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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 753 (Ano VIII) (07/12/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 753 · » Anotações sobre o contrato de compra e venda internacional no contexto de crise: uma análise comparada ... Especialista em Direito

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 753

(Ano VIII)

(07/12/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–-

 

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 753 de 07/12/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

07/12/2016 Valdinei Cordeiro Coimbra 

» O que se entende por criptoimputação? Qual(ais) a(s) sua(s) 

consequência(s) para o processo penal? Como deve agir o Promotor 

de Justiça a fim de evitá‐la?

ARTIGOS  

07/12/2016 Matheus Alves do Nascimento » Participação política das minorias: o desafio da inclusão de pessoas com deficiência 

no processo de tomada de decisões 

07/12/2016 Rebeca Souza Henriques Silva 

» Os precedentes judiciais no âmbito do controle difuso‐incidental de 

constitucionalidade 

07/12/2016 Thayná Barbosa Fioresi 

» Breves apontamentos sobre a diminuição da maioridade penal brasileira sob a ótica 

da mídia 

07/12/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» In dubio pro ambiente? O critério da norma mais favorável ao meio ambiente 

07/12/2016 Rafaelly Oliveira Freire dos Santos 

» Anotações sobre o contrato de compra e venda internacional no contexto de crise: 

uma análise comparada 

07/12/2016 Gabriel Capristo Stecca 

» Um ensaio pragmático sobre a função social da cidade 

07/12/2016 Caroline Quagliato Roveri 

» Direito como Instrumento Político 

 

 

 

 

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O  QUE  SE  ENTENDE  POR  CRIPTOIMPUTAÇÃO?  QUAL(AIS)  A(S)  SUA(S) CONSEQUÊNCIA(S) PARA O PROCESSO PENAL? COMO DEVE AGIR O PROMOTOR DE JUSTIÇA A FIM DE EVITÁ‐LA?

VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.

O título do presente paper foi uma das perguntas do Concurso do

Ministério Público do Estado de Goiás no ano de 2014.

A criptoimputação é a narração do fato eivada de grave deficiência,

mencionando superficialmente elementos do tipo penal em abstrato e sem

os mínimos elementos para a identificação do fato como típico e

antijurídico. Trata-se, destarte, da imputação maculada por grave situação

de deficiência na narração do fato imputado, imputação incompreensível,

 

 

 

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que dificulta o exercício de defesa. (Nestor Távora, Curso de Direito

Processual penal, 2016).

A crimptoimputação é muito comum em crimes tributários, quando o

Ministério Público formula a denúncia genérica, muitas vezes subsidiada

por Representação Fiscal para Fins Penais – RFFP, promovida pelos

agentes do Fisco, sem a devida individualização da conduta, bem como da

respectiva autoria do verdadeiro sonegador, a exemplo daquelas em que os

agentes do Fisco aponta os sócios ou administradores constante no contrato

social da empresa como sendo os autores dos crimes tributários, sem,

contudo, realizar um mínimo de diligência, para confirmar (ou não) se a

sonegação fiscal foi promovida por aqueles que constam no contrato social.

Importante aqui pontuar a necessária distinção conceitual entre

denúncia geral e genérica, essencial para aferir a regularidade da peça

acusatória no âmbito das infrações de autoria coletiva, em especial nos

crimes societários (ou de gabinete), que são aqueles cometidos por

presentantes (administradores, diretores ou quaisquer outros membros

integrantes de órgão diretivo, sejam sócios ou não) da pessoa jurídica, em

concurso de pessoas. A denúncia geral, imputa o mesmo fato delituoso a

todos os integrantes dos representantes das sociedades empresárias

envolvidos na fraude fiscal, empresarial ou mesmo licitatória, enquanto que

a denúncia genérica é caracterizada pela imputação de vários fatos típicos,

genericamente, a integrantes da pessoa jurídica, sem delimitar,

minimamente, qual dos denunciados teria agido de tal ou qual maneira.

Patente, pois, que a criptoimputação da denúncia genérica vulnera os

princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como a

norma extraída do art. 8º, 2, "b" e "c", da Convenção Americana de Direitos

Humanos e do art. 41 do CPP, haja vista a indevida obstaculização do

 

 

 

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direito conferido ao acusado de preparar dignamente sua defesa. (STJ, RHC

72074 / MG)

No tocante às consequências da criptoimputação, conforme constou

da resposta padrão divulgada pela banca do concurso, a primeira

consequência é a rejeição da denúncia, sem necessidade de manifestação

do denunciado. Por outro lado, se for recebida a denúncia eivada pela

criptoimputação, equivocadamente, deverá o juiz absolver sumariamente o

réu com fundamento no art. 397, III, do CPP, após a defesa preliminar,

quando o advogado deverá alegar essa deficiência (a criptoimputação),

sendo que se o juiz não acolher o pedido, será possível a impetração de

habeas corpus (CPP, art. 647 c/c art. 648, VI) em razão de faltar ao processo

elemento essencial configurador de nulidade (CPP, art. 564, IV).

Por fim, para evitar a criptoimputação, deve o promotor de Justiça

observar o art. 41 do CPP, descrevendo de modo preciso os elementos

estruturais que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver,

ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é

inocente.

Assim, deve o promotor explicitar o liame do fato descrito com a

pessoa do denunciado, malgrado a desnecessidade da pormenorização das

condutas, até pelas comuns limitações de elementos de informações

angariados nos crimes societários, por ocasião do oferecimento da

denúncia, sob pena de inviabilizar a persecução penal nesses crimes. A

acusação deve correlacionar com o mínimo de concretude os fatos

delituosos com a atividade do acusado, não sendo suficiente a condição de

sócio da sociedade, sob pena de responsabilização objetiva (STJ, RHC

64073 / PI

 

 

 

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MINORIAS: O DESAFIO DA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÕES

MATHEUS ALVES DO NASCIMENTO: Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2011). Advogado.

RESUMO: Este trabalho insere‐se no contexto do estudo dos direitos das 

minorias,  mais  especificamente  dos  das  pessoas  com  deficiência,  no 

âmbito do processo de tomadas de decisões, mormente o político, com o 

fim de que  seus direitos  sejam ouvidos e efetivados, em conformidade 

com  o  artigo  29,  da  Convenção  sobre  os  Direitos  da  Pessoa  com 

Deficiência, recepcionada com o status de emenda constitucional (artigo 

5º, §3º, da Constituição da República) pelo Decreto 6.949/2009 e com o 

artigo 76, do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). 

PALAVRAS‐CHAVES: Pessoa com deficiência; Participação política; Direito 

das  minorias;  Processo  de  tomada  de  decisões;  Convenção  sobre  os 

Direitos das Pessoas com Deficiência. 

ABSTRACT: This paper fits into the context of the study of minority rights, 

specifically  the  rights  of  people  with  disabilities  within  the  decision‐

making process, especially political, in order that their rights are heard and 

accomplished, in accordance with the Article 29 of the Convention on the 

Rights  of  Persons  with  Disabilities,  approved  with  the  status  of 

constitutional amendment (Article 5, §3 of the Brazilian Constitution) by 

Decree 6.949/2009 and with the Article 76 of the Person with Disabilities 

Act (Law 13.146/2015). 

KEYWORDS: person with disabilities; political participation; rights of the 

minorities; decision‐making process; Convention on the Rights of Persons 

with Disabilities. 

 

 

 

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. INTRODUÇÃO 

No presente século, é crescente a preocupação dos governos 

em  demonstrar  a  efetivação  dos  direitos  humanos,  principalmente 

quando passam a recepcionar em seu ordenamento  interno os tratados 

sobre o tema. 

A  República  Federativa  do  Brasil  tem  demonstrado 

sensibilidade à  temática, o que  se pode ver por  sua atuação constante 

junto a organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas 

(ONU)  e  suas  comissões  e  conselhos. Nesse  contexto,  vale  destacar  a 

participação da nação brasileira na elaboração e ratificação da primeira 

convenção internacional de direitos humanos do século XXI: a Convenção 

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de dezembro de 2006, a 

partir de agora identificada pelo acrônimo CDPD. 

Não  se  ateve,  entretanto,  nosso  país  em  apenas  ratificar  o 

documento, mas  também a  recepcioná‐lo  como equivalente a emenda 

constitucional, nos termos do artigo 5º, §3º da Constituição da República 

(CRFB), por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008 e do 

Decreto  n.  6.949,  de  25  de  agosto  de  2009. Mais  recentemente,  foi 

promulgada  a  Lei  13.146/2015,  que  criou  o  Estatuto  da  Pessoa  com 

Deficiência  (doravante EPD), destinado a  “assegurar e a promover, em 

condições  de  igualdade,  o  exercício  dos  direitos  e  das  liberdades 

fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e 

cidadania” (art. 1º, do EPD). Esse reconhecimento dado aos direitos das 

pessoas  com deficiência é,  inegavelmente, um marco na  concretização 

dos direitos humanos, sobretudo os das minorias, como as pessoas com 

deficiência. 

Urge, no entanto, que tal conquista seja plenamente divulgada, 

para que os Poderes Executivo,  Judiciário e Legislativo possam dela  ter 

ciência e também buscar sua efetivação, principalmente agora em que seu 

descumprimento  fere  os  direitos  fundamentais  das  pessoas  com 

deficiência,  e  não  somente  delas,  como  também  de  seus  parentes  e 

amigos, outras minorias e, por que não dizer, da própria sociedade, visto 

 

 

 

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que fere a matriz da dignidade humana, fundamento de nossa república 

(artigo 1º, III, da CRFB). 

Nesse  ínterim,  trazemos  à  discussão  a  importância  da 

participação política das pessoas com deficiência, apregoada nos artigos 

29,  da  CDPD  e  76,  do  EPD.  Quando  falamos  de  participação  política, 

entendemos tanto os meios de acessibilidade para o voto, como a própria 

influência da pessoa com deficiência no processo de tomada de decisões. 

Este segundo aspecto é o que será mais abordado em nosso estudo. 

. ASPECTOS CONCEITUAIS 

Segundo  dados  da  Organização  Mundial  da  Saúde  (WORLD 

HEALTH ORGANIZATION, 2012, p. 31), cerca de um bilhão de pessoas – ou 

15% da população do globo ‐ possui algum tipo de deficiência. Já no Brasil, 

o Censo do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 

(SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA  PRESIDÊNCIA DA  REPÚBLICA, 

2012, p. 6 e 11) atestou que 23,9% do povo brasileiro possuem deficiência, 

com índices maiores na região Nordeste (26,63% de sua população total). 

Como se vê, as pessoas com deficiência são uma das minorias 

mais  presentes  no  Brasil.  Cumpre,  no  entanto,  entender  sob  quais 

perspectivas  compreendem‐se  os  termos  “minoria”  e  “pessoa  com 

deficiência”. 

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, em 

seu  artigo  27,  trata  das minorias  em  seu  aspecto  étnico,  religioso  ou 

linguístico, presente tipicamente em países europeus e norte‐americanos, 

que  possuem  altos  índices  de  imigração.  Boa  parte  dos  documentos 

internacionais sobre as minorias tratam de seus direitos, mas não trazem 

um conceito que possa delimitar o termo. 

Muito  se  tem  analisado  a  terminologia  “minoria  nacional”. 

Alerta  Šmihula  (2009,  p.  46),  porém,  que  “criar  uma  definição  oficial 

aceitável (e legalmente compulsória) de minorias nacionais é uma medida 

trabalhosa”,  podendo  ser,  inclusive,  impossível  devido  às  diferenças 

culturais.  Ele  sugere  seis  quesitos  para  que  elas  sejam  teoricamente 

reconhecidas: 1) devem ser numericamente inferiores que o restante da 

 

 

 

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população do estado ou parte do estado; 2) não devem estar em posição 

dominante; 3) devem possuir cultura,  língua, religião, raça etc. distintas 

do  restante  da  população;  4)  seus  membros  devem  ter  vontade  de 

preservar  sua especificidade; 5)  seus membros  são  cidadãos do estado 

onde tem o status de minoria; e 6) devem ter uma presença de longo prazo 

no território em que vivem (ŠMIHULA, 2009, p. 50). Cremos que os itens 4 

e 5 são os mais  importantes no que concerne a este trabalho, visto que 

tratam da consciência política e da cidadania do grupo minoritário. 

No caso do Brasil, existe também um impasse na delimitação do 

conceito de minoria, até porque aqui sobressai a ideia de minoria social, 

composta daqueles que, por apresentarem diferenças físicas ou culturais, 

sofrem  com  a  exclusão  e  a  discriminação.  Saliente‐se  que  se  pode, 

inclusive,  considerar  as  minorias  sociais  a  maioria  numérica  no  país, 

sendo, não obstante, “amplamente minoritária em relação ao acesso ao 

poder  político,  econômico,  social,  cultural,  ou  seja,  é  amplamente 

minoritária  em  relação  aos  seus  direitos  elementares,  no  plano  dos 

Direitos Humanos e da Cidadania” (WOITOWICZ, 2006, p. 6). 

Há, do mesmo modo, uma multiplicidade terminológica sobre o 

conceito  de  pessoa  com  deficiência,  que  também  é  chamada  de 

deficiente,  inválida,  excepcional,  deficitária,  pessoa  portadora  de 

deficiência,  pessoa  portadora  de  necessidades  especiais,  portadora  de 

defeitos (ASSIS; POZZOLI, 2005, p. 234), além de outras. A Constituição e 

boa parte da legislação federal utilizam a expressão “pessoa portadora de 

deficiência”, mas não a definem. 

Com lucidez exemplar, quando discutem sobre o problema e a 

necessidade da unificação terminológica, afirmam Assis e Pozzoli (2005, p. 

234) que é importante que se chegue a uma definição, uma vez que ela 

pode subtrair a problematização do conceito de pessoa com deficiência, 

possibilitando o  controle das  incertezas presentes  nos  textos  jurídicos. 

Para eles, “a insegurança e a incerteza aumentam quando, para apontar o 

mesmo  fenômeno  ou  a mesma  situação,  são  utilizadas  várias  palavras 

diferentes”, como os “sinônimos” citados acima. 

 

 

 

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Cumpre  destacar  que  há  uma  classificação,  elaborada  pela 

OMS,  que  distingue  deficiência,  incapacidade  e  desvantagem  (em 

inglês,  impairment,  disability  e  handicap).  Costa  (2008,  p.  29)  explica, 

segundo  essa  classificação,  que  a  primeira  seria  “qualquer”  perda  ou 

anormalidade  de  estrutura  ou  função  psicológica,  fisiológica  ou 

anatômica. A  incapacidade define‐se  como  “qualquer  redução ou  falta 

(resultante  de  uma  deficiência)  de  capacidades  para  exercer  uma 

atividade de forma, ou dentro dos limites considerados normais para o ser 

humano”. A desvantagem, finalmente, corresponde a um “impedimento 

sofrido  por  um  dado  indivíduo,  resultante  de  uma  deficiência  ou 

incapacidade,  que  lhe  limita  ou  lhe  impede  o  desempenho  de  uma 

atividade considerada normal para esse indivíduo, considerando a idade, 

o sexo e os fatores socioculturais”[1]. 

Considerando  os  comentários  supracitados,  tomamos  por 

melhor  abordagem  a  trazida  no  Preâmbulo  da  CDPD  (alínea  “e”),  que 

entende a deficiência como um “conceito em evolução e que a deficiência 

resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas 

às atitudes e ao ambiente que  impedem a plena e efetiva participação 

dessas  pessoas  na  sociedade  em  igualdade  de  oportunidades  com  as 

demais pessoas”. 

Note‐se  o  aspecto  revolucionário  da  definição  de  deficiência 

feito  pela  Convenção,  pois  aborda  a  constante  evolução  do  conceito, 

trazendo  um  caráter  mais  social  e  interativo  a  este,  e  retirando  a 

imposição  da  visão  de  deficiência  como  doença,  como  a  exposta  na 

Classificação  Internacional  de  Doenças  (CID)  –  daí  o  caráter 

preconceituoso  de  nominar  as  pessoas  com  deficiência  de  inválidas, 

deficitárias, defeituosas, etc. Aqui, ela se origina não das próprias pessoas 

com deficiência, mas, sim, da interação delas entre si e com a sociedade: 

havendo  inclusão  e  participação  efetiva,  inexiste  deficiência[2]!  Neste 

caso, pode‐se inclusive trazer à discussão a inserção no rol de pessoas com 

deficiência  descritas  no  Decreto  n.  5.296/04  de  outras  com  alguma 

disfunção, como as obesas e os cegos monoculares. 

Sobre o termo “pessoa portadora de deficiência”,  largamente 

utilizado  na  legislação  brasileira,  tanto  constitucional  como 

 

 

 

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infraconstitucional  (mas  que  vem  sendo  substituído  por  “pessoa  com 

deficiência”, a exemplo do EPD), e adotado por muitos doutrinadores, não 

concordamos com sua utilização. O  termo portar, segundo o dicionário 

Aurélio, significa carregar consigo, levar, conduzir. Como se vê, este verbo 

indica  ações,  o  que  não  se  coadunam  com  a  ideia  de  pessoa  com 

deficiência, que geralmente  tem, possui uma  incapacidade permanente 

ou de longa duração, de causa congênita ou acidental. O termo portador 

poderia até ser usado no contexto de algumas pessoas com necessidades 

especiais, como o portador do vírus HIV, por carregar,  trazer consigo o 

vírus  causador da AIDS. Não há  lógica, no entanto, dizer que um  cego 

“carrega” sua cegueira, um surdo, a sua surdez, ou um paraplégico, a sua 

falta de locomoção. 

Preferível o  termo  “pessoa  com deficiência”[3], pois além de 

semanticamente  correto,  é  ainda  apregoado  por  organismos 

internacionais,  tais como a ONU e a OMS. Entendemos, ainda, que, ao 

utilizar  essa  terminologia,  dá‐se  primazia  à  palavra  “pessoa”  em 

detrimento de “portador”, muitas vezes mais utilizado, como quando se 

vê,  digamos,  uma  placa  de  dizeres  “vaga  destinada  a  portador  de 

deficiência”.  Quando  se  refere  por  meio  da  expressão  “pessoa  com 

deficiência”,  remete‐se  ao  valor  da  dignidade  da  pessoa  humana,  o 

primado dos direitos  fundamentais e alicerce do sistema constitucional 

atual. 

. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MINORIAS 

As tensões sociais e políticas envolvendo minorias nacionais e 

sociais  têm  motivado  amplas  discussões  entre  os  Estados  soberanos, 

mormente  na  Europa  e  no  âmbito  de  organizações  internacionais.  O 

Conselho de Direitos Humanos da ONU, considerando esta problemática, 

instituiu o Fórum  sobre Assuntos das Minorias, por meio da Resolução 

6/15, de setembro de 2007. Já em sua segunda sessão, de novembro de 

2009, o Fórum passou a discutir sobre “Minorias e Participação Política 

Efetiva”, dada a imperiosidade em tratar sobre a efetivação do direito de 

participação desse grupo em processos decisórios. 

 

 

 

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A avença sobre o tema é recorrente. No campo filosófico, Alves 

(2009, p. 469‐470), baseado em Ortega y Gasset, aborda o embate entre 

minoria e massa, entendendo que o dinamismo entre esses dois fatores 

gera  a  sociedade. O  que  ocorre,  entretanto,  é  que,  por  ser maioria,  a 

massa passa a atuar “diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, 

impondo gostos e aspirações”, prejudicando o exercício pleno dos direitos 

por  parte  das  minorias.  Daí  a  necessidade  de  se  repensar  o  modelo 

democrático como democracia da maioria, o que, para nós, é tirania da 

maioria[4]. Ortega y Gasset (apud ALVES, 2009, p. 470) trata disso quando 

fala da politização das massas: 

[...]  quando  a  massa  se  sente  insatisfeita,  ou 

simplesmente  tem  algum  forte  desejo,  é  para  ela 

uma grande tentação essa possibilidade permanente 

e  segura  de  conseguir  tudo  –  sem  esforço,  luta, 

dúvida ou  risco  ‐,  sem precisar  fazer nada além de 

apertar a mola e ligar a portentosa máquina. A massa 

diz para si mesma: “O Estado sou eu”, o que é um 

erro completo. O Estado só é a massa no sentido que 

se pode dizer que dois homens são idênticos porque 

nenhum  deles  se  chama  João.  O  Estado 

contemporâneo  e  a  massa  só  coincidem  em  ser 

anônimos. Mas acontece que o homem‐massa pensa, 

de fato, que ele é o Estado, e tenderá cada vez mais a 

fazê‐lo funcionar a qualquer pretexto, a esmagar com 

ele qualquer minoria criadora que o perturbe – o que 

perturbe em qualquer campo: na política, nas idéias, 

na indústria.(destacamos) 

No  momento  em  que  a  minoria  começa  a  lutar  por  sua 

autoafirmação,  a  maioria,  a  “massa”,  sente‐se  ameaçada  e,  como 

mencionado por Ortega y Gasset, por pensar ser o próprio Estado, acaba 

por oprimir ou até suprimir a manifestação da minoria, qualquer que ela 

seja, em qualquer aspecto. 

O  Fórum  da  ONU  para  Assuntos  das  Minorias  (s/d,  p.  28) 

concluiu pela grande importância da participação política das minorias: 

 

 

 

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Muitas situações em todo o mundo demonstram 

que  uma  adequada  representação  de  pessoas 

pertencentes a minorias na política e na tomada de 

decisões  pela  sociedade  civil  é  fundamental  para 

quebrar o ciclo de discriminação e exclusão sofrido 

por membros desses  grupos, bem  como os muitas 

vezes desproporcionais níveis de pobreza, e outros 

impedimentos  ao  pleno  gozo  dos  direitos  civis, 

culturais, econômicos, políticos e sociais. Assegurar 

uma participação significativa e informada e a gestão 

pelas  minorias  de  matérias  que  lhes  digam 

diretamente  respeito  é  um  meio  de  promover 

estabilidade  e  integração  nas  sociedades  onde  as 

minorias vivem (tradução livre). 

Quais métodos seriam, então, úteis para que esse direito fosse 

concretizado, contribuindo, desta forma, com práticas de boa governança, 

que aliviam as tensões, servindo ao propósito de prevenção de conflitos, 

tais  como  os  que  envolvem minorias  religiosas,  como  os  católicos  da 

Irlanda do Norte protestante, étnicas,  como os  chechenos na Rússia, e 

sociais, como as mulheres em países islâmicos? 

Em estudo baseado em relatório encomendado pelo Comitê de 

Especialistas em questões relacionadas à Proteção de Minorias (DH‐MIN), 

do  Conselho  da  Europa,  Frowein  e  Bank  (2008,  p.  78)  analisam 

detidamente as maneiras utilizadas pelas nações europeias para assegurar 

a  participação  política  das  minorias  nacionais,  que  têm  ocorrido  nos 

âmbitos de:  i)  representação parlamentar de minorias e o exercício do 

controle  parlamentar;  ii)  representação  das  minorias  em  órgãos 

governamentais; iii) canais informais de participação; iv) diferentes formas 

de autonomia; e v) abordagens em sistemas federais. 

Quando  tratam,  particularmente,  da  primeira  forma  de 

representação, Frowein e Bank (2008, p. 79) trazem à baila a questão de 

que  a  liberdade  de  associação  é  “pré‐condição  fundamental  para  a 

integração de minorias a um Estado”, podendo os segmentos minoritários 

criar organizações e partidos políticos, almejando à transmissão de seus 

 

 

 

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interesses na esfera política. Este direito humano fundamental é esposado 

nos artigos 5°, XVIII e 17 da Constituição Brasileira, bem como no artigo 

22, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[5]. 

Por suas limitações, sobretudo de ordem numérica, as minorias 

precisam  de  ações  afirmativas  para  que  possam  alcançar  maior 

representatividade  no  Poder  Legislativo.  Os  autores  acima  citados 

asseveram que, conquanto seja interessante um “partido da minoria”, a 

presença da “minoria no partido” não obsta que  seus  interesses  sejam 

ouvidos.  Essa  assertiva,  em  nossa  opinião,  seria,  inclusive,  melhor 

aplicável no contexto político‐partidário brasileiro, em que praticamente 

inexiste  a  cultura  de  criação  de  partido  para  representar  interesses 

exclusivos de um segmento minoritário. 

Em algumas hipóteses, os membros das minorias 

podem  defender  os  interesses  delas  enquanto 

membros  de  partidos  políticos  comuns.  Se  essa 

concepção tem êxito e os interesses da minoria são 

dessa forma respeitados, isso pode ser tido como um 

sinal  positivo  de  que  as  preferências  políticas  não 

mais  seguem  limites  étnicos  ou  linguísticos  [ou 

sociais,  ousamos  dizer,  no  caso  das  minorias 

brasileiras]. 

[...] 

Contudo,  a  acomodação  dos  interesses  da 

minoria  dentro  da  estrutura  geral  do  partido 

somente parece ter real propensão ao sucesso se as 

minorias  formam  uma  parte  da  população  que  é 

substancial  o  bastante  para  atrair  a  atenção  no 

estabelecimento de programas políticos  (FROWEIN; 

BANK, 2008, p. 79‐80). 

Mesmo que haja essa inclusão da “minoria no partido”, ainda é 

preciso que sejam concedidos certos privilégios, a fim de que o direito de 

igualdade  de  participação  no  processo  de  tomada  de  decisões  seja 

garantido.  Para  tanto,  alterações  nos  sistemas  eleitorais  seriam 

 

 

 

        15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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aconselháveis, tais como (FROWEIN; BANK, 2008, p. 82): 1) diminuição do 

coeficiente eleitoral a ser obtido para ingresso no parlamento; 2) reserva 

de  assentos;  3)  redução  das  filiações  necessárias  para  registro  de  um 

partido;  4)  delimitação  favorável  das  circunscrições  eleitorais, 

especialmente,  no  caso  de  votação  majoritária;  e  5)  financiamento 

privilegiado a partidos de minorias. 

Todas essas medidas iriam, sobremaneira, facilitar a construção 

de uma democracia plural, inclusiva e participativa, em que não somente 

a  vontade  da  maioria  prevalece,  pois  se  deve  deferir  igualdade  de 

participação política às minorias, seja como cidadãos votantes ou votados, 

de forma que a fraternidade exaltada no  ideário da Revolução Francesa 

realize‐se[6]. 

 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 

. . Breve histórico das pessoas com deficiência: da antiguidade à 

publicação da Convenção da ONU sobre seus direitos 

As pessoas com deficiência, como as demais minorias, sempre 

sofreram com o preconceito. Durante toda a história da humanidade, sua 

figura  foi  controversa.  Na  maioria  das  vezes,  havia  um  tratamento 

discriminatório,  como o  lançamento das  crianças espartanas  com  “má‐

formação”  no  abismo  do monte  Taygetos  (MELO,  2004,  p.  29). Mais 

raramente,  considerava‐se  que  pessoas  com  deficiência  possuíam  algo 

especial, sendo divinizadas, tratadas como conselheiras, como os cegos e 

deficientes físicos da tribo Semang, na Malásia (MELO, 2004, p. 27). 

Na Grécia Antiga, Platão, durante a decadência da democracia 

ateniense, buscando a construção de um Estado ideal, adota um discurso 

eugênico, afirmando que “os melhores homens devem se unir às melhores 

mulheres,  o  mais  frequentemente  possível,  e  os  defeituosos  às 

defeituosas,  o  mais  raro  possível”  (ASSIS;  POZZOLI,  2005,  p.  64). 

Aristóteles,  apesar  de  defender,  de  certa  forma,  a  eugenia,  procurou 

incluir as pessoas com deficiência, ao apregoar que, em vez de sustentá‐

los,  dever‐se‐ia  dar‐lhes  um  emprego,  ensinando‐lhes  a  desempenhar 

uma tarefa útil (MELO, 2004, p. 31). 

 

 

 

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A  visão  preconceituosa  quanto  às  pessoas  com  deficiência 

prolongou‐se também na  Idade Média e Moderna, com raras exceções. 

Com  o  surgimento  do  Estado  Moderno,  vinculado  às  teorias 

contratualistas  da  soberania  e  influenciado  pelo  crescente  capitalismo 

impulsionado pelas grandes navegações, separam‐se os trabalhadores dos 

meios de produção, da propriedade, que são do soberano. Com isso, surge 

uma grande quantidade de pessoas sem ocupação, por não haver vagas o 

bastante  nas  manufaturas,  o  que  é  maximizado  com  a  Revolução 

Industrial. 

O aviltamento dos  trabalhadores é  flagrante,  sendo homens, 

mulheres  e  crianças,  indistintamente,  submetidos  a  longas  horas  de 

trabalho  pesado  em  galpões  com  pouca  iluminação  e  ventilação,  com 

horários exíguos para alimentação e poucas horas de sono. Não é de se 

admirar,  portanto,  o  grande  número  de  pessoas  que  tinham  seus 

membros decepados pelas máquinas ou  se  contaminavam  com  vírus e 

bactérias  que  se  proliferavam  fartamente  nas  fábricas. Não  havia,  por 

óbvio, nenhuma assistência ou mesmo política estatal de integração das 

pessoas que não mais se conformavam ao trabalho exigido nas linhas de 

produção. 

Tal  situação  alterou‐se  substancialmente  com  o  advento  do 

século XX, mormente após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da 

ONU e a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 

em 1948. O problema de  reabilitação e  reinclusão dos ex‐combatentes 

que foram mutilados durante as guerras foi decisivo para que os direitos 

das  pessoas  com  deficiência  fossem  finalmente  ouvidos,  já  que  estas 

“desejavam permanecer ativas, uma vez que haviam ocupado, com bons 

resultados, os postos vagos na indústria, comércio e serviços deixados por 

aqueles que haviam sido convocados para a guerra”, (MELO, 2004, p. 37). 

Neste  mote,  um  dos  primeiros  documentos  internacionais  a  tratar 

especificamente  sobre  direitos  das  pessoas  com  deficiência  foi  a 

Recomendação  n.  99  (sobre  Reabilitação  Vocacional),  da  Organização 

Internacional do Trabalho (OIT), de 1955. 

No  decorrer  dos  anos  seguintes,  outros  documentos 

internacionais trataram sobre os direitos das pessoas com deficiência, tais 

 

 

 

        17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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como  a  Declaração  dos  Direitos  do  Deficiente  Mental  (1971)  e  a 

Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975), ambas das Nações 

Unidas. A própria ONU instituiu o ano de 1981 como o “Ano Internacional 

dos Deficientes” e, por meio de sua Assembleia Geral, criou o Programa 

Mundial de Ação relativo às Pessoas Deficientes (PAM‐ONU), a partir do 

qual  o  tema  de  inclusão  dessa  minoria  passou  a  ser  discutido  como 

questão  de  direitos  humanos  e  não  como  política  estatal  de 

assistencialismo/paternalismo. 

No âmbito do sistema  interamericano de direitos humanos, a 

Assembleia  Geral  da  Organização  dos  Estados  Americanos  aprovou  a 

Convenção  Interamericana  para  a  Eliminação  de  Todas  as  Formas  de 

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, aprovada em 

1999 e internalizada no Brasil pelo Decreto 3.956/2001. 

O  tema,  não  obstante,  acabou  tendo  suas  discussões 

arrefecidas  com  o  passar  do  tempo, mesmo  em meio  aos  apelos  dos 

ativistas dos direitos das pessoas com deficiência para que se elaborasse 

uma convenção específica no sistema onusiano que lhes atendesse, uma 

vez que as declarações anteriores não conseguiram mudar o pensamento 

dos Estados e da sociedade, como assevera a ex‐Subsecretária Nacional 

de  Promoção  dos  Direitos  das  Pessoas  com  Deficiência,  Izabel Maria 

Madeira de Loureiro Maior (BRASIL, 2010, p. 7). 

O  presidente mexicano  Vicente  Fox  retomou  a  discussão  ao 

propor, na Assembleia Geral da ONU de 2001, que se fizesse a Convenção 

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cuja elaboração, que ficou 

a cargo da Comissão de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, 

foi  inovadora,  visto  que  oficializou  a  participação  das  pessoas  com 

deficiência durante todo o procedimento. 

Essa  participação  na  feitura  da  CDPD  ocorreu  graças  aos 

próprios esforços dessa minoria, que criou um “Grupo de Trabalho sobre 

a Deficiência”, promovendo a definição de estratégias, maximização de 

seu potencial e união das pessoas com deficiência em uma só voz, com o 

lema “Nada sobre nós sem nós”. O comitê ad hoc acatou a inclusão desse 

grupo  de  trabalho,  dando‐lhe  o  poder  de  escolher  as  entidades  não‐

 

 

 

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governamentais  que  dele  participariam,  sendo  nomeadas  aquelas 

vinculadas  à  Aliança  Internacional  para  a  Deficiência  (International 

Disability Alliance – IDA), que é a rede organizações globais e regionais de 

pessoas  com  deficiência,  tais  como  a  União  Mundial  dos  Cegos  e  a 

Federação Mundial dos Surdos (CERTEZA, 2006). 

Finalmente, em 13 de dezembro de 2006, foi promulgada pela 

Assembleia Geral das Nações Unidas a Convenção sobre os Direitos das 

Pessoas  com  Deficiência  (Convention  on  the  Rights  of  Persons  with 

Disabilities,  em  inglês),  primeiro  tratado  internacional  de  direitos 

humanos da ONU no século XXI, assinada pelo Brasil em 30 de março de 

2007  e  recepcionada  em  nosso  ordenamento  com  status  de  emenda 

constitucional  pelo  Decreto  Legislativo  186/2008  e  pelo  Decreto 

6.949/2009,  abordando  os  direitos  e  garantias  das  pessoas  com 

deficiência em relação a, dentre outros, acessibilidade, educação, saúde, 

trabalho,  igualdade de oportunidades e, enfim, participação política das 

pessoas com deficiência. Esta última é aventada nos seguintes termos: 

Artigo    –  Participação  na  vida  política  e 

pública 

Os  Estados  Partes  garantirão  às  pessoas  com 

deficiência  direitos  políticos  e  oportunidade  de 

exercê‐los em condições de igualdade com as demais 

pessoas, e deverão: 

a)  Assegurar  que  as  pessoas  com  deficiência 

possam  participar  efetiva  e  plenamente  na  vida 

política  e  pública,  em  igualdade  de  oportunidades 

com as demais pessoas, diretamente ou por meio de 

representantes  livremente  escolhidos,  incluindo  o 

direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, 

mediante, entre outros: 

i) Garantia de que os procedimentos, instalações 

e  materiais  e  equipamentos  para  votação  serão 

apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso; 

 

 

 

        19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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ii)  Proteção  do  direito  das  pessoas  com 

deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, 

sem  intimidação,  e  a  candidatar‐se  nas  eleições, 

efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar 

quaisquer  funções  públicas  em  todos  os  níveis  de 

governo,  usando  novas  tecnologias  assistivas, 

quando apropriado; 

iii) Garantia da  livre expressão de  vontade das 

pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, 

sempre  que  necessário  e  a  seu  pedido,  permissão 

para que elas sejam auxiliadas na votação por uma 

pessoa de sua escolha; 

b) Promover ativamente um ambiente em que as 

pessoas com deficiência possam participar efetiva e 

plenamente na condução das questões públicas, sem 

discriminação e em igualdade de oportunidades com 

as demais pessoas, e encorajar sua participação nas 

questões públicas, mediante: 

i)  Participação  em  organizações  não‐

governamentais  relacionadas  com  a  vida  pública  e 

política  do  país,  bem  como  em  atividades  e 

administração de partidos políticos; 

ii)  Formação de organizações para  representar 

pessoas  com  deficiência  em  níveis  internacional, 

regional,  nacional  e  local,  bem  como  a  filiação  de 

pessoas com deficiência a tais organizações. (grifos e 

destaques nossos) 

Como  visto  acima,  a  CDPD  trata  dos  direitos  políticos  das 

pessoas com deficiência sob dois aspectos, expostos nas alíneas “a” e “b”. 

A primeira aborda a participação na vida pública e política, em igualdade 

de oportunidades e com a utilização de meios que facilitem sua expressão 

política, enquanto a segunda discorre sobre a participação na condução 

de questões públicas, apregoando a importância do direito de liberdade 

 

 

 

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de associação, bem como da ação de organizações não‐governamentais e 

de órgãos e conselhos executivos. 

Em comentário a este artigo, o ex‐deputado estadual capixaba 

Cláudio Vereza louva à sua inédita inclusão, pois é prova da consolidação 

da  democracia  em  nível  internacional,  obrigando  que  todos  (Estado, 

sociedade e as próprias pessoas  com deficiência) promovam  condições 

para  o  exercício  pleno  e  digno  da  cidadania  deste  segmento  social 

minoritário. 

Isto não se traduz apenas na garantia de que as 

pessoas  com  deficiência  possam  votar  com 

facilidade.  Requer  investimentos  na  formação  e 

qualificação para que as pessoas tenham condições 

de participar ativamente da vida da sociedade, seja 

em entidades ou movimentos, seja em comissões ou 

conselhos de direitos, ou mesmo para que possam 

votar  com  consciência,  ou  serem  elas  próprias 

candidatos  e  candidatas  aos  cargos  em  disputa.  É 

preciso  que  as  informações  possam  ser  acessadas 

sem  nenhum  entrave,  transformando  assim  estas 

pessoas em protagonistas de sua própria trajetória. 

Ao  participar  da  vida  pública,  por  exemplo,  as 

pessoas  podem  ajudar  a  conduzir  as  ações  que 

promovem qualidade de vida para todos. Passamos 

assim  de  sujeitos  passivos  para  sujeitos  ativos  na 

construção da sociedade que sonhamos, para todos 

e  todas,  independentemente  de  suas  condições 

pessoais e sociais (RESENDE; VITAL, 2008, p. 99‐100). 

A  participação  política  das  pessoas  com  deficiência  tem  se 

demonstrado  robusta  e  firme,  com  a  capacidade  de  trazer  à  tona  a 

discussão da  efetivação de  seus direitos humanos no bojo das Nações 

Unidas, a ponto de não somente influenciarem na discussão da convenção 

sobre seus direitos, mas, sobretudo, serem seus redatores, o que dá ainda 

maior  respaldo e  legitimidade ao documento, quebrando a perspectiva 

 

 

 

        21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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errônea de que  são  incapazes de manifestar  seus desejos e  requerer a 

concretização  de  suas  prerrogativas  e  mostrando  à  comunidade 

internacional  a  força  da  construção  de  uma  sociedade  democrática  e 

plural. 

. . O movimento político das pessoas com deficiência no Brasil 

Os estudos sobre pessoas com deficiência em nosso país ainda 

são bastante  limitados, havendo maior número de trabalhos abordando 

essa minoria no âmbito da Educação e de direitos específicos, como ao 

trabalho,  à  acessibilidade  e  à  saúde.  O movimento  político‐social  das 

pessoas com deficiência, entretanto, ainda é pouco analisado, carecendo 

de bibliografia sobre o tema. 

Essa problemática é  trazida em  interessante artigo de Rosa e 

Borba (2006). Nele, afirmam os autores que este movimento surgiu e foi 

fortalecido  entre  as  décadas  de  1970  e  1980,  pela  conjugação  dos 

seguintes fatores: 

1  –  necessidades  objetivas  possibilitaram  a 

tomada de consciência de uma parcela das próprias 

pessoas com deficiência no sentido de travarem lutas 

na defesa dos seus direitos; 2 – a conjuntura nacional 

favorável,  em  que  movimentos  políticos  e  sociais 

lutavam  contra  a  Ditadura  Militar,  na  busca  da 

redemocratização, da participação e da garantia de 

bens materiais;  3  –  a mobilização  internacional  do 

segmento das pessoas com deficiência forçando uma 

conjuntura  favorável  em  torno  desta  problemática 

social; 4 – um certo estímulo do governo brasileiro 

que  não  via  nesse  movimento  nenhuma  ameaça 

política ideológica (ROSA; BORBA, 2006, p. 182). 

A  seguir,  discorrem  Rosa  e  Borba  (2006,  p.  184)  sobre  tais 

causas  que  impulsionaram  o movimento  das  pessoas  com  deficiência, 

partindo  da  ideia  de  que  a  origem  do  preconceito  e  da  discriminação 

contra esse segmento social é na falsa crença de que essas pessoas são 

incapazes de trabalhar, argumento amplamente refutável, tendo em vista 

 

 

 

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os inúmeros estudos sobre o tema. O que ocorre é que, infelizmente, boa 

parte dos gestores públicos, dos empresários e da própria sociedade ainda 

não conseguiu superar visões pré‐concebidas sobre a capacidade dessa 

minoria. 

No final dos anos 1970 e início da década seguinte, a conjuntura 

política nacional e  internacional motivou o crescimento da participação 

política  das  pessoas  com  deficiência.  No  Brasil,  várias  forças  políticas, 

inclusive de fundamentos e  interesses divergentes, uniram‐se para  lutar 

pela  redemocratização  e  pela  liberdade  de  se  expressar,  organizar  e 

participar de movimentos políticos, em meio a uma ditadura militar  já 

decadente, sob a gestão do último presidente militar, João Figueiredo. A 

bandeira levantada pelas pessoas com deficiência era a que reclamava “o 

fim da tutela e a ‘participação plena’” (ROSA; BORBA, 2006, p. 188). 

No mundo, a pressão da comunidade  formada pelas pessoas 

com  deficiência  sobre  a ONU  fê‐la  instituir medidas  e  programas  que 

divulgassem a exclusão desse grupo do exercício de direitos, a fim de que 

os  Estados  e  a  sociedade  voltassem  seus  olhos  para  a  necessidade  de 

inserção deste segmento social. Com  isso,  foi promulgada a Declaração 

dos Direitos de Deficientes (1975), designado o ano de 1981 como o Ano 

Internacional  dos  Deficientes  e  criado,  no  ano  seguinte,  o  PAM‐ONU, 

como mencionado anteriormente. 

Um dos primeiros grandes passos do movimento nacional das 

pessoas  com  deficiência  foi  quando  se  realizou  o  primeiro  Encontro 

Nacional  de  Entidades  de  Pessoas  com  Deficiência,  com  quase  de mil 

participantes, “incluindo cegos, surdos, deficiente físicos e hansenianos de 

diversas regiões do país. Na pauta principal o lema da Participação plena 

e  o  fim  da  tutela  do  Estado  e  das  instituições  especializadas”  (ROSA; 

BORBA, 2006, p. 193). A ele se seguiu a criação de uma Coalizão Nacional 

de Pessoas com Deficiência, que promoveu congressos para discussão de 

direitos e participação política desta minoria. 

A partir de 1984, com o fim da Coalizão Nacional, o movimento 

passou  a  funcionar  por  meio  de  federações  nacionais  e  estaduais 

representando  entidades  específicas  de  pessoas  com  deficiência,  com 

 

 

 

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propostas  também de caráter peculiar, de acordo com as necessidades 

dos grupos específicos. Dentre elas, podemos citar a Federação Nacional 

de  Educação  e  Integração  de  Surdos  (Feneis),  Sociedade  Brasileira  de 

Ostomizados (SOB) e Federação Brasileira de Entidade de Cegos (FEBEC). 

Quando da  elaboração da  atual Constituição da República,  a 

força do movimento de pessoas com deficiência mostrou‐se mais uma vez 

eficiente, lutando para que o direito à igualdade material fosse disposto, 

em  suas diversas vertentes, no  texto constitucional. No ano  seguinte à 

promulgação de nossa Lei Maior, foi também publicada a Lei 7.853/1989, 

que dispõe sobre o apoio e integração à causa desta minoria. Seguiram‐se 

a ela outras normas assegurando os direitos das pessoas com deficiência 

quanto a trabalho, educação, saúde, acessibilidade etc, sem contar com a 

criação  de  órgãos  de  implementação  de  políticas  públicas  para  essa 

categoria,  bem  como  de  fiscalização  das  mesmas,  quais  sejam, 

respectivamente,  a  coordenadoria  Nacional  da  Pessoa  Portadora  de 

Deficiência (Corde), atual Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da 

Pessoa  com  Deficiência,  e  Conselho  Nacional  dos  Direitos  da  Pessoa 

Portadora de Deficiência (Conade). 

Coroando  esse  processo  de  efetivação  dos  direitos  de 

participação política, o Estatuto da Pessoa com Deficiência dispõe, em seu 

art. 76, o seguinte: 

Art. 76.  O poder público deve garantir à pessoa 

com  deficiência  todos  os  direitos  políticos  e  a 

oportunidade  de  exercê‐los  em  igualdade  de 

condições com as demais pessoas. 

§ 1o  À pessoa com deficiência será assegurado o 

direito de votar e de ser votada,  inclusive por meio 

das seguintes ações: 

I  ‐  garantia  de  que  os  procedimentos,  as 

instalações,  os  materiais  e  os  equipamentos  para 

votação  sejam  apropriados,  acessíveis  a  todas  as 

pessoas e de fácil compreensão e uso, sendo vedada 

 

 

 

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a  instalação  de  seções  eleitorais  exclusivas  para  a 

pessoa com deficiência; 

II  ‐  incentivo  à  pessoa  com  deficiência  a 

candidatar‐se  e  a  desempenhar  quaisquer  funções 

públicas em todos os níveis de governo, inclusive por 

meio do uso de novas tecnologias assistivas, quando 

apropriado; 

III ‐ garantia de que os pronunciamentos oficiais, 

a  propaganda  eleitoral  obrigatória  e  os  debates 

transmitidos pelas emissoras de televisão possuam, 

pelo menos, os recursos elencados no art. 67 desta 

Lei; 

IV ‐ garantia do livre exercício do direito ao voto 

e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, 

permissão  para  que  a  pessoa  com  deficiência  seja 

auxiliada na votação por pessoa de sua escolha. 

§ 2o  O poder público promoverá a participação 

da  pessoa  com  deficiência,  inclusive  quando 

institucionalizada,  na  condução  das  questões 

públicas,  sem  discriminação  e  em  igualdade  de 

oportunidades, observado o seguinte: 

I  ‐  participação  em  organizações  não 

governamentais  relacionadas  à  vida  pública  e  à 

política do País e em atividades e administração de 

partidos políticos; 

II ‐ formação de organizações para representar a 

pessoa com deficiência em todos os níveis; 

III  ‐ participação da pessoa com deficiência em 

organizações que a representem. 

 

 

 

        25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Constata‐se, pela  leitura dos  trechos grifados acima que, não 

somente incentiva a participação política dessa minoria no acesso a cargos 

eletivos,  como  também  na  de  organizações  de  e  para  pessoas  com 

deficiência, aumentando o pluralismo político‐social. 

. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Viu‐se que os direitos das minorias, mormente os das pessoas 

com deficiência, têm sido ao longo dos anos massacrados, sendo sua voz 

muitas vezes arrefecida em meio aos gritos da maioria,   que  impõe sua 

ditadura. 

As  conquistas  destes  segmentos,  entretanto,  vêm  sendo 

paulatinamente  maiores,  na  medida  em  que  as  organizações 

internacionais,  os  Estados  e  a  sociedade  civil  passam  a  entender  a 

importância da construção conjunta de uma democracia para todos. 

Falando  sobre  o  povo,  Müller  (2003)  entende‐o 

como destinatário de prestações civilizatórias do Estado, conceito ligado à 

afirmação de Abraham Lincoln – democracia é governo do povo, pelo povo 

e para o povo – e aos direitos de cidadania e humanos. Define o povo 

como aquele possuidor da dignidade da pessoa humana, da personalidade 

jurídica, de direitos constitucionais e infraconstitucionais, como os direitos 

de ampla defesa e do contraditório. É, enfim, o conceito mais amplo de 

povo,  pois  atinge  a  todos,  homens,  mulheres,  crianças,  estrangeiros, 

votantes  ou  não.  A  democracia,  destarte,  envolve muito mais  que  os 

anseios da multidão, mas também das parcelas minoritárias, que possuem 

demandas particulares, mas que devem ser ouvidas e realizadas, para que 

a solução dos conflitos e o primado da dignidade humana se realizem. 

Sendo  a  sociedade  e  o  Governo  agentes  da  inclusão  das 

minorias e das pessoas com deficiência, é preciso  lembrar que elas não 

podem tratar estes segmentos com sentimentos de indiferença, caridade 

ou paternalismo, pois tais comportamentos somente perpetuarão a visão 

de que estes grupos são coitados, necessitando de outros para manifestar 

sua vontade política e cidadania. 

 

 

 

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Uma advertência que se deve fazer, entretanto, às pessoas com 

deficiência  é  que  aquelas  que  nunca  se  envolveram  em  alguma 

manifestação  política  por  seus  direitos,  devem  fazê‐lo.  Aquelas  que  já 

fazem precisam unir forças entre si e com outros segmentos específicos 

de pessoas com deficiência e outras minorias, fortalecendo ainda mais o 

movimento  de  emancipação  política,  desfigurando  o  paradigma  de 

“coitadinhos” e “necessitados”, de que muitas vezes se apropriam. 

É  importante  também  que  as  pessoas  com  deficiência 

busquem, elas mesmas, lutar por seus direitos, elegendo representantes 

de sua comunidade para falar de seus anseios nas  instâncias decisórias, 

para que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o 

Estatuto  da  Pessoa  com  Deficiência  possam  ser  conhecidos  e 

concretizados e seus direitos humanos assegurados. 

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midiatizada: Identidade e diferença como expressões folkcomunicacionais 

no  Horário  Gratuito  de  Propaganda  Eleitoral  em  2006.  Revista 

Internacional  de  Folkcomunicação,  v.  4,  n.  8,  jul./dez.  2006. 

Disponível  em: 

<http://www.revistas.uepg.br/index.php/folkcom/article/viewFile/550/3

83 >. Acesso em: 17 nov. 2016. 

WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. Relatório Mundial sobre a 

Deficiência. Tradução: Lexicus Serviços Linguísticos. São Paulo: SEDPcD, 

2012.  Disponível  em: 

<http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/44575/4/9788564047020_po

r.pdf>.  Acesso em: 13 abr. 2016. 

NOTAS:

[1] Lembra ainda o pesquisador norte-americano Heward (2000, p. 4) das pessoas em risco de sofrerem alguma deficiência, que são aquelas que possuem uma chance maior do que a normal de desenvolver uma deficiência. Explica ele que o termo se aplica a crianças que, devido a condições de nascimento ou ao ambiente de suas casas, poderão sofrer posteriormente problemas para se desenvolverem. Outro exemplo é o de bebês cujas mães estão acima ou abaixo da idade fértil usual ou são dependentes de álcool e/ou drogas.

[2] “O conceito de pessoa com deficiência adotado pela Convenção supera as legislações tradicionais que normalmente enfocavam o aspecto clínico da deficiência. As limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais passam a ser consideradas atributos das pessoas, atributos esses que podem ou não gerar restrições para o exercício dos direitos, dependendo das barreiras sociais ou culturais que se imponham aos cidadãos com tais limitações, o que possibilita afirmar-se que a deficiência é a combinação de limitações pessoais com impedimentos culturais, econômicos e sociais. Desloca-se a questão do âmbito do individuo

 

 

 

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com deficiência para as sociedades que passam a assumir a deficiência como problema de todos.” (FONSECA, s/d).

[3] Tome-se nota ao fato de que o termo “pessoa com necessidades especiais”, apesar de ter caráter eufemístico quanto às pessoas com deficiência, refere-se a um grupo maior de pessoas, como as gestantes e as idosas, que também necessitam ter voz política e de assistência especial. Outra terminologia que deve ser aplicada com cuidado é a da palavra “excepcional” à generalidade das pessoas com deficiência, pois mais correntemente utilizada para aquelas com deficiência mental/intelectual. De toda forma, melhor usar a locução “pessoa com deficiência” mais o adjetivo que caracteriza aquele tipo específico de deficiência, como “motora” e “visual”.

[4] Expressão utilizada por Baptista (2003, p. 196), em seu texto sobre participação política das minorias.

[5] Conferir também os artigos 1° a 6° da lei n. 9.096/95 (lei dos Partidos Políticos). Silva (2007, p. 268), vale salientar, explicita que “há duas restrições [no sistema constitucional brasileiro] à liberdade de associar-se: veda-se associação que não seja para fins lícitos ou de caráter paramilitar... No mais, têm as associações o direito de existir, permanecer, desenvolver-se e expandir-se livremente” (grifos do original). Semelhantemente, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos é contrário à interferência à liberdade de associação sob a alegativa de que o partido político, por exemplo, assenta-se em bases religiosas, étnicas ou regionais, a não ser que haja incitação ao ódio ou à secessão (FROWEIN; BANK, 2008, p. 79-80).

[6] “É aqui que se pode antever a ‘luz do fim do túnel’ para as facções minoritárias da sociedade. Na medida em que a maioria aceita a existência das minorias, diverge, mas respeita suas vontades e propicia uma abertura política para elas se manifestarem e participarem do poder decisional. Essas minorias saem do ostracismo e passam a influenciar os rumos da nação e a ter defendidos seus interesses” (BAPTISTA, 2003, p. 201-202).

   

 

 

 

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Os precedentes judiciais no âmbito do controle difuso-incidental de constitucionalidade

REBECA SOUZA HENRIQUES SILVA: Pós - graduada em Direito do Estado pela UFBA.

RESUMO:  A  eficácia  das  decisões  incidentais,  proferidas  pela  Suprema 

Corte,  no  sistema  difuso  de  controle  de  constitucionalidade  será 

redimensionada frente à nova sistemática dos precedentes vinculantes. 

PALAVRAS  –  CHAVES:  Controle  Difuso  de  Constitucionalidade; 

Precedentes Judiciais. 

INTRODUÇÃO

Este artigo  tem por escopo demonstrar que a decisão do Supremo 

Tribunal Federal sobre o incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato 

normativo  no  âmbito  de  controle  difuso  firma  precedente  obrigatório, 

inclusive com autoridade de coisa julgada, possui eficácia geral e vincula 

todos os demais órgãos do poder judiciário. 

Portanto, temos o objetivo de demonstrar que a abstrativização do 

controle  difuso‐incidental  de  constitucionalidade  no  Brasil  é  hoje  uma 

realidade. Propomos conferir às decisões da Suprema Corte no âmbito do 

controle difuso efeitos erga omnes e vinculantes, tal qual são conferidos 

na seara do controle concentrado. 

Com a nova sistemática processual civil de 2015, estudada à  luz da 

jurisdição  constitucional,  resta  inconcebível  a  ideia  de  negar 

normatividade  vinculante  e  eficácia  geral  às  decisões  incidentais  de 

inconstitucionalidade  proferidas  pelo  Supremo  Tribunal  Federal,  em 

controle difuso de constitucionalidade. 

 

 

 

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A Constituição de 1988 é dotada de rigidez, o que configura requisito 

essencial para o controle de constitucionalidade no Brasil, uma vez que 

possui  processo mais  solene  para  sua  alteração. Noutro  giro,  a  rigidez 

instrumentaliza o “Princípio da Supremacia da Constituição”, verdadeira 

“Pedra  Angular”  que  se  coloca  no  vértice  do  ordenamento  e  confere 

validade,  estrutura  e  organização  do  sistema  jurídico  e  político  do 

Estado [1]. 

Outro requisito essencial para o controle de constitucionalidade é a 

“atribuição de competência a um órgão para  resolver os problemas de 

constitucionalidade”[2]. No Brasil é adotado o sistema jurisdicional misto 

de controle de constitucionalidade, realizado pelo Poder Judiciário, sob a 

forma de controle concentrado ou difuso. 

Esse trabalho restringe‐se ao estudo do sistema difuso‐incidental de 

constitucionalidade,  especialmente  em  face  da  nova  sistemática  dos 

precedentes judiciais. 

Para  alcançar  nosso  objetivo  passaremos  à  breve  análise  dos 

seguintes temas: o controle de constitucionalidade no sistema brasileiro, 

o  procedimento  do  controle  difuso‐incidental  de  constitucionalidade  e 

seus  efeitos,  o  papel  do  Senado  Federal  na  jurisdição  constitucional 

incidental, a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, a nova 

sistemática dos Precedentes Vinculantes e da Coisa Julgada, o precedente 

vinculante à luz dos direitos fundamentais, e, por fim, às conclusões deste 

trabalho. 

1.    NOÇÕES  PRELIMINARES  DO  CONTROLE  DE 

CONSTITUCIONALIDADE E O SISTEMA BRASILEIRO 

A Constituição Federal de 1988 é a mais alta expressão do Sistema 

Jurídico Brasileiro e do Estado Democrático de Direito. 

Com efeito, doutrina Hans Kelsen que uma norma  jurídica para ser 

válida precisa necessariamente estar fundamentada em norma superior, 

ou seja, o fundamento de validade de uma ordem normativa encontra‐se 

na  norma  fundamental.  A  respeito  da  lição  acerca  da  “Estrutura 

Escalonada da Ordem Jurídica”, vejamos: 

 

 

 

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A  ordem  jurídica  não  é  um  sistema  de  normas 

jurídicas ordenadas no mesmo plano,  situadas umas 

ao lado das outras, mas é uma construção escalonada 

de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A 

sua  unidade  é  produto  da  conexão  de  dependência 

que resulta do fato de a validade de uma norma, que 

foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar 

sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é 

determinada por outra; e assim por diante, até abicar 

finalmente  na  norma  fundamental  –  pressuposta. A 

norma  fundamental‐  hipotética,  nestes  termos  –  é, 

portanto,  o  fundamento  de  validade  de  último  que 

constitui a unidade desta interconexão criadora.[3] 

Assim, a Supremacia da Constituição necessita permanecer incólume 

para  conferir  validade  ao  sistema  infraconstitucional,  e, 

consequentemente, regular convívio harmônico entre os indivíduos, e os 

poderes. 

Uma  Constituição  rígida  instrumentaliza  a  Supremacia  da 

Constituição e esta sustenta o Estado Democrático de Direito. Então, o 

controle  de  constitucionalidade  surge  para  garantir  a  Supremacia  da 

Constituição,  para  que  todo  o  sistema  jurídico  tenha  fundamento  de 

validade na Constituição. 

Como  pressuposto  para  existência  de  um  controle  de 

constitucionalidade,  leciona Pedro Lenza que é essencial a existência de 

“Constituição  rígida”  e  “atribuição  de  competência  a  um  órgão”  para 

solucionar questões constitucionais. 

Por Constituição rígida, entende‐se aquela “que possui um processo 

de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene do que o processo 

legislativo de alteração das normas não constitucionais (...) pressupõe a 

noção de um escalonamento normativo” [4]. 

Dirley  da  Cunha  ensina:  “em  razão  da  supremacia  constitucional, 

todas  as  normas  jurídicas  devem  compatibilizar‐se,  formal  e 

materialmente,  com  a  Constituição.  Caso  contrário,  a  norma  lesiva  a 

 

 

 

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preceito  constitucional,  através  do  controle  de  constitucionalidade,  é 

invalidada” [5]. 

Quanto à “atribuição de competência a um órgão” para a solução de 

problemas constitucionais, o  sistema adotado pelo Brasil é o “Controle 

Jurisdicional”, através do qual o Poder  Judiciário controla as  leis e atos 

normativos  eivados  de  vícios  de  inconstitucionalidade,  através  dos 

modelos:  “controle  concentrado”  ou  “controle  difuso”  de 

constitucionalidade. 

O  modelo  concentrado  de  constitucionalidade  nasce  no  direito 

brasileiro com a Constituição de 1934, com a  introdução da ação direta 

como  procedimento  do  processo  de  intervenção,  qual  seja,  a 

representação interventiva.[6] 

Entretanto, somente com a Emenda Constitucional número 16 do ano 

de 1965 à Constituição de 1946, que passou a integrar ao nosso sistema o 

controle  concentrado  (abstrato)  de  normas,  com  a  adoção  da 

representação de  inconstitucionalidade, com competência reservada ao 

Supremo Tribunal Federal. [7] 

Controle concentrado ou abstrato controla abstratamente as leis ou 

atos  normativos  do  poder  público  em  confronto  com  a  Constituição, 

ocorre verdadeira “fiscalização abstrata” realizada pelo Supremo Tribunal 

Federal,  instrumentalizada  por meio  de  uma  ação  direta  cujo  pedido 

principal é a declaração de  inconstitucionalidade ou constitucionalidade 

das leis ou atos normativos do poder público.[8] 

O controle difuso (concreto) de constitucionalidade, por sua vez, foi 

consagrado no ordenamento brasileiro através da Constituição de 1891, 

por influência norte‐americana, fundamentado atualmente no artigo 102, 

inciso III, da Constituição de 1988.[9] 

De  maneira  diversa  do  controle  concentrado,  em  que  o  pedido 

principal  consiste  na  declaração  de  constitucionalidade  ou 

inconstitucionalidade  das  normas,  no  controle  difuso  de 

constitucionalidade o pedido principal consiste no bem da vida perseguido 

no  curso  de  uma  demanda  judicial  concreta,  e  o  exame  da 

 

 

 

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constitucionalidade  das  leis  ou  atos  normativos  do  poder  público  são 

analisados  incidentalmente,  como  questão  prejudicial,  nessa  mesma 

demanda, podendo ser realizado por qualquer juiz ou tribunal. 

  Resguardamos  nosso  tema  para  tratar  tão  somente  do  Controle 

Difuso‐ Incidental de Constitucionalidade. 

2. O CONTROLE DIFUSO – INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE NA 

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 

2.1.  SURGIMENTO.  NECESSÁRIA  COMBINAÇÃO  DO  CONTROLE 

DIFUSO E CONTROLE INCIDENTAL. PROVOCAÇÃO 

Conforme  abalizada  doutrina,  o  primórdio  do  controle  difuso  é 

proveniente  do  direito  norte‐americano,  através  do  caso  Marbury  x 

Madison, julgado pelo juiz John Marshall em 1803. “A decisão de Marshall 

representou a consagração não só da supremacia da Constituição em face 

de todas as demais normas jurídicas, como também do poder e dever dos 

juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição” [10]. 

O controle  judicial norte‐americano de constitucionalidade trouxe a 

ideia  de  que  qualquer  juiz  ou  tribunal  poderia  declarar  a 

inconstitucionalidade  das  leis  e  atos  normativos  ‐  a  isso  se  chama 

“controle difuso” ‐ que restou atrelado ao caso concreto como demanda 

necessária  e  prejudicial  à  solução  de  constitucionalidade  ou 

inconstitucionalidade ‐ a isso se chama “controle incidental”. Ensina‐nos 

Dirley da Cunha Júnior a respeito de tal controle: 

Esclareça‐se  que,  embora  o  controle  incidental 

venha geralmente associado ao controle difuso, com 

ele, entretanto, não se confunde. Nos Estados Unidos 

pode‐se  dizer  que  há  essa  coincidência,  pois  lá  o 

controle  incidental  é  sempre  difuso.  No  Brasil 

igualmente,  há  essa  coincidência  (à  exceção  da 

hipótese prevista no inciso I do parágrafo único do art. 

1  da  lei  9882/99,  que  criou  a  chamada  arguição 

incidental  de  descumprimento  de  preceito 

 

 

 

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fundamental  a  ser  julgada  concentradamente  pelo 

STF) [11]. 

Assim,  através  do  controle  difuso‐incidental,  o  controle  de 

constitucionalidade de leis e atos normativos é realizado incidentalmente 

no curso de uma demanda concreta, por qualquer  juiz ou tribunal. “Daí 

afirmar‐se  que  o  controle  difuso  é  um  controle  incidental.  É  uma 

combinação necessária” [12]. 

Podemos perceber, portanto, que no exercício do controle difuso o 

reconhecimento da  inconstitucionalidade da  lei ou do ato normativo do 

poder público não é o objeto da causa, não é o pedido da demanda. 

Com  efeito,  o  que  as  partes  no  caso  concreto  buscam  é  o 

reconhecimento  do  direito  em  si,  entretanto,  este  direito  está 

condicionado à constitucionalidade ou não da lei ou ato normativo como 

questão  incidental, por  isso  se diz que a questão  constitucional é uma 

questão prejudicial: “porque ela precisa ser decidida previamente, como 

pressuposto lógico e necessário da solução do problema principal” [13]. 

A primeira Constituição brasileira que adotou o modelo de controle 

difuso  de  constitucionalidade  foi  a  de  1891,  por  influência  norte‐

americana. A atual Constituição de 1988 mantém o controle Difuso (assim 

como o concentrado) em seu artigo Art. 102, III, a saber: 

Compete  ao  Supremo  Tribunal  Federal, 

precipuamente,  a  guarda  da  Constituição,  cabendo‐

lhe:  III  ‐  julgar, mediante  recurso  extraordinário,  as 

causas decididas em única ou última instância, quando 

a  decisão  recorrida:  a)  contrariar  dispositivo  desta 

Constituição;  b)  declarar  a  inconstitucionalidade  de 

tratado  ou  lei  federal;  c)  julgar  válida  lei  ou  ato  de 

governo local contestado em face desta Constituição; 

d)  julgar  válida  lei  local  contestada  em  face  de  lei 

federal. 

Finalmente,  o  controle  difuso‐incidental  de  constitucionalidade  é 

provocado  através  de  qualquer  demanda  judicial,  desde  que  esteja 

 

 

 

        37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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deduzido um conflito subjetivo, inter partes, em vias de exceção (exceção 

em sentido amplo que abrange qualquer defesa, seja no polo passivo ou 

no  polo  ativo,  ou  seja,  exceção  não  significa  apenas meio  de  defesa 

indireto no processo).[14] 

A  fiscalização  incidental  da  constitucionalidade 

pode  ser  provocada  e  suscitada  (a)  pelo  autor,  na 

inicial de qualquer ação, seja de que natureza for (civil, 

penal,  trabalhista,  eleitoral,  e,  principalmente,  nas 

ações constitucionais de garantia, como mandado de 

segurança, habeas corpus, habeas data, mandado de 

injunção, ação popular e ação civil pública), qualquer 

que seja o tipo de processo e procedimento (processo 

de  conhecimento, processo de  execução  e processo 

cautelar)  ou  (b)  pelo  réu,  nos  atos  de  resposta 

(contestação,  reconvenção  e  exceção)  ou  nas  ações 

incidentais de contra – ataque (embargos à execução, 

embargos de terceiros, etc.)[15] 

Assim, a jurisdição constitucional no controle difuso será instaurada 

incidentalmente, ou seja, será questão prejudicial à decisão de mérito do 

caso  concreto,  que  poderá  ser  suscitada  pelas  partes,  pelo Ministério 

Público, tribunal ou juiz, de ofício. 

Quanto  ao  conhecimento do  incidente de  inconstitucionalidade  ex 

officio, Dirley da Cunha Júnior, no livro “Controle de Constitucionalidade. 

Teoria e Prática”, apresenta duas ponderações, quais sejam: obediência 

ao  artigo  10  do  novo  Código  de  Processo  Civil;  e  impossibilidade  da 

declaração  incidental  de  ofício  na  hipótese  do  recurso  extraordinário, 

tendo em vista que esse necessita de prequestionamento. 

A primeira ponderação gira em  torno do dever de o  juiz efetivar o 

contraditório, ou seja, dar às partes oportunidade de se manifestar acerca 

da declaração incidental de constitucionalidade. Veja o artigo 10 do NCPC: 

“o  juiz  não  pode  decidir,  em  grau  algum  de  jurisdição,  com  base  em 

fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade 

de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir 

de ofício”. 

 

 

 

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A segunda ponderação trata da recusa do Supremo Tribunal Federal 

à declaração judicial de ofício da inconstitucionalidade em sede de recurso 

extraordinário: 

O  STF,  contudo,  tem  recusado  essa doutrina da 

declaração  judicial de ofício da  inconstitucionalidade 

da  lei na hipótese  estrita de  recurso  extraordinário, 

exigido o necessário prequestionamento.  Segundo a 

jurisprudência do Supremo, a limitação do juiz do RE, 

de um  lado, ao âmbito das questões  constitucionais 

enfrentadas  pelo  acórdão  recorrido,  e  de  outro,  à 

fundamentação do  recurso,  impede a declaração de 

oficio de  inconstitucionalidade da  lei aplicada,  jamais 

arguida  pelas  partes,  nem  cogitada  pela  decisão 

impugnada[16]. 

Como  visto, é necessário que a matéria do  recurso extraordinário, 

objeto  de  apreciação  pela  suprema  corte,  seja  prequestionada  nas 

instancias  inferiores  para  que  o  STF  possa  realizar  o  controle  de 

constitucionalidade, do qual depende o deslinde da demanda. 

2.2.  COMPETÊNCIA  PARA  REALIZAR  O  CONTROLE  DIFUSO  – 

INCIDENTAL. RESERVA DE PLENÁRIO 

Como  já  registrado,  o  sistema  de  controle  difuso  permite  que 

qualquer juiz ou tribunal realize o controle de constitucionalidade, desde 

que respeitadas as regras de competência do processo civil brasileiro. “O 

juiz,  como  óbvio,  julga  o  incidente  de  inconstitucionalidade  sempre 

originariamente. O tribunal (qualquer que seja o grau: inferior ou superior, 

até mesmo o Supremo Tribunal Federal),  tanto originariamente quanto 

em grau de recurso” [17]. 

Luís Roberto Barroso conclui que a Constituição Federal assegura a 

possibilidade  de  juiz  de  primeiro  grau  realizar  o  controle  difuso  de 

constitucionalidade:  “já não  se discute mais, nem em doutrina nem na 

jurisprudência,  acerca  da  plena  legitimidade  do  reconhecimento  da 

inconstitucionalidade  por  juiz  de  primeiro  grau,  seja  estadual  seja 

distrital” [18]. 

 

 

 

        39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Quanto aos Tribunais, a “cláusula de reserva de plenário” é aplicada 

obrigatoriamente  a  estes.  Para  que  estes  declarem  a 

inconstitucionalidade de forma incidental, ou seja, prejudicial à análise de 

mérito do caso concreto levada ao tribunal. 

A reserva de plenário, conhecida como “full bench”, encontra‐se no 

artigo 97 da Constituição Federal de 1988, a saber: “somente pelo voto da 

maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão 

especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato 

normativo do Poder Público”. 

Vale registrar que o próprio texto constitucional prevê a constituição 

do “órgão especial”, vejamos: 

Art.  93.  Lei  complementar,  de  iniciativa  do 

Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da 

Magistratura, observados os seguintes princípios: 

XI ‐ nos tribunais com número superior a vinte e 

cinco  julgadores,  poderá  ser  constituído  órgão 

especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e 

cinco  membros,  para  o  exercício  das  atribuições 

administrativas  e  jurisdicionais  delegadas  da 

competência do  tribunal pleno, provendo‐se metade 

das  vagas  por  antigüidade  e  a  outra  metade  por 

eleição pelo tribunal pleno. 

Ensina  Pedro  Lenza  que  “a  regra  do  artigo  97  destaca‐se  como 

verdadeira  condição  de  eficácia  jurídica  da  própria  declaração  de 

inconstitucionalidade dos atos do poder público” [19]. 

Com  efeito,  a  Súmula Vinculante n. 10  reforça  a matéria:  “Viola  a 

cláusula  de  reserva  de  plenário  (CF,  artigo  97)  a  decisão  de  órgão 

fracionário  de  Tribunal  que  embora  não  declare  expressamente  a 

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua 

incidência, no todo ou em parte”. 

Perceba  que  não  é  exigido  dos  tribunais  obediência  à  reserva  de 

plenário, prevista no artigo 97 da Constituição  federal de 1988, para a 

 

 

 

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declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo (a exigência é 

para a declaração de inconstitucionalidade), podendo ser pronunciada por 

órgão fracionário sem que ocorra ofensa ao texto maior. Igualmente, não 

se exige a mencionada cláusula para que o  juízo monocrático ou o  juiz 

singular  declare  incidentalmente,  no  controle  difuso,  a 

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. 

Ainda,  a  cláusula  de  reserva  de  plenário  não  se  aplica  às  turmas 

recursais dos Juizados Especiais. “as Turmas de Juizados não podem ser 

consideradas  tribunais  (...)  poderão  declarar  incidentalmente  a 

inconstitucionalidade de uma lei ou afastar a sua incidência no todo ou em 

parte  sem que  isso  signifique violação ao artigo 97 da CF/88 e à SV n. 

10/STF” [20]. 

Por fim, a regra do artigo 97 da Constituição Federal de 1988 não se 

aplica às Turmas do Supremo Tribunal Federal no âmbito do julgamento 

do Recurso Extraordinário. Doutrina Pedro Lenza: 

Por  regra,  então,  de  acordo  com  as  normas 

regimentais, a cláusula de reserva de plenário não se 

aplica às Turmas do STF no julgamento do RE, seja por 

não se tratar de tribunal no sentido fixado no art. 97 (e 

essa poderia  ser uma  justificação para não  ficarmos 

apenas com o fundamento regimental), seja, tendo em 

vista  ser  função  primordial  e  essencial  da  Corte  a 

declaração  de  inconstitucionalidade,  a  possibilidade 

de  afetação  dessa  atribuição  aos  seus  órgãos 

fracionários,  no  caso,  as  Turmas.  Nesse  sentido, 

pacífica é a jurisprudência do STF: “o STF exerce, por 

excelência,  o  controle  difuso  de  constitucionalidade 

quando  do  julgamento  do  recurso  extraordinário, 

tendo  os  seus  colegiados  fracionários  competência 

regimental para fazê‐lo sem ofensa ao art. 97 da CF” 

(RE 361.829 – ED, Rel. Min Ellen Gracie, j. 02.03.2010, 

2 Turma, DJE de 19.03.2010)[21] 

Destarte,  os  Tribunais,  ao  verificarem  uma  declaração  de 

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo como questão prejudicial à 

 

 

 

        41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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resolução de mérito da demanda concreta, devem suscitar a questão de 

ordem  ao  pleno  ou  órgão  especial  do  tribunal,  para  conferir  eficácia 

jurídica ao procedimento de jurisdição constitucional incidental. 

2.3 PROCEDIMENTOS DO CONTROLE DIFUSO – INCIDENTAL 

O  incidente  de  arguição  de  inconstitucionalidade  está  previsto  no 

novo Código de Processo Civil, do artigo 948 ao 950. 

De acordo com o artigo 948 do Código de Processo Civil de 2015: 

“Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato 

normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e 

as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o 

conhecimento do processo”. 

Sendo a arguição  rejeitada, o  julgamento da demanda prosseguirá; 

entretanto, acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou 

ao seu órgão especial. 

Destaque‐se  a  importância  do  parágrafo  único  do  artigo  949, 

CPC/2015 para o presente trabalho: “os órgãos fracionários os tribunais 

não  submeterão  ao  plenário  ou  ao  órgão  especial  a  arguição  de 

inconstitucionalidade  quando  já  houver  pronunciamento  destes  ou  do 

plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. É que o legislador 

mitigou a cláusula da reserva de plenário. 

Enaltecendo o princípio da economia processual, 

da  segurança  jurídica  e  na  busca  da  desejada 

racionalização  orgânica  da  instituição  judiciária 

brasileira,  vem‐se  percebendo  a  inclinação  para  a 

dispensa do procedimento do art. 97 toda vez que já 

haja decisão do órgão especial ou pleno do tribunal, ou 

do  STF,  o  guardião  da  Constituição  sobre  a 

matéria [22]. 

Estaria aqui o nascedouro da vinculação do precedente no âmbito do 

controle  concreto de  constitucionalidade? Podemos desde  já afirmar a 

existência da objetivação do controle difuso‐concentrado. 

 

 

 

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Explico.  O  legislador  desobrigou  a  remessa  ao  plenário  (ou  órgão 

especial  onde  houver)  a  arguição  de  inconstitucionalidade,  quando  já 

houver decisão destes ou do STF. Perceba que a decisão do tribunal e do 

STF  sobre  a  inconstitucionalidade  da  lei  ou  ato  normativo  firmou 

precedente  obrigatório,  objetivando  a  declaração  de 

inconstitucionalidade!  Devendo  este  precedente  ser  observado  pelo 

tribunal competente ao analisar a prejudicial de inconstitucionalidade da 

lei ou ato normativo do poder público. 

Lenio  Luiz  Streck,  analisando  o  tema  em  sua  obra  “Jurisdição 

Constitucional e Hermenêutica”, afirma possuir “sérias dúvidas acerca da 

constitucionalidade  desse  dispositivo”  [23].  Sua  doutrina  indica  que  “a 

dispensa da suscitação do  incidente é bem vinda quando a decisão vem 

do plenário do Supremo Tribunal Federal”[24]. Entretanto, “o dispositivo 

vai  ao  ponto  de  dispensar  o  incidente  pelos  tribunais  inferiores  na 

hipótese  de  pronunciamentos  originários  deles  mesmos,  o  que 

proporciona  uma  vinculação  jurisprudencial  imprópria  para  o  sistema 

romano‐germânico”[25]. 

O STF firmou  jurisprudência no sentido de que a 

existência de precedente firmado pelo plenário do STF 

autoriza o julgamento imediato de causas que versem 

o  mesmo  tema  (RISTF,  art.  101).  A  declaração  de 

constitucionalidade  ou  de  inconstitucionalidade, 

emanada do plenário, por maioria qualificada, aplica‐

se aos novos processos submetidos à apreciação das 

Turmas  ou  à  deliberação  dos  juízes  que  integrem  a 

corte,  viabilizando,  em  consequência,  o  julgamento 

imediato das causas que versem o mesmo, ainda que 

o  acórdão  plenário  –  que  firmou  o  precedente  no 

leading  case  –  não  tenha  sido  público,  ou,  caso  já 

publicado,  não  tenha  transitado  em  julgado, 

ressalvando‐se  a  possibilidade  de  qualquer  dos 

ministros, com apoio no que dispõe o artigo 103 do 

RISTF,  propor  ao  pleno  a  revisão  da  jurisprudência 

assentada em matéria constitucional. AGRRE 216259 – 

CE, rel. Min. Celso de Mello [26] 

 

 

 

        43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Lenio  Luiz  Streck  continua  com  a  análise  constitucional  do  antigo 

artigo 481, parágrafo único do CPC/73 (atual artigo 949, parágrafo único 

do  CPC/2015),  observando  que  tal  dispositivo  se  refere  ao 

“pronunciamento do Supremo Tribunal Federal exclusivamente em sede 

de controle difuso de constitucionalidade, uma vez que, se se tratasse de 

decisão em sede de controle concentrado, não teria qualquer sentido e 

importância a lei estabelecer a exceção” [27]. 

É  que  o  efeito  da  decisão  no  âmbito  do  controle  concentrado  de 

constitucionalidade  já  possui  efeito  “erga  omnes”  e  vinculante. Veja  o 

disposto no Texto Constitucional: 

 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, 

precipuamente,  a  guarda  da  Constituição  (...). 

Parágrafo Segundo: As decisões definitivas de mérito, 

proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações 

diretas  de  inconstitucionalidade  e  nas  ações 

declaratórias  de  constitucionalidade 

produzirão eficácia  contra  todos e efeito vinculante, 

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e 

à administração pública direta e  indireta, nas esferas 

federal, estadual e municipal. (grifos nossos). 

Entendendo o tema a “contrario sensu”, o dispositivo em comento é 

válido (tanto é assim que reproduzido no novo corpo processual civil) e 

cede  espaço  ao  sistema  dos  precedentes.  Pensar  dessa  maneira  é 

desenvolver a jurisdição constitucional brasileira à luz do “stare decisis”, 

semelhante  aos  países  da  “commom  low”,  no  qual  a  decisão  forma 

precedente que deve ser obedecido por todos os demais órgãos do poder 

judiciário. 

Assim, a decisão incidental de mérito proferida pelo STF em um caso 

concreto firma um precedente que deve ser vinculante e “erga omnes”. 

Para  finalizar  o  procedimento  no  controle  difuso,  o  artigo  950  do 

Novo Código de Processo Civil dispõe: 

 

 

 

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Remetida  cópia do  acórdão  a  todos os  juízes, o 

presidente  do  tribunal  designará  a  sessão  de 

julgamento.  §  1o  As  pessoas  jurídicas  de  direito 

público responsáveis pela edição do ato questionado 

poderão  manifestar‐se  no  incidente  de 

inconstitucionalidade  se  assim  o  requererem, 

observados  os  prazos  e  as  condições  previstos  no 

regimento interno do tribunal. § 2o  A parte legitimada 

à  propositura  das  ações  previstas  no  art.  103  da 

Constituição  Federal  poderá  manifestar‐se,  por 

escrito,  sobre  a  questão  constitucional  objeto  de 

apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, 

sendo‐lhe  assegurado  o  direito  de  apresentar 

memoriais ou de requerer a juntada de documentos. § 

3o  Considerando  a  relevância  da  matéria  e  a 

representatividade dos postulantes, o relator poderá 

admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de 

outros órgãos ou entidades. 

Destarte, o Código de Processo Civil de 2015 permitiu o diálogo aberto 

às pessoas  jurídicas de direito público  responsáveis pela edição do ato 

questionado, à parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 

103  da  Constituição  Federal  e  ao  “amigo  da  corte”,  para  que  se 

manifestem no incidente de inconstitucionalidade. 

2.4. EFEITOS DA DECISÃO NO CONTROLE DIFUSO ‐ INCIDENTAL 

Tradicionalmente,  com  o  legado  da  doutrina  norte‐americana,  o 

efeito  primordial  da  decisão  no  controle  difuso‐incidental  de 

constitucionalidade  no  Brasil  é  a  declaração  de  nulidade  da  lei  ou  ato 

normativo que estejam em contradição com a Constituição, operando‐se 

efeitos retroativos, “ex tunc”. 

Com efeito, a Teoria da Nulidade prescreve que a lei, por ter nascido 

morta (natimorta), nunca produziu efeitos, apesar de existir, não entrou 

no plano da eficácia, portanto, o vício de inconstitucionalidade é aferido 

no plano da validade. [28] 

 

 

 

        45 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Contra a Teoria da Nulidade “destaca‐se a Teoria da Anulabilidade na 

norma  inconstitucional defendida por Kelsen e que  influenciou a Corte 

Constitucional austríaca, caracterizando‐se como constitutiva a natureza 

jurídica da decisão que a reconhece”[29], com efeito, a lei inconstitucional 

será provisoriamente válida até o ato de anulação, portanto, efeitos “ex 

nunc”. 

Entretanto, as leis 9868/99 e 9882/99, que dispõem sobre processo e 

julgamento das ações objetivas de constitucionalidade, a saber, ADI, ADC 

e ADPF, conferem a possibilidade de modulação da eficácia temporal da 

decisão: “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional 

interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois 

terços  de  seus  membros,  restringir  os  efeitos  daquela  declaração  ou 

decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de 

outro momento que venha a ser fixado”. 

Ainda  que  as  mencionadas  leis  regulem  as  ações  diretas  de 

constitucionalidade,  “não  temos  dúvidas  que  eles  podem  servir  de 

supedâneo para a modulação da eficácia temporal também no âmbito do 

modelo difuso‐incidental de constitucionalidade” [30]. 

A  sentença  proferida  em  caso  concreto  (processo  subjetivo)  é 

vinculante apenas entre as partes litigantes, ou seja, os efeitos da decisão 

são “inter partes”. 

O Código de Processo Civil de 2015, nesse sentido, prevê: 

Art.  503.    A  decisão  que  julgar  total  ou 

parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da 

questão principal expressamente decidida. 

Questão  interessante  surge  neste momento.  Considerando  que  os 

efeitos  da  decisão  no  âmbito  do  modelo  difuso‐incidental  de 

constitucionalidade vinculam tão somente as partes, a mesma lei ou ato 

normativo  declarados  inconstitucionais  na  demanda,  restarão  válidos 

para o  restante da sociedade. Essa disparidade permanece ainda que a 

decisão de inconstitucionalidade seja declarada pelo STF! 

 

 

 

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A respeito do tema, Dirley da Cunha Júnior explica: 

No  controle  incidental,  a  declaração  de 

inconstitucionalidade restringe‐se às partes litigantes, 

ainda que, em  face de recurso extraordinário  (ou no 

exercício de sua competência originária), a decisão de 

inconstitucionalidade  seja  proferida  pelo  Supremo 

Tribunal  Federal.  Assim,  continua  a  lei  ou  ato 

normativo  impugnado,  e  declarado  inconstitucional 

em  relação  àquelas  partes,  a  vigorar  e  a  produzir 

efeitos relativamente a outras situações e pessoas, a 

menos  que,  igualmente,  se  provoque  a  jurisdição 

constitucional,  logrando essas pessoas obter  idêntico 

pronunciamento.  Vê‐se,  por  conseguinte,  que  é 

decorrência  natural  do  controle  incidental  de 

inconstitucionalidade, nos países que não  adotam o 

princípio do stare decisis, a possibilidade de existência 

de leis ou atos normativos inconstitucionais para uns e 

constitucionais para outros. [31]. 

Teori  Albino  Zavascki,  em  sua  obra  “Eficácia  das  Sentenças  na 

Jurisdição  Constitucional”,  distingue  duas  espécies  de  questões 

constitucionais  no  estudo  da  eficácia  das  decisões  no  controle  difuso‐

incidental  exercido  pelo  Supremo  Tribunal  Federal:  “a)  as  que  dizem 

respeito à  legitimidade (constitucionalidade) de preceito normativo e b) 

as  que  envolvem  aplicação  direta  da  norma  constitucional  ao  caso 

concreto”[32]. 

Zavascki atenta para a peculiaridade da  situação, no momento em 

que  a  procedência  do  caso  concreto  depender  de  juízo  de 

constitucionalidade  da  lei  ou  ato  normativo.  Singular  tal  situação  até 

porque  as  duas  espécies  acima  descritas  há  exercício  de  jurisdição 

constitucional,  ambas  supõem  interpretação  e  aplicação  da 

Constituição[33]. 

Em sequência de raciocínio, Teori Zavascki aponta para a necessidade 

de  harmonizar  a  eficácia  da  decisão  no  âmbito  do modelo  difuso  de 

constitucionalidade  com  os  princípios  constitucionais  da  isonomia  e 

 

 

 

        47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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segurança jurídica; “ademais, uma razão de ordem prática: se a norma é 

aplicável a um número  indefinido se situações, não  faz sentido  repetir, 

para cada uma delas, o mesmo julgamento sobre a questão constitucional 

já resolvida em oportunidade anterior.”[34]. 

A  outorga  ou  não  de  eficácia  erga  omnesàs 

decisões sobre a legitimidade de normas tomadas no 

julgamento de  casos  concretos é problema que não 

recebeu tratamento uniforme no direito comparado, e 

o modo de enfrentá‐la está na origem dos diferentes 

sistemas de controle de constitucionalidade das  leis. 

Nos  Estados  Unidos,  onde  nasceu  o  método  de 

controle difuso de constitucionalidade, o problema foi 

superado  com  a  adoção  da  doutrina  do  stare 

decisis  cuja  consequência  prática  é  a  de  atribuir 

eficácia erga omnes às decisões da Suprema Corte em 

matéria constitucional [35]. 

Conclui  o  mencionado  autor  que  as  decisões  no  modelo  difuso‐

incidental de constitucionalidade tem “vocação natural para assumir uma 

projeção expansiva, para fora dos limites do caso concreto”.[36] 

Portanto,  às  decisões  do  Supremo  Tribunal  Federal,  em  sede  de 

controle  difuso‐concreto  devem  ser  atribuídos  os  mesmos  efeitos 

conferidos às decisões no âmbito do controle concentrado, quais sejam, 

eficácia erga omnes e  vinculante. Dessa  forma, as decisões do  STF em 

jurisdição constitucional, seja em controle concentrado ou difuso, devem 

firmar  precedentes  vinculantes  aos  demais  órgãos  do  poder  judiciário. 

Pensar  dessa  maneira  confere  força  normativa  à  Constituição  e 

instrumentaliza os princípios da igualdade, segurança  jurídica e razoável 

duração do processo. 

2.5.  INTERVENÇÃO  DO  SENADO  FEDERAL  NA  JURISDIÇÃO 

CONSTITUCIONAL 

A  constituição  Federal  de  1988  disciplina  o  papel  do  Senado  no 

âmbito do controle difuso‐incidental de constitucionalidade. Com efeito, 

o constituinte conferiu‐lhe competência para “suspender a execução, no 

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva 

do STF”, no artigo 52, X, da Constituição Federal de 1988. 

  Então,  através  de  resolução,  essencialmente  política,  o  Senado 

confere  eficácia  “erga  omnes”  à  decisão  incidental  de 

inconstitucionalidade, prolatada pelo STF. 

Dirley da Cunha Júnior observa que a mencionada competência “evita 

a problemática das  leis ou atos normativos  inconstitucionais para uns e 

constitucionais para outros” [37] e esclarece: 

Tal  disposição  foi  introduzida  no  direito 

constitucional brasileiro pela Constituição de 1934 (e 

mantida  pelas  Constituições  que  lhe  sucederam, 

exceto pela de 1937), com o propósito de corrigir uma 

deficiência  do  sistema  difuso‐incidental  quando 

acolhido  nos  países,  como  o  Brasil,  herdeiros  da 

tradição romano‐germânica da civil  law, desprovidos 

do principio do stare decisis. Visava‐se com isso, evitar 

a proliferação de ações  judiciais propostas por todos 

aqueles que,  igualmente, se sentissem afetados pela 

lei  ou  ato  inconstitucional,  e  decerto,  prevenir  a 

possibilidade  de  conflitos  de  decisões  –  que  tanto 

maculam a segurança jurídica e a certeza do direito – 

entre os vários órgãos judiciários competentes para a 

realização do controle[38] 

Não  obstante  o  próprio  STF  e  a  doutrina  majoritária  possuírem 

entendimento que a competência do Senado é discricionária e que detém 

conveniência  e  oportunidade  para  exercer  sua  competência,  o 

entendimento defendido neste trabalho, com fundamento nas  lições de 

Dirley  da  Cunha  Júnior[39],  é  no  sentido  de  que  o  Senado  possui 

verdadeiro “dever jurídico constitucional” de suspender a eficácia do ato 

declarado inconstitucional por decisão definitiva do STF. 

Não se pode admitir que o Senado Federal resolva de forma oportuna 

e  conveniente  acerca  da    suspensão  a  eficácia  da  decisão  de 

inconstitucionalidade  prolatada  pelo  próprio  órgão  a  quem  é  dado  a 

 

 

 

        49 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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competência constitucional de processar e julgar originariamente as ações 

objetivas de constitucionalidade, às quais operam efeitos erga omnes e 

vinculantes. 

Pensar  de  forma  contrária  é  permitir  não  apenas  que  em  certos 

momentos a mesma lei ou ato normativo seja inconstitucional para uns e 

constitucional  para  outros,  como  também  que  o  Senado  Federal  dê  a 

última  palavra  em  sede  de  jurisdição  constitucional.  Tal  tratamento  é 

despido de segurança jurídica, isonomia e eficiência. “Ademais, aceitar a 

liberdade  do  Senado  (...)  consiste  em  admitir  que  uma  consideração 

exclusivamente  política  sobrepõe‐se  a  um  exame  jurídico  acerca  da 

inconstitucionalidade” [40]. 

Vale  registrar  ainda  algumas  características  do  mencionado 

dispositivo:  compete  ao  próprio  Supremo  Tribunal  Federal  proceder  a 

comunicação ao Senado Federal, após o trânsito em  julgado da decisão 

que  declarou  a  inconstitucionalidade  incidentalmente  no  âmbito  do 

controle difuso; a competência do Senado Federal restringe‐se ao controle 

difuso‐incidental, visto que a decisão no âmbito do modelo principal  já 

produz efeito erga omnes de forma automática; o artigo 52, X, abrange o 

a lei e o ato normativo, ambos podendo ser federal, estadual, distrital ou 

municipal; a Constituição não prevê prazo para a competência do Senado; 

a resolução do Senado é irrevogável, e produz efeitos ex tunc [41]. 

Ainda,  a  expressão  “no  todo  ou  em  parte”  deve  ser  interpretada 

“como  sendo  impossível  o  Senado  Federal  ampliar,  interpretar  ou 

restringir a extensão da decisão do STF” [42], embora exista divergência 

doutrinária, a saber, Michel Temer possui entendimento de que o Senado 

não está restrito aos limites da extensão da decisão do Supremo Tribunal 

Federal, podendo ficar aquém, ou seja, suspender apenas uma parte do 

todo declarado inconstitucional [43]. 

Teori Albino Zavascki ao analisar os atuais limites da intervenção do 

Senado,  observou  que  algumas  reduções  significativas  sobrevieram  ao 

artigo  52,  X,  da  Constituição  Federal  de  1988,  ao  longo  da  evolução 

constitucional,  quais  sejam:  a  EC  16/1965;  a  Lei  9882/1999  (ADPF); 

Súmulas Vinculantes; Repercussão Geral. Vejamos em resumo: 

 

 

 

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A primeira redução significativa da já limitada área 

de aplicação desse dispositivo constitucional ocorreu 

com a introdução, a partir da EC 16/1965, do sistema 

de  controle  de  constitucionalidade  por  ação:  as 

sentenças, em casos tais, porque dotadas, por si só, de 

natural  eficácia  “erga  omnes”  e  vinculante, 

dispensaram,  para  esses  efeitos,  a  intervenção  do 

Senado.  Fenômeno  semelhante  ocorreu  com  a 

regulamentação da Arguição de Descumprimento de 

Preceito Fundamental. Assim como na ADI e ADC, as 

decisões  proferidas  em  ADPF  também  tem  natural 

eficácia expansiva  “erga omnes” e  vinculante. Outra 

importante  redução  se  deu  a  partir  da 

regulamentação, pela Lei 11417/2006, do artigo 102‐A 

da CF/88, introduzido pela EC 45/2004, que autorizou 

o STF a editar súmulas vinculantes. A partir daí já não 

tem sentido pratico eventual resolução do Senado. A 

partir da sua publicação na imprensa oficial, a súmula, 

por  si  só,  terá  efeito  vinculante  (art.  103‐A  da 

CF/88).por  idêntica  razão,  já  não  faz  sentido  a 

resolução do Senado em  relação à norma declarada 

inconstitucional  em  julgamento  do  Supremo  pelo 

regime de repercussão geral, disposto no artigo 102 da 

CF/88, o STF ao examinar a natureza e o alcance do 

novo regime, deixou inequivocadamente acentuado o 

efeito  expansivo  e  vinculante  das  decisões  dele 

decorrentes para os demais recursos. [44] 

Por  conclusões,  Zavascki  afirma  que  o  artigo  52,  X,  da  CF/88  foi 

paulatinamente perdendo importância e sentido, sendo “inexpressivas as 

consequências  práticas  que  dele  podem  decorrer”,  em  face  à 

“dessubjetivação”  ou  “objetivação”  das  decisões  do  STF;  ainda,  “as 

decisões do STF sobre controle de constitucionalidade de normas, mesmo 

quando tomadas incidentalmente, no julgamento do caso concreto, tem 

uma natural vocação expansiva” [45]. 

 

 

 

        51 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Dirley da Cunha  Júnior acrescenta que  se por um  lado as decisões 

proferidas  pelo  Supremo  Tribunal  Federal  em  controle  concentrado 

operam efeitos “erga omnes” e vinculante, a  intervenção do Senado no 

controle difuso de constitucionalidade para conferir eficácia erga omnes é 

providência “anacrônica e contraditória” [46]. 

Ora,  se  o  Supremo  Tribunal  Federal,  pode,  em 

sede  de  controle  concentrado‐principal,  suspender 

liminarmente e em caráter geral, a eficácia de uma lei 

e até mesmo de uma Emenda Constitucional, qual a 

razão  hoje  de  limitar  a  declaração  de 

inconstitucionalidade  pronunciada  pela  Corte  no 

controle  incidental  às  partes  do  processo  e 

condicionar  a  sua  eficácia  geral  à  intervenção  do 

Senado?[47] 

Por  todo  o  exposto,  “todas  as  reflexões  e  práticas  recomendam  a 

releitura  do  papel  do  Senado  no  processo  de  controle  de 

constitucionalidade” [48]. 

Gilmar Ferreira Mendes entende que o papel do Senado atualmente, 

quanto  à  suspensão  da  execução  da  lei  declarada  inconstitucional  de 

maneira  incidental  pelo  Supremo  Tribunal  Federal,  restringe‐se  à 

publicidade,  portanto,  caso  o  Supremo  Tribunal  Federal,  em  sede  de 

controle  incidental,  declarar  a  inconstitucionalidade  da  lei  ou  ato 

normativo, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo‐se a comunicação ao 

Senado para que se publique a decisão no Diário do Congresso [49]. 

Em  sequencia  de  raciocínio, Mendes  observa  que  “não  é  (mais)  a 

decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. 

A própria decisão da Corte contém essa força normativa” [50]. 

Esclarece o Ministro Gilmar Mendes na Reclamação Constitucional 

sob o número 4.335‐5/AC a necessária abstrativização do controle difuso 

como solução para as controvérsias, e propõe a reformulação do sistema 

jurídico,  conferindo  ao  artigo  52,  X  da  Constituição  Federal  de  1988, 

“mutação constitucional”. [51] 

 

 

 

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3. TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES 

Por Transcendência dos motivos determinantes entende‐se que os 

fundamentos  determinantes,  ou  seja,  a  razão  de  decidir,  nas  decisões 

provenientes do  controle difuso de  constitucionalidade, proferido pelo 

Supremo Tribunal Federal, passam a ter eficácia vinculante e efeitos “erga 

omnes”. 

Então, a parte dispositiva e o fundamento determinante das decisões 

no âmbito do controle concreto seriam dotados de efeitos vinculantes e 

“erga  omnes”.  Verdadeira  abstrativização  do  controle  difuso  de 

constitucionalidade. 

Foi inegável foi a tendência do Supremo Tribunal Federal em aplicar 

Teoria  da  Transcendência  dos  Motivos  Determinantes,  liderada  pelo 

Ministro  Gilmar  Ferreira Mendes,  que  consiste  em  atribuir  à  questão 

prejudicial  da  (in)  constitucionalidade  da  lei  ou  ato  normativo  (ratio 

decidendi),  efeitos  vinculantes,  tal  qual  é  conferido  ao  dispositivo  da 

sentença. 

Como precedentes temos o caso de “Mira Estrela” (RE 197.917/SP) e 

o  caso  da  “progressão  do  regime  na  lei  de  crimes  hediondos”  (HC 

82.959/SP). Os principais argumentos que  justificam a  teoria  são:  força 

normativa  da  Constituição,  Supremacia  da  Constituição,  o  Supremo 

Tribunal Federal como guardião e intérprete máximo da Constituição, e a 

dimensão política das decisões do Supremo Tribunal Federal [52]. 

Ocorre que o próprio Supremo Tribunal Federal não admitiu a “Teoria 

da Transcendência dos motivos Determinantes”, noticiado no Informativo 

668,  a  1ª  Turma  do  STF  (Rcl  11477  AgR/CE,  rel. Min. Marco  Aurélio, 

29.5.2012. 

Recentemente  o  Supremo  Tribunal  Federal  ratificou  seu 

entendimento  pela  rejeição  da  teoria  da  transcendência  dos motivos 

determinantes,  através  da  Reclamação  8168/SC,  Rel. Min  Ellen Gracie, 

julgado  em  19/11/2015  (divulgado  no  informativo  808  STF),  segue  a 

ementa: 

 

 

 

        53 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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RECLAMAÇÃO.  APOSENTADORIA  ESPONTÂNEA. 

ACUMULAÇÃO DE  PROVENTOS DE  APOSENTADORIA 

COM  VENCIMENTOS.  ADI  1.770.  AUSÊNCIA  DE 

PERTINÊNCIA  TEMÁTICA  ESTRITA.  TRANSCENDÊNCIA 

DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 

I  ‐  É  improcedente  a  reclamação  que  trate  de 

situação que não guarda relação de estrita pertinência 

com o parâmetro de controle. 

II ‐ A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 

se consolidou no sentido de ser incabível reclamação 

fundada  na  teoria  da  transcendência  dos  motivos 

determinantes de acórdão com efeito vinculante. 

III ‐ O acórdão prolatado na ADI 1.770 não decidiu 

sobre a possibilidade de empresa pública despedir, ou 

não,  empregado  público  após  sua  aposentadoria, 

nem,  caso  despedisse,  se  a  consequência  seria 

reintegrar  o  empregado,  ou  garantir‐lhe  as  verbas 

rescisórias. 

IV ‐ Reclamação julgada improcedente. 

(grifos nossos) 

Por  todo  o  exposto,  a  teoria  da  transcendência  dos  motivos 

determinantes seria uma solução apta a conferir a todas as decisões do 

Supremo Tribunal Federal, em sede de jurisdição constitucional (seja em 

âmbito concentrado ou difuso), eficácia geral e efeito vinculante.  

Pedro Lenza conclui: embora a teoria da transcendência dos motivos 

determinantes pareça “sedutora, relevante e eficaz”, revestida de  força 

normativa, economia processual, efetividade e  celeridade do processo, 

falta‐lhe  dispositivos  e  regras  processuais  e  constitucionais  para  a  sua 

implementação [53]. 

Surge  aqui  um  questionamento.  De  que  forma  podemos  conferir 

efeito erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal 

em sede de controle difuso – incidental? 

 

 

 

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Dirley  da  Cunha  compartilha  da  opinião  pela  eliminação  da 

intervenção do Senado nas questões prejudiciais de constitucionalidade, 

transformando o  Supremo  Tribunal  Federal  em  “verdadeira Corte  com 

competência para decidir, ainda que nos  casos  concretos,  com eficácia 

geral e vinculante, à semelhança do stare decisis da Supreme Court dos 

Estados Unidos da América” [54]. 

Entretanto,  como  analisado  acima,  o  próprio  Supremo  Tribunal 

Federal não admite a teoria da transcendência dos motivos determinantes 

e por vias de consequência rechaçou a tese da mutação constitucional do 

artigo  52,  X,  da  Constituição  Federal  de  1988,  sugeridas  por  Gilmar 

Mendes. 

A  resposta  à  indagação  sugerida  neste  trabalho  é  aplicar  os 

“Precedentes  Judiciais”  no  âmbito  do  controle  difuso‐incidental  de 

constitucionalidade. 

Explico. A decisão de  inconstitucionalidade de  lei ou ato normativo, 

proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso‐

incidental  firma  um  precedente  obrigatório,  com  autoridade  de  coisa 

julgada  incidental, a  ser  seguido por  todos os demais órgãos do poder 

judiciário, de forma automática, sem necessidade da atuação do Senado 

Federal na jurisdição constitucional. 

Ocorre que  a  tese da  Transcendência dos Motivos Determinantes, 

liderada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no sentido de se atribuir 

eficácia erga omnes às decisões de  inconstitucionalidade proferidas em 

sede de controle difuso‐incidental, ganha reforços com o advento do novo 

Código  de  Processo  Civil.  É  que  o  novel  código  conferiu  robustez  ao 

precedente obrigatório, que, aplicado à jurisdição constitucional, faz cair 

por  terra,  em  definitivo,  a  atuação  do  Senado  Federal  no  âmbito  do 

controle difuso de constitucionalidade. 

4.  ANÁLISE  DO  PRECEDENTE  JUDICIAL  E  DA  COISA  JULGADA 

INCIDENTAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE 

Inicialmente  vale  registrar  que  força  normativa  dos  precedentes 

costuma ser relacionado com os países de common law. 

 

 

 

        55 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Common law é o ordenamento jurídico firmado preponderantemente 

por meio de decisões  judiciais, ou seja, os  juízes aperfeiçoam o direito, 

criam precedentes que devem ser observados para casos futuros. 

Nos sistemas de common law, o direito é criado 

ou  aperfeiçoado  pelos  juízes:  uma  decisão  a  ser 

tomada  num  caso  depende  das  decisões  adotadas 

para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado 

a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um 

precedente,  os  juízes  possuem  a  autoridade  para 

criar  o  direito,  estabelecendo  um  precedente.  O 

conjunto  de  precedentes  é  chamado  de  common 

law e vincula  todas as decisões  futuras. Quando as 

partes  discordam  quanto  o  direito  aplicável,  um 

tribunal  idealmente procuraria uma  solução dentre 

as decisões precedentes dos tribunais competentes. 

Se  uma  controvérsia  semelhante  foi  resolvida  no 

passado, o tribunal é obrigado a seguir o raciocínio 

usado naquela decisão anterior (princípio conhecido 

como  stare  decisis)  Os  sistemas  de  common 

law  foram adotados por diversos países do mundo, 

especialmente aqueles que herdaram da Inglaterra o 

seu  sistema  jurídico,  como o Reino Unido, a maior 

parte  dos  Estados  Unidos  e  do  Canadá  e  as  ex‐

colônias do Império Britânico.[55] 

De  maneira  diversa,  Civil  law  é  a  estrutura  jurídica  adotada 

preponderantemente no Brasil. O direito é firmado aqui através de atos 

legislativos, e não através de decisões judiciais. Não há tradição brasileira 

no ensino dos precedentes, e nem de respeito aos precedentes. Mas há 

tradição  brasileira  de  normas  que  impõem  respeito  aos  precedentes. 

(FREDIE DIDIER, 2016) 

O precedente demonstra a “norma jurídica geral do caso concreto”. 

No dispositivo de uma decisão judicial será fixada a norma jurídica do caso 

concreto. Por sua vez, na fundamentação da mesma decisão judicial, o juiz 

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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fixa uma norma jurídica geral do caso concreto. Essa norma jurídica geral 

servirá para inúmeras situações hipotéticas (FREDIE DIDIER, 2016). 

A  decisão  judicial  é  composta  de  relatório,  fundamentação  e 

dispositivo.  A  solução  do  caso  concreto  é  extraída  do  dispositivo,  e  o 

precedente, da fundamentação. 

O precedente “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, 

cujo  elemento  normativo  pode  servir  como  diretriz  para  o  julgamento 

posterior de casos análogos” [56]. 

Vale ressaltar que o precedente é definido apenas como a essência da 

tese  jurídica, “ratio decidendi” (para os norte‐americanos, holding), que 

consiste nos  fundamentos  jurídicos que sustentam a decisão  (tese ou o 

princípio assentado na motivação). Ainda, a norma em que se constitui o 

precedente é uma regra [57]. 

O Código de Processo Civil de 2015 inova ao criar um “Microssistema 

dos Precedentes Obrigatórios” (FREDIE DIDIER, 2015), prevista no artigo 

927, cujo rol não é exaustivo, vejamos: 

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão: 

I ‐ as decisões do Supremo Tribunal Federal em 

controle concentrado de constitucionalidade; 

II ‐ os enunciados de súmula vinculante; 

III  ‐  os  acórdãos  em  incidente  de  assunção  de 

competência  ou  de  resolução  de  demandas 

repetitivas  e  em  julgamento  de  recursos 

extraordinário e especial repetitivos; 

IV  ‐  os  enunciados  das  súmulas  do  Supremo 

Tribunal  Federal  em  matéria  constitucional  e  do 

Superior  Tribunal  de  Justiça  em  matéria 

infraconstitucional; 

V ‐ a orientação do plenário ou do órgão especial 

aos quais estiverem vinculados. 

 

 

 

        57 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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O Fórum Permanente de Processualistas Civis, no enunciado  sob o 

número  168  esclarece  o  artigo  927,  I,  CPC/2015:  “Os  fundamentos 

determinantes  do  julgamento  de  ação  de  controle  concentrado  de 

constitucionalidade realizado pelo STF caracterizam a ratio decidendi do 

precedente  e  possuem  efeito  vinculante  para  todos  os  órgãos 

jurisdicionais”. 

Qual  a  razão  de  a  decisão  incidental  de  inconstitucionalidade  em 

controle  difuso,  proferida  pelo  Supremo  Tribunal  Federal,  não  firmar 

precedente vinculante, enquanto este é firmado na decisão em controle 

concentrado  de  constitucionalidade,  também  realizado  pelo  Supremo 

Tribunal  Federal?  Diante  da  moderna  jurisdição  constitucional,  essa 

distinção não é aceitável. 

De fato, se no passado se justificava a distinção 

de efeitos entre as decisões de inconstitucionalidade 

do  STF,  hodiernamente  ela  é  intolerável  diante  da 

posição  de  Guardião  da  Constituição  da  qual  se 

reveste  a  Corte.  Ora,  no  contexto  atual,  é 

absolutamente sem sentido, chegando a soar como 

teratológica, a explicação de que, no controle difuso, 

o Supremo decide inter partes, enquanto no controle 

concentrado  decide  erga  omnes.  E  tudo  isso  só 

porque  o  STF,  na  primeira  hipótese,  declara  a 

inconstitucionalidade  resolvendo  uma  questão 

incidental  e,  na  segunda,  declara  a  mesma 

inconstitucionalidade  solucionando  a  própria 

questão principal. Onde está a lógica disso, já que – 

seja  decidindo  incidenter  tantum  ou  principaliter 

tantum  –  o  órgão  prolator  da  decisão  é  o 

mesmo?[58] 

Após rápida leitura do supracitado artigo do Código de Processo Civil, 

juízes  e  tribunais  devem  obediência  aos  precedentes  firmados  pelos 

institutos descritos. Conclui‐se que razão não há para deixar de aplicar a 

nova  sistemática dos precedentes  vinculantes  às decisões do  Supremo 

Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade. 

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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Dirley da Cunha Júnior entende, com fundamento nos artigos 10, 489, 

parágrafo primeiro, e 927 do Código de Processo Civil de 2015, que este 

novel código encerra a discussão da intervenção do Senado na jurisdição 

constitucional  incidental.  Em  suas  palavras:  “penso  que  a  decisão  do 

Supremo Tribunal Federal, que declara a  inconstitucionalidade de  lei ou 

ato  normativo  no  caso  concreto,  passará  a  vincular  todos  os  juízes  e 

tribunais,  independentemente  da  Resolução  suspensiva  do  Senado 

Federal” [59]. 

O parágrafo primeiro do artigo 927, CPC/2015 dispõe que os juízes e 

os  tribunais  observarão  o  disposto  no  art.  10  e  no  art.  489, 

parágrafo primeiro, quando decidirem  com  fundamento no artigo 927, 

CPC/2015, vejamos: 

Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum 

de jurisdição, com base em fundamento a respeito do 

qual não se tenha dado às partes oportunidade de se 

manifestar,  ainda  que  se  trate  de matéria  sobre  a 

qual deva decidir de ofício. 

Art. 489. § 1o Não se considera  fundamentada 

qualquer  decisão  judicial,  seja  ela  interlocutória, 

sentença ou acórdão, que: I ‐ se limitar à indicação, à 

reprodução  ou  à  paráfrase  de  ato  normativo,  sem 

explicar  sua  relação  com  a  causa  ou  a  questão 

decidida;  II  ‐  empregar  conceitos  jurídicos 

indeterminados, sem explicar o motivo concreto de 

sua  incidência no caso;  III  ‐  invocar motivos que se 

prestariam  a  justificar  qualquer  outra  decisão;IV  ‐ 

não  enfrentar  todos  os  argumentos  deduzidos  no 

processo capazes de, em tese,  infirmar a conclusão 

adotada  pelo  julgador;  V  ‐  se  limitar  a  invocar 

precedente ou enunciado de súmula, sem identificar 

seus  fundamentos  determinantes  nem  demonstrar 

que  o  caso  sob  julgamento  se  ajusta  àqueles 

fundamentos;  VI  ‐  deixar  de  seguir  enunciado  de 

súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela 

parte, sem demonstrar a existência de distinção no 

 

 

 

        59 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 753 de 07/12/2016 (ano VIII) ISSN

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caso  em  julgamento  ou  a  superação  do 

entendimento. (grifos nossos) 

Os  Enunciados  2  e  459,  do  Fórum  Permanente  de  Processualistas 

Civis,  explicam,  respectivamente:  “para  a  formação  do  precendente, 

somente podem  ser usados  argumentos  submetidos  ao  contraditório”; 

“as  normas  sobre  fundamentação  adequada  quanto  à  distinção  e 

superação e sobre a observância somente dos argumentos submetidos ao 

contraditório  são  aplicáveis  a  todo  o microssistema  de  formação  dos 

precedentes”. 

Assim, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o juiz deve 

zelar pelo contraditório para a formação do predecente, e principalmente, 

será considerada nula, por falta de fundamentação, a decisão que deixar 

de  aplicar  o  precedente  invocado  sem  demonstrar  “distinguishing”  ou 

“overruling”. 

Ora,  como  a  decisão  do  STF  sobre  a 

inconstitucionalidade  incidental  da  lei  ou  ato 

normativo  firma  um  precedente,  inclusive  com  a 

autoridade de coisa  julgada  (parágrafo primeiro do 

artigo 503 do novo CPC), ela seguramente vinculará 

todos os demais órgãos do Poder Judiciário, que não 

podem deixar de seguir o precedente invocado pela 

parte,  salvo  se o  juiz ou  Tribunal demonstrar  (1)  a 

existência de distinção  (distinguishing) no  caso  em 

julgamento,  que  dizer,  demonstrar  que  os 

pressupostos de  fato e de direito que motivaram a 

formação do precedente não são os mesmos do caso 

concreto,  que  exige  solução  jurídica  diversa,  não 

cabendo no caso o precedente invocado; ou (2) que 

houve a superação do entendimento (overruling), de 

modo que o próprio precedente invocado pela parte 

foi  alterado  ou  revisto  pelo  Tribunal  do  qual  ele 

emanou. 

Por todo exposto, dúvidas não restam acerca da aplicação automática 

do  efeito  vinculante  do  precedente  no  âmbito  do  controle  difuso‐

 

 

 

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incidental  de  constitucionalidade,  com  o  advento  da  nova  sistemática 

introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015. 

Ainda, corroborando com todo o entendimento, além de as decisões 

proferidas  do  Supremo  Tribunal  Federal  sobre  a  inconstitucionalidade 

incidental  da  lei  ou  ato  normativo  do  poder  público  firmarem 

precedentes, a mesma decisão é ainda revestida de autoridade de coisa 

julgada! 

Explico.  Em  primeiro  lugar,  a  decisão  jurisdicional  transitada  em 

julgado, da qual não caiba mais recurso, é dotada de Coisa Julgada, que 

consiste  em  “autoridade”  (força)  que  qualifica  uma  decisão  como 

obrigatória e definitiva. Ainda, dois são os corolários da situação jurídica 

“autoridade”,  presentes  no  artigo  502  do  Código  de  Processo  Civil  de 

2015: a decisão torna‐se indiscutível e imutável [60]. 

Fredie  Didier  leciona  no  sentido  de  que  “a  coisa  julgada  é  uma 

concretização do princípio da segurança jurídica. A coisa julgada estabiliza 

a discussão sobre uma determinada situação jurídica, resultando em um 

direito adquirido, reconhecido judicialmente” [61]. 

Tradicionalmente, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a 

eficácia subjetiva da coisa julgada era limitada tão somente às partes do 

processo, sem afetar terceiros (art. 472, CPC/1973), e a eficácia objetiva 

era limitada apenas ao que foi pedido e decidido, ou seja, restrita à parte 

dispositiva da sentença, na qual consta a solução da controvérsia do caso 

concreto (art. 458, CPC/1973).[62] 

Entretanto,  o  novo  Código  de  Processo  Civil  de  2015  trouxe 

importante novidade no  instituto da  coisa  julgada. Atualmente  a  coisa 

julgada pode  ser principal ou  incidental,  ou  seja,  a questão prejudicial 

pode formar coisa julgada, desde que satisfeitos os requisitos previstos na 

novel  lei  processual  civil.  Assim,  os  limites  subjetivos  e  objetivos  são 

alargados. 

Portanto,  é  possível  hoje  falar  em  coisa  julgada  de  decisões 

incidentais  de  inconstitucionalidade  proferidas  pelo  Supremo  Tribunal 

Federal. 

 

 

 

        61 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Vejamos o dispositivo em questão: 

Art.  503.    A  decisão  que  julgar  total  ou 

parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da 

questão principal expressamente decidida. 

§ 1o O disposto no caput aplica‐se à resolução de 

questão  prejudicial,  decidida  expressa  e 

incidentemente no processo, se: 

I  ‐  dessa  resolução  depender  o  julgamento  do 

mérito; 

II  ‐  a  seu  respeito  tiver  havido  contraditório 

prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; 

III  ‐  o  juízo  tiver  competência  em  razão  da 

matéria e da pessoa para  resolvê‐la  como questão 

principal. 

Com efeito, a decisão  incidental de  inconstitucionalidade proferida 

pelo STF no controle concreto satisfaz todos os requisitos transcritos para 

a  formação  da  coisa  julgada,  visto  que  “a  resolução  do  incidente  é 

condição para o  julgamento do mérito da questão principal,  sendo do 

próprio Supremo a competência para resolver a inconstitucionalidade de 

lei ou ato normativo do poder público, nas ações diretas, como questão 

principal[63]”. 

Neste  momento,  então,  refutamos  a  ideia  que  a  jurisdição 

constitucional  necessita  da  intervenção  do  Senado  Federal  para 

suspender  a  execução da decisão de  lei declarada  inconstitucional por 

decisão definitiva do  Supremo Tribunal  Federal, para  conceder eficácia 

“erga omnes”, sob o argumento segundo o qual o incidente processual em 

demanda subjetiva faz agora coisa julgada erga omnes, e não mais inter 

partes. 

Agora, o incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, 

no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, proferida pelo STF, 

faz coisa julgada, de forma automática, com eficácia geral. 

 

 

 

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Destarte, a norma que devemos extrair do art. 927, I, CPC/2015 é a 

seguinte:  os  juízes  e  os  tribunais  observarão  as  decisões  do  Supremo 

Tribunal Federal em controle concentrado e difuso de constitucionalidade. 

Para tal mister, utilizaremos o princípio da  interpretação constitucional, 

qual seja, da Interpretação Conforme a Constituição. 

Diante  de  normas  que  possuem  mais  de  uma  interpretação 

(plurissignificativa  ou  polissêmica),  deve  prevalecer  a  que  mais  se 

aproxima  da  Constituição,  afastando  a  norma  que  contraria  o  texto 

constitucional. [64] 

Portanto,  a  decisão  prejudicial  de  inconstitucionalidade  proferida 

pelo  STF  é  revestida  de  coisa  julgada  e  firma  precedente  obrigatório, 

produzindo efeitos erga omnes e vinculante, dispensando a necessidade 

de  “Resolução  senatorial”.  Com  o  advento  das  novas  mudanças 

processuais civis, a própria decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a 

inconstitucionalidade  incidental  já  é  suficiente  para  suspender,  em 

caráter  erga  omnes,  a  eficácia  da  lei  ou  ato  normativo  declarados 

inconstitucionais [65] 

5. O PRECEDENTE VINCULANTE FIRMADO EM DECISÕES DO SUPREMO 

TRIBUNAL  FEDERAL NO ÂMBITO DO CONTROLE DIFUSO‐INCIDENTAL, À 

LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 

Os novos  institutos apresentados pelo Código de Processo Civil de 

2015,  a  saber:  assunção  de  competência  e  incidente  de  resolução  de 

demanda repetitiva, somados aos veteranos recursos repetitivos e súmula 

vinculante, formam juntos um “microssistema de formação concentrada 

de precedentes obrigatórios” (FREDIE DIDIER, 2016). 

Pode‐se perceber a  importância atual do precedente obrigatório no 

ordenamento  jurídico. Portanto,  faz‐se necessária uma nova  leitura do 

precedente  à  luz  da  Constituição  Federal,  a  isso  chamamos  de 

constitucionalização do direito privado. Para esse mister, os precedentes 

devem ser entendidos, primordialmente, à luz dos direitos fundamentais. 

 

 

 

        63 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Existe verdadeiro direito  fundamental ao precedente vinculante no 

âmbito do controle difuso, como decorrência do próprio devido processo 

legal, em sua vertente substantiva. 

O devido processo legal substantivo (ou material) “impõe a justiça e 

razoabilidade das decisões restritivas a direitos (...) as decisões a serem 

tomadas nesse processo primem pelo sentimento de justiça, de equilíbrio, 

de adequação, de necessidade e proporcionalidade.”[66] 

Com  efeito, podemos  falar  em direito  fundamental  ao precedente 

obrigatório  proveniente  de  decisões  do  Supremo  Tribunal  Federal  no 

controle  difuso‐incidental,  no  momento  em  que  a  aplicação  do 

precedente  permite  que  as  decisões  sejam  proferidas  de  maneira 

coerente,  coesa,  equilibrada  e  proporcional,  providas  de  isonomia, 

segurança jurídica, e duração razoável. 

Inicialmente, existe direito à igualdade na aplicação dos precedentes, 

consistente  no  “direito  que  todos  têm  de  ser  tratados  igualmente  na 

medida em que se igualem e desigualmente na medida que se desigualem, 

quer perante a ordem jurídica, quer prante a oportunidade de acesso ao 

bem da vida”.[67] 

Assim, considerando que os efeitos da decisão no âmbito do modelo 

difuso‐incidental de constitucionalidade vinculam tão somente as partes, 

a mesma lei ou ato normativo declarados inconstitucionais na demanda, 

restarão  válidos  para  o  restante  da  sociedade.  Essa  disparidade 

permanece ainda que a decisão de  inconstitucionalidade seja declarada 

pelo STF, detentor da última palavra na seara constitucional. 

Não podemos permitir que em certos momentos a mesma lei ou ato 

normativo seja inconstitucional para uns e constitucional para outros, sob 

pena  de  violação  à  isonomia.  Portanto,  vislumbra‐se  aqui  o  direito 

fundamental  à  igualdade  na  aplicação  dos  precedentes  obrigatórios 

firmados pelo Supremo Tribunal Federal, para que a mesma  lei ou ato 

normativo seja constitucional ou inconstitucional para todos. 

Em  sequencia  de  raciocínio,  existe  ainda  direito  fundamental  à 

segurança jurídica na aplicação dos precedentes vinculantes em controle 

 

 

 

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difuso de constitucionalidade. A segurança jurídica “consagra a proteção 

da  confiança  e  a  segurança  de  estabilidade  das  relações  jurídicas 

constituídas”. 

Conforme  já analisado no decorrer do presente artigo, qual a razão 

de  a  decisão  incidental  de  inconstitucionalidade  em  controle  difuso, 

proferida  pelo  Supremo  Tribunal  Federal,  não  firmar  precedente 

vinculante, enquanto este é firmado na decisão em controle concentrado 

de  constitucionalidade,  também  realizado  pelo  Supremo  Tribunal 

Federal? Esse quadro fere o princípio da segurança jurídica na medida em 

que abala a estabilidade das relações jurídicas, assim como a confiança de 

que a mesma norma jurídica geral será aplicada futuramente. 

Ainda,  a  segurança  jurídica manifesta‐se  através  das  garantias  do 

direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. 

Quanto à  coisa  julgada,  já  foi  também verificado que a decisão de 

inconstitucionalidade de  lei ou  ato normativo, proferida pelo  Supremo 

Tribunal  Federal,  no  âmbito  do  controle  difuso‐incidental  possui 

autoridade de coisa julgada incidental, a ser seguido por todos os demais 

órgãos do poder  judiciário, de  forma automática, conforme artigo 503, 

parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil de 2015. 

Portanto,  o  incidente  de  inconstitucionalidade  de  lei  ou  ato 

normativo, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, proferida 

pelo STF, faz coisa julgada, de forma automática, com eficácia geral, sem 

a necessidade da atuação do Senado Federal para suspender a execução 

da decisão de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão 

definitiva do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso. 

Portanto,  aplicar  o  direito  fundamental  da  segurança  jurídica  ao 

precedente vinculante no controle difuso, permite que o próprio Supremo 

Tribunal Federal dê a última palavra em sede de jurisdição constitucional, 

e não o Senado Federal, como atualmente acontece. Permitir ao Senado 

Federal  suspender  a  lei  já  declarada  inconstitucional  pelo  Supremo 

Tribunal Federal, para conferir efeitos “erga omnes”, confere tratamento 

despido de segurança jurídica na órbita da jurisdição constitucional. 

 

 

 

        65 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Por último, podemos falar ainda em garantia à razoável duração do 

processo na aplicação do precedente  judicial  sob o controle difuso. Tal 

garantia encontra‐se insculpida no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição 

Federal de 1988, vejamos: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, 

são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam 

a celeridade de sua tramitação”. 

Assim, ao respeitar o sistema dos precedentes obrigatórios no âmbito 

do  controle  incidental  de  constitucionalidade,  estamos  conferindo 

aplicabilidade à razoável duração e aos meios que garantem celeridade, 

no momento em que já teremos a norma jurídica geral para ser aplicada 

aos  casos  futuros  e  semelhantes,  sem  necessidade  de  novas  dilações 

processuais. 

CONCLUSÃO 

O Código de Processo Civil de 2015 apresenta dois novos  institutos 

importantes para as decisões judicias, a saber, os precedentes vinculantes 

e a coisa julgada incidental. Ambos os institutos são aplicados no âmbito 

da  jurisdição  constitucional,  o  que  fortalece  a  Supremacia  e  Força 

Normativa da Constituição. 

Essa  nova  sistemática  deve  ser  estudada  à  luz  do  direito 

constitucional  brasileiro,  a  isso  chamamos  de  constitucionalização  do 

direito privado.  Para isso, os precedentes judiciais no âmbito do controle 

difuso – incidental de constitucionalidade devem concretizar os princípios 

constitucionais do devido processo legal substantivo, isonomia, segurança 

jurídica e razoável duração do processo. 

Após explanar a pesquisa sobre os precedentes judiciais no âmbito do 

controle difuso‐incidental de constitucionalidade, chegamos à conclusão 

que as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas incidentalmente 

em  controle  difuso  de  constitucionalidade  firmam  precedentes 

obrigatórios, com aptidão para formar coisa julgada, ou seja, são decisões 

que  criam  norma  jurídica  geral  de  observância  obrigatória,  que  possui 

eficácia  geral  e  vincula  todos  os  demais  órgãos  do  poder  judiciário, 

podendo, ainda, torna‐se imutável e indiscutível. 

 

 

 

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Logo, ao aplicar o novo panorama dos precedentes obrigatórios no 

âmbito do  controle  incidental de  constitucionalidade, à  semelhança do 

“stare  decises”  e  do  sistema  “commom  low”,  as  decisões  do  Supremo 

Tribunal Federal, nesta seara, passam a ser erga omnes e vinculantes. 

Essa moderna visão da jurisdição constitucional não deixa dúvida que 

a  objetivização  do  controle  difuso‐incidental  de  constitucionalidade 

tornou‐se uma realidade no Brasil. 

Finalmente, para evitar maiores divergências sobre o tema, sugerimos 

três alterações: 

A  primeira  consiste  na  releitura  da  teoria  da  transcendência  dos 

motivos  determinantes,  liderada  pelo  Ministro  Gilmar  Mendes,  para 

acolhê‐la  em  nossa  jurisdição  constitucional,  e  assim  conferir  eficácia 

“erga  omnes”  e  vinculante  às  decisões  incidentais  de 

inconstitucionalidade proferidas pelo STF no âmbito do controle concreto, 

sem a ingerência do Senado, e assim concretizar a mutação constitucional 

do artigo 52, X, CF/88. 

A  segunda  propõe  uma  equiparação  dos  efeitos  das  decisões  do 

Supremo  Tribunal  Federal  em  controle  concentrado  e  difuso,  quais 

sejam: erga omnes e vinculante. 

Por  fim, a  terceira consiste em utilizar o método de “interpretação 

conforme a constituição” do artigo 927, I, NCPC para que a norma extraída 

do seu texto seja a seguinte: os juízes e os tribunais observarão as decisões 

do  Supremo  Tribunal  Federal  em  controle  concentrado  e  difuso  de 

constitucionalidade. 

REFERÊNCIAS: 

BARROSO,  Luís  Roberto.  O  controle  de  Constitucionalidade  no 

Direito Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 

JÚNIOR,  Dirley  da  Cunha.  Curso  de  Direito  Constitucional.  9  ed. 

Salvador: juspodivm, 2015. 

 

 

 

        67 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 753 de 07/12/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e 

Prática. 8 ed. Salvador: juspodivm, 2015. 

JÚNIOR, Dirley da Cunha. O princípio do stare decisis e a decisão do 

Supremo  Tribunal  Federal  no  controle  difuso  de 

constitucionalidade. Disponível em: <http://www.brasiljurídico.com.br>. 

Acesso em 03.10.2016. 

JÚNIOR,  Fredie  Didier  Jr;  BRAGA,  Paula  Sarno;  OLIVEIRA,  Rafael 

Alexandria  de.  Curso  de  Direito  Processual  Civil.  Volume  .  11  ed. 

Salvador: juspodivm, 2016. 

KELSEN,  Hans.  Teoria  Pura  do  Direito.  8.ed.  São  Paulo:  Martins 

Fontes, 2009. 

LENZA,  Pedro.  Direito  Constitucional  Esquematizado.  17  ed.  São 

Paulo: Saraiva, 2013. 

MENDES, Ferreira Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de 

Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38 ed. 

São Paulo: Malheiros Editores, 2014. 

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma 

Nova Crítica do Direito. 2 ed. Rio de janeiro: Forense, 2004. 

ZAVASCKI,  Teori  Albino.  Eficácia  das  Sentenças  na  Jurisdição 

Constitucional. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 

NOTAS:

[1] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.47.

[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 257.

[3] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, pp.246-247.

 

 

 

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[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 257.

[5] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 218.

[6] MENDES, Ferreira Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 1105.

[7] Idem.

[8] Ibidem.

[9] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 112.

[10] Idem, p. 224.

[11] Ibidem, p.228.

[12] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 112.

[13] BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 93.

[14] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 112 e 113.

[15] Idem, p. 113.

[16] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.156.

[17] Idem, p. 157.

[18] BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 94.

[19] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 291.

[20] Idem, p. 297.

 

 

 

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[21] Ibidem, p. 291.

[22] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 289.

[23] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito, pp. 457 – 458.

[24] Idem, p. 458.

[25] Ibidem.

[26] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito, pp. 457 – 458.

[27] Idem, p. 475.

[28] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, pp. 258-259.

[29] Idem.

[30] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.167.

[31] Idem.

[32] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, p.25.

[33] Idem.

[34] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, p.26.

[35] Idem, pp.28-29.

[36] Ibidem, p.26.

[37] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 167.

[38] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.173.

 

 

 

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[39] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 172 – 173.

[40] Idem, P. 173.

[41] Ibidem, pp.169-171

[42] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado,p.296.

[43] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 171.

[44] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, pp.43-49.

[45] Idem, p. 50.

[46] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 173.

[47] Idem.

[48] MENDES, Ferreira Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 1136.

[49] Idem, p.1142.

[50] Ibidem.

[51] Trechos da RE 4.335-5/AC: “Todas essas reflexões e práticas parecem recomendar uma releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade. Quando o instituto foi concebido no Brasil, em 1934, dominava uma determinada concepção da divisão de poderes, há muito superada. Em verdade, quando da promulgação do texto de 1934, outros países já atribuíam eficácia geral às decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, tais como o previsto na Constituição de Weimar de 1919 e no modelo austríaco de 1920. A exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal fique a depender de uma decisão do Senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988, perdeu grande parte do seu

 

 

 

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significado com a introdução do controle abstrato de normas (...). Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso (...). É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto”.

[52] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, pp.297-299.

[53] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p.300.

[54] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.173.

[55] Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Common_law>.

[56] JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, p. 456.

[57] Idem, p. 456 e 465.

[58] JÚNIOR, Dirley da Cunha. O princípio do stare decisis e a decisão 

do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. 

Disponível em: <http://www.brasiljurídico.com.br>.

[59] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.180.

[60] JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, p. 527.

 

 

 

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[61] JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, p.531.

[62] BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p.124.

[63] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 181.

[64] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 161.

[65] Idem.

[66] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 589.

[67] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 550.

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BREVES APONTAMENTOS SOBRE A DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADE PENAL BRASILEIRA SOB A ÓTICA DA MÍDIA

THAYNÁ BARBOSA FIORESI: Advogada (OAB/ES 24668)- Pós Graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio de Jesus.

RESUMO:  O  presente  artigo  tem  como  finalidade  trazer  à  baila  a 

importância da mídia  como  formadora de opinião  e demonstrar  a  sua 

atuação  no  sentido  de, muitas  vezes, manipular  a  opinião  pública  e  a 

sociedade de acordo com os seus interesses ou de acordo com o interesse 

de  determinadas  categorias,  não  havendo  grande  preocupação  com  a 

questão ética ou moral, visto que a imparcialidade é relegada a segundo 

plano quando confrontada com a ganância pelo lucro e pela publicidade, 

de modo que determinada notícia, por  ser mais  rentável, acaba  sendo 

 

 

 

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mais  explorada,  notadamente  quando  envolvem  crimes  de  grande 

repercussão. Por derradeiro, demonstrar que a opinião pública é capaz de 

influenciar  nas  mais  complexas  decisões  políticas  e  judiciais  do  país, 

citando como exemplo a discussão sobre a redução da maioridade penal, 

amplamente  defendido  pelos  meios  de  comunicação  como  sendo  a 

principal medida para a redução da criminalidade no Brasil. 

PALAVRAS‐CHAVE:  Maioridade  Penal.  Mídia.  Meios  de  comunicação. 

Opinião pública. 

ABSTRACT: The purpose of this article is to highlight the importance of the 

media as an opinion maker and demonstrate  its actions  in the sense of 

often manipulating public opinion and society according to their interests 

or according to the interests of certain Categories, and there is no great 

concern with ethical or moral issues, since impartiality is relegated to the 

background when confronted with greed for profit and publicity, so that 

certain  news,  being  more  profitable,  ends  up  being  more  explored, 

notably  When  they  involve  crimes  of  great  repercussion.  Lastly,  to 

demonstrate  that  public  opinion  is  capable  of  influencing  the  most 

complex political and judicial decisions in the country, citing as an example 

the discussion on the reduction of the criminal majority, widely defended 

by the mass media as the main measure for reducing crime in Brazil. 

KEYWORDS: Penalty Population. Media. Media. Public opinion. 

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a maneira como a mídia brasileira 

trata determinados temas e os utiliza como método para tentar manipular 

a  maioria  da  população  carente  de  maiores  esclarecimentos  sobre 

assuntos mais  complexos,  não  ficando  restrita  somente  às  populações 

mais  pobres,  mas  também  àquele  determinado  setor  da  sociedade 

facilmente influenciável por opiniões externas. 

. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA 

 

 

 

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Como é cediço, a mídia, como meio de veiculação de comunicação, 

controla  a  grande massa  de maneira  que  fique  condizente  com  seus 

interesses. Como se sabe, a mídia brasileira move‐se pelo lucro e relega 

para  segundo plano a  imparcialidade na  transmissão das    informações, 

utilizando‐se  da  parcialidade  jornalística  para  influenciar  de  maneira 

tendenciosa a população, tomando o cuidado de evitar que a sociedade 

perceba que, na verdade, está sendo manipulada e controlada. 

Todos sabem que a sociedade deposita muita confiança na “ mídia” 

e  acredita  fielmente  nas  informações  transmitidas,  imaginando  que  se 

trata de notícia  imparcial e que o conteúdo daquilo que  foi noticiado é 

verídico  em  sua  totalidade,  na  real  proporção  em  que  foi  veiculado. 

Porém, a realidade é que a mídia é controlada por  interesses diversos e 

que,  por  sua  vez,  controla  a  sociedade,  criando  vários  estereótipos, 

principalmente em relação ao Direito Penal e seus autores. Como exemplo 

recente, verificamos as discussões pouco aprofundadas sobre o tema da 

redução da maioridade penal, como se a redução da imputabilidade fosse 

a solução para os problemas da criminalidade no Brasil. 

Obviamente  que  a  mídia  é  controlada  por  aquela  parcela  da 

sociedade que detém a maior parte do poder econômico e que acredita 

que o Sistema Social está em decadência. Dessa maneira, acredita que o 

sistema penal é o único ramo do direito capaz de dar uma resposta efetiva 

e eficiente contra o aumento da criminalidade. Para a mídia, quanto maior 

o investimento no aparato policial repressivo e quanto piores as situações 

no  sistema penitenciário, melhor  será a  resposta contra o aumento no 

índice  de  crimes.  Assim,  deixa‐se  em  segundo  plano  a  ressocialização 

daqueles que um dia delinquiram e praticaram crimes, muitos dos quais 

não tiveram outras oportunidades na vida, sendo levados à criminalidade 

pelo próprio meio social em que vivem, principalmente naqueles lugares 

em que o Estado não tem interesse em se fazer presente. 

Assim,  como  a  discussão  em  torno  da  diminuição  da maioridade 

penal é um  assunto polêmico,  sensacionalista,  a mídia  conjuga o  forte 

interesse  de  dar  publicidade  e  popularidade  as  suas  notícias  com 

os  interesses do Governo e de uma minoria forte que se aproveitam dessa 

proposta para continuarem no poder, haja vista os  legisladores, os quis 

 

 

 

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querem garantir sua estadia na máquina pública. Assim sendo, observa‐se 

a forte tendência em criminalizar de maneira mais grave aquelas condutas 

que lesem o patrimônio e de maneira menos grave crimes considerados 

de colarinho branco. 

O  Direito  Penal  é  o  ramo  do  direito  público  que  possui  maior 

conotação  no  meio  midiático,  já  que  se  observa  um  aumento 

desproporcional da violência que é transmitida diariamente nos veículos 

de  comunicação,  fazendo  com  que  a  população,  a  qual  já  é  vítima  da 

violência, também se torne vítima da própria mídia, uma vez que passa a 

acreditar  que  a  desordem  é  tão  grande  que  basta  encarcerar  os 

delinquentes, não importando sua idade, o meio social em que vivem ou 

a gravidade e proporcionalidade do delito. 

Através  de  uma  análise  cientifica,  Loic Wacquant  constatou  que 

houve uma substituição  do Semi‐Estado de providência para um Estado 

Penitência,  no  seio  do  qual  a  criminalização  da  marginalidade  e  a 

“contenção  punitiva”  das  categorias  deserdadas  faz  as  vezes  de  uma 

política social. ( Loic WACQUANT. Punir os pobres.ed .Revan: 2003,p 98). 

Assim, o movimento Lei e Ordem propagado pela mídia faz com que 

a sociedade acredite que o Direito Penal é a solução de todos os males que 

a afligem, já que é mais conveniente encarcerar os indivíduos desprovidos 

do  aparato  Estatal, afastando‐os da  comunidade  social, do que propor 

medidas  sócio‐educativas  para  fazer  com  que  estes  mesmos  alijados 

voltem a participar da sociedade. 

Dessa maneira, observa‐se que o senso de justiça está diretamente 

ligado  à  necessidade  de  reclusão  do  indivíduo,  ou  seja,  só  com  o 

afastamento  do  delinquente  da  sociedade  é  que  se  estará  fazendo  a 

verdadeira  justiça,  não  sendo  suficientes  as  penas  alternativas,  já  que 

estas seriam sinônimo de impunidade. 

Sob  esses  argumentos  é  que  a  imprensa  pretende  reduzir  a 

maioridade  penal,  fazendo  com  que    indivíduos  hoje  considerados 

inimputáveis  sejam  recolhidos  em  prisões,  punindo‐as  como  adultos, 

mesmo  tendo conhecimento de que a prisão é  incapaz de  ressocializar 

qualquer  pessoa,  pois,  em  vez  de  ressocializar,  transforma  um  mero 

 

 

 

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delinquente em um criminoso profissional. Indiscutivelmente este seria o 

resultado caso a maioridade penal fosse reduzida. 

É fato que a criminalidade vem aumentando demasiadamente, mas 

isso não significa que a solução seja a diminuição da maioridade penal, 

nem que as  leis devam ser mais rigorosas, uma vez que somente  isso é 

incapaz de mudar a realidade social. Constata‐se, também, que a mídia 

não  dá  ênfase  sobre  as  verdadeiras medidas  que  atingirão  o  seio  dos 

problemas  criminais,  que  é  proporcionar  ao  jovens  infratores 

oportunidades  de mudança  de  vida,  como  o  acesso  a  educação  e  por 

conseguinte   a   garantia de um emprego. Assim preconiza Nilo Batista, 

“Difícil é cobrar do Estado o respeito á  lei e a proteção dos direitos que 

toda pessoa  tem, a  começar pela  vida. Perto da  culpa do Estado, a do 

bandido  é  pequena.  E  o  bandido,  a  gente  ainda  consegue  prender, 

processar, julgar e condenar. E o Estado?”. 

Ocorre  que  a  redução  da maioridade  penal  como  solução  para  o 

problema da  violêcia no Brasil é um  absurdo,  tendo  em  vista  ser uma 

medida que não  diminuirá os níveis de violência, uma vez que aumentará 

sobremaneira  a  quantidade  de  criminosos  encarcerados,  facilitando  a 

formação de mais criminosos profissionais e com maior periculosidade, 

tratando‐se,  apenas,  de  uma  maneira  de  mascarar  o  abismo  social 

existente  na  sociedade,  procurando  retirar  do  convívio  social  aquelas 

pessoas desamparadas pelo Estado, que recorrem à ilicitude das normas 

morais  e  jurídicas  para  sobreviver  frente  à  sociedade,  retirando  da 

sociedade o que o Estado foi incapaz de lhes proporcionar. 

Ademais, tamanho é o absurdo da medida pois tal redução  iria de 

encontro com a Constituição da República Federativa do Brasil, a qual, em 

seu  artigo  duzentos  e  vinte  e  oito,    consagra  a  inimputabilidade  dos 

menores de dezoito  anos,  tratando‐se de  cláusula pétrea por  força do 

artigo sessenta parágrafo quarto da Carta Magna. 

Tomando  medidas  desarrazoáveis  a  mídia,  juntamente  com  os 

legisladores, aproveitam‐se da insuficiência estatal em relação ao avanço 

da  criminalidade  e  colocam  em pauta questões  como  a diminuição da 

maioridade penal, fazendo com que a massa acredite  que tal medida será 

 

 

 

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a solução dos problemas criminais, sem observar que tal questão sequer 

deveria  ser  discutida  levando‐se  em  consideração  os  critérios  legais  e 

sociais. 

Nesse sentido perfeita a analisa de Sérgio Salomão quando assevera 

que: 

As  campanhas  da  “  lei  e  ordem”  sempre 

descrevem  a  “  impunidade  total”,  falam da polícia 

que prende e do juiz que solta”, “ dos menores que 

entram e  saem da FEBEM graças ao ECA”,atribui o 

mal  funcionamento  do  aparelho  estatal,  “  ás  leis 

benevolentes”, especialmente á Constituição, que só 

garante direitos humanos  para bandidos”,etc.” Estes 

estereótipos permitem a catalogação dos criminosos 

que combinam com a  imagem que correspondem á 

descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de 

delinquentes (delinquentes de colarinho branco, de 

trânsito,etc)  que  talvez  atentem  contra  valores 

sociais mais  relevantes  do  aqueles  abordados  nas 

campanhas  sistemáticas  desencadeadas  pela 

imprensa. 

Dessa forma, o que se verifica é que o Estado Brasileiro nunca levou 

realmente à sério as questões que dizem respeito à política criminal, pois 

sempre procurou remediar os problemas de maneira  imediatista e sem 

qualquer  estudo  mais  aprofundado  sobre  as  verdadeiras  causas  da 

criminalidade, desconsiderando fatores determinantes para que o homem 

comece  a  delinquir,  sendo  que  a  redução  da maioridade  penal  tem  o 

escopo apenas de  tirar de circulação aqueles adolescentes que hoje  se 

encontram em  conflito  com a  lei, marginalizando‐os e os afastando do 

convívio social através de uma modificação  legislativa que tem em vista 

não o bem da sociedade, mas os interesses de uma pequena parcela que 

detêm  o  poder  econômico  e  que  pretende  que  seus  filhos  vivam  sem 

serem ameaçados por aqueles a quem o Estado negou todos os demais 

ramos do direito. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

 

 

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Conclui‐se que o projeto de redução da maioridade penal não tem 

que ser analisado   sobre o   aspecto de tornar mais rígido o tratamento 

conferido  aos  menores  infratores,  mas  deve  ser  analisado  como  um 

projeto utilizado pela mídia para vender notícias e pelos legisladores para 

se manterem no poder,  como  se estivessem  atendendo um  clamor da 

sociedade. 

A  sociedade, por sua vez, deve se conscientizar que os que sofrem 

com  o  Sistema  Penal  são  aqueles  que  não  tiveram  acesso  ao  Sistema 

Social,  os  quais,  na maioria  das  vezes,  cometem  crimes  pela  falta  de 

oportunidades que o Governo não proporcionou. 

Por  isso,  os  legisladores  deveriam  estar  preocupados  em  propor 

medidas    ressocializadoras  e  fiscalizar  a  sua  execução  em  vez  de  se 

preocuparem com campanhas eleitorais,  formando um senso de  justiça 

baseado no encarceramento, uma vez que a criminalidade não diminuirá 

com  o  deslocamento  dos  infratores  ao  sistema  carcerário,  pois  se  a 

reclusão  fosse a  solução para a  criminalidade, não haveria o constante 

aumento de crimes no Brasil. 

Por  fim,  em  relação  à mídia, há  que  se  retirar  da  sociedade  essa 

imagem de que os meios de comunicação  transmitem  suas notícias de 

maneira imparcial, pois, ao contrário, a mídia é totalmente tendenciosa e 

influenciadora,  já  que  aquilo  que  proporcione  maior  lucro  é  o  mais 

importante, não havendo preocupação com a qualidade e veracidade da 

notícia, uma vez que a verdadeira solução para a criminalidade está em 

políticas públicas e sociais capazes de retirar aquela parcela da população 

dos níveis de miséria e  ignorância, a  fim de que   o Direito Penal possa 

deixar  de  ser  lembrado  como  aquele  ramo  do  direito  que,  segundo 

Rogério Greco, “tem cheiro, cor raça, classe social, havendo um grupo de 

escolhidos em que  incidirá a força estatal”. 

REFERÊNCIAS

BATISTA,  Nilo.  Punidos  e  mal  pagos:  violência,  justiça,  segurança 

pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro:Revan, 1990. 

p. 158‐159

 

 

 

        79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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GRECO,Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. 4° Ed.Impetus 2009,pg 20 

SCHECARA,  Sérgio  Salomão.  A  mídia  e  o  Direito  Penal.  Boletim 

IBCCRIM. São Paulo,n.45 ,ago.1996, p.1 

WACQUANT, Loic, Punir os Pobres,2° Ed. Revan. 2003, p.98 

   

 

 

 

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ANOTAÇÕES SOBRE O CONTRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DE CRISE: UMA ANÁLISE COMPARADA

Rafaelly Oliveira Freire dos Santos1

Resumo: A presente construção teórica busca analisar, primordialmente, elementos

básicos do Contrato de Compra e Venda Internacional, compreendendo suas

semelhanças e dissonâncias com o contrato de compra e venda do direito privatista

brasileiro. Cumpre salientar que muito embora este exame elucide alguns institutos

do Direito Internacional Privado, não tem o objetivo de estuda-los de forma

aprofundada. Isto se dá uma vez que o objetivo geral do presente trabalho é fornecer

um panorama geral do regramento dos Contratos de Compra e Venda Internacionais,

voltado para aqueles interessados em iniciar o estudo da teoria contratual na esfera

do Comercio Internacional.

1. Introdução

Nos últimos anos, o Brasil alçou ao patamar de 6° economia mundial,

revelando-se uma grande potência exportadora, principalmente, de produtos

agrícolas como carne bovina e soja. Tal cenário serviu como motor propulsor da

                                                              

1 Graduanda do 5° semestre do Curso de Direito, Pesquisadora do tráfico de seres humanos, Ex-Extensionista do projeto Acesso à Jurisdição Interamericana e Ex-monitora de História e Antropologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

 

 

 

        81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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economia nacional, a qual, apesar do avanço, continuou revestida de entraves

burocráticos que o fez perder grandes acordos bilaterais de livre comércio.2

Infelizmente, o momento das vacas gordas, digo, do cenário econômico

favorável, parece ter passado, e atualmente o Brasil se vê em uma profunda

instabilidade política que desagua em duas veredas essencialmente daninhas: o

caminho de uma decrescente credibilidade internacional3 e as profundezas de uma

inflação galopante que chegou ao marco dos 14 pontos percentuais4.

É precisamente nesse cenário patológico que o firmamento de Contratos

Internacionais podem surgir como remédio profícuo no combate à crise, vez que

possibilita o aquecimento do mercado, a circulação de mercadorias e a oxigenação

do mercado com a entrada de verbas internacionais.

Uma vez que o contrato de compra e venda, lato sensu, tem sido a base das

relações comerciais do modelo de Estado Liberal globalizado hodierno, os Contratos

de Compra e Venda Internacionais podem emergir como efetivo instrumento para a

fomentação do influxo de investimentos transnacionais no Brasil.

É por essa razão que a análise desse tipo de contrato (de Compra e Vendas

Internacionais) - examinando seus institutos, aplicabilidade e interpretações

                                                              

2 <Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/05/160505_legado_pt_ru. Acesso em: 02 de jun de 2016>.

3 <Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160305_lula_kenneth_maxwell_lab. Acesso em: 04 de jun de 2016>

4 <Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/4435800/mercado-piora-novamente-previsao-para-inflacao-e-pib-em-2016. Acesso em: 03 de jun de 2016>.

 

 

 

82  

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jurisprudenciais – faz-se salutar para esse momento de instabilidade político-

econômica experimentado pela Nação brasileira.

2. Desenvolvimento

Propedeuticamente, para analisar o Contrato de Compra e Venda Internacional,

faz-se mister compreender o que caracteriza um contrato internacional, quais

elementos os distinguem de um contrato meramente nacional.

Roberto Caparroz delineia uma definição econômica desse instrumento: “os

contratos internacionais de compra e venda representam a manifestação de vontade

dos empresários envolvidos nas transações de importação e exportação”.5

Segundo Antônio Carlos do Amaral6, foi desenvolvido na disciplina do

Direito Internacional público um critério jurídico de distinção dos contratos

nacionais dos internacionais, conforme o qual: o contrato internacional é o acordo

de vontades potencialmente sujeito a sistemas jurídicos de dois ou mais países,

diferentemente dos contratos nacionais que se sujeitam apenas ao sistema nacional.7

A pluralidade de sistemas jurídicos envolvidos em um único contrato, como se

pode deduzir, leva ao surgimento de litígios de grande complexidade, por essa razão,

logo na fase pré-contratual, devem ser analisadas as seguintes questões: i) qual será

a lei competente para dirimir eventuais conflitos; ii) os usos e costumes

internacionais podem ser aplicados ao caso; iii) qual será o foro competente para

julgar a causa.

                                                              

5 CAPARROZ, 2012.

6Presidente da Comissão de Comércio Exterior e Relações Internacionais da OAB/SP.

7 AMARAL, P.217.

 

 

 

        83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Segundo as regras de Direito Internacional Privado, em consonância ao

princípio da autonomia da vontade, é dado as partes acordar sobre cada uma dessas

questões, podendo escolher a lei aplicável (seja a lei do domicilio do comprador, do

domicílio do vendedor ou um tratado internacional), os usos e costumes aplicáveis

(o que poderá ser feito através da escolha de INCOTERMS8), bem como o foro

competente (seja ele o do domicílio do comprador, do devedor ou até mesmo um

juízo arbitral).

Cabe aqui destacar que quando se trata do foro competente, o professor

Antônio Carlos aconselha sempre o ajuizamento da ação no foro de domicílio do

réu, vez que este, em regra, será competente, mesmo em face de disposição

contratual que não o selecione. Tal opção também pode facilitar a execução do

quantum devido, pois os bens do réu tendem a situar-se em seu domicilio e o autor

“se livra” da eventual necessidade de homologação de sentença estrangeira e

outros entraves que costumam se opor à execução de obrigações assumidas em

contratos internacionais.

Pois bem, no tocante ao Contrato de Compra e Venda, a Convenção de Viena

de 1980 (CISG), elaborada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito do

Comércio Internacional (CNUDCI, ou do inglês, UNCITRAL), veio como uma

resposta alternativa para a primeira pergunta elencada, colocando-se como lei

aplicável aos Contratos de Compra e Venda Internacionais firmados entre pessoas

físicas ou jurídicas residente em pelo menos um dos Estados signatários.

                                                              

8 Termos de Comércio Internacional. Para mais informações, recomenda-se a leitura do tópico 3.3.

 

 

 

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Pode-se especular que o advento desse instrumento jurídico, ao determinar-se

enquanto lei aplicável aos contratos mercantis internacionais, mitigou o princípio da

autonomia da vontade. Todavia, não é o que acontece, posto que, em seu art. 6° a

convenção consigna a liberdade das partes para aplica-la parcialmente ou, até

mesmo, não aplica-la, ipsis litteris: “As partes podem excluir a aplicação da presente

Convenção ou, sem prejuízo do disposto no artigo 12, derrogar qualquer das suas

disposições ou modifcar-lhes os efeitos”.

Em 2013, o Brasil foi o 79° país a aderir a Convenção, através do Decreto

Legislativo de n° 538/2012. Assim, o referido instrumento jurídico foi incorporado

ao ordenamento juridico com nível hierárquico de lei ordinária, derrogando leis

ordinárias anteriores que conflitam com seu texto, sem deixar de sujeitar-se aos

ditames da Constituição de 1998.9

Nesse diapasão, hodiernamente, os tribunais brasileiros, ao depararem-se com

litígios envolvendo Contratos de Compra e Venda Internacionais hão de julgá-los

dando primazia às regras da Convenção de Viena em detrimento das demais regras

de direito internacional privado anteriores ao Decreto n. 538.

2.1. A Convenção de Viena de 1980 (CISG)

A Convenção de Viena é composta por quatro partes, subdivididas em

capítulos e secessões. A primeira parte trata do campo de aplicação e das disposições

gerais, elegendo o escopo de assegurar a boa-fé no comércio internacional como uma

de suas chaves hermenêuticas (art.7, CISG). O que muito se assemelha ao feito pelo

                                                              

9 < Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-adere-a-convencao-da-onu-sobre-contratos-internacionais-de-compra-e-venda-de-mercadorias/. Acesso em: 05 de junho de 2016>.

 

 

 

        85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Código Civil em seu art. 422, segundo o qual: “Os contratantes são obrigados a

guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de

probidade e boa-fé.”

A segunda parte da Convenção trata da formação do contrato, dispondo sobre

o caráter vinculante da proposta e da aceitação, bem como sobre o momento de

aperfeiçoamento do contrato.

A terceira parte é denominada de “Compra e Venda de Mercadorias”, secciona-

se em cinco capítulos: i) disposições gerais; ii) obrigações do vendedor; iii)

obrigações do comprador; iv) transferência do risco e v) disposições comuns às

obrigações do comprador e do vendedor.

Nas disposições gerais, a convenção trata sobre o conceito de violação

fundamental e das hipóteses de extinção do contrato. No capitulo segundo, além de

serem regulamentadas as obrigações do vendedor, são disponibilizados os

instrumentos que o comprador dispões em caso de tais violação, como a indenização

por perdas e danos (art. 45 da Convenção). De forma semelhante, o capítulo terceiro

trata das obrigações do comprador e regula os meios disponíveis ao vendedor em

caso de violação dessas obrigações.

Na sequência, o capítulo quarto dispõe sobre a transferência do risco e regula

de maneira geral os casos em que vendedor e comprador se responsabilizaram por

danos advindos ao objeto contratual.

O capítulo quinto, por sua vez, regulamenta as disposições comuns às

obrigações do vendedor e comprador, falando sobre a violação antecipada do

contrato e contratos de prestações sucessivas, aplicação das perdas e danos,

contabilização dos juros, exoneração do inadimplente em face de caso fortuito ou de

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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força maior, efeitos da resolução e, por fim, dispondo sobre os deveres de

conservação da mercadoria.

Por fim, a quarta parte da Convenção de Viena, intitulada disposições finais,

normatiza aspectos procedimentais da convenção, como quem será seu depositário,

o momento se sua assinatura, a possibilidade de sua denunciação10 pelos países

signatários.

2.1.1. Formação do Contrato de Compra e Venda

Na Convenção de Viena, as regras de formação do contrato estão positivadas

nos arts. 14 a 24, enquanto no Código Civil estão dispostos nos dispositivos 427 a

435. Para a CISG, a proposta é composta dos seguintes elementos: designação das

mercadorias, fixação expressa ou implícita de sua quantidade, preço ou indicações

que permitam determiná-lo e destinatário determinado (art. 14, CISG).

A proposta poderá ser dirigida a uma ou várias pessoas, todavia, se direcionada

a pessoas indeterminadas, consistirá em simples convite para contratar, não uma

proposta tendente a conclusão de um contrato.

Entendimento diverso segue o Código Civil ao determinar que a oferta ao

público equivale a proposta, bastando encerrar os demais requisitos essenciais ao

contrato.11 Cabe destacar que ambos os dispositivos jurídicos possibilitam disposição

contratual em contrário.

                                                              10 Segundo Valério Mazzuoli: “Entende-se por denúncia o ato unilateral pelo qual um participe em dado tratado internacional exprime firmemente sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriormente firmado.” Seus efeitos são, igualmente, unilaterais, atingindo apenas ao partícipe que o proferiu, não atingindo aos demais signatários. A materialização da denúncia, por sua vez, não se difere do procedimento adotado para a ratificação dos tratados, consistindo na entrega do instrumento ao depositário do tratado para que este comunique aos demais signatários da intenção do Estado denunciante em se desobrigar do compromisso firmado. (Mazzuoli, 2011, p. 304)

11GONÇALVES, 2014.

 

 

 

        87 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Quanto à eficácia da proposta, para a Convenção, ela se dá com sua chegada

ao destinatário, todavia, ainda que irrevogável, padecerá ineficaz se a retratação

chegar antes ou ao mesmo tempo que a proposta (art. 15, CISG). Ela será extinta

quando a rejeição aos seus termos chegar ao proponente.

É precisamente essa a inteligência do CC ao determinar que “a proposta de

contrato obriga o proponente” (art. 427), exceto nos casos em que antes ou

simultaneamente a ela chegue a retratação ao conhecimento do oblato (art. 428, inc.

IV). Em se tratando da extinção da proposta, os doutrinadores civilistas entendem

que esta se dá no ordenamento pátrio assim como no internacional, isto é, com sua

rejeição.

A aceitação poderá ser tanto verbal quanto através de um ato para a Convenção

de Viena, porém “o silêncio e a inação, por si sós, não podem valer como aceitação”

(art. 18). Como exemplo de atos correspondentes a aceitação cita-se a expedição da

mercadoria ou o pagamento do preço. O mesmo ocorre para o C.C, é o que leciona

Carlos Roberto Gonçalves:

A aceitação pode ser expressa ou tácita. A primeira decorre de declaração do

aceitante, manifestando a sua anuência; a segunda, de sua conduta,

reveladora do consentimento.12

Tanto para o instrumento jurídico internacional quanto para o Código Civil

(art. 428 inc. I, II, III) a aceitação só se tornará eficaz quando chega ao proponente,

perdendo tal caráter se não for expressa imediatamente quando a proposta é feita

                                                              

12 Gonçalves, p. 84

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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entre presentes, não chega no prazo estipulado ou, na ausência de tal estipulação,

num prazo razoável (art. 18, 2; CISG).

A aceitação envolta de aditamentos, restrições ou modificações, para ambos os

instrumentos, constituem uma nova proposta, isto é, uma contraproposta (art. 431,

C.C; art. 19, CISG), todavia eles divergem a respeito dos limites conceituais dos

referidos termos utilizados por ambos.

Para a Convenção a aceitação só constituirá uma contraproposta se alterar

substancialmente os termos da proposta, modificando o preço, pagamento,

qualidade, quantidade das mercadorias; o lugar e tempo de sua entrega; as

responsabilidades das partes face uma da outra ou o modo de resolução dos conflitos

(art. 19, CISG), não sendo relevante para tal fim, se o prazo foi cumprido ou não (art.

21, CISG).

O CC, por sua vez, considera aceitação apenas a “pura e simples”, isto é, sem

nenhum tipo de modificação, sendo uma contraproposta, até mesmo, a aceitação

expressa após o prazo.13

Assim como a proposta, a aceitação pode ser retirada se a retratação chegar ao

proponente antes ou concomitantemente a aceitação (art. 22, CISG), ocorrendo o

mesmo para o CC (art. 433).

O momento de conclusão do contrato, do seu aperfeiçoamento, é estudado pela

doutrina quando a proposta é feita entre presentes e entre ausentes. No primeiro caso

é dispensada maiores elucubrações, posto que o momento da expedição e da recepção

da aceitação será, em geral, o mesmo.

                                                              

13 Gonçalves, p. 84

 

 

 

        89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Todavia, em se tratando da proposta feita entre ausentes existem duas teorias:

expedição e recepção. Conforme a primeira, o contrato se conclui logo quando a

aceitação é expedida, ao passo que para a segunda a conclusão se dá com a recepção

da aceitação pelo proponente.

A CISG adota a teoria da recepção (art. 23), divergindo do Código Civil que,

segundo a doutrina majoritária, traduz a teoria da expedição em seu art. 434,

elencando, apenas algumas exceções14.

Superadas as considerações a respeito da formação do contrato, passamos ao

estudo comparado das obrigações dos contratantes.

2.1.2. Obrigações dos Contrates

As obrigações dos contratantes consistem nos atos que se comprometeram a

praticar em virtude do contrato assinada. Quando as partes cumprem o que foi

estipulado por livre e espontânea vontade não surgem conflitos para o Direito,

todavia, diversas vezes não é isso o que ocorre.

Em face desse não cumprimento, do inadimplemento, a Convenção de Viena

determina sanções com caráter reparatório e preventivo: reparatório na medida em

que ressarce o prejuízo sofrido pela outra parte e preventivo na medida em que impõe

ônus que tornam o inadimplemento desvantajoso.

Todavia, não é todo e qualquer inadimplemento contratual que causa prejuízo

e merece ser sancionado. Para a Convenção de Viena, apenas as violações ditas

fundamentais geram o dever de reparar, exceto se o resultado do ato da parte faltosa

fosse imprevisível ao homem médio. Segundo o art. 25 da CISG:

                                                              

14 GONÇALVES, p.87.

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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Uma violação do contrato cometida por uma das partes é fundamental

quando causa à outra parte um prejuízo tal que a prive

substancialmente daquilo que lhe era legítimo esperar do contrato,

salvo se a parte faltosa não previu esse resultado e se uma pessoa

razoável, com idêntica qualificação e colocada na mesma situação, não o

tivesse igualmente previsto.

Ocorrida a referida violação, é dado a outra parte resolver o contrato, tornando-

se eficaz desde que notificada à parte faltosa (art. 26), ou, em certos casos previstos

na CISG, exigir a execução de certa obrigação. Neste caso, a legislação a qual o juiz

está vinculado deverá ser observada, posto que, “juiz não estará obrigado a ordenar

sua execução específica salvo se devesse fazê-lo segundo seu direito nacional, em

relação a contratos de compra e venda semelhantes não regidos pela presente

Convenção” (art. 28).

O art. 29 (1) prevê a possibilidade de extinção do contrato por acordo bilateral,

distrato, determinando que só será válido se realizado de forma escrita.

Posicionamento semelhante é determinado pelo Código Civil ao determinar que o

distrato será feito pela mesma forma exigida para o contrato (art. 472).

É fato que o contrato de compra e venda no ordenamento civil pode ser feita

verbalmente, todavia, aquelas de maior monta, comumente, revestem-se de forma

escrita. Uma vez que na seara internacional esse tipo de contrato movimentam

quantias consideráveis, sua forma é principalmente escrita, portanto, a aplicação

tanto do art. 472 do C.C quanto o art. 29 da Convenção levam a interpretação de que

o distrato exige forma escrita.

Importante notar que ainda no art. 29 a Convenção possibilita que o distrato

seja feito sem forma escrita desde que do comportamento de uma das partes infira-

 

 

 

        91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 753 de 07/12/2016 (ano VIII) ISSN

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se o distrato, in verbis: “contudo, o comportamento de uma das partes pode impedí-

la de invocar essa disposição, se a outra parte confiou nesse comportamento”. Ainda

com esses termos, importante notar, a Convenção veda o venire contra factum

proprium15.

O Capítulo V da Convenção determina disposições aplicáveis ao comprador e

ao devedor, tais como as hipóteses de incidência da indenização por perdas e danos,

a exoneração da responsabilidade, e a responsabilidade pela conservação da

mercadoria.

Segundo Amaral, haverá perdas e danos quando ocorrem cumulativamente as

seguintes situações: i) houver violação de clausula contratual; ii) a outra parte sofrer

dano e iii) houver nexo causal entre a violação contratual e o dano.16

O valor da indenização será determinado pelo prejuízo sofrido pela parte, seu

lucro cessante. Não podendo a indenização exceder ao valor da perda que a parte

inadimplente pudesse prever no momento de celebração do contrato (art. 74).

De outro monta, caberá a parte que invocar o descumprimento minimizar os

prejuízos sofridos e o lucro cessante em decorrência do inadimplemento contratual.

Vê-se ai a aplicação do dever decorrente da boa-fé objetiva: “the duty to mitigate the

lost”.

                                                              

15 Pela máxima venire contra factum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva. O conceito mantém relação com a tese dos atos próprios, muito bem explorada no Direito Espanhol por Luís Díez-Picazo. (TARTUCE, 2015, p.473)

16 AMARAL, 2008, P.243.

 

 

 

92  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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A exoneração de deveres contratuais, por sua vez, se dará assim como para o

código civil, em decorrência de casos fortuitos e de força maior (art. 79).

Cabe agora a análise individual das obrigações do cada contratante, isto é, do

vendedor e do comprador.

2.1.3. Obrigações do Vendedor

Consoante o art. 30 da CISG, assim como o determina o ordenamento jurídico

bresileiro, são obrigações do vendedor: i) entregar as mercadorias na exata qualidade

e quantidade acordadas; ii) transferir a propriedade; e iii) entregar os documentos

relacionados.

A mercadoria entregue há de ser livre de direitos ou reivindicações de terceiros,

inclusive daqueles baseados em direitos de propriedade intelectual (art. 41 e 42), sob

pena de inadimplemento.17

Caberá ao comprador examinar as mercadorias entregues o mais breve possível

(art. 38, CISG), notificando o vendedor de eventuais desconformidades em um prazo

razoável, sob pena do direito de alega-las (art. 39). A convenção estabelece como

prazo máximo até 2 anos após a coisa ser colocada efetivamente sobre o poder do

comprador, a menos que tal prazo seja incompatível com a garantia contratual.

Caso o vendedor descumpra as obrigações dispostas, o convenção

disponibiliza os seguintes remédios ao comprador: i) exigir a execução específica do

contrato (art. 46); ii) conceder prazo complementar para o cumprimento da obrigação

(art. 47); iii) resolver o contrato (art. 49); iv) abater o preço (art. 50).

                                                              

17 AMARAL, 2008, P. 238.

 

 

 

        93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Leciona Amaral que, ao optar pelo primeiro remédio, o compra dor poderá

exigir o cumprimento da obrigação determinada no contrato, a substituição das

mercador desconformes (apenas quando a desconformidade constitua violação

fundamental do contrato), ou, requerer a reparação de tais mercadorias.18

Caso o comprador opte por conceder prazo suplementar ao vendedor, ainda

assim, poderá exigir perdas e danos advindas da mora, porém, ficará impedido de

dispor de outro remédio enquanto durar o novo prazo estipulado. Todavia, se o

vendedor inadimplente notificar o comprador de que não cumprirá o obrigação no

prazo assinalado, a citada vedação não será aplicada.

Valendo-se do princípio da conservação do contrato, a CISG delimita que o

comprador só poderá resolver o contrato em face de violação fundamental ou de não

entrega das mercadorias no prazo suplementar estabelecido (art. 49, “a” e “b”). Se

após no prazo o vendedor entrega as mercadorias, o comprador perderá o direito de

declarar a resolução do contrato se não o fizer: a) num prazo razoável após a entrega

tardia; b) num prazo razoável após outro tipo de violação.

Por fim, caberá ao comprador exigir o abatimento do preço se o vendedor não

tiver reparado a coisa, ou mesmo se recusar-se a aceitar a reparação (art. 50).

2.1.4. Obrigações do Comprador

Por obrigações do comprador a CISG entende o pagamento do preço e o

recebimento da mercadoria em lugar e tempo estabelecidos no contrato (art. 53). Para

o Professor Amaral, pagar o preço se reveste de três elementos: i) fixar o preço, sob

pena de presunção de que será o preço de mercado (art. 55); ii) fixar lugar de

                                                              

18 Ibidem.

 

 

 

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pagamento, estabelecimento do vendedor ou no lugar de entrega das mercadorias ou

documentos (art. 57); iii) fixar o momento do pagamento, no momento do pagamento

ou após o exame das mercadorias (art. 58).

No tocante a obrigação de receber as mercadorias, caberá ao comprador a

prática de atos razoáveis para facilitar a entrega, bem como a tomada da posse das

mercadorias. Mesmo que o comprador se recuse a recebe-las conforme o acordado,

será responsabilizado pelos danos que elas venham a sofrer danos. Haverá nessa

hipótese a inversão do res perit dominum, como ocorre no direito brasileiro.

Assim como para o comprador, a Convenção disponibiliza alguns remédios

para o vendedor em caso de inadimplemento do comprador, são eles: i) requerer o

pagamento do preço; ii) exigir a aceitação da entrega das mercadorias e conceder um

prazo suplementar; iv) execução de outras obrigações; v) declarar sua resolução e vi)

reclamar perdas e danos.

Aduz-se do art. 62 que a utilização desses remédios, está condicionada ao não

prevalecimento de meios incompatíveis com eles. Destarte, o vendedor não poderá

requerer o pagamento do preço e a resolução do contrato concomitantemente.

Da mesma forma que a possibilidade de declaração da resolução do contrato é

limitada para o comprador, é também para o vendedor. Assim, o art. 64 da CISG

delimita que o contrato só poderá ser resolvido pelo vendedor se a inexecução do

comprador consistir em uma violação fundamental do contrato, se não pagar o preço

ou não aceitar a entrega das mercadorias no prazo suplementar concedido.

Se o comprador pagar o preço no prazo suplementar, o vendedor perderá o

direito de resolver o contrato se não o fez: i) antes da execução tardia pelo

comprador; ii) num prazo razoável após a inexecução; iii) a partir do momento que

 

 

 

        95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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teve conhecimento da violação contratual; iv) após o comprador declarar que não

cumpriria a obrigação no prazo suplementar.

Após analisar as obrigações dos contratantes, a Convenção de Viena passa ao

regulamento da transferência do risco, examinando as hipóteses em que vendedor ou

comprador responderão pelos danos sofridos pelas mercadorias.

Tal matéria tem precisa importância ao perceber que os contratos

internacionais envolvem o transporte de mercadorias por milhares de quilômetros,

envolvendo diversos meios de transportes, como caminhões, navios e aeronaves.

Em regra, a Convenção estabelece que o risco se transfere ao comprador no

momento em que ele toma efetiva posse das mercadorias, ou, caso não o faça no

momento devido, a partir de quando elas forem postas à sua disposição (art. 69).

Na última situação, se as mercadorias ainda não estiverem individualizadas

para os fins contratuais, o vendedor não poderá alegar que as colocou à disposição

do comprador, destarte, os riscos continuarão a correr por conta do vendedor.

Do exposto, pode-se aduzir que os contratos de compra e venda internacionais

regidos pela convenção, são obrigacionais na medida em que não transferem a

titularidade do bem, apenas geram a obrigação de transferi-la. O mesmo ocorre com

os contratos civilistas brasileiros.

No entanto, existem duas situações previstas pela CISG: i) quando o contrato

de compra e venda envolve o transporte de mercadorias (art. 67); ii) quando as

mercadorias são vendidas em trânsito (art. 68).

No primeiro caso, se o vendedor não estiver obrigado a remeter a mercadoria

para determinado local, o risco se transfere ao comprador no momento em que a

mercadoria é entregue ao primeiro transportador. Todavia, se o vendedor houver se

 

 

 

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obrigado a remeter a mercadoria para determinado local, o risco só será transmitido

ao comprador quando o objeto contratual for entregue.

Nesse ponto, duas observações se fazem imperativas: a) o porte dos

documentos representativos da mercadoria não se confunde com a responsabilização

pelos riscos, vez que, a posse dos documentos é irrelevante para a delimitação de

quem será responsabilizado por eventual dano sofrido pela mercadoria; b) o risco

não pode ser transferido para o comprador enquanto as mercadorias não forem

precisamente identificada para os fins do contrato.

Essa segunda observação muito se assemelha ao brocardo em latim comumente

utilizado no ordenamento civil brasileiro: genus nunquam perit, ou seja, o gênero

nunca perece.

Na segunda situação, o risco transfere-se automaticamente com o

aperfeiçoamento do contrato. Se, no momento de aperfeiçoamento do contrato, as

mercadorias ainda não tenham sido remitidas ao transportador que emitiu os

documentos, é possível determinar que os riscos só sejam transferidos ao comprador

quando aquele estiver na posse da mercadoria.

É possível que a as condições contratuais determinem que o risco será

transmitido ao comprador quando as mercadorias forem remetidas ao transportador

que emitiu os documentos

Essa modalidade de compra e venda, na qual o comprador não tem acesso a

mercadoria, comprando-a quando ainda está em transito, parece, à primeira vista,

bastante arriscada, posto que o comprador fica impossibilitado de verificar o estado

do objeto adquirido.

 

 

 

        97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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Visando equilibrar essa relação contratual, tutelando a boa-fé dos contratantes,

a Convenção de Viena determina que: “se, no momento da conclusão do contrato de

compra e venda, o vendedor sabia ou deveria saber que as mercadorias tinham

perecido ou se tinham deteriorado e disso não informou o comprador, a perda ou

deterioração fica a cargo do vendedor.”.

Disposição semelhante possui o Código Civil ao regulamentar “a venda sobre

documentos”, art. 531. Segundo esse dispositivo, o seguro adquirido no transporte

das mercadorias ficará a cargo do comprador, exceto se no momento de

aperfeiçoamento do contrato, o vendedor tivesse ciência da perda ou avaria da

mercadoria.

Devido a importância da matéria, a Câmara de Comércio Internacional (CCI)

editou os Termos Internacionais de Comércio (INCOTERMS), criando:

Regras para administrar conflitos interpretativos dos contratos de comercio

internacionais firmados entre exportadores e importadores, concernentes

a transferência de mercadorias, as despesas decorrentes das

transações e à responsabilidade sobre perdas e danos.19

2.2. INCOTERMS

Os INCOTERMS foram editados pela primeira vez em 1936, com o avanço

das relações comerciais internacionais, novos termos foram sendo adicionados e

excluídos. Em 2010 a última versão foi publicada, contendo 11 termos que

determinam quem será o responsável por cada custo relativo ao translado da

                                                              

19 <Disponível em: http://www.bb.com.br/docs/pub/dicex/dwn/IncotermsRevised.pdf . Acesso em: 05 de jun de 2016>.

 

 

 

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mercadoria, quais sejam: EXW, FCA, FAS, FOB, CFR, CIF, CPT, CIP, DAT, DAP,

DDP20:

A escolha dos termos deve ser realizada no momento da contratação, levando

em conta a capacidade organizacional das empresas ou partes contratantes, o meio

de transporte utilizado, o nível de serviço que se pretende prestar ao cliente, bem

como os hábitos de mercado e a as práticas da concorrência.

Isto se dá pois alguns INCOTERMS são utilizáveis apenas para os transportes

fluviais e marítimos (FAZ, FOB, CRF, CIF), bem como pelo fato de que a escolha

do termo pode ser essencial para determinar se um negócio será bem sucedido,

trazendo vantagem para ambas as partes, ou não.

                                                              

20<Disponível em: https://pt.portal.santandertrade.com/expedicoes-internacionais/incoterms-2010?&actualiser_id_banque=oui&id_banque=7&memoriser_choix=memoriser. Acesso em: 05 de jun de 2016>.

 

 

 

        99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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O quadro a seguir ilustra a repartição dos custos entre comprador e devedor

com base em cada um dos 11 termos do comércio internacional, possibilitando a

maior compreensão de suas disposições.

A primeira coluna intitula os custos e a primeira linha delimita as hipóteses em

que: i) a mercadoria é retirada da fábrica; ii) a mercadoria não é retirada da fábrica,

mas o transporte principal é pago pelo comprador; iii) o transporte principal é pago

pelo vendedor e iii) os custos do encaminhamento são pagos pelo vendedor até a

chegada da mercadoria.

A segunda linha, por sua vez, designa os termos e as linhas seguintes ilustram

quem se responsabilizará por cada custo intitulado na primeira:

3. Conclusão

O estudo aqui realizado faz perceber que o Contrato de Compra e Venda

Internacional regido pela CISG em muito se assemelho ao regulamentado pelo

 

 

 

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direito brasileiro. As diferenças fundamentais entre ambos estão antes no tocante ao

transporte do objeto contratual e as responsabilidades daí advindas do que das

normas de formação desses instrumentos e resolução de controvérsias.

Nesse diapasão, restou claro que a utilização da CISG como norma

regulamentadora dos contratos internacionais firmados pelos exportadores e

importadores domiciliados no Brasil, não implicariam, à priori, em grandes

dificuldades em sua aplicação. Isto se dá porque a semelhança entre a CISG e o

disposto no Código Civil, possibilita a melhor interpretação e aplicação dos institutos

da Convenção Internacional.

Considerando, ainda, que a Convenção, atualmente, se encontra ratificada por

79 países, conclui-se que a aplicação da Convenção de Viena pode ser uma boa

alternativa para que os exportadores e importadores brasileiros consigam realizar

melhores negociações, de forma mais célere e eficaz, proporcionando o aquecimento

do mercado brasileiro e o impulsionando para fora da crise experiênciada.

Não olvida-se aqui o relevante papel das políticas tributárias e econômicas

adotadas para propulsão do mercado, todavia, especula-se que uma política de

incentivo a importação e exportação, nos moldes da Convenção de Viena, pode ser

o início de uma eficiente reforma na política econômica brasileira.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Antônio Carlos. Direito do Comércio Internacional: Aspectos

Fundamentais. 1 ed. São Paulo: Lex Editora, 2008.

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

 

 

        101 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional esquematizado. 1 ed. São Paulo:

Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos

Unilaterais. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 3.

ONU. Convenção Das Nações Unidas Sobre Contratos De Compra E Venda

Internacional De Mercadorias. 1ª ed. <Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8327.htm.

Acesso em: 07 de jun de 2016 >

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 5 ed. São Paulo:

Método, 2015.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e

teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2001, v. 2.

<Disponível em: https://pt.portal.santandertrade.com/expedicoes-

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2010?&actualiser_id_banque=oui&id_banque=7&memoriser_choix=memoriser.

Acesso em: 05 de jun de 2016>.

<Disponível em: http://www.bb.com.br/docs/pub/dicex/dwn/IncotermsRevised.pdf .

Acesso em: 05 de jun de 2016>.

< Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-adere-a-convencao-da-onu-sobre-

contratos-internacionais-de-compra-e-venda-de-mercadorias/. Acesso em: 05 de

junho de 2016>.

 

 

 

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UM ENSAIO PRAGMÁTICO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA CIDADE

GABRIEL CAPRISTO STECCA: Advogado, graduado pela PUC-SP, Pesquisador Universitário do CNPq, Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP, militante na área de Direito Fundamentais e investigador das causas e soluções da desigualdade social no Brasil.

Resumo:  Esse  ensaio  trata  de  uma  visão  crítica  sobre  o  planejamento 

mercantil que vem sendo praticado, principalmente, nas grandes cidades 

brasileiras. Os enormes conglomerados humanos estão se tornando um 

lugar para a reprodução das relações de exploração do trabalho, no qual 

a  cidade  é  o  seu  terreno  fértil  para  acentuar  as  disparidades 

socioeconômicas  e  a  pobreza  estrutural  globalizada.  Para  tal  análise  o 

pensador não pode estar estreito somente à ciência jurídica, mas atento à 

transversalidade do conhecimento, pois um  tema  tão complexo exige a 

atuação de outras áreas do conhecimento como a arquitetura, a geografia, 

a sociologia, a economia, etc. Dessa forma, trazer luz à obviedade de que 

nossas cidades estão encostadas em  legislações ultramodernas como o 

Estatuto da Cidade e o mandamento  constitucional da Política Urbana, 

muito  embora  a  realidade  classista  dos modelos  sociais  urbanos  está 

disseminada pela exclusão social viabilizada pela não efetividade dessas 

leis. 

Palavras‐chave:  Função  social;  cidade;  sociedade  de  classes; 

planejamento urbano. 

SUMÁRIO:  I. REFLEXÕES  INTRODUTÓRIAS.  II. CONEXÃO ESPAÇO‐TEMPO 

JURÍDICO. III – SOBRE A CIDADE‐ESPAÇO.  IV – O ESPAÇO POLÍTICO.  IV.a. 

Democracia em ajustes. IV. b. Crescimento e ampliação da função social 

da cidade. IV. c. A importância do Estatuto da Cidade. V. CONCLUSÃO. VI. 

BIBLIOGRAFIA. 

 

 

 

        103 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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I. REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS O artigo 182 caput da Constituição Federal de 1988 traz na sua 

parte final, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, os signos 

da  função  social  da  cidade[1],  "A  política  de  desenvolvimento  urbano, 

executada  pelo  Poder  Público  municipal,  conforme  diretrizes  gerais 

fixadas  em  lei,  tem  por  objetivo  ordenar  o  pleno  desenvolvimento 

das funções sociais da cidade (grifo nosso) e garantir o bem‐estar de seus 

habitantes".

Para dar efetividade a essas diretrizes gerais foi elaborada, mais 

de doze anos após a constituinte, a lei n.º 10.257 de 2001, conhecida como 

Estatuto da Cidade. A execução da Política Urbana exigível da Constituição 

passa a ser aplicada conforme o previsto nesta lei. 

Não há como criar parâmetros teóricos de um tema, a cidade 

em sentido amplo, bastante complexo, em que o direito é apenas uma 

parcela,  que  está  sujeito  a  influências  diretas  de  outras  áreas  do 

conhecimento,  como  política,  Economia,  Sociologia,  Arquitetura, 

Geografia, Direito, etc., sem o reconhecimento de variáveis pragmáticas 

que interferem no estudo e diagnósticos dos problemas urbanos. 

Diante dessa dificuldade e do pouco material qualificado que 

discute a função social da cidade no Brasil, o objetivo geral desse estudo 

é refletir como a realidade urbana e as transformações sociais influenciam 

nas elaborações legislativas e se estas correspondem às reais demandas 

da população urbana. 

O  caráter  da  transversalidade  do  conhecimento  provem 

reflexões mais próximas à  realidade ao  fôlego que essa  temática exige. 

Lúcidos de que o fio dorsal desse trabalho está pautado na interpretação 

dos princípios constitucionais que iluminam a forma de se aplicar o direito 

sob a perspectiva do pensamento acolito pela função social da cidade. 

 É  relevante  fazer essas  ressalvas, pois a urbanização, pouco 

compreendida ainda hoje,  foi o maior  fenômeno global do  século XX e 

continua em expressivo crescimento. Até o fim desta década, os países da 

 

 

 

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América  Latina,  segundo  relatórios  da  ONU,  terão  90%  da  população 

vivendo em cidades. No Brasil, o IBGE (2010) aponta que 84% das pessoas 

já estão morando nas cidades. 

Essas  informações  revelam  que  é  um  processo  irreversível, 

acontece  muito  rápido  e  essa  velocidade  não  é  acompanhada  pela 

compreensão  jurídica  que  à  moda  de  reboque  mascara  as  grandes 

mazelas sociais originadas pela incapacidade do poder público gerir a crise 

vivenciada pelas cidades brasileiras. 

II. CONEXÃO ESPAÇO-TEMPO JURÍDICO

Estamos  tratando do mesmo espaço‐tempo  (uber)  coabitado 

pela exclusão social, segregação espacial, escassez de saneamento básico, 

clandestinidade,  déficit  habitacional,  condomínios  luxuosos,  Shopping 

Center, clubes de alto padrão, vilas que fecham ruas públicas, etc. Uma 

miscelânea  de  contradições  que  em  nenhuma  delas  constituem  uma 

prospecção ao cumprimento da função social da cidade.

Sem  dúvidas,  a  função  social  da  cidade  é  um  direito 

fundamental  que  deve  ser  prestigiado  como  prioridade  política  nas 

decisões públicas. Isso, pois, integra o arcabouço jurídico que reconhece 

ao homem na sua condição humana de ser racional e, portanto, digno, art. 

1º, III, CF/88. 

Sem  deslembrar  que  os  direitos  fundamentais,  tão  caros  às 

lutas humanas por  séculos,  só  se  realizam  com as práticas políticas do 

Estado. Por isso, como Noberto Bobbio já nos ensinou em seu livro A Era 

dos Direitos,  que  descobrir  e  redescobrir  direitos  fundamentais  sem  a 

mínima  efetividade  prática  de  suas  realizações  mostra‐se  continuar 

gerindo um limbo de reconhecimento vazio. 

A  cidade,  para  tanto,  não  pode  ser  por  excelência  (o  que 

infelizmente o é) a reprodução da força de trabalho. 

Sob a abordagem marxista do direito, as relações de troca de 

mercadorias  dão  sustentáculo  à  forma  jurídica  que  é  consubstanciada 

 

 

 

        105 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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pelas  lentes  coloridas  do  direito,  pois  o  discurso  formalista  da  função 

social  da  cidade  se  imiscua  na  superestrutura  jurídica  para  ocultar  a 

realidade  sórdida  sobre  como  e  para  quem  as  cidades  estão  sendo 

construídas. 

Levando‐se em conta a divisão classista da sociedade, a classe 

trabalhadora convive num ambiente urbano, principalmente nas grandes 

cidades,  de  absoluta  hostilidade.  Direitos  básicos  garantidos  pela 

Constituição, moradia, lazer, saúde, transporte, art. 6º, IV, CF, segurança 

e iluminação pública são renegados sob a égide de uma cópia doutrinária 

alemã às avessas do princípio da reserva do possível. 

Nesse sentido, a função social da cidade talvez seja o vetor de 

rompimento com o escracho soerguido pelo direito que utiliza do Estado 

como  forçar  coercitiva  para  realização  de  projetos  antidemocráticos, 

como, por exemplo, a leniência do poder público à especulação imobiliária 

que torna as melhores parcelas da cidade  inacessíveis, obsta o direito à 

moradia e marginaliza os indesejados. 

O projeto de urbanização é, nesse ótica, uma enorme peneira 

que filtra quem tem e quem não tem direito à cidade. 

III – SOBRE A CIDADE-ESPAÇO

A categoria de espaço na velha geografia foi delimitada como 

espaço absoluto na base do pensamento de Kant e Newton.

A  ideia do espaço como uma exterioridade do homem sendo 

impróprio para quaisquer transformações apresenta o espaço como um 

vazio que somente pode ser ocupável. Esse ponto de vista míope sobre o 

espaço precisa ser abandonada. 

A  moderna  geografia,  inaugurada  no  Brasil  por  Milton 

Santos[2],  trouxe  a  noção  do  espaço  relativo,  sendo  este  produzido  e 

alterado pelo homem. Mais do que um conceito teórico, é comprovado, 

cientificamente,  pela  teoria  da  relatividade  de  Albert  Einsten  sobre  a 

relatividade do espaço‐tempo. 

 

 

 

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Pensar  em  questões  territoriais  e  suas  peculiaridades  que 

interferem na qualidade da democracia – dimensão de realidade, é estar 

presente nos processos sociais que surgem e ressurgem na cidade. 

A  produção  e  fabricação  do  espaço  social  reflete  toda  a 

complexidade  do  humano,  com  suas  intencionalidades,  culturas, 

interesses, etc., o que faz ser uma dimensão da construção e da dinâmica 

so social. 

É uma forma do humano operando sobre o humano. 

Para  tentar  ser  mais  claro,  por  exemplo,  os  condomínios 

urbanos fechados para moradia que são uma nova ordem pandêmica da 

cidade moderna. Eles  flexionam uma  ilusão de cidade, pois os planos e 

políticas  públicas  para  viabilizar  condomínios,  na  verdade,  estão 

sabotando a cidade. 

Selecionam‐se  relações  sociais  (aquelas  que  podem  pagar  o 

acesso desses ambientes artificiais) e  ratifica o afastamento – contra a 

lógica de congregação e unificação da cidade – produzindo um ser urbano 

menos social, seja o intramuros seja o extramuro. 

Há  um  ajustamento  propositado  de  exclusão  daqueles 

arranjados  como  indesejados,  uma  verdadeira  confusão  para  saber  se 

quem esta atrás das grades são os condôminos ou os não‐selecionados. 

O  espaço  geográfico  é  uma  internalidade  e  não  uma 

externalidade do ser humano. Ele faz parte da integração psicossocial, pois 

participa do processo social. 

O muro do condomínio opera e participa das relações sociais 

como objeto orgânico – incorpora as intencionalidades humanas –, é um 

discurso humano e sobre o homem. 

Os  cacos  de  vidro,  o  arame  farpado  e  as  cercas  elétricas 

encimam no muro um grito discursivista para o vizinho e para a cidade que 

o  circunda.  É  necessário  dizer  e  entender  que  o  espaço  é  relativo  na 

 

 

 

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medida da vontade humana,  já que as  intervenções no espaço  são um 

discurso humano. 

A perspectiva  lógica e relativa do espaço encontra‐se na ação 

do humano ao espaço e não o contrário. 

É  o  homem,  por  intermédio  do  espaço  que  age  sobre  a 

sociedade, e não o espaço como sujeito desse processo; o espaço é mero 

predicado instrumental da ação humana. 

Nessa linha de pensamento, pode‐se concerne que o espaço é 

produzido  por  nós,  ele  não  existe  por  si  só,  somente  podendo  existir 

depois do homem, como ensinou Leibniz sobre a teoria do espaço relativo: 

produto das relações entre as coisas. 

A cidade, quando se pensa na sua função social, conjuga, pela 

natureza intrínseca do conceito da polis, o nível mais complexo e relativo 

de que o espaço possa ser produto. 

Se o espaço  surge da ação do homem, o espaço urbano é a 

trama  relacional  das  interações  humanas.  Sob  esse  ponto  de  vista,  a 

extensão territorial, por exemplo, é irrelevante para o conceito de espaço. 

Cada ciência estuda, de certa forma, simplificando, uma parcela 

da realidade. A história estuda o tempo, a economia estuda as relações 

sociais  de  produção,  as  disposições  monetárias  e  as  bases  fiscais,  a 

geografia estuda o espaço, a política estuda as contingências humanas e o 

direito as normas. 

Contudo, fatores fora dessa parcela de estudo interferem direta 

e indiretamente em outras ciências, pois a realidade é uma só. 

No caso da  função social da cidade erigida pelo direito como 

regra  constitucional,  há  sem  dúvida,  de  maior  complexidade  nas 

formulações  teóricas, visto  ser o espaço preponderante para atingir  tal 

predisposição vinculativa à tarefa estatal. Essa tarefa será realiza por meio 

de  política  de  desenvolvimento  urbano  que  deve  ser  conduzida  por 

legislações infraconstitucionais e matizes sólidos sobre o espaço urbano. 

 

 

 

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IV – O ESPAÇO POLÍTICO

As cidades concebidas na linha do sistema capitalista neoliberal 

não  possuem  condições  de  prosperarem  como  '"cidades".  Quando  se 

chega ao ponto de  ter que  constitucionalizar um  instituto  chamado de 

"função  social da  cidade" em uma Carta Maior de  caráter  socializante, 

muito além do aperfeiçoamento dos espaços públicos e de convivência 

humana, indiretamente, há uma declaração sobre o fracasso e receio ao 

que os grandes conglomerados humanos podem ou estão se tornando.

O surgimento da cidade está historicamente ligado à reunião de 

pessoas propositadas a melhorarem de vida facilitando o acesso as mais 

variáveis necessidades e prazeres do homem. 

Ninguém muda  do  campo  à  cidade  com  a  intenção  de  ser 

explorado e marginalizado por um sistema econômico‐social que cativa a 

carência por bens tacanhos e oferece em contrapartida migalhas. 

O Brasil  tem que ser  interpretado sob a dimensão do espaço 

(dizer  como  o  espaço  atua  nas  relações  sociais  gerando  novas 

interpretações),  pois  quanto  mais  ingredientes  do  observatório,  mais 

complexo e verdadeiro às formulações científicas. 

Isso  para  entender  que  cada  país  relaciona  o  capitalismo  de 

forma  diferente,  já  que  há  componentes  pré‐existentes  da  identidade 

histórica de um povo. 

Como falar, por exemplo, em globalização e como o direito se 

comporta diante dela na cidade, se o próprio direito é um sistema técnico 

informacional  que  desqualifica  o  homem  não  integrado  numa  cidade 

pulverizada pelas distâncias sociais. 

Por  essas  ideias  Habermas  denomina  de  "Violência 

Informacional" e a cidade atual seja, talvez, o caldeirão mais evidente das 

assimetrias materiais e de informação. 

 

 

 

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No relatório da ONU, Estados das Cidades da América Latina e 

Caribe, mostra que um dos vilões das cidades Latino Americanas está na 

defasagem e ausência da legislação infraconstitucional. 

Sob esse ponto de vista, a democracia, base de governabilidade 

constitucional, não pode ser apenas uma forma jurídica: ela tem sempre 

forte componente social. 

IV.a. Democracia em ajustes

A democracia que  se  lê na Constituição não é a mesma que 

acontece (ou não) nas periferias urbanas, nos bairros "nobres", nas favelas 

paulistas,  nos  mucambos  nordestinos,  nos  condominios  de  praia  em 

laranjeiras ou nas universidade públicas do Brasil.

Nesse tocante, interessante notar como, pelo menos, na Grécia 

antiga eles eram mais cândido que os atuais governos brasileiros. 

É  sabido  que Aristóteles  não  era muito  simpático  à  ideia  de 

"democracia"[3]. Mesmo,  passado  tanto  tempo,  não  se mudou  a  ideia 

central sobre democracia. 

Em Atenas, um governo democrático, todos eram iguais e todos os votos valiam na quantidade de uma unidade. O que, necessariamente, era diferente, a qualidade de ser cidadão, pois somente o cidadão podia votar.

Este sujeito qualificado – cidadão – não podia ser mulher, escravo, estrangeiro, ter uma certa idade, renda e etc.

O que realmente mudou, para hoje, no Brasil, foi o conceito de cidadão e não de democracia.

Sob o escudo constitucional, só não é considerado cidadão aquele que não possui pleno gozo dos direitos políticos passivos e ativos: o menor de dezesseis anos, que ainda não pode votar, em regra (art. 14, I, II, c, CF/88).

No prisma da lei, todos aqueles acima dos dezesseis anos são cidadãos iguais com os mesmos direitos e deveres.

 

 

 

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Assim, o direito é uma relação social, diferente da ideologia jurídica como primado de justiça; uma relação social determinada em dado momento histórico condicionado por cânones econômicos e sociais.

A cidade configura nesses meandros da democracia o palco de inovação das ideias urgidas pelo processo dialético emergido, naturalmente, pelos encontros, acasos e escolhas das pessoas que ali convivem. Muito embora, os espaços da esfera pública precisam ser efetivados pelo Estado para que o movimento de ideias possa transitar.

O espaço urbano, além de possuir o papel de comando técnico da produção de bens de consumo, possui papel elementar político dessa mesma produção.

A forma de fazer política guiada pela democratização da cidade é a pedra angular que executa a função social da cidade enquanto possibilidade de trazer luz ao fazer política do cidadão.

Nas palavras de Milton Santos, confirma com precisão:

"O mundo, confusamente enxergado a partir desses lugares, é visto como um parceiro inconstante. Sem dúvidas, os diversos atores têm interesses diferentes, às vezes convergentes, certamente complementares. Trata-se de uma produção local mista, matizada, contraditória de ideias. São visões do mundo, do país e do lugar elaboradas na cooperação e no conflito. Tal processo é criador de ambiguidades e de perplexidades, mas também de uma certeza dada pela emergência da cidade como um lugar político, cujo papel é duplo: ela é regulador do trabalho agrícola, sequioso de uma interpretação do movimento do mundo, e é a sede de uma sociedade local compósita e complexa, cuja diversidade constitui um permanente convite ao debate"[4].

 

 

 

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IV. b. Crescimento e ampliação da função social da cidade Uma cidade que planeja seu crescimento é aquela que prevê o 

aumento  da  sua  população  do  ponto  de  vista  do  território  ligado  ao 

ordenamento de suas atividades para atender as demandas da sociedade 

na forma espacial da sua ocupação.

Quando se escuta a expressão ao se deparar com uma cidade 

desconchavada, "isso é falta de planejamento urbano", em verdade, não 

é  a  ausência  de  planejamento  que modula  uma  cidade, mas  sim  um 

determinado  planejamento  posto  a  serviço  aos  que  dominam 

determinados setores estatais: os donos do capital[5]. 

A  lei  10.257/2001  em  seu  artigo  2º  ordena  de  maneira 

peremptória  que  toda  a  política  urbana  deve  ter  por  objetivo  o  pleno 

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana 

e para  isso, discorre um rol que podemos considerar exemplificativo de 

como executar e desenvolver tais institutos. 

Por  isso, tamanha  importância na conceituação e delimitação 

do que seja a função social da cidade para que os movimentos de pressão 

democrática possam manifestar exigências mais palpáveis com o respaldo 

de mandamento legal. 

Um caso muito emblemático é a realidade no bairro Barra da 

Tijuca no Rio de Janeiro. Uma área aberta imensa que em dado momento 

inicial estava passível a uma ocupação democrática do solo a realizar uma 

cidade socialmente  integrada, no entanto, optou‐se por um modelo de 

exclusão. Antigos proprietários de  grandes  glebas  locais  rentabilizaram 

esses espaços criando grandes condomínios fechados. 

Essa característica não deixa de ser uma estratégia de ocupação 

que resultou num imenso espaço da cidade entregue a um determinado 

segmento da sociedade, bastante elitizado. 

A  lógica que organiza a administração municipal deveria ser a 

da função social da cidade, mas a lógica que se impõe é a do mercado. 

 

 

 

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"Os capitais que ganham com a produção e exploração do 

espaço urbano agem em função do seu valor de troca. Para eles, 

a  cidade  é  a  mercadoria.  É  um  produto  resultante  de 

determinadas relações de produção. Se lembrarmos que a terra 

urbana,  ou  um  pedaço  da  cidade,  constitui  sempre  uma 

condição monopólio – ou  seja, não há um  trecho ou  terreno 

igual a outro, e sua  localização não é  reproduzível – estamos 

diante  de  uma  mercadoria  especial  que  tem  o  atributo  de 

captar  ganhos  sob  a  forma de  renda. A  cidade  é um  grande 

negócio e a renda imobiliária, seu motor central"[6].  

Uma das alternativas para evitar essa crescente mercantilização 

da cidade, a começar, por princípios trazidos pelo Movimento da Reforma 

Urbana[7]: 

A. A democratização da gestão da cidade, construir meios de comunicação entre povo e Estado, o que a sociedade tema dizer sobre e como a cidade deve ser gerida.

B. A regulação do solo urbano, o Estado deve ter função primordial nas diretrizes que já estão coletadas no Estatuto da Cidade e ir além à reestruturação dos espaços públicos para que a cidade não seja o objeto de mercado e as pessoas penalizadas por isso.

C. Talvez o mais importante seja o cumprimento da função social da propriedade, não podendo ser uma opção, mas um dever constitucional a todos os proprietários, pois, a propriedade está inserida num espaço urbano, e a cidade é um bem coletivo que deve ser respeitado.

Nesse sentido, a conjugação desses três elementos, podemos 

estar primando pela função social da cidade, que justamento por ser um 

construto social seu conceito é composto.

Não  há  como  apequenar  a  importância  da  função  social  da 

cidade já que estamos tangenciando um tema, que pela primeira vez na 

história  das  constituições  brasileiras,  há  a  dedicação  de  um  capítulo 

(capítulo II do Título VII – Da ordem econômica e financeira) específico à 

política urbana. 

 

 

 

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IV. c. A importância do Estatuto da Cidade

A  reunião do Plano Diretor que está na Constituição Federal, 

art. 182, com o Estatuto da Cidade revela uma simbiose profícua que se 

efetividade, estaria  se  contornando  todas as diretrizes que  instituem a 

função social da cidade.

As  ferramentas  da  lei  nº.  10.257/2001  estão  comaltadas, 

resumidamente,  em  três  vieses.  A  primeira  é  sobre  a  persuasão  das 

decisões  políticas  para  um  tipo  de  cidade  integrativa  e  a  serviços  das 

pessoas oferecendo acessibilidades às necessidades humanas. Um desses 

instrumentos,  de  estímulo  a  uma  cidade  ordenada,  está  o  IPTU 

progressivo, art. 182, §4º, II, CF/88, a desapropriação por títulos da dívida 

pública,  art.  182,  §4º,  III,  CF/88,  as  outorgas  onerosas  dos  direitos  de 

construir e de uso, as operações urbanas consorciadas, o inovador estudo 

de impacto de vizinhança e entre outros. 

A segunda ferramenta é à promoção da regularização fundiária, 

dessa forma, há o combate à clandestinidade do solo e, também, trazer 

luz ao direito sobre a cidade informal ou irregular ou ilegal que subsiste 

nos canteiros de exclusão e na maior parte nas periferias urbanas. 

O terceiro, pode‐se dizer sobre o conjunto de medidas para uma 

gestão mais democrática da cidade. 

Desse  desiderato,  somente  com muita  vontade  política  será 

possível aplicação plena do  instituto da  função  social da  cidade, pois a 

regulação legislativa já está alicerçada. 

V. CONCLUSÃO

A  função  social  da  cidade  é  um  princípio  constitucional  que 

permeia vários outros  institutos  jurídicos e precisa ser observado como 

mandamento  vinculativo. A  legalidade  desse  princípio  já  foi  conquista, 

está generosamente repetida na Constituição Federal de 1988, nos Planos 

 

 

 

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diretores e no Estatuto da Cidade. O acordo social a respeito de como e 

para quem a cidade deve servi já foi firmado.

O maior imbróglio, que, por sua vez, ultrapassa a seara jurídica 

sem isolá‐la, encontra‐se na implantação de uma lei contra a realidade das 

disparidades das nossas cidades. Em bem da verdade o problema reside 

na eficácia da função social da cidade e não na sua disposição legal. 

O  raciocínio  que  deve  ser  feito  é  entender  que  leis  que 

beneficiam  a maioria  e  para  a maioria  são  leis  que  articulam  contra 

interesses dos donos do poder. No momento de democracia vulnerável 

que vive o Brasil, mais do que nunca, a maneira de dar efetividade à função 

social da cidade é pelas manifestações públicas e resistência popular. A 

democracia,  no  caso,  é  o  canal  de  transmissão  à  eficácia  de  leis  com 

caráter socializante. 

Um grupo  social que historicamente está acostumando a  ser 

privilegiado pelos organismos governamentais será contumaz às medidas 

políticas que priorizam o bem estar geral. Isso, porque, quando se exige 

isonomia social a quem sempre foi privilegiado e alguns degraus tão que 

ceder, acaba por soar como opressão e aparente injustiça, a esses setores 

excepcionais. 

Por fim, afinal, a cidade é para quem? Para atender a maioria 

das necessidades socais ou para barganhar negócios e rentabilizar o lucro 

imobiliário? Os terrenos e ocupações irregulares são ou não são partes da 

cidade? Nos lugares irregulares o serviço público não é prestado, porque 

para  o  direito  esse  lugar  não  existe.  Se  a maior  parte  de  cidade  está 

marginalizada e  irregular, quais  são os cidadãos que possuem direito a 

cidades? Ou melhor, quem pode ser cidadão sem a ilusão de óptica que o 

texto constitucional nos proporciona. 

VI. BIBLIOGRAFIA ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução

Zilda Hutchinson Schikd Silva, Rio de Janeiro. Forense, 3ª edição, 2011.

 

 

 

        115 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57169 

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BENJAMIN, Antônio Hermann. Reflexões sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da reserva legal e das áreas de preservação permanente. In: Anais do 2° Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial, 1997.

BURDEAU,Georges. Traité de Science Politique, vol. VII, Paris, 1957.

COMPARATO, Fábio Konder. A função social da propriedade dos bens de produção. Anais do XII Congresso Nacional de Procuradores do Estado. Salvador: PGE-BA, 1986.

DA SILVA. José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FELIPPE, Marcio Sotelo. Direito e moral. 1ª edição – São Paulo: Para entender direito, 2014.

FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico e política urbana no Brasil: uma introdução. In “Direito e política urbana no Brasil”. Edésio Fernandes organizador. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

MARICATO. Erminia. Para entender a crise urbana. Ed. Expressão Popular, 1º ed. São Paulo, 2015.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade no Direito Público. Revista de Direito Público. São Paulo: 1984, n.° 84.

SANTOS. Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Editora Record, 25º ed. Rio de Janeiro-RJ, 2015.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Função sócio-ambiental da propriedade. Disponível em: . Acesso em 01 de dezembro de 2016.

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 754 de 08/12/2016 (ano VIII) ISSN

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SUNDFELD, Carlos Ary. Função social da propriedade. In Temas de Direito Urbanístico, coordenado por Adilson Abreu Dallari. São Paulo: Revista dos Tribunais.

NOTAS:

[1] A constituição de 1967 com a EC/69 apenas trazia no Título III, Da Ordem Econômica e Social, a ideia de função social da propriedade: "Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: I ‐ liberdade de  iniciativa;  II  ‐  valorização  do  trabalho  como  condição  da  dignidade humana; III ‐ função social da propriedade; IV ‐ harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; V ‐ repressão ao abuso do poder econômico,  caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência  e  ao  aumento  arbitrário  dos  lucros;  VI  ‐  expansão  das oportunidades de emprego produtivo".

A  sociedade  brasileira  demorou  a  entender  que  uma  cidade  é formada, segundo o sistema econômico capitalista, por um conglomerado de  propriedades  privadas  que  precisam  se  relacionarem  entre  si  no sentido de viabilizarem o mínimo de convivência humana. Mais do que exigir que seja cumprido a função social da propriedade numa dimensão individual  e  específica,  a  exigência  dos  níveis  de  complexidade interrelacionais  das  cidades,  exigem  uma  dimensão  coletiva,  sendo expressada pela função social da cidade. 

[2] O maior geógrafo produzido pelo Brasil, formado em direito, nasceu em 1926 na cidade de Brotas de Macaúbas-Ba. Faleceu, aos 74 anos, em 2001 em São Paulo Capital. Infelizmente, ainda hoje, no Brasil, o personagem ficou mais conhecido que sua obra. Foi exilado por 13 anos, durante a ditadura militar, onde estudou e trabalhou na França, principalmente. Autointitulou-se como "um cigano acadêmico solitário", pelas perambulações no mundo que o destino impôs e a dificuldade da elite intelectual na época em aceitar suas ideias. Hoje, suas ideias, são um marco e um novo paradigma para a geografia no Brasil e no mundo.

[3] Sabe-se que nessa época, 384 a 322 a.c. a palavra democracia ainda não existia, portanto era usado um termo semelhante politeia ou governo de muitos. Aristóteles de Estagira

 

 

 

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era, podemos dizer, um aristocrata, acreditava que somente os melhores deveriam governar.

[4] SANTOS. Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Editora Record, 25º ed. Rio de Janeiro-RJ, 2015.

[5] As cidades estão mórbidas, porque o planejamento que foi feito deixou as coisas como estão. Não foi porque não existiu planejamento, é preciso haver um outro planejamento, o da função social da cidade.

[6] MARICATO. Erminia. Para entender a crise urbana. Ed. Expressão Popular, 1º ed. São Paulo, 2015.

[7] A Reforma Urbana é uma política de planejamento social elaborada a fim de democratizar o direito à cidade. A sua plataforma de ação se faz no sentido de readequar o espaço das cidades que não é utilizado ou que é utilizado de forma precária e, nesses locais, proporcionar a construção de moradias ou de espaços sociais públicos, que teriam a função de atender demandas como lazer, cultura, saúde, educação e outros.

    

 

 

 

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DIREITO COMO INSTRUMENTO POLÍTICO

CAROLINE QUAGLIATO ROVERI: Advogada.

Resumo: Este artigo realiza uma análise crítica do papel do direito na sociedade. O direito não tem como espoco o auxílio na formação de sociedade justa e igualitária, mas sim de manutenção do status quo do poder.

Palavras-chave: Função do Direito. Poder. Alienação. Política.

Introdução

É possível verificar a divergência entre o texto legal e o que é efetivamente aplicado; um grande exemplo é a reforma agrária, a Constituição prevê a função social da propriedade e apesar de auferir expressamente garantias sociais de dignidade ao homem, principalmente em seu artigo quinto, a reforma não foi feita. O vínculo do direito com o capitalismo e o favorecimento aos seus detentores faz com que as ideias da classe dominante se sobrepujam, mesmo havendo contínuas manifestações e organizações que defendem e reivindicam a realização desta garantia constitucional; assim como afirma Tarso de Mello:

Compreende-se, dessa forma, que não será nos exemplos de atuação de “ideologias críticas”(como a de Deguncho) que se encontrará o sentido da ideologia jurídica, mas sim na atuação cotidiana dos órgãos judiciais, das instituições correlatas, das posturas majoritárias da jurisprudência e da doutrina. Não onde há o ímpeto de mudança, mas onde reina a segurança da ordem é que o Direito aparece “precisamente como aquilo que ele próprio não

 

 

 

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é, como um todo sistemático, coerente, pleno e objetivo”[1]

Desenvolvimento

Existe uma previsibilidade da não aplicação dos dispositivos que preveem a reforma agrária, decorrentes da morosidade do sistema, manutenção de pensamentos consevadoristas e até com a promulgação da Lei do Estatuto das Terras, que garante a segurança jurídica para aqueles que não querem ver realizada a reforma. Uma segurança jurídica que era para ser nacional, para garantir a aplicação dos dispositivos legais passa a ser uma segurança jurídica de classes, que mantém o status quo; a função especulativa da terra sendo priorizada em relação à função social. O problema se agrava quando verificado que há, para as terras não produtivas, uma compensação, ao contrário do que deveria haver, uma punição, que é oriunda da desapropiação dessas terras, mediante pagamento prévio, justo e em dinheiro para os proprietários, como cita Fábio Konder Comparato:

...é antijurídica atribuir ao expropriado, em tal caso, uma indenização completa, correspondendte ao valor venal do bem mais juros compensatórios, como se não tivesse havido abuso de direito de propriedade. A Constituição, aliás, tanto no artigo quinto, XXIV, quanto no artigo 183, parágrafo terceiro, e no artigo 184 não fala em indenização pelo valor de mercado, mas sim em justa indenização, o que é bem diferente. A justiça indenizatória, no caso, é obviamente uma regra de proporcionalidade, ou seja, adaptação da decisão jurídica às circunstâncias de cada caso. Ressarcir integralmente aquele que descumpre o seu dever fundamental de propietário é proceder com manifesta injustiça, premiando o abuso[2].

 

 

 

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Para que haja a manutenção da “ordem”, nos moldes da classe dominante, se faz necessário o surgimento do sujeito de direito, se afastando da subjetividade real e suas diferenças reais; o direito é aplicado a partir do plano formal, a problemática social é deixada de lado. Tarso de Melo faz um apontamento importante para essa análise em seu livro:

...Sujeito de direito é a forma indispensável para que o Direito funcione socialmente segundo os interesses das classes dominante; a abstração de suas qualidades reais – todos são iguais perante a lei – consolida a desigualdade real. Enfim, a abstração do sujeito concreto em sujeito de direito não é para beneficiá-lo, mas para moldá-lo como engrenagem do sistema. [3]

Gilberto Bercovici compartilha desta ideia ao criticar a teoria da Constituição Dirigente, por ser auto-suficiente e acreditar que as normas constitucionais são passíveis de resolver os problemas sociais, sendo ressaltado o seu instrumentalismo, ignorando, portanto, a política e o Estado.[4]

Já Luiz Roberto Barboso analisou o excesso de emendas constitucionais e de promulgações de lei ordinárias e denominou esse fenômeno de inflação jurídica. Essa constante modificação caracteriza e aufere uma maior insegurança jurídica, política e social.[5]

Conclusão:

Este artigo teve por escopo demonstrar como parcelas da sociedade tão desiguais entre si tentam buscar os mesmos direitos, garantidos teoricamente sem distinção, mas mascarados pela legalidade que discrimina ao dizer que todos são iguais. Nesse sentido Muleka Mwewa menciona que “...Não basta legitimar tal integração sem considerar o quanto é limitado o transnacionalismo desta integração se pensada a partir das populações periféricas...”.[6]

 

 

 

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Ressaltou, ademais, como a linguagem pode ser utilizada como mecanismo ideológico, como a redação dos textos legais, que garantem direitos e que transformariam o Brasil em uma sociedade igualitária a primeira vista, é mais um aparato para a manutenção do poder.[7]

Nunca houve no Brasil a tentativa de integração da sociedade, mas sim utilização de subterfúgios para a marginalização.

Referências:

MELO, Tarso de. Direito e Ideologia: um estudo a partir da função social da propriedade rural. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

FERNANDES, Bernardo Mançano. A Questão Agrária e a Justiça, p.114. São Paulo: Editora RT, 2000.

BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MWEWA, Muleka; FERNANDES, Gleiciani; GOMES, Patrícia. Sociedades Desiguais: Gênero, Gênero, Cidadania e identidades. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2009.

MÉNDEZ, Juan E.; O’DONNELL, Guillermo; PINHEIRO, Paulo Sério. Democracia, Violência e Injustiça: O Não-Estado de Direito na América Latina, p. 12. São Paulo: Paz e Terra, 2000.