de medicamentos aos usuários do Sistema Único de Saúde não é ampla e irrestrita. - O Município não pode ser compelido a disponibilizar medicamento de uso prolongado para doença crônica que não faz parte da assistência básica à saúde, que não se inclui no âmbito de sua competência e que assume natureza excepcional" (1.ª Câmara Cível - Apelação Cível / Reexame Necessário n.º 1.0153.09.095556-5/002 - Relator para o acórdão: Des. ALBERTO VILAS BOAS - Julg.: 10/05/2011 - Public.: 01/07/2011).

Em pesquisa à jurisprudência do TJMG foi encontrada outra decisão, desta vez concedendo

o medicamento, mesmo que o requerente era acometido de moléstia diversa não mencionada pelo

Ministério da Saúde, senão vejamos:

Númeração Única: 0299727-28.2011.8.13.0000

Relator: Des.(a) ALBERTO VILAS BOAS

Relator do Acórdão: Des.(a) ALBERTO VILAS BOAS

Data do Julgamento: 30/08/2011

Data da Publicação: 16/09/2011

Inteiro Teor:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. DIREITO À SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE PÊNFIGO FOLIÁCIO. MICOFENOLATO DE MOFETIL. MEDICAMENTO DESTINADO A PACIENTES TRANSPLANTADOS, MAS QUE TEM SIDO ÚTIL NO TRATAMENTO DA DOENÇA DO USUÁRIO. TUTELA ANTECIPADA CONFIRMADA. - Malgrado o medicamento prescrito esteja no rol daqueles disponibilizados pelo SUS, se sua utilização é válida para mitigar os efeitos de moléstia diversa - ainda que não mencionada pelo Ministério da Saúde - não há como negar ao paciente a sua utilização, pois é a única forma que se conseguiu encontrar para mitigar os efeitos da doença que possui.

AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL N° 1.0317.10.011701-7/001 -COMARCA DE ITABIRA - AGRAVANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - AGRAVADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALBERTO VILAS BOAS

_____________________

Consulta ao recurso de apelação n° 0051030-40.2010.8.13.0017(1ªCâmara Cível) no sítio eletrônico do TJMG: http://www.tjmg.jus.br. Todas as citações foram transcritas conforme original.

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ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador EDUARDO ANDRADE , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO. Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011. DES. ALBERTO VILAS BOAS - Relator.

De todo o exposto, é forçoso concluir que o Poder Judiciário ao decidir as ações

acima elencadas possui critérios diferenciados para o julgamento de causas de pedir idênticas.

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3. CONCLUSÃO

Conclui-se do presente estudo que as normas constitucionais garantem o direito à

saúde e, consequentemente ao fornecimento de medicamentos. Portanto, o Poder Público deve

observar respeitando o direito à saúde, a fim de que os princípios garantidos pela Constituição

Federal aos cidadãos, principalmente as normas programáticas, sejam garantidos a todos.

O Poder Judiciário tem o papel de interpretar a Constituição e as leis, resguardando

direitos e assegurando o respeito ao ordenamento jurídico. O controle jurisdicional em relação

a entrega de medicamentos é bastante discutido e o cidadão não tendo seus direitos

devidamente assegurados pelo Poder Público, se vê possibilitado de buscar ajuda na tutela

jurisdicional a fim da efetivação de suas garantias.

Segundo o artigo 23 da Constituição Federal: “É de competência comum da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e

garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...)”. Assim, os entes da federação possuem

responsabilidade solidária quanto à saúde, cabem a eles cumprir os mandamentos

constitucionais.

O tema versado envolve o direito à saúde, à dignidade e a intervenção do Poder

Judiciário nas políticas públicas. A atividade jurisdicional, dessa forma, deve procurar

respeitar as funções executivas e legislativas. Apesar disso, diante de causas de relevância e

urgência os cidadãos podem provocar o judiciário para tomar uma decisão e garantir a entrega

de medicamentos aos necessitados. O sistema de saúde em nosso país deve se mostrar com

mais eficácia para que nos noticiários possamos ter uma melhor visão dos hospitais, do

sistema único de saúde e da entrega de medicamentos. Portanto não é a melhor opção

condicionar a saúde a cargos, uma vez que a vida do ser humano deve ser colocada sempre

em primeiro plano.

Sendo o direito à saúde constitucionalmente assegurado pela Carta Magna os

indivíduos podem cobrar as prestações necessárias a sua concretização. E apesar dos

problemas que ainda enfrentamos nessa esfera, temos que lutar para que a cada dia ele possa

se tornar mais satisfatório aos indivíduos proporcionando a todos uma vida mais digna com

condições de sobrevivência. Os necessitados diante da carência de recursos devem procurar

ao judiciário para que este analise o caso e tome uma decisão coerente com a situação

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apresentada. A saúde não pode ser afastada do Poder Judiciário visto que este deve garantir o

disposto na Constituição Federal. Caso o Executivo não forneça o medicamento, o Poder

Judiciário pode determinar sua efetivação e o juiz pode utilizar de meios coercitivos para o

cumprimento de sua decisão.

O Poder Judiciário com o intuito de garantir o direito à vida e à saúde possui a

prerrogativa de interferir nas políticas públicas para se ver garantido os dispostos em nosso

ordenamento.

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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, p. 245-246, 2002, Renovar) BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial.Revista de direito social, Porto Alegre: Notadez, v. 9, n. 34, p. 11-43, abr./jun. 2009. BARROSO, Luís Roberto. Semana do Ministério Público da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais. 20 anos da Constituição Federal de 1988 pela ótica do neoconstitucionalismo. 2008. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas, apudBARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. , Porto Alegre: Notadez, v. 9, n. 34, p. 52, abr./jun. 2009. GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista de Processo, São Paulo, n. 14-15, ano 4, abr./set. 1979. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2002.