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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 576 (ano VIII) (01/04/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 576 · » A contabilidade na fenomenologia da incidência ... a partir de uma postura mais crítica da sociedade, ... Farta da impunidade e

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 576

(ano VIII)

(01/04/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

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 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

01/04/2016 Christian Robert dos Rios 

» A autonomia da Polícia Judiciária

ARTIGOS 

01/04/2016 Eliardo Soares Moraes » Responsabilidade civil do Estado por atos do Poder Judiciário 

01/04/2016 Lucas Silveira Pordeus 

» A contabilidade na fenomenologia da incidência jurídico tributária: uma visão zetética e 

dogmática 

01/04/2016 Gustavo Afonso Gonçalves 

» Visão sistemática da terceirização: fundamentos, requisitos, responsabilidades e medidas 

acautelatórias para evitar a responsabilidade da Administração Pública 

01/04/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» O Comentário Geral nº 10 ao Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos: O Direito de Opinião 

01/04/2016 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque 

» Particularidades da justa causa trabalhista durante o aviso prévio. 

01/04/2016 Roberto Monteiro Pinho 

» Laboral ignora CPC e não vai admitir mediação 

01/04/2016 Vinícius Borges Meschick da Silva 

» Breves considerações sobre contratos de seguro, locação de coisas e corretagem 

01/04/2016 Wagner Salazar Pires 

» Normas de segurança da informação aplicada a um órgão público 

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A AUTONOMIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

CHRISTIAN ROBERT DOS RIOS: Delegado de Polícia da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Mestrando em Direito do Programa do Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho de São Paulo. Especialista em Segurança Pública pela Universidade  Federal  do  Estado  do  Espírito  Santo  ‐  UFES. Graduado  em Direito pela  Instituição  Toledo de  Ensino de Bauru.  Professor  visitante  do  Centro  de  Pós‐graduação  da Universidade Nove de  Julho de São Paulo. Trabalhou como professor de graduação em instituições de ensino superior e em  cursos  preparatórios  para  concursos  da  área  jurídica. Atuou  como  professor  em  cursos  de  formação  e aperfeiçoamento na Academia da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Desempenhou a função de tutor de ensino à distância na Academia Nacional de Polícia do Ministério da Justiça. Tem experiência na área do Direito e da Educação, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal. 

RESUMO: Em tempos em que a atuação da polícia judiciária é objeto central das discussões em todos os âmbitos da sociedade, propõe-se a reflexão sobre os atuais contornos da investigação criminal no especial aspecto da autonomia da Polícia Federal e das polícias civis estaduais. O articulado perpassa o atual quadro de vinculação entre os secretários estaduais de segurança e o Ministro da Justiça sob a perspectiva da Constituição Federal e conclui pela urgente necessidade de conferir-se autonomia à polícia judiciária como pressuposto para o avanço contra a corrupção e a impunidade.

INTRODUÇÃO

No atual cenário de corrupção sistêmica, são abundantes as notícias que nos dão conta de influenciações deletérias junto aos órgãos oficiais encarregados da investigação criminal.

Quem nunca ouviu falar de represálias, normalmente em forma de transferências arbitrárias ou supressão de condições estruturais

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de trabalho covardemente impostas a agentes e delegados da polícia judiciária que atuaram em investigações “sensíveis”.

Ninguém em perfeito juízo se arriscaria a negar a penúria e o desprestígio a que estão submetidos os órgãos de polícia judiciária por todo esse vasto Brasil, como evidente estratégia de enfraquecimento de suas funções.

É imprescindível e urgente, a partir de uma postura mais crítica da sociedade, uma mobilização articulada para reverter o quadro atualmente favorável à impunidade e à corrupção.

Farta da impunidade e da corrupção, o momento é de a sociedade exigir a imediata autonomia da Polícia Federal e das polícia civis estaduais como principal via de mudança urgente.

Na condução de investigações criminais o delegado de polícia deve atuar com total independência, alheio a interesses ideológicos ou político-partidários e imune a quaisquer ingerências ou represálias dos secretários de segurança dos estados ou do Ministro da Justiça.

Interessa à sociedade, isto sim, haver uma recíproca influenciação na necessária interação entre delegados de polícia, magistrados, advogados e Ministério Público, mas sempre com o fim precípuo de realização da melhor justiça.

INVESTIGAÇÃO E POLÍTICA

O que decide a natureza de um órgão é o seu plano de atuação e seus fins, e a polícia judiciária (polícias civis estaduais e Polícia Federal) age precipuamente numa relação de necessidade com os órgãos do sistema de justiça no escopo da melhor aplicação da lei ao caso concreto.

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Não se pode confundir a atividade investigatória a cargo das polícias judiciárias com a atividade policial de responsabilidade das polícias preventivas (Polícia Militar e Polícia Rodoviária), estas sim necessariamente controladas pelos chefes do Poder Executivo por meio dos secretários estaduais de segurança e Ministro da Justiça.

A complexa atividade desenvolvida pela polícia judiciária (polícias civis estaduais e Polícia Federal) não tem como fim imediato a preservação da segurança pública e sim a eficácia prática do processo penal. Tanto assim que os destinatários diretos do inquérito policial são os juízes, o Ministério Público e a defesa técnica do investigado, enquanto os destinatários imediatos da atividade desenvolvida pelas polícias militares estaduais e polícias rodoviárias, na pretendida manutenção da ordem pública, são os cidadãos do grupamento social postos sob a vigilância e proteção imediata da polícia ostensiva ou dos órgãos de fiscalização.

Sob outro enfoque, embora as atividades do órgão de investigação não materializem atividade jurisdicional, no exercício da atividade investigatória consistente em coletar indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a polícia judiciária é, por excelência, a produtora da imprescindível justa causa para instauração de ações penais.

Esta concepção é reafirmada quando se constata que o substrato da investigação, muitas vezes constituído de provas irrepetíveis (exame de corpo de delito e busca e apreensão, por exemplo), é apto a embasar eventual condenação ou absolvição, uma vez submetido o conjunto de tudo que foi carreado no inquérito policial, em juízo, ao contraditório e à ampla defesa.

A investigação criminal é atividade delicada desenvolvida pelo Estado porque toca nos direitos fundamentais do cidadão (liberdade, intimidade etc.), não podendo ser exercitada senão nos exatos limites da lei. Muito por isso, entre os órgãos estatais a

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polícia judiciária é, sem dúvida, um dos mais fiscalizados: sobre ela recai o controle externo do Ministério Público e o controle interno das corregedorias, além da permanente e necessária análise judicial prévia de eventuais medidas restritivas de direitos. Ademais, as ações da polícia judiciária estão sob constante supervisão da sociedade civil: ouvidorias, Ordem dos Advogados do Brasil, conselhos comunitários, ONGs etc.

Nesse contexto, o Poder Executivo deve ser responsável pela gestão do policiamento preventivo e ostensivo, mas não pode ter sob seu comando direto o órgão investigatório (polícia judiciária), já que a atuação dos delegados de polícia deve estar norteada tão somente pela justa aplicação do direito, em atuação harmônica e isenta com o Ministério Público e o Poder Judiciário, para garantir o eficaz funcionamento da justiça criminal e o respeito aos direitos fundamentais, ainda que em prejuízo dos interesses inconfessáveis de agentes públicos mal-intencionados.

Portanto, a atividade estatal investigativa está necessária e diretamente conectada ao exercício da jurisdição penal e não se confunde nem de longe com os serviços administrativos controlados pelos secretários estaduais de segurança e pelo Ministro da Justiça.

UM CAMINHO ALTERNATIVO E PROVISÓRIO

O modelo atual deve ser objeto de remodelação legal que imunize as polícias judiciárias estaduais e federal das ingerências do Poder Executivo, o que só será possível se for confiada a esses órgãos investigativos a autonomia funcional, administrativa e orçamentária.

Todavia, diante da inércia do Poder Legislativo frente aos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que conferem a imprescindível autonomia às polícias judiciárias, evidenciando a total falta de interesse político em promover mudanças no

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arcabouço legal aptas a minimizar a permeabilidade funesta sobre os órgãos de investigação, poderíamos nos valer de uma exegese mais audaciosa sobre os atuais dispositivos reguladores da matéria.

Nessa direção, cabe destacar o imperativo constitucional expresso no art. 144, § 4º, da Constituição Federal, segundo o qual “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

Parece-nos oportuno enfrentar tal norma constitucional no ponto em que determina que as polícias civis sejam dirigidas por delegados de polícia.

Para Koontz e O’Donnel (1989, p. 176): a direção está relacionada à ação e

tem a ver com as pessoas. Ela está diretamente relacionada à atuação sobre as pessoas. As pessoas precisam ser dinamizadas em seus cargos e funções, treinadas, guiadas e motivadas para alcançarem os resultados que delas se espera. A função de direção se relaciona à maneira pela qual os objetivos devem ser alcançados por meio da atividade das pessoas que compõem a organização. A direção é a função administrativa que se refere às relações interpessoais dos administradores e seus subordinados.

Com efeito, quando a Constituição Federal estabelece caber aos delegados de polícia a direção das polícias civis, está impondo

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a esses profissionais o mister de administrar autonomamente as instituições policiais civis (Polícia Civil e Polícia Federal).

O § 4º do art. 144 da Constituição Federal é norma preceptiva e proibitiva, porque impõe a ação de dirigir as polícias civis aos delegados de polícia e ao mesmo tempo estabelece a abstenção de dirigir a mesma instituição a quaisquer outros agentes públicos ou particulares. Acrescente-se que aquele dispositivo constitucional é self-executing (autoexecutável, autoaplicável, bastante em si), revestindo-se, portanto, de plena eficácia jurídica. Importa confrontar agora a atuação dos ministros, governadores dos estados, secretários estaduais de segurança pública e outros agentes políticos frente ao imperativo constitucional ora em comento.

Na realidade, não deveria haver confusão ou sobreposição de atribuições. A missão do chefe do Executivo e seus ministros e secretários é distinta da dos delegados de polícia dirigentes das polícias judiciárias: àqueles agentes políticos cabe promover a integração entre os organismos policiais e propiciar a implementação da política de segurança pública, respeitando a autonomia institucional das polícias.

Não encontraria apoio na ordem jurídica a tese que permitisse ao ocupante de qualquer cargo político dirigir as polícias civis estaduais e a Polícia Federal. Não há que se defender, entretanto, a gestão das polícias civis de forma absolutamente distante do Ministério da Justiça e das secretarias estaduais de segurança pública. Ao contrário, as ações do Ministério da Justiça e das secretarias estaduais de segurança e das organizações policiais são interdependentes no nível estratégico de execução de políticas de segurança pública. Dessa forma, a atuação do Ministro da Justiça e dos secretários estaduais de segurança frente aos delegados de polícia deve circunscrever-se ao nível estratégico visando a implementação de políticas públicas de interesse coletivo,

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sendo inadmissível que tais ocupantes de cargos políticos possam imiscuir-se na direção da polícia judiciária, muito menos em investigações criminais.

Nesse sentido e no atual quadro, o Ministro da Justiça e secretários estaduais devem se limitar a regular as relações entre as organizações policiais, traçar conjuntamente diretrizes a serem implementadas pelos comandantes das polícias e propiciar condições estruturais para o êxito de tais objetivos.

Ao contrário, ao ignorarmos que aos delegados de polícia, e somente a eles, deve ser atribuída a direção da polícia judiciária, permitindo dessa forma a usurpação das funções gerenciais e investigativas que lhes foram conferidas pela Constituição Federal, estaremos promovendo a desconsideração de preceito constitucional e, bem assim, de premissas administrativas inafastáveis e que são essenciais à própria existência das organizações públicas.

CONCLUSÕES

Inegável é que a ingerência indevida nos comandos da polícia judiciária e a sobreposição dos fluxos gerenciais internos, mormente quando neste caldo se insere um elemento instável e estranho aos quadros da organização – um ocupante de cargo de confiança demissível ad nutum – expõe os delegados de polícia ao desprestígio, contaminando a isenção e a independência funcional que devem marcar a presidência dos inquéritos policiais. Por via oblíqua, todo o sistema de justiça criminal resta fragilizado e a impunidade comemora.

Alerte-se, contudo: não será possível evoluirmos para um modelo eficaz contra a impunidade e a corrupção se os projetos de lei atualmente paralisados no Congresso Nacional e que conferem

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a necessária autonomia à polícia judiciária não forem imediatamente aprovados e transformados em lei.

Em igual medida, a persistirem as posturas usurpadoras e centralizadoras que aviltam profissionais, ferem de morte a unidade institucional e contrariam o ideal constitucional expresso nos parágrafos 1º e 4º do art. 144 da Constituição Federal de 1988, os agentes e delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal encontrarão obstáculos cada vez maiores na atual marcha contra a corrupção e a impunidade.

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS DO PODER JUDICIÁRIO

ELIARDO SOARES MORAES: Advogado.

RESUMO: Será o tema específico desta obra, a Responsabilidade do Estado por Atos do Poder Judiciário. O assunto é bastante divergente em sua natureza. Deste modo, este estudo buscou através de uma revisão na doutrina e jurisprudência mais atualizadas responder: quais as hipóteses em que o Estado irá reparar os danos ocasionados pela atividade judiciária lesiva?. Ao nos aprofundarmos no estudo, definimos quais as hipóteses legais aceitas pela doutrina e jurisprudência dominantes que ensejam a responsabilidade civil do Estado por atos do Poder Judiciário e a reparação do dano.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado; Atos do Poder Judiciário; Hipóteses legais; Reparação do dano.

1 INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, temos tido inúmeras notícias das incoerências cometidas por alguns magistrados no exercício de sua função, que causam não só dano às partes envolvidas na lide, mas em alguns casos, os danos atingem um determinado grupo de pessoas ou até mesmo a coletividade como um todo. A Responsabilidade Civil do Estado está estampada em nossa constituição, ela deve ser abrangida por todos aqueles que exercem uma função estatal, seja ela qual for. Assim nos valemos da lição:

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Por outro lado, salvo melhor juízo, o estágio atual da sociedade, da organização estatal e do sistema jurídico não admite que, dentro do Estado de direito, se permita e aceite que o indivíduo que sofreu um prejuízo em razão de um ato ou da omissão jurisdicional não receba a respectiva compensação de modo a restituí-lo, na medida do possível, à sua situação anterior Destarte, resta inequívoco que o Estado e o juiz devem ser responsabilizados pelo exercício da atividade jurisdicional, na forma e nos limites a serem examinados. (LENZ, 1998, p. 134.)

2.1 O JUIZ COMO AGENTE POLÍTICO DO ESTADO

Para melhor compreensão deste tópico, iremos traçar linhas mestras sobre a classificação dos servidores públicos.

A classificação dos servidores públicos, no âmbito do direito administrativo, é um tema que provoca profundas divergências na doutrina, oriunda das mais diversas interpretações dos dispositivos constitucionais.

Segundo Meirelles (2004, p. 392), servidores públicos em sentido amplo, são todos os agentes públicos que se vinculam a administração pública. Deste modo, o servidor público em sentido amplo, é sinônimo de agente público.

Para o autor, os servidores públicos em sentido amplo (agentes públicos) é gênero no qual se divide em quatro subespécies:

A classificação dos servidores públicos em sentido amplo é campo propício para divergências doutrinárias. De acordo com a

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Constituição Federal, na redação resultante da EC 19, chamada de “Emenda da Reforma Administrativa”, bem como da EC 20, classificam-se em quatro espécies: agentes políticos, servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, empregados públicos e os contratados por tempo determinado. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Os servidores públicos em sentido estrito ou estatutários são aqueles titulares de cargo público efetivo e em comissão, com regime jurídico estatutário, ou seja, sua relação de trabalho é regida por diplomas legais denominados de estatutos. Nesta espécie de agentes públicos, sendo estes efetivos, poderão adquirir estabilidade.

Empregados públicos são todos os titulares de emprego público da administração direta e indireta, cujo regime é celetista (regida pelas normas da CLT), segundo Hely Lopes. Para este e outros doutrinadores, esta espécie de agentes públicos não tem direito de adquirir a estabilidade constitucional, pois não ocupam cargos públicos. Daí existe outra corrente doutrinária que estende aos empregados públicos, a estabilidade constitucional. Para dirimir a divergência doutrinária, o Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo da justiça do trabalho (justiça competente para julgar litígios trabalhistas dos empregados públicos), decidiu, na Súmula N° 390, que a estabilidade poderia ser estendida aos servidores públicos cujo regime é celetista:

Súmula Nº 390 do TSTEstabilidade. Art. 41 da CF/1988. Celetista. Administração direta,autárquica ou fundacional. Aplicabilidade. Empregado de empresa pública e sociedade de economia mista. Inaplicável. (conversão das

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Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SDI-2) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.05

I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.( ex-OJ nº 265 da SDI-1 - Inserida em 27.09.2002 e ex-OJ nº 22 da SDI-2 -Inserida em 20.09.00)

II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista,ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 - Inserida em20.06.2001)

(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Este sem dúvida, é o posicionamento mais correto e justo, pois não dá margens para criação de desigualdades entres os servidores públicos ( em sentido estrito) e os empregados públicos.

Na terceira espécie de agentes públicos, temos os contratados por tempo determinado, que são os servidores públicos submetidos ao regime jurídico administrativo especial contido na lei prevista do artigo 37, IX da CF.

Por último, temos os agentes políticos, que na classificação clássica constituem:

(...) categoria própria de agente público. Porém, sem dúvida, no título e seções referidas,

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a Carta Magna, para fins de tratamento jurídico, coloca-os como se fossem servidores públicos, sem embargo de os ter como agentes políticos, como se verá mais adiantes. Todos os cargos vitalícios são ocupados por agentes políticos, porém estes também ocupam cargos em comissão, como os Ministros de Estado. Normalmente deverão ser regidos pelo regime estatutário, contudo alguns estão obrigatoriamente submetidos a um regime estatutário de natureza peculiar, a exemplo da Magistratura e o Ministério Público. (MEIRELES, 2004, P.392)

Segue o mesmo entendimento:

Se é certo que também os agentes políticos devem servir ao público, a expressão ‘servidor público’ passou a ter conotação restrita em decorrência da CF/88 (antes, cabe recordar, eram funcionários públicos, cujo termo foi tão degenerado que a Assembléia Constituinte simplesmente preferiu alterá-lo) e não engloba, de modo algum, seja os agentes políticos do Poder Legislativo (senadores, deputados e vereadores), seja do Poder Executivo (presidente da República, ministros de Estado, governadores, secretários de Estado, prefeitos e secretários Municipais), seja do Poder Judiciário (juizes em todos os graus), seja, ainda, dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos, que envolvem a apologia do Quarto Poder esquecido por MONTESQUIEU. (CERQUEIRA FILHO)

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Por esta classificação, o magistrado, cuja sua responsabilidade é o objeto do presente trabalho, seria um agente político do Estado e não um servidor público em sentido estrito. Dessa forma, ainda acrescenta o autor:

Não são os juizes servidores públicos, ainda que devam bem servir ao público na função de julgar. São os magistrados agentes políticos do Estado, órgãos do Poder Judiciário, pilares da Democracia, garantias do indivíduo frente ao Poder Público e guardiães da própria legalidade e da harmonia entre os Poderes do Estado. (CERQUEIRA FILHO, 2008)

Entretanto, como a classificação de servidores públicos é um tema que provoca profunda divergência doutrinária, existem outras classificações distintas da que foi apresentada.

Propõe- se uma classificação diversa, na qual os juízes, membros do Ministério Público e membros do Tribunal de Contas, não fariam parte da categoria agentes políticos e, sim, de uma subespécie especial dentro da categoria de servidores públicos.

Alguns autores dão sentido mais amplo à essa categoria ( agentes políticos), incluindo os Magistrados, membros do Ministério Público e membros do Tribunal de Contas. Com a devida vênia a tais estudiosos, parece-nos que o que caracteriza o agente político não é o só fato de serem mencionados na Constituição, mas sim o de exercerem efetivamente ( e não eventualmente) função política, de governo e administração, de comando e, sobretudo, fixação das estratégias de ação, ou seja, aos agentes políticos é que cabe realmente traçar os

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destinos do país.(...) Mais apropriado é inseri-los como servidores especiais dentro da categoria génerica de servidores públicos (...). (CARVALHO FILHO, 2005, p.476)

São mais coerentes os argumentos transcritos acima, pois a categoria dos agentes políticos, excluídos os magistrados, membros do Ministério Público e membros do Tribunal de Contas, é transitória e política, uma vez que os cargos ocupados resultam de um processo eletivo. Ao classificarmos aqueles como servidores especiais, dentro da categoria de servidores públicos, estaríamos de acordo com a lógica e o bom senso, pois os magistrados, membros do Ministério Público e membros do Tribunal de Contas, possuem vinculação profissional e de permanência em relação ao Estado, e seus cargos resultariam de nomeação decorrente de prévia aprovação em concurso público, cujas funções não interfeririam diretamente nos objetivos políticos do país, como ocorrem com os membros do executivo e legislativo, sendo estes os verdadeiros agentes políticos como afirma o autor.

Porém, o STF já pacificou a questão, filiando-se ao entendimento que os magistrados são agentes políticos do Estado. No Recurso Extraordinário Nº. 228977, relata a decisão do Ministro Néri da Silveira que os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções.

Dessa forma, tanto a doutrina majoritária, bem como o Supremo Tribunal Federal, classificam o magistrado como agente político do Estado, e sobre eles não incidirão a regra do artigo 37 da Constituição Federal, sendo o Estado civilmente responsável, ressalvadas excepcionalmente em algumas hipóteses, por danos decorrentes do poder Judiciário.

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2.2 TEORIAS QUE JUSTIFICARAM A IRRESPONSABILIDADE CIVIL DO JUIZ

Como o tema do presente trabalho é divergente em sua essência, iremos neste tópico explicar algumas teorias que tentam justificar a irresponsabilidade civil do magistrado na prática de atos jurisdicionais.

Nos tópicos anteriores, do presente trabalho sobre a evolução da teoria da responsabilidade civil do Estado, vimos que, em uma época distante, beirava sobre a sociedade a teoria da irresponsabilidade do ente estatal. Posteriormente, a idéia de irresponsabilidade foi evoluindo de forma que, cada vez mais, buscavam-se o equilíbrio na reparação do dano entre o lesado e o Estado.

À medida que a teoria da responsabilidade civil do Estado foi evoluindo, a idéia da irresponsabilidade civil do Estado por atos do Poder Judiciário, espécie da primeira, foi seguindo a mesma tendência. Ou seja, ambas buscavam meios de reparação do dano causado a terceiros, sendo que esta última, por ser uma atividade cuja finalidade é julgar e aplicar o direito e, que possui certas peculiaridades, não teve o mesmo dinamismo na evolução que a teoria geral da responsabilidade civil de todo o Estado.

A irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais existiu por muito tempo no direito brasileiro, sendo que o marco que rompe com esta idéia, surge no ano de 1895, por criação de uma lei que autorizou a indenização contra sentenças criminais injustas que foram passíveis de revisão criminal.

Nos próximos tópicos, iremos fazer uma abordagem das principais teorias que justificaram por muito tempo a irresponsabilidade civil do Estado por atos do Poder Judiciário.

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2.2.1 Teoria da Soberania do Poder Judiciário

Para esta teoria fundada na soberania do poder judiciário, a partir do momento, em que o Estado atribuía funções e prerrogativas ao judiciário, este poder estaria agindo como se fosse o próprio ente, e por esta perspectiva, seria abonada ao poder judiciário extensão da própria soberania estatal, tornando-se uma poder intocável, impassível de responsabilidade.

Esta teoria, atualmente, está ultrapassada nas premissas de um Estado Democrático de Direito, pois aos moldes em que foi concebida, era plenamente aplicável em um Estado Absolutista que seria irresponsável, caso causasse dano a terceiro. Nota-se que a teoria da irresponsabilidade do Estado pela prática dos atos do poder judiciário, está ligada a teoria da irresponsabilidade civil do Estado, já esplanada em momento anterior.

Faz críticas a referida teoria direcionadas àqueles que, ainda nos tempos atuais, acreditam em sua existência:

Com relação à soberania, o argumento seria o mesmo para os demais Poderes; a soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele. Os três poderes – Executivos, Legislativo e Judiciários – não são soberanos, porque devem obediência à lei, em especial, à Constituição. Se fosse aceitável o argumento da soberania, o Estado também não poderia responder por atos praticados pelo Poder Executivo, em relação aos quais não se contesta a responsabilidade. (DI PIETRO, 2004, p.572).

A idéia da soberania, em um Estado Democrático de Direito, admitiu profunda alterações, pois tal atributo que é inerente a existência do ente estatal, sofreu limitações da própria Constituição

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que traçou todas as diretrizes do Estado e também da aplicação da própria soberania estatal.

Também faz críticas à teoria da Soberania do Poder Judiciário:

O Judiciário ficaria assim, por seus atos, colocado em uma condição supre legem, tornando-o civilmente irresponsável. ‘o argumento é uma falácia de autoridade’. Usa-se o escudo da soberania interna do Estado para contrastar e confrontar o direito do jurisdicionando de pedir indenização por ato lesivo do Judiciário. (CAMARGO, 1999, p. 115)

2.2.2 Teoria da Falibilidade Contingencial dos magistrados

Resume esta teoria, que o magistrado é um ser humano e, por conseqüência, está sujeito à falibilidade (a erros), devendo o jurisdicionado conformar-se com os eventuais desacertos das decisões proferidas por aquele. Sendo a falibilidade do meritíssimo um risco que toda a sociedade deverá arcar.

Salientamos, entretanto, que lançar mão da falibilidade contingencial para justificar o erro emanado das decisões judiciais é algo que se não pode admitir, pois, assim, os jurisdicionados seriam deixados à mercê de decisões ilegais, prevaricadoras, venais etc..., sem um instrumento capaz de propiciar-lhes o ressarcimento dos danos causados. Dessa forma, não é crível, o necessário reconhecimento dos danos causados. (CAMARGO, 1999, p.117)

De fato, o juiz é um ser humano que está sujeito a falibilidade, porém admitir sua irresponsabilidade a danos causados a terceiros, sob argumentos de que sua falibilidade é um risco a ser assumido, não é compreensível nos tempos atuais.

2.2.3 Teoria da Incontrastabilidade da Coisa Julgada

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Para esta Teoria, a coisa julgada gera a imutabilidade e presunção de verdade da decisão e, dessa forma, uma vez tornada imutável, não poderá admitir o ressarcimento oriundo de eventual prejuízo. Uma vez que, se a coisa julgada fosse apreciada, posteriormente, em ação de reparação de danos, afrontaria o princípio da segurança jurídica. Portanto, para esta teoria o Poder judiciário não poderia ser responsabilizado por eventuais danos.

Igualmente, está ultrapassada, em parte, esta teoria em nosso ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, na legislação processual, já existe mecanismos processuais, como a ação rescisória, que fará o limite da imutabilidade ou presunção de verdade absoluta da coisa julgada, uma vez que este mecanismo irá reaver novamente o mérito da questão como explicaremos em momento oportuno. Em segundo lugar, o fato de o Estado ser responsável por indenizar a vítima não implica mudança de decisão do magistrado, e nem tampouco fere a coisa julgada.

Com efeito, o fato o de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece inatingível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário. (DI PIETRO, 2004, p. 572)

Em nosso entendimento, no ordenamento jurídico pátrio poderá ser aplicada a Teoria da Incontrastabilidade da Coisa Julgada de forma relativizada, ou seja, em regra, a imutabilidade da coisa julgada tornará o Estado irresponsável pelos atos do Poder Judiciário. Entretanto, existirão exceções na qual a presunção de veracidade da coisa julgada será revista, como nos casos das hipóteses de erro judiciário e dolo ou fraude do magistrado, que

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ensejam a responsabilidade do Estado, como veremos nos tópicos adiante.

2.3 ATIVIDADE JUDICIÁRIA DANOSA

Este é o ponto central do referente trabalho, nele iremos traçar os aspectos gerais e as peculiaridades do tema, buscando o embasamento doutrinário e a jurisprudência atual.

Atividade judiciária na função jurisdicional do Estado é realizada, em principio, pelo o magistrado competente, cuja lei lhe atribuiu a função de pacificar e dirimir as lides. Assim nos valemos do ensinamento:

Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das partes. (ALVIN, 1996)

Entretanto, a atividade judiciária é gênero que abrange tanto os atos judiciais e os atos jurisdicionais:

A atividade judiciária desenvolvida pelo magistrado abrange, por conseguinte, não só a atividade jurisdicional, mas também a não jurisdicional, como os atos administrativos materiais, por exemplo. Serão enfocados nesta dissertação tanto a atividade jurisdicional quanto a judiciária, desde que operacionalizadas pelo juiz, na qualidade de órgão do Estado-juiz. (MORAES, 2008 )

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Deste modo, podemos conceituar a atividade judiciária danosa como sendo a atividade exercida pelo o magistrado que acarrete danos a terceiros, no exercício de suas funções judiciais ou jurisdicionais.

Contudo, tal conceito não é absoluto, pois nem toda atividade judiciária danosa enseja a responsabilidade civil do magistrado, uma vez que, será necessária a verificação da origem do dano, como demonstraremos em um momento oportuno.

2.3.1 A Responsabilidade Civil Estado por Atos Administrativos

Atos judiciais, judiciários ou não jurisdicionais, são sinônimos de atos administrativos praticados pelo o Poder Judiciário através de seus servidores. Diverge, portanto, dos Atos Jurisdicionais ou atos processuais propriamente ditos. Em relação a este tópico, é passível na doutrina o entendimento transcrito abaixo:

No que concerne aos atos administrativos (ou atos Judiciários), incide normalmente sobre eles a responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que, é lógico, presente os pressupostos de sua configuração. Enquadram-se aqui os atos de todos os órgãos de apoio administrativo e judicial do Poder Judiciário, bem como os praticados por motoristas, agentes de limpeza e conservação, escrivães, oficiais cartorários, tabeliães e, enfim, de todos aqueles que se caracterizam como agente do Estado. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 459)

Segue o mesmo entendimento:

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Quanto aos atos administrativos praticados por órgãos do poder Judiciário e do Poder Legislativo, equiparam-se aos demais atos da Administração e, se lesivos, empenham a responsabilidade civil objetiva da Fazenda Pública. (MEIRELES, 2004, p.634)

São exemplos de atos judiciais praticados pelo magistrado os que concedem férias aos seus membros e serventuários do Poder Judiciário, quando aquele remarca uma audiência ou solicita mais seguranças para a mesma. Em todos estes atos incidem a responsabilidade objetiva do Estado, caso tais atos causem danos a terceiros:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (CARTA MAGNA, artigo 37, § 6)

2.3.2 Responsabilidade Civil do Estado por Atos Jurisdicionais

São atos jurisdicionais, os atos processuais propriamente ditos, realizado pelo magistrado no exercício da função de julgador da lide. Enquadram nestes atos os despachos, decisões interlocutórias e as sentenças. Entre os processualistas, existem várias classificações acerca dos atos jurisdicionais do juiz.

Classificam-se os atos jurisdicionais em: decisórios e não decisórios. A primeira espécie pressupõe-se um conteúdo de comando, e já na segunda espécie, são atos administrativos (ou judiciais). Dentro da espécie de atos decisórios, encontramos os

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atos decisórios propriamente ditos, que abrangem a sentença, o despacho e as decisões interlocutórias que são definidas pelo próprio código de processo civil, em seu artigo 162:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

§ 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§ 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma

(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Portanto, estes são os atos jurisdicionais propriamente ditos, em que o magistrado pratica com a finalidade de decidir o mérito da causa. Porém, mesmo estes atos podem causar danos a terceiros que buscarão o ressarcimento pelos danos sofridos, sendo este um ponto de profunda discórdia na doutrina e na jurisprudência.

Para sabermos se o Estado é responsável ou não na prática de atos jurisdicionais, necessário será observar certas peculiaridades em cada caso. Na doutrina existem diversos argumentos que isentam a responsabilidade do Estado em relação à atividade judiciária danosa:

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Não obstante, é relevante desde já consignar que, tanto quanto os atos legislativos, os atos jurisdicionais típicos são insuscetíveis de redundar na responsabilidade civil do Estado. São eles protegidos por dois princípios básicos. O primeiro é o da soberania do Estado: sendo atos que traduzem uma das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania. O segundo é o princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais: se um ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os mecanismos recursais até mesmo outras ações para postular a sua revisão (...). (CARVALHO FILHO, 2005, p. 459)

Outro argumento que merece destaque é o fato de o magistrado não ser classificado como servidor público em sentido estrito, e sim, como agente político. Dessa forma a regra constitucional do artigo 37, § 6º não incidiria sobre o mesmo:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Em uma breve leitura, no referido artigo transcrito acima, percebe-se que tal argumento é falível, pois a própria constituição utiliza a expressão agentes, e como vimos a classificação dos servidores público neste trabalho, entendemos que a referida expressão é gênero que abrange tanto os servidores públicos em sentido estrito, bem como os agente políticos.

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Nesta mesma perspectiva, transcreve-se:

(...) Ainda que se entendesse ser ele ( o magistrado) agente político, seria abrangido pela norma do artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que emprega precisamente o vocábulo agente para abranger todas as categorias de pessoas que, a qualquer título, prestam serviços ao Estado. (DI PIETRO, 2004, p. 572)

No entanto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou de modo contrário acerca da questão, sendo cada vez mais forte a jurisprudência, no sentido de isentar a responsabilidade do magistrado por práticas de atos jurisdicionais:

Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao

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Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF – RE 228977- Segunda Turma - Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA- Julgamento: 05/03/2002 - Publicação DJ 12-04-2002 PP-00066 )

Pela atual jurisprudência, os atos jurisdicionais praticados pelo o magistrado, no exercício de sua função, são insuscetíveis de responsabilidade, por aqueles serem agentes políticos do Estado, onde não se aplica a regra do artigo 37, § 6, da Constituição Federal, mesmo que tal artigo utilize em sua redação, a expressão “agente” que abrange todos os agentes públicos.

Porém, existem hipóteses em que a própria legislação e a jurisprudência prevêem a possibilidade de responsabilização civil do Estado por atos jurisdicionais que acarretem danos a terceiros. Para uma melhor compreensão, iremos classificar as hipóteses em que o dano da atividade judiciária danosa, acarretará tais responsabilidades:

a) Hipótese do Erro Judiciário

b) Hipótese de Dolo ou Fraude do magistrado

É importante ressaltar, que em uma breve revisão na doutrina sobre o tema, existirão outras hipóteses de responsabilidade civil do Estado na prática de atos jurisdicionais que acarretem danos a terceiros. Entretanto, a classificação explanada nos próximos tópicos, será embasada na doutrina mais atualizada e pela jurisprudência dominante.

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2.3.2.1 Hipótese do Erro Judiciário

Erro judiciário é a expressão utilizada quando o magistrado, na prática de um ato jurisdicional, não tem a atenção necessária para proferir a decisão como, por exemplo, a sentença em que o juiz proferiu sem ter observado devidamente as provas do processo. A expressão erro está ligada a idéia de culpa em latu sensu, que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito (a negligência, a imperícia e a imprudência do magistrado).

O autor José de Aguiar Dias, por sua vez, restringe ainda mais o conceito de erro judiciário, considerando apenas a sentença criminal de condenação injusta, alcançando, também, a prisão preventiva injustificada. Excluindo, no entanto, os casos de má-fé, abuso ou desvio de poder do magistrado que serão outra hipótese de responsabilização patrimonial do Estado.

Na hipótese do erro judiciário, a Constituição Federal traz em seu artigo 5°, LXXV: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Portando, de acordo com a norma legal acima, ocorrendo esta hipótese o condenado será devidamente indenizado.

Entretanto, a expressão condenado por erro judiciário provocou, na doutrina, profundas divergências, uma vez que entendem alguns doutrinadores, que a referida expressão abrange não somente o âmbito do direito penal, mas também a esfera cível e, para alguns, os demais ramos do direito.

Pacífico é o entendimento no âmbito penal, pois o próprio código de processo penal traz em seu artigo 630 a seguinte redação:

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O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1o Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

§ 2o A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada. (BRASIL, CÓDIGO PENAL, Art. 630)

Dessa forma, se o indivíduo for condenado em virtude de sentença que contenha o erro judiciário ou prisão ilegal, possuirá o direito de ajuizar uma ação contra o Estado, requerendo uma justa indenização.

No STF, encontra-se o mesmo entendimento:

EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação desconstituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal, art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era

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previsto no art. 630 do C. P. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. (STF- RE 505393 / PE- Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE- Julgamento: 26/06/2007- Órgão Julgador: Primeira Turma- Publicação DJE-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00025 EMENT VOL-02292-04 PP-00717)

Da aludida decisão, transcrita logo acima, podemos fazer algumas observações. A primeira é que a regra constitucional do artigo 5°, LXXV, foi inspirada na regra do artigo 630 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941( lei do Código de Processo Penal), uma vez que esta lei é bem mais antiga que a atual Carta

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Magna de 1988. Portanto, não será forçoso afirmar que a norma constitucional do erro judiciário refere-se tão somente na esfera penal, já que a mesma norma foi derivada da norma contida no código de processo penal.

A segunda observação, é que na própria decisão encontramos expressamente que “a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição”, sendo a hipótese de erro judiciário uma especialidade de tal regra.

A terceira observação refere-se à aplicação da Responsabilidade civil do Estado, na hipótese do erro judiciário, considerando que expressamente na decisão em tela, encontramos a oração: “a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado”. A referida decisão dar-nos a idéia de que responsabilidade aplicada, nos casos de erro judiciário, seja a objetiva.

Discordamos de tal entendimento, pois a marca fundamental da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de provar o elemento culpa e, no erro judiciário, o lesado terá o ônus de provar que o magistrado foi negligente, imprudente ou agiu de forma que não teve a inaptidão técnica (imperícia) suficiente para tomar a decisão. Portanto, no caso concreto, a responsabilidade do Estado por erro judiciário será a subjetiva, pois o Estado só irá responder se o lesado comprovar, por meio de uma ação rescisória, que o magistrado agiu com culpa.

A referida decisão, apenas nos informa que a na ação de indenização não será necessária à discussão de dolo ou culpa do juiz, uma vez que tal conduta já foi discutida, de maneira imprescindível, em momento anterior (na revisão criminal). Deste modo, em nosso entendimento, o erro judiciário, na prática irá reportar a responsabilidade subjetiva do Estado.

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O quarto ponto provoca divergência na doutrina, no que se refere à necessidade da prescindibilidade ou exigência da propositura da ação rescisória que conceda a revisão criminal para o reconhecimento do erro judiciário.

Segundo CAPEZ, (2007, p. 512): “a ação penal rescisória promovida originalmente perante o tribunal competente, para que, nos casos expressamente previstos em lei, seja efetuado o reexame de um processo já encerrado por decisão transitada em julgado”.

Discorre ainda o autor, que embora a revisão criminal possa assumir a função de um recurso, ela terá natureza jurídica de ação rescisória.

O artigo 621 do Código de Processo Penal estabelece os casos em que se dá a revisão criminal:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:

I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

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Para alguns doutrinadores, não será imprescindível a ação rescisória penal para que se reconheça o erro judiciário e o autor tenha direito a uma justa indenização, estabelecida pelo o artigo 630º do CPC. Vejamos Pantaleão (2004). “(...) o dever do autor se resume a comprovar o nexo de causalidade entre o fato e o dano, cumprindo ao Estado a prova de que o dano não existe ou que não concorreu para sua existência.”

Discordamos de tal entendimento, necessário será o lesado provar que houve a ocorrência do erro judiciário através da sentença que julgue procedente a ação rescisória penal, pois, dessa forma, há o respeito a coisa julgada. Após a decisão que conceda tal instituto, o mesmo ajuizará outra ação de natureza indenizatória face ao Estado, em que deverá constar: o fato danoso (que será a sentença condenatória contendo o erro judiciário, reconhecida através da revisão criminal), o nexo causal e o dano sofrido.

Igualmente compartilha conosco, o mesmo entendimento:

Dúvidas subsistem quando a a 0ção rescisória não soluciona o assunto, por ter sido julgada improcedente, porque ocorreu prescrição ou porque a decisão se torna imutável. Nesses casos, houve o trânsito em julgado, sem possibilidade alguma de modificação no teor decisório, daí se infere que uma indenização por dano decorrente de sentença, poderia infringir a regra da imutabilidade da coisa julgada. Esse é o argumento mais forte para inadmitir a responsabilidade do Estado no âmbito do Judiciário, pois as decisões judiciais ao transitarem em julgado, não permitem

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contestação, por encerrarem presunção de verdade. (MEIRELLES L. 2003, p. 05)

Do mesmo modo, o autor Stoco (1999) sustenta que o erro judiciário é aquele que ocorre nos processos criminais, somente gerando dever de indenizar após seu reconhecimento em ação rescisória penal, necessitando de prova do dano em ação de conhecimento de via ordinária.

Percebe-se que a verificação da existência de culpa se dá na ação rescisória penal, e não na ação de indenização. Deste modo, reafirmamos que o Estado responsabilizará o lesado de forma subjetiva, pois mesmo que este, na ação indenizatória, não discuta a existência da culpa do magistrado, o mesmo terá o ônus de comprovar o erro judiciário em um momento anterior.

Se no direito penal, o erro judiciário enseja a responsabilidade civil do Estado, já no âmbito civil, beira a discórdia entre os doutrinadores acerca dos atos jurisdicionais que contenham o erro judiciário.

Entende inadmissível afastar-se a responsabilidade do estado por atos jurisdicionais de qualquer natureza, seja ele no âmbito penal, cível ou até trabalhista:

A jurisprudência brasileira, como regra, não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o que é lamentável porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado. Mas mesmo em

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caso de inexistência de culpa ou dolo, poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão. (DI PIETRO, 2004, p. 573)

Em relação aos casos em que o juiz agiu de forma dolosa, iremos, em momento oportuno, tecer os devido comentários.

Segue o entendimento, que a reparação do erro judiciário abrange a esfera cível e a penal:

(...) Aqui, considerado o vocábulo não somente como aquele error decorrente de prisão ilegal ou da condenação injusta de uma pessoa posteriormente reconhecida como inocente, como também decisão tardia, equivocada ou incorreta, ministrada igualmente no âmbito cível, cuja defectibilidade é igualmente danosa. (CAMARGO, 1999, p. 103)

Com o devido respeito, aos entendimentos transcritos acima, se compreendermos que a indenização por erro judiciário estenda-se ao direito civil, ao direito trabalhista ou aos demais ramos do direito, estaríamos aceitando a perda da independência e da imparcialidade do magistrado, comprometendo o seu livre convencimento em suas decisões, já que seus atos poderiam ensejar a responsabilidade patrimonial do Estado.

Não é difícil reconhecer, que a intenção do legislador em dispor no artigo 5°, LXXV a garantia fundamental de indenizar o condenado por erro judiciário, derivado do artigo 630 do CPC, é de restringir tão somente ao âmbito penal, devido ao fato que nesta matéria as decisões proferidas podem causar danos mais severos do que em outras disciplinas, como por exemplo, a perda por um determinado lapso temporal da liberdade, que é uma das garantias fundamentais que os Estado democráticos de direito mais

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zelam. Nada mais justo que uma devida indenização às vítimas do erro judiciário, que obtenham contra si, a sentença criminal de condenação injusta ou prisão ilegal.

Eis o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: Direito Constitucional e Administrativo.

Responsabilidade Objetiva. Prisão Ilegal. Danos Morais.

1.O estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes pratica contra o mesmo, prisão ilegal.

2.Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar integralmente, os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados ao cidadão, especialmente de ir e vir.

3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos, provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais.

4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado.

5.A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada no art. 5º, LXXV, da CF. (STJ, Resp. nº 220.982/RS, Rel. Min. José Delgado, DJU 03.abr.2000)

Outro argumento, que em nosso entendimento é plausível, acerca da responsabilidade do erro judiciário na esfera cível:

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(..) Apesar das dúvidas que suscita, entendemos que o legislador constituinte pretendeu guindar à esfera constitucional a norma legal anteriormente contida no Código de Processo Penal, sem, todavia, estender essa responsabilidade a atos de natureza cível. Em nosso entendimento, portanto, se um ato culposo do juiz, de natureza cível, possibilita a ocorrência de danos à parte, deve ela valer-se dos instrumentos recursais e administrativos para evitá-los, sendo inviável a responsabilização civil do estado por fatos deste tipo. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 461)

Vale salientar, que em regra, prevalece à tese da irresponsabilidade civil do magistrado, somente em alguns casos (previstos em lei) que o Estado deverá responder civilmente por danos causados pelo Judiciário a terceiros. Este é o entendimento da Suprema Corte:

Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciário. - A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do S.T.F. Recurso extraordinário não conhecido. (STF - RE 111609 – Primeira Turma- Relator(a): Min. MOREIRA ALVES- Julgamento: 11/12/1992- Publicação DJ 19-03-1993PP-04281)

Pelo posicionamento transcrito acima do STF, “que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do

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Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei”, podemos concluir, em relação à responsabilização da hipótese de erro judiciário, que somente abrangerá a esfera criminal, uma vez que está estabelecida expressamente em lei, pelo artigo 630 do Código de Processo Penal.

Em relação à esfera cível, em nossa compreensão, a única hipótese que o erro judiciário poderia ocasionar o direito a uma justa indenização, seria nos casos de prisão civil ilegal. Vejamos a seguir um julgado sobre o tema:

EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito judicial. Depositário infiel. Infidelidade. Não caracterização. Estoques de álcool (15 milhões de litros). Bens pertencentes à empresa empregadora. Seqüestro. Depósito em mãos de empregada. Impossibilidade factual e jurídica de custódia dos bens. Desvio negocial de parte do volume depositado. Ato imputável aos presentantes da empresa. Decreto da prisão da paciente por um ano. Desproporcionalidade. Medida cautelar que, ademais, caducou. Constrangimento ilegal tipificado. Ofensa ao art. 5º, LIV, da CF. HC concedido. Votos vencidos. Não se caracteriza, para efeito de prisão civil, infidelidade da empregada que, recebendo, em medida cautelar de seqüestro, o encargo de depositária judicial de obra de quinze milhões de litros de álcool, pertencentes à empresa empregadora, não tinha possibilidade factual nem jurídica de custodiar tais bens, em parte desviados mediante negócios da proprietária mesma. (STF-RE 505393- Primeira Turma-

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Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE- Julgamento: 26/06/2007- DJE-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007)

No caso em tela, embora estejamos na seara do direito civil, por analogia, os efeitos dos danos sofridos seriam comparáveis aos danos percebidos do erro judiciário na esfera criminal. Embora o bom senso e a lógica pudessem desdobrar a reparação do dano decorrente de erro judiciário na esfera cível, somente na hipótese de prisão civil ilegal, a lei, a jurisprudência e a doutrina ainda não se manifestaram acerca da questão.

2.3.2.2 Hipótese de dolo ou fraude do juiz

Na função jurisdicional do Estado, pode o magistrado agir com dolo ou fraude, hipóteses que seriam mais graves do que o erro judiciário, violando o dever funcional e bem como a lei orgânica da magistratura, e recaindo sobre si, o dever de indenizar.

Desse modo, a lei Complementar Nº 35, de 14 de março de 1979 estabelece em seu artigo 49:

Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.

Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.

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(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

A referida lei manteve o mesmo texto contido no Código de Processo Civil de 1973:

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias

(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Quando o juiz agir conforme as condutas do referido artigo,o mesmo responde por perdas e danos, sendo está a única hipótese em que recairá sobre si, o dever pessoal de reparar o dano de forma indireta:

Segundo o art. 133 do CPC, o juiz responde por perdas e danos quando no exercício de suas funções procede dolosamente, inclusive com fraude, bem quando recusa, omite ou retardada, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Nesse caso, a responsabilidade é individual do juiz, cabendo-lhe, em conseqüência, o dever de

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reparar os prejuízos que causou. ( CARVALHO FILHO, 2005, p. 460)

É pacífico o entendimento transcrito acima. Porém, reside, na doutrina e na jurisprudência, a dúvida em relação se o lesado poderá mover a ação indenizatória face somente ao magistrado, ou ainda, cumulativamente aos dois. Em momento oportuno, iremos tecer os devido comentários acerca da questão.

Outro ponto que deveremos observar, é quem terá o ônus de provar o dolo ou fraude do juiz, pois isto na prática resultaria em saber qual a responsabilidade a ser atribuída ao Estado, se é a objetiva ou subjetiva.

Eis o posicionamento, Segundo Camargo ( 1999, p. 109) “dessa forma segundo nosso entendimento, a prestabilidade de aferição da ocorrência de dolo ou fraude será sempre questão subjetiva, com a qual não haverá de inteirar-se o prejudicado, pois a ele cabe o direito objetivo de ser indenizado pelo Estado (...).”

De fato, caberá ao prejudicado provar o dolo ou fraude do juiz no exercício de suas funções, através de ação rescisória (cuja natureza poderá ser cível, penal, trabalhista...) se a sentença transitou em julgado; ou se, no curso do processo, a parte provar nos autos tal conduta. Como já discorremos anteriormente, se a marca da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de provar o elemento culpa (em sentido amplo), nos casos em que o magistrado agir com dolo, o lesado terá o ônus de provar tal conduta e, deste modo, estaremos diante da responsabilidade subjetiva do Estado.

Assim, o lesado ajuizará outra ação de natureza indenizatória face ao Estado, que constará: o fato danoso (que será a conduta dolosa ou fraudulenta do magistrado, no exercício de suas funções, já comprovada); o nexo causal e o dano sofrido.

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Portando, a responsabilidade do Estado também será subjetiva na hipótese de dolo ou fraude do magistrado, pois o lesado terá o ônus de provar o elemento dolo para ter o direito à indenização, cujo ente estatal deverá exercer o direito de regresso contra o causador do dano. A responsabilidade do magistrado será subjetiva perante o Estado.

2.4 REPARAÇÃO DO DANO

Quando o lesado sofre o dano no exercício da atividade jurisdicional, decorrentes do erro judiciário criminal e na hipótese de dolo ou fraude do magistrado, o mesmo irá buscar meios para que esse dano seja reparado. É o caso, por exemplo, daquele que fica preso por sentença condenatória criminal, e, posteriormente, se descobre o verdadeiro autor do delito. Desta forma, a própria legislação prevê que o lesado tenha mecanismos necessários de buscar, contra o Estado, a devida e justa indenização.

2.4.1 Ação Indenização e o Sujeito Passivo da Lide.

A indenização é o montante pecuniário que irá compensar os prejuízos oriundos do ato lesivo. Estes prejuízos poderão ser material ou meramente moral.

A indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu o que despendeu e o que deixou de ganhar em consequência direta e imediata do ato lesivo da Administração, ou seja, em linguagem civil, o dano emergente e os lucros cessantes. (MEIRELLES, 2004, p. 635)

Ação de indenização deverá ser proposta contra o ente no qual o meritíssimo é lotado, ou seja, se o juiz fizer parte do quadro da magistratura estadual, a ação deverá ser ajuizada contra o respectivo estado membro. Por outro lado, se o mesmo estiver

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lotado no quadro da magistratura federal, ação indenizatória deverá ser proposta contra a união. É importante ressaltar, que o montante indenizatório irá sair dos cofres da fazenda pública de cada ente.

Após ser concedida a indenização ao lesado, o ente que a outorgou irá buscar o ressarcimento contra o julgador através da ação regressiva, que somente será na hipótese de dolo ou fraude do magistrado. Na hipótese de erro judiciário, o meritíssimo não responde por tal conduta e, sim, o Estado de forma subjetiva.

Assumimos a postura no sentido da reparabilidade ser sempre devida pelo próprio Estado, considerando-se que tendo o juiz agido com dolo ou fraude, contra este haverá que mover-se a ação regressiva própria, e, quando não, caso decorra o dano de falta que não lhe possa ser atribuída diretamente, haverá que suportar o Estado pelo prejuízo havido. (CAMARGO, 1999)

Em tópico anterior, relativo a hipótese de dolo ou fraude do juiz, levantamos a discussão sobre a possibilidade de o magistrado figurar no pólo passivo da ação de indenização, na hipótese de dolo ou fraude deste. Assim, iremos analisar novamente o artigo 133 do Código de Processo Civil de 1973:

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

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Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Dar-nos a entender que a responsabilidade do magistrado será direta, ou seja, que o lesado poderá propor alternativamente a ação contra o Estado, ou diretamente contra aquele. Tal dúvida provocou na doutrina profundos questionamentos.

Conforme já exposto na apreciação de dispositivos legais pátrios, verificamos, no art. 133 do CPC e no art. 49 da LOMAN, a hipótese de responsabilização pessoal do juiz que agir com dolo ou fraude. Parece-nos, a principio, impossível a responsabilização direta do magistrado, ao exercer a função própria que lhe foi atribuída, está legitimado pelo Estado, na verdade personifica o próprio Estado, tratando-se de agente do Estado, conforme já exaustivamente exposto no tema próprio. (Luís Antonio de CAMARGO, 1999)

De modo diverso, entende:

Nestes casos, o magistrado poderá responder sempre diretamente perante o lesado. Quando, porém, não derive de prática de crime, a responsabilidade civil, além de só ser admitida nos casos especialmente previstos na lei, só poderá ser efetivada mediante ação de regresso exercida

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por parte do Estado contra o magistrado (STOCO, 1999)

Em nosso entendimento, poderia ser admissível que o magistrado respondesse de forma direta ou que o lesado por livre arbítrio escolhesse contra quem seria impetrada a ação indenizatória. Interpretando, de forma extensiva o artigo em epígrafe, não seria forçoso reconhecer, que quando o juiz venha agir de forma dolosa ou fraudulenta, o mesmo deverá individualmente arcar com as consequências, e não deixar a cargo do Estado tal ônus, que refletirá em toda sociedade.

Outro argumento a favor deste posicionamento, seria que o sentimento do lesado ao mover a ação indenizatória diretamente contra o magistrado, não seria somente a busca dos prejuízos sofridos, tal ação teria o cunho de natureza condenatória, ou seja, condenar diretamente aquele que agiu com má fé, fraude ou dolo.

Porém, quando o questionamento em tela chegou às portas do Supremo Tribunal Federal, o mesmo entendeu de forma diversa:

EMENTA: - Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos

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alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.(STF-RE 228977- Órgão Julgador: Segunda Turma – Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA – Julgamento: 05/03/2002 Publicação DJ 12-04-2002 PP-00066)

Portanto, a jurisprudência seguiu a mesma tendência e, assim, mesmo nos casos em que o magistrado agir com dolo ou fraude, causando danos a terceiros, a ação indenizatória não deverá ser ajuizada diretamente contra este, e sim, contra o Estado que irá exercer o seu direito de regresso contra o causador do dano.

3 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil do Estado por atos do Poder Judiciário, como raciocinado, é um tema cuja natureza é divergente em sua essência e bastante peculiar, no qual este trabalho através de uma revisão na doutrina e jurisprudência mais atualizada buscou traçar os aspectos gerais e específicos do tema.

O juiz como agente político do Estado. Embora discordemos de tal entendimento, a doutrina clássica e o próprio Supremo Tribunal Federal, classificam o magistrado como um agente político do Estado, não incidindo a regra geral do artigo 37 da CF, que trata da responsabilidade estatal.

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Atividade judiciária na função jurisdicional do Estado é dividida em duas espécies de atos. Atos judiciais, judiciários ou não jurisdicionais, são sinônimos de atos administrativos praticados pelo o Poder Judiciário através de seus servidores, incidindo a regra geral da responsabilidade objetiva, quando estes causem danos a terceiros.

A segunda espécie são os atos jurisdicionais ou atos processuais propriamente ditos, realizados pelo magistrado no exercício da função de julgador da lide. Enquadram nestes atos os despachos, decisões interlocutórias e as sentenças. Nesta espécie de atos não será aplicada a regra geral da responsabilidade objetiva do Estado estabelecido no artigo 37 da CF, sendo observadas certas peculiaridades.

O Supremo Tribunal Federal mantêm o entendimento de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Portanto a regra geral é que os magistrados, quando praticam atos jurisdicionais que acarretem danos a terceiros, o Estado não será responsabilizado. Como exceção a regra, existirão hipóteses, previstas em lei, que o Estado será responsabilizado na pratica de atos jurisdicionais que causarem danos a terceiros.

Neste ponto existem profundas divergências, pois alguns entendimentos são contrários ao posicionamento da Suprema Corte, ampliando o leque de hipóteses.

Respeitando opiniões em contrário, discorremos as únicas hipóteses legais que, em nosso entendimento e de acordo com a jurisprudência predominante, ensejam a responsabilidade estatal: Ahipótese do erro judiciário e a hipótese de dolo ou fraude do magistrado.

A hipótese do erro judiciário está previsto no artigo LXXV: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário,

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assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” e também no artigo 630 do código de processo penal. Em ambos os diplomas, tratam do caso em que o se o indivíduo for condenado em virtude de sentença condenatória criminal que contenha o erro judiciário ou prisão ilegal, deste modo o lesado possuirá o direito de ajuizar uma ação contra o Estado, requerendo uma justa indenização.

Alguns doutrinadores entendem que o erro judiciário abrange não somente a esfera penal, como também os demais ramos do direito. Discordamos de tal entendimento, pois como já foi demonstrado acima, a Suprema Corte mantêm o entendimento de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei.

Em relação à hipótese de erro ou dolo do magistrado, o Estado será responsável pelos danos causados a terceiros, resguardado o seu direito de regresso contra o causador do dano. Tal hipótese está regulamentada pela lei Complementar Nº 35, de 14 de março de 1979 e pelo o artigo 133 do código de processo civil, sendo está à única hipótese em que recairá sobre si, o dever pessoal de reparar o dano de forma indireta.

Em ambas as hipóteses legais, o lesado deverá mover a ação de indenização em face da fazenda pública do ente estatal no qual o magistrado é lotado. Apesar de opiniões em contrário, foi este o entendimento adotado pelo o STF.

Outro ponto de suma importância em que levantamos, foi saber qual a responsabilidade a ser aplicada na reparação do dano. Demonstramos que tanto na hipótese de erro judiciário, como na hipótese de dolo ou fraude do magistrado, o lesado deverá comprovar a culpa em sentido amplo, que abrange o dolo e a culpa

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em sentido estrito, portanto em nosso juízo, a responsabilidade a ser aplicada em ambos os casos será a responsabilidade subjetiva.

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A CONTABILIDADE NA FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA JURÍDICO TRIBUTÁRIA: UMA VISÃO ZETÉTICA E DOGMÁTICA

LUCAS SILVEIRA PORDEUS: Advogado, graduado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pós-graduado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

RESUMO: O presente trabalho visa avaliar o papel desempenhado pelo saber contábil no fenômeno da incidência das normas jurídicas de direito tributário. A sociedade é um sistema comunicacional dividido em subsistemas, dentre os quais estão o sistema jurídico e o econômico. Os sistemas sociais são autopoiéticos, isto é, fechados operacionalmente e abertos cognitivamente. Do ponto de vista da teoria geral dos signos, uma análise tomando como base as três dimensões da semiótica revela que o ordenamento jurídico é sintaticamente homogêneo e semanticamente heterogêneo. A incidência da norma jurídico tributária se dá por meio da aplicação das proposições conotativas formadoras da regra-matriz de incidência tributária a um determinado evento concreto, articulando-o em fato jurídico com fundamento em um procedimento probatório. O produto dessa operação é uma norma jurídica individual e concreta formada por proposições de cunho denotativo. A contabilidade, nesse contexto, realiza a interface entre o sistema jurídico e o econômico. Através dela, comunicações com substrato econômico são traduzidas para a linguagem do sistema jurídico, possibilitando a operacionalização do princípio constitucional da capacidade contributiva. A utilização das técnicas contábeis é prevista na legislação tributária que institui as obrigações acessórias, sendo a escrituração de livros contábeis utilizada como meio de prova apto a constituir fatos jurídicos tributários resultantes da incidência das normas tributárias.

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Palavras-chave: sistemas sociais; semiótica; regra-matriz de incidência tributária; incidência jurídico tributária; contabilidade tributária.

INTRODUÇÃO O presente trabalho objetiva analisar o papel

desempenhado pelo saber contábil na fenomenologia da incidência das normas jurídico tributárias. Para tanto, a investigação que se realizará adotará tanto o enfoque zetético quanto o dogmático. No primeiro capítulo, serão estabelecidos alguns dos pressupostos teóricos que permitirão a compreensão dos mecanismos inerentes ao funcionamento do sistema jurídico e à sua forma de relacionamento com outros sistemas sociais, notadamente o econômico; bem como, alguns tópicos da semiologia que permitirão o esclarecimento do fenômeno da incidência jurídica.

A teoria dos sistemas sociais será apresentada ressaltando-se algumas de suas principais premissas, dentre as quais: a abordagem diferencial na definição do sistema e seu ambiente; a noção de que a sociedade é um sistema comunicacional que se divide em subsistemas, cada um com código-binário e programação específico; a questão da autopoiese dos sistemas sociais e a forma como ela determina o relacionamento dos subsistemas com o seu ambiente. No tocante à semiótica, analisar-se-ão os elementos do triângulo semiótico segundo a nomenclatura adotada por Husserl; as dimensões da semiótica, focando-se nas características semânticas e sintáticas do ordenamento jurídico, assim como nos conceitos de denotação e conotação.

O segundo capítulo apresentará uma explicação acerca da fenomenologia da incidência jurídica, procurando-se ressaltar de

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que maneira a contabilidade nela atua, no âmbito do direito tributário. Para tanto, serão trazidos os conceitos de regra-matriz de incidência tributária, de Paulo de Barros Carvalho, bem como a noção defendida por este autor de incidência jurídica. Feitos tais esclarecimentos, o uso da contabilidade na incidência das normas tributárias é estudado, demonstrando-se o seu papel na interface entre o sistema econômico e jurídico e na operacionalização do princípio da capacidade contributiva.

1. ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Uma exposição científica adequada requer,

primeiramente, que se estabeleçam os pressupostos utilizados pelo cientista na formulação de suas proposições descritivas do objeto que ele se dispõe a estudar. O objeto deste estudo é a análise do papel da contabilidade na fenomenologia da incidência tributária. Para descrever tal objeto, neste capítulo, será dada prioridade a conceitos oriundos da zetética jurídica. Ao utilizar a expressão “zetética”, queremos nos referir à distinção utilizada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior quanto aos diferentes enfoques teóricos dos quais o cientista do direito pode se valer no desenvolvimento de suas pesquisas. Em suas palavras (2003, p. 41):

[...] Zetética vem de zetein, que significa perquirir, dogmática vem dedokein, que significa ensinar, doutrinar. Embora entre ambas não haja uma linha divisória radical (toda investigaçãoacentua mais um enfoque do que o outro, mas sempre tem os dois), sua diferença é importante. O enfoque dogmático releva o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetética, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm uma função

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diretiva explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado como um ser (que é algo?). Nas segundas, a situação nelas captada configura-se como um dever-ser (como deve ser algo?). Por isso, o enfoque zetético visa saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático preocupa-se em possibilitar uma decisão e orientar uma ação.

Sob tal perspectiva, às matérias jurídicas com predominância do enfoque zetético corresponderiam a sociologia jurídica, filosofia do direito, economia política, teoria geral do direito, criminologia etc. As disciplinas dogmáticas, por sua vez, são a ciência do direito constitucional, penal, civil, comercial, administrativo, econômico etc. Como já foi dito, neste capítulo, será privilegiado o estudo de algumas disciplinas de índole zetética para que se possam estabelecer alguns dos pressupostos teóricos a serem utilizados ao longo da exposição, notadamente a sociologia jurídica e a filosofia do direito. Mais especificamente, recorrer-se-á à teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann e às categorias da teoria geral dos signos, também chamada de semiótica ou semiologia.

1.1 Sobre a Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann A abordagem sistêmica utilizada neste trabalho parte de

uma matriz teórica bastante específica, qual seja, aquela desenvolvida pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann. A compreensão da linguagem e dos conceitos desenvolvidos no âmbito de sua teoria dos sistemas sociais é fundamental na visão que aqui se procura estabelecer, em que se observa a presença constante da contabilidade na interface entre o sistema jurídico e o econômico, e de que maneira esse relacionamento se faz presente na fenomenologia da incidência tributária.

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A obra de referido autor é extensa, bem como são demasiadamente abstratas as categorias formuladas em seus modelos teóricos. Tal situação, entretanto, não impede que se busque realizar sua síntese explicativa. Começa-se, destarte, pela sua visão da sociedade, a partir da qual surgem as suas principais conceituações. Logo adiante, explorar-se-á a noção de sistemas auto-referenciais, também chamados de autopoiéticos, de modo que se possa chegar a algumas conclusões acerca de sua clausura operacional e sua abertura cognitiva.

1.1.1 Sociedade, sistemas e subsistemas: código binário e programação

Niklas Luhmann (1983, p. 34) formula a teoria sistêmica do direito a partir de sua teoria sociológica. A sua concepção de sociedade e direito, entretanto, é diferente das abordagens tradicionais, razão pela qual afirma:

Em termos de esclarecimento suficientemente abstrato da relação entre os desenvolvimentos da sociedade e do direito faltava, tanto na teoria social quanto na teoria do direito, o instrumental conceitual adequado. Daí surgiram as análises parciais já expostas e que, baseadas em pontos de referência diferentes, esclareciam aspectos isolados, mas nunca a totalidade do fenômeno jurídico contemporâneo.

As abordagens tradicionais da sociologia jurídica são inadequadas em razão do fato de se mostrarem incapazes de empreender uma compreensão global do fenômeno jurídico. Em outras palavras, tais abordagens tradicionais da sociologia jurídica seriam, na perspectiva de Luhmann, escapistas, como observa Mello (2006, p. 352). Luhmann buscou superar tais limitações das teorias sociológicas tradicionais por meio da aplicação da teoria

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sistêmica, trazendo-a ao campo da sociologia geral e jurídica. Desse modo, segundo a perspectiva sistêmica, Glauco Salomão Leite assevera (2008, p. 15):

[…] a sociedade se apresenta como um sistema complexo, tendo como seu mundo circundante e exterior o “ambiente”. O que separa o sistema de seu ambiente é a circunstância de naquele existirem certas operações fáticas denominadas “comunicações”, que se encontram em um processo constante de reprodução.

Do trecho citado, retira-se um dos conceitos fundamentais da teoria dos sistemas sociais: a dicotomia sistema/ambiente. Como colocado por Ferraz Jr. (1980, p. 4), pode-se dizer que “sistema é para Luhmann um conjunto de elementos delimitados segundo o princípio da diferenciação”. Com efeito, a dita abordagem diferencial é a pedra angular da construção teórica luhmanniana. Referido autor incorporou propostas teóricas de diversas ciências ao desenvolvimento de sua teoria dos sistemas sociais. A começar pelo cálculo diferencial – também chamado de cálculo proposicional – do matemático britânico George Spencer Brown, contido em seu célebre livro Laws of forms. Com isso, Luhmann (2006, p. 38) pretendia diferenciar o sistema de seu entorno, donde acaba por chegar à definição de que um sistema é a diferença entre o sistema e o ambiente. Convém citar a seguinte afirmação de Mario Losano (2008, p. 121-122): “A visão do sistema fundada sobre a relação entre partes e todo é típica da noção clássica de sistema e irá durar até fim do século XX, quando a relação entre as partes e o todo será substituída pela relação entre sistema e ambiente”.

O mencionado binômio sistema/ambiente indica-nos que todo acontecimento deve pertencer, ao mesmo tempo, a um determinado sistema e ao ambiente de outro sistema (NEVES,

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2008, p. 59). Ou seja, um determinado evento não pode ocorrer, de uma só vez, tanto no interior do sistema quanto no seu ambiente. Sendo a sociedade, como dito, um sistema caracterizado pela ocorrência de comunicações, é forçoso concluir que tais operações denominadas de comunicações ocorrem apenas no sistema social, e não no seu ambiente.

Luhmann (1983), ao discorrer sobre a maneira pela qual se dá a diferenciação dos elementos do sistema social (as comunicações), argumenta que a sociedade contemporânea encontra-se como um sistema diferenciado funcionalmente, diferentemente do passado, quando se verificava uma diferenciação social segmentária. Segundo Luhmann (1983, p. 176):

Na diferenciação segmentária são formados diversos sistemas iguais ou semelhantes: a sociedade compõe-se de diversas famílias, tribos, etc. Na diferenciação funcional os sistemas parciais, ao contrário, são formados para exercerem funções especiais e específicas, sendo portanto distintos entre si: para a política e a administração, para a economia, para a satisfação de necessidades religiosas, para a educação, para cuidar dos doentes, para funções familiares residuais (assistência, socialização, recreação), etc.

Dizer que a sociedade é um sistema diferenciado funcionalmente nada mais significa que dizer que o sistema social divide-se em sistemas parciais, subsistemas, cada qual incumbido, como visto, de uma função específica, dentre os quais está o subsistema jurídico, o subsistema político, o econômico etc. Tal é a caracterização da sociedade contemporânea. A admissão da multiplicidade dos sistemas sociais coloca-nos diante da questão do reconhecimento de determinado sistema como sendo um subsistema social ou não. Como visto, o que caracteriza o sistema

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social em oposição ao seu ambiente é a ocorrência, no seu interior, de operações denominadas comunicações. O mesmo deverá ocorrer com os seus sistemas parciais. Assim, não há de se falar em subsistema social caso não existam comunicações em determinado sistema.

As comunicações, aliás, além de se prestarem à classificação de determinado sistema como sendo um subsistema social, irão também diferenciar os subsistemas sociais entre si. Cada um desses sistemas parciais opera com uma rede de comunicações particular, produzindo e reproduzindo tais comunicações conforme os seus códigos binários específicos. Cada um deles possui o seu próprio código binário, que consiste num par de “valores opostos (positivo/negativo)” (LEITE, 2008, 20). O código binário permite que o sistema se diferencie do seu ambiente; no caso do sistema social, trata-se do código comunicação/não-comunicação. O mesmo se passa com os subsistemas, que possuem um código binário próprio, o qual lhes possibilita que se diferenciem dos outros subsistemas da sociedade. Cada subsistema social observa os outros subsistemas como o seu ambiente – lembremos da assertiva de que o sistema é a diferença entre o sistema e o ambiente –, dessa forma, é por meio do seu código binário que o subsistema jurídico diferencia as comunicações jurídicas das não jurídicas (TOMÉ, 2012, p. 52). O código binário do sistema jurídico é o lícito/ilícito; do político, governo/oposição; do econômico, ter/não ter; da ciência, verdadeiro/falso etc. Sozinho, entretanto, o código binário revela-se insuficiente para que o sistema social realize suas operações de comunicação. Surgi aqui o programa. A situação foi tratada muito bem por Fabiana del Padre Tomé (2012, p. 59-60):

Os valores lícito e ilícito não são, propriamente, critérios para a determinação do direito ou não-direito, sendo necessários outros elementos que indiquem

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como os valores do código lícito/ilícito se aplicam. Essa semântica adicional é chamada de programa.

No que tange especificamente aos programas jurídicos, a autora assevera que eles, diferentemente dos programas de outros subsistemas sociais, possuem o formato condicional “se isto/então aquilo”, conferindo o conteúdo necessário à adjudicação do código binário lícito/ilícito às comunicações produzidas no interior do sistema jurídico. Os programas do sistema jurídico, a nosso ver, podem ser entendidos como sendo as normas jurídicas, considerando-se a sua estrutura hipotético-condicional, à qual atrela-se como consequência da ocorrência do seu pressuposto fático a prescrição de determinado comportamento.

1.1.2 A autopoiese do direito: fechamento operacional e abertura cognitiva

Uma segunda característica importante dos sistemas sociais na teoria luhmanniana diz respeito à sua autopoiese. A noção de autopoiese foi incorporada do trabalho dos biólogos evolucionistas Francisco Maturana e Humberto Varela. Na explicação de Fabiana del Padre Tomé (2012, p. 50): “autopoiético é o sistema que reproduz seus elementos valendo-se de seus próprios componentes, por meio de operações internas”. A inspiração da biologia advém da noção de autopoiese dos seres vivos, segundo a qual os sistemas biológicos geram seus próprios componentes em operações próprias. A autopoiese, portanto, consiste no fechamento operacional do sistema. Segundo Luhmann (2006, p. 37):

(...) Speaking generally, we can divide the development of the systems theory into three stages: (i) the theory of closed systems; (ii) the theory of open systems; and (iii) the theory of observing or self-referential systems (cf. Luhmann, 1995: 5-11). My

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considerations derive especially from the third and last stage of the development of systems theory.

Os sistemas pertencentes ao terceiro estágio de desenvolvimento da teoria dos sistemas citado pelo autor, os denominados sistemas que observam ou autorreferentes, são os sistemas autopoiéticos. Fabiana del Padre Tomé (2012, p. 50) aponta ainda algumas características inerentes a um sistema autopoiético, a saber: ele é autônomo em relação a seu ambiente, sendo capaz de subordinar quaisquer mudanças de modo a manter sua auto-organização; ele é capaz de manter sua identidade, sabendo diferenciar-se do seu ambiente (o sistema autopoiético é capaz de observar a si mesmo e a seu ambiente, distinguindo uma coisa da outra); por fim, não recebe inputs ou envia outputs – trocas diretas de elementos –, ou seja, as irritações provocadas pelo ambiente não são capazes de modificá-lo imediatamente, pois o sistema autopoiético as processa de acordo com seus próprios critérios, realizando eventuais mudanças nos termos determinados por suas estruturas internas, por meio de mecanismos seletivos de filtragem a elas inerentes. Em função dessa capacidade de receber estímulos externos e processá-los conforme critérios particulares (código e programas que lhes são peculiares), diz-se que os sistemas autopoiéticos são operacionalmente fechados e cognitivamente abertos. Ao tratar da autopoiese dos sistemas, Marcelo Neves (2007, p. 136-137), referindo-se especificamente ao subsistema jurídico, afirma o seguinte:

Sendo assim, o sistema jurídico pode assimilar, de acordo com os seus próprios critérios, os fatores do ambiente, não sendo diretamente influenciado por esses fatores. A vigência jurídica das expectativas normativas não é determinada imediatamente por interesses econômicos, critérios políticos, representações éticas, nem mesmo por proposições

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científicas, pois depende de processos seletivos de filtragem conceitual no interior do sistema jurídico.

O fechamento operacional do sistema jurídico, entretanto, não deve ser confundido com uma incapacidade de relacionamento com o exterior. Com efeito, o outro lado da moeda da clausura operacional é, precisamente, a sua abertura cognitiva. A autopoiese não significa uma espécie de autismo do sistema, quer dizer, antes, que os estímulos externos serão processados de acordo com os procedimentos previstos no próprio sistema. É completamente equivocada a noção de que um sistema autopoiético não se relaciona com seu entorno. As formas de relação de um sistema com seu ambiente são um dos temas mais pesquisados no âmbito da teoria dos sistemas sociais. Luhmann (2004, p.382), seu pioneiro, estabeleceu o conceito de acoplamentos estruturais entre diferentes sistemas; Gunther Teubner (1989, p. 165), por seu turno, sugeriu, para além da noção de observação intersistêmica, a ideia de interferência intersistêmica; Marcelo Neves (2009), discípulo brasileiro de Luhmann, valeu-se do conceito de racionalidade transversal, que se estabeleceria na presença de acoplamentos estruturais, sendo, portanto, um plus. Reitere-se, enfim, que o fechamento operacional dos sistemas sociais não corresponde ao seu isolamento; ao contrário, a abertura cognitiva dos sistemas autopoiéticos constitui, na realidade, condição para seu fechamento operacional, afinal de contas, não faria sentido falar em internalização de estímulos ambientais mediante critérios próprios caso o sistema fosse completamente alheio ao seu meio envolvente.

1.2. Elementos da teoria dos signos: semiose e dimensões da semiótica

A teoria dos signos é especialmente interessante para que se possa conhecer corretamente o modelo descritivo da fenomenologia da incidência tributária defendido no presente

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trabalho. Ela teria surgido, segundo nos informa Luís Alberto Warat (1995, p. 11), quase que simultaneamente, como resultado dos estudos dos linguistas contemporâneos acerca da linguagem natural, de um lado, e dos lógicos-matemáticos acerca das linguagens artificiais, de outro. Essas foram as contribuições do linguista genebrino Ferdinand de Saussure e do lógico-matemático norte-americano Charles Sanders Pierce, que acabaram por sugerir a necessidade de criação de uma teoria geral dos signos. Aquele denominou a ciência dos signos de semiologia; este, de semiótica, sendo tais expressões sinônimas. Warat (1995, p. 11), conta-nos ainda o seguinte:

A curta história da ciência dos signos, contrariamente ao que podem pensar alguns ingênuos partidários de uma concepção ontológica da ciência, não se desenvolveu sem polêmicas e profundas crises em torno do seu objeto e fundamento. No seu estágio atual, ela ainda carece de categorias analíticas consistentes e apresenta estranhas incertezas em relação à linguística. O seu objeto central, o signo, mantem também uma ambígua e pouco clara relação com a significação.

Com efeito, uma das dificuldades ao se estudar a semiótica reside na confusão terminológica que se projeta sobre as suas principais categorias. Comecemos, então, por adotar uma conceituação do objeto da semiótica, o signo. Para tanto, seguimos Paulo de Barros Carvalho, que se utiliza da terminologia husserliana (2011b, p. 34-35): “Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação [...]”. O suporte físico do signo, na linguagem escrita, são as marcas impressas sob o papel; na linguagem falada, as ondas sonoras produzidas pelas cordas vocais. Esse suporte

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físico refere-se a algo do mundo exterior ou interior, real ou imaginário; este é o significado. A significação, por sua vez, é a noção ou ideia que o suporte físico suscita em nossa mente.

Valendo-se de um exemplo simplório: determinado sujeito poderia escrever a palavra “manga” sob uma folha de papel; aqui temos o suporte físico. Esse sujeito poderia ter escrito essa palavra com o intuito de se referir a uma fruta; a esse objeto, chamados de significado. A noção que a leitura da palavra “manga” desperta em nossa mente, por seu turno, corresponde à significação. É interessante mencionar que o mesmo suporte físico formado pela palavra “manga” poderia despertar significações diferentes – uma parte de peça de vestuário que cobre o braço, ou a já referida fruta. O inverso também é possível: às vezes, a mesma significação está atrelada a signos distintos, trata-se da sinonímia. Deve-se reter a noção de que o signo, segundo o modelo aqui adotado, é uma representação triádica; sendo pertinente falar em um verdadeiro triângulo semiótico, no qual cada um dos vértices é ocupado por um desses elementos: suporte físico, significado e significação. Esse efeito gerador de sentido despertado pelos signos chama-se semiose ou processo semiótico (ARAUJO, 2011, p. 165).

A atenção à terminologia aqui adota é importante para que sejam evitados mal entendidos. Conforme já aludido, os grandes pesquisadores da semiótica atribuem os mais diversos vocábulos aos vértices do triângulo semiótico. A título ilustrativo, Clarice von Oertzen de Araujo (2011, p. 164) nos informa as seguintes nomenclaturas, correspondentes, respectivamente, ao suporte físico, significado e significante: signo, significado e interpretante, em Pierce; veículo sígnico, denotatum e designatum ousignificatum, em Morris; significante, referente e significado, em Umberto Eco.

Tendo em vista os objetivos pretendidos na presente pesquisa, é igualmente importante que se estude a divisão que

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usualmente se faz da ciência da semiótica em três distintos aspectos, dimensões ou partes. A esse respeito, leia-se Luís Alberto Warat (1995, p. 39):

O signo, assim caracterizado, pode ser estudado sob três pontos de vista, atendendo ao fato de que pode ser considerado como elemento que mantém três tipos de vinculações: com outros signos; com objetos que designa; com os homens que o usam. A primeira vinculação é chamada de sintaxe; a segunda, semântica; a terceira, pragmática.

A sintaxe, portanto, estuda as relações dos signos entre si, independentemente dos seus usuários ou dos objetos a que se referem. A semântica diz respeito às relações entre os signos e os objetos aos quais se referem, ou seja, ao seu significado. Por fim, a pragmática é a parte da semiótica que estuda as relações entre os signos e os seus usuários, os seus utentes. Alguns aspectos dessas dimensões da semiótica são particularmente interessantes para a correta compreensão da fenomenologia da incidência normativa, incluindo-se aqui, evidentemente, a incidência de normas tributárias.

Um primeiro aspecto diz respeito às características sintáticas e semânticas dos signos integrantes do ordenamento jurídico – obviamente, dado o seu caráter textual, o direito não foge ao domínio da semiótica. Assim, do ponto de vista sintático, temos que as estruturas normativas são invariáveis, apresentando uma forma fixa. Com efeito, as normas jurídicas apresentam sempre uma estrutura hipotética condicional bi proposicional com as seguintes feições: uma proposição anterior que descreve determinado acontecimento (hipótese normativa) conectada a uma proposição posterior, que prescreve determinado comportamento modalizado na forma de obrigação, proibição ou permissão. A esse respeito, veja-se Clarice von Oertzen de Araújo (2011, p. 167-168).

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Se a estrutura sintática das normas jurídicas é sempre a mesma, o mesmo não se pode dizer de seu aspecto semântico. As hipóteses normativas e os comportamentos prescritos nas normas jurídicas variarão conforme desejar o legislador. Nesse sentido, compartilhamos da premissa adotada por Paulo de Barros Carvalho (2010, p. 157) segundo a qual o direito é sintaticamente homogêneo e semanticamente heterogêneo. Em outros termos, é sintaticamente fechado e semanticamente aberto. Nesse ponto, é possível estabelecer um link com a teoria dos sistemas sociais de Luhmann. A assertiva de que o direito é sintaticamente fechado e semanticamente aberto reforça perfeitamente a noção luhmanniana de fechamento operacional e abertura cognitiva. O direito é aberto a estímulos do seu ambiente, mas os processa conforme critérios próprios, v.g: o sistema político pode provocar irritações e estímulos que levem à alteração do conteúdo de determinada norma jurídica (abertura cognitiva, heterogeneidade semântica), contudo, tal alteração será possível apenas se processada conforme os critérios próprios previstos pelo sistema jurídico, a exemplo do processo legislativo tal qual previsto na Constituição (clausura operacional, homogeneidade sintática).

Outro aspecto que nos interessa relaciona-se indiretamente com a dimensão semântica da semiótica. Trata-se dos conceitos de conotação e denotação. Segundo nos ensina Tácio Lacerda Gama (2011, p. XLVI-XLVII), conotação é o conjunto de atributos que permitem separar um conceito de outro; denotação é o conjunto de objetos que se ajustam ao sentido de um conceito. As definições conotativas são chamadas de intencionais; as denotativas, de extensionais. Por exemplo, caso se diga que os ramos da dogmática jurídica diferenciam-se entre si conforme a porção do direito positivo que tenham como objeto de estudo, estar-se-á diante de uma definição conotativa; caso se diga que direito tributário, direito constitucional e direito administrativo são ramos da dogmática jurídica, estar-se-á realizando uma definição denotativa.

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Tal distinção será extremamente relevante para que se compreendam os mecanismos subjacentes à aplicação das normas jurídicas gerais e abstratas aos casos concretos, aplicação esta que se traduz na própria incidência normativa, conforme será visto adiante.

2. DE COMO A CONTABILIDADE ATUA NA INCIDÊNCIA DA

NORMA JURÍDICO TRIBUTÁRIA Neste item, firmados nas premissas teóricas

anteriormente estabelecidas, procuraremos descrever a fenomenologia da incidência das normas jurídico tributárias, bem como demonstrar de que forma o saber contábil atua nesse processo. Aqui, o enfoque zetético subsistirá, tendo em vista que serão analisadas ainda algumas categorias da teoria geral do direito; todavia, a análise realizada também recairá sobre a dogmática jurídica, olhando para o direito constitucional, societário e, sobretudo, tributário. Para tanto, começar-se-á por explicar a estrutura lógica das normas tributárias gerais e abstratas em sentido estrito, nos moldes da proposta de Paulo de Barros Carvalho, chamada de regra-matriz de incidência tributária, doravante denominada RMIT. Em posse dessa noção, será possível explicar o mecanismo de incidência tributária, bem como o papel da contabilidade nesse quadro. Tudo isso à luz de dispositivos constitucionais, da legislação societária e tributária.

2.1. A norma tributária em sentido estrito: a regra-matriz de incidência e seus critérios

A definição do conceito de regra-matriz de incidência tributária requer uma breve incursão sobre as normas que gravitam no campo do direito tributário. Recordemos, primeiramente, que o direito tributário é o ramo do direito positivo que cuida da instituição,

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arrecadação, fiscalização e cobrança dos tributos. Desse modo, interessam ao estudo do direito tributário desde as normas insertas no texto constitucional que delimitam as competências impositivas dos entes políticos, passando por aquelas responsáveis pela instituição das figuras tributárias, até aquelas responsáveis à sua operacionalização, que tratam, por exemplo, do lançamento, deveres instrumentais, recolhimento etc.

Seguindo essa linha de raciocínio, Paulo de Barros Carvalho faz uma distinção entre normas tributárias em sentido estrito, que seriam aquelas que determinam a incidência do tributo, e normas tributárias em sentido amplo, todas as demais (2011a, p. 297). Nesse sentido, referido autor define, sumularmente, que a regra-matriz de incidência tributária é a norma tributária em sentido estrito (CARVALHO, 2010, p. 132). Trata-se da norma geral e abstrata – formada, destarte, por enunciados de cunho conotativo – que, em seu antecedente, colhe fatos de natureza econômica, identificando-os por meio de seus critérios material, temporal e espacial para, no seu consequente, estabelecer uma relação jurídica na qual o Estado (sujeito ativo) tem o direito público subjetivo de exigir uma prestação pecuniária de determinado sujeito passivo. Mais do que isso, conforme leciona Rogério Salviano Alves (2013):

É regra-matriz de incidência porque é norma (regra), contendo apenas um mínimo de informações construídas em um processo lógico de abstração dos textos jurídicos legislados, necessárias à apreensão e aplicação, pelo intérprete, como um padrão (matriz) na construção das normas individuais e concretas. Operação esta realizada para uma melhor apreensão e controle de validade do conteúdo normativo legislado a ser aplicado (incidência) no seio da sociedade.

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Firmando-se na já referida homogeneidade sintática do sistema jurídico, Paulo de Barros Carvalho (2011b, 148-150) procura identificar os critérios que estarão presentes em todas as normas tributárias em sentido estrito. Dessa maneira, a RMIT possui um antecedente e um consequente. Naquele, estão os critérios que permitem identificar a ocorrência do fato jurídico tributário, trata-se da hipótese normativa; neste, estará prescrita a obrigação pecuniária consistente em pagar o tributo. No antecedente da RMIT, encontram-se os seguintes critérios: o material, que é formado por um verbo e um complemento, que se traduzem em determinado comportamento; encontram-se também os critérios espacial e temporal, que condicionarão as circunstâncias de espaço e de tempo para que se considere ocorrido o fato jurídico tributário. No consequente da RMIT, por seu turno, verificam-se os seguintes critérios: critério pessoal, formado pelo sujeito ativo e sujeito passivo da obrigação tributária principal; e critério quantitativo, produto da alíquota e da base de cálculo do tributo. Tais critérios serão preenchidos pelos dados previstos na legislação tributária, variando de tributo para tributo. Desse modo, o critério material do imposto sobre a renda não é o mesmo do imposto sobre serviços de qualquer natureza, por exemplo. Eis a heterogeneidade semântica do direito: embora a estrutura sintática da RMIT seja invariável, o conteúdo dos seus critérios pode ser saturado de tantas formas quanto preveja a legislação aplicável. Reitera-se, portanto, o fechamento operacional e a abertura cognitiva do sistema jurídico.

A título exemplificativo, tomemos o imposto sobre serviços de qualquer natureza, cuja competência para instituição é dos municípios, nos termos do art. 156, III da Constituição Federal. No âmbito da hipótese de sua regra-matriz, temos o seguinte critério material: prestar serviços de qualquer natureza, excetuando-se os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; o critério espacial será o território do município; o temporal, momento da prestação do serviço. O consequente da

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regra-matriz do imposto sobre serviços terá seus critérios preenchidos da seguinte forma: no critério pessoal, o sujeito ativo será o município, ao passo que o sujeito passivo será o prestador do serviço; no critério quantitativo, a base de cálculo será o valor da prestação do serviço, enquanto a alíquota será aquela prevista na legislação municipal do imposto, respeitados, obviamente, os parâmetros e limites constitucionais.

2.2 Fenomenologia da incidência tributária e a constituição dos fatos jurídicos mediante atividade probatória: dos enunciados conotativos aos denotativos

A incidência jurídica é um dos temas fundamentais da teoria geral do direito, tendo sua fenomenologia sido analisada sob inúmeras perspectivas. Destaca-se, dentre elas, a teoria da incidência jurídica de Pontes de Miranda, de índole determinista. Para este autor, a incidência ocorre de forma automática, tão logo verifiquem-se os pressupostos fáticos contidos na hipótese normativa. Clarice von Oertzen de Araujo (2011, p. 101) descreveu a teoria ponteana da incidência jurídica da seguinte maneira:

Desde que se configure o suporte fáctico suficiente e conforme a formulação da regra jurídica vigente, a incidência ocorre. Reiteradas vezes, a menção de uma alegoria que compara a incidência à ação de uma prancha de impressão revela-nos a adoção do paradigma mecanicista na formulação da teoria ponteana.

Essa perspectiva mecanicista, segundo a qual a incidência opera-se automaticamente diante da ocorrência do evento previsto no antecedente normativo, a nosso ver, não se afigura a explicação mais acurada para o fenômeno da incidência jurídica. A teoria de Pontes de Miranda, elaborada em princípios do século XX, acabou por não incorporar todos os desenvolvimentos

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observados na filosofia da linguagem nos anos subsequentes, bem como, evidentemente, os avanços da semiótica. Por essa razão, cremos que a melhor descrição dos mecanismos inerentes à incidência jurídica é aquela ligada ao construtivismo lógico-semântico de Paulo de Barros Carvalho. A proposta teórica deste autor, de fato, leva em conta as novas premissas da semiótica e da filosofia da linguagem, notadamente de pensadores como Vilém Flusser e Ludwig Witgenstein. A incidência jurídica, da forma aqui descrita, não ocorre de modo automático e infalível. Requer, antes de mais nada, a realização de uma operação de subsunção, de aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto, que se faz mediante o uso da linguagem que o próprio sistema jurídico considera competente para tanto. Para Barros Carvalho, a incidência jurídica realiza-se da seguinte maneira (2011b, p. 153):

Aquilo que se convencionou chamar de “incidência” é, no fundo, uma operação lógica entre conceitos conotativos (da norma geral e abstrata) e conceitos denotativos (da norma individual e concreta). É a relação entre o conceito da hipótese de auferir renda (conotação) e o conceito do fato de uma dada pessoa “A” auferir renda no tempo histórico e no espaço do convívio social (denotação). Exatamente porque se dá entre conceitos de extensão diversa, tal operação é conhecida como “inclusão de um elemento” (o fato protocolarmente identificado) na classe correspondente, expressa no enunciado conotativo da hipótese tributária. Utiliza-se também a palavra “subsunção” para fazer referência a esse processo do quadramento do fato na ambitude da norma. Tecnicamente, interessa sublinhar que a incidência requer, por um lado, a norma jurídica válida e vigente; por outro, a realização do evento

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juridicamente vertido em linguagem, que o sistema indique como própria e adequada.

Para que a norma jurídico tributária incida, portanto, faz-se mister que o intérprete realize a aplicação dos conceitos conotativos constantes na lei (norma geral e abstrata) ao caso concreto, situação na qual acabará por produzir uma norma individual e concreta, que carregará conceitos denotativos. O exemplo clássico é o do fiscal de tributos que, diante do caso concreto, efetua lançamento de ofício nos termos do art. 149, I do CTN. No ato administrativo de lançamento, deverá informar as circunstâncias concretas em que se deu a ocorrência da hipótese de incidência, o valor devido e o sujeito passivo (denotação), isso tudo em face do comando geral e abstrato contido na legislação tributária (conotação). O lançamento de oficio, no exemplo mencionado, é o ato administrativo que, na forma descrita no trecho supracitado, aplica norma jurídica válida e vigente diante da ocorrência de evento vertido em linguagem indicada pelo sistema como própria e adequada para tanto. A articulação desse evento em linguagem competente constitui o que se denomina fato. Convém, neste momento, realizar a distinção entre o que seja fato e evento.

O evento é uma ocorrência do mundo fenomênico que, quando relatada em linguagem competente que atesta sua veracidade, constitui-se em fato. Essa distinção foi inicialmente realizada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, tendo sido amplamente utilizada por Paulo de Barros Carvalho no desenvolvimento de sua explicação da fenomenologia da incidência jurídica. Assim, valendo-se de exemplo daquele autor, Barros Carvalho (2011b, p. 140) menciona que a travessia do Rubicão por César é um evento, mas “César atravessou o Rubicão” é um fato. O exemplo ilustra com clareza hialina a diferença entre fato e evento.

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A incidência, conforme já dito, opera-se mediante aplicação da norma jurídica ao caso concreto, uma operação de inclusão de classes na qual o evento, constituído em enunciado factual, de natureza denotativa, é incluso na classe conotativa representada no enunciado da norma geral e abstrata – no caso do direito tributário, estamos a falar da regra-matriz de incidência tributária. Desse modo, para que possa operacionalizar a incidência jurídica, o agente que emitirá o enunciado factual deverá atestar, em linguagem reconhecida pelo sistema jurídico como competente para tanto, a ocorrência do evento, precisando-lhe as características. Eis o significado da expressão “fato jurídico”. Com isso, podemos concluir que (CARVALHO, 2011b, p. 143):

(...) fatos jurídicos não são simplesmente os fatos do mundo social constituídos em linguagem de que nos servimos no dia a dia. Antes, são os enunciados proferidos em linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das provas.

A menção do autor à teoria das provas é oportuna. Com efeito, se o fato jurídico é uma articulação linguística que atesta como verdadeira a ocorrência do evento, faz-se mister que tal enunciado seja elaborado em conformidade com as regras da “linguagem jurídica”. Quando se trata de linguagem jurídica, o sistema dita que sejam os fatos jurídicos constituídos em acordo com a teoria das provas. Em monografia na qual trata do assunto, Fabia Del Padre Tomé é bastante clara quando afirma o seguinte (2012, p. 201-202):

Mediante atividade probatória compõe-se a prova, entendida como fato jurídico em sentido amplo, que é o relato em linguagem competente de evento supostamente acontecido no passado, para que, mediante a decisão do julgador, constitua-se o

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fato jurídico em sentido estrito, desencadeando os correspondentes efeitos.

Conclui-se, portanto, que é a própria atividade probatória, realizada em conformidade com as normas do sistema de direito positivo, que constitui o fato jurídico, mediante articulação em linguagem competente (jurídica) de enunciado atestador da ocorrência do evento. Desse modo, quando o fiscal de tributos aplica um auto de infração e imposição de multa, constitui o fato jurídico tributário previsto na legislação aplicável ao caso, o faz com arrimo em produção probatória que permita atestar a veracidade da ocorrência dos eventos que ensejaram a aplicação do auto de infração; transforma o evento em fato jurídico tributário, em outras palavras, opera a incidência da norma jurídico tributária. O mesmo se diga do sujeito passivo que constitui o crédito tributário segundo o procedimento previsto no art. 150 do CTN – lançamento por homologação –, por exemplo, a pessoa física quando entrega a declaração de ajuste anual do imposto de renda. A sua declaração será elaborada com fulcro em elementos probatórios que permitam a constituição do fato jurídico tributário. A contabilidade, muitas vezes, é fundamental no desempenho dessa atividade probatória.

Por fim, ainda dentro do tema da incidência jurídico tributária, convém registrar uma crítica à expressão “fato gerador”. Ela possui ampla ressonância doutrinária, sendo possível atribuir sua popularização, principalmente, a Amilcar de Araújo Falcão (2013) em clássica obra denominada “Fato Gerador da Obrigação Tributária”. A expressão, entretanto, é equívoca, na medida em que induz à confusão entre a previsão abstrata da hipótese de incidência da norma jurídico tributária em sentido estrito (antecedente da regra-matriz de incidência tributária) e o fato jurídico tributário. Ou seja, levando-se em conta a já citada operação de inclusão de classes na qual consiste a incidência jurídica, a expressão “fato gerador” acaba por miscigenar o gênero (classe conotativa

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referente ao enunciado suporte da norma geral e abstrata) com a espécie (fato jurídico tributário, expressado mediante enunciado factual que serve de suporte à norma individual e concreta). Em resumo, não se distingue a hipótese de incidência do fato jurídico tributário.

2.3 A contabilidade na interface entre os sistemas jurídico e econômico: princípio da capacidade contributiva e operacionalização da incidência da norma jurídico tributária no direito positivo brasileiro

A contabilidade pode ser definida como “uma ciência social que tem como objetivo o registro das informações econômico-financeiras de determinada entidade, apurando o seu patrimônio e respectivas variações no decorrer do tempo” (FREITAS, 2010, p. 420). Nesses termos, a contabilidade atua realizando o relato de fatos de índole econômica; fatos estes que muitas vezes encontram-se regulamentados pelo direito positivo em vários dos seus ramos, entre os quais, naturalmente, o direito tributário. Essas observações, de imediato, permitem-nos afirmar que o saber contábil atua estabelecendo uma interface entre o sistema jurídico e o sistema econômico, ambos subsistemas do sistema social, como já visto anteriormente. A uma conclusão semelhante chegou Jonathan Barros Vita (2011, p. 104):

A contabilidade é uma forma de memória econômica de uma empresa, é uma ciência que estuda as mutações patrimoniais, atuando como programa de propósito específico do sistema social econômico. [...] O direito internaliza, por sua vez, os resultados dessa comunicação econômica quando autorizado pelo sistema jurídico e por meio de suas próprias estruturas, a bem dizer, normalmente, enquanto fatos em sentido amplo ou como

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componentes linguísticos que conformarão a base de cálculo tributária.

Vale dizer, as técnicas e teorias da ciência contábil são incorporadas pelo direito de acordo com os critérios próprios do sistema jurídico – recordemos, novamente, a natureza do direito enquanto sistema autopoiético, operacionalmente fechado e cognitivamente aberto. Com isso, temos normas jurídicas que estabelecem procedimentos contábeis a serem observado pelos seus destinatários. No âmbito do direito societário, a contabilidade atua com vistas a prestar informações aos investidores acerca da situação econômico-financeira das sociedades empresárias. É o que se depreende da leitura do art. 176, caput da Lei n. 6.404/76 (Lei das S.A.) ao afirmar que as demonstrações contábeis que deverão ser elaboradas pelas sociedades anônimas ao fim de cada exercício social deverão “exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício”.

Quando se trata de direito tributário, por outro lado, a legislação tributária trará regras contábeis específicas para a apuração dos tributos. Será por meio das técnicas contábeis previstas nas normas tributárias que será possível estabelecer, primeiramente, a ocorrência do critério material previsto na regra-matriz de incidência tributária, assim como dimensionar a base de cálculo que informará o respectivo critério quantitativo. Aqui, cabem algumas considerações a respeito da relação entre o princípio da capacidade contributiva no direito tributário e o saber contábil. O princípio da capacidade contributiva, expresso no §1º do art. 145 da Constituição Federal[1], possui duas dimensões: uma objetiva, que se resume na circunstância de que o legislador deve eleger à categoria critério material da regra-matriz de incidência tributária de determinada exação apenas situações que ostentem conteúdo econômico, ou seja, a Constituição veda a criação de tributos cuja hipótese de incidência não implique um signo presuntivo de riqueza;

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e outra subjetiva, que diz respeito à noção de que o valor da obrigação pecuniária do sujeito passivo da obrigação tributária deve ser proporcional à dimensão econômica do evento (CARVALHO, 2011a, p. 216). Como é fácil deduzir, a contabilidade possui um papel central na determinação da substância econômica dos eventos passíveis de serem constituídos em fatos jurídicos tributários, bem como no dimensionamento de sua base de cálculo. Percebe-se, portanto, que a contabilidade é necessária à operacionalização do princípio da capacidade contributiva tanto em sua dimensão objetiva quanto subjetiva. Não é mera coincidência que autores que trabalham com direito tributário e com a teoria sistêmica de luhmann tenham concluído que o princípio da capacidade contributiva situa-se num ponto de relacionamento entre o sistema jurídico e o sistema econômico. Nesse sentido, veja-se Cristiano Rosa de Carvalho (2008, p. 263):

Portanto, o princípio da capacidade contributiva servirá como elemento calibrador desse acoplamento estrutural, de forma a evitar que (utilizando uma expressão da Cibernética) o direito cause excessivo “ruído” na economia, o que poderia ocasionar instabilidades indesejadas. Considerando que ao direito tributário cabe justamente interferir no sistema econômico, e os efeitos decorrentes são a criação e o aumento dos custos de transação, é necessário que haja limitadores para isso.

Desse modo, enquanto mecanismo calibrador das influências do sistema jurídico sobre o sistema econômico mediante atuação do subdomínio do direito tributário, o princípio da capacidade contributiva age limitando/legitimando a apropriação da riqueza privada pelo Estado, e o faz com arrimo no uso de técnicas contábeis que permitam verificar a existência de substância econômica nos fatos imponíveis e dosar a dimensão da obrigação

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tributária por meio da quantificação da base de cálculo. Vê-se, novamente, a contabilidade atuando na interface entre o sistema jurídico e o econômico. O seu papel é o de traduzir os eventos que se passam no seio do subsistema econômico, as operações que lá são processadas mediante o uso do código binário ter/não ter, para que sejam compreendidas pelo sistema jurídico, que as operacionalizará fazendo uso do seu código binário (lícito/ilícito) e programas próprios. Faz-se, então, incidir a norma tributária em sentido estrito sobre o fato de natureza econômica nela previsto.

Aqui, retomamos o raciocínio exposto no subitem anterior ao descrever a fenomenologia da incidência tributária. Ocorrido determinado evento que encontre correspondência em norma tributária em sentido estrito (enunciado conotativo formador de norma tributária geral e abstrata), o intérprete, empregando as técnicas contábeis autorizadas pela legislação tributária – aqui, estamos a tratar da legislação tributária em sentido amplo, sobretudo, as normas que estabelecem obrigações acessórias –, verifica a natureza econômica do evento, dimensiona sua base de cálculo e constitui, ao fim, o crédito tributário por meio do realização do ato de lançamento (enunciado denotativo formador da norma tributária individual e concreta), realizando a incidência normativa. Os procedimentos específicos mediante os quais as técnicas contábeis são utilizadas na aplicação do direito tributário encontram-se descritos, normalmente, nas regras que estabelecem as chamadas obrigações tributárias acessórias, segundo a distinção prevista no art. 113, caput e §§1º e 2º do Código Tributário Nacional.[2] A linguagem tida pelo sistema jurídico como adequada para verter o evento com substância econômica em fato jurídico tributário é aquela constante no ato de lançamento, cuja atividade probatória necessária à sua configuração é realizada por meio da escrituração contábil. Como já foi dito, os fatos jurídicos são enunciados proferidos em linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das provas, sendo os

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livros e a escrituração contábil meios probatórios fartamente utilizados no direito tributário na aplicação de suas normas em sentido estrito, aquelas que determinam a incidência do tributo.

O exemplo mais elucidativo dentro do direito positivo brasileiro para que se compreenda o que foi descrito até aqui, em termos do papel da contabilidade na fenomenologia da incidência tributária, indubitavelmente, encontra-se na espécie tributária do imposto sobre a renda. De todos os tributos previstos em nosso ordenamento jurídico, em razão de suas múltiplas conexões com o direito societário, ele é o que de forma mais pormenorizada e abundante emprega técnicas contábeis na verificação da ocorrência de sua materialidade e na determinação de sua base de cálculo. Com efeito, o art. 7º, caput do Decreto-Lei n. 1.598/77, ao tratar sobre o imposto sobre a renda das pessoas jurídicas apurado na modalidade de lucro real, dispõe que a base de cálculo desse tributo será apurada com base na escrituração que o contribuinte deve manter com observância das leis comerciais e fiscais. Deverá também o contribuinte, segundo o teor do art. 8º, I do mesmo diploma legislativo, em adição aos demais registros requeridos pela legislação societária e tributária, escriturar o livro de apuração do lucro real, comumente chamado de LALUR. Nele, serão feitas as adições, exclusões e compensações ao lucro líquido do exercício autorizadas pela legislação tributária.

CONCLUSÕES Procurou-se, ao longo desta exposição, demonstrar a

atuação da contabilidade na fenomenologia da incidência tributária. Nesse diapasão, foram alcançadas diversas conclusões, algumas delas referentes a pressupostos teóricos com os quais se trabalhou para analisar o objeto de estudo; outras referentes ao cerne do estudo. Desse modo, começou-se por uma abordagem teórica privilegiando um enfoque zetético à investigação científica aqui

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realizada para, posteriormente, privilegiar-se também um enfoque dogmático, sobretudo em relação ao direito constitucional, societário e tributário.

No âmbito zetético, a começar pela teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhamann, foi visto que esse autor aplicou a teoria sistêmica na formulação da sua concepção de sociedade. Os sistemas são caracterizados pelo princípio da diferenciação, podendo-se definir um sistema como a diferença entre o sistema e seu ambiente. A sociedade seria um sistema que se caracteriza pela realização de operações denominadas comunicações, sendo que tal sistema divide-se em subsistemas: a economia, política, direito etc. Os sistemas diferenciam-se de seu ambiente mediante aplicação de um código-binário específico: comunicação/não comunicação, para a sociedade; lícito/ilícito, para o direito; ter/não ter, para a economia, e assim por diante. Os sistemas sociais, incluindo-se o direito, são autopoiéticos, geram seus elementos a partir de si mesmos, o que implica fechamento operacional. A autopoiese, entretanto, não é sinônimo de isolamento: os sistemas autopoiéticos são operacionalmente fechados e cognitivamente abertos. Relacionam-se entre si, mas mantém sua estrutura operacional sempre inalterável.

Em seguida, no estudo da semiótica, adotou-se uma concepção triádica do signo, nos moldes propostos por Husserl. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação. Esse suporte físico refere-se a algo do mundo exterior ou interior, real ou imaginário; este é o significado. A significação, por sua vez, é a noção ou ideia que o suporte físico suscita em nossa mente. Viu-se, também, que a semiótica divide-se em três partes: sintática, semântica e pragmática. Tais partes da semiótica, ou dimensões, estudam, respectivamente, as relações que os signos mantém com outros signos, com os objetos que designam e com os usuários. Em relação ao ordenamento jurídico, viu-se que

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ele é sintaticamente fechado e semanticamente aberto, característica que reitera sua natureza de sistema autopoiético (operacionalmente fechado e cognitivamente aberto). Estudou-se, ainda, os conceitos de conotação e denotação. Conotação é o conjunto de atributos que permitem separar um conceito de outro; denotação é o conjunto de objetos que se ajustam ao sentido de um conceito.

Posteriormente, embora o enfoque zetético seja ainda mantido, posto que foram estabelecidos alguns fundamentos para que se compreenda o funcionamento da incidência normativa, as categorias da dogmática começaram a ser ventiladas. A começar pela estrutura da norma geral e abstrata que determina a incidência dos tributos: a regra-matriz de incidência tributária. Ela divide-se em antecedente e consequente. Aquele é formado pelos critérios material, temporal e espacial; este, pelo pessoal e quantitativo. Os enunciados linguísticos que compõem a RMIT são de cunho conotativo.

Feitas tais considerações, realizou-se o estudo da incidência tributária propriamente dita. A incidência não se dá de modo automático, tão logo realizem-se os pressupostos fáticos da hipótese normativa. Ela requer que a realização da aplicação da norma jurídica ao caso concreto, uma operação de inclusão de classes na qual o evento, constituído em enunciado factual, de natureza denotativa, é incluso na classe conotativa representada no enunciado da norma geral e abstrata – no caso do direito tributário, estamos a falar da regra-matriz de incidência tributária. Trata-se da operação que constitui o fato jurídico tributário.

Nesse contexto, o saber contábil atua estabelecendo uma interface entre o sistema jurídico e o sistema econômico, traduzindo para os códigos e programas jurídicos os eventos econômicos observados pelo sistema jurídico por meio do direito tributário (fechamento operativo e abertura cognitiva). A contabilidade age na

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determinação da substância econômica dos eventos passíveis de serem constituídos em fatos jurídicos tributários, bem como no dimensionamento de sua base de cálculo, a qual dará origem à obrigação tributária de cunho pecuniário deles decorrentes: ou seja, operacionaliza o princípio da capacidade contributiva tanto em sua dimensão objetiva quanto subjetiva. Conclui-se, enfim, que a linguagem tida pelo sistema jurídico como adequada para verter o evento com substância econômica em fato jurídico tributário é aquela constante no ato de lançamento, cuja atividade probatória necessária à sua configuração é realizada por meio da escrituração contábil realizada em atendimento à legislação tributária que estabelece as obrigações acessórias.

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WARAT, Luís Alberto. O direito e sua linguagem. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.

NOTAS:

[1] Eis o texto do dispositivo citado: “§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração

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tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

[2] Eis o texto dos referidos dispositivos: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.”

VISÃO SISTEMÁTICA DA TERCEIRIZAÇÃO: FUNDAMENTOS, REQUISITOS, RESPONSABILIDADES E MEDIDAS ACAUTELATÓRIAS PARA EVITAR A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

GUSTAVO AFONSO GONÇALVES: Advogado (2011- 2015). Graduado em Direito pela UFPB (2005-2010).. Ex-assessor do Procurador Geral do Estado da Paraíba (2015). Atualmente, é Oficial de Justiça, no TJPE. Autor do Livro "A PARTICIPAÇÃO JUDICIAL NA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS". 1ª ed. João Pessoa: Editora Idea, 2014. Aprovado dos concursos: Procurador da Assembléia Legislativa da Paraíba- 14º Lugar; Procurador do Município de Recife- 56º Lugar; Analista Judiciário-Execução de Mandados-Tribunal Regional Federal-5 Região- 26º Lugar, entre outros;

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SUMÁRIO 1. Introdução 2. Fundamentação da terceirização: princípio da

eficiência 3. A insuficiência de normas sobre terceirização no Poder Público

e os seus limites 4. Responsabilidade primária, subsidiária e solidária. 5.

Responsabilidade da Administração Pública por créditos trabalhistas:

excepcionalidade. 6. Cautelas da Administração para evitar a

responsabilidade subsidiária. 7. Conclusão. Referências.

1.Introdução

À luz do art.37, caput, da Constituição Federal, a Administração Pública deve ser guiada pelo princípio da eficiência. Em sintonia com esse mandamento nuclear, o Poder Público incorporou, para si, o fenômeno da terceirização.

Ocorre que não é a mera triangularização jurídica envolvendo tomador, prestador e trabalhador que irá garantir o sucesso desse sistema. Ao contrário, a opção pela terceirização, sem planejamento, pode ocasionar maiores problemas do que soluções, caso os direitos dos trabalhadores não sejam respeitados pelas empresas contratadas, o que desaguará em milhares de ações judiciais repercutindo também sobre a Administração.

A finalidade do presente artigo é buscar elaborar uma visão sistemática do tema, destacando a importância do modelo da terceirização na busca pela administração de resultados, estabelecendo os seus requisitos de validade e as formas de precauções que deve ter o administrador a fim de rechaçar a responsabilidade subsidiária.

2. Fundamentação da terceirização: princípio da eficiência

Conforme a doutrina especializada[1][i], a terceirização apresenta-se como fenômeno típico do mercado globalizado e altamente competitivo, que aparece, em diferente intensidade, em quase todo mundo moderno.

Superficialmente, é a transferência de serviços a uma empresa especializada. O objetivo desta prática é fazer com que a

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tomadora do serviço concentre seus esforços em atividade que pertence, finalisticamente, ao seu desiderato, desincumbindo-se das atividades auxiliares, para que possa tornar-se mais eficiente, reduzindo, assim, seus custos de produção e aumentando seus lucros.

O intuito do instituto é, em suma, aumentar o foco na atividade empresarial desenvolvida teleologicamente pela empresa contratante, que procura aumentar sua especialização, com objetivo de aperfeiçoar seus resultados. Para tanto, flexibiliza seus recursos produtivos, delegando tarefas a outras empresas que poderão executá-las com maior agilidade.

Numa palavra: o fenômeno da terceirização busca resultados com maior eficiência.

Com fulcro nesse olhar, é que ela foi transportada para o setor público, em meados da década de 1960, mediante a edição do Decreto-Lei n. 200/1967[ii][iii], que no § 7°, do art. 10, previa a transferência de serviços operacionais a terceiros. Neste sentido:

Decreto-Lei 200/1967: Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. (...) § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Andou bem o legislador, eis que, ao invés de envidar esforços em atividades de apoio administrativo (“atividades-meio”, ou seja, aquelas atividades que não tratam do objeto-fim específico do serviço público, como limpeza, segurança, manutenção, etc), a

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máquina pública concentra-se apenas em seu desiderato institucional.

É dizer: quando a Administração realiza a terceirização, ela envida seus esforços nas atividades principais de sua competência, desincumbindo-se daquelas meramente de apoio, evitando, assim, o crescimento descontrolado da máquina pública, com a importância de promover economicidade e melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis[iv].

Esse atuar vai ao encontro da chamada “Administração Gerencial”, que se apresenta como “uma nova forma de gestão da coisa pública, mais compatível com os avanços tecnológicos, mais ágil, mais descentralizada, mais voltada para o controle dos resultados do que o controle dos procedimentos”[v].

A eficiência é o critério central para que se legitime qualquer atuação administrativa, sempre na busca da otimização da produção, na melhor ponderação entre custos e benefícios, no uso racional dos recursos humanos, e da redução da máquina pública.

Portanto, a terceirização encontra fundamento no princípio da eficiência administrativa, expressamente previsto no art. 37 CF/88, segundo o qual se exige dos gestores públicos não apenas a utilização dos meios legais para a realização de sua competência institucional, mas que sejam utilizados os melhores meios legais para atingir tal desiderato, tendo como norte a perfeição, a presteza e o rendimento funcional.

3. A insuficiência de normas sobre terceirização no Poder Público e os seus limites

Cada ente federal possui autonomia constitucional para promover sua organização administrativa e, nesse contexto, delimitar quais atividades serão objeto de terceirização de suas pessoas de direito público.

Ocorre que ainda não existe, de forma completa, um diploma normativo que discipline as regras sobre terceirização. É sabido que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 4330/04, que regulamenta a terceirização tanto no setor privado quanto no setor

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público, inclusive com proposta de sua implementação na atividade fim[vi] das empresas privadas e nas pessoas de direito privado da Administração.

Como ainda não houve o término do processo legislativo em comento, não se vai aqui discorrer sobre ele.

De qualquer modo, a legislação que regulamenta, ainda que de modo insuficiente, a terceirização, no âmbito da União, é o Decreto Federal n°. 2.271/97. A regulamentação dos demais entes será feita pelas regras estatais, distritais e municipais, nos limites de suas competências constitucionais.

O artigo 37, XXI, da Constituição Federal trata sobre o processo de licitação para contratação de serviços. A União editou a Lei 8.666/93 para regulamentar tal inciso. Assim, o artigo 6°, II, da referida Lei de Licitações conceitua serviços, que serão objetos da terceirização, como

[...] toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, vitais como, demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico profissionais.

O serviço objeto de contratação pela Administração Pública da União deverá ser de utilidade para a Administração, devendo-se afastar o processo de desestatização e a mera contratação de mão-de-obra.

O rol exemplificativo trazido pela norma permite a extração de características comuns. Todas as atividades descritas no inciso são instrumentais, de apoio administrativo e não burocráticas, ou seja, todas são atividades-meio (transitórias ou permanentes).

Atualmente, não é possível a terceirização em atividade-fim[vii] (burocrática) da Administração, ou seja, não poderá ser objeto do contrato de prestação de serviço aquelas atividades que

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estão inseridas na cadeia operacional produtiva permanente de competência do órgão público.

Aliás, o Decreto Federal 2.271/97 é bastante claro neste sentido. Senão vejamos:

Decreto 2.271/97.

Art. 1. No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

A partir daí, tem-se, como primeira limitação à Administração Pública para a realização da terceirização: não é possível terceirizar atividade-fim. E mais: como o poder público está submetido ao regime jurídico administrativo, é necessário que tais contratações nas atividades meios sejam submetidas ao devido procedimento licitatório, à luz do art. 37, XXI, da CF/88.

A segunda limitação diz respeito a ausência de subordinação que deve existir entre o tomador do serviço (Administração) e o empregado da empresa terceirizada.

Explicando melhor[viii]: na estrutura da terceirização do setor público, temos três participes: trabalhador, prestador (empregador do trabalhador) e tomador (Poder Público), que foram duas relações jurídicas distintas.

Uma delas ocorre entre o tomador e o prestador, mediante contrato administrativo; a outra se dá entre o prestador e o trabalhador, onde se forma o clássico contrato de emprego.

Percebe-se, pois, que inexiste relação jurídica entre o Poder Público e o trabalhador encarregado de prestar os serviços da atividade meio.

Assim, a prestadora de serviços deve colocar um preposto no âmbito da tomadora de serviços encarregado de dirigir e fiscalizar a

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prestação de serviços de seus empregados à tomadora. A prestadora detém o poder de comando e os seus empregados são a ela subordinados. Não se admite que a tomadora detenha essa posição.

A terceira e última limitação, cinge-se a ausência de pessoalidade. É que na terceirização, pouco importa ao tomador as características pessoais do trabalhador que irá prestar as atividades. O importante é que o trabalho seja desenvolvido, sendo irrelevante quem o realiza.

Assim, caso haja a presença da subordinação ou pessoalidade na relação entre o Poder Público e o trabalhador, estar-se-á perante uma terceirização ilícita, o que gerará repercussões para Administração, a ser demonstrada adiante.

4. Responsabilidade Primária, Subsidiária e Solidária.

Responsabilidade primária é aquela que é imposta diretamente à pessoa jurídica ou física a que pertence o sujeito que ocasionou o dano. Por outro lado, responsabilidade subsidiária se verifica quando o responsável primário não possui condições para lograr reparação dos danos por ele provocados, havendo, nesse particular, descolamento da responsabilização para o garante secundário.

No que concerne ao Estado, a responsabilidade será primária quando o dano for causado por um dos seus órgãos ou agentes, devendo ser acionada a pessoa jurídica estatal vinculada ao agente ou órgão provocador do dano.

A responsabilidade será subsidiária quando a conduta lesiva for praticada por pessoas da Administração Indireta, por pessoas prestadoras de serviços públicos por delegação, como também por empresas que realizam obras e serviços públicos mediante contratos administrativos.

Nesses casos, a responsabilidade principal ou primária deve ser imputada a pessoa jurídica a que se vincula o autor da lesão. Porém, muito embora a impossibilidade de imputação de

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responsabilidade principal ao Estado, ele poderá ser acionado de forma subsidiária, quando o responsável primário não possuir solvência econômica suficiente para a reparação do prejuízo causado.

Na responsabilidade subsidiária, a obrigação apenas será transmitida ao garante secundário, se o responsável principal estiver em situação de insolvência. O devedor subsidiário poderá exigir que os bens do devedor primário sejam executados com preferência em relação aos seus.

Com efeito, existirá responsabilidade solidária quando houver pluralidade de sujeitos no pólo passivo da relação (correspondência horizontal), podendo se exigir a totalidade dos créditos a qualquer dos devedores, como se fossem um único.

Como se vê, ela difere da responsabilidade subsidiária, em que o lesado deve exigir a satisfação de seu crédito prioritariamente ao devedor principal, para só depois poder acionar o devedor subsidiário.

Ocorre, enfim, responsabilidade solidária quando a Administração concorre, por negligência ou por omissão administrativa, com a pessoa causadora do dano. Pode, nesse caso, ser demandada em conjunto com o agente causador do dano.

5. Responsabilidade da Administração Pública por créditos trabalhistas: excepcionalidade.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem caminhado no sentido de que o inadimplemento dos encargos trabalhistas aos obreiros terceirizados, por parte do prestador de serviços, não transfere ao Poder Público a responsabilidade pelo pagamento dessas verbas, salvo na excepcionalidade de ter a Administração atuado com culpa na escolha da empresa prestadora do serviço (culpa in eligiendo) ou na fiscalização do contrato (culpa in vigilando).

Pela importância do julgado que firmou esse entendimento, transcreve-se o teor de sua ementa:

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EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, §1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (STF, ADC 16. Min.

Com efeito, se houver o inadimplemento das verbas trabalhistas ocorridos na relação entre a empresa prestadora de serviços e seus empregados, durante a terceirização, esse fato não implicará, automaticamente, a responsabilidade para o setor público.

Alguns argumentos fundamentam esse entendimento:

(a) Não existe ingerência do Poder Público no contrato do prestador com seu obreiro;

(b) O Estado só pode ser responsabilizado quando é o próprio empregador inadimplente, diretamente vinculado ao trabalhador. É dizer: o risco do empreendimento é de quem conduz a atividade, ou seja, é do empregador prestador (artigo 2 ° CLT) e não do tomador de serviços;

(c) A imputação da responsabilidade à Administração vai de encontro à própria lógica de economicidade e eficiência que autoriza a terceirização no serviço público. Atribuir responsabilização ao ente estatal pelo mero inadimplemento do

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prestador, onera o tomador duplamente, além do dever de adimplir a obrigação contratual com o prestador, deverá solver os débitos trabalhistas que vinculam o terceirizado a empresa contratada e

(d) Em termos de responsabilidade civil perante o Estado, a teoria que prevalece é a do risco criado (risco administrativo), ou seja, não basta a comprovação do dano para que haja a responsabilização do poder público, sendo devido, ainda, a comprovação de conduta apta a ensejá-lo (nexo causal).

Indo ao encontro do que decidido pelo STF, na ADC 16/DF, o Tribunal Superior do Trabalho ajustou o inciso V, da Súmula 331, que passou a ter o seguinte teor:

Súmula 331:

(...)

V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

A partir do exposto, verifica-se que, de modo geral, a responsabilidade pelas verbas trabalhistas recairá perante a empresa prestadora dos serviços que contratou o trabalhador.

Excepcionalmente, ocorrerá aresponsabilização do ente público tomador de serviços diante de sua omissão na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço, desde a fase licitatória até o término do contrato administrativo.

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Mas, mesmo assim, é preciso demonstrar a culpa do Poder Público (responsabilidade subjetiva), o que impossibilita, de pronto, a possibilidade de existir responsabilidade objetiva em face da Administração.

Por fim, um alerta: o tema a respeito da responsabilidade subsidiária dos entes públicos na terceirização ainda não está completamente pacificado, haja vista que pende, no STF, análise da Repercussão Geral n. 246 (RE 760931, Min Rosa Weber), que irá decidir definitivamente a respeito dele, nos casos que não houve registro algum sobre culpa; em que esta foi presumida ou nas quais se adotou a tese da responsabilidade objetiva.

Conforme a Excelsa Corte, muito embora o julgamento da ADC 16/DF tenha ocorrido em data posterior ao reconhecimento da Repercussão Geral em comento, não há que se falar em prejudicialidade. À título de ilustração:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. SUPERVENIENTEJULGAMENTO DE PROCESSO OBJETIVO. EFEITOS.

1. No atual estado da jurisprudência, o reconhecimento da repercussão geral de determinada questão não é prejudicado nem tem seu julgamento concluído pela superveniente apreciação de processo objetivo sobre a mesma questão.

2. Nessa linha, à primeira vista, o julgamento da ADC 16 não implicou conclusão de mérito parcial do tema 246 da repercussão geral, devendo o Tribunal de origem manter o sobrestamento dos recursos extraordinários sobre a questão até apreciação do respectivo paradigma pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

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3. Medida liminar deferida. (MC Rcl 19907 DF - DISTRITO FEDERAL, Min. Luís Roberto Barroso, Dje 26/03/2015)

Nessa senda, é preciso aguardar o pronunciamento da Corte Maior, porque a partir dele, todos os outros processos sobrestados serão julgados de acordo com o novo entendimento.

6. Cautelas da Administração para evitar a responsabilidade subsidiária

Em que pese seja a responsabilidade da Administração excepcional e subsidiária, o fato é que há muitas decisões no âmbito trabalhista aplicando a responsabilização automática ao poder público, sob o fundamento genérico de que houve culpa in vigilando ou culpa in elegendo. Pior: exigindo-se do Poder Público a comprovação de que ele não se omitiu no seu dever de fiscalização.

A fim de evitar futuras condenações, o administrador deve procurar seguir algumas medidas acautelatórias.

Inicialmente, é preciso que a precaução já ocorra durante o procedimento licitatório. Com efeito, é sabido que no setor público, em regra, as obras, os serviços, as compras e as alienações devem ser contratados mediante processo de licitação pública no qual se assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento e exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, XXI, da CF).

Assim, cabe à Administração Pública, ao contratar prestadores de serviços para a realização da terceirização na licitação, exigir, com fulcro no art. 27, IV c/c art.29, IV e V, da Lei 8666/93, prova da habilitação trabalhista consubstanciada na regularidade do FGTS e na Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT).

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Com as referidas exigências, reduz-se ou mesmo afasta-se eventuais condenações subsidiárias da administração pública, repelindo-se a idéia de culpa in eligiendo.

Na fase contratual, de igual forma, deverá o poder público permanecer vigilante durante a execução do contrato, a fim de evitar a culpa in vigilando.

Para isso, é preciso sublinhar, em breves linhas, três medidas que deve ser utilizadas pelo Poder Público para preservar as condições financeiras do prestador (Lei 8666/93, art.27, III).

Destaca-se, inicialmente, a exigência de garantia do contratado (caução em dinheiro ou títulos da dívida pública; seguro garantia e fiança-bancária), previsto no artigo 56 da Lei 8666/93[ix].

Esta garantia se reveste como umas das prerrogativas (cláusulas exorbitantes) que a Administração possui para assegurar a adequada execução do contrato, na hipótese de o prestador de serviços (empresa contratada) perder as condições de solvência no adimplemento de suas obrigações, inclusive as trabalhistas.

Para melhor acautelar os direitos do Poder Público e dos trabalhadores terceirizados, outra garantia diz respeito ao instituto da conta vinculada, previsto no art. 19-A, caput e inc. I, da Instrução Normativa nº 02/2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - SLTI/MPOG.

Definindo os contornos do referido instituto, assim pronunciou-se o parecerista da Advocacia da União[x]:

“(...) a conta vinculada não equivale a um fundo de reserva e, por conseguinte, não representa uma garantia imprevista na legislação, o que a tornaria ineludivelmente inexigível, mas uma forma diferenciada de pagamento, na qual os valores que se destinam ao pagamento de décimo- terceiro salário, férias e rescisão contratual aos trabalhadores

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terceirizados são separados pelo ente público contratante dos valores de outras verbas trabalhistas e depositados' em uma conta bancária distinta, que só poderá ser movimentada pela empresa contratada quando "da ocorrência dos eventos previstos nas alíneas a e b do inciso I do art. 19-A, acima transcrito.”

Com efeito, trata-se de excelente ferramenta que tem caráter dúplice: um de cunho social, resguardando as verbas alimentícias dos trabalhadores terceirizados; outro de proteção ao erário, porque rechaça qualquer conduta omissiva por parte do Poder Público.

Por fim, como terceira medida acautelatória, tem-se o pagamento direto, que ocorre diante do inadimplemento de verbas rescisórias após 2 meses do encerramento da vigência do contrato. Inteligência do art.19-A, IV, da Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 2/2008. Eis o seu teor:

Art. 19-A. O edital deverá conter ainda as seguintes regras para a garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013):

IV - a obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a reter, a qualquer tempo, a garantia na forma prevista na alínea “k” do inciso XIX do art. 19 desta Instrução Normativa; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013).

Art. 19. Os instrumentos convocatórios devem o conter o disposto no art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, indicando ainda, quando couber:

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XIX - exigência de garantia de execução do contrato, nos moldes do art. 56 da Lei no 8.666, de 1993, com validade durante a execução do contrato e 3 (três) meses após o término da vigência contratual, devendo ser renovada a cada prorrogação, observados ainda os seguintes requisitos: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)

k) deverá haver previsão expressa no contrato e seus aditivos de que a garantia prevista no inciso XIX deste artigo somente será liberada ante a comprovação de que a empresa pagou todas as verbas rescisórias trabalhistas decorrentes da contratação, e que, caso esse pagamento não ocorra até o fim do segundo mês após o encerramento da vigência contratual, a garantia será utilizada para o pagamento dessas verbas trabalhistas, conforme estabelecido no art. 19-A, inciso IV, desta Instrução Normativa, observada a legislação que rege a matéria.(Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)

Mas para que seja realizado o pagamento direto, deve o poder público possuir a documentação necessária ao correto adimplemento das verbas trabalhistas do prestadores de mão de obra terceirizadas, o que deve ser feito com a cooperação da empresa prestadora.

Diante de falhas, inconsistências ou excessos da documentação fornecida pela contratada ou no caso de completa omissão, não resta outra opção senão ajuizar ação de consignação de pagamento, a ser movida na Justiça do Trabalho, conforme decidido recentemente pelo STJ[xi].

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Cumpre ressaltar que todos esses 3 formas de garantia estão previstas na IN IN/SLTI/MP Nº 02/2008 e em sintonia com o Acórdão nº 1214/2013 - TCU - Plenário, datado de 22/05/2013.

Portanto, embora com previsão expressa para a Administração Pública Federal, os institutos da conta vinculada e pagamento direto devem ser reproduzidos para os demais níveis federativos, a fim de não só evitar futuras ações na justiça do trabalhista em face do Poder Público, como também para salvaguardar os interesses dos trabalhadores.

7. Conclusão

Por todo o exposto, verifica-se a complexidade que rege o tema da terceirização.

Se é certo que a Administração Pública deve primar pelo princípio da eficiência no seu atuar, para obtenção de resultados, não menos certo é que esse agir requer também a observância de cautelas, tanto para a preservação do direitos do trabalhadores de mão de obra terceirizada, como para evitar responsabilização subsidiária do Poder Público, caso atue com omissão na fiscalização durante a licitação (culpa in eligiendo) ou no contrato administrativo (culpa in vigilando).

Diante do vácuo legislativo que rege o tema, coube aos tribunais (principalmente STF e TST) definir alguns requisitos para que a terceirização seja desenvolvida de forma lícita. Nesse contexto, teve protagonismo o julgado da ADC 16/DF, no qual a Excelsa Corte destacou a impossibilidade de responsabilização automática do Poder Público, no caso de inadimplemento de verbas trabalhistas.

O tema, todavia, não se encontra exaurido, haja vista que permanece em análise do Supremo Tribunal Federal o RE 760931, Min Rosa Weber (Repercussão Geral n. 246), que definirá os contornos da reponsabilidade subsidiária do Poder Público.

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Enquanto não se conclui o julgamento, algumas prudências já vem sendo tomadas pela Administração Pública Federal para evitar futuras ações com responsabilidade subsidiária, conforme se destacou, brevemente, com a análise dos institutos da conta vinculada e pagamento direto.

Interessante que essas medidas acautelatórias sejam observadas pelos demais entes federativos, o que se revela como excelente estratégia a garantir a execução célere das atividades institucionais (atividades fins) dos entes públicos, que é, como visto, a razão de ser da terceirização.

NOTAS:

[i] AMORIM, Helder Santos. AMORIM, Helder Santos. A terceirização no serviço público: à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, 2009, p.34.

[ii] Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

(...)§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

[iii] Atualmente regulamentado pelo Decreto Federal n. 2.271/1997.

[iv] art. 2°, III, Decreto 2.271/97.

[v] Pereira Bresser apud Marcelo Alexandrino. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo/Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. 18.ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.132.

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[vi] É preciso destacar que a Lei 6019/74 permite a terceirização da atividade fim, desde que seja de modo temporário e nas condições por ela prevista: acréscimo de serviço e substituição de pessoal permanente.

[vii] É preciso sublinhar que o conceito de atividade fim, no âmbito das relações privadas, está para ser decidido no STF, no julgamento do ARE 713211 RG, Min. LUIZ FUX, Dje 15/05/2014.

[viii] Neiva, Rogerio. Direito e Processo do Trabalho-Aplicados à Administração Pública e Fazenda Pública. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2012, p.63.

[ix] Lei 8666/93. Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que previsto no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras”

[x]PARECER NQ 73/2013/DECOR/CGU/AGU, página 15. Disponível em http://www.google.com.br/url?url=http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/22980242&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ei=P8l_VKv5CcGYgwSd3YKoCA&ved=0CBQQFjAA&usg=AFQjCNH4tnANPAEFdAcF8frw0NwC4fLYTg Acesso em: 22 de fev. de 2016.

[xi] STJ. 2ª Seção. CC 136.739-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 23/9/2015 (Info 571)

REFERÊNCIAS

AMORIM, Helder Santos. A terceirização no serviço público: à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, 2009.

ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo/Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. 18.ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

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Neiva, Rogerio. Direito e Processo do Trabalho-Aplicados à Administração Pública e Fazenda Pública. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2012.

PARECER NQ 73/2013/DECOR/CGU/AGU. Disponível em http://www.google.com.br/url?url=http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/22980242&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ei=P8l_VKv5CcGYgwSd3YKoCA&ved=0CBQQFjAA&usg=AFQjCNH4tnANPAEFdAcF8frw0NwC4fLYTg Acesso em: 22 de fev. de 2016.

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O COMENTÁRIO GERAL Nº 10 AO PACTO INTERNACIONAL DE DIREITO CIVIS E POLÍTICOS: O DIREITO DE OPINIÃO

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação em determinado período histórico da humanidade. Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-

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se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direitos Civis e Políticos. Direito de Opinião.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos de Solidariedade; 6 O Comentário Geral nº 10 ao Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos: O Direito de Opinião.

1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica

Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão

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do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade

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contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2].Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna

Ao ter como substrato de edificação as ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação em determinado período histórico da humanidade. “A evolução histórica dos direitos

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inerentes à pessoa humana também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a própria experiência da vida humana em sociedade”[4], como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma análise histórica sobre a construção dos direitos humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram difundidos instrumentos que objetivavam a proteção individual em relação ao Estado. “O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”, como bem afiança Alexandre de Moraes[5]. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na Babilônia) foi a primeira codificação a relatar os direitos comuns aos homens e a mencionar leis de proteção aos mais fracos. O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso Código de Hamurabi, já fazia constar alguns Direitos Humanos, tais como o direito à vida, à família, à honra, à dignidade, proteção especial aos órfãos e aos mais fracos. O Código de Hamurabi também

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limitava o poder por um monarca absoluto. Nas disposições finais do Código, fez constar que aos súditos era proporcionada moradia, justiça, habitação adequada, segurança contra os perturbadores, saúde e paz[6].

Ainda nesta toada, nas polis gregas, notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável, também, a edificação e o reconhecimento de direitos basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um direito natural, superior ao direito positivo, “pela distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela própria natureza humana”[7], consoante evidenciam Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira, que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados, exclusivamente, aos cidadãos homens[8], cuja acepção, na visão adotada, excluía aqueles. “É na Grécia antiga que surgem os primeiros resquícios do que passou a ser chamado Direito Natural, através da ideia de que os homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e fariam parte dos seres humanos a partir do momento que nascessem com vida”[9].

O período medieval, por sua vez, foi caracterizado pela maciça descentralização política, isto é, a coexistência de múltiplos centros de poder, influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas atividade comercial. Subsiste, neste período, o esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade, no medievo, estava dividida em três estamentos, quais sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à proteção dos territórios; e, os servos, com a

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obrigação de trabalhar para o sustento de todos. “Durante a Idade Média, apesar da organização feudal e da rígida separação de classes, com a consequente relação de subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos documentos jurídicos reconheciam a existência dos direitos humanos”[10], tendo como traço característico a limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de documentos escritos reconhecendo direitos a determinados estamentos, mormente por meio de forais ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à região em que vigiam. Dentre estes documentos, é possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra, em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões exercidas pelos barões em razão do aumento de exações fiscais para financiar a estruturação de campanhas bélicas, como bem explicita Comparato[11]. A Carta de João sem Terra acampou uma série de restrições ao poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias, proporcionalidade entre a pena e o delito[12], devido processo legal[13], acesso à Justiça[14], liberdade de locomoção[15] e livre entrada e saída do país[16].

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna, outros documentos, com clara feição humanista, foram promulgados, dentre os quais é possível mencionar o Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a proibição de detenções arbitrárias[17], reafirmando, deste modo, os princípios estruturadores do devido processo legal[18]. Com efeito, o diploma em comento foi confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar, ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

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com o fortalecimento e afirmação das instituições parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo desmedido passa a ceder diante das imposições democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a liberdade através de um documento escrito que seria encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe concederia a liberdade provisória, ficando o acusado, apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi considerada como axioma inspirador para maciça parte dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem enfoca Comparato[19]. Enfim, diversos foram os documentos surgidos no velho continente que trouxeram o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os marcos de uma transição entre o autoritarismo e o absolutismo estatal para uma época de reconhecimento dos direitos humanos fundamentais[20].

As treze colônias inglesas, instaladas no recém-descoberto continente americano, em busca de liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram elaborados diversos textos que objetivavam definir os direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia, de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal, reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro detentor[21], e trouxe certas particularidades como a liberdade de impressa[22], por exemplo. Como bem destaca Comparato[23], a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a segurança, registrando o início do nascimento dos direitos humanos na história[24]. “Basicamente, a

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Declaração se preocupa com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes”[25], como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia. Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados Unidos da América. Inicialmente, o documento não mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da Federação, desde que constasse, no texto constitucional, a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos fundamentais[26]. Assim, surgiram as primeiras dez emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes direitos fundamentais: igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da livre manifestação do pensamento[27].

3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade

No século XVIII, é verificável a instalação de um momento de crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia, com grande poderio econômico, não participava da vida pública, pois inexistia, por parte dos governantes, a observância dos direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por meio da tributação, eram obrigados a

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sustentar os privilégios das minorias que detinham o poder. Com efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da nova classe que surgia, em especial no que concerne aos tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na órbita política[28]. O mesmo ocorria com a população pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de contenda contra os detentores do poder, protestos e aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário caótico de insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente para manterem os interesses dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias, as imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de seu povo, foi tida com abstrata[29] e, por isso, universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa possuía três características: intelectualismo, mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto humano; a segunda característica referia-se ao alcance dos direitos conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou de

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reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[30], da igualdade, da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em comento consagrou os princípios fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da legalidade[31], da reserva legal[32] e anterioridade em matéria penal, da presunção de inocência[33], tal como liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento[34].

Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação política, diretamente ou por meio de eleições. “Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade”[35], aspecto este que passa a ser característico da dimensão em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele das relações individuais e sociais.

4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade

Com o advento da Revolução Industrial, é verificável no continente europeu, precipuamente, a instalação de um cenário pautado na exploração do proletariado. O contingente de trabalhadores não estava restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo crianças, os quais eram expostos a

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condições degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas, unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal absteve-se de se imiscuir na economia e, com o beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa explorar e “coisificar” a massa trabalhadora, reduzindo seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a maioria[36]. A massa de trabalhadores e desempregados vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns textos de grande relevância, os quais combatiam a exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É possível citar, em um primeiro momento, como proeminente documento elaborado durante este período, a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 1848, que apresentou uma ampliação em termos de direitos humanos fundamentais. “Além dos direitos humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos desempregados”[37]. Posteriormente, em 1917, a Constituição Mexicana[38], refletindo os ideários decorrentes da consolidação dos direitos de segunda dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais com maciça tendência social, a exemplo da limitação da carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos contratos de trabalho, além de estabelecer a obrigatoriedade da educação primária básica, bem como gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de 1919, trouxe grandes avanços nos direitos socioeconômicos, pois previu a

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proteção do Estado ao trabalho, à liberdade de associação, melhores condições de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho e para a proteção à maternidade. Além dos direitos sociais expressamente insculpidos, a Constituição de Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente “ao instituir que o Império procuraria obter uma regulamentação internacional da situação jurídica dos trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade, um mínimo de direitos sociais”[39], tal como estabelecer que os operários e empregados seriam chamados a colaborar com os patrões, na regulamentação dos salários e das condições de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição do Povo Trabalhador e Explorado[40], elaborada pela antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía ideias revolucionárias e propagandistas, pois não enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais como a abolição da propriedade privada, o confisco dos bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras inovações na relação laboral. Dentre as inovações introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical, magistratura do trabalho, possibilidade de contratos coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de retribuição financeira em relação ao trabalho, remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do repouso semanal remunerado, previsão de férias após um ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de previdência, assistência, educação e instrução sociais[41].

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu da apatia e envolveu-se nas relações de natureza econômica, a fim de

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garantir a efetivação dos direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem como fito primordial assegurar aos indivíduos que o integram as condições materiais tidas por seus defensores como imprescindíveis para que, desta feita, possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social, mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente estatal alheio à vida da sociedade e que, por consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à educação, à propriedade intelectual, bem como as liberdades de escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os direitos de segunda dimensão “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal”[42]. Os direitos alcançados pela rubrica em comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos humanos fundamentais rumo às sendas da História é paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos fundamentais apresenta uma ampla capacidade de incorporar desafios. “Sua primeira geração enfrentou problemas do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais”[43], como bem evidencia Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos de Solidariedade

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Conforme fora visto no tópico anterior, os direitos humanos originaram-se ao longo da História e permanecem em constante evolução, haja vista o surgimento de novos interesses e carências da sociedade. Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles Bobbio[44], os consideram direitos históricos, sendo divididos, tradicionalmente, em três gerações ou dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do consumidor, além de outros direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo”[45] ou mesmo de um Ente Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são considerados como difusos, porquanto não têm titular individual, sendo que o liame entre os seus vários titulares decorre de mera circunstância factual. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima

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dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[46].

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que “os direitos de terceira geração possuem natureza essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a coletividade como um todo”[47]. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento estão vinculados a valores de fraternidade ou solidariedade, sendo traduzidos de um ideal intergeracional, que liga as gerações presentes às futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a valorização destes é de extrema relevância. “Têm primeiro por destinatários o gênero

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humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[48]. A respeito do assunto, Motta e Barchet[49] ensinam que os direitos de terceira dimensão surgiram como “soluções” à degradação das liberdades, à deterioração dos direitos fundamentais em virtude do uso prejudicial das modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica vigente entre as diferentes nações.

6 O Comentário Geral nº 10 ao Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos: O Direito de Opinião

Em uma primeira plana, cuida anotar que o artigo 19º , número 1[50] prevê a proteção do direito de um indivíduo de não “ser inquietado pelas suas opiniões”. Trata-se de um direito em que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos não permite nenhuma exceção ou restrição. O Comitê acolhe com agrado informações dos Estados Partes sobre a aplicação do número 1. O número 2 prevê a proteção do direito da liberdade de expressão, que inclui não só a liberdade de “expandir informações e ideias de toda a espécie”, como também a liberdade de “procurar” e “receber” “sem consideração de fronteiras”, e por qualquer meio, “sob forma oral ou escrita, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio à sua escolha”. Nem todos os Estados Partes apresentaram informações respeitantes a todos os aspectos da liberdade de expressão. Por exemplo, até agora pouca atenção tem sido dada ao facto de que devido ao desenvolvimento dos novos meios de comunicação de massa que requer medidas eficazes para impedir um controlo dos ditos meios que interfira com o direito de todos a uma liberdade de expressão de uma forma que não se encontre prevista no número 3.

Muitos Estados limitam-se a mencionar nos seus relatórios que a liberdade de expressão é garantida pela Constituição ou pela lei. No entanto, de modo a conhecer o regime exato da liberdade de expressão na legislação e na prática, o

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Comitê necessita também de informações adequadas sobre as normas que definem o âmbito da liberdade de expressão ou que prevejam certas restrições, assim como outras condições que na prática afetem o exercício desse direito. É o equilíbrio entre o princípio da liberdade de expressão e essas limitações e restrições que determina o âmbito real do direito da pessoa. O número 3 sublinha expressamente que o exercício do direito da liberdade de expressão “comporta deveres e responsabilidades especiais” e, por esta razão, permitem certas restrições do direito no interesse de terceiros ou da comunidade no seu conjunto. No entanto, quando um Estado Parte impõe certas restrições no exercício da liberdade de expressão, estas não deverão pôr em perigo o próprio direito. O número 3 estabelece condições, sendo apenas no que respeita a estas condições que as restrições podem ser impostas: as restrições têm de estar “fixadas na lei”; elas podem apenas ser impostas por uma das razões estabelecidas nas alíneas a) e b) do número 3; e têm de ser justificadas como sendo “necessárias” para que o Estado Parte alcance um destes propósitos.

Referências:

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TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em 06 out. 2015.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 06 out. 2015.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 06 out. 2015.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

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Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 out. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 06 out. 2015.

[5] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06.

[6] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na perspectiva social do trabalho. Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 06 out. 2015, p. 01.

[7] SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009. Acesso em 06 out. 2015.

[8] MORAES, 2011, p. 06.

[9] CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 06 out. 2015.

[10] MORAES, 2011, p. 06.

[11] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-72.

[12] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 06 out. 2015: “Um homem livre será punido por um pequeno crime apenas,

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conforme a sua medida; para um grande crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo juramento de homens honestos do distrito”.

[13] Ibid. “Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares ou pela lei do país”.

[14] Ibid. “A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou retardaremos direito ou justiça”.

[15] Ibid. “Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar, salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser tratados como acima dito”.

[16] Ibid. “Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair, entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo no nosso país”.

[17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves,Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12.

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[18] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de Direito (1.628). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 06 out. 2015: “ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas”.

[19] COMPARATO, 2003, p. 89-90.

[20] MORAES, 2011, p. 08-09.

[21] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 06 out. 2015: “Que todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis”.

[22] Ibid. “Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos”.

[23] COMPARATO, 2003, p. 49.

[24] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 06 out. 2015: “Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança”.

[25] SILVA, 2004, p.155.

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[26] Ibid.

[27] MORAES, 2003, p. 28.

[28] COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

[29] SILVA, 2004, p. 157.

[30] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 06 out. 2015: “Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão”.

[31] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 06 out. 2015: “Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei”.

[32] Ibid. “Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.

[33] Ibid. “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.

[34] Ibid. “Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

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imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.

[35] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

[36] COTRIM, 2010, p. 160.

[37] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10dez. 2003. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 06 out. 2015.

[38] MORAES, 2011, p. 11.

[39] SANTOS, 2003, s.p.

[40] FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

[41] SANTOS, 2003, s.p.

[42] BONAVIDES, 2007, p. 564.

[43] FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

[44] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 03.

[45] BONAVIDES, 2007, p. 569.

[46] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de

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novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. .Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 out. 2015.

[47] MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

[48] BONAVIDES, 2007, p. 569.

[49] MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. “[...] Duas são as origens básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções também globais. Tais “soluções” são os direitos de terceira geração.[...]”

[50] BRASIL. Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em 06 out. 2015.

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PARTICULARIDADES DA JUSTA CAUSA TRABALHISTA DURANTE O AVISO PRÉVIO.

LORENA CARNEIRO VAZ DE CARVALHO ALBUQUERQUE: Advogada, inscrita na OAB/GO. Bacharel em Direito pela PUC/GO. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP.

INTRODUÇÃO

Durante a vigência do cumprimento do aviso prévio de 30 dias, aplica-se todas as regras do período normal de labor de maneira que se o empregado praticar qualquer ato ou omissão tipificada como justa causa que enseje a resilição do contrato de trabalho, esta caracterizar-se-á e a demissão se dará por justa causa, independentemente das causas propostas para a recisão contratual dispostas no aviso prévio

DESENVOLVIMENTO

Art. 489 - CLT - Dado o aviso prévio, a rescisão torna-se efetiva depois de expirado o respectivo prazo, mas, se a parte notificante reconsiderar o ato, antes de seu termo, à outra parte é facultado aceitar ou não a reconsideração.

O contrato só termina com a extinção do prazo do aviso prévio.

Sendo assim, no decorrer do mesmo, persistem as obrigações e direitos pactuados entre empregado e empregador, no contrato de trabalho.

Temos então que, qualquer ato ilícito cometido por um ou por outro, no decorrer do aviso prévio, dará direito àquele prejudicado de promover a rescisão por justa causa, conforme previsto nos artigos 490 e 491 da CLT.

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Art. 490 - O empregador que, durante o prazo do aviso prévio dado ao empregado, praticar ato que justifique a rescisão imediata do contrato, sujeita-se ao pagamento da remuneração correspondente ao prazo do referido aviso, sem prejuízo da indenização que for devida.

Art. 491 - O empregado que, durante o prazo do aviso prévio, cometer qualquer das faltas consideradas pela lei como justas para a rescisão, perde o direito ao restante do respectivo prazo.

Como se verifica o art. 490 da CLT prevê que quando o empregador comete qualquer ato considerado falta grave, o empregado poderá solicitar a rescisão do contrato de trabalho (despedida indireta), tendo, ainda assim, assegurados todos os direitos trabalhistas, inclusive a remuneração dos dias que estão faltando para terminar o aviso prévio.

Ao contrário do anterior, no art. 491 quem perde é o empregado. Se o mesmo comete, no decurso do aviso, algum ato que se enquadre na justa causa, perde o direito ao restante do aviso, além de perder o direito as indenizações que, porventura, lhe fossem devidas no fim do aviso prévio.

Frise-se que o fato do empregado não comparecer ao serviço após ter recebido o aviso prévio não caracteriza falta grave de abandono de emprego, sendo, portanto, assegurado ao mesmo as verbas referentes à dispensa sem justa causa.

O empregado terá direito apenas ao saldo de salário dos dias do aviso prévio trabalhados e às férias vencidas + 1/3. Não terá direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória tais como: férias proporcionais + 1/3, décimo terceiro salário

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proporcional, multa de 40% do FGTS e não poderá soerguer os depósitos do FGTS.

Neste sentido é a Súmula n. 73 do C. Tribunal Superior do Trabalho - TST, vejamos:

“A ocorrência de justa causa, salvo a de abandono de emprego, no decurso do prazo do aviso prévio dado pelo empregador, retira do empregado qualquer direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória”

Verifica-se da Súmula 73 do TST que, entre as hipóteses de falta grave autorizadoras da dispensa por justa causa, há uma exceção: o abandono de emprego, depois de o empregado haver sido comunicado da dispensa sem justa causa.

Leciona Francisco Antônio de Oliveira que: “bem agiu o julgador, já que o abandono do emprego constitui falta sem o poder e a intensidade de desdizer o aviso prévio já concedido. E em verdade não abandona o emprego, cujo contrato já estava se rescindido, dependendo do decurso do aviso prévio. Abandona apenas o período do pré-aviso”(in Comentários às Súmulas do TST. Francisco Antônio de Oliveira. 7ª ed. São Paulo: RT, p. 159).

Assim, se o empregado cometer abandono de emprego no curso do aviso prévio dado pelo empregador, manterá o direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória, só não fazendo jus ao restante do aviso prévio. Neste caso, o aviso prévio é um direito do empregado e este pode desistir excepcionalmente, ressalvados os casos previstos na Súmula n. 276 do TST.

"AVISO PRÉVIO. RENÚNCIA PELO EMPREGADO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o

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empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego."

Diferentemente se dá quando o empregado notifica o empregador de que está rompendo o contrato de trabalho e, durante o aviso prévio, anuncia que sairá antecipadamente do emprego porque precisará iniciar o trabalho em outra empresa. Neste caso, a saída antecipada do emprego foi anunciada e por isso não será considerada abandono de emprego. O empregado apenas sofrerá desconto dos dias restantes do aviso prévio não cumprido, salvo se liberado do cumprimento pelo empregador.

CONCLUSÃO

Por fim, quando o empregado pede demissão e no período de cumprimento do aviso prévio comete falta grave: dará ensejo a transformação do pedido de demissão em rescisão do contrato por justa causa e, por conseguinte, perderá o direito ao recebimento das férias proporcionais + 1/3 e do décimo terceiro proporcional.

COMO DECIDEM OS TRIBUNAIS:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. CONVERSÃO DA DISPENSA IMOTIVADA PARA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA NO CURSO DO AVISO PRÉVIO. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE . O acórdão embargado não incorreu em contradição, nos termos do art. 535 do CPC e 897-A da CLT, quanto ao exame da validade da conversão da dispensa imotivada em demissão por justa causa no curso do aviso prévio, o que impõe a rejeição dos embargos declaratórios. Embargos de declaração rejeitados. (TST - ED-AIRR: 11139320075100016 1113-93.2007.5.10.0016, Relator: Dora

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Maria da Costa, Data de Julgamento: 25/09/2013, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/09/2013)".

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. ATO JURÍDICO PERFEITO. CONVERSÃO DA DISPENSA IMOTIVADA PARA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA NO CURSO DO AVISO PRÉVIO. VALIDADE. Ao manter o indeferimento da indenização por dano moral, o Tribunal Regional adotou a tese de que não houve ilicitude na conversão da dispensa imotivada do empregado em demissão por justa causa. A legislação vigente aponta o decurso do aviso prévio como condição de eficácia à rescisão contratual, de forma que, no caso, não houve afronta ao ato jurídico perfeito, pois a conversão da dispensa imotivada em demissão por justa causa ocorreu no curso do aviso prévio, quando a rescisão contratual ainda não se havia tornado efetiva. Registre-se que a homologação do termo de rescisão contatual pelo sindicato da categoria profissional constitui um requisito de validade, necessário, mas insuficiente para o perfazimento da rescisão. Assim, não se verifica ofensa aos artigos 5º, XXXVI, da Constituição Federal, 104, 106, II, 121, 134, 138 e 166 do Código Civil e 6º, §§ 1º e 2º, da LInDB. Por sua vez, os arestos colacionados não demonstram a existência de divergência jurisprudencial válida e específica, de forma que o recurso de revista denegado não alcança o conhecimento. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST - AIRR: 11139320075100016 1113-93.2007.5.10.0016, Data de Julgamento: 07/08/2013, Data de Publicação: DEJT 16/08/2013)".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. 2000.

SZABÓ, Adalberto Mohai Júnior. Manual de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho: Normas regulamentadoras de 1 a 34 comentadas. 2011.

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VOGEL NETO, Gustavo Adolpho. Curso de direito do trabalho. 2000.

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LABORAL IGNORA CPC E NÃO VAI ADMITIR MEDIAÇÃO

ROBERTO MONTEIRO PINHO: Foi diretor de Relações Internacionais da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), editor do Jornal da Cidade, subeditor do Jornal Tribuna da Imprensa, correspondente internacional, juiz do trabalho no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e a Seção de Dissídios Coletivos - SEDIC, é membro da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, escritor, jornalista, radialista, palestrante na área de RH, cursou sociologia, direito, é consultor sindical, no setor privado é diretor de RH, especialista em Arbitragem (Lei 9.307/96). Membro da Associação Sulamericana de Arbitragem - ASASUL, Membro do Clube Jurídico do Brasil, titular da Coluna Justiça do Trabalho do jornal "Tribuna da Imprensa" do RJ, (Tribuna online), colunista da Tribuna da Imprensa online), no judiciário brasileiro, através de matérias temáticas, defende a manutenção, modernização e a celeridade na Justiça do Trabalho, escreve em 48 dos principais sites trabalhistas, jurídicos e sindicais do País.

A reprovação o judiciário brasileiro, oferta o quadro indubitavelmente propicio a promoção de mudanças de vital importância para a estabilidade econômica e social do país. Cabe ao governo, promover essas mudanças, mas, sem permitir a ingerência de atores internos da especializada. Existe o grupo que diante do “novo”, obstacula através de suas representações classistas, junto ao Congresso, influenciando legisladores, sempre no sentido do corporativismo reinante no seio da magistratura. Diante do novo cenário com o advento do Código de Processo Civil (CPC, Lei no13.105/15) e do Projeto de Lei de Mediação (PL no 7.169/14), a temática da mediação ganha novas luzes.

Sendo que o primeiro se preocupa em estabelecer, claramente, no § 3o do art. 166, que “a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição, não ofende o dever de imparcialidade”. Até mesmo porque o art. 3o do novo CPC, ao tratar do Princípio da Inafastabilidade, prevê, no § 2o, que o “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” e, no § 3o, que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e

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membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

Em 40 anos de dedicação na pesquisa histórica sobre o trabalhismo e 18 estudando o comportamento da Justiça do Trabalho, uma constatação desalentadora - não houve evolução, pelo contrário: a forma de julgar as ações agora mais complexas, inflada de nulidades e de excessivo peso contra o empregador. São sentenças eivadas de erros que revelam praticas lesivas ao instituto da relação, trabalho-emprego, o que equivale dizer, em face de tamanha xenofobia. Comparando o quadro evolutivo nas relações de trabalho no Brasil em relação à de outros países, constatei entre todos, que alcançamos um número expressivo de direitos.

Por se tratar de um fenômeno jurídico, aliado ao comportamento dos juízes, data venia, que manipulam o poder além do suficiente e razoável para solidificar a estabilidade nas relações contratuais, (ou seja, menos tutela do estado), esvai-se a democracia do direito e respeito à Carta Cidadã. Via de regra esses juízes expropriam bens e entregam sem o menor pudor jurídico a preço vil à arrematantes especuladores, e isso não está sendo visto com bons olhos.

Os números traduzem essa nova realidade, eis que hoje demandam no judiciário um número superior ao da população, tendo no pólo passivo e ativo da ação, somando 104 milhões de ações, temos o dobro de demandantes. E parodiando a máxima da inflação: “o número de ações sobem de elevador e a solução de escada”.

O novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Filho, durante solenidade de sua posse, disse que a “justiça trabalhista precisa ser menos paternalista para ajudar a tirar o país da crise”. Segundo ele, está na hora de o governo flexibilizar ainda mais a legislação trabalhista, como fez ao lançar o Programa de Proteção ao Emprego-PPE - que prevê redução de salário e de jornada - e permitir que empresas e sindicatos possam

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fazer acordos fora da CLT, desde que os direitos básicos sejam garantidos.

"A Constituição permite", disse. Aprovar o projeto que trata da terceirização, inclusive na atividade fim, também pode dar um fôlego às empresas, disse o ministro, que tomou posse na última quinta-feira. Ele defende que o TST passe a incentivar juízes trabalhistas a insistir mais na realização de acordos antes de julgar as causas e sugere que isso seja usado como critério na promoção. É discurso, mas reflete o que mais esta latente no jurisdicionado trabalhista.

O presidente do TST fez severas criticas ao modelo de atuação dos juízes trabalhistas, apontando: “a parcialidade pró-trabalhador que vê dentro deste ramo do Judiciário”. Com isso despertou a ira da classista Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), argumentando através de nota pública com 10 pontos de critica ao ministro (está no site d entidade) que “os comentários atraem carga de “ranço e preconceito” contra a Justiça trabalhista”.

Em matéria publicada no jornal “O Globo”, seu texto diz: “A divergência entre a associação e o ministro é bem mais antiga que a entrevista para o jornal carioca. Um dos exemplos dessa rusga foi à quebra da tradição de a Anamatra pagar o jantar de confraternização como gesto de boas vindas a todo novo presidente do TST. Quando Gandra Filho ascendeu ao posto máximo da Justiça do Trabalho, no entanto, não houve tal evento patrocinado pela associação”.

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTRATOS DE SEGURO, LOCAÇÃO DE COISAS E CORRETAGEM

VINÍCIUS BORGES MESCHICK DA SILVA: Graduando em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves.

RESUMO: O contrato de seguro é um contrato de proteção de risco de coisa ou pessoas mediante pagamento de prêmio; o contrato de locação de coisas é negócio jurídico de cessão de uso de objeto mediante remuneração; o contrato de corretagem é a contratação de agenciador de negócios para facilitar o contato de comprador e vendedor. Todos os contratos acima são bilaterais. Preveem prestação e contraprestação. Para tanto, a metodologia utilizada no presente trabalho é empírico-analítica, utilizando-se da revisão bibliográfica e documental

PALAVRAS-CHAVE: Risco; Cessão; Agenciamento; Remuneração.

INTRODUÇÃO:

Os três contratos abordados no presente trabalho têm uma característica que os distingue completamente uns dos outros. O de seguro é aleatório, cobre risco futuro e incerto. O de locação é determinado, sabe-se qual é a prestação e a contraprestação. Já a corretagem é uma prestação de serviços que prevê remuneração fixa ou participação nos lucros. Em um primeiro momento, abordaremos as modalidades de contratos: seguro, locação de coisas e corretagem. Após, partiremos para a conclusão.

1 - MODALIDADES DE CONTRATOS ESTUDADAS:

1.1 - SEGURO:

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O contrato de seguro é uma das modalidades de contrato em espécie permitidos no nosso ordenamento jurídico. Tem sua regulamentação ajustada dos artigos 757 a 777 do nosso Código Civil.

O conceito desse contrato se infere da leitura do primeiro artigo, 757: Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Definição mais técnica e completa é dada por Maria Helena Diniz:

O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previsto no contrato... O segurador é aquele que suporta o risco, assumindo mediante o recebimento de prêmio; por isso deve ter capacidade financeira e estar seu funcionamento autorizado pelo Poder Público. (DINIZ, 2014, pág. 548).

Já o parágrafo único do referido artigo diz respeito à obrigatoriedade de autorização própria de agência de seguros, dizendo que somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

O contrato de seguro tem como característica ser bilateral, pois ambas as partes assumem obrigações, o segurado a de pagamento da apólice e o segurador a de efetuar o pagamento do prêmio em caso de sinistro do bem segurado.

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É também um contrato oneroso, pois traz obrigações de prestação e contraprestação das partes contratantes.

Tem ainda como característica, que é a sua maior essência, ser aleatório, pois o ganho ou perda das partes depende de evento futuro e incerto, ou seja, é um contrato de garantia de risco.

Outra característica dessa modalidade negocial é a formalidade, pois a forma escrita é a substância do contrato e a autorização do segurado pelo Poder Público é requisito essencial.

É o contrato de seguro um contrato de execução sucessiva ou continuada, pois até que não haja causa para encerrar o contrato, o segurador paga sua prestação ao longo do tempo, sucessivamente.

Importante mencionar que se trata de um contrato de adesão, pois as cláusulas do contrato obedecem a parâmetros rígidos estabelecidos pela Agência Reguladora do setor e o segurado só pode escolher preencher dados como valor da apólice e bem segurado, ou outras pequenas alterações. E como em todo contrato de adesão, a parte mais vulnerável tem a proteção do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil para estabelecer que as cláusulas ambíguas serão interpretadas de forma mais benéfica ao aderente e para que sejam consideradas inexistentes renúncia antecipada de direitos decorrentes do negócio celebrado.

É por fim é um negócio pautado na boa-fé, que é expresso no art. 765: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.” (Lei 10.402).

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E a boa-fé, logicamente, não pode ser invocada somente para a parte mais vulnerável, o segurado, mas também pelo segurador, que pode resolver o contrato em caso de fraude:

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. (Código Civil/2002).

Há também proteção bem detalhada de um dos deveres anexos da boa-fé objetiva, que o dever de informação. Essa previsão tem como finalidade proteger a finalidade do negócio jurídico, sem que haja agravamento da prestação ou contraprestação com o conhecimento de apenas uma das partes. Vejamos “in verbis”:

Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

§ 1o O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado,

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poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

§ 2o A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências. (Código Civil/2002).

1.2 - CONTRATO DE LOCAÇÃO DE COISAS:

O contrato de locação de coisas é “contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por determinado tempo ou não, o uso e gozo de coisa infungível, mediante certa retribuição.” (DINIZ, 2014, pág. 281). O breve conceito da doutrinadora não faz menção à cessão da coisa para posse e uso, o que é importante mencionar. Não é a entrega de coisa para guarda somente, mas para usufruto dos benefícios que o bem pode render. Não é falha da nobre jurista, obviamente. O tema é abordado nas características por ela detalhadas mais a frente.

O contrato de locação de coisas tem como elementos essenciais o consentimento válido, a capacidade dos contratantes, cessão da posse do objeto locado, remuneração, lapso temporal ou não e a forma livre.

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No que diz respeito ao consentimento válido, como todo negócio jurídico, pode possuir vícios de erro, dolo, lesão, estado de perigo, coação e os vícios sociais, como simulação e fraude contra credores.

Já a capacidade dos contratantes tem duas vertentes a serem observadas. Primeiro diz respeito à legitimidade de o locador ser o proprietário do bem e em segundo lugar deve-se observar a capacidade civil das partes. Como todo negócio jurídico, deve ser celebrado por partes capazes civilmente.

As características de cessão da posse do objeto locado e remuneração são a base desse contrato, sendo a primeira a prestação (cessão do objeto) e a contraprestação (remuneração do locador pelo locatário).

A característica de esse contrato poder ser celebrado por tempo determinado ou não, é regida pelo art. 571 do nosso Código Civil e dá ampla liberdade para as partes estipularem essa cláusula temporal:

Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão pagando, proporcionalmente, a multa prevista no contrato. (Código Civil/2002).

1.3 - CONTRATO DE CORRETAGEM:

Essa modalidade de contrato é regulamentada pelos artigos 722 a 729 do Código Civil/2002 e, como é de praxe, é conceituada no primeiro artigo do capítulo, o art. 722:

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de

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mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. (Código Civil/2002).

Ou seja, a corretagem nada mais é que o contratação de um agenciador de negócios, que põe em contato contratante e contratado do negócio jurídico fim, e tem “por finalidade pôr em acordo comprador e vendedor.” (DINIZ, 2014, pág. 473). O corretor recebe remuneração previamente ajustada ou, se não prevista em contrato, pode ser arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.

Como a cláusula geral da boa-fé rege nosso ordenamento, esse tipo de contrato tem proteção detalhada do dever de informação. Vejamos:

Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.

Parágrafo único. Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.(Código Civil/2002).

A corretagem é prática comercial aplicável à maioria das atividades econômicas, mas não a todas. Exemplo é a advocacia, que proíbe, entre outras práticas, o agenciamento de clientes de qualquer forma, zelando pela sobriedade que se espera do múnus público que o advogado exerce.

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2 - CONCLUSÃO:

Os contratos de seguro, locação de coisas e corretagem têm em comum, assim como todos os tipos de contrato, a obrigação de as partes observarem a boa-fé objetiva, sob pena de cometerem ato ilícito e a outra parte passar a ter o direito de resolver o contrato e ser ressarcida de eventuais perdas e danos. Trazem também proteção ao primeiro contratante, o fornecedor dos serviços, pois apesar de ele ser a parte menos vulnerável, pode também ser lesada pelo destinatário daquele serviço. Aquele (o fornecedor) pode também resolver o contrato e ser ressarcido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 3: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acessada em: 02 de junho de 2015.

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NORMAS DE SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO APLICADA A UM ÓRGÃO PÚBLICO

 

WAGNER  SALAZAR  PIRES:  mestre  em  Ciência  da 

Computação  pela  UFMG  e  Analista  do  Ministério 

Público de Minas Gerais.  Suas  áreas de  interessem 

incluem  Gerenciamento  de  Projetos,  Direito 

Constitucional,  Administrativo,  Tributário  e 

Contabilidade. 

RESUMO: Não há uma norma única que atenda a todos os requisitos de um órgão público ou organização, assim, os assuntos abordados no trabalho, normas da família ISO/IEC 27000 (segurança da informação), devem ser utilizados em conjunto de forma complementar. O presente trabalho apresenta uma visão geral de algumas destas normas e faz uma relação da aplicação delas ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Palavras-chaves: ISO/IEC 27000, ISO/IEC 27001, ISO/IEC 27002 e ISO/IEC 27005 e MPMG.

1 - INTRODUÇÃO

Informação, por si só, é um termo de difícil definição. Por sua complexidade, o assunto vem sendo abordado por estudiosos diversos. No século passado, a Ciência da Informação tomou para si tal responsabilidade, propondo uma abordagem abrangente que envolve tantas questões sociais quanto questões relacionadas a novas tecnologias. Por possuir esse perfil de considerar importantes questões de diversos ângulos, a Ciência da Informação tem se apresentado com um campo de pesquisa frutífero, cujos desafios são constantes [1].

Este século vem sendo marcado pela transição e por transformações profundas, com impactos extensos em todas as áreas. A criação e disseminação de novas tecnologias, com a multiplicação de redes interconectadas de computadores e fomento das mídias interativas, e consequente desenvolvimento de outras formas de transmissão de conteúdo, além dos livros, têm levado a novas experiências e formas de interação e aprendizagem e formação [2].

A Tecnologia da Informação (TI) evidencia-se pela contínua expansão e por uma forte concorrência entre empresas de todos os setores. Em virtude disso, para que essas entidades possam permanecer nesse meio, elas precisam desenvolver produtos e serviços que, de algum modo, se destaquem e conquistem a credibilidade de seus clientes [3]. Um ponto

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fundamental para atingir esse objetivo refere-se a segurança e governança da informação.

A informação encontra-se nos ativos que envolvem a organização e que têm valor para o seu negócio, desta forma a proteção desta informação deve ser feita tendo em conta estes ativos. Os ativos podem ser físicos (arquivos, bibliotecas, cofres que contém informação relevante), tecnológicos (recursos informáticos como sistemas de informação, e-mails, intranets) e humanos (pessoas que fazem parte das atividades das organizações). Acerca desse posicionamento, SOLMS, em [3], observa-se que:

“A segurança da informação é estruturada e organizada dentro da empresa. A importância desta dimensão está no fato de focar os vários tipos de melhores práticas para gestão da Segurança da Informação no qual cada estágio é vinculado a um propósito da estrutura organizacional, incluindo algum tipo de fórum sobre segurança informacional que é essencial para o bom andamento das implementações. Esta dimensão não se refere somente aos aspectos da estrutura organizacional, mas também aos aspectos da segurança da informação voltados para as responsabilidades no trabalho, a comunicação com relação às regras de segurança e ao envolvimento dos gestores com a segurança da informação”.

A Segurança da Informação (SI) consiste em garantir que a informação existente em qualquer formato está protegida contra o acesso por pessoas não autorizadas (confidencialidade), está sempre disponível quando necessária (disponibilidade), é confiável (integridade) e autêntica (autenticidade). Já a Gestão de Segurança de Informação (GSI) busca o alinhamento entre as necessidades organizacionais de segurança e o gerenciamento dos sistemas de informação, não apenas no que concerne ao emprego de tecnologias, mas com ênfase em aspectos de risco, política organizacional, processos e métodos de gestão aplicáveis ao desenvolvimento, operação e manutenção de sistemas. Essa ideia foi desenvolvida de modo a se tornar o padrão global de SI: o conjunto de normas da família ISO/IEC 27000.

Desta forma, o decorrer do artigo realiza um estudo das normas da família ISO/IEC 27000 e descreve a aplicação destes conceitos apresentados no Ministério Público de Minas Gerais. O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do estado,

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incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

2 - NORMAS REFERENTES À SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO

Atualmente, a Informação assume-se como um dos principais ativos das organizações. Diariamente é originado um grande volume de informação que convém que seja tratada de forma conveniente, consoante o valor que representa para a organização. Assim sendo, a Segurança da Informação assume cada vez mais um papel preponderante no sucesso das organizações. Saber quanto e como investir em segurança é o desafio que se coloca às empresas nos dias de hoje.

A ISO/IEC 27000 também conhecida como família de normas ISO 27000 é uma série de padrões relacionados à temática de Segurança da Informação. A série oferece melhores práticas e recomendações sobre a gestão da informação, riscos e controles dentro do contexto de uma estratégia global do SGSI.

A série possui deliberadamente um escopo amplo, que abrange mais do que apenas a autenticidade, confidencialidade, disponibilidade ou questões de segurança técnica. É aplicável a organizações de todos os tamanhos e feitios. Todas as organizações são incentivadas a avaliar os seus riscos de segurança da informação, em seguida, implementar controles de segurança apropriados de acordo com as suas necessidades, usando orientações e sugestões quando aplicado.

As normas da família ISO 27000 utilizam fortemente o ciclo de Planejamento, Execução, Controle e Ação (PDCA da sigla em inglês), idealizado por Shewhart e mais tarde aplicado por Deming [4]. A Figura 1 ilustra esse ciclo que é composto por um conjunto de ações em sequência, dada pela ordem estabelecida pelas letras que compõem a sigla: P (plan: planejar), D (do: fazer, executar), C (check: verificar, controlar), e finalmente o A (act: agir, atuar corretivamente).

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FIGURA 1 - CICLO PDCA

Com relação as normas que fazem parte do escopo do presente trabalho, a série ISO 27000 constitui um padrão de certificação de sistemas de gestão promovido pelo International Organization for Standardization (ISO), neste caso aplica-se à implementação de Sistemas de Gestão de Segurança da Informação (SGSI), através do estabelecimento de uma política de segurança, de controlos adequados e da gestão de riscos. No decorrer desta seção é apresentado as normas ISO/IEC 2700, ISO/IEC 2701, ISO/IEC 2702 e ISO/IEC 2705.

Existem outras normas na série ISO 27000, como a ISO/IEC 27003 que contém um conjunto de diretrizes para a implementação do SGSI, ISO/IEC 27004 que define métricas de medição para a gestão da segurança da informação, dentre outras que fogem ao escopo do trabalho proposto.

2.1 - ISO/IEC 27000

A ISO/IEC 2700 apresenta uma série de termos e definições que são utilizados pelas demais normas da família 27000 [5]. Assim, nessa norma é definido um vocabulário comum para evitar diferentes interpretações de conceitos técnicos e de gestão. Devido a importância desse vocabulário, destaca-se alguns termos:

Controlo de acesso – meios para assegurar que o acesso a ativos está autorizado e restringido com base no trabalho e em requisitos de segurança;

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Responsabilidade – responsabilidade de uma entidade pelas suas ações e decisões;

Ativos – qualquer coisa que tenha valor para a organização (informação, software, o próprio computador, serviços, as pessoas, entre outros);

Atacar – tentar destruir, alterar, expor, inutilizar, roubar ou obter acesso não autorizado ou fazer uso não autorizado de um ativo;

Autenticação – prestação de garantia de que uma característica reclamada por uma entidade é correta;

Autenticidade – propriedade que nos diz que uma entidade é aquilo que realmente afirma ser;

Disponibilidade – propriedade de ser acessível e utilizável por uma entidade autorizada;

Confidencialidade – propriedade que garante que a informação não está disponível ou revelada a indivíduos não autorizados, entidades ou processos;

Controlar – meio de gestão de risco, incluindo as políticas de procedimentos, diretrizes, práticas ou estruturas organizacionais, que podem ser de natureza administrativa, técnica, de gestão ou de natureza legal;

Ação corretiva – ação para eliminar a causa de uma não conformidade detectada ou outra situação indesejável;

Diretriz – recomendação do que é esperado que seja feito a fim de alcançar um objetivo;

Segurança da Informação – preservação da confidencialidade, integridade e disponibilidade das informações;

Sistema de Gestão de Segurança de Informação – parte do sistema de gestão global, com base numa abordagem de risco de negócio, para estabelecer, implementar, operar, monitorizar, rever, manter e melhorar a segurança da informação;

Risco de Segurança da Informação – potencial que uma ameaça explore uma vulnerabilidade de um ativo ou grupo de ativos e, assim, cause danos à organização;

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Integridade – propriedade de proteger a exatidão de ativos;

Sistema de Gestão – âmbito das políticas, procedimentos, diretrizes e recursos associados para alcançar os objetivos de uma organização;

Política – intenção e direção geral como formalmente expressas pela gestão;

Processo – conjunto de atividades inter-relacionadas ou interativas que transformam insumos em produtos;

Risco - combinação da probabilidade de um evento e das suas consequências;

Evento – ocorrência de um determinado conjunto de circunstâncias;

Análise de risco – uso sistemático de informações para identificar fontes e estimar a ocorrência de um risco;

Gestão de risco – atividades coordenadas para dirigir e controlar uma organização em relação a um determinado risco;

Ameaça – causa potencial de um incidente indesejado, o que pode resultar em danos para um sistema ou entidade;

Vulnerabilidade – fraqueza de um ativo ou controle, que pode ser explorada por ameaça.

2.2 - ISO/IEC 27001

O padrão mais conhecido na família é o ISO/IEC 27001 que fornece requisitos para um SGSI. Foi a primeira da série ISO 27XXX, publicada pela International Organization for Standardization (ISO) em outubro de 2005 e substituiu a norma BS 7799-2 para certificação de SGSI. A ISO 27001 apresenta conceitos de alto nível, e por essa razão, possibilita as organizações estabelecerem seus critérios específicos de auditoria de gestão [6].

As atividades demandadas na área de segurança da informação vêm sendo amplamente discutidas no setor de TI. A adoção de um SGSI é uma decisão estratégica para uma organização. A norma ISO/IEC 27001:2013 foi preparada para prover um modelo de processos para implementar, manter e melhorar o SGSI de uma organização. Esta norma define 114 controles agrupados em 14 domínios, que são enumerados a seguir:

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1. Políticas de segurança da informação 2. Organização de segurança da informação 3. Segurança na gestão de recursos humanos 4. Gestão de ativos 5. Controle de acesso 6. Criptografia 7. Segurança física e ambiental 8. Segurança de operações 9. Segurança de comunicações 10. Aquisição, desenvolvimento e manutenção de sistemas 11. Relações com fornecedores 12. Gestão de incidentes de segurança da informação 13. Aspectos de segurança da informação na gestão da continuidade do

negócio 14. Conformidade

A norma ISO/IEC 27002 traz, praticamente, estes mesmos conceitos, porém com um nível de detalhamento maior. Assim, neste artigo, optou-se por explicá-los na Seção 2.3. A norma ISO/IEC 27001 também contém um conjunto de cláusulas relativas à definição de regras e requisitos de cumprimento, a saber:

Contexto da organização: a organização deve determinar as questões internas e externas que são relevantes para o SGSI.

Liderança: a alta direção deve demonstrar sua liderança e comprometimento em relação ao SGSI.

Planejamento: a organização deve planejar ações para contemplar riscos e oportunidades.

Apoio: a organização deve determinar e prover recursos necessários para o estabelecimento, implementação, manutenção e melhoria contínua do SGSI.

Operação: a organização deve planejar, implementar e controlar os processos necessários para atender aos requisitos de segurança da informação e à avaliação e tratamento dos riscos.

Avaliação de desempenho: a organização deve avaliar o desempenho da segurança da informação e a eficácia do SGSI, monitorando, medindo, analisando e realizando auditoria interna.

Melhoria: a organização deve reagir à não conformidade e melhorar continuamente a eficácia do SGSI.

É importante salientar que embora a norma ISO/IEC 27001:2013 seja a referência mais completa sobre as demandas de segurança da informação

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no setor de TI, ela precisa ser adaptada aos objetivos da instituição, aos seus requisitos de segurança, processos, empregados, tamanho e estrutura.

A Figura 2, extraída de [7], ilustra o mapeamento entre o ciclo PDCA e os objetivos da normal hora em comento.

FIGURA 2 - CICLO PDCA E A NORMA ISO/IEC 27001

Plan (Planejar) (estabelecer o SGSI): Estabelecer política do SGSI, objetivos, processos e procedimentos relevantes para o gerenciamento de riscos e a melhoria da segurança da informação para entregar resultados conforme as políticas globais de uma organização e objetivos.

Do (Fazer) (implementar e operar o SGSI): Implementar e operar a política do SGSI, controles, processos e procedimentos.

Check (Checar) (monitorar e revisar o SGSI): Avaliar e, onde aplicável, medir o desempenho de um processo contra a política do SGSI, objetivos e experiência prática e relatar os resultados para a gerência para revisão.

Act (Agir) (manter e melhorar o SGSI): Tomar as ações corretivas e preventivas, baseado nos resultados da auditoria interna do SGSI e revisão gerencial ou outra informação pertinente, para alcançar a melhoria contínua do SGSI.

2.3 - ISO/IEC 27002

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Com origem no governo britânico, a norma BS7799 é a base para a norma ISO/IEC 17799 que veio a tornar-se ISO/IEC 27002. O Código de Boas Práticas ISO/IEC 27002 fornece uma estrutura para avaliar os sistemas de gestão de segurança da informação baseada em um conjunto de diretrizes e princípios que têm sido adotadas por empresas, governos e organizações empresariais em todo o mundo [8].

Em [1] é destacado que o framework de controles ISO permite aos profissionais de segurança da informação ter uma abordagem consistente e metódica, ao avaliar os processos de segurança nas organizações, infraestrutura de tecnologia, ou processos.

Os benefícios da segurança da informação estão na prevenção de perdas financeiras que a empresa pode ter, no caso da ocorrência de riscos de segurança da informação. Para que um sistema de informação seja considerado seguro, deve atender a quatro características:

Integridade – A informação só poderá ser modificada por quem está autorizado e de maneira controlada;

Confidencialidade – A informação só deverá estar disponível para quem está autorizado;

Disponibilidade – A informação deverá estar disponível quando for necessária;

Não repúdio – O uso ou modificação da informação por parte de uma pessoa autorizada deve ser irrefutável, ou seja, a pessoa não poderá negar a ação.

A norma ISO/IEC 27002 está estruturada em 14 seções, sendo que cada uma dessas é constituída por categorias de segurança da informação, e cada categoria tem um objetivo de controle definido, um ou mais controles que podem ser aplicados para atender ao objetivo de controle, as descrições dos controles, as diretrizes de implementação e informações adicionais.

Política de segurança da informação: o objetivo é fornecer orientação e apoio às ações da gestão de segurança da informação sobre os requisitos de negócios e as leis e regulamentos pertinentes. A gerência deve estabelecer uma política clara e de acordo com os objetivos do negócio e demonstrar seu apoio e comprometimento com a segurança da informação através da publicação e manutenção de uma política segurança da informação para toda a organização.

Organização da segurança da informação: deve estabelecer uma estrutura de gestão a fim de iniciar e monitorar a implementação da

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segurança da informação dentro da organização. A administração deve adotar a política de segurança da informação, atribuir funções de segurança e de coordenação, bem como fiscalizar a execução da política de segurança em toda a organização. Se necessário, a organização deve estabelecer e facilitar o acesso às fontes de referência especializadas para garantir a atualização dos envolvidos sobre as tendências do setor, a evolução das normas e métodos de avaliação, e fornecer as ferramentas adequadas para a manipulação de resultados segurança. Seu objetivo deve ser a promoção de uma abordagem multidisciplinar para a segurança da informação, que, por exemplo, envolva a cooperação e colaboração dos gestores, usuários, administradores, designers de aplicação, auditores e especialistas em segurança da informação, em áreas como gestão segurança e de riscos.

Gestão de ativos tem por objetivo: alcançar e manter uma política de proteção adequada para os ativos da organização. Para que isso seja possível, devem ser identificados os proprietários para todos os ativos e atribuir a responsabilidade pela manutenção de controles adequados. A implementação de controles específicos pode ser delegada pelo proprietário caso seja conveniente. No entanto, o proprietário continua responsável pela proteção adequada dos ativos. O termo “proprietário” identifica um indivíduo ou entidade responsável, com a aprovação dos mecanismos de direção, para controlar a produção, desenvolvimento, manutenção, utilização e segurança de ativos.

Segurança em recursos humanos: o objetivo é garantir que os funcionários, fornecedores e usuários de terceiros entendam suas responsabilidades, e esteja apto a desempenhar suas funções, além de reduzir o risco de roubo, fraude e mau uso de recursos. As responsabilidades de segurança devem ser definidas antes da contratação, com a descrição adequada do trabalho e suas condições. Todos os funcionários, prestadores e usuários de terceiros devem ser selecionados adequadamente, especialmente para trabalhos sensíveis com acesso a informações. Funcionários, fornecedores e usuários de prestadores de serviços de processamento de informações devem assinar um acordo sobre seus papéis e responsabilidades relacionadas com a segurança.

Controle de acesso: deve gerir o acesso à informação, recursos e processos de negócios com base nas necessidades de segurança e do negócio da organização. A regulamentação para as políticas de controle de acesso deve considerar a distribuição das informações e autorizações, devendo para isso, estabelecer procedimentos para atribuição de permissões de acesso aos sistemas e informações.

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Criptografia: o objetivo é assegurar o uso efetivo e adequado da criptografia para proteger a confidencialidade, autenticidade e/ou integridade da informação. Assim, deve ser desenvolvida e implementada uma política para uso de controles criptográficos para a proteção da informação.

Segurança física e de ambiente: o objetivo é impedir o acesso físico não autorizado, dano ou interferência nas instalações e informações da organização. Os serviços de processamento de informações sensíveis devem ser realizados em áreas seguras e protegidas, em um perímetro de segurança definido por barreiras e controles de entrada adequada. Estas áreas devem ser fisicamente protegidas contra acesso não autorizado, danos e interferências. A proteção fornecida deve ser proporcional aos riscos identificados. Para evitar a perda, dano, roubo ou comprometimento de ativos e interrupção das atividades da organização, os equipamentos devem ser protegidos contra ameaças físicas e ambientais. A proteção dos equipamentos é necessária para reduzir o risco de acesso não autorizado à informação e à proteção contra perda ou roubo. Da mesma forma, deve-se a considerar controles especiais para proteção contra ameaças contra estruturas físicas e a garantia de serviços como eletricidade e infraestrutura local.

Segurança das Operações: deve ser garantido a operação segura e correta dos recursos de processamento da informação. Os procedimentos de operação devem ser documento e disponibilizados para todos os usuários que necessitam deles.

Segurança nas comunicações: o objetivo é assegurar a proteção das informações em redes e dos recursos de processamento da informação que os apoiam. As redes devem ser gerenciadas e controladas para proteger as informações nos sistemas e aplicações.

Aquisição, desenvolvimento e manutenção de sistemas de informação: deve garantir que a segurança é parte integral dos sistemas de informação. Os sistemas de informação incluem sistemas operacionais, infraestrutura, aplicações de negócio, aplicações de uso geral, serviços e aplicações desenvolvidas pelos usuários. A concepção e implementação de sistemas de informação que dão apoio aos processos de negócio das empresas podem ser cruciais para a segurança. Os requisitos de segurança devem ser identificados e acordados antes do desenvolvimento e/ou implementação de sistemas de informação. Todos os requisitos de segurança devem ser identificados na fase de levantamento de requisitos de

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um projeto e ser justificados, documentados e aceitos como parte de todo o processo para um sistema de informação.

Relacionamento com Fornecedor: o objetivo é garantir a proteção dos ativos da organização que são acessíveis pelos fornecedores.

Gerenciamento de incidentes de segurança da informação: deve garantir que os eventos e falhas de segurança associados aos sistemas de informação sejam identificados e comunicados o mais breve possível, permitindo assim a elaboração de medidas corretivas oportunas. Todos os funcionários, fornecedores e terceiros devem estar cientes dos procedimentos de comunicação de diferentes tipos de eventos e pontos fracos que possam ter impacto sobre a segurança dos ativos organizacionais.

Aspectos da segurança da informação na gestão da continuidade do negócio: a continuidade da segurança da informação deve ser contemplada nos sistemas de gestão da continuidade do negócio da organização.

Conformidade legal: tem por objetivo, evitar a violação de qualquer lei, estatuto, regulamento ou obrigações contratuais e de quaisquer requisitos de segurança. A concepção, funcionamento, utilização e gestão dos sistemas de informação podem estar sujeitos a requisitos legais, de segurança regulamentares e contratuais. Os requisitos legais específicos devem ser aconselhados por um advogado da organização ou profissionais qualificados.

2.4 - ISO/IEC 27005

A norma ISO/IEC 27005 foi publicada em junho de 2008 e apresenta as diretrizes para o gerenciamento dos riscos de segurança da informação. Utiliza diversos conceitos da norma ISO/IEC 27000, já descritos no início deste capítulo. Esta norma descreve todo o processo necessário para a gestão de riscos de segurança da informação e as atividades necessárias para a perfeita execução da gestão [9]. Apresenta práticas para gestão de riscos da segurança da informação. As técnicas nela descritas seguem o conceito, modelos e processos globais especificados na norma ISO/IEC 27001, descrita na Seção 2.2, além de apresentar a metodologia e avaliação e tratamento dos riscos requeridos pela mesma norma.

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De acordo com a norma, o processo de gestão de riscos de segurança da informação é composto pelas atividades mostradas na Figura 3.

Definição do contexto: define o escopo e os limites que serão levados em consideração na gestão de riscos. Deverão ser descritos os processos que fazem parte do escopo, garantindo a identificação dos ativos relevantes para a gestão dos riscos. Além disso, a definição do contexto inclui determinar os critérios gerais de aceitação dos riscos para a organização e as responsabilidades para a gestão de riscos.

A atividade de Análise/Avaliação de Riscos é subdividida em outras três atividades: Identificação de riscos; Estimativa de riscos; e Avaliação de riscos. Identificação de riscos: identifica os eventos que possam ter impacto negativo nos negócios da organização. Devem ser identificados os ativos, suas vulnerabilidades e as ameaças que podem causar danos aos ativos. Identifica as consequências que as perdas de confidencialidade, de integridade e de disponibilidade podem ter sobre os ativos. Estimativa de riscos: atribui valor ao impacto que um risco pode ter e a probabilidade de sua ocorrência, de forma qualitativa ou quantitativa. Estimar o risco através da combinação entre a probabilidade de um cenário de incidente e suas consequências. Avaliação de riscos: determina a prioridade de cada risco por meio de uma comparação entre o nível estimado do risco e o nível aceitável estabelecido pela organização. O ponto de decisão 1, visto na Figura 3, verifica se a avaliação dos riscos foi satisfatória, conforme os critérios estabelecidos pela organização. Caso não seja satisfatória, a atividade pode ser reiniciada de forma que se possa revisar, aprofundar e detalhar ainda mais a avaliação, assegurando que os riscos possam ser adequadamente avaliados.

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FIGURA 3 - PROCESSO DE GESTÃO DE RISCOS EM SEGURANÇA DA

INFORMAÇÃO

Tratamento do risco: implementa controles para reduzir, reter, evitar ou transferir os riscos. Se o tratamento do risco não for satisfatório, ou seja, não resultar em um nível de risco residual que seja aceitável, deve-se iniciar novamente a atividade ou o processo até que os riscos residuais sejam explicitamente aceitos pelos gestores da organização.

Aceitação do risco: registrar formalmente a aprovação dos planos de tratamento do risco e os riscos residuais resultantes, juntamente com a responsabilidade pela decisão.

Comunicação do risco: desenvolve planos de comunicação dos riscos para assegurar que todos tenham consciência sobre os riscos e controles a serem adotados.

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Monitoramento e análise crítica de riscos: monitora continuamente os riscos e seus fatores a fim de identificar eventuais mudanças no contexto. Certifica que o processo de gestão de riscos de segurança da informação e as atividades relacionadas permaneçam apropriados nas circunstâncias presentes.

A norma ISO/IEC 27005 não inclui uma metodologia específica para a gestão de riscos de segurança da informação, cabendo a cada organização definir a melhor abordagem conforme o contexto na qual está inserida.

3 - SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS

Segundo o relatório técnico [10], realizou-se uma análise sintetizada com o objetivo verificar falhas e acertos na gestão da segurança da informação no MP. A Tabela 1, extraída de [10], apresenta a análise de todas as respostas obtidas para cada um dos domínios da norma ISO 27001. Esta tabela é composta dos domínios da norma, do conjunto das perguntas efetuadas no levantamento, do cálculo de respostas positivas e do indicador da situação, apresentado nas cores verde (se o conjunto das respostas for acima de 50%), vermelho (se o conjunto das respostas for abaixo de 50%) e amarelo (se o conjunto das respostas for igual a 50%).

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TABELA 1 - SITUAÇÃO GERAL DA SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO CONFORME

DOMÍNIOS DA NORMA ISO/IEC 27001.

Percebe-se pela Tabela 1, que de forma geral o MP apresenta uma boa gestão da segurança da informação nos domínios associados às questões operacionais e ambientais tais como a gestão dos ativos, a segurança nas operações e nas comunicações e a segurança física.

No entanto, o MP não apresenta uma boa gestão da segurança da informação nos domínios relacionados à definição de políticas e procedimentos de segurança da informação, gestão dos recursos humanos, gestão de incidentes, gestão de continuidade de negócios e conformidade com requisitos legais e contratuais.

Tais constatações confirmam que mesmo não havendo uma equipe dedicada à segurança da informação, as atividades operacionais são

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razoavelmente bem executadas com a equipe existente. Porém, as questões procedimentais e reguladoras ficam prejudicadas e apontam a necessidade de ações para melhorias neste campo.

A Figura 4, também extraída de [10], apresenta uma visualização das principais ferramentas de segurança implantadas. Com uma alta porcentagem, destaca-se a implantação de firewall, sistemas de antivírus em desktops, gerenciamento de autenticação e controle de acesso de rede. Com uma baixa porcentagem, destaca-se a implantação de sistemas de data loss prevention, análise de vulnerabilidade, sistema de revisão de código e sistema de monitoramento de eventos e incidentes.

FIGURA 4 - SITUAÇÃO GERAL DA SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO CONFORME

DOMÍNIOS DA NORMA ISO/IEC 27001

4 – CONCLUSÕES

O mundo nunca mais foi o mesmo após o surgimento dos computadores e após a evolução da Internet. No mundo atual globalizado, a Internet presta um importante serviço, contribuindo para agilizar ainda mais este processo de globalização. As organizações, habituadas cada vez mais a esta realidade digital, passam a depender dela de forma vital. A informação passa a ser considerada um ativo das empresas, um patrimônio.

Neste prisma, percebe-se a importância da Segurança da Informação para um órgão público. A proteção de seus dados a qualquer custo sob pena de grandes prejuízos é um tema atual. Seguindo esta tendência, surgem

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tecnologias que prometem elevado nível de segurança e proteção, e a cada dia as organizações se conscientizam mais e mais da importância e necessidade de protegerem seus dados. Isto justifica a atual preocupação do MPMG com a segurança da informação.

Segundo [10], as principais dificuldades encontradas na gestão de segurança da informação do MPMG estão relacionadas à governança da segurança nos seus aspectos de política, organização, gestão de recursos humanos, manutenção de sistemas, relação com fornecedores, continuidade de negócios, gestão de incidentes e conformidade. A proposta de quantitativo de pessoas para execução das atividades de segurança não englobam as questões operacionais, uma vez que não é apenas a equipe da área de segurança que zela pela informação na instituição. O gerenciamento operacional diário, a gestão das comunicações, a segurança física, o controle de acesso, a gestão dos ativos foi bem avaliados no levantamento, o que corrobora esta afirmação.

REFERÊNCIAS

[1] – Luciana Emirena dos Santos Carneiro. Gestão da Informação e do Conhecimento no âmbito das práticas de segurança da Informação: Pessoas, Processos e Tecnologia. Belo Horizonte - MG, Brasil, 2012. [2] – M. Silva, Educação online. 2. Ed, São Paulo: Edições Loyola, 2006. [3] – Paula Geralda B. C., Ambiente de Aprendizado para Educação em Gerenciamento de Projetos, Universidade Federal de Pernambuco, 2005. [4] – Fernandes, A.A. e Abreu, V.F., Implantando a Governança de TI – da Estratégia à Gestão dos Processos de Serviços, 3 Ed, ISBN: 9788574524863. [5] – Diana Luísa Rocha Santos e Rita Maria Santos Silva, Segurança da Informação: a Norma ISO/IEC 27000 e ISO/IEC 27001, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal,2012. [6] – Jon Hall, Frameworks for IT Management, ISO 27001 - Information Security Management Systems, Zaltbommel, Netherlands, 2006.

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[7] – Humphreys e Edward. Implementing the ISO/IEC 27001 Information Security Management System Standard, Artech House, Inc., Norwood, MA, USA, 2007. [8] – Alexandre Cavalcante Alencar, COBIT, ITIL e ISO/IEC 27002 Melhores Práticas para Governança de Tecnologia da Informação, Faculdade Lourenço Filho, Fortaleza - CE, Brasil, 2010. [9] – Edson Kowask Bezerra, Gestão de Riscos de TI NBR 27005, Escola Superior de Redes – RNP, Rio de Janeiro - RJ, Brasil, 2013. [10] – Daniel Silva Carnevalli e Lilian Noronha Nassif, Análise da demanda de serviços e do quantitativo de pessoal no Ministério Público para a área de segurança da informação, Departamento de Informática - MPMG, Belo Horizonte/MG, Brasil, 2015.