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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 655 (Ano VIII) (18/7/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 655 · 2 Boletim Conteúdo Jurídico n. 655 de 18/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 SUMÁRIO COLUNISTA DO DIA 18/07/2016 Milton Cordova

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 655

(Ano VIII)

(18/7/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

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 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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Circ

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

18/07/2016 Milton Cordova Junior 

» MP 719/2016 ‐ Inconstitucionalidade ‐ uso do FGTS para pagamento de 

parcelas mensais de imóveis em construção ou segundo imóvel 

ARTIGOS  

18/07/2016 Raissa Grillo Menegon » A inversão do ônus da prova nas ações coletivas ambientais 

18/07/2016 Felipe Augusto Viégas Alves e Santana 

» A evolutiva progressividade do IPTU, à luz da CRFB/88 

18/07/2016 Breno Porto Pereira 

» A definição jurisprudencial do alcance dos requisitos para a contratação temporária pela 

Administração Pública 

18/07/2016 Denis Deangelis Brito Varela 

» Flexibilização das normas trabalhistas: limites e consequências 

18/07/2016 Clóvis dos Santos Andrade 

» A estabilidade do art. 41 e a motivação da dispensa de empregados públicos 

18/07/2016 Larissa Padilha Roriz Penna 

» Pressupostos para a legitimidade da função investigatória criminal realizada pelo ministério público 

18/07/2016 Patricia Luz Cavalcante 

» Aplicação de medidas socioeducativas e efeitos de recurso interposto 

18/07/2016 Ancilla Caetano Galera Fuzishima 

» Os entraves da judicialização na efetivação do direito à saúde no contexto contemporâneo brasileiro 

MONOGRAFIA 

18/07/2016 Priscila Maia Barreto » Extinção do crédito tributário e extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária 

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MP 719/2016 - INCONSTITUCIONALIDADE - USO DO FGTS PARA PAGAMENTO DE PARCELAS MENSAIS DE IMÓVEIS EM CONSTRUÇÃO OU SEGUNDO IMÓVEL

MILTON  CORDOVA  JUNIOR:  Advogado,  pós‐graduado  em Direito Público, com extensões em Direito Constitucional e Direito  Constitucional  Tributário.  Empregado  de  empresa pública federal. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos  políticos.  Idealizador  do  fundo  de  subsídios habitacional  denominado  FAR  ‐  Fundo  de  Arrendamento Residencial,  que  sustenta  o  Programa Minha  Casa Minha Vida,  implementado  por  meio  da  Medida  Provisória 1.823/99, de 29.04.1999. 

Em 29.03.2016 foi editada a MP 719, com o objetivo de possibilitar a utilização do FGTS (saldo da conta e a multa rescisória) como garantia de empréstimo consignado para os trabalhadores do setor privado. A ideia seria alavancar essas operações no setor privado, elevando no médio prazo o estoque atual do consignado.

Preliminar: MP 719/2016 viola a Lei Complementar 95/1998

Em principio, entendemos que a Medida Provisória 719/2016 é inconstitucional (art. 59, parágrafo único, CF/88) por evidente afronta à lei Complementar 95, art. 7º, inc. I e II, verbis:

Art. 7º... O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:

I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;

II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;

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Vale dizer que o art. 1º, Parágrafo único, traz a seguinte redação:.

Parágrafo único. As disposições desta Lei Complementar aplicam-se, ainda, às medidas provisórias e demais atos normativos referidos no art. 59 da Constituição Federal, bem como, no que couber, aos decretos e aos demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo (negritamos).

Ora, ocorre que a Medida Provisória em comento possui três matérias completamente estranhas entre si. Confira-se:

a) dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento;

b) dispôe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por embarcações ou por sua carga;

c) dispõe sobre dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção do crédito tributário inscrito em dívida ativa da União.

O correto é que a MP 719/2016 seja declarada inconstitucional.

Objeto da MP 719/2016

Em síntese, o trabalhador poderá, nas operações de crédito consignado, oferecer em garantia até 10% (dez por cento) do saldo da conta vinculada no FGTS e até 100% (cem por cento) do valor da multa paga pelo empregador, em caso de despedida sem justa causa ou de despedida por culpa recíproca ou força maior.

Vale lembrar que essa garantia só poderá ser acionada na ocorrência de despedida sem justa causa, inclusive a indireta ou de despedida por culpa recíproca ou força maior.

Como justificativa para o uso (garantia) do FGTS no consignado foram apontadas: a) melhoria do perfil de risco das operações; b) redução do risco de inadimplência; c) redução das taxas de juros; d) mitigação do entrave ao crescimento da operação, por conta da

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inadimplência mais elevada do empréstimo consignado com o setor privado (elevada rotatividade no mercado celetista).

Criticas à MP 719/2016. Desvio de finalidade.

Dentre as várias criticas à MP 719/2016, citamos: a elevação do endividamento das famílias brasileiras e o desvio de finalidade do FGTS que, criado pela Lei nº 5.107/1966, assumiu relevantes funções sociais e econômicas, em especial às relacionadas ao financiamento habitacional, ao saneamento básico e à infraestrutura urbana.

Posteriormente a Lei 11.491/2007 e a Lei 12.873/2013 permitiram a aplicação de parte dos recursos do FGTS em investimentos em empreendimentos dos setores de aeroportos, energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, por meio do FI-FGTS.

Nenhum esforço especial é necessário para constatar que essas áreas de atuação do FGTS constituem-se em verdadeiras “virtuoses” da empregabilidade, movimentação e alavancamento da economia brasileira, todas precedidas pela construção civil. O financiamento habitacional, por exemplo, além de seu poderoso viés econômico (pois insere-se na cadeia produtiva da construção civil), assume importante função social em razão obvia do tema.

Nesse sentido, segundo o DECONCIC/FIESP,

“A cadeia produtiva da construção figura como um dos setores mais importantes para o país, reunindo construtoras, fabricantes e comerciantes de materiais, máquinas e equipamentos, serviços técnicos especializados, serviços imobiliários e consultorias de projetos, engenharia e arquitetura. A atividade de construir movimenta, portanto, diversas áreas e gera impactos relevantes na economia brasileira.

Em 2014, esse conjunto de atividades alcançou 12,2 milhões de trabalhadores, cerca de 13,2% da força

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de trabalho ocupada no país. Por sua vez, os investimentos em construção mais que dobraram nos últimos anos, partindo de R$ 233,5 bilhões em 2007 (8,6% do PIB nacional) para R$ 582,5 bilhões em 2014 (10,5% do PIB nacional).“

Crise no setor habitacional – construção civil

Segundo o indicador divulgado em abril, pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), em fevereiro de 2016 o estoque de imóveis no Brasil foi a 111,3 mil unidades.

No trimestre de dezembro a fevereiro, foi vendido o equivalente a 18% da oferta do período. De acordo com o índice que considera dados de 19 empresas, no ritmo recente, seriam necessários cerca de 16,6 meses para vender a oferta total.

Entre dezembro e fevereiro, os cancelamentos de vendas (distratos) chegaram a 11 mil unidades. Os lançamentos de imóveis entre dezembro e fevereiro chegaram a 16,8 mil unidades, recuo anual de 8,6%. No primeiro bimestre de 2016 as vendas caíram 18,9% e recuaram 17% no acumulado do ano.

O cenário é pessimista, pois os juros estão elevados e o poder de compra do brasileiro recuou face à desaceleração econômica. A consequência natural será a retração no lançamento de construtoras (leia-se: desemprego e retração na construção civil e em sua cadeia produtiva, com impacto negativo na economia brasileira).

Proposta de alteração da MP 719/2016. Uso do FGTS em consonância com sua finalidade. Estímulo consistente e sustentado para a melhoria da Economia e mitigação da crise na Construção Civil

O princípio da dignidade humana, plasmado na Constituição Federal (art. 1º, III), foi erigido como um Principio Fundamental, por sua indiscutível relevância. Por sua vez, a moradia registrada como um direito constitucional (art. 6º, caput). Mais adiante o art. 174 estabelece que cabe ao Estado, dentre outras funções, o incentivo da atividade econômica.

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Após esses recortes da Carta Magna e da leitura do exposto até então, podemos afirmar em apertada síntese que: a) o direito à moradia relaciona-se diretamente com o principio da dignidade humana; b) que a construção civil passa por grave crise; c) que as pessoas estão sem renda para aquisição da casa própria; d) que há forte retração no mercado imobiliário e, por conta disso, desemprego em massa e retração na construção civil; e) por consequência, impacto negativo em toda a cadeia produtiva da construção civil; f) cabe ao estado o incentivo da atividade econômica.

Entretanto, apesar do cenário negativo, vislumbramos uma possibilidade de incentivo à atividade econômica por meio da alavancagem na construção civil, mediante a aplicação de recursos próprios dos trabalhadores: a possibilidade do uso do FGTS para aquisição de imóvel “na planta” (em construção), ou aquisição de imóveis que se encontram em estoque por falta de comprador.

É de sabença geral que o FGTS pode ser usado na aquisição de um imóvel já construído, com “habite-se”. Porém, não é possível o uso do FGTS para o pagamento das parcelas mensais (ou partes dessas) ou intermediárias, durante a fase de construção. Também é vedado o uso do FGTS para a aquisição de um segundo imóvel.

Tais impedimentos geram uma situação teratológica: exclui do direito á aquisição da moradia própria pessoas que não podem arcar com o pagamento da parcela mensal apenas porque estão comprometidas com pagamento de aluguel. Ou seja, embora tenham rendimentos, não há sobra que lhes permita investir num imóvel “na planta”. Entretanto essas mesmas pessoas tem saldo de FGTS, cumulando mês a mês, mas só poderão utilizá-lo para compra de um imóvel pronto – e assim, continuarão a pagar alugueis e continuarão excluídas desse mercado.

Por outro lado, pessoas que já tem um imóvel não podem adquirir outro imóvel com o FGTS. Entretanto, quando aposentarem, poderão sacar todo o FGTS – e certamente o farão -, sendo que esses recursos poderiam ser canalizados para a aquisição de imóveis, incrementando a construção civil – portanto, toda a cadeia produtiva.

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Feitas essas colocações, apresentamos propostas alternativas às previstas na MP 719/2016, não excludentes entre si. Essas propostas tem o condão de incrementar a atividade econômica no segmento da construção civil, alavancando a economia em toda a cadeia produtiva, preservando e/ou gerando empregos e, tão importante quanto, efetivando a justiça social (direito à moradia) e preservando uma das principais áreas de atuação do FGTS: incentivo à construção habitacional.

Primeira proposta – pagamento das parcelas mensais de imóveis “na planta”

A ideia é permitir que os adquirentes de imóveis em construção possam utilizar os recursos existentes em suas contas vinculadas do FGTS para o pagamento das parcelas mensais/semestrais, ou partes dessas, durante a fase de construção. No caso de desistência do adquirente, os recursos retornam à conta vinculada. A garantia do retorno desses recursos dispendidos é o próprio imóvel. Dependendo do estágio da obra, ou das garantias já consolidadas, possibilidade de usar o FGTS para pagamento do sinal, ou parte deste.

Segunda proposta – uso do FGTS para aquisição do segundo imóvel

Evidente que a ideia, no caso da aquisição de um segundo imóvel, não é conferir uma “carta branca” a tal ponto que os recursos do FGTS venham a se exaurir. Mas, face o princípio da razoabilidade, porque não possibilitar o uso do FGTS para a aquisição do segundo imóvel – desde que em construção, pois a ideia é fomentar a atividade econômica – para pessoas que estão prestas a se aposentar? A razão é simples. Como dito antes, ao se aposentarem essas pessoas terão direito ao saque total da conta vinculada, sendo esses recursos destinados, em boa medida, ao consumo de bens móveis e serviços, que não geram uma riqueza sustentada.

A proposta é possibilitar que pessoas que tenham um imóvel possam adquirir outro – exclusivamente em construção -, desde que venham a completar tempo para aposentar-se em determinado período de tempo. Por exemplo, apenas para o debate, poderão

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adquirir um segundo imóvel (em construção) com recursos do FGTS, pessoas que poderão se aposentar a partir de dois (ou três ou quatro) anos da data de assinatura do contrato.

Terceira proposta – uso do FGTS para pagamento do sinal - segundo imóvel

Essa proposta alcançaria as pessoas que já tem um imóvel (mas não estão prestes a se aposentarem). A essas pessoas seria permitido usar o FGTS para pagamento (apenas) do sinal, ou parte deste, para aquisição de imóvel em construção. Essa possibilidade atenderá as pessoas que tem condições de arcar com as parcelas mensais do imóvel em construção, mas não têm recursos em disponibilidade para pagamento do sinal. No caso de desistência (distrato), o recurso retorna à conta vinculada.

Quarta proposta – uso do FGTS para aquisição do segundo imóvel em outra localidade diversa daquela onde situa-se o primeiro imóvel

Aqui a ideia é possibilitar a aquisição de um segundo imóvel residencial, desde que em construção, para aquelas pessoas que, apesar de serem proprietárias de imóvel, foram transferidas (por necessidade de serviço) para outra localidade (município). Nessa hipótese poderia haver condição no sentido de que a transferência deve ser para outro Estado.

Conclusão

A possibilidade do uso do FGTS para pagamento das parcelas mensais ou intermediárias de imóveis em construção (“na planta”), ou de um segundo imóvel (também em construção) por parte de pessoas que estão prestes a atingirem a data de aposentadoria, pode se constituir em poderoso instrumento para mitigar a crise no setor imobiliário/construção civil, sendo efetiva medida de apoio à economia brasileira.

Além disso, viabiliza o sonho da casa própria de pessoas que tem seus rendimentos comprometidos com o pagamento de aluguéis, embora sejam detentores de FGTS em contas vinculadas.

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A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS AÇÕES COLETIVAS AMBIENTAIS

RAISSA GRILLO MENEGON

RESUMO: Com o advento da Constituição Federal de 1988 e suas inovações, entre elas os princípios norteadores do Direito Brasileiro, o meio ambiente passou a gozar de status de bem fundamental imprescindível à sadia qualidade de vida e desenvolvimento da população. A partir desse momento, houve preocupação com a efetividade da tutela dos bens coletivos, uma vez que o processo civil tradicional não se mostrou hábil em dirimir conflitos desta natureza. Por isso, institutos processuais foram aprimorados para que se adaptassem a demandas onde o interesse público estivesse representado. Dentre tais institutos, a inversão do ônus probatório passou por radical alteração no âmbito do Código de Defesa do Consumidor e posteriormente da moderna teoria da carga dinâmica da prova, espalhando seus efeitos na órbita da Ação Civil Pública, onde o inquérito civil tem seus efeitos ampliados, oferecendo, de maneira irrevogável, proteção ao meio ambiente. Destarte, o intuito desse estudo é demonstrar que a aplicabilidade da inversão do ônus da prova coletiva no âmbito do inquérito civil, pode significar avanço significativo na proteção do bem ambiental.

Palavras-chave: Meio ambiente. Tutela Coletiva. Inversão do Ônus da Prova. Inquérito Civil.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A FORMAÇÃO DO BEM JURÍDICO AMBIENTAL; 3. A TRADICIONAL DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA; 4. O ÔNUS PROBATÓRIO NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR; 5. A APLICAÇÃO DO MODELO CONSUMERISTA DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS; 6. CONCLUSÃO.

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1. INTRODUÇÃO

Tomada em conta a natureza do bem ambiental, os dispositivos processuais destinados à solução de conflitos que envolvam tais direitos, devem ser tomados de um valor axiológico essencialmente publicista, principalmente em relação à matéria probatória.[1]

O caráter intervencionista público, é tomado não à medida que o magistrado torne-se parte imparcial da relação jurídica e sim a partir da avaliação zelosa a cada decisão, capaz de atuar de forma contrária ao meio ambiente, visto que pode afetar de sobremaneira um sem número de indivíduos.

A demonstração do nexo causal, ainda é o maior responsável pela improcedência de inúmeras demandas que visam tutelar o meio ambiente, uma vez que a teoria da responsabilidade objetiva, adotada pelo legislador pátrio, suprimiu a necessidade de provar o elemento intrínseco da conduta do agente (dolo ou culpa) (art. 225, § 3º da CF), entretanto, cumpre questionar a quem o encargo de demonstrar o liame existente entre o fato e o dano causado é maior, a quem efetivamente sofreu ou quem foi seu causador?

Para a teoria tradicional do ônus probatório, a questão é facilmente resolvida eis que cabe, sem medida, a aquele que alega determinado fato, demonstrar que existe o dano, que há ligação deste com o ato praticado e, finalmente, que este dano causou prejuízo.

Todavia, tal acepção não se amolda com sucesso nas demandas de cunho coletivo, isto porque a dificuldade da demonstração do nexo causal é esmagadoramente maior para aquele que sofreu o dano, causando verdadeiro óbice aos que tentam atingir a verdade dos fatos.

Nesse diapasão, a inversão distinta do ônus da prova, a ser acatada nas ações coletivas latu sensu, desde que demonstrados

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alguns requisitos, mostra-se como verdadeiro contraponto na relação jurídica processual.

2. A FORMAÇÃO DO BEM JURÍDICO AMBIENTAL

Antes de se passar à análise central desse estudo, mostra-se importante delinear o objeto da tutela jurídica, ou seja, o que se buscou efetivamente defender através da criação e aprimoramento de técnicas processuais voltadas à defesa dos direitos coletivos, com especial relevo ao meio ambiente em suas múltiplas facetas.

Para tanto, passa-se a uma breve caracterização do bem jurídico amplamente considerado, após, visando aproximar-se do tema central, busca-se esmiuçar o surgimento e formação do bem jurídico ambiental, com intuito de realizar a apreciação do tratamento dado a este bem em nosso ordenamento jurídico e nos países de maior destaque no cenário global.

2.1 A CARACTERIZAÇÃO DO BEM JURÍDICO

Em que pesem os debates e estudos acerca do tema, ainda é controvertida a conceituação dada ao bem jurídico.

Na doutrina estrangeira, encontramos inúmeras citações acerca da matéria. Liszt afirma que “o bem jurídico é o interesse juridicamente protegido.” [2]

Seguindo a corrente objetivista, Welzel considera o bem jurídico como um “bem vital da comunidade ou do indivíduo que por sua significação social é protegido juridicamente”. [3]

Para Zaffaroni, bem jurídico trata-se da relação de disponibilidade de uma pessoa com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante normas que proíbem determinadas condutas que as afetam, aquelas que expressam com a tipificação dessas condutas. [4]

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A divergência acerca do tema reina na doutrina estrangeira, não sendo diferente do que ocorre no cenário nacional, onde renomados doutrinadores esforçam-se visando estabelecer o conceito de bem jurídico.

Conceitua Mario Ferreira dos Santos que “bem vem a ser tudo o que tem valor para o ser humano.” A saber;

O que possui valor sob qualquer aspecto; o que é objeto de satisfação ou de aprovação em qualquer ordem de finalidade; o que é perfeito em seu gênero, bem sucedido, favorável, útil: é o termo laudativo universal dos juízos de apreciação; aplica-se ao voluntário ou ao involuntário.[5]

Com usual proeminência, Francisco de Assis Toledo, preceitua que “Bem é tudo aquilo que nosapresenta como digno, útil, necessário valioso [...] os bens são, pois, coisas reais, ou objeto ideal dotado de valor, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que além de ser o que são, valem.” [6]

Através da concepção civilista atual, teríamos o bem jurídico sendo definido como “toda utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo.” [7]

Dessa maneira, preceitua-se que o bem jurídico, amplamente considerado, “tem sua origem em momento anterior à construção normativa”,[8] o que equivale dizer que tais bens são constituídos daquilo que compõem o arcabouço valorativo de maior prestígio dentro de uma coletividade, e que para albergar tais valores em determinado ordenamento jurídico, foi necessária a evolução desta sociedade em todos seus aspectos, de forma a estabelecer quais dos bens antes protegidos merecem perpetuar-se nesta condição e quais devem ser deixados de lado.

Assim, Luiz Regis Prado, em trabalho memorável, ressalta o papel imprescindível das regras de experiência formada pelo

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desenvolvimento cotidiano na formação do bem jurídico a ser tutelado pelo Estado, alegando ainda que, dentro de uma coletividade tais parâmetros não podem distinguir-se de forma radical:

Ainda que de contorno impreciso, ante a sua própria essência, é inegável que a noção do que venha a ser bem jurídico, decorre das necessidades do homem surgidas através das experiências de vida, as quais, quando comungadas por uma generalidade de indivíduos, formam somente um aparato de valores. [9]

Então, em linhas gerais, podemos dizer que bens jurídicos são valores, formados através das experiências proporcionadas pela convivência em coletividade, que são defendidos pelo ordenamento jurídico, eis que essenciais ao pacífico e harmônico desenvolvimento da sociedade.

2.2 O BEM JURÍDICO AMBIENTAL

Conforme anteriormente salientado, ingressa ao ordenamento jurídico tudo aquilo eleito como caro, e irrenunciável ao desenvolvimento harmônico da sociedade merecendo por isso o status de bem jurídico.

Tal juízo de valor é realizado em todas as áreas afetas ao ser humano, e não havia de ser diferente na seara ambiental, entretanto, tal bem jurídico apenas ganhou importância nos ordenamentos ao redor do mundo, a partir de uma alteração de valores e paradigmas a respeito da situação ambiental do planeta, ligada principalmente a finitude das fontes e sistemas naturais, tão imprescindíveis à sobrevivência da espécie humana.[10]

A princípio, torna-se importante delimitar o alcance do bem jurídico ambiente, para que após possamos realizar estudo acerca da sua formação.

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O meio ambiente, trata-se de um bem amplo e imaterial, cunhado por bens corpóreos como o meio ambiente artificial, composto pelos espaços urbanos construídos, o meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio artístico, histórico, arqueológico, paisagístico e turístico que embora tenham sido erguidos artificialmente, destacam-se pelo valor especial adquirido ou impregnado e finalmente meio ambiente natural ou físico, constituído pelo solo, à água, o ar atmosférico, a flora, ou seja, pela interação dos seres vivos com o meio ambiente.[11]

Dessa forma, vislumbra-se que o meio ambiente é constituído tanto por bens corpóreos como incorpóreos, e estes estão associados à cultura e tradições de determinada coletividade, como ensina Sandra Cureau:

O meio ambiente como um conjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os organismos vivos e os seres vivos, ou como conceito que deriva do homem e com ele está relacionado, inclui o meio ambiente cultural, sendo patrimônio cultural como acumulação contínua de bens diversificados, que pertencem ao passado de uma comunidade.[12]

Em razão dessas múltiplas facetas, e ainda respaldado pelo conceito adotado pela Constituição Federal de 1988[13] a qual no art. 225, caput, define meio ambiente como “bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida”, tem-se hoje a multidimencionalidade alcançada pelo Direto Ambiental, “guardando em si uma proporção de Macrobem, de forma que não pode vir a ser individualizado, e muitas vezes sequer materializado a fim de que seja caracterizado.” [14]

A partir desta bem colocada explanação, Irene Maria Brzezinski Dianin, retratou que aquilo que se vê hoje, é a busca pelo equilíbrio ecológico, formado por uma interação de diversos e

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inúmeros fatores com ligações recíprocas entre si, não podendo por isso ser o bem jurídico ambiental compreendido isoladamente, em decorrência desta teia existente entre os diversos fatores naturais.

Superada sua delimitação, passa-se a realizar um breve apanhado histórico, quando se buscará apontar os principais fatores que ocasionaram as alterações de paradigma acerca da compreensão do meio ambiente.

Num primeiro momento, importa destacar que as fontes naturais sempre foram vistas como inesgotáveis, ante a imensa quantidade em que eram encontradas na natureza.[15] Dessa forma, na antiguidade, a proteção dispensada ao meio ambiente dava-se de modo a assegurar o direito à propriedade, eis tratar-se de um bem econômico, e por isso sujeito à apropriação. Apenas em casos isolados, ponderava-se quanto a proteção ambiental evitando que a super exploração pudesse acarretar danos à saúde humana.

A respeito, manifestou-se Marcelo Abelha Rodrigues quando trata da tutela do meio ambiente na antiguidade:

Salvo em casos isolados, o que se via era uma tutela mediata do meio ambientem tendo em vista que o entorno e seus componentes eram vistos pelo ser humano ora como um bem economicamente considerado, ora como algo adjacente à proteção da saúde do próprio ser humano. [16]

Dentre alguns dos diplomas da época, estão o Código de Hamurabi, no século XVIII, e a Lei das XII Tábuas, em aproximadamente 490 a.C. Ambos dispositivos retratam a preocupação do período acerca do meio ambiente.[17]

Dessa forma, os bens ambientais abarcavam a classe dos bens privados, sujeitos a apropriação, sendo identificados como res nullius, única e exclusiva condição para a preocupação humana com a proteção da natureza.

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Nesse período, as transformações produzidas no meio ambiente eram restritas, devido, principalmente, à diminuta população humana, atrelada ao conhecimento tecnológico limitado, o que levou a um período de relativo equilíbrio entre a relação homem e meio.

Entretanto, com o passar dos séculos, fatores como a explosão demográfica e o escoamento dos recursos naturais do planeta, levaram a uma mudança de perspectiva acerca dos fatores ambientais, não mais sendo encarados como entidades inexauríveis, de forma que não mais deveria ser deixada a livre utilização, mas serem tratadas com relevo de bens coletivos de interesse geral. [18]

Deu-se assim à segunda fase da tutela do meio ambiente, a qual foi marcada pela proteção de bens ambientais vitais, valendo-se, para tanto, da prerrogativa de que estes eram necessários à manutenção da condição humana sobre o planeta.

Diante disso, os ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, passaram a promulgar leis com vistas à proteção ambiental, entretanto, se valiam para isso do poder geral de proteção à saúde humana,[19] com a perspectiva de que o meio ambiente saudável era capaz de perpetuar uma melhor qualidade de vida geral entre a população.

Destaca-se que a verdadeira alteração ocorrida da primeira para a segunda fase não foi o foco da proteção, eis que egoisticamente o ser humano foi mantido como centro das atenções legais, dispensando proteção ao meio somente quando disto dependesse seu bem estar, sua saúde.[20]

Elaborado após a segunda guerra mundial, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), mencionou pela primeira vez em âmbito internacional o termo Meio Ambiente. Este pacto, ligado ainda ao posicionamento da segunda fase, declarava que toda pessoa deveria desfrutar do mais elevado

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nível de saúde física e mental e que é papel do Estado proporcionar tal direito através da melhoria do meio ambiental.[21]

Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, foi fatal a qualificação do meio ambiente como bem, em razão de sua função protetiva à saúde, isto por que, delimitava e muito, o âmbito de incidência de tal espécie de normatização. Entretanto, ainda que não se tivesse atingido o parâmetro ideal da proteção ambiental, este período demonstrou um primeiro e singelo esforço em busca de tutela mais completa como a que hoje é expressa pelo ordenamento brasileiro.

A terceira fase, ainda em curso, é marcada por uma profunda cisão da forma como os seres humanos compreendem a proteção ambiental, eis que o desenvolvimento da sociedade em ritmo vertiginoso, ligado a alterações estruturais ocasionaram inúmeras perturbações exemplificadas por Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues como

Contaminação dos alimentos e das reservas de água potável, o desaparecimento contínuo de espécies, a destruição da camada de ozônio, a multiplicação dos depósitos de lixo tóxico e radioativo, a erosão dos solos férteis, o efeito estufa, a devastação do patrimônio ecológico, histórico e turístico [22]

Tais alterações tiveram reflexos nefastos no planeta Terra, de forma que esta fase cuida de deslocar a proteção ambiental do ser humano, para a proteção da vida, compreendida como um todo, conforme elucidou Edis Milaré:

Nessa nova perspectiva, o meio ambiente deixa de ser considerado um bem jurídico per accidens e é elevado à categoria de bem jurídico per se, isto é, com autonomia em relação a outros bens protegidos pela ordem jurídica. [23]

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Nesse cenário, merece destaque a Declaração de Estocolmo de 1972, onde foi realizada a primeira afirmação acerca da periclitante situação em que se encontravam as fontes naturais ao redor do globo, devendo ser protegidas visando atender aos interesses das presentes e futuras gerações, isto através de planejamento e ações públicas. Ocorre, que a eficácia dos direitos inseridos nesta declaração é reduzida, eis que não há caráter de obrigatoriedade, de maneira que a aplicabilidade do que foi firmado depende da boa fé dos signatários.

Tal alteração do modo de se perceber o meio ambiente foi devida, entretanto, pela temeridade de que a espécie humana tivesse sua continuidade no planeta ameaçada, conforme doutrinou o proeminente Marcelo Abelha Rodrigues:

Essa "nova mentalidade" de se enxergar o meio ambiente nasceu de um amadurecimento forçado do ser humano, que, pela contingência do destino quase irreversível que se aproxima, corre contra o tempo, para evitar que ele mesmo seja seu próprio algoz. [24]

Assim, o meio ambiente se transforma em um bem, cuja preservação, recuperação e até mesmo revitalização, são de importância destacada ao poder público, visando assegurar a boa qualidade de vida.[25]

Ademais, o bem jurídico ambiental, a partir da Constituição Federal de 1988[26], ingressou a uma nova categoria de bens, não pertencendo à esfera pública ou privada, estando, por isso, adequado à esfera dos bens difusos, eis que seu titular não é o Estado, mais sim, o próprio povo.

Tal característica é observada por força do que aduz o art. 225 da Carta Magna, o qual classifica o meio ambiente como bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por qualquer pessoa, e essencial à sadia qualidade de vida, definindo como bens fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana,[27]

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Por isso, denota-se a importância do bem jurídico ambiental, de forma que as técnicas processuais que hoje estão disponíveis, devem ser adaptadas a esta nova necessidade, ao passo que outras diferentes, devem ser discutidas visando aprimorar o arcabouço processual, no que tange à defesa desta espécie sui generis de bem jurídico, uma vez que a clássica divisão público e privado do direito, não se mostra eficaz na solução de conflitos desta natureza.

3. A TRADICIONAL DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Questão de relevo no processo civil é a referente ao ônus probatório, uma vez estando bens de caráter disponível envolvidos, são as partes responsáveis pela diligência no trato da causa.

Tal ônus é reconhecido como a necessidade do interessado realizar determinados atos processuais com finalidade de que os fatos jurídicos alegados sejam admitidos, decorrendo principalmente do principio segundo o qual, é ilícito ao juiz eximir-se de decidir a causa, ainda que paire dúvida invencível, de forma que devem as regras sobre o ônus probatório iluminar o julgador que termina o procedimento sem que tenha se convencido, ao menos de uma possibilidade, acerca o modo como os fatos se deram.[28]

Não há que se falar de um dever na prática da produção da prova, como acima foi referido, de igual maneira, não pode o litigante contrária exigir que a prova seja produzida, o que há é verdadeiramente um ônus, no qual a parte corre riscos de perder a causa, se não demonstrar os fatos alegados, sobre os quais pretende que recaia a tutela jurisdicional.[29]

Partindo desse raciocínio, o contendor que não se desincumbe do ônus da prova, não necessariamente será prejudicado, em decorrência do princípio processual da comunhão das provas, sistematizado por Eduardo Cambi como (...)

As provas ao ingressarem no processo, são subtraídas da disposição das partes, que as

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introduziram ou produziram-nas, servindo aos litisconsortes, independentemente de qual seja a sua natureza (unitário ou simples/ necessário ou facultativo). [30]

Desta maneira, o magistrado está autorizado, quando da formação de seu convencimento, a considerar todos os elementos dos autos, valendo-se inclusive daquilo que foi produzido pela outra parte, uma vez que a prova não pertence aos litigantes ou ao juiz, mas sim ao processo (art. 131 do CPC).

Nesse sentido, está o interessante posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni, no qual atesta que, “realmente não há razão para o juiz invocar a regra do ônus da prova como regra de decisão e, nessa perspectiva, é correta a conclusão de que a regra do ônus da prova somente deve importar em caso de dúvida”.[31]

Para o doutrinador mencionado, é o mesmo que dizer que o magistrado pode aplicar a sentença ainda que não tenha atuado a regra do ônus probatório, uma vez que não paire dúvida acerca da questão fática.

Portanto, as regras sobre distribuição do ônus da prova do art. 333 do Código de Processo Civil, devem ser consideradas subsidiárias em casos onde o juiz possa conhecer do fato através das informações previamente dispostas nos autos.[32]

O código disciplina que cada uma das partes é onerada com a produção de provas acerca dos fatos que embasam seus pedidos,[33] de modo que o juiz aplique uma solução ao conflito[34], uma vez que não pode declarar a existência de um fato se não estiver razoavelmente convencido dessa hipótese.

Em memorável trabalho, Francesco Carnelutti, atesta que os fatos controvertidos estão em uma zona intermediária, alocada entre os inexistentes e os existentes:

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Entre os fatos não afirmados por nenhuma das partes, fatos que não existem para o juiz, e os fatos afirmados por todas as partes, que para ele simplesmente existem, se encontra a área neutra dos fatos afirmados tão somente por uma ou alguma das partes, ou seja, fatos afirmados porem não admitidos, que podem existir ou não, são os chamados fatos controvertidos. [35]

Decorre disso o fato de que anteriormente à distribuição da carga probatória, cabe ao magistrado fixar os pontos controvertidos da causa em análise, devendo observar o que foi alegado pelo autor e impugnado pelo réu, de forma a estabelecer o que deva ser provado, acerca dos pontos controvertidos, aduz Hernando Devís Echandia que:

Como regra geral, somente os fatos controvertidos são fundamento para que o juiz recorra a regra da inversão do ônus da prova, eis que sua admissão pelo adversário torna-os satisfatoriamente provados.[36]

O artigo 333 do Código de Processo Civil determina que o ônus da prova seja compartilhado entre os litigantes da seguinte maneira; ao autor incumbe o ônus de provar fato constitutivo do seu direito (art. 333, I), ao réu, o de provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II), ou seja, o ônus da prova é decorrência do ônus da alegação, vez que somente se buscará provar os fatos previamente alegados integrantes de determinada esfera jurídica.[37]

Nesse ponto, a doutrina realizou construção sobre a matéria, tendo estabelecido que o ônus probatório pode ser compreendido sobre âmbito subjetivo e objetivo. Quanto ao sentido subjetivo, se entende os fatos que devem ser provados por cada parte, ou seja, ao autor os fatos constitutivos e ao réu os fatos que compuserem à exceção, sendo assim estabelecido o thema probandi.[38]

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Nota-se que a distribuição do ônus da prova, não deve pautar-se nos fatos alegados pelas partes, mais na relação existente entre os fatos e a conotação dada a estes pela norma os efeitos jurídicos perseguidos pela parte tem como pressuposto os fatos que a norma legal atribui tais efeitos.[39]

Dessa forma, os fatos numerados no artigo 333 do Código de Processo Civil, distinguem-se em decorrência dos efeitos jurídicos que possam produzir, estando organizados entre fatos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos.

Compreende-se por fatos constitutivos aqueles formadores do cerne do pedido do autor, levando à sua procedência[40] (locação e mora do devedor são os fatos constitutivos do pedido de despejo do inquilino pela mora no pagamento dos aluguéis), isso decorre do fato que o autor da demanda, ao menos em tese, é o principal interessado em ver a situação jurídica preexistente alterada. Quanto a fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, estes barram os efeitos pretendidos pelo autor, porque obstam algum aspecto da relação jurídica.

Os fatos impeditivos são aqueles que inibem o efeito normal ou próprio de um fato.

Já os fatos modificativos, operam alteração na relação jurídica pretérita, que não a excluem nem a impedem, mas têm eficácia de alterá-la (diminuição ou mudança de natureza).[41] Finalmente, compreende-se por fato extintivo o que fulmina de uma vez o direito invocado, acarretando o fim da relação jurídica, temos por exemplo, o pagamento na ação de cobrança e no caso da relação de consumo, o fornecedor que não coloca o produto no mercado.[42]

Nessa situação, o réu pode simplesmente negar tudo o que foi proposto pelo autor, desincumbindo-se mesmo sem provar qualquer fato, assim mesmo sem nenhuma iniciativa de prova, o requerido ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade dos fatos constitutivo do seu pretenso direito,[43]entretanto, uma

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vez que alegue fatos tendentes a invalidar a pretensão do autor, terá a incumbência de prová-los.[44]

Tal organização tem disciplinado com eficácia grande maioria dos feitos submetidos à apreciação judicial, entretanto, em alguns casos, a inflexível aplicação da regra do art. 333 do Código de Processo Civil, torna a extremamente difícil o exercício da prova, razão pela qual, se faz necessária a elaboração de novos critérios, visando facilitar a demonstração dos fatos alegados.

Decorre disso a teoria de inversão do ônus probatório previsto no art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor estabelecida para guiar as lides coletivas que envolvam esta classe, de modo a reequilibrar a relação consumidor e fornecedor, demonstrando nitidamente a aproximação do direito processual e material desta espécie.[45]

4. O ÔNUS PROBATÓRIO NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Como anteriormente ressaltado, a busca pela maior efetividade do processo na defesa dos direitos materiais, tem oportunizado uma verdadeira adequação do procedimento ao objeto que visa tutelar. Segundo José Roberto Bedaque:

O processo é um instrumento, e, como tal, deve adequar-se ao objeto com que opera. Suas regras técnicas devem ser aptas a servir ao fim que se destinam, motivo pelo qual se pode afirmar ser relativa a autonomia do direito processual. A conseqüência dessa premissa é a necessidade de adequação e adaptação do instrumento ao seu objeto.[46]

Tais aprimoramentos estabelecem-se no sentido de conformar uma proteção aos interesses de uma infinidade de pessoas, em âmbito consumerista ou do meio ambiente.

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Nessa esteira de adaptação, o Código de Defesa do Consumidor, desenvolveu um sistema singular no tocante à divisão do ônus probante, o qual vem expresso no art. 6º, inc. VIII. [47]

Trata-se de verdadeira consagração ao princípio constitucional da isonomia, eis que se buscou igualar o consumidor, parte mais vulnerável da relação de consumo, com o produtor ou fornecedor, pólo hipersuficiente da relação jurídica, para com isso, alcançar uma verdadeira igualdade material, através da aplicação de tratamento desigual os desiguais, na medida de sua desigualdade.[48]

O artigo em questão mostra-se como uma verdadeira vantagem processual, eis que os fatos alegados pelo consumidor deveriam ser por ele demonstrados.

Seguindo a regra do art. 333 do Código de Processo Civil, caberia provar não apenas o dano causado, mas também, o nexo causal entre este e a conduta pretensamente ilícita do fornecedor,[49]entretanto, operando a inversão do ônus probatório, está dispensado de tal encargo.

Visando então que tenha sua defesa facilitada em juízo, o sistema consumerista permite que seja invertido o ônus probatório em favor do consumidor, desde que estejam atendidos determinados critérios. Trata-se, em realidade, de verdadeiros pressupostos de admissibilidade, são estes a) verossimilhança da alegação; ou b) a hipossuficiência do consumidor.

Conforme se observa da análise do próprio texto legal, não é necessário que estejam presentes mais de um pré-requisito, bastando que o magistrado acolha um deles, entretanto, parte da doutrina especializada tem estabelecido posicionamento contrário a esta alternativa, alegando serem necessários ambos os requisitos para que se autorize a inversão probatória, é o que alega Antonio Gidi “(...) para que a inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser verossímil quanto o consumidor precisa ser hipossuficiente.”[50]

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Discordamos de tal posicionamento, uma vez que o que se buscou através do dispositivo em análise, foi facilitar a defesa do consumidor em juízo, o que pode ser obstaculizado caso sobrevenha o entendimento mais rigoroso, ademais, a partícula “ou” no texto legal, estabelece função disjuntiva, propondo alternância entre uma hipótese e outra.

Muito tem se escrito a respeito do que se trata a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência em matéria consumerista.

Verossímil, é tudo que é plausível, ou reveste-se de uma aparência de verdadeiro, juridicamente falando, é aquela alegação que, quando aplicada cognição sumária, não aponta o entendimento que possa ser descabido, é aquilo que ordinariamente ocorre, conforme defende Luiz Paulo da Silva Araújo Filho.

Cumpre sustentar que a exigência de ser verossímil a alegação deve ser interpretada amplamente, no sentido de parecer verdadeiro, de não repugnar a verdade, segundo as ordinárias de experiência, o fato alegado, de ser plausível o caso narrado pelo consumidor sem, todavia, ser necessário que o fato descrito se mostre provável, que tenha efetiva probabilidade de ser verdadeiro. [51]

Interessante é o posicionamento de Luiz Eduardo Boaventura Pacífico ao atestar que a verossimilhança não é requisito típico de inversão do ônus da prova, uma vez que o juízo a ser aqui proferido remete às regras de experiência do magistrado, e assim, aduz que o fato alegado somente pode ter sido ocasionado por meio de outro e, considerando à existência deste, admite também aquele, a não ser que a parte contrária prove que desta forma não se deu o ocorrido. [52]

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A hipossuficiência, conforme entendimento de Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin é “marca pessoal, limitada a alguns até mesmo a uma coletividade”.[53] Entende-se por hipossuficiente aquele consumidor que não possui renda para que eficazmente possa buscar a satisfação de seu interesse em Juízo, entretanto, tem prevalecido que a fragilidade do consumidor nesse tipo de ação não deve ser meramente financeira ou cultural, mais também, estar atrelada a capacidade técnica de produzir determinada prova, a respeito, aduziu Eduardo Cambi:

Isso se explica por que o consumidor é a parte mais fraca na relação de consumo, pois, geralmente, não dispõe do acesso às informações e aos elementos técnicos do produto ou do serviço, enquanto, por outro lado, o fornecedor detém estes dados.[54]

Assim, o consumidor mais abastado, pode ser configurado como hipossuficiente, tanto quanto aquele que goze de menos recursos, eis que sua desvantagem técnica será evidente em determinadas demandas, estando desta maneira em situação vulnerável no mercado de consumo, tal noção de hipossuficiência pode atingir inclusive o próprio Estado.

Conclui-se portanto, que a hipossuficiência não esta galgada apenas em critério de miserabilidade, mais encontra-se intimamente ligada com a posição favorável do poluidor, no caso das ações coletivas em defesa do meio ambiente, que dispõe de equipes de técnicos e laboratórios próprios, pelos quais é possível estabelecer conhecimento especifico, desequilibrando a relação jurídica processual. Assevera o mesmo entendimento o doutrinador Celso Antonio Pacheco Fiorillo, ao afirmar que “a hipossuficiência tratada, é estabelecida, em regra, pela coletividade frente aquele que é mais forte na relação jurídica, qual seja, o poluidor.”[55]

Tendo sido estipulado como um direito do consumidor, o juiz responsável pela causa, não terá prerrogativa acerca da adoção, ou

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não, da regra do art. 6º, inc. VIII, antes sim, um dever de inverter do ônus probatório, cabendo-lhe apenas decidir se estão presentes os requisitos enumerados em lei.

Tais normas são estabelecidas de forma cogente, apresentando eminentemente caráter público, de forma que têm aplicação absoluta e superior à vontade das partes envolvidas, não sendo passíveis de alteração ou exclusão por qualquer ato.[56]

Ainda que esteja adstrito a esta regra, algum elemento probatório deve ser apresentado pela parte que pretende ver seu direito atendido, uma vez que de forma diversa, não será possível avaliar os elementos de verossimilhança e hipossuficiência, necessários à inversão do ônus da prova

Se, entretanto, o autor não tiver trazido ao processo qualquer prova do dano que afirma ter sofrido e nem mesmo elementos indiciários do nexo entre esse dano e o produto ou serviço prestado pelo fornecedor demandado, impossível será realizar o juízo que o art. 6º, VIII, do CDC exige do magistrado para carrear o ônus da prova ao réu.[57]

Dessa forma, não está o consumidor dispensado automaticamente de toda e qualquer incumbência, vez que a exegese do código consumerista, quando tratou de assegurar a facilitação na defesa de seu direito, visou ilidir a sucumbência imediata, quando a prova fosse extremamente onerosa de ser produzida, não que se desvinculasse a parte autora de todo e qualquer ônus de demonstração dos fatos veiculados.[58]

Diferente do que se possa concluir, ainda que o consumidor instrua o feito inicialmente com alguma prova, ainda pode o juiz, de acordo com seu prudente arbítrio, inverter o ônus probatório, inclusive, quanto melhor demonstrado o fato alegado inicialmente, maiores serão os indícios para que se conceda a vantagem prevista no art. 6º, inc. VIII, eis que dessa forma, se estará fornecendo

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respaldo para que o julgador possa valer-se de suas regras de experiência verificando se estão presentes os requisitos alegados.[59]

O momento de ser aplicada a inversão do ônus probatório tem causado debates em torno da doutrina, havendo três posicionamentos distintos. Em minoria, estão aqueles que defendem à aplicação em momento conjunto ao despacho inicial, antes mesmo que a parte ré pudesse apresentar sua resposta.

O posicionamento não deve ser adotado, uma vez que nessa etapa processual ainda não foram fixados os pontos controvertidos da demanda, e por isso, os fatos que dependerão de prova.[60] Os que se filiam a esta corrente apontam que uma vez o magistrado receba a peça inicial e possa ter ciência das partes envolvidas no litígio (bem como a causa de pedir e o pedido), terá plena capacidade de definir o teor dessa demanda, apontando inclusive se há aplicação do Código de Defesa do Consumidor.[61]

O segundo entendimento perfaz-se por aqueles que classificam a inversão do ônus da prova como regra de julgamento, devendo por isso ser aplicada quando do encerramento da instrução, já no momento da sentença, entendimento este também encampado por parte da jurisprudência.

A inversão do ônus da prova, como regra de julgamento, beneficia mais o consumidor do que a declaração de sua inversão em momento processual outro que não ao ser proferida a sentença, pois é nessa oportunidade que, verificada, a inexistência de provas das alegações do consumidor, sendo estas verossímeis, e/ou for ele técnica ou economicamente hipossuficiente, sua demanda caberá ser acolhida, por não ter o produtor/ fornecedor feito a prova da inexistência de defeito em seu produto ou serviço. [62]

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A princípio, é descabido dizer, por mera analogia, que existe equivalência entre os dispositivos do art. 6º, inc. VIII do Código de Defesa do Consumidor e o art. 333 do Código de Processo Civil, uma vez que, esta disciplina uma distribuição do ônus probante que deve ser aplicada pelo magistrado, enquanto o disposto na legislação consumerista prevê apenas uma possível inversão da regra de distribuição probatória, a ser aplicada quando estejam presentes certos requisitos.[63]

Ademais, tal sede doutrinária, repudia que possa haver prejuízos ou ser a parte ré tomada de surpresa, se fosse aplicado o art. 6º, inc. VIII, somente no momento da sentença, uma vez que este procedimento está previsto em lei.[64]

Posição inadequada, eis que a mera possibilidade de se inverter o ônus probatório, por si só não gera encargo algum à parte contrária, induz inclusive, ao entendimento de que o procedimento a ser aplicado é o do art. 333 do Código de Processo Civil, uma vez que essa inversão se dá ope judicis e não ope legis, cabendo ao juiz, pautando-se em regras de experiência, dirimir acerca da inversão da carga probatória.[65] Assim, deve estar ciente o fornecedor das conseqüências desvantajosas de não produção de determinada prova, bem como tem o direito de se desincumbir de ônus que lhe tenha sido deferido.

Com maior acerto, alinham-se os que defendem que a regra supracitada, deva ser aplicada em momento da audiência preliminar, prevista no art. 331, § 2º do Código de Processo Civil, oportunidade em que se da à fase de saneamento do processo, bem como se fixa os pontos controvertidos da demanda.

Para tanto, admitem que a inversão do ônus da prova não é mera regra de julgamento, mais sim regra de comportamento dirigida às partes, conforme aduz Antonio Gidi (...) “se o ônus da prova é uma regra de juízo, já não se pode dizer o mesmo da norma que prevê a sua inversão, que é eminentemente uma regra de atividade”,[66] distribuindo previamente quais fatos cada um será

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obrigado demonstrar, de modo que não se coloque os litigantes em desvantagem processual quando do deslinde da causa.

O grande ponto favorável em relação a este entendimento, é que uma vez fixada a inversão processual do ônus da prova, o fornecedor poderá valer-se de todos os meios legais cabíveis para demonstrar o seu direito, inclusive, contestar a aplicação desta regra, especificando quais as provas que pretende produzir frente esta nova posição assumida dentro do processo, desincumbindo-se por isso do ônus processual antes adquirido, estando assim preservados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, da mesma forma tem entendido grande parte da jurisprudência pátria.

Quando, a critério do juiz, configura-se hipótese de inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º. Inc. VIII do CDC, sob pena de nulidade, é mister a prévia determinação à parte, em desfavor de quem inverte o ônus para que prove o fato controvertido. A inversão, sem esta cautela, implicará em surpresa e cerceamento de defesa. [67]

Ainda, o que foi decidido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Inversão do ônus da prova – Inteligência do art. 6º. Inc VIII, do Código de Defesa do Consumidor: Considerando que as partes não podem ser surpreendidas, ao final, com um provimento desfavorável decorrente da inexistência ou da insuficiência da prova que, por forca da inversão determinada na sentença, estaria a seu cargo, parece mais justa e condizente com as garantias do devido processo legal a orientação segundo a qual o juiz deva, ao avaliar a necessidade de provas e

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deferir a produção daquelas que entenda pertinentes, explicitar quais serão objeto de inversão[68]

Parece-nos tal posicionamento mais encampado com as garantias constitucionais, bem como vai de encontro com o que propôs o Código de Defesa do Consumidor, quando permitiu a facilitação na defesa dos interesses ligados ao consumo em juízo, por meio da inversão do ônus probatório, e não através da lesão ao direito de defesa qualquer das partes envolvidas no litígio.[69]

Entretanto, o que afere Luiz Paulo da Silva Araújo Filho é válido, quando afirma que “não sendo possível ao magistrado definir a inversão probatória no momento da audiência de saneamento, poderá fazê-lo no fim da instrução, abrindo novo prazo para que o fornecedor produza as provas que julgar cabível”, [70]dessa forma, se atenderá às prerrogativas das partes que têm seu direito de defesa assegurada.

Uma vez que a inversão do ônus probatório possa ser concedia a qualquer momento, desde que o magistrado entenda estar presente ao menos um dos requisitos, remete ao entendimento que seria cabível afastar esta inversão, uma vez que a alegação que continha elementos de verossimilhança, pode passar a não contar com este status, após aprofundamento no cingir da causa.

A inversão do ônus da prova, na modalidade do Código de Defesa do Consumidor, é certamente cercada por questionamentos de toda ordem, entretanto, foi de suma importância sua concepção, tanto na seara consumerista, eis que tem se mostrado um poderoso e eficaz meio de igualar consumidores e fornecedores de uma relação jurídica, quanto na esfera da tutela dos interesses coletivos, porque a influência causada por dispositivos desta natureza repercute nos demais meios processuais destinados à tutela dos bens transindividuais, e como é patente, prescinde de técnicas

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processuais cada vez mais apuradas e voltadas à solução desta natureza de conflitos em particular.

5. A APLICAÇÃO DO MODELO CONSUMERISTA DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

O Código de Processo Civil é o instrumento estatal destinado a regrar a entrega da prestação jurisdicional na composição de conflitos de interesses das mais variadas espécies, atuando nas lides de natureza privada e na mesma medida “nas relações conflituosas no campo do Direito Público.” [71]

Entretanto, ante a organização veementemente individual do processo civil, oriunda principalmente de sua íntima ligação com o direito material,[72] as ações que buscavam a proteção dos direitos transindividuais, encontravam barreiras ao tentar, eficazmente, dirimir conflitos que envolvessem interesses coletivos.

Neste contexto, buscou-se uma inovação no tratamento das ações que versassem sobre direitos transindividuais, de forma a propiciar uma tutela efetiva a bens e interesses coletivos, e por isso acima de considerações de índole individual.

Com a promulgação da Lei 8078/1990, o Código de Defesa do Consumidor, repartiu-se o processo civil brasileiro, precipitando na criação de um subsistema destinado a resolução de conflitos individuais, e outro aos conflitos de natureza transindividual. [73]

A partir daí, o Código de Processo Civil, passou a apresentar apenas aplicação secundária, meramente supletiva, em causas que versem sobre direitos transindividuais, para os quais foi formado arcabouço legislativo próprio, composto principalmente pelo Código Consumerista, a Lei da Ação Civil Pública e a Lei de Ação Popular.

Portanto, o Código de Defesa do Consumidor disciplinou o sistema processual coletivo, agregando os avanços legislativos de maior destaque no cenário nacional, e com isso passou a difundir seus efeitos no que tange a proteção de outros interesses

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transindividuais, formando junto com a Lei da Ação Civil Pública e Lei da Ação Popular, verdadeiro agregado normativo, interligando todos os subsistemas de tutela de bens transindividuais.

Tanto é verdade que, no bojo da Ação Civil Pública, previu-se a “aplicabilidade na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, quando houver cabimento, os dispositivos do Título III da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor”.[74]

Assim, é pacífico o entendimento de que a tutela dos interesses coletivos latu sensu, é regida pelas normas procedimentais do Código de Defesa do Consumidor, com ênfase ao Título III, que disciplinou a matéria, formando verdadeira relação de reciprocidade entre as normas que perfazem a proteção aos bens de caráter transindividuais. [75]

Entretanto, o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, deixou de fora, ao menos em primeira análise o instituto processual da inversão do ônus da prova previsto no Título I, mais precisamente no art. 6º VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Tal disposição admite que o magistrado inverta o ônus da prova nos casos em que o consumidor se apresente como hipossuficiente na relação jurídica formada, ou esteja presente a verossimilhança da alegação apresentada.

O instituto, como apresentado no art. 333 do Código de Processo Civil, onde cabe ao autor provar os fatos alegados, adéqua-se facilmente às relações individuais tuteladas pelo Código de Processo Civil, entretanto, a universalização da aplicação tradicional do ônus probatório, causa grande prejuízo quando se busca a tutela dos direitos transindividuais, nesse sentido posicionou-se Eduardo Cambi:

O art. 333 do CPC, aplicado sem restrições ao processo coletivo seria uma grande fonte de injustiças, porque não permitiria a tutela de

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direitos transindividuais importantes para a sociedade em decorrência das maiores dificuldades que o autor da ação teria para demonstrar os fatos juridicamente relevantes.[76]

O dispositivo em comento possui caráter de princípio geral, que deve reger toda e qualquer relação de consumo, tendo natureza eminentemente processual, segundo doutrinou Nelson Nery Junior:

Os princípios gerais das relações de consumo encontrados nos art. 1º ao art. 7º têm aplicação direta sobre tudo mais que se encontra no Código, não se tratando de meras normas programáticas, sem efeitos, mais sim concretas, cuja eficácia vem descrita ao longo de todo o código. [77]

Com o fim de embasar tal perspectiva, deve-se realizar verdadeira interpretação lógico-sistemática entre a norma individual e as que com ela se articulam.[78]

Tomando-se em conta o que realmente buscava o legislador quando da promulgação de tal norma, atrelado ao estado avançado de degradação em que se encontram muitos ambientes naturais, seria absurdo negar a aplicação de tal instituto processual as Ações Civis Públicas, uma vez que, vai contra ao que efetivamente se buscou quando da promulgação do sistema processual coletivo.[79]

Doutrinou sobre o tema o ínclito Marcelo Abelha Rodrigues, atestando que:

(...) o fato de se encontrar o dispositivo fora do rol do Título III, embora ontologicamente, seja também uma regra de direito processual, não afasta a premissa de que o art. 6º, VIII do CDC é regra principiológica do diploma que se projeta em todo o Código, inclusive sobre o

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referido Título que cuida do direito processual civil.[80]

Levantam-se dúvidas acerca dessa aplicação, já que o Código de Defesa do Consumidor previu expressamente que a inversão do ônus da prova é cabível quando estiverem presentes a hipossuficiência e a verossimilhança de sua alegação, porém, o consumidor a que se referiu o diploma legal, não é aquele que tutela seu interesse particular, mais o afetado pelas decisões erga omnes quando o legitimado ativo busca a defesa dos interesses transindividuais em juízo,[81]

A ação civil pública envolve a defesa de interesses sociais como o meio ambiente, o patrimônio público, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como a ordem econômica e urbanística e para evitar que ônus probatório recaísse sobre o autor da ação, defensor dos interesses transindividuais, bem como para facilitar sua defesa em juízo, adequou-se e adaptou-se o instrumento processual ao seu objeto, criando-se por meio do CDC o mecanismo de inversão do ônus da prova.

Ademais, o tratamento diferenciado dispensado a este tipo de tutela, é fruto do que previu a própria Constituição Federal[82], ao definir como direito de todas as pessoas o meio ambiente equilibrado, visando com isso resguardar condições de sobrevivência às presentes e futuras gerações, tal relevância é o que legitima a exceção em matéria probatória, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor.[83]

Dessa forma, é inafastável a aplicação da inversão do ônus da prova em matérias de ações coletivas, seja baseado meramente na análise deontológica do Código Consumerista, ou por uma análise ampla, pautada em parâmetros Constitucionais instituídos ao meio ambiente, desse entendimento compartilha também boa parte da jurisprudência pátria:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE HUMANA. PEDIDO DE LIMINAR QUE OBJETIVA A INTERDIÇÃO DA ÁREA ONDE HOUVE O CULTIVO DE SOJA TRANSGÊNICA (SAFRA 2001/2002) E PROIBIÇÃO DE QUALQUER CULTIVO ATÉ QUE SE ATESTE A AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DO SOLO E ÁGUAS SUBTERRÂNEAS. JUIZ DE PRIMEIRO GRAU QUE INDEFERE A LIMINAR E A INVERSÃO DO ÔNUSDAPROVA. 1) AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR. INCERTEZA QUANTO AOS DANOS DECORRENTES DO PLANTIO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO NESTE ASPECTO. A liminar requerida em ação civil pública só deve ser concedida se o juiz se convencer do "fumus boni juris" ou da verossimilhança. A incerteza a respeito da verossimilhança da alegação recomenda o indeferimento da medida. 2) INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR. DECISÃO REFORMADA NESTE ASPECTO PARA QUE SE INVERTA O ÔNUS DA PROVA E TRANSFIRA ESTA RESPONSABILIDADE AO AGRICULTOR. É direito do consumidor a inversão do ônus da prova, mormente quando se trata de ação coletiva cuja simbiose desta com o CDC é estabelecida pela própria lei consumerista (art. 6º, VI). RECURSO PARCIALMENTE

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PROVIDO. (TJPR - 10ª C.Cível - AI 0275261-8 - Francisco Beltrão - Rel.: Des. Marcos de Luca Fanchin - Unânime - J. 22.02.2005) [84]

A aplicação do art. 6º, inc. VIII do Código de Defesa do Consumidor, em âmbito da Ação Civil Pública, é notável avanço legislativo no sentido de melhor aparelhar a defesa de bens transindividuais em juízo, representando um descompasso com as alterações de ordem constitucional se fosse impedida sua utilização.

6. CONCLUSÃO

O advento da Constituição Federal de 1988, e suas inovações relacionadas ao Estado Brasileiro consagraram como cláusula pétrea o direito do cidadão ao meio ambiente saudável essencial à sadia qualidade de vida, isto decorreu do fato que a ação do ser humano sobre o planeta, principalmente no último século, foi de tal forma danosa, que a proteção ambiental passou a ser encarada como defesa da continuidade da vida humana sobre a Terra.

Primeiramente, há que se delinear que o bem ambiental por suas características, exigiu que uma tutela diferenciada fosse estipulada, uma vez que o processo civil brasileiro arquitetado para atuar na órbita privada, e seus institutos formadores, mostraram-se inábeis em dirimir eficazmente conflitos envolvendo bens coletivos, cuja preservação está ligada ao interesse público.

A partir daí foi instituído um novo sistema processual, formado pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei de Ação Popular e Lei da Ação Civil Pública, que juntos compõem um arcabouço legal destinado a dirimir conflitos na órbita dos direitos coletivos. Tal sistema amoldou determinados institutos do tradicional direito processual, para que estes se adaptassem a esta nova espécime de ação.

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O Código de Defesa do Consumidor no artigo 6º, inciso VIII, inseriu no ordenamento brasileiro a regra processual da inversão do ônus probatório, em medida diversa da estabelecida no artigo 333 do Código de Processo Civil, com vias de que fosse facilitada a defesa do consumidor em juízo através da instituição do ônus da prova negativa ao distribuidor ou responsável pelo serviço, desde que estejam caracterizadas na demanda a hipossuficiência e verossimilhança das alegações prestadas.

Embora tal regra processual, tenha sido arquitetada para atuar na órbita do direito do consumidor, pensa-se que, ainda que não haja permissão expressa, a interpretação sistemática autoriza o rompimento das fronteiras legais, para que venha ser utilizada no âmbito do processo coletivo ambiental, especificamente no bojo das Ações Civil Públicas.

Sob essa premissa, busca-se que o agente poluidor não se utilize das garantias estipuladas pela Lei Constitucional para eximir-se de sua responsabilidade frente à sociedade, de maneira que a tutela ao meio ambiente esteja cada vez mais ligada aos parâmetros de irrestritibilidade e celeridade que propõe a terceira onda renovatória do processo moderno.

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PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual civil. 1ª. ed., 2ª. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição - 3 ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DE SUL. Quarta Câmara Cível, Apelação Cível nº.194.110.664. Relator. Marcio Oliveira Puggina. Julgado em. 19/08/1994, publicado no Diário de Justiça de 19/08/1994. Acesso em 10 de agosto de 2009. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php>.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Sexta Câmara de Direito Privado, Agravo. Instrumento. nº 121.979-4. Relator Desembargador Antonio Carlos Marcato. Julgamento em 07 de outubro de 1999. Acesso em 10 de agosto de 2009. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoSimples.do>.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – Décima Câmara Cível, Agravo de Instrumento n.º 0275261-8. Relator Desembargador Marcos de Luca Fanchin. Julgado em 22.02.2005. Acesso em 05 de setembro de 2009. Disponível em

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL SEGUNDA REGIÃO, Sexta Turma, Apelação Cível n.º 9702356920. Relator Juiz José Ferreira Neves Neto, julgado em 27.08.2002, publicado no Diário Oficial em 19.01.2004, p. 153. Acessado em 18 de Outubro de 2009, Disponível em

<http://www2.trf2.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=base_iteor:v_it>

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Tratado de Derecho Penal. Buenos Aires: Editar, 1982. v. 1, 1992.

NOTAS:

[1] RODRIGUES. op. cit. p.151.

[2] VON LISZT, Franz.Tratado de Derecho Penal.Trad. Luís Jimenez de Asúa. 3. ed. Madri: Reus. t.2 1887, apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição, 3 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.36.

[3] WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán, P.G. Trad. De Bustos Ramírez e Yánez Pérez. Santiago: Jurídica de Chile. p. 15, 1970 apud PRADO, Luiz Regis.Bem jurídico-penal e constituição, 3 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Tratado de Derecho Penal. Buenos Aires: Editar, 1982. v. 1, 1992. p. 238.

[5] FERREIRA DOS SANTOS, Mario. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Maltese, v. 1, 1963, apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição, 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.36.

[6] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. Saraiva: São Paulo, 1994.

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[7] GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 253.

[8] OLIVEIRA JUNIOR, Gonçalo de Faria. Crimes Contra a administração ambiental: alguns apontamentos sobre o bem jurídico tutelado, seu substrato e objetos materiais, Revista de Ciências Jurídicas, v.3, n.º 1, 2005, Maringá, Paraná, p. 31 – 43.

[9] PRADO, op. cit. p. 49.

[10] DIANIN, Irene Maria Brzezinski. Bem jurídico ambiental, Dissertação, Curso de Mestrado em Direito Administrativo, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, 2007. p. 46.

[11] DA SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 21.

[12] CUREAU, Sandra. Patrimônio, uma noção complexa, identitária e cultural. In: Desafios do Direito Ambiental no século XXI – estudo em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. Organização de Sandra Akemi Kishi; Solange Teles da Silva; Inês Virgínia Prado Soares. São Paulo: Malheiros, 2005 apud DIANIN, Irene Maria Brzezinski. Bem jurídico ambiental, Dissertação, Curso de Mestrado em Direito Administrativo, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, 2007. p. 129

[13] BRASIL, Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988.

[14] DIANIN. op. cit. p. 49.

[15] FAZOLLI, Silvio Alexandre. Bem jurídico ambiental: por uma tutela coletiva diferenciada. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 19.

[16] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 17.

[17] BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. A eficácia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no Brasil. Tese, Curso de Doutorado em Direito Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007, p. 345.

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[18] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 74.

[19] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p 180.

[20] RODRIGUES. op. cit. p. 19.

[21] BIANCHI, op. cit. p. 204.

[22] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha, Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 2.ª ed., 1999, p. 75.

[23] MILARÉ, op. cit. p 180

[24] RODRIGUES. op. cit. p 20.

[25] DA SILVA. op. cit. p. 24.

[26] BRASIL, Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988.

[27] FIORILLO. op. cit. p. 74.

[28] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 2:processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 263.

[29] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 478.

[30] CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 319.

[31] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. op. cit. p. 263.

[32] CAMBI. op. cit. p. 328.

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[33] LOPES, João Batista. A Prova no direito processual civil. 3ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 38.

[34] THEODORO JUNIOR. op. cit. p. 479.

[35] CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4ª. ed. Campinas: Bookseller, 2005. p. 42.

[36] ECHANDIA, Hernandes Devis. Teoria general de la prueba judicial. 5ª ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía, 1981. t.1. p. 488

[37] LOPES. op. cit. p. 38.

[38] CAMBI. op. cit. p. 322.

[39] ECHANDIA. Ibidem. p. 488.

[40] WAMBIER, Luiz Rodrigues, et. al. op. cit. p. 417.

[41] SANTOS, Moacyr Amaral dos. Comentários ao código de processo civil, 4 vol., Forense, 1986, p. 28.

[42] Idem, Ibidem. p. 28.

[43] THEODORO JUNIOR. op. cit. p. 478.

[44] SILVA. Ovídio Araújo Baptista da, GOMES, Fábio Luiz, Teoria geral do processo civil, 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 302.

[45] MILARÉ, Édis. Direito Processual do Ambiente, 5ª ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 1030.

[46] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo Influência do Direito Material sobre o Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 18.

[47] “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII. a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a

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critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.” BRASIL. Lei nº 8.078, DE 11 de setembro de 1990.

[48] CAMBI. op. cit. p. 412.

[49] GIDI, Antonio. Aspectos da Inversão do ônus da prova no código do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 13, p. 33-41, jan. de 1995. p. 33.

[50] Idem, Ibidem. op. cit. p. 35.

[51] ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva.Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Direito Processual: (arts. 6º VIII, 38 e 81 a 119). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 09.

[52] PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual civil. 1ª. ed., 2ª. tir. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2001. p. 158.

[53] BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos.Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001. p. 325.

[54] CAMBI. op. cit. p. 413.

[55] FIORILLO. op. cit. p. 243.

[56] Idem, Ibidem. p. 243.

[57] HUMBERTO JUNIOR, Theodoro. Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 480.

[58] LOPES. op. cit. p. 50.

[59] FILOMENO, José Geraldo Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001. p. 128.

[60] ARAÚJO FILHO. op. cit. p. 22.

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[61] PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura, O ônus da prova no direito processual civil, 1ª ed., 2ª. tir., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001. p. 160.

[62] TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Primeira turma recursal, Agravo de Instrumento n.º. 1.013.285-9, Relator Gomes Corrêa, julgado em 06.06.2001. Acesso em 08 de agosto de 2009. Disponível em <http://www.tacsp.com.br/pagina.asp?id=17>.

[63] ARAÚJO FILHO, op. cit. p. 22-23.

[64] LOPES. op. cit. p. 51

[65] MOREIRA. op. cit. 217.

[66] GIDI. op. cit. p. 38.

[67] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DE SUL. Quarta Câmara Cível, Apelação Cível nº.194.110.664. Relator. Marcio Oliveira Puggina. Julgado em. 19/08/1994, publicado no Diário de Justiça de 19/08/1994. Acesso em 10 de agosto de 2009. Disponível em < http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php>.

[68] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Sexta Câmara de Direito Privado, Agravo. Instrumento. nº 121.979-4, Relator Desembargador Antonio Carlos Marcato, julgamento em 07 de outubro de 1999. Acesso em 10 de agosto de 2009. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoSimples.do>.

[69] MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa, Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, Revista de Processo, v. 86, p. 305.

[70] ARAÚJO FILHO. op. cit. p. 27.

[71] SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. I. 2ª ed. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 24.

[72] CUNHA. op. cit. p. 225.

[73] CAMBI. op. cit. p. 422.

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[74] BRASIL, Lei n. 7.347, de 24 de Julho de 1985.

[75] VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil Pública. São Paulo: Atlas, 1997. p. 155.

[76] CAMBI. op. cit. p. 423.

[77] NERY, Nelson, Os princípios gerais do Código brasileiro de Defesa do Consumidor, Revista do Consumidor, n. 3, p. 51. set. 1992.

[78] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 280.

[79] FIORILLO. op. cit. p. 449.

[80] RODRIGUES. op. cit. p. 161.

[81] FIORILLO. op. cit. p. 449.

[82] BRASIL, Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988.

[83] LEAL JUNIOR, Cândido Alfredo Silva, A experiência das Varas Ambientais Especializadas. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Acesso em 11 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br.>

[84] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – Décima Câmara Cível, Agravo de Instrumento n.º 0275261-8, Francisco Beltrão, Relator, Desembargador Marcos de Luca Fanchin, Julgado em 22.02.2005. Acesso em 05 de setembro de 2009. Disponível em <http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaDetalhes.asp?Sequencial=10&TotalAcordaos=11&Historico=1&AcordaoJuris=229882>.

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A EVOLUTIVA PROGRESSIVIDADE DO IPTU, À LUZ DA CRFB/88

FELIPE AUGUSTO VIÉGAS ALVES E SANTANA: Analista Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário, pela Escola de Magistratura de Pernambuco - ESMAPE.

Resumo: O trabalho ora apresentado visa analisar a progressividade do IPTU. Para tanto, será abordado ao longo de quatro títulos, as minúcias do Imposto Predial Territorial Urbano. Não obstante o salutar introito referente a matérias como a competência constitucional, limites do município, base de cálculo e contribuintes do IPTU, será analisado o fenômeno da progressividade, com todas as suas especificidades.

Palavras Chaves: IPTU. Progressividade. Constituição Federal.

Abstract: The work presented aims to analyze the progressivity of the property tax. For this purpose, it will be addressed over four titles, the minutiae of Territorial Property Tax Urban. Despite the salutary introduction regarding such matters as the constitutional authority, municipality boundaries, basis and taxpayers of property tax, the progressive phenomenon will be considered with all its specificities.

Key words: property tax. Progressiveness. federal Constitution.

1. INTRODUÇÃO

O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) é uma espécie de Tributo não vinculada, que obriga o proprietário de imóvel urbano a remunerar o Município (ente constitucionalmente competente) pelo

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direito que lhe fora dado de gozar, reaver, usar e dispor do bem imóvel urbano. Não obstante, em última análise, a contraprestação pela propriedade de imóvel urbana servirá para concretizar os preceitos da função social da sociedade – art. 186 da Constituição Federal (CRFB/88).

Ato contínuo, o IPTU poderá ter base de cálculo progressiva quando da não utilização correta do bem imóvel urbano. Por esta razão, ante o inadequado aproveitamento social do bem, conferia a CRFB/88, em seu art. 156, possibilidade da municipalidade cobrar o IPTU de forma progressiva. Ou seja, o corolário da progressividade do IPTU era, antes da sobredita Emenda Constitucional, interferir no direito à propriedade, visando assegurar a sua função social, beneficiando, desta forma, a coletividade urbana.

Malgrado com o surgimento da Emenda Constitucional 29/2000, dilatou-se ainda mais o direito de o Fisco municipal cobrar o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel, possibilitando a diferenciação da alíquota do IPTU em razão da localização e do uso do bem móvel.

Como já era de se esperar, embargos a tais liberalidades municipais existem por diversos juristas da seara tributária, que sustentam a inconstitucionalidade da referida Emenda, face a seu conteúdo não isonômico.

À evidência do embate doutrinário e jurisprudencial, serão por diante apresentadas e analisadas, à luz da CRFB/88, a progressividade do IPTU.

2. O DIREITO TRIBUTÁRIO SOB A ÉGIDE DA CRFB/88

É lugar comum que a sistematização do direito Tributário brasileiro instrumentalizou-se mormente por dois diplomas legais, quais sejam: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 (CRFB/88), e o Código Tributário Nacional (CTN).

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A CRFB/88, por ser a norma suprema da nação, codifica as principais regras e princípios que devem guiar o interprete e o aplicador do direito tributário. Neste diapasão, perquiriu os membros do poder constituinte originário que matérias como a competência tributária, a distribuição de receitas, a obrigação e o crédito tributário, fossem constitucionalmente normatizados, como se extrai dos artigos 145 a 162 da carta magna de 1998.

Não obstante os dispositivos expressamente dispostos na constituição cidadã, alhures mencionada, há de se destacar, por imprescindível, a relevância do Código Tributário Nacional para a regulamentação tributária em nosso país.

O CTN, positivado pela Lei nº 5.172, de 27-12-1966, fora um diploma legal criado sob forma de Lei Ordinária, antes mesmo da égide da atual constituição – instituída tão somente 22 (vinte e dois) anos após a criação do CTN.

Ocorre que, o CTN, deflagrado com o corolário de dispor sobre o Sistema Tributário Nacional, de forma a figurar como norma geral de direito tributário aplicável aos entes políticos brasileiros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), não poderia ser, neste esteio, recepcionado pela CRFB/88, vez que esta dispôs em seu artigo 146, III, que caberá a uma Lei Complementar estabelecer normas gerais a despeito das matérias de cunho tributário dispostas elencadas expressamente na Constituição Federal.

Por este motivo é que o CTN, com o advento da CRFB/88, foi recepcionado e atualmente vigora sob a forma de Lei Ordinária, malgrado, com status de Lei Complementar, por ser incontroversamente o diploma infraconstitucional que regula as normas gerais em matéria tributária no direito brasileiro – embora com algumas defasagens decorrentes de sua precedência a CRFB/88.

Neste viés interpretativo, o constitucionalista Alexandre de Morais (2009, p. 855), concisamente articulou:

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A constituição Federal de 1988 consagrou o Sistema Tributário Nacional como a principal diretriz do Direito Tributário, estabelecendo regras básicas regentes da relação do Estado/Fisco como o particular/contribuinte e definindo as espécies de tributos, as limitações do poder de tributar, a distribuição de competências tributárias e a repartição das receitas tributárias, caracterizando-se, pois, pela rigidez e complexidade.

Ultrapassadas as salutares elucidações sobre a codificação do direito tributário nacional, passemos ao objeto central do presente trabalho, qual seja, o Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU, cuja contemplação verifica-se nos dois arcabouços normativos supra-explanados - CRFB/88 e CTN.

3. CARACTERÍSTICAS INTRINSECAS DO IPTU

3.1 Da competência tributária dos Municípios

O Imposto Predial Territorial Urbano, doravante denominado IPTU, é espécie de tributo a ser instituído pelos Municípios, consoante competência constitucionalmente outorgada pela CRFB/88, em seu art. 156, I. E, a competência constitucionalmente emanada aos Municípios, como se sabe, é estritamente material, não cabendo a estes a função de legislar sobre matéria tributária, cuja competência legislativa é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal – inteligência do art. 24 da CRFB/88.

Além do mais, não poderão os Municípios nem qualquer outro ente político brasileiro abrir mão de sua competência tributária de instituir o tributo, porquanto seja esta indelegável. O que se pode delegar é tão somente a capacidade tributária de fiscalizar e arrecadas os tributos.

Neste sentido, assevera Luciano Amaro:

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A competência tributária é indelegável. Ao destinatário da Competência é dado não exercê-la, ou fazê-lo parcialmente (atingindo apenas a parte do campo passível de sofrer a incidência), mas não lhe é permitido transferir (ou delegar) a competência. O princípio da indelegabilidade da competência tributária é afirmado pelo ar. 7º do Código Tributário Nacional. (AMARO, 2006).

Desarte, assim como já trazido pelas constituições anteriores, caberá aos Municípios brasileiros, e tão somente a estes, a competência para instituir o imposto decorrente da propriedade urbana (art. 156, I, da CRFB/88).

Há de se ressaltar, por salutar, que o IPTU fora um dos tributos dos quais a CRFB/88 não cuidou de normatizar de forma extensiva. Por esta razão, o legislador ordinário cuidará de trazer regramentos que aprofunde a regulamentação do IPTU – limitando-se, por evidente, as restrições constitucionalmente impostas.

Ademais, o IPTU, por expressa previsão imunizante da CRFB/88, não incide sobre os imóveis que integram o patrimônio das Entidades Públicas da administração direta e indireta (imunidade recíproca), bem com como das instituições de direito privado constitucionalmente imunes a impostos sobre a propriedade, como é o caso dos templos religiosos e dos partidos políticos.

3.2 Fato gerador, base de cálculo, contribuintes e alíquota do IPTU

Reza o art. 156 da CRFB/88: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: A propriedade predial e territorial urbana”. Quando a constituição de 1988 aduz “propriedade”, quer-se dizer, em verdade, outros institutos inerentes à propriedade, como o domínio útil e a posse, descritos no art. 32 do CTN. Porque mais favorável à segurança jurídica, o legislador originário entendeu

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por bem não trazer ao texto constitucional o sentido jurídico/técnico da palavra propriedade, mas sim o seu sentido comum.

O Código Civil de 2002 tratou de ampliar significativamente o rol das hipóteses de incidência do IPTU, haja vista que a singela “propriedade” descrita na CRFB/88, ganha elasticidade interpretativa quando se observa em conjunto o art. 32 do CTN e os artigos do Código Civil que falam dos poderes decorrentes da propriedade imóvel, como o domínio útil e a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, a exemplo da formação de ilhas, do aluvião, da avulsão, do abandono de álveo, da plantações e construções ( BORBA, 2009).

Ato contínuo, o IPTU só irá incidir nos imóveis localizados na zona urbana do Município – parte final do art. 32 do CTN. Tal delimitação ocorre porque os imóveis situados em zona rural não sofrem a incidência do IPTU, mas sim do Imposto sobre a Propriedade Rural – ITR.

Em que pese ser competência municipal legislar sobre assuntos de interesse local (arts. 29 e 30 da CRFB/88), não seria razoável deixar ao livre arbítrio dos legisladores municipais a prerrogativa de delimitar o que seria zona urbana ou rural.

Pelo fato de serem o IPTU e o ITR tributos deveras confrontantes, fez-se necessária – com o fito de impedir conflitos de competência tributária (art. 146, I, da CRFB/88), a edição de lei complementar que versasse sobre a matéria. Esta regulamentação veio no próprio CTN, como se depreende dos dois parágrafos que compõem o art. 32.

Observa-se, portanto, a implementação de características objetivas para distinguir a zona urbana da zona rural. Aquela se constitui tanto por natureza (§1º), quanto por equiparação (§2º), do art. 32 do CTN. Por derradeiro, existindo ao menos dois dos equipamentos contidos no artigo sobredito (meio fio ou calçamento, abastecimento de água, rede de iluminação pública, escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros),

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estar-se-á diante de uma zona urbana. Do contrário, residualmente se configura a zona rural, passível de cobrança do ITR - tributo não mais de competência municipal, mas da União.

Em geral, a legislação municipal estabelece o momento da ocorrência do fato gerador como sendo 1º de janeiro de cada exercício financeiro, devendo-se obedecer ao princípio da anterioridade e excepcionando-se o da noventena.

Quanto ao aspecto pessoal do IPTU, problemas não há quanto a identificação de seu sujeito ativo, uma vez que a competência ativa para a instituição e cobrança do IPTU é dos municípios, a exceção do art. 147 da CRFB/88, cuja competência se estende aos territórios e ao Distrito Federal.

O sujeito passivo do IPTU será aquele que detiver a propriedade do imóvel, a titularidade de seu domínio útil ou a posse a qualquer custo, nos termos do art. 34 do CTN. Neste sentido, conferiu a sistemática jurídica pátria a faculdade de os municípios escolherem os sujeitos passivos do IPTU, como bem ressalvou a súmula 399 do STJ: “cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do IPTU”.

Corroborando com a faculdade dos municípios para delimitarem os sujeitos passivos do IPTU, acrescenta Aires Barreto:

O legislador poderá optar, para decretação do tributo, por qualquer das situações previstas no Código Tributário Nacional. Vale dizer, poderá escolher, verb gratia, o proprietário do imóvel compromissado à venda, ou o promitente comprador imitido na posse. Definindo a lei por contribuinte o proprietário, ou o possuidor a qualquer título, pode a autoridade administrativa optar pelo possuidor, no caso em que há proprietário. (BARRETO, 2010).

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Não se pode olvidar que a posse descrita como incidente de IPTU não é ilimitada. Ao revés, só poderá figurar como contribuinte do IPTU aquele que possuir uma posse passível de usucapião, porquanto a mera posse de um locatário ou comodatário, que não conduzem à propriedade, não hão de gerar ao particular o ônus tributário no que cinge ao patrimônio referenciado. A jurisprudência pátria é taxativa neste sentido, como se depreende dos recursos extraordinários de nº 1.131.466/SP, DJe 05/10/2009/MG, 810.800, DJ 04/09/2006 e 792.263/RJ, Dj 24/11/2006, todos já julgados pela Suprema Corte Nacional.

Imergindo à base de cálculo do tributo em comento, é assaz imperiosa a elucidação de que o IPTU é calculado sobre o valor venal do imóvel. Com efeito, engessado está o legislador municipal de criar outra base de cálculo para fins de cobrança do IPTU.

Complementando o entendimento, frisa o mestre Edvaldo Nilo (2012, p. 199):

Normalmente, o Município edita uma lei estabelecendo a Planta Genérica de Valores, que constitui parâmetro para efeito de consideração do adequado valor venal, por representar os reais elementos do mercado imobiliário. Neste rumo, o STJ entende que a mera atualização monetária dos valores presentes nas plantas genéricas pode ser feita mediante decreto ou simplesmente ato administrativo. Contudo, em face da reserva legal da base de cálculo dos tributos, é “defeso” ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.

A alíquota representa valor que, incidente na sua base de cálculo, ensejará a quantia devida de IPTU pelo sujeito passivo da

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obrigação tributária. Em termos, é o montante extraído do produto valor venal multiplicado pela alíquota.

Em verdade, a CRFB/88 não fixou um limite aos municípios, no que cerne a alíquota adotada por cada entidade da federação. Outrossim, a razoabilidade e proporcionalidade do legislador municipal, aliada a condição socioeconômica de cada Município espalhado pelo país.

Quanto à progressividade da alíquota no tempo, em virtude do inadequado aproveitamento do solo, é possível através de Lei municipal a diferenciação das alíquotas. Contudo, deixar-se-á, no presente estudo, para imergir na progressividade do IPTU no tempo em momento oportuno, quando do detalhamento do objeto central do trabalho.

4. A PROGRESSIVIDADE APLICÁVEL AO IPTU

O imposto devido resulta da multiplicação da base de cálculo pela alíquota adotada pelo ente municipal para os imóveis urbanos pertencentes a sua circunscrição.

O tributo decorrente de crédito tributário devidamente constituído pelo lançamento, por sua vez, pode ser classificada em fiscal ou extrafiscal. O IPTU será fiscal quando o seu objetivo direito for a arrecadação de receita para o fisco, como bem dispõe o art. 156, § 1º, da CRFB/88.

De outra banda, o IPTU também poderá ser essencialmente extrafiscal, quando tiver o anseio de intervir economicamente em dada situação, notadamente quando não estiver se dando a adequada destinação ao imóvel urbano – inteligência do art. 182, § 4º, II, da CRFB/88.

Insta registrar também que a progressividade ora estudada diverge da denominada proporcionalidade. Nos tributos tidos como proporcionais, só existe uma variável, vez que a alíquota do tributo

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será fixa, o que faz com que o tributo seja majorado tão somente pela alteração da base de cálculo.

O IPTU, imposto de natureza eminentemente real, tem uma alíquota fixa (exemplo, 1% sobre o valor do imóvel). Neste diapasão, o valor do Imposto Predial Territorial Urbano só aumentaria ao passo que se aumentasse sua base de cálculo.

De forma diversa, a progressividade se caracteriza por modificar duas variáveis do tributo. Nestas dobras, a medida que se aumentar a base de cálculo do tributo, aumentar-se-á consequentemente sua alíquota.

Leciona didaticamente José Afonso da Silva:

(C.1) princípio da progressividade, referido expressamente ao imposto sobre a renda ( art. 153, §2º, I) e sobre ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ( arts. 156, §1º, 182, §4º, II). Imposto progressivo é aquele cuja alíquota aumenta à medida que aumenta o ingresso ou a base imponível. (SILVA, 2011).

Em traços gráficos, a proporcionalidade se construiria por um gráfico com alíquotas fixas e base de cálculo variável, de forma linear. O imposto aumentaria mais lentamente.

Entrementes, o gráfico da progressividade aumentaria com a alíquota e com a base de cálculo. Logo, a progressividade tem por característica subtrair mais tributo de quem tem mais poder econômico, incidindo no princípio da capacidade do contribuinte, expressa no art. 145, § 1º da CRFB/88.

Inicialmente, o artigo 156, §1º e o 182, ambos da CRFB/88, elucidam a faculdade de o Município legiferar a progressividade em razão do tempo, quando da cobrança do IPTU, em virtude da função social da propriedade.

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Diversamente da Constituição brasileira de 1969, a qual autorizava o uso da progressividade do IPTU, com as únicas limitações da observância dos princípios do não confisco e da propriedade, a CRFB/88 autorizou expressamente a progressividade do IPTU quanto ao tempo, todavia, com limitações bem mais consistentes.

4.1 O IPTU progressivo no tempo

O artigo 156, §1º descreve a possibilidade de os Municípios instituírem o IPTU progressivo, na forma estabelecida em lei municipal. Ou seja, há uma liberalidade para os Municípios, muito embora com alto grau de restrição à discricionariedade estatal.

O IPTU, portanto, poderá ser progressivo quando a medida estatal for necessária e suficiente para assegurar a função social da propriedade – art. 156, I, § 1º, da CRFB/88. À evidência, o particular tem total liberdade para exercer o seu direito à propriedade, constitucionalmente previsto no art. 5º, caput, da CRFB/88. Contudo, tal liberdade deverá se condicionar à função social da propriedade, pois sua observância é direito fundamental de toda a coletividade.

Ao versar no art. 182 sobre a denominada “política urbana”, teve o legislador originário o corolário de preservar a função social da propriedade, através de mecanismos tributários extrafiscais – no caso, o IPTU progressivo.

A própria CRFB/88 deixou claro que a função social da propriedade é uma situação que deverá ser caracterizada através do plano diretor municipal, o qual formulará a ordenação de cada cidade brasileira, precisamente as que possuam mais de vinte mil habitantes.

Com esta descentralização normativa ao plano diretor, a CRFB/88 criou uma barreira à discricionariedade do legislador ordinário, ao passo em que assegurou uma uniformidade e

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segurança jurídica, pois o plano diretor delimitará parâmetros objetivos para consecução da função social da propriedade.

Logo, a cobrança pelo fisco de IPTU progressivo quanto ao tempo, só se alberga de respaldo legal caso não esteja sendo respeitada a função social da propriedade, nos termos descritos pelo plano diretor, cujas normas basilares sobreveio com a Lei do Estatuto das Cidades - Lei 10.257/01.

Assim também afirma o tributarista Ives Gandra Martins (1990, p. 551):

Pensar de forma diversa é entender que o constituinte, sobre ser repetitivo, prolixo e desconhecedor da técnica legislativa, fosse, fundamentalmente, um contumaz defensor das contradições, ao dizer que tanto os imóveis que cumprem a sua função social quanto aqueles que não cumprem seriam punidos pelo princípio da progressividade, punição expressa para estes e implícita para aqueles. Mais do que isto: apesar de ter gasto espaço e palavras com explicitações dos casos em que o princípio da progressividade poderia ser aplicado, haveria de se entender que, fora aqueles casos expressos, em todos os outros casos o principio da progressividade poderia ser aplicado. Como homenagem à inteligência do constituinte, não posso admitir tal nível de insensatez legislativa.

É de se enfatizar, pela imperiosidade da questão, ser a progressividade do art. 182 da CRFB/88, limitada não só pela função social da propriedade.

Além de ter de existir uma propriedade urbana e que esteja cumprindo a sua função social – nos termos do plano diretor existente, faz-se necessário ainda que o proprietário do imóvel não realize o parcelamento nem edifique o bem no prazo fixado em lei.

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Daí sim, poderá o Município lançar mão da medida extrafiscal prevista na constituição federal - progressividade no tempo.

O § 4º do art. 182 da carta magna de 1998 é de clareza solar quando assevera que, antes mesmo de se impor uma alíquota progressiva ao contribuinte, é curial que o sujeito passivo, notificado da necessidade de efetivo aproveitamento do imóvel, caso assim não faça, seja compelido ao parcelamento ou edificação do bem. Ao persistir na inércia, sucessivamente, haverá a alvitrada tributação progressiva por parte da municipalidade.

Existe uma corrente de juristas que entendem que o inciso II, do § 4º do art. 182, nada mais seria que uma sanção em face do contribuinte. Vejamos o fundamento de tal posicionamento doutrinário com as palavras do professor Valdir Rocha:

[...] em relação ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, como pena, quando, usando de faculdade, o Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4º). (ROCHA, 1992).

Um importante diploma normativo que aparecera para esclarecer a progressividade do IPTU fora o denominado Estatuto da Cidade, disciplinado na já explicitada Lei 10.257 de 2001. A referida Lei regulamentou os artigos 182 e 183 da CRFB/88, dispondo sobre normas gerais de política urbana.

O artigo 7º do Estatuto da Cidade é, sem sombra de dúvidas, um dos artigos mais importantes do diploma legal que disciplina a política urbana no Brasil. Por esta razão, segue infra o seu texto integral:

Art. 7

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Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do artigo 5 desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5 do artigo 5 o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1 O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do artigo 5 desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2 Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no artigo 8.

§ 3 É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo. (BRASIL, 2001).

Observa-se, pois, que a majoração da alíquota do IPTU possui o limite de cinco anos consecutivos, além de não poder incidir excedendo o dobro do valor que se aplicara no ano anterior, chegando ao máximo de 15% do valor do imóvel.

A verdade é que existe uma flagrante inconstitucionalidade na sobredita extrafiscalidade do IPTU contida no plano diretor, porquanto o valor que podem os Municípios brasileiros extrair do sujeito passivo do IPTU, se caracterizar por confisco, ante a considerável quantia que se pode retirar do contribuinte, maculando, por conseguinte, o princípio constitucional da não

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tributação com efeito de confisco, previsto no art. 150, IV, da carta magna de 1988.

De fato, não está se aplicando o confisco com o IPTU progressivo quanto ao tempo. Existe, pelos valores contidos no plano diretor, uma penalização para aqueles que não estiverem verdadeiramente adequando o imóvel a função social que deveria ter.

A força tributária, em linhas diretas, é desproporcional e abusiva, pois a percentagem máxima de 15% prevista no plano diretor é desmedida.

Todavia, também há quem interprete os valores previstos no plano diretor como um forte instrumento dado pela CRFB/88, para que exista uma correta utilização da propriedade. Não se estaria, na visão de alguns tributaristas, se acontecendo um efeito confiscatório na progressividade do PITU.

4.2 A Emenda Constitucional 29/2000 e a extensão da progressividade do IPTU

O IPTU é, sem sombra de dúvidas, um imposto real – fundado na coisa tributada, e não em característica pessoal do contribuinte, como é o caso do Imposto de Renda. Tal premissa se extrai do art. 32 do CTN, no qual está previsto que o fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel urbano.

Por esta razão, havia um embate doutrinário a respeito da possibilidade de se imputar uma extrafiscalidade ao IPTU fundada na capacidade do contribuinte, pois sendo imposto real, seria um dissenso e uma ofensa à isonomia, sua aplicação em razão do imóvel.

Por isso, existe crítica, por exemplo, a cobrança progressiva de IPTU em relação ao valor do imóvel. A Emenda Constitucional 29/2000, todavia, esclareceu a dúvida que existia pela imprecisão normativa que existira.

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Após a referida Emenda, houve uma nova redação ao §1º do art. 156 da CRFB/88, de forma a solucionar a dúvida a respeito da progressividade originariamente prevista para o IPTU.

Encabeçado pelo ilustre tributarista Ives Gandra, defendia a corrente conservadora que a constituição federal de 1998, veda a progressividade de impostos de caráter real – como é o caso do IPTU, pois o princípio da capacidade contributiva, como o próprio texto constitucional expressamente aduz em seu art. 145, §1º“sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. (BRASIL, 1998).

De modo diverso, entende Hugo de brito machado e Marcelo Magalhães Peixoto, nos seguintes dizeres:

[...] não existe na Constituição Federal de 1998 qualquer vedação ao emprego do princípio da capacidade contributiva em relação aos impostos reais, mas, muito pelo contrário, nela existe norma expressa que o preconiza. (PEIXOTO, 2002).

A par do interminável embate doutrinário, o fato é que a Emenda Constitucional nº 29/2000, acrescentou, através do exercício do poder constituinte derivado reformador, novas hipóteses de progressividade no IPTU.

Assim, poder-se-á, com fulcro do § 1º do art. 156 da CRFB/88, sem prejuízo da progressividade no tempo, aplicar a progressividade em razão do valor do imóvel bem como será possível a aplicação de alíquotas diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel.

Em suma: sem quaisquer prejuízos da progressividade no tempo descrita no art. 182, §4º, II, o imposto que incide sobre a propriedade urbana pode ser progressivo em razão do valor do

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imóvel, da mesma forma que poderá ter alíquota diferenciada em função da localização do imóvel.

4.2 O IPTU progressivo quanto ao valor do imóvel

Atualmente, com o incremento normativo inserto no art. 156, § 1º da CRFB/88, passaram a existir duas espécies de progressividade no IPTU, como bem explicita Andrei Velloso:

[...] a tradicional “progressividade extrafiscal”, ou seja, a progressividade “no tempo”, voltada à promoção do cumprimento da função social da propriedade (art. 156, § 1º, caput c/c o art. 182, §4º), a qual representa certa conotação sancionatória; e a “progressividade fiscal” estabelecida em função da variação da base imponível (art. 156, § 1º, I ), que considera o conteúdo econômico do imóvel ( signo presuntivo de riqueza). (VELLOSO, 2007).

Surge, pois, uma cobrança progressiva do IPTU, com base no valor do imóvel. Assim, um particular que tenha a propriedade (em sentido amplo) de um imóvel que custa R$ 100.000,00 (cem mil reais), poderá ter uma incidência mais onerosa (progressiva) na alíquota do IPTU, que um contribuinte que tenha um imóvel no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Ocorre, desta feita, uma verdadeira tributação com análise implícita da capacidade do contribuinte, o que para muitos é inconstitucional, vez que a CRFB/88 só autoriza a observância da capacidade do contribuinte para os tributos ditos por pessoais, e não aos reais – como já asseverado.

Após esta prerrogativa estatal de aumentar o IPTU progressivamente com base no valor do imóvel, o STF editou algumas súmulas, com o corolário de limitar a discricionariedade estatal na cobrança do tributo incidente na propriedade urbana.

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Surgiu então as súmulas 668 589, ambas editadas pelo STF. A primeira passou a considerar inconstitucional qualquer lei municipal que tenha estabelecido alíquotas progressivas para o IPTU antes da Emenda Constitucional de nº 29/2000, com exceção, por evidente, da já existente progressividade extrafiscal visando o cumprimento da função social da propriedade – prevista já pelo constituinte originário.

A súmula 589 do STF, por sua vez, entendeu por inconstitucional a fixação de adicional progressivo do IPTU em função quantitativo de imóveis do contribuinte. Em outras palavras, embora tenha o Fisco municipal se beneficiado com a prerrogativa de aumentar a sua arrecadação com a progressividade baseada no valor do imóvel, o STF, para amenizar a situação do contribuinte, impediu os Municípios de criar um adicional progressivo em função do número de imóveis do contribuinte.

Portanto, independentemente de ter o contribuinte inúmeros imóveis passíveis de cobrança do IPTU, não poderá a municipalidade aumentar a alíquota do IPTU por tal motivo, nos termos da súmula 589, editada pela Suprema Corte.

Em uma análise sistêmica do ordenamento tributário pátrio, vê-se que a progressividade em função do valor do imóvel nada mais é que outro instrumento utilizado pela Administração Pública para aumentar as suas receitas em detrimento daqueles que teoricamente teriam melhores condições econômicas.

Ocorre, todavia, que diferentemente do imposto de renda – que é um tributo eminentemente pessoal, o IPTU tem por fato gerador direitos reais, como a propriedade e o domínio. Esse é o fundamento que a doutrina mais conservadora utiliza para alvitrar a inconstitucionalidade nas inclusões trazidas pela EC 29/2000.

Ocorre, entrementes, que afora os desentendimentos doutrinários, o direito tributário brasileiro continua aplicando a progressividade do IPTU em função do valor do imóvel, valorizando-

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se, neste esteio, a reforma constitucional existente no art. 156, § 1º, da CRFB/88.

4.3 A diferenciação das alíquotas do IPTU de acordo com a localização e uso do imóvel

Não obstante possibilidade de o ente municipal instituir alíquotas progressivas em decorrência do tempo e do lugar, também entendeu por bem a Emenda Constitucional 29/2000 autorizar a incidência de alíquotas diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel – inteligência do art. 156, § 1º, II.

Tal inovação fora albergada de imediato pelo STF, que fixou expresso entendimento no sentido de retirar qualquer vício de inconstitucionalidade da cobrança de IPTU em razão com alíquota variada em razão da localização e uso do bem referido.

Assim, aqueles imóveis que se encontrem em bairros urbanos mais luxuosos e prestigiados ou aqueles que utilizem do imóvel para fins comerciais ao invés de residencial, poderá ter a alíquota do IPTU majorada, ante a expressa declaração constitucional, chancelado pelo próprio STF.

É bem de ver que tal inovação constitucional, na prática, não trouxe ao aplicador do direito maior distinção do que já se realizara. É que a progressividade do imposto não se confunde com a mera diferenciação das alíquotas.

O uso do imóvel trará modificações na alíquota não por causa do fenômeno da progressividade, mas sim porque todos os contribuintes que estejam em uma mesma categoria sujeitam-se a determinada carga tributária.

Com efeito, a alíquota do IPTU, nos casos do uso e localização do imóvel, cresce proporcionalmente com a grandeza do bem delineado, sendo a diferenciação das alíquotas uma simples diversificação de alíquotas em despeito a diferentes espécies do fato tributário, independentemente da sua significância econômica,

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como ocorre com a progressividade expressa no inciso I, do § 1º, do art. 156 da CRFB/88.

Por fim, há de se destacar que ao efeito extrafiscal do valor do IPTU de acordo com a capacidade contributiva, faz-se tão somente com a variação da alíquota.

Entrementes, o aumento da base de cálculo poderá ter efeito semelhante, pois graduar a forma de construção do bem (como popular, de classe média ou luxuoso), proporcionalmente a essencialidade do imóvel, traz mais consistência para consecução do prestígio ao princípio da capacidade contributiva.

CONCLUSÃO:

Assim, conclui-se o presente trabalho monográfico, que teve por missão delinear os principais aspectos da progressividade aplicável ao IPTU, matéria de constantes mudanças legislativas e jurisprudenciais que embora o esforço, ainda não conseguiu atender aos anseios de grande parte dos tributaristas brasileiros, por demonstrar as contradições elucidadas durante toda a análise ao longo estudo em comento.

REFERÊNCIAS:

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AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.12.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BORBA, Cláudio. Direito Tributário. 24.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

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_______. Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ROCHA. Valdir de Oliveira. Determinação do montante do tributo: quantificação, fixação e avaliação. São Paulo: IOB, 1992.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

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A DEFINIÇÃO JURISPRUDENCIAL DO ALCANCE DOS REQUISITOS PARA A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

BRENO PORTO PEREIRA: Servidor da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Assistente de Ensino no LL.M - Pós Graduação Lato Senso da Escola De Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV DIREITO RIO). Aprovado em concurso público para Procurador em procuradorias do Estado e Município. Pós Graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes/Rio de Janeiro.

Resumo: A contratação temporária é relevante instrumento que a Administração Público dispõe para a complementação de seu quadro de servidores. Por ser exceção à regra do concurso público, é imprescindível conhecer a interpretação jurisprudencial dos requisitos de tais contratações. Palavras-Chave: Contratação temporária. Art. 37, IX da CF/88. STF. Requisitos. Emergencialidade.

Introdução

A Constituição da República de 1988 expressamente positivou diversos princípios para orientar a Administração Pública, como a moralidade e a igualdade. Com efeito, tocante ao ingresso dos cidadãos aos cargos e funções públicas, foram positivas regras, norteadas por tais princípios, buscando a promoção do acesso igualitário dos cidadãos ao serviço público.

Nesse sentido, o art. 37 da Carta Magna consagrou, em seu inciso I, o princípio da ampla acessibilidade, ao dispor que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”.

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Já o inciso II trouxe a regra do concurso público como requisito para investidura no cargo ou emprego público, ao prever que “investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”.

O próprio texto constitucional trouxe exceções à regra do concurso público, isto é, situações em que o indivíduo pode ingressar no serviço público mesmo sem aprovação no procedimento formal do concurso público.

Como exemplos, pode-se citar os cargos em comissão (art. 37, II); agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (art. 198, §4º) e os servidores temporários (art. 37, IX).

A norma inscrita no art. 37, IX é de eficácia limitada, visto que claramente está expresso que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado”. Conforme lecionam Cláudio Pereira deSouza Neto e Daniel Sarmento, essas são normas “de eficácia indireta e reduzida, que não receberam do constituinte a normatividade suficiente para a produção de todos os seus efeitos. Portanto, essas normas carecem de regulamentação infraconstitucional para se tornarem plenamente operativas.”[1].

Conforme o Supremo Tribunal Federal afirmou no Recurso Extraordinário 170.131/RS de relatoria do Ministro Celso de Mello (DJ, 24 de junho de 1994), norma de eficácia limitada é um “preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado”

Ao tratar da normatização do contrato temporário, a jurisprudência detalhou os critérios para a realização lícita desse tipo de contrato, conforme será visto a seguir.

Requisitos para a licitude do contrato temporário

Contratos temporários de trabalho podem ser celebrados para suprir necessidades temporários nas quais há excepcional interesse público. Tais agentes públicos seguem um

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regramento especial próprio, definido especificamente por cada ente da federação, tanto por conta do pacto federativo, quanto da própria literalidade do art. 37, IX[2]. Em virtude da especialidade do regime, tais contratados não exercem cargos nem empregos públicos.

As contratações temporárias feitas pelos entes possuem alguns requisitos. O primeiro é que a contratação deve ser por tempo determinado (estipulados pela lei). Em segundo lugar, as funções a serem desempenhadas não podem atender necessidades permanentes e sim temporárias. Tem que haver interesse público (motivação) e as hipóteses devem estar previstas em lei. Conforme orientação jurisprudencial, é preciso que, ao menos, haja um procedimento simplificado para a seleção dos contratados, a fim de garantir justamente os princípios constitucionais acima mencionados.

Uma primeira distinção que precisa ser feita é entre as atividades de caráter permanente e atividades de caráter eventual. As primeiras, são atividades que o estado tem que exercer regularmente, como saúde, segurança pública, controle do trânsito e educação. Já as atividades de caráter eventual não são prestadas com continuidade, visto que só existem em determinadas épocas ou circunstâncias.

Houve discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o significado da expressão “necessidade temporária” na norma constitucional. O cerne do debate consistia na possibilidade ou não do Ente Público contratar servidores temporários para atividades de caráter permanente ou se isso seria possível apenas para atividades eventuais e temporárias.

O entendimento dado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade número 3068[3] e 3247[4], foi no sentido que o art. 37, IX da Constituição permite que a Administração contrate temporariamente tanto para atividades de caráter eventual quando para atividades exercidas regularmente e permanentemente. Assim, frisou que a atividade não precisa ser temporária, mas sim precisa haver uma necessidade temporária de interesse público.

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A conclusão foi no sentido que não é a natureza da função a ser exercida que determina a licitude da contratação de servidor temporário com fulcro no texto constitucional e sim a existência de excepcional interesse público que justifique uma necessidade temporária.

A Ministra Carmem Lúcia esclarece tal questão em sua obra: “a excepcionalidade do interesse pode corresponder à

contratação ou ao objeto do interesse. Pode-se ter situação em que o interesse seja excepcional no sentido de fugir ao ordinário. São hipóteses nas quais se tem uma condição social a demandar uma prestação excepcional, inédita, normalmente imprevista. Por exemplo, é o que ocorre numa contingência epidêmica, na qual a necessidade de médicos em determinada região, especialistas na moléstia contra a qual se há de travar o combate, faz com que se contratem tantos deles para fazer face à circunstância. Pode-se ter, contudo, situação em que o interesse seja regular, a situação comum, mas advém uma circunstância que impõe uma contratação temporária. É o que se dá quando há vacância de cargo de magistério antes de novo concurso para prover o cargo vago ou quando se tem o afastamento temporário do titular do cargo em razão de doença ou licença para estudo etc. O magistério tem de ser desempenhado, o aluno tem direito a ter aula, e o Estado tem o dever constitucional de assegurar a presença do professor em sala. Há, então, a excepcionalidade do interesse público determinante da contratação. Aqui a excepcionalidade não está na singularidade da atividade ou no seu contingenciamento, mas na imprevista, porém imprescindível, prestação, que impõe que o interesse tenha de ser atendido, ainda que em circunstância excepcional. A necessidade da contratação é temporária, e o interesse é excepcional para que ocorra o desempenho da função naquela especial condição”[5]

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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade da lei complementar do Estado do Ceará número 22/2000, que tratava da contratação temporária de professores. O art. 3º da referida lei versava o seguinte:

Art. 3º As contratações terão por fim suprir carências temporárias do corpo docente efetivo da escola, restringindo-se a atender os casos decorrentes de afastamento em razão de:

a) licença para tratamento de saúde;

b) licença gestante;

c) licença por motivo de doença de pessoa da família;

d) licença para trato de interesses particulares;

e) cursos de capacitação;

f) e outros afastamentos que repercutam em carência de natureza temporária.

Parágrafo único. Far-se-ão também as contratações temporárias de docentes para fins de implementação de projetos educacionais, com vista à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense.

No julgado[6], a Corte Maior novamente julgou no sentido de que é possível a contratação temporária de atividades permanentes da Administração Pública, desde que haja interesse público excepcional. A jurisprudência do Tribunal reforçou ainda que o legislador tem o dever de especificar concretamente a emergencialidade que ensejaria a contratação.

No caso em tela, o Plenário considerou que as hipóteses previstas nas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e” foram julgadas constitucionais, em que estaria presente a

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emergencialidade, sendo hipóteses em que a Administração Pública não teria controle. Já a alínea “f” foi considerada inconstitucional, justamente por ser genérica e não cumprir o requisito do artigo 37, IX da Constituição da República.

O parágrafo único do art. 3º também deve sua inconstitucionalidade declarada, pois a sua hipótese foi considerar um objetivo ordinário da política educacional do Estado (“de implementação de projetos educacionais, com vista à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense”). Assim, não haveria embasamento constitucional para essa contratação, pois tal contratação não poderia ser feita através de contratos temporários, haja vista a ausência de situação excecional.

Destaca-se ainda que o Tribunal realizou a modulação dos efeitos do referido julgado, para surtir efeitos um ano após a data da publicação da ata do julgamento e que o Ministro Marco Aurélio julgou totalmente procedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade, ao entender que todas as hipóteses seriam corriqueiras e sem emergencialidade, mas a tese foi vencida.

Conclusão

Conclui-se então que a contratação temporária é instituto constitucional de especial relevância para aVAdministração Pública, pois permite certa dinamicidade em suas relações trabalhistas, permitindo que o pessoal seja reposto mais rapidamente me situações excepcionais.

Contudo, justamente por ser exceção ao concurso público, este tipo de contratação deve ter especial atenção para o atendimento das disposições constitucionais. Por tal razão, a observação de como a jurisprudência interpreta esses requisitos é de grande relevância na definição constitucional, sendo importante observar como as normas constitucionais estão sendo interpretadas.

Referências Bibliográficas

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 513.

STF. Plenário. ADI 3068, Rel. p/ Ac. Min. Eros Grau, julgado em 25/08/2004.

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STF. Plenário. ADI 3721/CE, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/6/2016.

NOTAS:

[1] Souza Neto, Cláudio Pereira de Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho; Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. – Belo Horizonte : Fórum, 2012. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Fórum, 2012.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 513.

[3] STF. Plenário. ADI 3068, Rel. p/ Ac. Min. Eros Grau, julgado em 25/08/2004.

[4] STF. Plenário. ADI 3247/MA, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em 26/3/2014.

[5] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 241-242).

[6] STF. Plenário. ADI 3721/CE, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/6/2016.

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FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS: LIMITES E CONSEQUÊNCIAS

DENIS DEANGELIS BRITO VARELA: Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Cariri - URCA.

Resumo: O presente artigo objetiva analisar os efeitos negativos e positivos gerados pela flexibilização das normas trabalhistas na medida em que tal fenômeno visa reduzir direitos trabalhistas e consequentemente os encargos do empregador com o fim de aumentar a empregabilidade, bem como a competitividade da economia.

Palavras chave: Flexibilização. Autonomia coletiva. Dignidade humana. Direitos sociais.

Abstract: This article aims to analyze the negative and positive effects generated by the relaxation of labor standards to the extent that such a phenomenon is to reduce labor rights and consequently the employer's burden in order to increase the employability and competitiveness of the economy.

Keywords: Easing. Collective autonomy. Human dignity. Social rights.

1. INTRODUÇÃO

É certo que durante muitos anos os trabalhadores sofreram com a exploração de sua mão de obra e com a falta de leis que lhes garantissem o mínimo de dignidade.

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Foram necessários longuíssimos anos e muitas revoluções para se chegar a um patamar razoável de normas que visam estabelecer direitos e vantagens à classe assalariada.

No Brasil, tais direitos encontram-se hoje resguardados principalmente na Constituição Federal de 88 e na Consolidação das Leis Trabalhistas, representando uma verdadeira vitória para os operários que por muito tempo viram-se desamparados e esquecidos pelo sistema capitalista posto.

A inserção dos diretos trabalhistas no ordenamento jurídico pátrio, entretanto, tem gerado, há alguns anos, algumas discussões acerca do fato de que o mundo globalizado e capitalista predominante não condiz com um sistema de normas rígidas e protecionistas garantidoras de demasiados direitos aos trabalhadores.

Isso porque, o alto custo gerado pelos inúmeros direitos trabalhistas onera em demasia a classe empregadora, fazendo com que esta seja obrigada a aumentar o preço final de seus produtos e/ou serviços, gerando prejuízos à competitividade.

Nesse contexto, considerando as muitas conquistas dos trabalhadores no que diz respeito aos seus direitos, entra em cena atualmente a multifalada flexibilização das normas trabalhistas que nada mais é do que a diminuição dos direitos trabalhistas já conquistados, visando a diminuição das taxas de desemprego, bem como o aumento da competitividade econômica das empresas empregadoras.

Tal fenômeno não é tão novo como se pensa, como salienta Alexandrino e Vicente Paulo:

Especialmente a partir do final da década de 80 e do inicio da de 90, vem sendo operada uma revisão, uma revalidação, dos fundamentos e da utilidade de alguns dos direitos trabalhistas tradicionalmente constantes dos ordenamentos jurídicos dos países do Ocidente. Têm sido

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questionados, inclusive, os reais efeitos que a inserção de uma série de direitos rígidos no ordenamento jurídico produz sobre o mercado real de trabalho e a possibilidade ou o benefício da manutenção de tais direitos em um mundo globalizado, marcado pela competição entre as empresas em âmbito internacional. (2008, pag. 07).

Diante disso, o presente trabalho visa analisar com base no método histórico, bem como através de pesquisa bibliográfica as consequências trazidas pela flexibilização das normas trabalhistas, uma vez que a sua aplicação indiscriminada pode restringir e até mesmo dizimar direitos já conquistados pelos trabalhadores, mas em contrapartida sua aplicação racional pode trazer benefícios como o aumentar da empregabilidade e da competitividade da economia.

2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS NORMAS TRABALHISTAS BRASILEIRAS

Hodiernamente, são previstos e garantidos por lei inúmeros direitos aos empregados brasileiros.

Entretanto, não foi sempre assim.

Dessa forma, para se entender o fenômeno da flexibilização das normas trabalhistas indispensável que se faça um breve apanhado acerca da evolução histórica do direito do trabalho, ou seja, como se deu o processo evolutivo para se chegar a gama de direitos e garantias que se apresenta nas leis atualmente.

De acordo com os ensinamentos de Maranhão e Carvalho, o direito do trabalho no Brasil evoluiu a passos lentos. Até o ano de 1919 as leis trabalhistas eram extremamente escassas, sendo neste ano promulgado o decreto nº 3.724, tratando dos acidentes de trabalho. A Lei Eloy Chaves, datada de 1923 tratou sobre caixas de aposentadoria e pensões dos ferroviários, sendo

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criado também neste ano o Conselho Nacional do Trabalho. Coma revolução de 30 nasce o Ministério do Trabalha, tendo os órgãos parajudiciais surgido apenas em 1932. Em 1934 foi promulgada a Constituição que inaugurou as constituições sociais no Brasil. Já em 1937 foi promulgada a Constituição do Estado Novo, que proibiu a greve e atrelou os sindicatos ao Estado, sendo também desta época a lei que instituiu o salário mínimo, além da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho. Em 1946 com a promulgação da Constituição houve a inclusão da Justiça do Trabalho como parte integrante do Poder Judiciário. Em 1964, com o golpe militar ocorreu desestabilização dos direitos trabalhistas, na medida em que a lei nº. 4.330/69 restringiu o direito de greve. (1993, p.20 e 21).

Somente no ano de 1988 com a promulgação da Constituição Federal ficaram estabelecidos inúmeros direitos trabalhistas, os quais foram erigidos à categoria de direitos fundamentais, o que fortaleceu sobremaneira a classe obreira.

Diante de tal análise, verifica-se que diminuição exacerbada dos direitos conquistados a duras penas pelos trabalhadores pode significar um verdadeiro retrocesso ao passado quando a classe assalariada era tida apenas como uma coisa a favor do sistema capitalista.

3. AUTONOMIA COLETIVA

A partir do liberalismo econômico introduziu-se nas relações de trabalho a ideia de que empregados e empregadores eram livres para ajustarem entre si as condições do pacto trabalhista.

Entretanto, percebeu-se que o principio da autonomia da vontade não poderia ter aplicação plena no Direito Individual do Trabalho, tendo em vista a disparidade econômica existente entre as partes da relação.

Nesse contexto, entra em cena o Direito Coletivo do Trabalho, marcado pela atuação dos sindicatos representativos das

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categorias econômica e profissional, os quais, por se encontrarem no mesmo grau de hierarquia, podem celebrar ajustes com base no princípio da autonomia da vontade.

A partir disso, surge o fenômeno da flexibilização das normas trabalhistas, tendo em vista que a autonomia coletiva permite que os sindicatos representativos realizem as chamadas convenções e acordos coletivos de trabalho.

Os acordos coletivos de trabalho “são pactos celebrados entre uma ou mais de uma empresa e sindicato da categoria profissional a respeito de condição de trabalho aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes” (CLT, art. 611, § 1º).

Já as convenções coletivas de trabalho segundo Alexandrino e Vicente Paulo “são pactos que abrangem toda uma categoria na base territorial dos sindicatos participantes”. (2008, pag.17).

A CLT assim as define: “o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho” (art. 611).

Assim, através de tais institutos empregados e empregadores estipulam normas que serão seguidas por ambas as partes, podendo dispor de direitos trabalhistas, como a redução salarial, a redução da jornada de trabalho, o regime de compensação de horas, etc.

Vale lembrar que a flexibilização das normas trabalhistas pode ocorrer também de outras formas, nesse sentido, é bom lembrar importante ensinamento de Vólia Bonfim Cassar:

Na verdade, a flexibilização das normas trabalhistas ocorre através de mecanismos jurídicos, políticos e econômicos de ajuste da lei

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e de sua interpretação ao novo modelo social. Também depende de procedimentos do Estado, principalmente do legislador, na elaboração de leis que excepcionem a regra geral para micro e pequenas empresas, para situações transitórias, para situações especiais, ou para empresas que enfrentam grave crise econômica. O Judiciário também tem importante papel nesta adaptação, pois dele depende a interpretação e aplicação do Direito, de forma menos protetiva ao trabalhador nas hipóteses de choque dos seus interesses com os da atividade empresarial em situação econômica precária, sempre com a finalidade econômica e social de adaptação e ponderação dos interesses do trabalhador e do empresário, para tentar ajustar as condições de trabalho às contingências da sociedade empresarial empregadora. (2010, p. 02 e 03).

4. OS LIMITES DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS FRENTE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Durante muitos anos os trabalhadores suportaram trabalhos forçados e sem nenhuma garantia.

Somente a partir do século XIX começa a surgir a ideia da necessidade de se proteger o trabalhador e de lhes garantir o mínimo de dignidade para o desempenho de seu labor.

Somente em 1988 com a promulgação da Constituição Federal foram instituídos e aperfeiçoados os chamados direitos sociais previstos no artigo 7º do citado diploma, caracterizando-se como verdadeiros direitos fundamentais da pessoa humana.

Nos dizeres de Dirley da Cunha Junior referindo-se à Constituição de 88:

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outra importante inovação, digna de referência, foi a previsão dos direitos sociais em capitulo próprio do título dos direitos fundamentais, evidenciando, de forma irrecusável, sua condição de verdadeiros direitos fundamentais (2008, pag. 601).

Tratando ainda dos direitos sociais salienta: Nesse sentido, é inquestionável que o

princípio da dignidade da pessoa humana é a base de todos os direitos sociais, de tal sorte que, independentemente da previsão expressa desses direitos a prestações, deve-se-lhes pleno reconhecimento. O direito constitucional brasileiro, entretanto, não padece dessa omissão, na medida em que a nossa Constituição reconhece expressamente os direitos fundamentais sociais, pelo menos os mais importantes à garantia do mínimo existencial. (2008, pag. 696).

Dessa forma, é inegável o fato de que os direitos sociais são considerados pelo ordenamento jurídico pátrio, verdadeiros direitos fundamentais da pessoa humana. O que significa dizer que o seu exercício presta-se a garantir aos indivíduos o mínimo existencial para que possam viver de forma digna.

Nesse diapasão, entra um questionamento pertinente, qual seja: se os direitos sociais trabalhistas garantidos pela Magna Carta de 88 em seu artigo sétimo prestam-se a garantir um mínimo existencial como poderão ser reduzidos sem ferir o bem maior conquistado por essa classe que é justamente a sua dignidade?

Diante de tal questionamento, constata-se a importância do tema em apreço, uma vez que a flexibilização

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irracional e desmedida das normas trabalhistas pode extirpar direitos tidos por fundamentais, o que significa um retrocesso e uma afronta à própria Constituição Federal vigente, tendo em vista que os direitos nela previstos são indisponíveis.

Vale frisar ensinamento pertinente da professora Vólia Bomfim Cassar nesse sentido: “forçoso concluir que todos os direitos trabalhistas previstos na lei são indisponíveis, imperativos, cogentes. Somente poderão ser disponibilizados quando a própria lei autorizar sua disponibilidade”. (2006, p. 409)

Para a autora, portanto, as leis trabalhistas passíveis de sofrer flexibilização são aquelas em que a própria norma autoriza a sua disponibilidade.

Aqui é bom explicitar uma importante discussão. A Constituição Federal quando trata dos direitos sociais estabelece que o salario é irredutível, salvo exceção prevista em acordo ou convenço coletiva de trabalho (artigo 7º, inciso VI).

Nessa esteira, percebe-se que a própria Constituição abriu uma exceção para o mais importante direito social, na medida em que o salario é a maior garantia do trabalhador, pois garante a sua subsistência e de sua família.

A partir de tal exceção, há quem diga que se a Constituição permitiu que empregados e empregadores dispusessem de tal direito que é tido como o mais importante, permitiu implicitamente que dispusessem também dos demais.

Acerca de tal polêmica, tudo indica que o que a Constituição Federal pretendeu ao estabelecer a norma em comento a garantia do próprio emprego, uma vez que a norma visa resguardar a saúde financeira e a existência das empresas e consequentemente a mantença dos postos de trabalho.

Nesse sentido, explica Vólia Bomfim:“Em termos de direito do Trabalho, cujas regras mínimas são impostas por lei de

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ordem pública, imperativa, flexibilização significa permitir, apenas para manutenção da saúde e existência da empresa, a redução ou alteração in pejus de direitos trabalhistas.” (2011, p. 909).

No que diz respeito aos riscos da flexibilização, Benedito Calheiros Bomfim considera:

Se se permitir que, mediante negociação coletiva, os percentuais ou valores, correspondentes a cada direito ou parcela, sejam reduzidos os direitos ali consagrados serão, na prática, anulados, perderão efetividade, tornar-se-ão meramente simbólicos. Seria um desvirtuamento do prece constitucional. Criar-se-iam, por via oblíqua, outras exceções, que, ao em vez de visarem à melhoria dos direitos sociais, redundariam em prejuízo destes. (2003, p. 18)

Assim, a flexibilização das normas trabalhistas deve ser aplicada com rigor e equilíbrio, visando sempre a razoabilidade para que não se arrisquem direitos fundamentais constitucionais. Nos dizeres de José Cairo Junior.

Ninguém tem dúvida de que o excesso de direitos gera o desemprego, porque priva o empresário de criar novos postos de trabalho, dentro de seu quadro de pessoal. O problema consiste, portanto, em encontrar a justa medida do equilíbrio entre o proveito econômico e os interesses dos trabalhadores. (2009, p. 117).

Por todo o exposto, conclui-se que não se pode correr o risco de entregar nas mãos de empregados e empregadores direitos tão importantes para que estes os negociem. Dessa forma, a flexibilização

Só poderá ocorrer quando a lei autorizar, quando não ferir direitos constitucionais ou quando negociada pelos sindicatos, mas, em

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todos os casos, desde que a medida seja excepcional, respeite a dignidade do trabalhador, que a motivação seja apenas para a manutenção do emprego e saúde do empregador. Portanto, inconstitucional será a cláusula de convenção ou acordo coletivo, ou mesmo o dispositivo legal que não obedeça tais objetivos mínimos, seja porque viola o principio da proteção ao trabalhador, hoje explícito no caput do art. 7º da CRFB, seja porque viola valores maiores, como o da dignidade da pessoa humana e o do não abuso do direito. (2010, p. 59).

5. BENESSES E PREJUÍZOS DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS

Não há dúvida de que o maior desejo dos empresários é manter suas empresas funcionando e crescendo em um ritmo no mínimo razoável.

Assim como o maior desejo dos empregados é que sejam garantidos todos os seus direitos, mantendo seus empregos.

Para assegurar a realização de ambos os desejos é necessário encontrar o equilíbrio entre os anseios de ambas as partes da relação empregatícia.

Ocorre que, quando as obrigações tributárias, os altos custos das matérias-primas e o adimplemento dos inúmeros direitos trabalhistas oneram em demasia as empresas, ao ponto de colocar em risco sua saúde financeira, entra o questionamento acerca de qual seria a melhor alternativa para solucionar a questão.

A alternativa mais rápida e eficaz para amenizar a crise financeira seria a demissão em massa, privando os empregados de sua maior conquista, qual seja o próprio emprego.

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Visando evitar alternativa tão drástica, pode-se aplicar nestes casos a flexibilização das normas trabalhistas com o fim de evitar a extinção de postos de trabalho, uma vez que através de tal instituto os sindicatos das categorias podem, através de acordos ou convenções coletivas de trabalho, dispor de alguns direitos trabalhistas reduzindo-os.

Frise-se que neste caso a flexibilização só é vista como algo positivo, quando usada de forma racional e com o único fim de manter a saúde das empresas e consequentemente a mantença dos postos de trabalho.

Vale destacar importante lição da professora Vólia Bomfim Cassar, nesse sentido:

A flexibilidade de normas trabalhistas de forma responsável, utilizada como medida excepcional para a manutenção ou recuperação da saúde da sociedade empresária ou empresário, é a resposta que mais harmoniza com os postulados constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao princípio fundamental ao trabalho. A medida também ajuda a evitar uma crise social mais grave e o aumento do desemprego. (2010, p. 65)

Constata-se, destarte, que a flexibilização das normas trabalhistas pode ser usada de forma a beneficiar ambos os lados da relação empregatícia.

Ressalte-se, entretanto, que não se trata de uma desregulamentação, uma vez que é imprescindível a presença do Estado nesta relação, para que se evitem abusos.

Com relação aos prejuízos que podem ser gerados na sociedade pela flexibilização das normas trabalhistas, tem-se que a sua aplicação desmedida pode gerar um retrocesso ao passado, uma vez que se não respeitados os limites impostos por

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lei e pelos princípios, os diretos dos trabalhadores podem ser tolhidos, em prol dos interesses do poder econômico, da lucratividade e da competitividade.

Ocorre que, os patrões visando “enxugar” os direitos trabalhistas e se aproveitando da hipossuficiência do empregado e da grande quantidade de mão de obra excedente, impõe aos trabalhadores contratos de trabalho mais flexíveis.

Dessa forma, a flexibilização pode ser usada como pretexto para que os empregadores diminuam os direitos trabalhistas visando apenas o lucro e o enriquecimento, desvalorizando totalmente a força de trabalho humano e colocando em risco os inúmeros direitos e garantias já conquistados pelos trabalhadores.

Com isso, quando o legislador e o próprio Poder Judiciário abrem precedentes para a flexibilização das normas trabalhistas é bom que o faça com extrema responsabilidade, sem olvidar de aplicar em todos os casos os princípios gerais do direito, para que suas ações estejam sempre pautadas pela razoabilidade. Tudo isso para que não se furte do trabalhador a sua maior conquista, qual seja sua dignidade.

6. DESREGULAMENTAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO

Os avanços da tecnologia, a robotização, a revolução da informática, as crises financeiras mundiais, a ruptura das barreiras com a mundialização da economia, entre outros fatores, têm transformado drasticamente a economia mundial.

Há atualmente uma grande necessidade de se produzir mais, buscando sempre um menor custo e uma melhor qualidade dos produtos e serviços para que se alcance ao menos a chance de concorrência em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado.

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Diante disso, busca-se um padrão de Direito do Trabalho menos rígido, aberto a modificações, que possa adaptar-se à nova roupagem exibida pela economia mundial.

Isso porque, as transformações ocorridas na economia ao longo dos anos, aliada aos altos índices de desemprego e às elevadas taxas de subempregos, faz com que se evidencie a imprescindibilidade da adoção de medidas capazes de equacionar os interesses empresarias e os da classe laboral.

Nesse contexto, a flexibilização das normas trabalhistas é vista como verdadeira aliada, na medida em que sua aplicação pode salvaguardar a harmonia da relação empregatícia.

Lembre-se que flexibilizar não quer dizer afastar o Estado das relações trabalhistas, pelo contrário, para que a flexibilização aconteça de forma eficaz e plena é imprescindível que haja intervenção estatal nos contratos de trabalho, para que se assegure ao trabalhador a manutenção das condições mínimas de trabalho, garantindo-se, assim, o mínimo existencial para que este possa laborar com dignidade.

Vólia Bomfim expõe sua preocupação acerca do tema quando considera que a tendência de se desrespeitar o mínimo existencial garantido ao trabalhador aumenta ainda mais a necessidade de ponderação acerca da flexibilização da legislação, uma vez que esta tem como objetivo equilibrar direitos muitas vezes divergentes, entre os quais se destacam a redução de direitos trabalhistas para a manutenção da saúde da empresa e a preservação de direitos absolutos e universais que são: o direito à dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais do trabalho e a preservação da proteção do trabalhador. (Cassar, 2011, p. 36).

Percebe-se, que afastar o Estado da relação empregatícia pode trazer sérios prejuízos para a classe assalariada, visto que as partes envolvidas em tal relação são totalmente desiguais, necessitando o empregado, por ser hipossuficiente, da proteção estatal.

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Se assim não for, ou seja, se o Estado for totalmente excluído da dita relação, a flexibilização tenderá a ser usada pelo empregador indiscriminadamente, com o objetivo apenas de aumentar lucros e rendimentos.

Com isso, vê-se que a flexibilização seja ela mais ou menos intensa, pressupõe a interferência do Estado, mesmo que seja apenas para garantir e assegurar direitos tidos como básicos.

Como sintetiza Cassar (2011, p. 44) “na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social”.

Para a autora, portanto, é inconcebível o afastamento do Estado das relações de trabalho, já que é por meio da intervenção estatal que se pode garantir a intangibilidade de algumas normas, sem as quais não se pode preservar a dignidade dos trabalhadores.

Com relação à desregulamentação, tem-se que esta se caracteriza como sendo a total ausência do Estado na relação empregatícia, o que significa a revogação de direitos impostos por lei, a retirada total da proteção legislativa, prevalecendo a vontade das partes envolvidas.

Amauri Mascaro Nascimento conceitua bem este instituto:

Política legislativa de redução da interferência da lei nas relações coletivas de trabalho, para que se desenvolvam segundo o princípio da liberdade sindical e a ausência de leis do Estado que dificultem o exercício dessa liberdade, o que permite maior desenvoltura do movimento sindical e das representações de trabalhadores, para que, por meio de ações coletivas, possam pleitear novas normas e condições de trabalho em direto entendimento

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com as representações empresariais ou com os empregadores. (NASCIMENTO, 2004, p. 156/7)

Como se vê a partir da leitura do conceito acima transcrito, a desregulamentação prega a prevalência da autonomia coletiva sobre a legislação, devendo todas as normas relativas ao direito do trabalho advirem apenas da negociação entre as partes envolvidas na relação empregatícia.

Süssekind conceitua e diferencia bem os dois institutos, quando considera:

A flexibilização tem por objetivo: a) o atendimento a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; b) a implementação de nova tecnologia ou de novos métodos de trabalho; c) a preservação da saúde econômica da empresa e o emprego dos respectivos empregados. Já a desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições do trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. (2001, p. 52).

É certo que em um país marcado pela desigualdade social não é indicada a implantação da desregulamentação, uma vez que somente com a atuação do Estado pode-se tentar reverter a situação de discrepância social em que o Brasil se encontra.

Retirar a atuação do Estado das relações empregatícias, neste caso, seria o mesmo que retroceder à época em que os empregados eram explorados e não gozavam de nenhuma garantia constitucional, uma vez que os empregadores

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visando apenas o lucro de suas empresas, reduziriam ou eliminariam os direitos trabalhistas, ficando o empregado obrigado a acatar tais medidas para garantir a sua subsistência.

7. A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Há uma importante discussão acerca da possibilidade de se flexibilizar ou não as normas trabalhistas elencadas na Constituição da República de 1988, na medida em que estas se caracterizam como sendo direitos fundamentais da pessoa humana sendo, portanto, inderrogáveis pela vontade das partes.

Entretanto, sabe-se que a própria Carta da República, bem como a Consolidação das Normas Trabalhistas autorizam o uso das convenções e acordos coletivos de trabalho, sendo tais institutos uma forma de negociação entre patrões e empregados.

Dessa forma, tem-se que tais negociações caracterizam-se como uma das formas de se flexibilizar as normas trabalhistas, porquanto através daquelas podem ser reduzidos alguns direitos trabalhistas.

Resta saber até que ponto os direitos trabalhistas existentes no ordenamento jurídico vigente podem ser reduzidos, ou seja, qual o limite imposto nacionalmente à flexibilização dos direitos laborais.

A Constituição Federal em seu art. 7º, parágrafos VI, XIII, XIV, prevê expressamente a possibilidade de se dispor, através de negociação coletiva, dos salários e da jornada de trabalho.

Com isso, surgiram inúmeros debates doutrinários questionando o fato de a Constituição Federal ter autorizado a flexibilização dos salários, maior e mais importante direito conquistado pelo trabalhador.

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O próprio Tribunal Superior do Trabalho já se posicionou no sentido de considerar válida toda e qualquer negociação coletiva pertinente a direitos trabalhistas, conforme salienta Vólia Bonfim Cassar:

Há, ainda, alguns ministros do TST no sentido de aceitar a flexibilização de qualquer direito. Argumentam que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a Constituição autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante convenção ou acordo coletivo, logo, o menos também é permitido. Neste sentido, tudo que não seja o próprio salário base do empregado é menos. (2011, p. 42).

Tal debate surge exatamente porque a Carta Maior autorizou expressamente a redução de salários através de negociação coletiva, deixando a dúvida acerca dos demais direitos trabalhistas.

Nesse sentido, transcreve-se pertinente lição de Vecchi:

A interpretação restritiva parece a mais razoável se levarmos em conta o todo constitucional. Assim, mesmo para as hipóteses de flexibilização expressamente previstas na CF de 1988, não se está dando uma carta em branco para a restrição, pois qualquer restrição a um direito fundamental sempre deverá passar pelos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos. (2007, p. 208).

Para o autor, portanto, a previsão expressa contida na Constituição Federal de 88 para se flexibilizar os salários dos trabalhadores não significa a autorização para se restringir

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indiscriminadamente os direitos sociais, uma vez que mesmo nas hipóteses previstas expressamente há que se respeitar os princípios aplicados ao direito do trabalho.

Arnaldo Sussekind também se posiciona quando considera:

Se nem por emenda constitucional poderão ser abolidos direitos relacionados no art. 7º. Da Carta Magna, elevados à categoria de cláusulas pétreas, como se admitir possam fazê-lo convenções ou acordos coletivos ou que esses instrumentos normativos possam modificá-los em sua essência? (2001, p.10).

Nesse contexto, verifica-se que o autor também se posiciona no mesmo sentido, ou seja, acredita que só devem ser objeto de negociação coletiva o que a Constituição Federal expressamente prever.

Pode-se afirmar que no Brasil predominam basicamente dois tipos de flexibilização, quais sejam a legal e a sindical. A primeira (legal) ocorre quando a própria lei prevê as exceções ou autoriza, em certas hipóteses, a redução de direitos. A segunda (sindical ou negociada sindicalmente) acontece quando as normas coletivas autorizam a diminuição de direitos. (CASSAR, 2011, p. 41).

Destarte, pode-se afirmar que no ordenamento jurídico brasileiro é perfeitamente aceitável a flexibilização das normas trabalhistas. Entretanto, deve-se sempre aplicar os princípios que regem o direito do trabalho aos casos concretos, visando evitar excessos que coloquem em risco as garantias mínimas dos trabalhadores.

8. CONCLUSÃO

É inegável o fato de a flexibilização das normas trabalhistas ser considerada um direito das empresas empregadoras, direito este totalmente dotado de respaldo legal e constitucional.

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Também não se pode negar a importância deste instituto, na medida em que sua aplicação pode evitar fechamento de empresas e demissões.

Ocorre que o Brasil apresenta-se como um país marcado pelas desigualdades sociais, o que inviabiliza a total liberdade dos sindicatos nas negociações coletivas, bem como o afastamento do Estado das relações de trabalho.

Assim, sabendo-se que a flexibilização das normas trabalhistas significa a redução de direitos pertencentes à classe assalariada e considerando que esta se encontra em posição de desvantagem em comparação à classe empregadora, percebe-se que tal instituto deve ser utilizado de forma criteriosa e responsável.

Deve-se sempre evitar a flexibilização com vistas apenas ao aumento dos lucros das empresas, uma vez que a aplicação de tal instituto, ou seja, a supressão de direitos legais, constitucionais e fundamentais dos trabalhadores, somente se justifica quando tem como objetivo a garantia dos próprios empregos.

Nesse contexto, não se deve olvidar que a norma ordem é a própria valoração do trabalho, da ética e da moral.

É inaceitável que os interesses das empresas se sobreponham à dignidade do trabalhador.

Portanto, acredita-se que a flexibilização só deve ser utilizada como forma de recuperar a sua saúde financeira e consequentemente preservar os postos de trabalho, isto é, apenas excepcionalmente.

BIBLIOGRAFIA

BOMFIM, Benedito Calheiros. A legislação trabalhista e a flexibilização. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, 2002. CAIRO JR., Jose. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed. Salvador.

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Jus Podivm, 2009; CASSAR, Vólia Bomfim. Princípio da irrenunciabilidad e da intransacionalidade diante da flexibilização dos direitos trabalhistas. Revista LTr. São Paulo: LTr, 2006. CASSAR, Volia Bonfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões, Globalização da Economia e Flexibilização das Normas Trabalhistas. Niterói: Impetus, 2010; CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. 5ª Ed. Niterói: Impetus, 2011; DA CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008; MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19ª ed.; São Paulo: Saraiva, 2004; PAULO, Vicente; ALENXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 11ª ed. Niterói: Impetus, 2008; SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2ed. (ampl. e atual.) Rio de Janeiro: Renovar, 2001. VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007.

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A ESTABILIDADE DO ART. 41 E A MOTIVAÇÃO DA DISPENSA DE EMPREGADOS PÚBLICOS

CLÓVIS DOS SANTOS ANDRADE: Advogado e jornalista. Formado, em ambos os casos, pela Universidade Católica de Pernambuco. Ex-editor-assistente de Brasil/Internacional do Jornal do Commercio. Atualmente exerce a advocacia.

Introdução

O presente trabalho tem como finalidade expor a cizânia jurisprudencial na abordagem da aplicabilidade ou não da estabilidade do art. 41 da Constituição Federal aos empregados públicos, sejam eles vinculados à Administração direta, autárquica, fundacional, ou a empresas estatais, prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica.

Ademais, pretende-se abordar a exigibilidade da motivação do ato de demissão dos referidos servidores, sob a luz dos princípios da impessoalidade e da isonomia, conforme os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, bem como trazer uma reflexão sobre a melhor solução para o tema.

Empregados públicos e a estabilidade do art. 41 da CF/88

Questão nada pacífica entre a doutrina e a jurisprudência das cortes superiores brasileiras é a que gira em torno da obtenção, ou não, de estabilidade por empregados públicos, com base no art. 41 da Constituição Federal de 1988. Isso porque a própria Carta Maior não é clara em alguns aspectos do tema, o que acaba por abrir espaço para a cizânia.

Para iniciar a abordagem, é relevante lembrar que a doutrina classifica os agentes públicos entre agentes políticos (chefe do

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Poder Executivo e seus auxiliares diretos, parlamentares, membros do Judiciário e do Ministério Público, além dos integrantes dos Tribunais de Contas e da carreira diplomática); servidores públicos lato sensu; militares; e particulares em colaboração com o Poder Público. E é a segunda classificação que interessa ao presente trabalho.

Ainda de acordo com a doutrina majoritária, os servidores públicos, em sentido amplo, dividem-se em estatutários, empregados públicos e temporários. É sabido que, para os dois primeiros casos, o art. 37, II, c/c o § 2º do mesmo artigo, da CF/88 exige a investidura mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. Ocorre que, embora tenham essa característica em comum, as duas categorias possuem mais diferenças que semelhanças entre si. A começar pela própria natureza jurídica do vínculo existente entre os servidores e a Administração Pública.

Se os estatutários, conforme o próprio nome sugere, por um lado, são regidos por estatuto materializado em lei de competência de cada ente federativo, por outro os empregados públicos se caracterizam por se submeterem, predominantemente, ao regime celetista.

É bem verdade que, no caso específico da Administração direta, autárquica e fundacional da União, a Lei 9.962/2000 traz algumas (na verdade poucas) peculiaridades para seus empregados públicos. Mas o próprio diploma, já em seu art. 1º, estipula que referidos agentes terão sua relação com a Administração regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, no que seus escassos cinco artigos não dispuserem diferentemente.

A submissão à CLT fica ainda mais pacífica nos âmbitos dos Estados-membros e Municípios, dada a vedação do art. 22, I, da CF/88 a que legislem sobre Direito do Trabalho.

Apesar disso, é importante ressaltar que, desde a edição da Lei 5.107/1966, a estabilidade celetária, trazida pelos artigos 492 e 494

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do diploma consolidado, foi gradativamente sendo substituída pelo regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Transição que se completou com a abolição da referida estabilidade pelo art. 7º, III, da CF/88, que impôs o regime fundiário a todos os trabalhadores urbanos e rurais.

Assim, é evidente que, em relações de emprego, as garantias de manutenção do contrato a que fazem jus os trabalhadores são as trazidas pelos incisos I, II e III do art. 7º, ainda que tratemos de empregados públicos.

Em outro polo, temos o art. 41 da Carta Maior, que mune de estabilidade o servidor público que cumprir o estágio probatório de três anos. Porém, mediante interpretação sistemática e teleológica, a outra conclusão não se pode chegar senão à de que referido dispositivo se aplica tão somente aos servidores estatutários, pelo já exposto acima.

Em verdade, não paira qualquer dúvida sobre a inaplicabilidade do dispositivo aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista. Máxime no que diz respeito às estatais exploradoras de atividade econômica, que, por força do art. 173, § 1º, II, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas.

Entretanto, em posicionamento bastante criticado pela doutrina, em especial pela publicista, o Tribunal Superior do Trabalho mantém em vigor o item I de sua Súmula 390, nos seguintes termos:

Súmula nº 390 do TST

ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

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I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)

II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)

Ou seja, a colenda corte superior trabalhista estende o regime do art. 41 aos empregados públicos da Administração direta, autárquica ou fundacional, ignorando a tese exposta, embora a aplique aos que laboram em empresas estatais.

A respeito da citada estabilidade, afirma Fernando Ferreira Baltar Neto, em sua obra Direito Administrativo, escrita em parceria com Ronny Charles Lopes de Torres para a Coleção Sinopses para Concursos da Editora Juspodivm (4ª Edição, 2014, pg. 243): “É o direito outorgado ao servidor estatutário, nomeado em virtude de concurso público, de permanecer no serviço público após três anos de efetivo exercício (art. 41 da CF, com redação dada pela EC 19/90), que dependerá de avaliação especial de desempenho do servidor, a ser realizada por comissão funcional com esta finalidade”.

O autor prossegue, criticando o verbete da jurisprudência do TST acima reproduzido: “Trata-se de entendimento rejeitado pela doutrina administrativista e que não deve ser acatado pelo Supremo Tribunal Federal” (pg. 244).

E essa parece ser, realmente, a linha seguida pelo Supremo, pelo que se infere da ementa do RE 589.998-PI, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski:

Ementa: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE

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SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho.

É de se notar que, embora trate, no julgado, de empregados de uma empresa pública – qual seja, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) –, o julgado do Pretório Excelso é bem claro ao afirmar que “os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC 19/1998”.

Como se sabe, referida emenda, entre outras coisas, modificou o caput do art. 39 da Constituição para pôr fim à obrigatoriedade do regime jurídico único na Administração direta, autárquica e fundacional da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Entretanto, em sede de medida cautelar adotada no bojo da ADI 2.135-4, o STF restaurou a redação originária do dispositivo, por visualizar inconstitucionalidade formal na alteração, em decisão

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publicada em 18/8/2007. Mas o fez com efeitos ex nunc, isto é, restando um período de nove anos, aproximadamente, em que as administrações diretas, autárquicas e fundacionais puderam selecionar servidores por ambos os regimes simultaneamente.

E no âmbito federal, a polêmica gira exatamente em torno desse período, já que, antes e depois, o regime único a ser aplicado é o estatutário, nos ditames da Lei 8.112/90.

De tudo o quanto relatado, conforme a Suprema Corte, a estabilidade do art. 41, no tocante aos servidores arregimentados a partir de 1998, aplica-se tão somente aos servidores estatutários.

A exigibilidade de motivação na dispensa dos empregados públicos

Não obstante o entendimento pela inaplicabilidade da estabilidade aos servidores celetistas, não se pode olvidar que, mesmo para eles, a Constituição exige, em observância aos princípios da impessoalidade e da isonomia, prévio concurso público, nos termos do art. 37, II. E, portanto, por uma questão de simetria, o STF tem adotado o entendimento de que, até para impedir eventuais perseguições por parte de superiores hierárquicos, e atendendo ao requisito da motivação dos atos administrativos, seja assegurado que as dispensas dos empregados públicos – posto que, como visto, não são munidos de estabilidade – sejam, ao menos, acompanhadas de exposição de motivos. É o que também se depreende da ementa acima, em seu item II.

É de se realçar, contudo, que nos julgados em que expõe tal posicionamento, o Supremo se refere sempre às estatais prestadoras de serviços públicos, como é o caso da ECT. Porém, por uma questão de coerência e equidade, não se poderia jamais conceber que o mesmo não se aplique aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas, já que também se submetem à exigência de prévia aprovação em concurso.

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E não se venha afirmar que tal entendimento não seria condizente com a exigência do art. 173, § 1º, II, de que referidas estatais se sujeitem ao regime jurídico próprio das empresas privadas, pois a necessidade de motivação adviria exatamente de uma exceção ao dispositivo, qual seja, a obrigatoriedade de contratação mediante concurso pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.

Ainda assim, mais uma vez o TST destoa do que parece óbvio, na Orientação Jurisprudencial 247 da sua Subseção de Dissídios Individuais I, que permanece válida:

247. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE (alterada – Res. nº 143/2007) - DJ 13.11.2007 I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade; II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Todavia, note-se que, no item II do verbete, a corte veda a despedida imotivada quando se trata de empregados da ECT. Logo, pelo menos no tocante a estatais prestadoras de serviços públicos, o tribunal sinaliza, em jurisprudência já consolidada, no sentido de adotar entendimento consentâneo com o da Suprema Corte. Isto é, a exigência de prévia motivação para a dispensa.

Indo adiante, algumas decisões mais recentes do TST vão no sentido da exigência de motivação para a demissão de empregados

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públicos, ainda que prestem serviços a estatais exploradoras de atividades econômicas. Como a que se segue:

Ação rescisória. Sociedade de economia mista. Demissão imotivada. Impossibilidade. Reintegração do empregado. Submissão aos princípios previstos no art. 37, caput, da CF. Regulamento interno. Necessidade de motivação. Adesão ao contrato de trabalho. Súmula nº 51 do TST. O STF, nos autos do RE nº 589998, estabeleceu que os empregados de sociedades de economia mista e de empresas públicas admitidos por concurso público somente poderão ser demitidos mediante a motivação do ato de dispensa, porquanto necessária a observação dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública direta e indireta, previstos no art. 37, caput, da CF. Ademais, verificada, no caso, a existência de dispositivo de norma interna do Banestado prevendo a obrigatoriedade da motivação para dispensa de empregados, tal cláusula adere ao contrato de trabalho, impossibilitando a dispensa imotivada a teor do preconizado pela Súmula n.º 51 do TST. Com esses fundamentos, e não vislumbrando violação ao art. 173, § 1º, da CF, a SBDI-II, à unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário por meio do qual se buscava reformar a decisão do TRT da 9ª Região que, ao julgar improcedente a ação rescisória, manteve o acórdão que determinou a reintegração do empregado do Banestado demitido imotivadamente. TST-RO-219-22.2012.5.09.0000, SBDI-II, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 15.10.2013.

É bem verdade que, no julgado reproduzido, exarado pela SBDI-II, havia norma interna exigindo a prévia motivação para a demissão. Entretanto, ainda que assim não fosse, a parte inicial da ementa assegura a observância dos princípios do art. 37 da CF no ato da dispensa, tornando imperativa a exposição de motivos.

Por oportuno, atente-se ainda para o seguinte julgado, afetado ao pleno do TST:

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Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Servidor público celetista. Administração pública direta, autárquica e fundacional. Concurso público. Contrato de experiência. Dispensa imotivada. Impossibilidade. Observância dos princípios constitucionais da impessoalidade e da motivação. A despedida de servidor público celetista da administração pública direta, autárquica e fundacional, admitido por concurso público e em contrato de experiência, deve ser motivada. A observância do princípio constitucional da motivação visa a resguardar o empregado de possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido no poder de dispensar. Sob esse fundamento, o Tribunal Pleno, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deu-lhe provimento, para julgar procedentes os pedidos da reclamante de restauração da relação de emprego e de pagamento dos salários e demais vantagens do período compreendido entre a dispensa e a efetiva reintegração. TST-E-ED-RR 64200-46.2006.5.02.0027, Tribunal Pleno, rel. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira , 29.9.2015.

Observe-se que, na ementa citada, a motivação é exigida até mesmo na despedida de empregados públicos contratados por experiência. Mais um sinal depondo contra a permanência do item I da OJ 247 da SBDI-I.

Por outro lado, se admite a existência de contratos de experiência na Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, afigurar-se-ia contraditório ao pleno do TST seguir adotando o item I da Súmula 390, posto que a estabilidade do art. 41 da CF só se adquire passados os três anos de estágio probatório. Fica evidente, portanto, que vínculo estatutário e emprego público, ainda que no âmbito da Administração direta, submetem-se a regimes completamente distintos.

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Conclusão

Diante de todo o exposto, conclui-se pela necessidade de o TST rever o conteúdo do item I da sua Súmula 390, bem como o item I da OJ 247 da SBDI-1, alinhando-se ao posicionamento reinante no STF. Não custa lembrar, afinal, que cabe à Suprema Corte a última palavra na interpretação de institutos constitucionais, casos da estabilidade do art. 41 e dos princípios da isonomia (art. 5º, caput) e da impessoalidade (art. 37, caput), aplicáveis à Administração Pública, seja ela direta ou indireta.

Referências

Direito Administrativo. Coleção Sinopses para Concursos. Leonardo de Medeiros Garcia, Fernando Ferreira Baltar Neto e Ronny Charles Lopes de Torres. Editora JusPodivm, 4ª Edição, 2014.

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Pressupostos para a legitimidade da função investigatória criminal realizada pelo ministério público

LARISSA PADILHA RORIZ PENNA: Advogada. Qualificação: Especialista em Direito Público pela UFC. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FAERPI.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo precípuo analisar a legitimidade da investigação criminal direta realizada pelo Ministério Público, uma vez que inúmeros questionamentos foram, novamente, levantados após a discussão e votação da Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011. Pretende-se, no primeiro capítulo, discorrer sobre a origem histórica do Órgão Ministerial, bem como seu papel no contexto das Constituições do Brasil e do Estado Democrático de Direito. No segundo capítulo será abordada especificamente a função de investigação penal levada a efeito pelos membros do Parquet, considerando o posicionamento da doutrina e das Cortes Superiores, especialmente do Supremo Tribunal Federal, com destaque para a decisão . No derradeiro capítulo, serão feitas considerações sobre a PEC 37/11, com o estudo de seu objeto e tramitação no Congresso Nacional. Ademais, no decorrer do artigo expõem-se os argumentos que levaram a concluir sobre a inconstitucionalidade da proposta mencionada.

Palavras-chave: Ministério Público. Investigação criminal. STF.

INTRODUÇÃO

O poder investigatório do Ministério Público há muito vem sendo discutido pela doutrina e jurisprudência. Atualmente, há sólidas correntes tanto no sentido de ser concedida ao Órgão Ministerial a prerrogativa de realizar suas próprias investigações,

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quanto de ser-lhe vedado o exercício investigativo, devendo o Parquet, neste caso, limitar-se a requisitar a instauração de inquérito policial.

Em um Estado Democrático de Direito, o Órgão Ministerial está incumbido de relevantes funções estatais e sociais, de caráter permanente e essencial, exercitando parte da soberania do Estado. Trata-se de uma instituição legitimada a insurgir-se para garantia do governo democrático, do cumprimento da Constituição e das leis vigentes, da prevalência do interesse público e da moralidade pública, da defesa dos direitos difusos e coletivos, bem como dos individuais homogêneos indisponíveis, por meio das ações penal e civil pública, dentre outros mecanismos jurídicos postos à sua disposição.

O Supremo Tribunal Federal foi provocado a manifestar-se sobre o tema em diversas oportunidades, não trazendo, ainda, uma posição final sobre o assunto. A legitimidade da função investigatória pelo Ministério Público também é discutida nos autos dos Habeas Corpus nº 83.933 e 83.634, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa e Habeas Corpus nº 84.071 e 84.548, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. Foi ainda reconhecida a repercussão geral da questão nos autos do Recurso Extraordinário nº 593.727-5/MG, em 24 de setembro de 2009.

A matéria assumiu especial relevância em face do Projeto de Emenda Constitucional – PEC nº 37/2011, que esteve em tramitação na Câmara dos Deputados, com a proposta de retirar do Ministério Público a prerrogativa de realizar suas próprias investigações, na medida em que acrescenta o § 10 ao Artigo 144 da Constituição Federal, atribuindo expressamente competência privativa às Polícias Federal e Civil na apuração direta das infrações penais.

A Constituição da República de 1988, na esteira dos ordenamentos constitucionais precedentes, reafirmou a atribuição das Polícias Civis e da Polícia Federal para apurar as infrações

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penais, todavia não determinou expressamente que as instituições policiais detivessem o monopólio das investigações. Com efeito, o ordenamento vigente autoriza a realização desta atividade por outros órgãos estranhos à polícia repressiva, adotando o princípio da universalização da investigação.

Importante ressaltar que a investigação criminal consiste no ofício de indagar, inquirir, pesquisar e documentar os vestígios deixados por fatos definidos na lei como crimes. Como tal, a atividade investigativa não é um fim em si mesmo, mas se trata de uma função essencial, porquanto é através dela que se produzem as provas que serão utilizadas no processo penal.

Nesse sentido, prescreve o art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, que garante a legalidade dos procedimentos investigativos levados a efeito por outras autoridades administrativas, desde que dotadas de permissão legal para tanto.

Em conformidade com as ponderações acima mencionadas, faz-se necessário um estudo acerca da função de investigação criminal do Ministério Público, confrontando-a com as atribuições da Polícia Judiciária. Busca-se pesquisar, no conjunto de normas vigentes, aquelas que podem fundamentar a atuação do Parquet nesta seara, bem como as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em referência a essa matéria.

O assunto, sem dúvida, é recorrente e de extrema relevância, assim, no decorrer deste artigo, serão respondidas determinadas questões, tais como: A Polícia Judiciária detém com exclusividade o poder de realizar as investigações criminais? O Ministério Público está autorizado pelo ordenamento jurídico vigente a realizar, diretamente, tais investigações? A PEC 37/2011 foi aceita em conformidade com a Constituição Federal de 1988? Quais os argumentos sobre a sua inconstitucionalidade?

No tocante aos aspectos metodológicos, as hipóteses serão investigadas através de pesquisa bibliográfica e documental. Em relação à tipologia da pesquisa, isto é, segundo a utilização dos

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resultados, será pura, tendo em vista ser realizada com a finalidade de aumentar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posição. A abordagem será qualitativa, vez que procura aprofundar as ações e relações humanas, passando pela observação dos fenômenos sociais pertinentes ao tema. Quanto aos objetivos, a pesquisa será descritiva, visando descrever fenômenos, e exploratória, buscando maiores informações sobre a matéria em estudo.

1. PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Inicialmente, será feita uma breve abordagem sobre a origem histórica do Ministério Público. Serão analisados os princípios institucionais, garantias e prerrogativas dos membros do Parquet, com a finalidade de entender o papel do Ministério Público no Estado Democrático de Direito.

1.1 Origem histórica do Ministério Público

Importante destacar que não há consenso entre os autores no tocante à origem do Ministério Público. De acordo com registros históricos, na civilização egípcia, há aproximadamente quatro mil anos, existia a figura de um servidor do rei, chamado Magiaí (“a língua e os olhos do rei”), encarregado de castigar os culpados, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo e tomar parte das instruções para ouvir a verdade (MAZZILLI, 1991).

Ressalte-se que a origem mais citada do Ministério Público é a Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França. Consoante Paulo Rangel (2003), a origem mais precisa da instituição está no direito francês, na figura dos procureurs du roi (procuradores do rei), aos quais era vedado patrocinar quaisquer outros interesses que não os da Coroa, devendo prestar o mesmo juramento dos juízes.

No Brasil, seguindo a tradição portuguesa, na Colônia e no Império, sob a égide das ordenações Afonsinas, as funções

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ministeriais ficaram a cargo do Procurador da Coroa, com vinculação direta ao Rei ou ao Imperador.

Durante o período imperial, o Procurador da Coroa era subordinado ao Poder Executivo, e com a Constituição de 1824, outorgada, ganhou o poder de acusação no processo criminal.

No entanto, à época, o Ministério Público não existia como órgão público autônomo. Foi somente nos primórdios da República que adquiriu o status de instituição, graças a Manoel Ferraz de Campos Salles, então Ministro da Justiça, o qual inspirou o Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que traçou o arquétipo do Ministério Público no Brasil (GONÇALVES, 2000).

De acordo com a exposição de motivos do referido decreto, competia ao Ministério Público “velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”, resguardando-se a sua independência. Em virtude de sua contribuição, Campos Salles é considerado o patrono do MP brasileiro.

1.2 O Ministério Público na Constituição de 1988

Edilson Santana Gonçalves (2000) ensina que a posição do Ministério Público nas Constituições do Brasil sofreu alteração no decorrer do tempo, de modo que já figurou como Órgão do Judiciário e, quase sempre, como Órgão do Executivo. Sob a égide do Imperialismo, a Constituição de 1824 não fez nenhuma referência ao Parquet.

A Constituição Federal de 1988 inseriu o Ministério Público no Título IV, que trata da organização dos poderes do Estado, ampliando significativamente o seu âmbito de atuação. Na lição de Hugo Mazzilli (2005, p. 32):

A natureza jurídica do Ministério Público é a de órgão do Estado, não do Poder Executivo ou

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do governo; entretanto, como não legisla nem presta jurisdição, sua natureza é tipicamente administrativa, embora a Constituição Federal lhe tenha concedido garantias efetivas de Poder.

De acordo com o art. 127, o MP “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

O Ministério Público trata-se de instituição permanente porque não pode ser abolido por qualquer dos poderes e sua atuação deve ser contínua. É essencial à função jurisdicional do Estado, vez que o Parquet é imprescindível nos processos em que deve oficiar. Está investido da defesa da ordem jurídica: cabe ao MP zelar pelo efetivo cumprimento das leis, por isso reconhece-se a função de “fiscal da lei”.

O art. 129 da CF de 1988 lista as funções institucionais do Órgão, conferindo, inicialmente, a promoção privativa da ação penal pública, atribuição confiada ao MP desde os primórdios. Por ter o monopólio da ação penal pública é o destinatário imediato dos inquéritos policiais e demais procedimentos administrativos destinados à apuração de infrações penais.

Em seguida, em seu inciso II, o mesmo artigo afirma que o Órgão Ministerial deve “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

Trata-se, pois, da função de Ombudsman, palavra de origem sueca, que significa “representante”. Não se pode olvidar que a citada atribuição guarda relação com a defesa da democracia, razão pela qual se chama o MP de “defensor do povo”.

Caracteriza-se como instituição destinada à defesa da cidadania diante de eventuais abusos da administração pública,

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tendo sua máxima função no controle dos três Poderes da República, especialmente do Poder Executivo, bem como a de possibilitar que esses respeitem a normatização jurídica, sobretudo, para a garantia dos direitos dos cidadãos.

Ressalte-se que o MP tem a função de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, de acordo com o art. 129, III, CF 1988.

Inclui-se no rol de funções institucionais o controle externo da atividade policial. Esse encargo foi regulamentado, em nível federal, pela Lei Complementar nº 75 de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União.

A esse respeito, Celso Ribeira Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (1997), colocam que só poderão, pois, fazer parte desse controle externo aqueles atos que entrem em processo de continuidade com a atividade do próprio Ministério Público. Essa função limitar-se-á à fiscalização da atividade-fim das milícias, pois não está a polícia subordinada administrativamente ao Parquet.

O inciso VIII, do artigo 129, por sua vez, concede ao MP a função de requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos para tanto. A essa requisição não pode opor a autoridade policial.

A participação intensa do MP nas questões pertinentes à apuração e repressão de infrações penais, seja fiscalizando a atuação das milícias, seja requisitando providências às autoridades policiais, desperta a proximidade institucional entre promotores de justiça e delegados de polícia.

Convém ressaltar que o rol constitucional do artigo 129, que traça as funções do MP, não é taxativo, visto que o inciso IX do referido dispositivo garante a possibilidade do Órgão Ministerial exercer outras funções que lhe forem conferidas, compatíveis com

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suas finalidades, vedando-lhe, contudo, a representação judicial a consultoria jurídica das entidades públicas.

Com efeito, outras funções foram determinadas pela legislação infraconstitucional, de acordo com a permissão ínsita no artigo 129, IX, do Texto Maior. Nesse diapasão, surgiram em nosso ordenamento outras funções afeitas ao MP, contidas, por exemplo, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93) e na Lei Complementar nº 75/93.

Não resta dúvida de que o Ministério Público atual tem seu perfil moldado e vinculado ao Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 foi, inegavelmente, o instrumento de consolidação jurídico-constitucional do Órgão. Em seu art. 127, caput, reservou ao Ministério Público a defesa do regime democrático. Ministério Público e democracia guardam, portanto, grande afinidade e cumplicidade no combate à desigualdade social.

1.3 Princípios institucionais, garantias e prerrogativas do MP

Consoante o disposto no §1º, do art. 127, da Constituição Federal vigente, “são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade, e a independência funcional”.

O princípio da unidade faz referência ao fato do Órgão Ministerial constituir um ente único, independente das divisões existentes em sua estrutura, ou seja, todos os membros que o compõem representam a mesma instituição, submetidos a uma só chefia ou direção (BRAZ, 2006).

Do princípio da unidade infere-se que “os membros do Ministério Público integram um só corpo, uma só vontade, disso se inferindo que a manifestação de qualquer um deles valerá sempre, na oportunidade, como manifestação de toda Instituição” (GONÇALVES, 2000).

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No tocante ao princípio da indivisibilidade, há a caracterização do exercício de um único ofício, sendo possível a substituição dos membros reciprocamente sem que haja quebra, solução de continuidade ou prejuízo na execução de suas atribuições. Contudo, as substituições devem ser feitas com respaldo legal, não podem ocorrer de forma arbitrária.

A independência funcional fundamenta-se no fato de que o promotor de justiça tem liberdade intelectual, agindo em nome da Instituição, devendo obediência apenas à lei e a sua própria consciência, em defesa da sociedade.

Visando o pleno exercício das funções e a independência, foram asseguradas autonomia funcional, administrativa e financeira. As autonomias funcional e administrativa têm previsão no parágrafo segundo do artigo 127 da Constituição Federal. A autonomia funcional significa que o Ministério Público não está subordinado a nenhum órgão ou poder, submetendo-se apenas aos limites imperativos da lei.

A autonomia administrativa traz a ideia de autogestão, organização e funcionamento, ou seja, capacidade de direção de si próprio. Por sua vez, a autonomia financeira, desdobramento da autonomia administrativa, tem previsão no parágrafo terceiro do artigo 127 da Constituição de 1988, o qual refere que “O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”.

Para exercer efetivamente as atribuições conferidas pelo ordenamento jurídico, fazia-se necessário um sistema de garantias dignas a ensejar a livre e independente atuação do Órgão. Desse modo, assegura o art. 128, § 5º, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”, da Constituição de 1988, as seguintes garantias aos seus membros: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.

As garantias conferidas ao Parquet são as mesmas reconhecidas aos magistrados, e elas, longe de representar privilégios pessoais, constituem prerrogativas imprescindíveis ao

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pelo exercício das funções institucionais. Nesse sentido, afirma Mazzilli (1991, p. 78):

O fundamento dessas garantias da instituição e de seus agentes, por evidente, não é constituir uma casta privilegiada de funcionários públicos, e sim e tão somente assegurar a alguns agentes do Estado, apenas em razão das funções que exercem, prerrogativas para que efetivamente possam cumprir seus misteres, em proveito do próprio interesse público.

A vitaliciedade é adquirida após o período probatório de dois anos de efetivo exercício no cargo, mediante aprovação em concurso de provas e títulos, e estabelece que o membro somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado. Edilson Gonçalves (2000, p. 89) ensina que essa garantia “evita a destituição do cargo por motivos políticos e garante, por outro lado, o bom desempenho institucional, em face dos governantes.”

A inamovibilidade assegura que um membro do Ministério Público não poderá ser transferido sem a sua solicitação ou autorização, exceto por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão competente (Conselho Superior do Ministério Público), pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada a ampla defesa e o devido processo legal (art. 15, VIII, da LONMP), cabendo recurso ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça (art. 12, VIII, d, da LONMP). No caso do MP da União, o órgão colegiado competente é o Conselho Superior do respectivo ramo (art. 211 da LC n° 75 de 1993). Essa garantia impede, portanto, que o promotor de justiça seja afastado de suas funções de forma desmotivada ou ilegal.

A irredutibilidade de subsídio determina que o subsídio do membro do MP não poderá ser reduzido, sendo assegurada a irredutibilidade nominal. Essa garantia foi outorgada aos membros do Ministério Público pela CF de 1988, que, em seu art. 39, §4º,

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dispõe ser o subsídio uma remuneração exclusiva, fixada em parcela única, sendo vedado acrescentar qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.

De acordo com Hugo Mazzilli (1991, p. 48), a de irredutibilidade de subsídio:

Visa assegurar padrão remuneratório condigno para os integrantes do Ministério Público. Pode-se vislumbrar finalidades múltiplas nessa garantia, tais como: busca-se não só recrutar bons Promotores de Justiça e mantê-los na carreira, como também assegurar condições condignas, para que os membros e a própria instituição não comprometam seu ofício em barganhas remuneratórias com as autoridades governamentais, nem tão pouco levem os membros do Ministério Público a uma atuação politicamente comprometida.

Portanto, as prerrogativas conferidas aos membros do MP não são privilégios, mas garantias de atuação imparcial e destemida por parte de seus membros.

2. FUNÇÃO INVESTIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS PROCEDIMENTOS PENAIS

Será feito um estudo específico sobre a atividade investigativa levada a efeito por membros do Parquet, na esfera penal. Far-se-á uma abordagem no tocante à legitimidade constitucional e legal, bem como serão expostos argumentos doutrinários e da jurisprudência acerca do tema.

2.1 A função de investigação do Ministério Público

Cabe, por oportuno, esclarecer o que significa "poder investigatório". O termo Investigação, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, representa o "conjunto de atividades e

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diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou situações de direito".

No âmbito do Direito Criminal, investigar significa colher provas que elucidem o fato criminoso, demonstrando a sua existência ou não (materialidade) e quem para ele concorreu (autoria e participação), bem como as demais circunstâncias relevantes.

Investigação criminal divide-se em investigação criminal típica ou substancial: é a busca do esclarecimento da verdade material dos fatos, através da pesquisa dos vestígios deixados pela infração, traduzida numa instrução preliminar, desencadeada pela polícia judiciária; e investigação criminal atípica ou acidental: são as investigações não criminais produzidas por órgãos públicos, mas, durante as apurações, acidentalmente, deparam-se com crimes e, por dever de ofício, estão obrigados a comunicá-los as autoridades persecutórias, como juízes criminais e não criminais (SANTOS, 2005).

Existe um grande debate entre doutrinadores e no âmago dos tribunais acerca da realização de investigações diretas por membros do Ministério Público, na esfera criminal.

A investigação criminal pode se dar através da oitiva de testemunhas, requisição de documentos, realização de perícias técnicas, interceptação de conversas telefônicas, entre outros meios. A forma como ocorre a colheita destas provas, para que sejam elas admissíveis, precisa obedecer a regras específicas e respeitar os Direitos Fundamentais (SABINO, 2013).

Uma das correntes doutrinárias sobre o tema proposto entende que apenas a polícia pode investigar crimes, sendo ilícitos os procedimentos realizados diretamente pelo Ministério Público, bem como, consequentemente, as provas por este obtidas. A outra corrente advoga que a investigação criminal é livre, podendo ser efetuada por vários órgãos, entre eles, o Ministério Público.

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Conforme ressalta Lenio Luiz Streck e Luciano Feldens (2003), deve-se distinguir o poder do Ministério Público para conduzir “inquéritos policiais” e a legitimidade dessa instituição para realizar “diligências investigativas”. Não resta dúvida que o MP não tem poderes para a condução do inquérito policial, residindo a controvérsia apenas no tocante à possibilidade de oParquet realizar diligências investigatórias no intuito de subsidiar a proposição de futura ação penal.

De acordo com Francisco Dirceu Barros (2013), o Ministério Público há mais de 20 anos investiga e contribui para diminuição da criminalidade no Brasil, mas após a investigação que originou a A.P-470-STF (Ação Penal dos mensaleiros), diversas vozes se levantam contra a função investigatória do Promotor de Justiça.

Ressalta ainda o autor acima mencionado que é possível elencar vários casos de investigações realizadas pelo Ministério Público em todo o Brasil, em especial, iniciativas de combate à criminalidade e à corrupção, a saber: Operação Zaqueu, Operação Tentáculo, Operação Caça Fantasma, Operação Anjo Da Guarda, Operação Pesca Bagre, Operação Clone, Operação Fumus, Operação Pedra Do Vale, Operação Retrospectiva, Operação Boa Vista Dos Ramos, Operação Big Bang, Operação Corcel Negro, Operação Pedra Lascada, Operação Exterminador Do Futuro, Operação Candango, Operação Aquarela, Operação Saint Michel, Operação Camaro, Operação Fantoche, Operação Gênova, Operação Tonel, Operação Biópsia, Operação Carta Marcada, Operação Propina Verde, Operação Emasculados, Operação Fonte Seca, Operação Gatunos, Operação Fumaça Clandestina, Operação Arca De Noé, Operação Maranelo, Operação Alvorada Voraz, Operação Orfeu, Operação Lavandeira, Operação Pão E Circo, Operação Aquadre, Operação Cabrito, Operação Alcaide, Operação Laranja Podre, Operação Jogo Sujo, Operação Waterfront, Operação Marcadores, Operação Intocáveis, dentre outras.

Além dos casos com repercussão internacional: Roger Abdelmassih, Patrícia Acioli, Bar da Bodega e o“mensalão” que originou a AP-470-STF. Muitos são os argumentos utilizados para

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sustentar a investigação penal realizada pelo Ministério Público, de modo que será feita uma síntese do necessário.

2.2 Legitimidade constitucional do poder investigatório do Ministério Público

Há quem argumente que o Parquet não tem legitimidade para proceder com diligências investigatórias na seara criminal, tendo em vista não existir previsão expressa na Constituição. Entretanto, como dito alhures, as atribuições conferidas ao Órgão Ministerial pelo art. 129 da Constituição Federal não são taxativas, pela leitura do inciso IX.

Nesse diapasão, a Lei Complementar nº 75/93 dispôs que “Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: VI – exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei.”

Lenio Luiz Streck e Luciano Feldens (2003) afirmam que a norma constitucional mencionada qualifica-se como uma cláusula de abertura que possibilita ao MP exercer outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade, autorizando-o de forma sistemática (não expressa) a realizar a investigação criminal.

Por isso, com base na não-taxatividade do dispositivo constitucional, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.265/93), em seu art. 25, e a Lei Complementar nº 75/93, enumeram outras funções do MP, tais como: propor ação de inconstitucionalidade de leis ou ato normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual; promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos Municípios; promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei; exercer a fiscalização de estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes e pessoas portadoras de deficiência etc.

2.3 A teoria dos poderes implícitos

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Um dos principais argumentos utilizados para a defesa da realização de investigações pelo Ministério Público é a Teoria dos Poderes Implícitos, fruto do direito americano. Foi utilizada pela primeira vez pelo juiz da Suprema Corte norte-americana, John Marshall, no caso McCulloch vs. Maryland, e introduzida no Brasil por Rui Barbosa Pinto Ferreira.

Segundo esta teoria, é possível empregar todos os meios não proibidos pela Constituição e, racionalmente, relacionados com os seus objetivos de atuação, dentro do conjunto de competências ao MP constitucionalmente enumeradas. Assim, as Constituições apenas dispõem sobre normas gerais acerca das atividades dos poderes e órgãos que criam, cabendo a esses a utilização de mecanismos necessários ao alcance de seus fins. Isto é, os órgãos possuem poderes essenciais ao exercício da atividade-fim prevista na Constituição Federal (Colares, 2007).

De acordo com essa teoria, como o Ministério Público é o responsável pela propositura da ação penal, e esta é regida pelo princípio da obrigatoriedade, nada impede que o mesmo possa realizar a colheita de provas necessárias à fundamentação dessa propositura.

Ressalte-se que o ordenamento jurídico adotou o sistema penal acusatório, no qual o encarregado exclusivo da acusação é o Ministério Público. Paulo Rangel explica:

Se o Ministério Público tem o poder-dever de promover a ação penal pública, somente poderá fazê-lo se tiver em mãos as informações necessárias que autorizam a formação de suaopinio delicti, e, nesse caso, deve e pode, em nome do princípio da verdade processual, colher, direta e pessoalmente, as provas que demonstram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade do autor do fato. Até mesmo porque, há uma máxima que diz: “Quem pode mais pode o menos”. Ora, se pode e deve o

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Ministério Público promover ação penal pública, com muita mais razão pode e deve colher, direta e pessoalmente, as provas necessárias para a propositura da mesma ação.

Diante do exposto, mesmo que a Constituição Federal não traga de forma expressa a possibilidade de investigação criminal direta pelo MP, utilizando-se da Teoria dos Poderes Implícitos, referida investigação é possível.

2.4 Universalização da investigação criminal

Destaque-se o art. 4º, parágrafo único do Código de Processo Penal vigente:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995) Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

Pode-se observar que o CPP reafirma, em nível infraconstitucional, o que ficou estabelecido na Constituição, ou seja, a apuração das infrações penais e de sua autoria, embora seja, induvidosamente, uma atividade típica da Polícia Judiciária, não é uma atribuição exclusiva das autoridades policiais, podendo, sim, ser exercida por outras autoridades, desde que para tanto haja previsão legal.

De acordo com Valter Foleto Santin (2004), o princípio da universalização da investigação criminal representa o aumento do leque de pessoas e entidades legitimadas a participar no trabalho de investigação criminal. Contrapõe-se ao monopólio policial. A universalização da investigação tem relação com a democracia participativa, a maior transparência dos atos administrativos, a ampliação dos órgãos habilitados a investigar e a facilitação e

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ampliação de acesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional atual. O conflito entre o interesse público/social e o corporativo da polícia deve ser resolvido com a prevalência do interesse social de investigação por vários órgãos.

Importante destacar que não há determinação expressa na Constituição Federal de 1988 no sentido de outorgar à Polícia Judiciária a exclusividade da investigação penal. O monopólio policial não se coaduna com o sistema constitucional vigente, que prevê, conforme ressaltam Lenio Luiz Streck e Luciano Feldens (2003), a possibilidade de investigação no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A Receita Federal, por exemplo, realiza não apenas diligências investigatórias como, também, operações de repressão a determinados delitos (como as barreiras aos crimes de contrabando e descaminho).

No campo do Poder Legislativo, observe-se o exemplo das Comissões Parlamentares de Inquérito, as quais, na dicção do art. 58, § 3º, da Constituição, têm “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas”.

Quanto ao Poder Judiciário, compete a ele próprio a investigação de magistrados envolvidos em práticas criminosas, assim dispõe o art. 33 da Lei Orgânica Nacional da Magistratura.

Não se pode olvidar que o constituinte estimulou a participação ampla na Segurança Pública, fixando que é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (artigo 144, caput, CF), numa autêntica parceria público-privada positiva, observando-se que a investigação criminal é uma das funções do gênero segurança pública, cujas outras espécies são prevenção, repressão, polícia de fronteiras e polícia judiciária. Note-se que a investigação criminal e a polícia judiciária são funções diferentes entre si, sendo duas atividades policiais distintas (de apuração de infrações penais e de

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polícia judiciária) e com duas finalidades diversas (investigação e cooperação).

O Ministério Público, em uma análise à luz da teoria dos freios e contrapesos, não busca retirar da Polícia Judiciária a atribuição de realização do inquérito policial, mas tão somente unir forças com essa para alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direito, entre eles a preservação da ordem jurídica e dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

A investigação pelo Ministério Público deve ser pautada pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, inerentes à Administração Pública. Não pode o Parquet agir para prejudicar ou beneficiar deliberadamente o investigado, devendo, portanto, fazer uso dos meios morais e éticos, na busca de celeridade e do melhor resultado, em coparticipação com órgãos policiais, tudo sob controle judicial próprio.

As investigações levadas a efeito pelos membros do MP, diretamente, sem a participação da Polícia Judiciária, mostram-se cada vez mais convenientes e, em alguns casos, até mesmo imprescindíveis ao êxito da persecução penal, em sua fase preliminar. No entanto, entende-se que a colaboração entre os diversos órgãos estatais na apuração das infrações penais é a medida mais adequada, para a elucidação rápida e efetiva dos atos criminosos.

2.5 Função investigatória do Ministério Público no Direito Comparado

Analisando-se o direito comparado, extrai-se que o modelo de investigação direta pelo MP é preponderante nas legislações processuais penais europeias de raízes romano-continental, tal qual Itália, Portugal, Espanha e Alemanha .

Na Itália, em seu Codice di Procedura Penale, assim prevêem os arts. 326 e 327:

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Art. 326 – O Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal.

Art. 327 – O Ministério Público dirige a investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária.

Em Portugal não é diferente, segundo as lições do professor Germano Marques da Silva:

Os órgão de polícia criminal coadjuvam o Ministério Público no exercício das suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal, que é levada a cabo no inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional (arts. 56 e 263).

Conclui-se, assim, que ao se conferir poderes investigatórios ao Ministério Público no âmbito criminal segue-se o modelo europeu romano-continental, o que a tradição jurídica brasileira já faz há bastante tempo.

Em todo o mundo, apenas três países vedam a investigação do MP: Quênia, Indonésia e Uganda.

2.6 Posicionamento jurisprudencial: Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça

O poder de investigação do Ministério Público é tema de pelo menos 30 processos no Supremo Tribunal Federal, que ainda não se manifestou definitivamente sobre o assunto. Ao menos sete ministros das formações mais recentes do STF votaram a favor do Ministério Público, mas defenderam regras mais claras nas apurações, em maior ou menor escala.

São eles Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Mesmo

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entendendo que o Ministério Público não pode presidir inquéritos, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto não mencionaram imposição de regras. Já o ministro Marco Aurélio defende que a apuração criminal é atividade privativa das polícias. Cezar Peluso e Ayres Britto se aposentaram no segundo semestre de 2012.

A maioria dos ministros quer que o MP siga as mesmas regras do inquérito policial, com supervisão do Judiciário e publicidade de informações aos acusados. Alguns limitaram a área de atuação do MP aos crimes cometidos por integrantes da própria instituição e por agentes policiais, crimes contra a administração pública ou ainda se a polícia deixar de agir. Parte dos ministros defende que não é necessário acionar as polícias quando as acusações derivarem de dados concretos de órgãos administrativos ou de controle, como fraudes previdenciárias ou tributárias.

Gilmar Mendes defendeu: “Reafirmo que é legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, porém, essa atuação não pode ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais”. Em mobilização recente contra a Proposta de Emenda à Constituição 37, Ayres Britto disse que subtrair o poder investigativo do Ministério Público é uma “hecatombe jurídica”, mas que a instituição precisa seguir regras “para não ser refém de si mesma" e "evitar arbítrios”. A PEC 37 impede o Ministério Público de assumir investigação de crimes, deixando esta função exclusivamente com as polícias Civil e Federal, conforme demonstraremos adiante.

Presidente da Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo diz que a maioria dos associados já se manifestou favoravelmente ao poder de investigação do Ministério Público. Para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o órgão não pode deixar de investigar, especialmente quando os criminosos dificultam o trabalho da polícia ou estão dentro da própria corporação. “Um Ministério Público imóvel dentro do processo, que não pode investigar, é contramão da história mundial”, avalia o presidente da AMB, Nelson Calandra

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A Segunda Turma do STF, em julgamento realizado no dia 10 de março de 2009, reconheceu por unanimidade que existe a previsão constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório.

A Turma analisava o Habeas Corpus (HC) 91661, referente a uma ação penal instaurada a pedido do MP, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa uma contravenção ou crime mesmo sabendo que a acusação era falsa.

Segundo a relatora do HC, ministra Ellen Gracie, é perfeitamente possível que o órgão do MP promova a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito. Explicou a Ministra:

Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente", poderou Ellen Gracie. Ela destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho investigatório e depois ser a parte que propõe a ação penal. "Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal.

A relatora reconheceu a possibilidade de haver legitimidade na promoção de atos de investigação por parte do MP: "No presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP".

Na mesma linha, Ellen Gracie afastou a alegação dos advogados que impetraram o HC de que o membro do MP que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos, ainda que

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por meio de oitiva de testemunhas, não poderia ser o mesmo a oferecer a denúncia em relação a esses fatos.

Em sessão realizada nesta quinta-feira (14), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a legitimidade do Ministério Público (MP) para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros da atuação do MP. Por maioria, o Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 593727, com repercussão geral reconhecida. Com isso, a decisão tomada pela Corte será aplicada nos processos sobrestados nas demais instâncias, sobre o mesmo tema.

Entre os requisitos, os ministros frisaram que devem ser respeitados, em todos os casos, os direitos e garantias fundamentais dos investigados e que os atos investigatórios – necessariamente documentados e praticados por membros do MP – devem observar as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, bem como as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados, como o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa. Destacaram ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos.

No recurso analisado pelo Plenário, o ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo de Souza Coelho questionou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que recebeu denúncia em que o Ministério Público mineiro (MP-MG) o acusa de crime de responsabilidade por suposto descumprimento de ordem judicial referente a pagamento de precatórios. No caso, a denúncia teria sido subsidiada, unicamente, por procedimento administrativo investigatório realizado pelo próprio MP, sem participação da polícia.

O julgamento foi retomado com a apresentação do voto-vista do ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso por considerar que o Ministério Público não possui legitimidade para, por meios próprios, realizar investigações criminais. “O MP, como destinatário das investigações, deve acompanhá-las, exercendo o controle externo da polícia”, afirmou.

A ministra Rosa Weber, no entanto, filiou-se à corrente que negou provimento ao RE (majoritária). Para ela, a colheita de provas

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não é atividade exclusiva da polícia, contudo o poder de investigação do Ministério Público deve ter limites. Do mesmo modo votou a ministra Cármen Lúcia, que reconheceu a competência do MP para promover investigações de natureza penal. “As competências da polícia e do Ministério Público não são diferentes, mas complementares”, ressaltou ao acrescentar que “quanto mais as instituições atuarem em conjunto, tanto melhor”. Já o ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do relator, ministro Cezar Peluso (aposentado), pelo provimento parcial do recurso, reconhecendo a atuação do MP em hipóteses excepcionais.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, destacou partes de seu voto proferido em junho de 2012 e propôs a tese fixada pelo Plenário acerca do tema. Ele ressaltou que a atribuição do Ministério Público de investigar crimes deve ter limites estabelecidos e fez considerações sobre alguns requisitos a serem respeitados para tal atuação. A tese acolhida foi: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.

Dessa forma, os ministros Gilmar Mendes (redator do acórdão), Celso de Mello, Ayres Britto (aposentado), Joaquim Barbosa (aposentado), Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia negaram provimento ao recurso, reconhecendo base constitucional para os poderes de investigação do Ministério Público. Votaram pelo provimento parcial do RE o relator, ministro Cezar Peluso (aposentado), e os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que reconheciam a atribuição do MP em menor extensão. Já o

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ministro Marco Aurélio concluiu pela ilegitimidade da atuação do parquet em tais casos.

3. PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 37/2011

A Proposta de Emenda Constitucional nº 37, sobre o poder investigatório do Ministério Público, tem provocado debates acalorados. Algumas associações ligadas ao Ministério Público passaram a chamar o projeto de “PEC da Impunidade”. Neste derradeiro tópico, será analisada a referida proposta, verificando o seu conteúdo, sua tramitação, e também os argumentos doutrinários acerca de sua inconstitucionalidade.

3.1 Conteúdo e tramitação da PEC 37/11

A Proposta de Emenda Constitucional nº 37, de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, apresentada em 08 de junho de 2011, pretendeu acrescentar ao Art. 144 da Constituição Federal o § 10, para “definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.”

De acordo com o Relator, o objetivo da reforma Constitucional seria o de “melhorar a qualidade da prova”, evitando que essa fosse questionada perante os Tribunais Superiores, quando colhida por outros órgãos que não as Polícias Federal e Civis, em especial diretamente pelo Ministério Público.

Distribuída a proposta à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o Relator, Deputado Arnaldo Faria de Sá, em 05 de outubro de 2011, votou no sentido da admissibilidade da proposta por atender aos aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, além de atentar às regras regimentais desta Casa e respeitar a técnica legislativa.

Em voto separado, o Deputado Federal Vieira da Cunha votou pela inadmissibilidade da proposta, sustentando que essa “afronta os princípios constitucionais da eficiência e finalidade, uma vez que limita o número de órgãos competentes para promover a investigação criminal.” Alegou ainda que “a carreira policial clama por autonomia, na medida em que se encontra hoje ligada a interesses de governantes e representantes do Executivo.”, e que a supressão de atribuição do Ministério Público acaba por configurar proposta tendente a atingir os princípios e direitos tutelados

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especialmente pela Constituição, na medida em que limita perniciosamente sua defesa. Por fim, referiu julgados do Supremo Tribunal Federal no sentido da admissibilidade de realização da investigação pelo Ministério Público.

Neste mesmo sentido foi o voto em separado do Deputado Federal Onyx Lorenzoni, que referiu que o texto da Proposta de Emenda Constitucional restringe a autonomia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, uma vez que esses possuem competência privativa para disporem suas próprias polícias, citando ainda Nota Técnica do Ministério Público da União, que refere que “a exclusividade pretendida compromete a atribuição do Ministério Público, atropelando princípios e direitos individuais constitucionalmente assegurados.”

Também pela inadmissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 foi o voto em separado do Deputado Federal Luiz Couto, que afirmou que a proposição, “por vias transversas, visa a excluir competências investigativas atribuídas a outros órgãos – inclusive ao Ministério Público – em decorrência de pretensa interpretação constitucional de dispositivos legais”.

No dia 25 de junho de 2013, no Plenário da Câmara Federal, em Sessão Deliberativa Extraordinária, a Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2013 foi rejeitada. A PEC 37, que precisaria ter maioria absoluta para ser aprovada, ou seja, 308 votos, foi rejeitada por 430 dos 441 deputados federais presentes. A proposta contou com o apoio de apenas nove parlamentares, além de duas abstenções.

Ainda tramitam na Câmara Federal pelo menos dois projetos de lei que tratam da regulamentação do trabalho de investigação criminal, via lei ordinária: o PL 5820/2013, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que é promotor de Justiça licenciado, e o PL 5776/2013, da deputada Marina Santanna (PT-GO).

3.2 Críticas às propostas tendentes a abolir a função investigatória do Ministério Público

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Consoante Mateus Bertoncini (2013), as propostas que visam abolir a atribuição de investigar do Ministério Público desconsideram que essa Instituição possui corpo próprio de auditores e servidores em diversas áreas do conhecimento com esse objetivo, posto que o inquérito civil (129, III, CF), que em muito se assemelha ao inquérito policial, é largamente empregado na colheita dos elementos de prova necessários para a propositura da ação civil pública.

O autor referido também assevera que as Promotorias de Justiça realizam a investigação criminal de forma complementar e supletiva à polícia, ou seja, quando ela não atua ou atua mal, atividade essa regulada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, e fiscalizada pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, pelo próprio CNMP e, especialmente, pelo Poder Judiciário, protagonista de um controle estrito de legalidade, garantias mais do que suficientes de preservação dos direitos dos investigados.

Mateus Bertoncini (2013) argumenta que: A atuação ministerial é movida pela

necessidade imprescindível de realizar investigações exatamente onde a polícia judiciária tem encontrado enormes barreiras para desenvolver essa tarefa, na investigação de crimes praticados por policiais, e, também, por agentes políticos detentores do Poder do Estado. No primeiro caso, o corporativismo presente nas instituições impede a realização da investigação pela própria polícia, e, sem a intervenção do Ministério Público, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial, pouco ou nada é feito no sentido da elucidação da verdade, comprometendo o livre exercício da atividade ministerial de promoção da ação penal pública (129, I, CF).

Destaca-se que sem a investigação criminal supletiva, o órgão detentor da ação penal seria impedido de desenvolver com a liberdade devida a sua função constitucional (127, §§ 1º e 2º), haja

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vista a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade, não colhidos pela polícia em razão de sua deliberada omissão (corporativismo/interesses políticos escusos).

Bertoncini (2013) afirma que a PEC 37 tratava-se de medida inconstitucional, posto atingir a autonomia do Ministério Público (129, § 1º), a independência funcional de seus membros (129, § 2º), comprometendo a promoção da ação penal pública (129, I), e, consequentemente, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (127, caput).

Há muitos juristas que acreditam que, caso fosse aprovada a PEC 37/11, haveria por parte do Poder Executivo o inaceitável controle de acesso das ações penais ao Poder Judiciário; que, tragicamente, propicia um ambiente fértil à corrupção, peculato e todas as demais condutas de delinquência por parte dos agentes do próprio Governo, o qual controla a Polícia (Sayeg, 2013).

Rogério Sanches Cunha, em artigo veiculado pelo site Jus Navigandi, argumenta que a tese da exclusividade de investigação pela polícia há anos vem sendo afastada do cenário internacional, inclusive por Tratados Internacionais já pactuados pelo Brasil sempre com a preocupação de proteção de direitos humanos (cf. Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e Estatuto de Roma). O professor lembra também que já foi recomendação da ONU durante visita ao Brasil que “Os promotores de justiça devem, rotineiramente, conduzir as suas próprias investigações sobre a legalidade das mortes por policiais”..

Diante do exposto, vislumbra-se a adoção de modelo de investigação a cargo do Promotor de Justiça, pois, no atual cenário, o Ministério Público trata-se de instituição permanente e independente, notabilizada pela postura combativa de seus membros em relação aos crimes, abusos de Estado e mais diversos atos atentatórios à ordem legal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme restou demonstrado, coube ao Órgão Ministerial uma das missões mais relevantes do Estado Democrático de

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Direito. No âmbito do crime, reservou-lhe o Constituinte, privativamente, a promoção da ação penal pública.

A possibilidade de realização de investigação direta pelo Ministério Público é matéria que sempre vem à baila. Ressalte-se que a investigação consiste na colheita de elementos de prova da ocorrência de um crime, com o fim de possibilitar a instauração de ação penal contra os infratores da lei.

A Proposta de Emenda Constitucional nº 37 pretendia acrescentar ao Art. 144 da Constituição Federal o § 10, para “definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.” Verifica-se que a rejeição da PEC 37/11 pela maioria esmagadora dos deputados não encerra a discussão acerca do poder de investigação do Ministério Público.

Não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal não só confirmou a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, como estabeleceu uma série de pressupostos e condições dessa específica atuação ministerial. Tem-se quem o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais.

Ao confirmar a prerrogativa investigatória do MP, a Suprema Corte estabeleceu algumas balizas que, além de tudo, deveriam informar, em futura disciplina legal, qualquer forma de investigação criminal, conforme se verificou. Diante das repercussões negativas geradas aos investigados por ocasião da persecução criminal, devem ser concedidas garantias de ampla defesa e contraditório, bem como publicidade, isenção, imparcialidade e controle de todos os atos empreendidos durante todas as fases do Processo Penal.

Com efeito, o STF registrava pelo menos 100 ações em tribunais de todo o país questionando a investigação promovida pelo Ministério Público. Após a decisão da Suprema Corte no Recurso Extraordinário (RE) 593727, reconhece-se a legitimidade do Ministério Público (MP) para promover, por

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autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados alguns requisitos, tais como: s direitos e garantias fundamentais dos investigados e que os atos investigatórios – necessariamente documentados e praticados por membros do MP – devem observar as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, bem como as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados, como o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa. Destacaram ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos.

Conclui-se que o MP desempenha funções da mais alta relevância, imprescindíveis aos interesses da sociedade. Promotores de Justiça são fiscais da aplicação da lei e têm a incumbência de garantir os direitos sociais, individuais indisponíveis, individuais homogêneos, difusos e coletivos. Diante das garantias e prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico vigente, possuem independência funcional, autonomia administrativa e gozam do atributo da impacialidade.

Destaque-se que o Parquet tem autado nas investigações criminais em conjunto com as polícias em muitos casos bem-sucedidos, e, dessa forma, democratizado o banco dos réus, principalmente em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, como no histórico “Mensalão”, julgado pelo STF em 2012.

É evidente que o poder investigatório do Ministério Público deve ser controlado, no sentido de regulamentação, assim como são necessários freios nas diversas atividades investigatório-decisórias. No entanto, a regulamentação não implica a vedação total da função de investigar.

O Conselho Nacional do Ministério Público tem tido papel fundamental, não somente no combate dos mesmos problemas do Judiciário, mas também na tentativa de regulamentar a atividade do MP no tocante à investigação e ao controle externo da atividade policial. O que se deve, portanto, é aumentar os mecanismos de controles para evitar arbitrariedades.

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APLICAÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E EFEITOS DE RECURSO INTERPOSTO

PATRICIA LUZ CAVALCANTE: Advogada, inscrita na OAB-PI n.° 9.890, pós-graduada em Direito Tributário pela Rede Anhanguera LFG.

RESUMO: O presente trabalho visa abordar a natureza jurídica das medidas socioeducativas e a polêmica jurisprudencial acerca dos efeitos que devam ser atribuídos a eventual recurso interposto. Desta feita, explica-se a ratio dos dois entendimentos, diametralmente opostos, o que implica, reflexamente, na possibilidade ou não da execução imediata da medida socioeducativa aplicada pelo juiz de 1º grau. Como a questão ainda não está pacificada, entendemos relevante tecer considerações acerca da temática e finalizar, filiando-nos, àquela que se apresenta mais compatível com a principiologia que guiou a Lei 8.069/1990.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo abordar sobre a orientação doutrinária e, sobretudo, jurisprudencial acerca da aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente infrator e sua execução, se imediata ou não, especialmente a de internação, em cotejo com a análise dos efeitos de eventual recurso, consoante interpretação que deve ser feita no Estatuto da Criança e do Adolescente em conjunto com o Código de Processo Civil.

Sinaliza-se que o tema apresenta controvérsias e a jurisprudência ainda não está assentada em uma determinada

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direção, ficando a cargo da análise das peculiaridades do caso concreto.

Inicialmente, convém assinalar que tanto o adolescente como a criança podem cometer condutas ilícitas, as quais não serão consideradas como conduta criminosa, no sentido estrito da palavra, mas denominadas de ato infracional análogo a crime, por critério legal, consoante expressa previsão legal do art.103, do Estatuto da criança e do Adolescente. Isso porque, mormente critério biológico adotado por nosso legislador, os menores de 18 anos são absolutamente inimputáveis, sendo, pois, solucionáveis pela aplicação do estatuto a eles dirigido, eis que trata-se de um regramento que melhor confere proteção ao menor, dada a sua condição de pessoa em desenvolvimento e orientação pela necessária proteção integral, nos termos do art. 227, caput e §1º, da Constituição Federal c/c arts. 1º, 3º, 4º e ss. do ECA.

De tal sorte, nos termos do art. 2º, do ECA, somente o jovem infrator adolescente, aquele que possuir entre 12 anos e 18 anos de idade, na data da prática da conduta, poderá ser submetido à medida socioeducativa e/ou medidas protetivas. Já as crianças, indivíduos que apresentem até 12 anos incompletos na data do evento, somente poderão receber medidas protetivas, aquelas contidas no art.101, como expressamente previsto no art. 105, do mesmo Diploma.

As medidas previstas no art. 101, do Estatuto, tais como, inclusão da criança ou adolescente em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; o acolhimento institucional e inclusão em programa de acolhimento familiar, bem como colocação em família substituta, são de índole protetiva, como o próprio legislador assim elege, ao inserir tais previsões dentro do Título II, que versa sobre medidas de proteção, e no bojo do capítulo II, as especifica. Desta feita, não há qualquer óbice ou dúvida acerca da sua aplicação e de sua essencial execução imediata.

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Quando de sua aplicação, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, como assevera o art. 100, do Estatuto, observando-se os princípios da condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, titulares de direitos e garantias; observância de sua proteção integral e prioritária; responsabilidade primária e solidária do poder público à plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes; o interesse superior da criança e do adolescente; à privacidade, em respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; intervenção precoce, mormente atuação tão logo a situação de perigo seja conhecida; intervenção mínima; guiando-se pela observância da proporcionalidade e atualidade, quando a intervenção mostrar-se necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; reafirmação da responsabilidade parental, onde a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e para com o adolescente; atentando-se ainda para a prevalência da família, dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa, e, subsidiariamente, promovendo-se a integração em família substituta; obrigatoriedade da informação à criança e ao adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão; oitiva obrigatória e participação da criança e do adolescente, na forma que determina a lei.

A discussão perfaz-se quanto às medidas socioeducativas previstas pelo ECA, tais como, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, vez que, de modo genérico, limitam a liberdade e individualidade do adolescente infrator. Sua execução encontra-se positivada pelo regramento contido na Lei 12.594/2012 (Lei do Sinase).

Para tanto, quando da aplicação de qualquer medida socioeducativa, as peculiaridades do caso apresentado também precisam ser bem observadas, de modo que o magistrado as fixe

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adequadamente, observando o teor do art. 112, §1º, do ECA, que aduz que o juiz levará em conta a capacidade daquele agente em poder cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração, ressalvando-se que aos adolescentes portadores de doença ou deficiência mental devam receber tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Desta forma, na fixação de medidas socioeducativas de obrigação de reparar o dano,prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e sobretudo a de internação em estabelecimento educacional, exige-se a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, nos termos do art. 114, do ECA, sendo esta última aplicável de forma excepcional, somente quando estritamente necessária, observando-se pontualmente o rol taxativo e quando as demais medidas não mostrarem-se aptas a solucionar o caso.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Medidas socioeducativas previstas no ECA

Anteriormente, quando vigente o Código Menorista e aplicação da “doutrina de situação irregular”, adotada antes do implemento da atual doutrina de proteção integral, esta, prevista na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicava-se apenas as chamadas “medidas de recuperação”. Tais medidas eram aplicadas quando verificados atos e comportamentos desviantes, ainda que não fossem análogos a fatos tipicamente previstos como crime.

À época, sem diferenciar criança e adolescente, a lei apenas aduzia sobre aquele menor de 18 anos e também o menor de 21 anos de idade que estivessem sob situação irregular, nos termos do contido no art. 2º, da Lei 6.697/1979, o chamado “Código Menorista”. Desta feita, o objetivo não cingia em conferir a proteção integral a todas as crianças e adolescentes, mas especificamente apenas àqueles que estivessem na denominada “situação irregular”, tais como, caracterizado o seu desvio de conduta, em

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virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária, nos termos do art. 2º, inciso V, da Lei 6.697/1979. As medidas também seriam destinadas a menores carentes, abandonados, inadaptados e a infratores, de forma que não interessava que seu cumprimento se desse em unidades distintas e com maior ou menor nível de contenção, consoante o Código Menorista.

Atualmente, a legislação guiada pelo princípio da proteção integral, traz exemplificadamente medidas protetivas que devem ser aplicadas não somente caso o adolescente já tenha praticado alguma conduta delitiva análoga a crime/contravenção penal, podendo ser aplicadas com base no melhor interesse e dada a integral proteção da criança bem como do adolescente, preventivamente, que esteja sob situação de risco, em qualquer de suas formas, tais como, sem assistência familiar, por exemplo.

A nova legislação também trata de previsão da medidas específicas exclusivamente àquele jovem infrator, considerado adolescente, podendo ser dirigida e aplicável, excepcionalmente, até que ele complete 21 anos, inclusive, nos termos do parágrafo único, do art. 2º, do ECA, porquanto o tenha cometido quando ainda estivesse sob a menoridade civil, isto é, abaixo de 18 anos, considerando-se o seu desenvolvimento que na época dos fatos, ainda estaria sob formação e desenvolvimento.

Como simplifica Digiácomo (2013):

“(...) à luz da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, deve-se considerar que o limite etário para aplicação e execução de medidas socioeducativas de quaisquer natureza, a jovens que praticaram atos infracionais enquanto adolescentes, é de 21 (vinte e um) anos”.

Nessa senda, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:

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“ADOLESCENTE. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. PRÁTICA DE ILÍCITO QUE REDUNDOU EM PRISÃO TEMPORÁRIA. CONTINUIDADE DA MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA, COM TRATAMENTO ESPECIALIZADO, entre os 18 e 21 anos de idade (ECA, art. 2º, § único). RECURSO PROVIDO. O Estado não deve desistir da aplicação de medida sócio-educativa ante a notícia da ocorrência de um deslize ao longo de sua execução, mesmo alcançando o limite dos 18 anos de idade, pois em tais casos se impõe solução inversa, com a realização e o incremento das ações sócio-educativas até então adotadas, pois do contrário estaria entregando à própria sorte aquele que mais necessita de apoio e orientação, daí advindo resultados indesejáveis tanto ao infrator quanto à sociedade. (Rec.Ap.ECA nº 2118-1/97. Rel. Des. Newton Luz. J. em 24/11/1997. Ac. nº 7821).

Consoante entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 108), é atribuição exclusiva do magistrado a fixação de medida socioeducativa. Entre as medidas socioeducativas, aquelas aplicadas quando da prática de ato infracional, nos termos do art. 112, do ECA, tem-se:

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI”.

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Como destaca Rossato (2016), a paz social é uma das primeiras preocupações do Estado, e a busca disso se materializa mediante intervenções preventivas e repressivas, porquanto a ocorrência de ato infracional revela o desvalor social da conduta praticada, o que enseja a movimentação estatal de coibi-lo.

Destaca Barros (2014) que é perfeitamente possível a cumulação de medidas socioeducativas e de proteção a um adolescente, consoante o que se extrai do disposto no art. 113, que trata especificamente das medidas socioeducativas em conjunto com o disposto no art. 99, ambos do ECA, que atestam:

Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.

Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.

Para tanto, os objetivos de tais medidas, nos termos do art. 1º, §2º, da Lei 12.594/2012 (Lei do Sinase) são: a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.

Serão consideradas como de execução em meio aberto, quais sejam: as previstas nos incisos I a IV, do art.112, do ECA; e somente como privativas de liberdade, as medidas de semiliberdade e internação, consoante art. 15, da Lei do Sinase. Assim, serão de atribuição do ente municipal as de aplicação em meio aberto. Por seu turno, ficarão a cargo do Estado as medidas socioeducativas privativas de liberdade.

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Passemos, pois, a cingir nossa análise à medida socioeducativa, especialmente quando imposta a de internação e existência de recurso interposto, visando atacar a sentença, seus efeitos e consequências jurídicas.

A medida de internação (art. 121, do ECA) constitui-se medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Seu cabimento está expresso no art. 122, do ECA:

“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”

Dentre suas características, não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses, reafirmando-se a obrigatoriedade das atividades pedagógicas em sua execução, nos termos do art.123, parágrafo único.

Como pontua Digiácomo (2013):

“As medidas de proteção e socioeducativas devem ser aplicadas fundamentalmente de acordo com as necessidades pedagógicas da criança ou adolescente, e estas podem variar de tempos em tempos. Esta é a razão pela qual as medidas originalmente aplicadas devem ser constantemente reavaliadas, sendo substituídas sempre que não mais forem necessárias ou não estiverem surtindo os resultados desejados”.

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Como dito alhures, para sua aplicação deve ser observado que o rol do art. 122, do Estatuto, apresenta natureza exaustiva e excepcional, onde somente poderá ser aplicada referida medida quandotratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Para tanto, ensina a doutrina que a gravidade do ato deve ser observada concretamente. É o que afirma também a jurisprudência firmada acerca do tema. Nesses termos, segue julgado elucidativo:

“Evidencia-se a existência de constrangimento ilegal na decisão que determinou a aplicação de medida socioeducativa de internação ao paciente baseada na gravidade abstrata do ato, sem apontar relevante motivo concreto que justificasse a imposição de medida mais gravosa. Ordem concedida para anular a sentença e o acórdão recorrido, apenas no que se refere à medida socioeducativa imposta, a fim de que outra seja aplicada ao paciente, que deverá aguardar a nova decisão em liberdade assistida. Julgado da 5ª Turma do STJ, no HC nº 110195/ES. Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima. J., em 14/04/2009. DJ 18/05/2009.

No mesmo sentido, há entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, que assegura que:

“O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente” - Súmula nº 492, 3ª Seção, julgado em 08/08/2012, DJe 13/08/2012.

A ratio disso é que o ato infracional análogo ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a despeito da sua natureza

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hedionda, não dá ensejo, por si só, à aplicação da medida socioeducativa de internação. É que o ato análogo ao crime de tráfico de drogas não pressupõe violência ou grave ameaça à pessoa. Assim, o adolescente que pratica referida conduta pode até receber a medida de internação, no entanto, o magistrado deverá vislumbrar, no caso concreto, e fundamentar sua decisão em alguma das hipóteses elencadas pelo art. 122 do ECA.

A doutrina trabalha com 3 tipos de internação: provisória; por tempo indeterminado e a que se considera por tempo determinado.

A provisória é aquela que, ocorrendo auto de apreensão em flagrante por de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz, o adolescente sujeita-se provisoriamente e até o limite de 45 dias, como disposto no art. 108, do Estatuto. Desta feita, é assim denominada porquanto trata-se de medida cautelar, decretada antes da sentença.

A internação por prazo indeterminado, assim denominada porque não é fixado prazo de duração da medida. A lei apenas cuida em delimitar o prazo máximo de sua duração, que não poderá exceder de 03 anos, em tese, e sua liberação compulsória acaso o agente atinja a idade de 21 anos. Dessa sorte, a duração dependerá do projeto pedagógico e concluído seu objetivo, cessará a medida. Ressalta-se que a lei apenas atesta a necessidade de sua reavaliação, em pelo menos, a cada 06 meses, proferindo-se o seu seguimento mormente decisão fundamentada.

E, por fim, a internação por prazo determinado, assim denominada considerando-se o teor do §1º, do art. 122, do ECA, que trata da duração da internação prevista no inciso III, do art. 122, do ECA. Assim, havendo descumprimento reiterado e injustificável de determinada medida anteriormente imposta, caberá aplicação de internação, a qual não poderá ser superior a 03 (três) meses, por cada ato infracional, devendo ser decretada judicialmente após o

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devido processo legal. Esta será aplicada pelo juiz da execução, quando fase de execução de medida socioeducativa.

2.2 Recurso interposto contra sentença que aplica medida socioeducativa e seus efeitos

Quanto à eventual recurso interposto, a polêmica reside acerca do recebimento de seus efeitos: se apenas no efeito devolutivo ou devolutivo e suspensivo.

Por muito tempo, defendia-se que não haveria razão de ser aplicado o efeito suspensivo, consignando-se que qualquer medida socioeducativa revela, em verdade e essência, natureza propriamente pedagógica.

Entretanto, ao final de 2015, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considerou que haveria de ser conferida uma interpretação sistemática do ECA e suas alterações em consonância, à época, com o disposto no CPC de 1973. Desta feita, a medida de rigor era de que fosse conferido também o efeito suspensivo aos recursos em sede de aplicação de medidas socioeducativas.

Nesse interim, é imperioso ressaltar que, silente o Estatuto, a doutrina e jurisprudência assinalam que quanto à fase inicial, qual seja, no processo de conhecimento, devem ser observadas, analogicamente, as disposições previstas pelo Código de Processo Penal, mormente observância de contraditório e ampla defesa e todas as garantias que se confere criminalmente ao acusado, diante da relevância e natureza do processo em que também se apura a ocorrência de fato análogo à conduta criminosa. Entretanto, conforme previsão expressa do ECA, na fase recursal, devem ser aplicadas as regras previstas no Código de Processo Civil, nos termos do art. 198, do ECA.

Pois bem, na decisão mencionada, explicitou-se que depois da Lei n.° 12.010/2009, houvera a revogação expressa do inciso VI do art. 198 do ECA, que sua redação original, previa:

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“Art. 198: Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), com as seguintes adaptações: (Redação dada pela Lei nº 12.594, de 2012).(...) inciso VI: a apelação será recebida em seu efeito devolutivo.(Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009)”.

Com isso, a regra que dali seria extraída, por ora, seria a de que os recursos fossem recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo, adotando-se consonância também com a norma esposada no art. 520 do Código de Processo Civil (atual art. 1.012 do CPC 2015), segundo a qual o recurso de apelação deverá ser recebido no seu duplo efeito.

Desta feita, naqueles moldes, não mais seria admitida a execução provisória de sentença que tivesse imposto medida socioeducativa, consoante julgado da 5ª Turma do STJ, no RHC 56.546/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/12/2015).

Ressaltou-se, contudo, que somente se o juiz, na sentença, confirmasse a necessidade de internação cautelar do adolescente infrator, excepcionalmente, poderia afastar motivadamente aquele efeito suspensivo, podendo, como última ratio, o menor aguardar, já submetido à internação, o julgamento do seu recurso.

Entretanto, novamente, o tema foi enfrentado em meados de 2016. Nesta nova oportunidade, consignou-se, de turno da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que diante da interposição de recurso de apelação, a diretriz que se firma é que, a regra é pela possibilidade do imediato cumprimento de sentença que impõe medida socioeducativa, entre elas, a de internação, ainda que não

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tenha sido imposta internação provisória ao adolescente, em momento anterior, no curso daquele processo. Com efeito, não haveria razão sujeitar-se a tal condicionamento, eis que, por vezes, o magistrado prefere fixá-la ao final do processo, mormente um juízo de cognição exauriente.

Diante de uma análise com fito substancial, explica a Corte que quando da aplicação de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como missão precípua não pura e simples punição do adolescente em conflito com a lei, mas, especialmente, a sua ressocialização e a proteção. O julgado explica que postergar o início de cumprimento da medida socioeducativa imposta na sentença que encerra o processo por ato infracional importaria em “perda de sua atualidade quanto ao objetivo ressocializador da resposta estatal, permitindo a manutenção dos adolescentes em situação de risco, com a exposição aos mesmos condicionantes que o conduziram à prática infracional", conforme veiculado no Informativo 583, do STJ, no HC 346.380-SP, de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura e relatoria para acórdão pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016, DJe 13/5/2016.

É que a medida socioeducativa não representa “punição”, em seu sentido estrito, tal como a punição aplicada quando da intervenção do Direito Penal, mas revela-se, pois, como próprio e verdadeiro mecanismo de proteção ao adolescente e à sociedade, dada a sua natureza pedagógica e ressocializadora, não havendo falar em ofensa ao princípio da não culpabilidade, previsto no art. 5°, LVII, da CF, pelo seu imediato cumprimento.

Como explica Digiácomo (2013):

“O procedimento para apuração de ato infracional praticado por adolescente, embora revestido das mesmas garantias processuais e demandando as mesmas cautelas que o processo penal instaurado em relação a imputáveis, com este não se confunde, até

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porque, ao contrário deste, seu objetivo final não é a singela aplicação de uma “pena”, mas sim, em última análise, a proteção integral do jovem, para o que as medidas socioeducativas se constituem apenas no meio que se dispõe para chegar a este resultado (daí porque não é sequer obrigatória sua aplicação, podendo o procedimento se encerrar com a concessão de uma remissão em sua forma de “perdão puro e simples” ou com a aplicação de medidas de cunho unicamente protetivo, tudo a depender das necessidades pedagógicas específicas do adolescente - CF. arts. 113 c/c 100, caput, do ECA).”

Ademais, como pontuado no julgado, ainda que o adolescente infrator tenha respondido em liberdade por todo o processo que apurava a prática de ato infracional, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação autoriza o cumprimento imediato da medida imposta, porquanto em vista dos princípios que regem a legislação menorista, entre eles, o da intervenção precoce na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100 do ECA.

Em outros termos: condicionar o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença ou mesmo a confirmação da sentença que acolhera a representação, pelo tribunal de 2º grau, constituiria verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da medida imposta, além de permitir que o adolescente permanecesse em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional.

Enfrentando, pois, pela análise processual, a despeito da revogação operada conquanto ao inciso VI, do art. 198 do referido Estatuto, assinala-se que continua a viger o disposto no art. 215 do ECA, o qual prevê que é possível o juiz poder conferir efeito

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suspensivo aos recursos, a fim de evitar dano irreparável ou de difícil reparação à parte, mas que não pode ser tido como regra.

À luz disso, não há impedimento para que, supletivamente, se invoque tal dispositivo e se conclua que os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo aos recursos contra sentença que acolheu a representação do Ministério Público e impôs medida socioeducativa ao adolescente infrator, sob pena de, nas palavras expressas no julgado indicado, haver frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista.

Em suma, essa jurisprudência analisada por último, exarada por uma Seção, isto é, formada pela composição de duas Turmas, mediante uma interpretação sistêmica e teleológica, mostrou-se mais compatível com a doutrina de proteção integral do adolescente, com os objetivos a que se destinam as medidas socioeducativas e com a própria utilidade da jurisdição juvenil, que não pode reger-se por normas isoladamente consideradas.

De toda forma, precipuamente em relação à eventual internação aplicada, não restaria óbice à, por ventura, aplicação da norma contida no art. 654, §2º, do Código de Processo Penal, que assegura que os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.

É dizer, o tribunal ad quem poderá conceder ordem de ofício, convencendo-se da inadequação da medida aplicada, podendo substituí-la, consoante julgado que data de 16/06/2016 - o qual não fora dado publicidade do seu número - asseverando-se que os Tribunais Superiores têm jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar, nos termos do enunciado n° 691 da Súmula do STF, segundo o qual não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus

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requerido a tribunal superior, indefere a liminar. Entretanto, referida óbice pode ser afastada em casos excepcionais, quando evidenciada a presença de manifesta ilegalidade ou teratologia na decisão impugnada.

No caso aventado, havia sido aplicada medida socioeducativa em localidade distante, não sendo observado o disposto no art. 49, inciso II, da Lei n. 12.594/2012, de que deve ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deve ser internado em unidade mais próxima de seu local de residência. Com efeito, a medida de semiliberdade aplicada à adolescente estava sendo cumprida em localidade diversa ante a ausência de estabelecimento adequado na localidade de sua residência familiar. Em consequência, intentou-se obter liminarmente a suspensão da decisão. Assinalou-se que o indeferimento da liminar intentada - para que se pudesse conferir efeito suspensivo à medida - ensejaria, pois a manutenção da medida de semiliberdade aplicada. Desta feita, o Tribunal a quo, ao indeferir a liminar, ratificou o decisum do magistrado sentenciante, e, referendado pelo STJ, no sentido de que prematuro seria o deferimento da liminar almejada, em observância das necessidades do caso concreto. Reputou a Corte Superior:

“Seria ilógico obstar o tratamento pedagógico julgado pelo MM. Juiz da fase cognitiva como o mais adequado, com base na interpretação literal do disposto no artigo 49, inciso II, da Lei do 12.594/2012. Entendimento diverso, inclusive, desvirtuaria os objetivos insculpidos no ECA acerca da proteção integral e do superior interesse do adolescente, pois criaria empecilhos ao direito de receberem o tratamento mais adequado às suas necessidades socioeducativas”.

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Ao final, aquela Corte asseverou que mantinha o indeferimento da medida liminar, porquanto não atribuído o efeito suspensivo, afastando-se a Súmula 691, do STF, para então conceder ordem, de ofício, para que o paciente fosse transferido para casa de semiliberdade na localidade de sua residência, eis que nos termos do art. 49, inciso II, da Lei do Sinase, inexistindo vaga para o cumprimento da medida de privação da liberdade e tratando-se de ato infracional cometido sem grave ameaça ou violência à pessoa, constitui-se direito do menor que seja incluído em programa de meio aberto, na comarca da residência de sua família. Nesse sentido, citou-se: HC 285.538/SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 2/4/2014; HC 316.873/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe de 12/8/2015.

Ademais, é de bom tom lembrar e estabelecer relação, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a sentença penal condenatória pode, após confirmação pelo tribunal ad quem, ter sua execução provisória, conforme cita-se oHC 126292, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, porquanto a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. Ademais, posteriormente, consoante aplicação da Súmula 717, do STF, quando do trânsito em julgado, deverão ser observados aplicação dos benefícios penais desde a provisoriedade de sua execução, aduzindo a Suprema Corte que não há ofensa às garantias da presunção de inocência e ao princípio do tribunal de 2º grau, cediço que a interposição de os recursos de fundamentação vinculada, isto é, recurso especial e extraordinário, não cuidam em conferir efeito suspensivo às decisões.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desse modo, conclui-se que a mais adequada interpretação é aquela que se atém à consideração de um sistema, isto é, que as normas não podem ser extraídas isoladamente, promovendo-se uma interpretação sistemática, e sem perder de

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vista, especialmente, os fins e objetivos da norma especial, observando-se também a interpretação teleológica. Assim, escorreita a ratio do julgado que atesta que não há necessidade da medida socioeducativa submeter-se ao trânsito em julgado ou mesmo confirmação por tribunal ad quem.

A uma, por não haver tais condicionamentos previstos expressamente na lei: não há previsão legal de que deva sujeitar-se ao efeito suspensivo, este, somente sendo possibilitado ser conferido em havendo probabilidade dano irreparável à parte, o que, pela fixação de medida socioeducativa, por si só, não enquadra-se em tal possibilidade.

A duas, porque não convém classificar a medida socioeducativa como uma espécie de sanção penal, cediço que ambas têm natureza jurídica e finalidade distintas. A pena, por excelência, tem caráter retributivo/punitivo, sendo dirigida ao agente imputável, que conhece ou pelo menos deva conhecer o caráter ilícito da conduta e, mesmo a título de culpa, na consideração do homem médio/prudente, assim poderia prever evitar o resultado.

A medida socioeducativa, por sua vez, é uma medida precipuamente pedagógica. Ela apresenta outra finalidade: não a de retribuir castigo, mas de educar e poder conscientizar aquele jovem, para que entenda o caráter ilícito de sua conduta, mostrando que não é desejável pelo ordenamento e trabalhar significativamente, de forma pedagógica, mostrando-lhe porquê de não se poder delinquir, as consequências advindas, e, conquanto caso, futuramente, imputável e reiterando no descumprimento de leis, ele entenda que poderá sofrer intervenção direta do direito sancionador - o Direito Penal - e suas penas, momento em que não mais caberá a observância e aplicação de toda a principiologia que o Estatuto lhe confere e lhe assiste. Mas, mais que isso, um de seus escopos é a imediaticidade em se retirar aquele jovem adolescente de situações de risco.

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Lado outro, ainda que fosse a medida socioeducativa espécime de sanção penal ou analogicamente considerada, cediço que o “mais” (sanção penal) não se sujeita a trânsito em julgado para a sua execução, ao “menos” (medida socioeducativa) também não poderia se exigir.

Por fim, também calha asseverar que no caso de medida socioeducativa aplicada ao menor infrator, não há, em tese, prejuízo para que se obstaculize a sua execução, de modo que é pleno e juridicamente compatível que ela se dê imediatamente após a prolação da sentença.

Isso porque como explicitado, a medida socioeducativa apresenta seu viés pedagógico, prevista por critério do legislador, guiando-se sua aplicação pela adequação ao caso, consoante a observância de princípios e considerando necessária ao melhor desenvolvimento daquele adolescente, sob sua condição de pessoa em desenvolvimento e dada a necessidade de retirá-lo da situação de risco.

Assim, também não foi opção legislativa a observância do efeito suspensivo, sob pena de esvaziar as normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sobretudo pelo caráter protetivo que se extrai de tais medidas ali pensadas e colocadas pelo legislador, porquanto traduzido no propósito da imediaticidade de seu cumprimento, que seria gravemente comprometido, caso reconhecida a sujeição das medidas educativas a efeito suspensivo de recurso, esperando confirmação da sentença por tribunal de 2° grau ou quiçá de seu trânsito em julgado para que fossem concretizadas, sob pena de não mais fazer sentido pedagógico e prático daquela medida fixada.

Ademais, cediço que, de toda forma, caso não seja adequada a medida aplicada, há possibilidade de o Tribunal assim reconhecer e decretar ordem de ofício para fixação de medida que melhor se enquadre ao caso concreto. Em verdade, o prejuízo que se mostra é de aquela medida fixada não venha a ser executada e

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concretizada contemporaneamente, não se atingindo os fins que visou o legislador ao criá-las; e a execução, caso se dê somente em momento futuro, incorrer como verdadeira “punição”, desprovida de qualquer escopo educacional.

Desta feita, aduzimos que se mostra acertada a mais recente jurisprudência do STJ, destacando-se que emanada por Seção, o que, tecnicamente, envolve uma decisão mais madura, formada por duas de suas Turmas, sinalizando-se a orientação que futuramente venha a ser a assentada por aquela Corte, superando-se aquele recente e isolado entendimento em sentido contrário.

REFERÊNCIAS

http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Apela%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-impede-interna%C3%A7%C3%A3o-imediata-de-menor-que-respondeu-em-liberdade

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BARROS, Guilherme Freire de Melo, Estatuto da criança e do adolescente, 8ª ed., rev, ampl e atualizada, Salvador, Editora Juspodivm, 2014.

DIGIÁCOMO, Murillo José, 1969- Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado / Murillo José Digiácomo e Ildeara Amorim Digiácomo.- Curitiba. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2013. 6ª Edição.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal, vol. único, 1ª ed., 2ª tiragem, Niterói: Impetus, 2013.

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OS ENTRAVES DA JUDICIALIZAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

BRASILEIRO

Ancilla Caetano Galera Fuzishima1

Jéssica Nágilla Hagemeyer2

RESUMO: Este trabalho visa a apresentar uma reflexão teórica sobre os entraves da

Judicialização na efetivação do direito à saúde no contexto contemporâneo brasileiro.

Seguindo o método indutivo, o aporte teórico deste trabalho está fundamentado

principalmente nas obras de Sarlet (2013) e Barroso (2012), bem como nas temáticas

do ativismo judicial e Judicialização. Conforme previsto no artigo 196, da

Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito de todos, cabendo ao Estado o

dever de assegurá-lo nas suas diversas nuances, mediante políticas sociais e

econômicas. Todavia, apesar da saúde pública ser constitucionalmente garantida,

muitos são os obstáculos enfrentados pela população para que este direito seja

efetivamente de qualidade e acessível a todos. Diante deste cenário, o Poder

Judiciário tornou-se a instituição capaz de viabilizar ao cidadão já desacreditado o

acesso aos tratamentos ou medicamentos não disponibilizados pelo SUS, os quais

são, na maioria das vezes, excessivamente caros. Contudo, há que se pensar se esse

ativismo judicial está, de fato, sendo benéfico para o país, tendo em vista que pode

                                                              

1 Professora Mestre em Direito, docente do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Três Lagoas, email: [email protected]

2Aluna de graduação do 9º semestre do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Três Lagoas, email: [email protected]

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impedir a alocação racional dos escassos recursos públicos destinados à saúde, além

de transformar o Poder Judiciário numa máquina de decisões sem critérios definidos.

Palavras- chave: Judicialização. Direito à Saúde. Constituição de 1988.

Introdução

A judicialização do direito à saúde é um tema muito discutido hodiernamente

no cenário jurídico brasileiro, haja vista que o Poder Judiciário tem sido utilizado

como um meio mais rápido e eficaz de compelir os outros dois poderes (Legislativo

e Executivo) a atender as necessidades dos cidadãos em relação à saúde pública, seja

fornecendo medicamentos não contemplados na lista do SUS (Sistema Único de

Saúde), seja regulamentando novas políticas sociais para garantir a promessa

constitucional de acesso à saúde de forma igualitária e universal.

Ocorre que o tema abarca não só questões sociais ou políticas, como também

questões relacionadas à distribuição funcional a cada um dos poderes no

ordenamento jurídico brasileiro, muitas vezes, retirando a responsabilidade de

atuação de um poder em determinado assunto e transferindo-o a outro, de modo a

sobrecarregá-lo devido à grande problematização do que está sendo discutido.

Oque estamos propondo é que o posicionamento retraído do Poder

Legislativo e Executivo em conferir efetividade aos direitos elencados na

Constituição Federal, em especial ao direito à saúde, tem trazido grandes mudanças

para a estrutura do Poder Judiciário, já que este passou a ter maior atuação na seara

da concretização dos valores constitucionais, denominada atualmente como ativismo

judicial.

No entanto, nota-se que essa discussão é pertinente a ponto de analisarmos se

o “deslocamento” de competência existente na esfera da saúde pública se comporta

como um benefício ou malefício para a ordem jurídica e para os resultados que a

população almeja, tendo em vista que a excessiva Judicialização da saúde pode

acarretar na disfuncionalidade dos recursos públicos e na banalização das decisões

judiciais.

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Nesse sentido, para que possamos apresentar o tema e refletir sobre os

entraves da Judicialização da saúde, o presente texto inicia-se definindo as premissas

e os desdobramentos do direito à saúde, como um direito fundamental salvaguardado

na Constituição Federal de 1988, culminando no diálogo entre o mínimo existencial

e a teoria da reserva do possível, como limitadora da efetivação dos direitos

constitucionais.

Por derradeiro, temos a explanação dos termos Judicialização e ativismo

judicial, seguindo para a exposição dos principais pontos controvertidos a respeito

do assunto, ressaltando, ainda, as críticas tecidas em relação à Judicialização em

excesso, o que possibilita a reflexão acerca dos obstáculos enfrentados na efetivação

do direito à saúde.

1. Do direito à saúde: Mínimo Existencial versus Reserva do Possível

Inicialmente, cumpre salientar que o direito à saúde é um dos problemas

fundamentais da sociedade contemporânea baseada no Estado Social, sobretudo, sob

a égide do Estado Democrático de Direito.

Isto ocorre porque o Estado, no status de garantidor e mantenedor do bem

estar da sociedade, não conseguiu compatibilizar, ainda, os anseios sociais por uma

saúde pública de qualidade com medidas sociais e econômicas de inclusão e

promoção da saúde com a eficácia pretendida pela Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, Morais (2008, p. 260) traça objetivamente as vertentes do

Estado Democrático de Direito (EDD), senão vejamos:

(...) a opção pelo EDD impregna a ordem jurídica com seu caráter de

promoção do bem-estar e de transformação das circunstâncias de

desequilíbrio. Nesse quadro, se estabelece um projeto de sociedade que

se constitui através de pressupostos substanciais que precisam ser

concretizados no âmbito da ação estatal, seja por intermédio de normas

integradoras do texto constitucional, seja pela prestação de políticas

públicas e serviços que visem dar conta do acordo constitucional seja,

ainda, pelo reconhecimento jurisdicional do conteúdo da norma

constitucional, em um contesto de unidade da ação estatal voltada à

realização do projeto de sociedade contida no contrato constitucional.

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Assim, é nesse contexto de promoção do bem-estar da sociedade que o direito

à saúde foi idealizado em nossa Constituição Federal. Além de fazer parte do rol de

direitos fundamentais e sociais, este direito abordado em diversos artigos ao longo

da Constituição Federal de 1988, porém sendo consagrado nos artigos 6º e196 e

seguintes da CF 1988, senão vejamos:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,

a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição.

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo

ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,

fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou

através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito

privado (BRASIL, 1998).

Sendo assim, evidencia-se que a Constituição além de universalizá-lo e torná-

lo acessível à população como um todo, atribui, ainda, ao Estado o dever de

manutenção da saúde pública, impondo a promoção de políticas públicas e a criação

e regulamentação de ações e serviços de saúde ao legislador.

Nessa perspectiva, oportuno ressaltar que, como, em regra, ocorre com os

direitos fundamentais, o direito à saúde apresenta uma dupla dimensão no tocante a

sua exigibilidade, podendo ser subjetiva e objetiva ou ainda negativa (defensiva) e

positiva (prestacional), relacionando-se diretamente ao texto constitucional citado

acima.

No primeiro caso, conforme disciplina Sarlet (2013, p. 564), a forma

subjetiva dos direitos sociais consiste na possibilidade de serem exigíveis perante

seus destinatários, sendo grandemente influenciados pelos entendimentos

jurisprudenciais no sentido de reconhecê-los como um direito subjetivo definitivo,

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isto é, direito que gera um dever prestacional (positivo) por parte destes destinatários,

com o intuito de garantir ao menos o plano do mínimo existencial.

Por sua vez, vale ressaltar que o mínimo existencial aqui tratado é

conceituado por Ávila (2014) como:

(...) um complexo de direitos essenciais para a existência de uma

sociedade equilibrada, bem como para edificação de um governo

democrático, cabendo ao Estado sua promoção e proteção. Funda-se nos

direitos relacionados às prestações básicas necessárias a manutenção da

vida humana e no seu desenvolvimento sadio, o mínimo vital; na vedação

a submissão à tortura e/ou tratamento desumano ou degradante; nos bens

e serviços imprescindíveis à construção da própria personalidade, tais

como o direito a educação básica; e no acesso à justiça.

Já no segundo caso, os direitos sociais assumem a forma objetiva ao compelir

o Estado a concretizá-los e respeitá-los como valores fundamentais de forma que

sirvam de parâmetro para aplicação e interpretação de direitos infraconstitucionais

(SARLET, 2013, p.565).

Nessa mesma linha, a dupla dimensão negativa e positiva é elucidada por

Sarlet (2013, p. 566) através do direito à saúde, senão vejamos:

(...) este apresenta uma evidente dimensão defensiva, no sentido de gerar

um dever de não interferência, ou seja, uma vedação a atos (estatais e

privados) que possam causar danos ou ameaçar a saúde da pessoa, sem

prejuízo da sua simultânea dimensão prestacional (positiva), pois ao

Estado incumbe a criação de todo um aparato de proteção (...), assim

como a criação de uma série de instituições, organizações e

procedimentos dirigidos à prevenção e promoção da saúde (campanhas

de vacinação pública, atuação da vigilância sanitária, controle de

fronteiras, participação nos conselhos e conferência da saúde, entre

outros), além do dever estatal de fornecimento de prestações no campo

da assistência médico-hospitalar, medicamentos, entre outros.

Portanto, como bem observado, essas dimensões analisadas demonstram

claramente o escopo precípuo da efetivação deste direito: a proteção do direito à vida

e integridade física dos cidadãos, que em última instância recai no respeito da

dignidade da pessoa humana.

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No entanto, adentrando ao campo da prática, para que o direito à saúde seja

efetivado em todas as suas vertentes é necessário que haja, portanto, um implemento

do Poder Público no sentido de assistir os indivíduos que carecem do mínimo

existencial.

Logo, esse termo mínimo existencial se coaduna com a essência de um núcleo

indispensável para uma vida digna, ou seja, o direito fundamental que abrange

prestações básicas do poder estatal para o desenvolvimento equilibrado do indivíduo.

Ocorre que, atualmente, vivenciam-se situações em que o Estado não atribui

a devida importância à prestação de serviços básicos no tocante à saúde, tendo como

argumento para essa atitude a escassez de verbas.

Exemplo disso é a rejeição do Estado em fornecer medicamentos e/ou

tratamentos especiais a diversos pacientes que não tem condição financeira de

custear, mesmo sendo medidas imprescindíveis para a sobrevivência do adulto ou

criança.

Esse argumento de restrição de verbas é fundamentado na teoria da Reserva

do Possível, a qual, segundo Ingo Sarlet (2013, p. 574) é caracterizada por uma

tríplice dimensão, a saber:

(a)A real disponibilidade fática dos recursos para efetivação dos direitos

sociais; (b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos,

que guardam conexão com a distribuição das receitas e competências

tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, e, em países

como o Brasil, ainda reclama equacionamento em termos de sistema

federativo; e (c) o problema da proporcionalidade da prestação, em

especial quanto à sua exigibilidade e razoabilidade, no que concerne à

perspectiva própria e peculiar do titular do direito.

Destarte, nota-se que, no contexto político hodierno, a Reserva do Possível é

utilizada como justificativa para desídia Estatal, sendo que, na verdade, deveria ser

compreendida sob a ótica dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na

dualidade entre efetividade de direitos fundamentais e possibilidade financeira do

governo.

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Assim, o que se almeja no contexto jurídico atual é não deixar que essa teoria

seja um obstáculo intransponível para a concretização dos direitos sociais e, é

justamente nesse sentido que o Poder Judiciário tem trabalhado, ou seja, para que a

falta de recursos financeiros não seja um desculpa genérica para a falta de atuação

estatal.

Todavia, é importante ressaltar que as políticas públicas destinadas à saúde

existem, o que ocorre é que muitas delas são ineficazes pelo fato de não existir o

investimento concreto e devido, por este motivo, o Judiciário é invocado para

resolver essa questão de efetividade.

Por fim, vale colacionar parte da notória decisão proferida pelo Ministro

Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45/DF de 04.05.2004, a qual

marcou a discussão jurídica acerca do binômio reserva do possível e efetivação de

direitos sociais.

(...) Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas,

significativo relevo ao tema pertinente à reserva do possível (STEPHEN

HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, The CostofRights, 1999, Norton, New

York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre

onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais

e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige,

deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas

individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos,

sociais e culturais além de caracterizar-se pela gradualidade de seu

processo de concretização depende, em grande medida, de um

inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades

orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente,

a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se

poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a

imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não

se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese mediante

indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-

administrativa criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário

e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de

condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse

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modo, que a cláusula da reserva do possível ressalvada a ocorrência de

justo motivo objetivamente aferível não pode ser invocada, pelo Estado,

com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações

constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental

negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de

direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial

fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE

BARCELLOS (A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, p.

245-246, 2002, Renovar): Em resumo: a limitação de recursos existe e é

uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la

em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente,

assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado.

Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter

recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de

serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os

objetivos fundamentais da Constituição.A meta central das Constituições

modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já

exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está

em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da

proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de

existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o

mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos

prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se

poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros

projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado

ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver

produtivamente com a reserva do possível. (...) (STF - ADPF: 45 DF,

Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 29/04/2004,

Data de Publicação: DJ 04/05/2004. PP-00012 RTJ VOL-00200-01PP-

00191)(grifo nosso).

A partir desta decisão, o ministro inaugurou entendimento no STF de que os

direitos sociais, sejam positivos ou negativos, são exigíveis do Poder Público,

tornando-se, assim, um leading case para as demais decisões proferidas em outras

instâncias, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação civil pública. Direito à saúde.

Implementação de políticas públicas como mecanismo de consolidação

da cidadania. O atendimento do comando constitucional consistente em

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disponibilizar aos indivíduos as prestações sociais positivas a que fazem

jus é conduta estatal que se materializa por meio políticas públicas de

efetivação de direitos sociais que hão de levar em conta diretrizes

teóricas, planejamentos e ações concretas que demonstrem a atuação do

Poder Público em prol dos anseios da sociedade. Separação dos poderes.

É da omissão, inércia, insuficiência ou insubsistência diagnosticada na

atuação do ente público que surge a possibilidade de a implementação ou

o controle de políticas públicas se dar por interferência do Poder

Judiciário, sem que isso signifique violação à separação dos poderes, na

esteira da fundamentação consignada no bojo da ADPF 45 e da

jurisprudência desta Corte. Ação civil pública que traz a lume mazelas

na estrutura do Município do Rio de Janeiro no que tange à

implementação da política pública de saúde mental, que de forma

insubsistente e insuficiente. Decisão interlocutória que se reforma para

conceder a antecipação parcial dos efeitos da tutela, determinando a

adoção de providências destinadas a assegurar a prestação no PAM

Rodolpho Rocco de serviço público em saúde mental em condições

adequadas e condignas. Provimento jurisdicional que não pode suprimir

a instância originária, sem prejuízo da concessão da tutela adequada.

Recurso a que se dá parcial provimento. (TJ-RJ - AI:

00635195620148190000 RJ 0063519-56.2014.8.19.0000, Relator: DES.

PAULO SERGIO PRESTES DOS SANTOS, Data de Julgamento:

04/02/2015, SEGUNDA CAMARA CIVEL, Data de Publicação:

25/02/2015 16:57) (grifo nosso).

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO

REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA

DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER

EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional

indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas,

impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que

possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder

Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando

inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem

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que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do

Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido”. (STF

AI 734487 AgR / PR - PARANÁ . AG.REG. NO AGRAVO DE

INSTRUMENTO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:

03/08/2010 . Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe-154

DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010)

Portanto, o posicionamento majoritário atual é o de o Estado não pode

simplesmente alegar ausência de recursos materiais para a realização dos direitos

sociais, posto que estamos diante de direitos cujo conteúdo compõe o substrato

mínimo de que os cidadãos necessitam para viver e se desenvolver dignamente como

indivíduos.

Da mesma forma, foi firmado o entendimento que, a despeito de não ser sua

função típica, o Poder Judiciário pode, eventualmente, elaborar e determinar a

realização de políticas públicas nos casos de omissão/inércia dos órgãos

competentes, sem que haja, todavia, violação ao Princípio da Separação dos Poderes.

O fato é que a discussão ainda paira sobre até que ponto essa ampla

interferência do Poder Judiciário é benéfica para o ordenamento jurídico, já que fica

evidente que este fica sobrecarregado de demandas que buscam a coerção dos outros

poderes a legislar e executar medidas sociais na área da saúde.

2. O ativismo judicial no direito à saúde e as críticas à Judicialização

excessiva

A notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como a

deficiência no fornecimento gratuito de medicamentos, os quais são demasiadamente

caros para boa parte da população, tem feito a sociedade brasileira socorrer-se, com

êxito até o presente momento, das tutelas de saúde para a efetivação do seu

tratamento médico, através de provimentos judiciais liminares, fenômeno esse

denominado de “Judicialização” da Saúde (PRETEL, 2010).

Primeiramente, antes de adentrar o mérito da discussão, se faz necessário

trazer a definição de Judicialização para melhor elucidarmos o assunto. Nesse

sentido, o jurista Luís Roberto Barroso traz uma brilhante e objetiva definição do

termo, senão vejamos:

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Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão

política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário,

e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o

Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da

República, seus ministérios e a administração pública em geral

(BARROSO, 2012, p. 24).

Com efeito, aplicando o excerto acima ao tema em questão, observa-se que

as preocupações com as premissas e os desdobramentos da efetivação do direito à

saúde tem se deslocado das esferas Legislativas e Executivas para a Judiciária.

Nessa mesma linha teórica, necessário destacar também a interface entre a

Judicialização e o termo ativismo judicial. Para Barroso (2012, p. 25), “a ideia de

ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do

Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior

interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.

Neste ínterim, nota-se que o Poder Judiciário tem ganhado notoriedade por

meio de decisões judiciais voltadas à determinação de situações específicas, que, por

motivos diversos, não foram abarcadas pelas políticas sociais destinadas ao coletivo.

Portanto, conclui-se que as expressões Judicialização e ativismo judicial

caminham juntas na problemática da saúde pública brasileira, tentando remediar

aquilo que foi olvidado ou desprezado pelos demais órgãos competentes.

Contudo, é necessário ressaltar que, obviamente, não é toda e qualquer

demanda que será atendida pelo Judiciário, há uma pequena seleção a ser feita já que

é impossível atender a todos os cidadãos que reclamam pela saúde pública precária

no Brasil.

Nesse sentido, o Judiciário procura estabelecer grupos de direitos

fundamentais prioritários para destinar os recursos públicos através das políticas

sociais e econômicas. Dentro desse primeiro grupo de prioridades está a saúde

pública, segundo explica AVILA (2014):

As Políticas públicas relacionadas aos direitos fundamentais

constitucionais dividem-se em razão de sua essencialidade. No primeiro

grupo estão àquelas interligadas ao adimplemento do princípio da

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dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial (políticas públicas

constitucionais essenciais), estando submetidas ao controle material do

Judiciário, pois determinadas matérias, em razão de sua importância, não

podem ser reguladas apenas por um determinado Poder Estatal, devendo

sofrer um juízo de suficiência e adequação pelo Judiciário.

A partir do excerto acima, evidenciamos que o Poder Judiciário faz um

trabalho de controle constitucional para concretizar as promessas constitucionais de

saúde universal e igualitária a todos.

Assim, é através do controle de constitucionalidade que o Judiciário se

incorpora as escolhas que, a princípio, seriam de competência de outro Poder, sendo

que ao agir por esse respaldo, consegue livremente expor suas próprias convicções a

respeito do tema e decidir o destino de muitos brasileiros que se socorrem dele.

O grande impasse é que a cada decisão judicial proferida visando a atender

as necessidades individuais imediatas de jurisdicionados, o Poder Judiciário impede,

de maneira geral, a otimização dos recursos estatais no tocante à saúde pública, pelo

menos é o que parte dos estudiosos sobre o tema dizem.

Em matéria recentemente divulgada pelo Portal da Saúde, o ministro da

Saúde, Marcelo Castro, na cerimônia de abertura do evento “Diálogo Público:

Judicialização da Saúde no Brasil”, promovido pelo Tribunal de Contas da União

(TCU), revelou dados que demonstram os gastos do Ministério da Saúde com

demandas judiciais.

Segundo o ministro, desde 2010, houve um aumento de 500% nos gastos na

área da saúde com medicamentos, insumos, equipamentos, realização de cirurgias,

entre outros, devido às demandas judiciais, percentual este equivalente a mais de R$

2,1 bilhões de reais dispensados somente no período de 2010 a 20143.

Porquanto, tais dados corroboram a tese defendida pelos que são contrários

ao ativismo judicial, alegando que o caráter imediatista do cumprimento das decisões

                                                              

3Disponível em:< http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20195-em-cinco-anos-mais-de-r-2-1-bilhoes-foram-gastos-com-acoes-judiciais>

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judiciais leva ao desperdício de recurso público, vez que os gastos não são

planejados.

Certamente, esta não é a única crítica feita ao excesso de judicialização. A

questão da legitimidade democrática também é bastante invocada nesses casos, posto

que, na verdade, caberia ao povo, na forma de seus representantes, decidir sobre o

direcionamento do orçamento público.

Nessa mesma linha, BARROSO (2008)alimenta essa ideia em seu texto,

afirmando que:

(...) é discutível a legitimidade daqueles que não possuem delegação

popular para fazer opções de gastos. Quando há investimentos

dispensáveis ou suntuosos, não há maiores problemas. O mesmo não se

diga, porém, quando se está a optar por gastos sociais de igual status,

como educação e saúde. Além disso, o que definiria a prioridade de

atendimento: a distribuição do processo? O melhor advogado? A

celeridade do juízo? São indagações que, sem dúvida, tornam a questão

complexa.

Inclusive, nesse mesmo raciocínio, alguns estudiosos entendem que o direito

à saúde, garantido no artigo 196 da Constituição Federal, seria contemplado por meio

de políticas sociais e econômicas e, não através de decisões judiciais, tornando-se

este outro impasse para o Judiciário, já que a efetivação do direito à saúde é, portanto,

função dos órgãos executores de políticas públicas.

Por outro lado, outra crítica à exacerbada Judicialização do direito à saúde é

no tocante ao conhecimento técnico específico imprescindível para a instituição de

políticas de saúde, o qual o Poder Judiciário não possui, pois, ainda que instruído por

laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria capaz de rivalizar com a visão ampla

da Administração Pública.

BARROSO (2008) ainda complementa a assertiva acima no sentido de

afirmar que:

(...) nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou

condições de avaliar, sobretudo em demandas individuais, a realidade da

ação estatal como um todo. Preocupado com a solução dos casos

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concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz

fatalmente ignora outras necessidades relevantes e a imposição

inexorável de gerenciar recursos limitados para o atendimento de

demandas ilimitadas: a macro-justiça. Ou seja: ainda que fosse legítimo

o controle jurisdicional das políticas públicas, o jurista não disporia do

instrumental técnico ou de informação para levá-lo a cabo sem

desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas

globalmente considerado.

Com efeito, em última análise resta o receio dos opositores ao fenômeno do

ativismo judicial de surgirem decisões sem critérios bem definidos pelos Tribunais,

no sentido de conceder liminares por de trás de um sentimentalismo arraigado à

essência de proteção dos direitos fundamentais, com o intuito de prevalecimento das

decisões judiciais em detrimento das políticas públicas.

Nesse ínterim, Ruiz (2014, p. 24) alerta para os cuidados que se deve ter com

o subjetivismo judicial:

O ativismo parte dessa ideia, de um descompasso entre a atuação judicial

e os limites dos poderes que a Constituição atribui ao Poder Judiciário.

Este vai além dos limites das determinações constitucionais. O

subjetivismo dos magistrados, no momento da decisão, dá o tom de como

o ativismo atua, sem parâmetros para barrar a decisão que sairá, decisão

que fica ao bel prazer do juiz, indo, muitas vezes, além daquilo que o

próprio ordenamento delimita como direito. E assim acontecendo, não

temos uma instituição que promove a justiça, mas sim, heróis que

comprovem aquilo que acham justo.

Porém, no tocante ao fornecimento de medicamentos, por exemplo, Barroso

(2008) sugere alguns parâmetros em sua obra capazes de evitar essa subjetividade e

orientar as decisões judiciais no sentido de apenas incluir na lista do SUS os fármacos

com eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e alternativos, bem como

permitir a utilização daqueles que são derivados de substâncias disponíveis em

território nacional e, de preferência, os de menor custo (genéricos).

Não obstante, apesar de todo o exposto até agora, sabemos que o Brasil não

é um país de grande demanda legislativa e executiva direcionada à população.

Políticas públicas e regulamentação existem, no entanto, não o suficiente para

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atender adequada e dignamente a todos. E é nesse contexto que a Judicialização

ganhou força, já que tenta “cobrir” esse déficit.

Portanto, acredita-se que o Judiciário hoje abrange aquilo que há tempos tem

sido esquecido: a implementação de ações sociais. Definitivamente, a Judicialização

não é a melhor saída para resolver as mazelas da sociedade brasileira, todavia, tem

sido o único meio eficaz de se obter uma resposta célere e efetiva na realização das

garantias constitucionais.

Todos os percalços já citados são, basicamente, preocupações com o exagero

de poder nas mãos de um seleto grupo pressionado pelo clamor social, a fim de se

contemplar o que está descrito na Constituição Federal.

Todavia, é uma ilusão acreditar que sozinho o Judiciário conseguirá abarcar

todos os problemas sociais acarretados pela inefetividade das políticas públicas e

serviços do Estado. Um dado momento, como de fato já ocorre, a prestação

jurisdicional também entrará em colapso pelo exorbitante número de demandas

judiciais nesse sentido, e aí resta saber a quem a população se socorrerá.

Dessa forma, assim como cita Ribeiro (2013, p. 29), “a sociedade não espera

do sistema político nem do Judiciário. A sociedade faz e acontece, e depois demanda

e aguarda pela solução dos problemas.” Portanto, os entraves de hoje no fenômeno

da Judicialização do direito a saúde são reflexos da dinamicidade da sociedade, o que

demonstra a sua transitoriedade, já que em breve essa discussão pode ser substituída

por outro acontecimento jurídico.

Considerações Finais

Conforme explanado no texto, o direito à saúde se insere na órbita dos direitos

sociais constitucionalmente garantidos, os quais exigem um múnus prestacional do

Poder Público no sentido de efetivar as promessas de acesso universal e igualitário a

todos.

Apesar de existir programas sociais que visam a atender a saúde pública,

infelizmente, nota-se, hodiernamente, certa relutância dos entes políticos em relação

a estas ações sociais, alegando, principalmente, possuir baixo fundo orçamentário

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específico para suprir toda a demanda social que lhe foi incumbida pela Constituição,

em razão do princípio da reserva do possível.

Desse modo, o Poder Judiciário, dentre tantas as outras funções que lhe são

atribuídas pela Constituição Federal, é invocado neste caso para, atuando em

conformidade com o texto constitucional, efetivar o direito à saúde no contexto

brasileiro em seu mínimo existencial, fato este que é denominado de Judicialização.

Por todo o exposto, evidenciamos uma corrente antagonista a esse fenômeno

hodierno, a qual expõe os entraves da Judicialização na efetividade da saúde pública.

No entanto, a despeito de acreditarem que o Judiciário tem atuado em demasia, na

verdade, se vê que essa questão é baseada na vontade popular, já que todo o

ordenamento jurídico e as medidas sociais são feitos para a população.

Sendo assim, é necessário se pensar que os questionamentos sobre o ativismo

judicial são efêmeros, pois em breve é possível que o Poder Judiciário não mais esteja

em evidência como atualmente e, em outro poder se concentre essa discussão, motivo

pelo qual a reflexão é válida para orientar os novos rumos do direito à saúde.

Referências Bibliográficas

AVILA, Kellen Cristina de Andrade. O controle judicial das políticas públicas. Conteúdo Juridico, Brasilia-DF: 04 mar. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.47240&seo=1>. Acesso em: 14/05/2016.

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn]Thesis, Rio de Janeiro, vol.5, nº 1, 2012, p.23-32.

______. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial.Migalhas. 21 já. 2008.Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI52582,81042-Da+falta+de+efetividade+a+judicializacao+excessiva+Direito+a+saude> Acesso em: 08/05/2016.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 03/05/2016.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento 734487 PR. Relatora: Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 03/08/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe- 19-08-2010 Public. 20-08-2010.

BRASIL.Supremo Tribunal Federal.ADPF 45/DF. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Data de Julgamento: 29/04/2004. Data de Publicação: DJ 04/05/2004. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14800508/medida-cautelar-em-arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf-45-df-stf> Acesso em: 14/05/2016.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro-RJ.Agravo de Intrumentonº 00635195620148190000. Relator: DES. PAULO SERGIO PRESTES DOS SANTOS, Data de Julgamento: 04/02/2015, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 25/02/2015. Disponível em: <http://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/169553114/agravo-de-instrumento-ai-635195620148190000-rj-0063519-5620148190000> Acesso em:17/05/2016.

MORAIS, José Luis Bolzan de; NASCIMENTO, Valéria Ribas do. O Direito à saúde e os “limites” do estado social: Medicamentos, políticas públicas e judicialização. NEJ. Vol. 12, n 2, p. 251-266. jul-dez 2007.

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SARLET, Ingo Wolfgang; Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel.Curso deDireito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE DIREITO E PROCESSO TRIBUTÁRIOS

EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NOS CRIMES CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA

Priscila Maia Barreto dos Santos Matr.: 1414307

Fortaleza - CE

Novembro, 2015

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PRISCILA MAIA BARRETO DOS SANTOS

EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NOS CRIMES CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA

Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista (Pós-Graduação lato sensu) em Direito e Processo Tributários, sob orientação de conteúdo da Professor ELISBERG BESSA.

Fortaleza - Ceará 2015

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Que toda honra e toda glória seja dada ao Senhor.

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4  

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela sua constante presença em minha vida renovando-me a cada dia.

Ao professor e orientador Elisberg Bessa pelo ensinamento e dedicação dispensados no

auxílio à concretização deste trabalho. Aos demais mestres do curso de direito pelos

ensinamentos disponibilizados durante aulas e estágios.

A toda minha família, em especial ao meu marido, que sempre prestou apoio em tudo,

enchendo-me de palavras positivas durante o transcorrer deste árduo caminho, contribuindo

decisivamente para o alcance de tão almejado objetivo.

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5  

“O homem sábio é forte, e o homem de conhecimento consolida sua força.”

Provérbios 24,5

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade contribuir com a discussão sobre a extinção da punibilidade nos crimes tributários e sua consequência na esfera tributária e penal, tendo como fundamento a evolução legislativa sobre o tema, discussões doutrinárias e o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, foram analisadas as jurisprudências mais recentes emanadas por referida Corte. Para alcançar tal objetivo foi utilizado a pesquisa básica (quanto ao ponto de vista da sua natureza), pois a finalidade era o de satisfazer uma necessidade intelectual pelo conhecimento. Em relação ao nível, optou-se pela pesquisa exploratória. Quanto a abordagem, a pesquisa é qualitativa, pois foram analisados o teor dos decisórios produzidos pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Do estudo, constatou-se que o entendimento majoritário da Cúpula é no sentido de ser possível a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária pelo pagamento integral da dívida, podendo este ser realizado em qualquer momento da ação penal.

Palavras-chave: Crédito Tributário. Extinção da Punibilidade. Crimes contra a ordem

tributária.

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7  

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

1 CRÉDITO TRIBUTÁRIO ..................................................................................................... 12

            1.1 Extinção do Crédito tributário..............................................................................................13 

2 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ....................................................................................... 19

2.1 Condições objetivas de punibilidade.............................................................................20

2.2 Hipóteses de Extinção da Punibilidade do artigo 107 do Código Penal ...................... 21

3 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO .................................................. 28

CONCLUSÃO..................................................................................................................42

REFERÊNCIAS........................................................................................................................44

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10  

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico consiste num estudo sobre a evolução legislativa,

discussão doutrinária e o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a extinção da

punibilidade nos crimes tributários e sua consequência na esfera tributária e criminal.

A carga tributária brasileira é umas das mais elevadas, em razão disso, muitas

pessoas praticam sonegação fiscal, deixando de pagar seus tributos devidos. Inúmeras são as

demandas judiciais referentes à execução de dívidas oriundas da sonegação fiscal e também

referentes aos processos criminais nos quais se busca a punição penal de cada um destes

agentes.

Nos processos de cunho criminal é que surge a discussão acerca da extinção da

punibilidade pelo pagamento ou parcelamento da dívida, o que acaba por refletir nos

processos tributários em tramitação na esfera cível.

Na doutrina e na jurisprudência encontram-se diversos entendimentos conflitantes

acerca da matéria. Inclusive na cúpula do Supremo Tribunal Federal há divergência acerca da

possibilidade de extinguir-se a punibilidade pelo pagamento integral da dívida ou até mesmo

pelo parcelamento desta. Trata-se, portanto, de um tema bastante polêmico.

Assim, alguns questionamentos surgem para os operadores do direito, entre eles: o

pagamento do crédito tributário extingue a punibilidade? qual entendimento adotado pelo

Supremo Tribunal Federal? Para a Corte, o pagamento integral da dívida e o parcelamento

extinguem a punibilidade em crimes contra a ordem tributária? E até que momento da

persecução penal podem ser efetuados?

O objetivo deste trabalho foi então analisar o tema de uma maneira completa no que

toca as leis aplicadas ao tema, discussão entre os doutrinadores e o entendimento do Supremo

Tribunal Federal acerca da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. Para

tanto, estudou-se a forma de constituição do crédito tributário, apresentando breves

disposições acerca das modalidades de crédito tributário, bem como as modalidade de

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extinção da punibilidade e ao fim a junção dos dois institutos em relação aos crimes contra a

ordem tributária.

Em relação ao tipo de pesquisa utilizada, quanto ao ponto de vista da sua natureza, a

pesquisa em voga é considerada básica; quanto ao nível, optou-se pela pesquisa exploratória;

quanto à abordagem, a pesquisa é qualitativa, pois foram analisados o teor dos decisórios

produzidos pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema do artigo científico.

No tocante ao procedimento, adotou-se, principalmente a pesquisa documental,

porquanto o estudo será baseado em fonte primária para a coleta de dados, qual seja, as

jurisprudências do Supremo Tribunal Federal. Acessoriamente, será adotada a pesquisa

bibliográfica, tendo em vista que também serão realizadas consultas em livros e leis, para o

desenvolvimento do trabalho científico.

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12  

1. CRÉDITO TRIBUTÁRIO

A conceituação de crédito tributário não foi trazida pelo Código Tributário Nacional,

logo é tema que gera discussão da doutrina. Na terminologia dele, a expressão crédito

tributário não é sinônima de obrigação tributária, embora tenha a mesma natureza. O artigo

139 desse diploma prevê “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma

natureza desta.”

Existem duas teorias sobre o nascimento do crédito tributário. A primeira é a Teoria

Monista que afirma que o crédito tributário, por ser elemento da obrigação tributária e possuir

sua mesma natureza, nasce no mesmo momento desta. Já a Teoria Dualista preconiza que a

obrigação nasce com a ocorrência do fato gerador, e o crédito tributário irá nascer apenas com

o lançamento. Baseado nessa teoria, até o momento do lançamento, a obrigação tributária é

obrigação sem crédito. A Teoria Dualista é majoritariamente aceita na doutrina tributarista e

foi adotado pelo Código Tributário Nacional. De acordo com Hugo de Brito Machado,

podemos conceituar o instituto assim: “O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de

natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o

contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade

pecuniária (objeto da relação obrigacional).” (2011, pag. 173, curso de direito tributário)

O crédito tributário nasce da obrigação e é consequência dela. A obrigação tributária é

autônoma em relação ao crédito tributário que dela resulta. O artigo 140 do Código Tributário

Nacional dispõe que: “As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou

seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua

exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem.”. Nesse caso, a

modificação do crédito tributário não reflete na obrigação tributária, que lhe pode sobreviver.

Com isso, se o lançamento for suspenso ou anulado, a obrigação principal irá subsistir.

Eduardo Sabbag faz considerações acerca do tema:

“O crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico-tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário, o que nos permite defini-lo como uma obrigação tributária “lançada” ou, com maior rigor

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terminológico, obrigação tributária em estado ativo.” (pag. 737, 2010, manual de direito tributário.)

Nesse diapasão, o lançamento é o instrumento que confere à obrigação tributária sua

exigibilidade, quantificando-as e qualificando-a. Se a obrigação tributária for ilíquida e

inexigível, irá carecer dos atributos de certeza e liquidez, que se dão pela atuação do Fisco,

através do lançamento. Com a formalização deste, não podemos mais falar em obrigação

tributária, mas sim, em crédito tributário. Na definição do artigo 142 do Código Tributário

Nacional,

“Lançamento tributário, portanto, é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando se for o caso, a aplicação cabível.”

Doutrinadores como Aliomar Baleeiro assim abordam o tema:

“Na doutrina, o lançamento tem sido definido como o ato, ou a série de atos, de competência vinculada, praticado por agente do Fisco, para verificar a realização do fato gerador em relação a determinado contribuinte, apurando qualitativa e quantitativamente o valor da matéria tributável; segundo a base de cálculo, e, em consequência, liquidando o quantum do tributo a ser cobrado.” (pag. 782, direito tributário brasileiro, 2007.)

Hugo de Brito Machado (2011, p. 175) ensina que o lançamento é constitutivo do

crédito tributário e apenas declaratório da obrigação correspondente.

1.1. Extinção do crédito tributário

Extinção do crédito tributário é o desaparecimento deste. As hipóteses de extinção do

crédito tributário é matéria compreendida na reserva legal, portanto, só a lei pode estipular os

casos em que se verifica. No entanto, pode haver causas extintivas em outros diplomas legais

afora o Código Tributário Nacional, que se aplicam em matéria tributária.

O Código Tributário Nacional define as modalidades extintivas do crédito tributário.

Essas modalidades podem ser subdividas em diretas, indiretas e de caráter processual. As

modalidades diretas são aquelas que independem de lei autorizativa para se concretizar.

Temos como exemplo o pagamento, a prescrição, a decadência e a homologação do

pagamento antecipado. A previsão dessas hipóteses no Código Tributário Nacional já o

suficiente para sua existência ser regulada. Dessa forma, embora não exista legislação

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referente a esse assunto no ordenamento do ente tributante, ainda assim, essa hipótese poderá

ser aplicada.

Nas modalidades indiretas, o Código Tributário Nacional confere aos entes políticos

liberdade para implementar políticas tributárias que prevejam a compensação, a transação, a

remissão e a dação em pagamento em bens imóveis como modalidades de extinção do crédito

tributário, desde que a previsão desses institutos seja feita por meio de lei autorizativa. Com

isso, compreende-se que as modalidades indiretas dependem da vontade legislativa do ente

tributante para ser concretizarem.

Finalmente, as modalidades de caráter processual são aquelas que necessitam de um

litígio, pois só ocorrem no interior de um processo administrativo ou judicial. São as hipóteses

de: conversão de depósito em renda, a consignação em pagamento, a decisão administrativa

irreformável e a decisão judicial passada em julgado.

O artigo 156 do Código Tributário Nacional arrola doze formas de extinção do crédito

tributário, a saber: a) o pagamento; b) a compensação; c) a transação; d) remissão; e) a

decadência; f) a prescrição; g) a conversão do depósito em renda; h) o pagamento antecipado

e a homologação do lançamento; i) a consignação em pagamento; j) a decisão administrativa

irreformável; l) a decisão judicial passada em julgado; m) a dação em pagamento de bens

móveis. Esse rol não é taxativo, conforme já mencionado. Podem decorrer de outras causas.

1.1.1. PAGAMENTO

É a forma ordinária, usual, de extinção do crédito tributário. O pagamento corresponde à

entrega, pelo sujeito passivo ou qualquer outra pessoa em seu nome, ao sujeito ativo, de

quantia referente ao objeto do crédito tributário. Em relação às penalidades, Luciano Amaro

ensina que:

“A circunstância de o sujeito passivo sofrer imposição de penalidade (por descumprimento de obrigação acessória, ou por falta de recolhimento de tributo) não dispensa o pagamento integral do tributo devido, vale dizer, a penalidade é punitiva da infração à lei; ela não subsiste ao tributo, acresce-se a ele, quando seja o caso. O art. 157 diz que a penalidade não ilide o pagamento integral do “crédito tributário”, mas como, na conceituação dos arts. 113, §1º, e 142, a obrigação principal e o crédito tributário englobariam a penalidade pecuniária, o que o Código teria de ter dito, se tivesse a preocupação de manter sua coerência interna, é que a penalidade não ilide o pagamento integral “do tributo”, pois não haveria sequer possibilidade lógica de uma penalidade excluir o pagamento de quantia correspondente a ela mesma.” (pagina 417, 2011, direito tributário brasileiro, Luciano amaro)

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Assim, compreende-se que, o fato de o sujeito passivo sofrer uma penalidade não o

desobriga de pagar o tributo. Quando uma infração é cometida, o valor da penalidade deverá

ser acrescido ao valor do tributo devido. Vale dizer, não há substituição do tributo pela multa,

elas devem ser somadas.

1.1.2. COMPENSAÇÃO

Compensação é o encontro de débitos e créditos. Ela é conceituada no Código Civil de

2002. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra, as duas

obrigações se extinguem, até onde se compensarem. No direito tributário, também tem

aplicação, mas será restrita aos casos em que a lei expressamente preveja. Assim, se o sujeito

passivo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual será extinta

sua obrigação, isto é, o crédito tributário.

1.1.3. TRANSAÇÃO

Transação é sinônimo de acordo. Esse instituto também tem previsão no Código Civil,

que afirma que é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígio mediante

concessões mútuas. Assim, cada parte irá ceder o que entende ser o seu direito para

conseguirem alcançar um acordo, podendo assim, evitar um conflito ou pondo fim se já um

iniciado. De acordo com o CTN, em seu artigo 171, a lei pode facultar, nas condições que

estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que,

mediante concessões mutuas, importe em terminação de litígio e consequente extinção do

crédito tributário.

1.1.4. REMISSÃO

Remissão é perdão, dispensa de débito. Deve ser concedida pela autoridade

administrativa que a lei expressamente prevê. Pode também ser concedida pela lei. Assim, só

é possível remissão mediante autorização legal expressa e específica.

1.1.5. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO

A prescrição e a decadência buscam realizar o princípio da segurança jurídica, pois não

é razoável a permanência das relações jurídicas por tempo indeterminado. Em razão disso, a

lei prevê a extinção das relações jurídicas pelo decurso do tempo. A distinção existente entre a

decadência e a prescrição é que na primeira a extinção da relação jurídica tributária ocorre

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antes do lançamento, já a prescrição extingue a relação jurídica tributária após a formalização

do lançamento. Hugo de Brito Machado distingue assim,

“A distinção entre prescrição e decadência na Teoria Geral do Direito fica mais clara quando partimos da distinção entre o direito potestativo e o direito a uma prestação. Direito potestativo é aquele cuja satisfação depende apenas do credor; enquanto direito a uma prestação é aquele cuja satisfação ocorre com uma prestação que depende do devedor. Decadência é a extinção, pelo decurso do tempo, de um direito a uma prestação – ou, como preferem alguns, a extinção da ação que o protege porque se destina a assegurar sua satisfação.” (pagina 220, 2011, hugo de brito machado, curso de direito tributário)

Prescrição é o fato jurídico que determina a perda do direito subjetivo de ajuizamento da

ação de execução fiscal do valor do tributo. Vale dizer que a prescrição, veiculando a perda

do direito à ação, atribuída a proteção de um direito subjetivo e, por isso mesmo, desfazendo a

força executória do credor em razão de sua inoperância, apresenta-se como figura de direito

processual. Ocorrendo a prescrição, o direito de pleitear a intervenção do Poder Judiciário

desaparece, em virtude da ausência de capacidade defensiva, pois ela perdeu pelo

esgotamento do lapso temporal. Portanto, ocorrendo a prescrição, nula será a ação executiva e

o crédito tributário será extinto. O Supremo Tribunal Federal adota esse entendimento, como

foi explanado no acórdão extraído do ERE n. 94.462-1/SP, de lavra do Ministro Moreira

Alves, em 6 de outubro de 1982:

EMENTA: Com a lavratura do auto de infração, consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 142 do CTN). Por outro lado, a decadência só é admissível no período anterior a essa lavratura; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que tenha se valido o contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude o artigo 174, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do fisco. (RE 94.462/SP-1982, Pleno, rel. Min. Moreira Alves, j. 06-10-1982).

Vale mencionar a Súmula n. 153 do TRF: “Constituído, no quinquênio, através de auto

de infração ou notificação do lançamento, o crédito tributário, não há que se falar em

decadência, fluindo, a partir daí, em princípio, o prazo prescricional, que, todavia, fica em

suspenso, até que sejam decididos os recursos administrativos”.

A ação de cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de

sua constituição definitiva. Com isso, a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para

cobrar judicialmente aquele crédito tributário. Esse prazo começa a transcorrer da constituição

definitiva do crédito, que é da data em que a Fazenda Pública não possa mais discutir aquele

crédito em procedimento administrativo. Se a Fazenda Pública se mantiver inerte durante esse

prazo, não poderá mais efetuar a cobrança do crédito devido. De acordo com Hugo de Brito

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Machado (pag. 223, 2011), “Na Teoria Geral do Direito a prescrição é a morte da ação que

tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas

sem proteção.”

1.1.6. CONVERSÃO DE DEPÓSITO EM RENDA

Quando o contribuinte quiser discutir em juízo a exigência de um tributo, ele pode

efetuar o depósito do valor correspondente. Nesse caso, ocorrerá a suspensão da exigibilidade

do crédito tributário. E ao final da ação, ocorrendo o trânsito em julgado, caso a decisão seja

favorável à Fazenda Pública, o juiz mandará converter o depósito em renda.

Consequentemente, ocasionará a extinção do crédito tributário.

1.1.7. PAGAMENTO ANTECIPADO E HOMOLOGAÇÃO DO

LANÇAMENTO

Ocorre um tipo de lançamento que é conhecido por lançamento por homologação.

Nesse caso, o sujeito passivo efetua o pagamento do tributo com base na apuração que ele

próprio faz. Diz-se, portanto, que o pagamento foi antecipado, porque ele ocorre antes do

lançamento ser feito.

No referido tipo de lançamento, a extinção do crédito do tributário não ocorre apenas

com o pagamento, pois é necessário que haja a homologação do pagamento, que pode ser

expressa ou tácita.

1.1.8. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO

Com base no artigo 164 do Código Tributário Nacional, a ação de consignação em

pagamento pode ser proposta nos casos de: a) recusa de recebimento, ou subordinação deste

ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;

b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem

fundamente legal; c) exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo

idêntico sobre o mesmo fato gerador.

João Marcelo Rocha (2008, pag. 473) traz algumas distinções entre os institutos da

consignação em pagamento com o depósito do montante integral,

“A ação de consignação se exerce através de um processo, cujo procedimento é especial e regulado pelo Código de Processo Civil. Em outras palavras, a ação de

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consignação materializa-se num procedimento, que significa um conjunto de atos praticados segundo a ordem prevista em lei: oferecimento da petição inicial, depósito, citação, resposta da ré (ou rés), produção de provas (se for o caso), sentença, etc. O depósito do montante integral é um mero ato processual, que pode ocorrer em processo administrativo ou judicial, em que se discute aspectos relacionados à certeza ou à liquidez do crédito.”

Outra distinção existente é que a consignação em pagamento é hipótese de extinção do

crédito tributário, já o depósito do montante integral é suspensão da exigibilidade do crédito

tributário. Logo, nota-se que esses institutos não se confundem.

1.1.9. DECISÃO ADMINISTRATIVA IRREFORMÁVEL

Trata-se da decisão em que a própria Administração confirma que, em última instância,

a exigência feita ao contribuinte não é juridicamente procedente, pois aquele crédito tributário

não tem fundamento jurídico para ser questionado. A decisão deve ser irreformável, ou seja,

será definitiva na esfera administrativa. Assim, a decisão está impossibilitada de ser

reexaminada pela Administração e que não pode ser mais objeto de ação anulatória.

1.1.10. DECISÃO JUDICIAL PASSADA EM JULGADO

A decisão judicial que disponha que o lançamento é inválido extingue o crédito

tributário, necessitando do seu trânsito em julgado. O trânsito em julgado ocorre quando

aquela decisão não é mais passível de recurso.

Hugo de Brito Machado (2011, pag. 228) preleciona que,

“Na verdade a decisão judicial, como a administrativa, o que faz é anular o lançamento. Já feito, ou em elaboração. É notável a diferença entre a extinção de um crédito tributário validamente constituído e o desfazimento do procedimento de constituição de um crédito tributário sem efetivo suporte legal. No primeiro caso, há extinção da respectiva obrigação tributária. No segundo, extingue-se apenas o crédito, como realidade formal.”

1.1.11. DAÇÃO EM PAGAMENTO

A dação em pagamento ocorre, quando o credor, no caso o Estado, aceitar receber algo

distinto de dinheiro, para solver a dívida que lhe é devida. É o pagamento que é feito através

da entrega de algum bem ou direito, que não seja dinheiro em espécie.

De acordo com Leandro Paulsen (2013,, pag. 1109), “A dação em pagamento implica a

entrega de bens pelo contribuinte para a quitação dos débitos tributários. Tendo em conta que

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a obrigação tributária é sempre em dinheiro, faz-se a avaliação do bem para fins de imputação

na dívida do contribuinte.”

Alguns doutrinadores entendem que houve um retrocesso nesse dispositivo do Código

Tributário Nacional, pois o Estado precisa de dinheiro em pecúnia para solver suas despesas.

Assim dispõe João Marcelo Rocha (2008, pag. 475),

“A nossa ver, o tributo deve ser, na economia moderna, uma prestação exclusivamente pecuniária, eis que, para sustentar as despesas decorrentes das atribuições estatais (educação, saúde, infra-estrutura, segurança, etc.), o Estado carece de dinheiro em espécie. Pensamos que tal mudança no CTN significa um retrocesso.”

De toda sorte, esse novo dispositivo traz um impacto na definição de tributo. Pois, trata-

se, então, de uma prestação pecuniária, mas que, em algumas situações, pode ser paga em

bens imóveis.

.

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2 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

A punibilidade nasce com a prática de uma conduta típica, antijurídica e culpável pelo

agente. É a consequência natural da prática de uma infração penal. Toda vez que o sujeito

infringe o direito penal objetivo, o Estado pode se utilizar do seu ius puniendi. Ocorre que, em

épocas passadas, o sistema era totalmente distinto, conforme ensinam Antônio Carlos de

Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2015, pag. 11)

“nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer leis (normas gerais e abstratas imposta pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedissem de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressadas.”

Com isso, nota-se a evolução do sistema de resolução de conflitos, que se iniciou com a

autotutela, em que os próprios indivíduos resolviam seus conflitos, até a fase atual da

jurisdição, em que houve a entrega ao Estado do litígio, para que um terceiro imparcial decida

sobre o deslinde da questão.

Quando alguém pratica uma infração penal, o Estado é atingido, ainda que

indiretamente, pelo comportamento delituoso. Porque o Estado tem por escopo manter a paz

social entre os indivíduos. Logo, o Estado deve punir o sujeito que praticou a infração penal

para que ele não volte a delinquir, para que sirva de exemplo para o restante da sociedade, e

para que ele possa se ressocializar.

A punibilidade vem como resultado da responsabilidade penal do réu pelo crime que

cometeu, dela decorre o direito de o Estado fazer cumprir a pena. Cezar Roberto Bitencourt

(1999, p. 394) entende que “A punição é a consequência natural da realização da ação típica,

antijurídica e culpável. Porém, após a prática do fato delituoso podem ocorrer as chamadas

causas extintivas, que impedem a aplicação ou execução da sanção respectiva.”

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Vale ressaltar que existem situações que o Estado pode perder o direito de punir. Essas

situações estão previstas no Código Penal como extinção da punibilidade. Quando ocorre a

extinção da punibilidade ela não atinge a infração penal em si, porque esta continua a existir,

mas pode ocorrer de o Estado estar impedido de exercer seu jus puniendi. Nesse sentido, as

causas de extinção de punibilidade implicam renúncia, pelo Estado, do exercício do direito de

punir, seja pela imposição da pena, seja pela não execução ou interrupção do cumprimento

daquela já aplicada.

Para Damásio de Jesus (2013, p. 721), “a punibilidade não é requisito do crime, mas sua

consequência jurídica. Os requisitos do crime, sob o aspecto formal, são o fato típico e ilícito,

sendo culpável o sujeito, faz surgir a punibilidade.”

O Código Penal trouxe em seu artigo 107, o rol das chamadas causas extintivas da

punibilidade. Esse rol não é taxativo, pois existem outras hipóteses ao longo de Código Penal

e em outras leis esparsas.

Vale destacar que, quando o juiz reconhecer extinta a punibilidade, em qualquer fase do

processo, deverá declará-la de ofício, assim preconiza o artigo 61 do Código de Processo

Penal.

2.1 Condições Objetivas de Punibilidade

A regra geral é que quando houver a prática de um crime, nasce a punibilidade. Sendo

que existem situações em que a punibilidade pode estar sujeita a determinadas circunstâncias,

chamadas de condições objetivas de punibilidade. A lei penal brasileira não trouxe disposição

legal expressa sobre essas condições. Elas possuem duas características: situam-se fora do

crime e estão fora do dolo do agente.

Podemos exemplificar essas condições como a sentença que decreta a falência ou que

concede a recuperação judicial ou extrajudicial em relação aos crimes previstos na Lei nº

11.101/2005. Julio Fabbrini Mirabete (2012, p. 374) faz a distinção desse instituto com as

escusas absolutórias.

“Não se confundem elas também com as chamadas escusas absolutórias, em que não se impõe a pena em casos especiais por circunstâncias pessoais do agente ou em decorrência de seu comportamento posterior, como nas hipóteses de isenção de pena previstas nos art. 181, incisos I e II e 348, §2º, imunidades referentes a crime contra o patrimônio e de favorecimento pessoal. Os efeitos dessas imunidades, porém, são idênticos aos das condições objetivas de punibilidade.”

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2.2 Hipóteses de Extinção da Punibilidade do Artigo 107 do Código Penal

2.2.1 MORTE DO AGENTE

A morte do agente extingue a punibilidade, em virtude do princípio da pessoalidade da

pena, assim nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Tal previsão se encontra no

artigo 5º, XLV, 1º parte da Constituição Federal de 1988. No entanto, os efeitos civis da

condenação transitada em julgado subsistem, pois as penas de reparação do dano e

perdimento dos bens podem ser estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o

limite da herança, que é o valor do patrimônio transferido. Previsão no artigo 5º, XLV, 2ª parte

da Constituição Federal de 1988.

A comprovação da morte do agente é através da certidão de óbito. O artigo 62 do

Código de Processo Penal prevê que, no caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da

certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.

É relevante mencionar que na prática é bastante comum a juntada aos autos de certidão

de óbito falsa. Assim, é importante que o membro do Ministério Público, antes de opinar pel

extinção da punibilidade, requeira ao magistrado que confirme a veracidade da certidão de

óbito juntada aos autos, expedindo ofício ao cartório de registro civil indicado no documento,

para que o tabelião confirme ratifique o documento.

Ocorre que mesmo após todas essas providências de cautela, pode ocorrer de o juiz

descobrir que a certidão é falsa, mesmo já ocorrendo o trânsito em julgado. Para a solução

dessa controvérsia nasceram duas correntes. A maioria da doutrina entende que, nesse caso, o

juiz deve apenas processar o agente pelo crime de falso, uma vez que o ordenamento jurídico

não aceita a revisão pro societate, logo a coisa julgada do processo anterior não poderia ser

desconstituída. Mirabete (2012, p. 377), nesse sentido,

“a decisão que decreta a extinção da punibilidade pela morte do agente, como nas demais hipóteses contempladas no artigo 107, transita em julgado. Assim, ainda que se demonstre a falsidade da prova do óbito, não pode ela ser revista, porque não existe em nosso direito revisão pro societate. Somente será possível intentar-se uma ação penal pelos crimes de falsidade ou de uso de documento falso.”

Já o Supremo Tribunal Federal adota posição contrária, entendendo que o despacho de

extinção da punibilidade não faz coisa julgada em sentido estrito, porque foi baseada em fato

juridicamente inexistente. Excertos do referido julgado:

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Revogação do despacho que julgou extinta a punibilidade do réu, a vista de atestado de óbito baseado em registro comprovadamente falso; sua admissibilidade, vez que referido despacho, além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, funda-se exclusivamente em fato juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer efeitos. (RTJ 93/986)

O Superior Tribunal de Justiça coaduna com o mesmo entendimento,

“Penal. Habeas Corpus. Decisão que extinguiu a punibilidade do réu pela morte. Certidão de óbito falsa. Violação à coisa julgada. Inocorrência. O desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada.” (C 31234/MG – Habeas Corpus 2003/0190092-8 – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fisher, julgado em 16/1/2003, publicado no DJ em 9/2/2004, p. 198)

2.2.2 ANISTIA, GRAÇA E INDULTO

São causas extintivas da punibilidade com cunho político. São motivadas por política

criminal, além de processo de individualização da pena, para trazer moderação aos rigores da

lei na implicação ou execução da pena ou destinadas a remediar erro judiciário.

A anistia pode ser entendida como o esquecimento jurídico de uma ou mais infrações

penais. Rogério Greco (2015, p. 785) explicita que “pela anistia, o Estado renuncia ao seu

direito ius puniendi, perdoando a prática de infrações penais que, normalmente, têm cunho

político. A regra, portanto, é de que a anistia se dirija aos chamados crimes políticos. Contudo,

nada impede que a anistia também seja concedida a crimes comuns.”

A anistia pode ser concedida antes ou depois da sentença, extinguindo a ação e a

condenação e se destina a fatos e não a pessoas. No entanto, pode exigir algumas condições

subjetivas ao réu para que seja concedida.

De acordo com a Carta Magna, em seu artigo 5º, XLIII, alguns crimes são insuscetíveis

de anistia, como por exemplo, os crimes hediondos, a prática de tortura, tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins e o terrorismo.

A anistia tem efeito ex tunc, pois retroage a data do fato apagando o crime e todos os

efeitos penais da sentença. Não abrange, porém, os efeitos civis. O órgão competente para

conceder a anistia é a União, através do Congresso Nacional, conforme previsão do artigo 21,

XVII e artigo 48, VIII, ambos da Constituição Federal. A anistia não pode ser recusada pelo

destinatário, salvo de caso de anistia condicionada, e quando ela for concedida, inadmite

revogação.

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A graça e o indulto são de competência do Presidente da República. A diferença entre os

dois institutos é que a graça é concedida individualmente a uma pessoa específica e o indulto

é concedido de maneira coletiva a fatos determinado pelo Chefe do Executivo. A graça é

solicitada, enquanto o indulto é espontâneo.

A graça e o indulto, divergindo da anistia, exigem o trânsito em julgado da condenação

e não extinguem os efeitos penais da condenação. Atualmente, entende-se que é cabível a

concessão de indulto antes da sentença penal condenatória transitar em julgado, desde que não

caiba mais recurso da acusação.

A Constituição Federal aduz que são insuscetíveis de graça a prática de tortura, o tráfico

ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos. A lei nº 8.072

menciona que tais crimes, consumados ou tentados, são insuscetíveis de graça e indulto.

2.2.3 RETROATIVIDADE DE LEI QUE NÃO MAIS CONSIDERA O FATO COMO CRIMINOSO

Esse é o chamado abolitio criminis, que ocorre quando o Estado entende não mais

considerar determinado fato como criminoso por razões de política criminal. De acordo com

Luiz Regis Prado (2013, p. 821-822), “perfaz-se o abolitio criminis quando lei posterior não

mais tipifica como delito fato anteriormente previsto como ilícito penal, extinguindo-se a

punibilidade. A lei posterior mais benigna retroage para alcançar inclusive fatos

definitivamente julgados.”

Nenhum efeito penal persistirá, tais como reincidência e maus antecedentes,

permanecem, porém, os efeitos civis. Exemplificando, a vítima tem a possibilidade de

proceder à execução de seu título executivo judicial para pleitear sua indenização.

2.2.4 PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E PEREMPÇÃO

Esses institutos têm conceitos e entendimentos distinto na seara penal e na seara

tributária. Já fizemos sua análise pelo direito tributário e nesse ponto, analisaremos no que

toca ao direito penal. O decurso do tempo tem efeitos relevantes no ordenamento jurídico,

operando nascimento, alteração, extinção, transmissão ou perda de direitos.

Prescrição é o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter capacidade de

fazer valer seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, tem como

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consequência a extinção da punibilidade. Luiz Regis Prado (2013, p. 828) preconiza que, “o

não exercício do jus puniendi estatal conduz à perda do mesmo em face do lapso temporal

transcorrido. A prescrição corresponde, portanto, à perda do direito de punir pela inércia do

Estado, que não exercitou dentro do lapso temporal previamente fixado.”

Vários foram os fundamentos para justificar a necessidade da prescrição, podendo-se

destacar, o esquecimento daquela infração penal, o desaparecimento da necessidade do

exemplo no meio social, a dificuldade da colheita de prova, além do fator da tranquilidade

para o agente que praticou o delito, pois um erro cometido no passado não pode persegui-lo

para sempre.

A decadência consiste na perda do direito de ação pelo decurso do tempo. O prazo

decadencial está ligado ao direito de queixa ou representação. Esses não podem subsistir

indefinidamente. Logo, com o esgotamento do seu prazo sem manifestação da parte

competente, operar-se-á a extinção da punibilidade.

Rogério Greco (2015, p. 788) ensina que, “a decadência é o instituto jurídico mediante o

qual a vítima, ou quem tenha qualidade para representá-la, perde o seu direito de queixa ou de

representação em virtude do decurso de um certo espaço de tempo.”

Com base no artigo 103 do Código Penal Brasileiro, o ofendido ou seu representante

legal decai do direito de queixa ou de representação, salvo disposição em sentido contrário, se

não o exerce dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que veio a saber quem é o

autor do crime, ou na hipótese de ação privada subsidiária da pública, do dia que se esgota o

prazo para oferecimento da denúncia.

A perempção consiste na perda do direito da ação pela inércia do querelante. Com isso,

após o início da ação penal privada, a inércia do querelante presume-se que ele desistiu do seu

prosseguimento. Esse instituto faz referência à ação penal exclusivamente privada. Rogério

Greco (2015, p. 789) aduz que,

“a perempção é instituto jurídico aplicável às ações penais de iniciativa privada propriamente ditas ou personalíssimas, não se destinando, contudo, àquela considerada como privada subsidiária da pública. Não tem aplicação, portanto, nas ações penais de iniciativa pública incondicionada ou condicionada à representação do ofendido.”

O Código de Processo Penal prevê em seu artigo 60 que, nos casos em que somente se

procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I – quando, iniciada esta, o

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querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 (trinta) dias seguidos; II –

quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo,

para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta dias), qualquer das pessoas que

couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III – quando o querelante deixar de

comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou

deixar de formular pedido de condenação nas alegações finais; IV – quando, sendo o

querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Além dessas hipóteses, ocorre perempção havendo morte do querelante no caso de

crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, pois tal crime é de ação

privada personalíssima. E a morte do querelante obsta o prosseguimento da ação penal.

2.2.5 RENÚNCIA AO DIREITO DE QUEIXA OU PERDÃO ACEITO NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA

Diferentemente da ação penal pública, onde predomina os princípios da obrigatoriedade

e indisponibilidade, na ação penal privada é possível que o ofendido ou seu representante

legal, mesmo possuindo elementos suficientes para iniciar a demanda, opte por não agir,

utilizando-se do princípio da oportunidade/conveniência ou até mesmo desistir da ação que

haja interposto, em nome do princípio da disponibilidade.

A renúncia opera-se pela prática de ato incompatível com a vontade de ver processado o

infrator. Quando a vítima se recusa a tomar providência contra o seu agressor. A renúncia

ocorre antes de ajuizada a ação. A renúncia é o ato unilateral do ofendido (ou seu

representante legal), abdicando do direito de promover a ação penal privada, extinguindo-se

por consequência, o direito de punir do Estado.

A renúncia tem as seguintes características: em regra, só é cabível na Ação Penal

Privada, contudo, excepcionalmente é cabível na Ação Penal Pública Condicionada a

Representação, nos crimes de menor potencial ofensivo (art. 74 da Lei 9099/95). É um

instituto pré-processual (ocorre antes do oferecimento da denúncia ou queixa). Obsta a

formação do processo penal. Renunciando, expressa ou tacitamente, o direito de queixa não

pode ser exercido (art. 104 do CP).

A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu

representante legal, ou procurador com poderes especiais (art. 50 do CPP). A renúncia do

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representante legal do menor, não privará este do direito de queixa quando completar 18 anos,

nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro (Súmula 594 do STF).

Também são características da renúncia: a renúncia tácita é a prática de ato

incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa. Segundo o parágrafo único do art.

104, CP, não implica em renúncia tácita o fato do ofendido receber indenização do dano

causado pelo crime. No concurso de agentes, a renúncia ao direito de queixa em relação a um

dos autores do crime, a todos estenderá, importando em renúncia tácita (Princípio da

Indivisibilidade, art. 49 do CPP). Havendo duas vítimas, a renúncia de uma não prejudica o

direito da outra, possuindo cada qual direitos autônomos. No caso de morte da vítima, a

renúncia do direito de queixa por parte de um dos seus sucessores não impede a propositura

da ação penal pelos demais, respeitado o prazo legal. É ato unilateral, independe da vontade

do querelado.

Também são características da renúncia: a renúncia tácita é a prática de ato

incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa. Segundo o parágrafo único do art.

104, CP, não implica em renúncia tácita o fato do ofendido receber indenização do dano

causado pelo crime. No concurso de agentes, a renúncia ao direito de queixa em relação a um

dos autores do crime, a todos estenderá, importando em renúncia tácita (Princípio da

Indivisibilidade, art. 49 do CPP). Havendo duas vítimas, a renúncia de uma não prejudica o

direito da outra, possuindo cada qual direitos autônomos. No caso de morte da vítima, a

renúncia do direito de queixa por parte de um dos seus sucessores não impede a propositura

da ação penal pelos demais, respeitado o prazo legal. É ato unilateral, independe da vontade

do querelado.

O perdão ocorre quando a vítima não deseja prosseguir com a ação, perdoando o

querelado. Ocorre depois de ajuizada a ação, pois se baseia no princípio da disponibilidade.

O perdão do ofendido é ato bilateral, pelo qual o ofendido ou seu representante legal, desiste

de prosseguir com o andamento do processo já em curso, desculpando o ofensor pela prática

do crime, dependendo de aceitação do ofendido.

São características do perdão: cabível somente na Ação Penal Privada. Pode ser

processual ou extraprocessual. Pode ser expresso ou tácito. É ato bilateral, sendo

indispensável que o perdão seja aceito expressa ou tacitamente pelo querelado. Tanto o perdão

quanto a aceitação são atos incondicionais (perdoa-se sem exigências, aceita-se sem

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condições). Pode ser oferecido depois do início da ação penal, até o trânsito em julgado da

sentença (não é admissível o perdão depois de transitada em julgado a sentença). O perdão

concedido a qualquer dos querelados a todos aproveita. O perdão concedido por um dos

querelantes não prejudica o direito do outro.

Outro tópico relevante é o oque ocorre no âmbito dos Juizados Criminais. Dispõe o

artigo 75 da Lei 9.099/95 que, uma vez não obtida a composição dos danos civis, será

imediatamente dada ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal,

a qual será reduzida a termo, mencionando, ainda, seu parágrafo único, que o não

oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito que

poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

Por conta ainda da disposição constante do aludido parágrafo único, grande parte da

doutrina têm entendido pela necessidade de aguardo do prazo decadencial para oferecimento

da representação, caso a vítima não exerça tal direito na audiência preliminar.

Assim, entendo que o legislador oportunizou à vítima em estado de dúvida, o prazo

decadencial de 06 (seis) meses, previsto no art. 38 do CPP, para, caso queira, apresentar

representação, uma vez não tendo exercido tal direito por ocasião da audiência preliminar.

E quando a vítima não apresenta representação, manifestando expressamente o desejo

de renunciar ao direito de representar? Sendo condição de exercício da ação penal pelo

Ministério Público, este não poderá formular proposta de transação penal. Teria então o Órgão

Jurisdicional, por obrigação, de aguardar o decurso do prazo decadencial, para fins de declarar

a extinção da punibilidade do autor do fato, mesmo diante da expressa renúncia da vítima ao

direito de representação?

Na prática forense cotidiana, por ocasião da audiência preliminar, é oportunizado à

vítima a possibilidade de optar entre quatro alternativas: composição dos danos civis,

oferecimento de representação, oferecimento de representação dentro do decurso do prazo

decadencial e renúncia expressa ao direito de oferecer representação.

Na grande maioria das vezes, quando a vítima opta pelo eventual oferecimento de

representação no decurso do prazo decadencial, o faz por querer manter uma espécie de

garantia de que o comportamento ofensivo do réu não se repetirá. A extinção da punibilidade,

então, caso não se verifique o oferecimento da representação, se dará pelo advento da

decadência.

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Por outro lado, quando a vítima manifesta expressamente o seu desejo de não

representar contra o autor do fato, pretende que o procedimento se extinga de pronto, ainda

mais por se encontrar perfeitamente ciente de que a opção pelo aguardo do decurso do prazo

decadencial encontra-se à sua inteira disposição.

Não há, portanto, razão para que o procedimento não tenha sua extinção decretada de

plano, pela reconhecimento imediato da extinção da punibilidade do autor do fato, ainda mais

se considerarmos que tal entendimento guarda perfeita consonância com os critérios que

regem os Juizados Especiais, notadamente os da economia processual e celeridade. (art. 62 –

Lei 9.099/95)

2.2.6 RETRATAÇÃO DO AGENTE NOS CASOS EM QUE A LEI ADMITE

Declara o artigo 107, inciso VI, do Código Penal que extingue-se a punibilidade “pela

retratação do agente, nos casos em que a lei a admite”.

A retratação do agente só é cabível nos casos em que a lei prevê. Realizando-se uma

análise desses casos percebe-se que só se admite a retratação até a sentença de primeiro grau,

ou seja, na fase da pretensão  punitiva que se estende até a decisão de primeiro grau de

jurisdição.

Advertência, portanto, deve ser feita à nomenclatura “retratação  do  agente”, que é

imprópria, devendo-se encará-la como “retratação do suposto agente”, pois antes de decisão

condenatória transitada em julgado não se deve dizer que a retratação foi do agente do fato 

material ou do crime (incidência do princípio da presunção de inocência).

Desta maneira, não se deve dizer que quem se retratou cometeu o delito, até mesmo

porque acontecem casos em que a pessoa se retrata de um fato típico que realizou licitamente

ou não culpavelmente, com o intuito apenas de encerrar a discussão no juízo penal, evitando,

assim, o desgaste de ter que provar a excludente e as intempéries processuais estigmatizantes.

Por tudo, quem se retrata, se retrata de um fato e não de um crime completamente

configurado.

Quanto à forma, a retratação não exige forma sacramental, mas precisa ser cabal, isto é,

irrestrita, incondicional, indiscutível, inequívoca, precisa e clara, de modo a englobar a

totalidade do que foi dito. Não extingue a punibilidade a retratação ambígua.

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A retratação do agente é um ato jurídico unilateral, não dependendo de aceitação do

suposto ofendido, devendo ser reduzida a termo pelo juiz. Poderá ser feita pelo próprio

suposto ofensor ou por procurador com poderes especiais.

A retratação do agente só é possível, como menionado, nos casos em que a lei a admite, que

são os seguintes: 1) art. 143 do CP (calúnia e difamação); 2) art. 342, § 2º, do CP (falso

testemunho e falsa perícia); 3) art. 26 da lei 5.250/67 - Lei de Imprensa - (calúnia, difamação

e injúria).

Informa o art. 143 do CP que “o querelado que, antes da sentença, se retrata

cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena”. Pelo conteúdo da disposição, já

se percebe que a retratação do querelado só é admitida na calúnia e na difamação, e não na

injúria. A calúnia e a difamação dizem respeito a fatos que podem ser desmentidos. A injúria

refere-se a dizeres contendo qualidades pessoais negativas, não havendo imputação de fato, e

aqui a retratação dificilmente conseguiria desfazer o efeito da ofensa. Pelo contrário, a

retratação do suposto ofensor (querelado), retirando a qualidade negativa atribuída à vítima

pode macular ainda mais a sua honra. Desta forma, se se afirma que fulano é ignorante e

analfabeto e depois tenta se retratar dizendo que é muito sábio e letrado, pode causar ofensa

ainda maior. A retratação só é admitida nos crimes de calúnia e difamação que se processam

por ação  penal  privada, pois a disposição fala em querelado, que é o réu na ação

penal privada.

Estabelece o art. 342, § 2º, do CP que “o fato deixa de ser punível se, antes da sentença

no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”. Merece

comentário a expressão ilícito, que não pode ser interpretada literalmente. Se alguém realizar,

por exemplo, um falso testemunho e estiver acobertado por uma causa que exclua a

culpabilidade, como a coação moral irresistível, é lógico que não precisa se retratar, pois sua

conduta nunca será reprovável e, porventura, punível. A retratação deve ocorrer até a sentença

do processo em que o agente prestou o falso testemunho ou a falsa perícia, e não no processo

onde se imputa o crime de falso.

O art. 26 da lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) admite a retratação na calúnia, difamação e,

também, na injúria; dispondo: “A retratação ou retificação espontânea, expressa e cabal, feita

antes de iniciado o procedimento judicial, excluirá a ação penal contra o responsável pelos

crimes previstos nos arts. 20 a 22. § 1º - A retratação do ofensor, em juízo, reconhecendo, por

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termo lavrado nos autos, a falsidade da imputação, o eximirá da pena, desde que pague as

custas do processo e promova, se assim o desejar o ofendido, dentro de 5 dias e por sua conta,

a divulgação da notícia da retratação. § 2º - Nos casos deste artigo e do § 1o, a retratação deve

ser feita ou divulgada: a) no mesmo jornal ou periódico, no mesmo local, com os mesmos

caracteres e sob a mesma epígrafe; ou b) na mesma estação emissora e no mesmo programa

ou horário”.

2.2.7 PERDÃO JUDICIAL

Perdão judicial é o instituto por meio do qual o juiz, embora reconhecendo a prática do

crime, deixa de aplicar a pena desde que se apresentem determinadas circunstâncias

excepcionais previstas em lei e que tornam inconvenientes ou desnecessárias a imposição da

sanção penal ao réu (Mirabete, p. 571).

Tome-se como exemplo, o réu que é acusado de praticar homicídio decorrente de

acidente de trânsito e um de seus familiares é uma das vítimas. Neste caso, o réu sendo

condenado, o juiz poderá deixar de aplicar-lhe a pena em face do seu sofrimento pela perda de

um ente querido.

Trata-se de uma faculdade do magistrado, que pode concedê-lo ou não, segundo seu

critério, e não um direito subjetivo do réu, apesar de vários doutrinadores entenderem que a

concessão do perdão judicial é um direito do réu e não uma faculdade do juiz.

O momento oportuno para concessão do perdão judicial é na sentença, quando o juiz

deverá primeiro considerar o réu culpado, para posteriormente reconhecer o cabimento do

perdão, deixando de aplicar a pena.

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3 EXTINÇÃO DA PUNIBIDADE PELO PAGAMENTO

No que concerne ao tema citado, houve uma evolução legislativa que é relevante ser

analisada. Várias leis trouxeram disposições sobre o assunto, pois se trata de tema controverso

na doutrina e na jurisprudência.

3.1 Lei nº 4.729/65

A Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, trouxe em seu bojo o crime de sonegação fiscal,

que de acordo com o seu artigo primeiro, constitui crime de sonegação fiscal: prestar

declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes

das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou

parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei; Inserir

elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos

ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos

devidos à Fazenda Pública; Alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações

mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública; Fornecer ou emitir documentos

graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos

devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis; Exigir, pagar

ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a

parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal.

Ocorre que a mesma lei trouxe um dispositivo que afirmava que a punibilidade estaria

extinta quando o agente que praticou a infração penal de sonegação fiscal promovesse o

recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal

própria. Era a previsão contida no artigo segundo da Lei nº 5.729/65. No entanto, o que de

fato ocorria era o instituto tributário da denúncia espontânea, prevista no artigo 138 do Código

Tributário Nacional. Nesse sentido, a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea

da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora,

ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do

tributo depende de apuração.

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Logo, se já houvesse iniciada a ação fiscal, o adimplemento do tributo deveria ser

realizado com as penalidades administrativas, porque não extinguia a responsabilidade pela

infração. O pagamento seria acrescido de multa, podendo ocorrer a redução desta, em

percentual maior, se o pagamento fosse efetuado dentro do prazo para a reclamação, ou em

percentual menor, se o pagamento fosse feito dentro do prazo para recurso administrativo. Por

outro lado, com o início da ação fiscal, o pagamento do tributo já não extinguia a

punibilidade, no âmbito criminal, embora pudesse ser considerado uma forma de

arrependimento do agente, podendo ocorrer uma redução de pena.

3.2 Decreto-lei nº 157/65

O Decreto-lei nº 157, de 10 de fevereiro de 1967, estabeleceu que o pagamento

extinguia a punibilidade mesmo depois de iniciada a ação fiscal. Porém, pagamento deveria

ser feito com o acréscimo das multas devidas. Nesse diapasão, se o processo não tivesse sido

julgado ainda, não será necessário o pagamento, bastava o depósito. O pagamento deveria ser

realizado depois da decisão da primeira instância, e, obviamente, com a renúncia ao recurso

administrativo.

O citado decreto-lei estendeu a causa extintiva da punibilidade para outros crimes além

do de sonegação fiscal previsto na Lei nº 4.729/65. Em razão disso, o pagamento passou a ser

causa extintiva da punibilidade também para os crimes de contrabando e descaminho.

3.3 Lei nº 6.910/81

A Lei nº 6.910, de 27 de maio de 1981, teve um viés mais restritivo, pois reduziu o

alcance do pagamento como causa de extinção da punibilidade, deixando de abranger os

crimes de contrabando e descaminho. Assim previa o seu artigo primeiro: “Art 1º - O disposto

no art. 2º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, e no art. 18, § 2º, do Decreto-lei nº 157, de

10 de fevereiro de 1967, não se aplica aos crimes de contrabando ou descaminho, em suas

modalidades próprias ou equiparadas nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 334 do Código Penal.”

No que toca ao crime de contrabando, essa norma restritiva foi razoável, pois nessa

infração penal não ocorre a sonegação do tributo, mas a violação de norma proibitiva de

importação ou de exportação. Pois o contrabando é a prática da importação ou exportação

clandestina de mercadorias e bens de consumo que dependem de registro, análise ou

autorização de órgão público competente.

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3.4 Lei nº 8.137/90

A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, teve existência breve, pois vigorou apenas

até o ano de 1991. Ela definiu os crimes contra a ordem tributária em seus primeiros três

artigos:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

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Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):

I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;

II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A mencionada lei trouxe em seu artigo 14 que punibilidade será extinta nos crimes

definidos nos artigos 1º a 3º quando o agente promover o pagamento do tributo ou

contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. Dessa maneira,

evitava-se o constrangimento do sujeito passivo da relação tributária, pois este teria o direito

de questionar sua questão administrativamente e preservava também os interesses do Fisco,

garantindo o recebimento integral do crédito tributário que a Administração tivesse como

devido.

3.5 Lei nº 8.383/91

Com o advento da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, ocorreu o chamado

terrorismo fiscal. O pagamento deixava de ser causa de extinção da punibilidade, pois a

supracitada lei, em seu artigo 98, revogou expressamente o artigo segundo, da Lei nº 4.729/65

e o artigo quatorze, da Lei nº 8.137/90:

“Art. 98. Revogam-se o art. 44 da Lei n° 4.131, de 3 de setembro de 1962, os §§ 1° e 2° do art. 11 da Lei n° 4.357, de 16 de julho de 1964, o art. 2° da Lei n° 4.729, de 14 de julho de 1965, o art. 5° do Decreto-Lei n° 1.060, de 21 de outubro de 1969, os arts. 13 e 14 da Lei n° 7.713, de 1988, os incisos III e IV e os §§ 1° e 2° do art. 7° e o art. 10 da Lei n° 8.023, de 1990, o inciso III e parágrafo único do art. 11 da Lei n° 8.134, de 27 de dezembro de 1990e o art. 14 da Lei n° 8.137, de 27 de dezembro de 1990.”

Em pouco tempo, o legislador restabeleceu o pagamento do tributo como causa

extintiva da punibilidade. Essa reviravolta foi prevista no artigo 3º, da Lei 8.696, de 26 de

agosto de 1993.

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3.6 Lei nº 8.696/93

De fato, o artigo 3º da Lei nº 8.696, de agosto de 1993, estabeleceu que: “Extingue-se a

punibilidade dos crimes previstos nos arts. 1º ao 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de

1990, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, com seus

acessórios, antes do encerramento do procedimento administrativo.”

Ocorre que tal dispositivo legislativo fora vetado pelo Presidente da República. Em suas razões aduziu:

“O dispositivo, tal como redigido, importará na extinção da punibilidade de agentes dolosos, cujo procedimento caracteriza os crimes enumerados nos arts. 1º a 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, uma vez que a ação fiscal e a representação criminal são simultâneas. Quer dizer isto que, no momento em que instaura o processo administrativo, o agente fiscal deve também, configurado o crime, promover a denúncia ao Ministério Público para instauração do processo criminal. Consequência da simultaneidade do início dos procedimentos é a possibilidade de o contribuinte, antes do término do processo administrativo – mas mesmo após a ocorrência de condenação criminal -, efetuar o recolhimento dos tributos e encargos e alcançar a impunidade. É de ser relevado que, referindo-se o art. 3º da Lei citada a crimes praticados por servidor público, a extinção da punibilidade, pelo pagamento do tributo, colocaria os ganhos ilícitos provenientes da corrupção funcional, a salva de qualquer penalização. A norma ora vetada alcança, na verdade, é [sic] o contribuinte cuja má-fé ficou caracterizada. E isto é, evidentemente, contrário ao interesse público , por contravir diretamente o princípio da moralidade administrativa.”

O Presidente da República instituiu o terrorismo fiscal, pois acreditava que com a

ameaça de ação penal os infratores seriam intimidados e ele resolveria o problema da

sonegação fiscal. A ação penal teria que ser ajuizada concomitantemente com a ação fiscal, e

sendo assim, não se poderia admitir a extinção da punibilidade depois de proposta a ação

penal. Essa linha de entendimento perdurou por dois anos, período no qual o legislador tornou

a entender que o pagamento do tributo seria causa de extinção da punibilidade.

3.7 Lei nº 9.249/95

A Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, modificou o entendimento preconizado

pela Presidente da República e restabeleceu a extinção da punibilidade por meio do

pagamento. A previsão legal foi instituída em seu artigo 34: “Extingue-se a punibilidade dos

crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de

julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social,

inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

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Nesse sentido, o pagamento extingue a punibilidade desde que efetuado antes do

recebimento da denúncia.

3.8 Lei nº 10.684/03

A partir da promulgação da Lei n.º 10.684 de 30 de maio de 2003, a extinção da

punibilidade nos crimes de sonegação fiscal angariou novo regramento. O dispositivo que

trouxe à baila o artigo 9º, in verbis:

“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2oda Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios."

Destaca-se que o dispositivo legal acima mencionado não faz nenhuma menção ao

recebimento da denúncia, silenciando, assim, quanto ao momento processual em que o

pagamento integral do débito pode ser feito, com a consequência extinção da punibilidade.

O contribuinte que cometer qualquer um dos crimes supra mencionados poderá ver sua

punibilidade extinta, desde que ultime o pagamento do tributo devido, mesmo que seja após o

recebimento da denúncia.

O Ilustre Ministro Sepúlveda Pertence da Suprema Corte, quando do julgamento do HC

nº 81.292/RJ, deixou claro que se deturpa o Direito Penal Tributário ao prever o pagamento a

qualquer momento do crédito tributário como causa de exclusão da extinção da punibilidade.

Portanto, de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência acerca da matéria, pode-se

concluir que o contribuinte infrator pode ter sua punibilidade extinta em qualquer momento

do percurso processual, desde é claro, que não tenha ocorrido o trânsito em julgado da ação

penal condenatória. Impende colecionar alguns julgados pertinentes:

A 1ª Turma do Colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu acerca da matéria

precitada. Cite-se, por exemplo, o Acórdão proferido nos autos do HC nº 81.929/RJ:

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"EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário." (HC 81929 / RJ - RIO DE JANEIRO. Rel. Acórdão Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 16/12/2003. Publicação: 27.02.2004. Votação: unânime. Órgão Julgador: Primeira Turma do STF)

Da lavra da 2ª Câmara Criminal do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,

já foi decidido pela malgrada extinção da punibilidade em sede de Apelação Criminal, nos

autos do processo n.º 1.0024.99.117613-2/001, senão vejamos:

“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - ART. 1º, I E III, DA LEI 8.137/90 - CONDUTAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS E QUE FORAM REALIZADAS COM A FINALIDADE DE FRAUDAR A FAZENDA PÚBLICA - PARCELAMENTO DO DÉBITO – PAGAMENTO INTEGRAL REALIZADO A TEMPO - LEI 10.684/2003 - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA – RECURSO PROVIDO.”

3.9 Lei 12.382/2011

Todavia, em 2011, fora editada nova norma a respeito, a Lei 12.382/2011, a qual,

pela redação literal dos seus dispositivos, prevê que não haverá extinção da punibilidade se o

pagamento integral da dívida ocorrer após recebimento da denúncia, sendo que, da mesma

forma, o parcelamento, para suspender a pretensão punitiva do Estado, deveria ser requerido

anteriormente.

Na realidade, referida norma trata sobre o parcelamento da dívida e dispõe que este

deve ser formalizado antes do recebimento da denúncia para ter o condão de suspender a

pretensão punitiva do estado, sendo possível o pagamento posterior da dívida. Discute-se,

então, se a norma trata apenas sobre o pagamento da dívida posterior ao parcelamento, ou de

pagamento direto e integral da dívida.

Sobre o assunto discorre Machado (2011, p. 387):

“Recentemente, quando se imaginava pacificado o assunto, a Lei n. 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, veio com novos dispositivos que poderão suscitar controvérsias. Em seu art. 6º alterou a redação do art. 83, da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, inserindo no mesmo cinco parágrafos, com a renumeração do parágrafo único. O caput deste art. 83 já tivera sua redação alterada pela Lei n. 12.350, de 20 de dezembro de 2010. (…) Considerando que a regra do § 6º, que antes da Lei n. 12.350/2010 estava no parágrafo único, já havia sido alterado no sentido de se admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento feito a qualquer tempo, agora será suscitada a questão de saber se o fato de haver sido expressamente mantida deve ser entendido como uma reedição e, assim, voltaríamos à situação na qual o

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pagamento somente extinguiria a punibilidade se feito antes do recebimento da denúncia.”

3.10 Controvérsia Doutrinária

As idas e voltas acima relatadas demonstram a insegurança com que o tema foi

abordado pelo legislador e isto certamente decorre da profunda controvérsia doutrinária sobre

o tema. Existe um segmento da doutrina que adota posição contrária a extinção da

punibilidade pelo pagamento do tributo. Já existe um outro segmento, não menos

significativo, que admite a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo.

Em uma breve síntese, os argumentos contrários à extinção da punibilidade pelo

pagamento do tributo alegam que a sua admissão acarreta: tornar o Direito Penal

extremamente utilitarista, desprendido de sua base ética; estimularia a sonegação, na medida

que garante ao infrator que se ele efetuar o pagamento, livrar-se-á da pena; estabelecimento de

tratamento desigual entre os que podem e os que não podem pagar, privilegiando a classe

mais favorecida economicamente.

Já os argumentos que são favoráveis à extinção da punibilidade pelo pagamento

sustentam que: as normas que tutelam o crédito tributário, sejam criminais ou não, objetivam

tornar efetivo esse crédito, assim, sendo o crédito satisfeito, não subsistem razões para insistir

na aplicação de pena criminal, contra todas as considerações de política criminal; o sistema

penitenciário encontra-se em situação precária, não se justificando onerá-lo; o Direito Penal

deve ser invocado em última instância (ultima ratio), pois suas penas são as mais rigorosas,

em razão disso, só deve ser utilizado quando as demais áreas do Direito não forem suficientes.

A opinião de Hugo de Brito Machado paira no seguinte entendimento. Ele dá razão

aos que preconizam a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. Ele é a favor dessa

tese e desenvolve os seguintes argumentos: a) constitui hipocrisia negar que criminalização do

ilícito tributário tem inegável caráter utilitarista, pois, se a razão de ser da criminalização é

compelir as pessoas ao pagamento, como de fato é, pagar o tributo com os acréscimos legais

satisfaz plenamente os objetivos da lei; b) é um equívoco acreditar, como fazem os que

adotam a tese contrária, que o efeito intimidativo da pena é capaz de fazer com que todos

paguem regularmente os tributos; c) não haverá estímulo à sonegação, desde que sejam

aplicadas penas pecuniárias severas e a fiscalização tributária seja eficiente; d) a extinção da

punibilidade funciona como estímulo ao pagamento, de sorte que o contribuinte, vencido no

processo administrativo, vai preferir pagar a questionar a exigência na via judicial; e) não é

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contrária a isonomia, e em situações outras a lei penal admite a reparação do dano, tanto como

causa de exclusão do crime, com redução de pena, aos que não podem pagar resta o recurso

do parcelamento, que poderá redundar na extinção da punibilidade.

Demonstrada a discussão doutrinária e a evolução histórica do benefício da extinção

da punibilidade nos crimes tributários, a seguir será abordado o posicionamento do Supremo

Tribunal Federal sobre o assunto.

3.11 Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Nesta etapa, então, direciona-se este trabalho a tentar compreender de que forma a

extinção da punibilidade nos crimes tributários é aplicada pelo Supremo Tribunal Federal. A

polêmica anteriormente exposta chegou à última instância, sendo inclusive matéria do boletim

informativo n. 731. Duas correntes manifestaram-se sobre o assunto no julgamento dos

embargos declaratórios na Ação Penal 516/DF.

Referido recurso buscava a declaração da extinção da punibilidade referente aos

crimes de sonegação de contribuição previdenciária e de apropriação indébita tributária, em

face do pagamento da dívida e ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Acontece que o Supremo Tribunal Federal já havia proferida sentença condenatória e, em face

disso, o recorrente alegou que a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito poderia se

dar a qualquer momento.

Segundo a primeira corrente, adotada inclusive por Ayres Britto:

“(…) a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito tributário somente seria admitida enquanto existente pretensão punitiva estatal (processo penal de conhecimento). Se já houver sentença penal condenatória transitada em julgado, surge a pretensão executória do Estado e não mais é possível a extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida.” (CAVALCANTE, 2014, p. 804).

Em seu voto, o ministro Ayres Britto reconheceu que a extinção da punibilidade pelo

superveniente pagamento integral do débito tributário trata-se de questão de ordem pública,

podendo ser analisada em qualquer tempo e até mesmo de ofício.

Concluiria, assim, o meu voto aqui, não fosse a alegação nova de extinção da punibilidade pelo superveniente pagamento integral do débito tributário, ou seja, pagamento que veio a ser efetuado posteriormente à sessão de julgamento. Pelo que, por se tratar de questão de ordem pública, é caso de sua apreciação, até mesmo de ofício, por este nosso Tribunal. (BRASIL, STF, 2013).

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Em seguida, passou a discorrer acerca do imbróglio relacionado com o momento em

que o pagamento deve ser realizado para que este tenha efeito de extinguir a punibilidade do

agente. Após breves observações sobre o assunto, o ministro concluiu que após proferida a

sentença referente à condenação, a pretensão punitiva do Estado já teria se concretizado,

limitando assim a possibilidade de reconhecimento do pagamento do tributo como fim da

extinção da punibilidade:

“Atento a esses marcos interpretativos, tenho que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, quando exercida em única ou última instância, prescinde do trânsito em julgado para que sua decisão ganhe foros definitivamente. Definitividade que limita, então, a possibilidade de reconhecimento do pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade, por não mais existir pretensão punitiva do Estado passível de suspensão, ou anulação. (…) O que me leva a concluir que, uma vez exercida em definitivo a pretensão punitiva estatal, fica inviabilizada a eficácia jurídico-penal do pagamento integral do débito tributário no caso concreto, para efeito de extinção da punibilidade.” (BRASIL, STF, 2013).

No caso em comento, o ministro Ayres Britto, indeferiu o pedido de declaração da

extinção da punibilidade superveniente pelo pagamento integral da dívida. Os ministros Teori

Zavaski, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa adotaram o mesmo posicionamento

de Ayres Britto.

Já a segunda corrente, defendida pelos demais ministros, e a que prevaleceu na

Cúpula, concluiu que:

“O pagamento do tributo, a qualquer tempo, extingue a punibilidade do crime tributário. Defende que o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não foi revogado e continua em vigor. Ao contrário das leis de ns. 11.941/2009 e 12.382/2011, a Lei n. 10.684/2003 trata de pagamento direto (e não de pagamento após parcelamento). Assim, o pagamento integral implica a extinção da punibilidade por força do §2º, do art. 9º da Lei n. 10.684/2003.” (CAVALCANTE, 2014, p. 804).

Nesse sentido, para o ministro Dias Toffoli, “a Lei n. 12.382/11, que regrou a

extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito

tributário, não afetou o disposto no §2º do art. 9º da Lei n. 10.684/03, o qual prevê a extinção

da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo.” (BRASIL, STF, 2013).

Ainda, na visão do ministro mencionado, a opção política do legislador é a de:

“(…) privilegiar a arrecadação estatal, utilizando-se da coação penal como um meio para obter a satisfação integral do débito tributário (…). Em vez da efetiva execução de penas privativas de liberdade contra o sonegador, com todos os custos sociais daí decorrentes, previlegiou-se a política arrecadatória, com a possibilidade de extinção da punibilidade do agente, desde que satisfeita integralmente a obrigação.” (BRASIL, STF, 2013).

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Consoante dispõe Cavalcante (2014, p. 804), “o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não

estabeleceu qualquer restrição quanto ao momento ideal para realização do pagamento. Logo,

não cabe ao intérprete, por isso, impor limitações ao exercício do direito postulado.”

Destaco outrossim, que no voto do ministro Dias Toffoli, este expõe também seu

posicionamento acerca dos efeitos do parcelamento da dívida nos procedimentos criminais:

“Na hipótese de parcelamento, conforme previsto na Lei n. 12.382/11, se dá a suspensão da pretensão punitiva do Estado, com relação aos crimes tributários, pelo período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento, com a ressalva de que o pedido de parcelamento deverá ter sido formalizado antes do recebimento da denúncia no procedimento penal.” (BRASIL, STF, 2013).

Assim, ao contrário do que o ministro Dias Toffoli entende em relação ao momento

do pagamento da dívida tributária, este considera possível o parcelamento da dívida apenas

como forma de suspensão da pretensão punitiva, e, ainda, somente se este for formalizado em

data anterior ao recebimento da denúncia; já o pagamento poderia se dar em qualquer

momento da persecução penal, como acima exposto.

O acórdão favorável à extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida em

qualquer momento da ação penal, proferido nos autos da ação penal 516/DF, fora mantido e

repetido em outro acórdão proferido em outro recurso analisado pelo Supremo Tribunal

Federal. O entendimento fora mantido na decisão prolatada na questão de ordem na ação

penal de n. 613/TO.

“A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido da possibilidade de suspensão da pretensão punitiva e de extinção da punibilidade nos crimes de apropriação indébita previdenciária, admitindo a primeira se a inclusão do débito tributário em programa de parcelamento ocorrer em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória e a segunda quando o débito previdenciário for incluído - e pago - no programa de parcelamento ordinário de débitos tributários. Precedentes. 2. Questão de ordem resolvida no sentido de declarar extinta a punibilidade do réu em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária, pela comprovação da quitação dos débitos discutidos no presente processo-crime, nos termos das Leis ns. 10.684/03 e 11.941/09. (BRASIL, STF, 2014).”

Dessa forma, embora não existam muitos julgados da Cúpula do Supremo Tribunal

Federal sobre o tema, os aqui apresentados são recentes e demonstram a predominância do

entendimento de que é possível reconhecer a extinção da punibilidade nos processos criminais

tributários em que haja o pagamento da dívida, podendo este ser realizado em qualquer

momento da persecução penal. Já em relação ao parcelamento da dívida, este poderia ser

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realizado somente antes do recebimento da denúncia para ter força de suspensão da

punibilidade.

.

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CONCLUSÃO

Pode-se observar com o presente estudo que, considerando a crescente carga tributária

nacional, o número de casos de sonegação fiscal e, consequentemente, a quantidade de

processos criminais e tributários em tramitação no Poder Judiciário, compreender os institutos

do parcelamento e do pagamento da dívida, assim como seus efeitos em referidas demandas

judiciais é de extrema relevância.

E, diante da inconstância jurídica que abarca o tema em questão, buscou-se tratar neste

trabalho as características do crédito tributário e dos crimes contra a ordem tributária para

depois, discorrer acerca da possibilidade de ser reconhecida a extinção da punibilidade em tais

ilícitos.

Com a realização deste trabalho pôde-se verificar que as discussões inerentes à extinção

da punibilidade nos crimes tributários são de longa data. Isto porque a cada momento, nova

norma era editada, alterando as possibilidades de aceitação do pagamento da dívida como

forma de extinção da punibilidade.

Diante de tudo fora explanado, podemos chegar firmemente às seguintes conclusões.

O pagamento ser incluído como uma causa de extinção da punibilidade nos crimes

contra a ordem tributária foi uma elogiável opção política jurídica do legislador, em razão da

criminalização do ilícito tributário deu-se com inegável objetivo utilitarista.

Por interpretação extensiva da norma penal é razoável entender-se, como entendemos,

que a palavra pagamento tem o sentido de extinção do crédito tributário, de sorte que uma vez

extinto o crédito tributário está extinta a punibilidade do crime contra a ordem tributária

ligado a sua constituição.

Ainda que se negue a possibilidade de interpretação extensiva com o resultado afirmado

na conclusão anterior, mesmo assim se terá de admitir que a extinção da punibilidade nos

crimes contra a ordem tributária dar-se-á, por integração analógica, como decorrência da

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extinção do crédito tributário, por qualquer das causas legalmente admitidas.

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REFERÊNCIAS

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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e STJ comentados 2013. Manaus: Dizer o direito, 2014.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus. Ano 2015.

JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva. Ano 2013.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 2013.

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. Ano 2011.

_____, Hugo de Britto. Crimes contra a ordem tributária. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

ROCHA, João Marcelo. Direito Tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Ferreira. Ano 2008.

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Page 224: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 655 · 2 Boletim Conteúdo Jurídico n. 655 de 18/07/2016 (ano VIII) ISSN ‐ 1984 ‐ 0454 SUMÁRIO COLUNISTA DO DIA 18/07/2016 Milton Cordova

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