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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES
A SUCESSÃO CAUSA MORTIS
DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO
NO REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS
Nova Lima
2014
DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES
A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS
DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME
CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito da Faculdade
de Direito Milton Campos, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em Direito
Empresarial.
Área de concentração: Direito Empresarial
Orientador: Professor Doutor Salomão de Araújo
Cateb
Nova Lima
2014
SALLES, Diana Nacur Nagem Lima
S168 s A sucessão causa mortis de quotas da sociedade limitada pelo cônjuge casado no
regime convencional da separação de bens./ Diana Nacur Nagem Lima Salles – Nova Lima:
Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2014.
132 f. enc.
Orientador: Prof. Dr. Salomão de Araújo Cateb
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de
concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.
Referências: f. 122-130
1. Regime da separação convencional de bens. 2. Vocação hereditária do cônjuge. 3. Sucessão causa mortis das quotas de sociedade limitada. 4. Contrato social. I. Cateb,
Salomão Araújo. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título.
CDU 347.724 (043)
347.627
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada: “A sucessão causa mortis de
quotas da sociedade limitada pelo cônjuge
casado no regime convencional da separação de
bens”, elaborada por DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES para exame da banca constituída
pelos seguintes professores:
________________________________________
Prof. Dr. Salomão Araújo Cateb
Orientador
________________________________________
Prof. Dr.
________________________________________
Prof. Dr.
Nova Lima, ______,________________,2014 Alameda da Serra , 61, Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900.
A minha mãe e a minha avó Lucy,
minhas inspirações na busca incessante pelo estudo e pelo trabalho.
AGRADECIMENTO
Ao Gustavo, meu amor, meu apoio, meu amuleto, meu amparo, minha força, meu esteio, por
entender que seria possível ter um casamento sólido mesmo tendo uma esposa nem sempre
presente. Por me ajudar a superar o pesadelo do passado a cada vez que adentramos em uma
estrada – o que, para este trabalho, ocorreu, aproximadamente, cento e noventa e duas vezes.
Por, além de aceitar, incentivar minha incessante busca por conquistas que me permitam olhar
para nossa trajetória e dizer “Valeu a pena”!
A minha mãe e a minha avó, por todos os ensinamentos, os quais me permitiram enfrentar os
obstáculos que sua repentina e destruidora partida me causou: sofrimento e aprendizados
imensuráveis.
Ao professor Salomão Cateb, que, mesmo no momento de maior dor, me ajudou a aprender e
a me dedicar com paixão ao Direito das Sucessões.
Ao “MM. Rafa”, parceiro de trabalho, confidente de vida, pelos inúmeros e incansáveis
debates jurídicos, dentre os quais nasceu o tema ora estudado.
A Deus, razão da dor e do aprendizado, da tristeza e da alegria, da derrota e da superação.
Todas as coisas, na Terra, passam.
Os dias de dificuldades, passarão.
Passarão também os dias de amargura e solidão.
As dores e as lágrimas passarão.
As frustrações que nos fazem chorar um dia passarão.
(Chico Xavier)
A saudade do ser querido que está longe, não, Chico! Não passará!
(Diana Nacur Nagem Lima Salles)
RESUMO
Este trabalho busca explicitar como ocorre a sucessão de quotas sociais pelo cônjuge
casado no regime convencional da separação de bens em uma sociedade no caso de
falecimento de um sócio. A organização de muitas sociedades empresárias e os negócios por
elas realizados, com certa frequência, consideram o regime de bens dos sócios, uma vez que
eventual partilha de bens em função de um divórcio ou de uma sucessão causa mortis pode
afetar os rumos e o sucesso da empresa. O art. 1.028 do Código Civil permite que o contrato
social disponha especificamente sobre o que deve ocorrer com as quotas e/ou com a sociedade
em caso de falecimento do sócio. Para tanto, examinam-se os limites das disposições do
contrato social, o qual deve respeitar normas cogentes, como as regras de vocação hereditária.
Esta questão é examinada, detendo especial atenção à necessidade de explicitar a vocação
hereditária do cônjuge na situação exposta perante o ordenamento jurídico ora vigente,
extraindo-se a devida interpretação do artigo 1.829 e 1.845 do Código Civil. É reconhecida a
independência, mas também o limite e o vínculo entre regras de Direito de Família, Direito de
Sucessões e Direito Empresarial. Alcançada a conclusão acerca do direito hereditário do
cônjuge neste contexto, estudam-se o princípio da autonomia privada e o da segurança
jurídica, identificando os limites das disposições do contrato social quanto às disposições de
cunho sucessório e as possibilidades de restrição do direito do cônjuge de participar da
sucessão das quotas na situação em análise. Os institutos jurídicos envolvidos são estudados
detidamente, em uma tentativa de assegurar a coerência, a previsibilidade e a segurança
jurídica da interpretação e da aplicação da lei em vigor, bem como do cumprimento das
disposições do contrato social.
PALAVRAS-CHAVE: Regime da separação convencional de bens. Vocação hereditária do
cônjuge. Sucessão causa mortis das quotas de sociedade limitada. Contrato social.
ABSTRACT
This work seeks to explain how the succession of membership interest takes place in
the case of a spouse married under the conventional regime of separation of property in a
company in the event of death of a member. The organization of many companies and the
businesses conducted by them frequently take into account the matrimonial regime of the
members, once a possible distribution of property due to a divorce or to a succession may
affect the paths and the success of the company. Article 1,028 of the Brazilian Civil Code
allows the articles of organization to specifically prescribe what will occur to the membership
interest and/or with the company in case of death of a member. For that, the limits of the
provisions of the articles of organization are examined, for they must comply with applicable
rules, such as the rules governing the order of succession. This issue is examined, giving
special attention to the need to explain the order of succession of the spouse in the situation
put forward to the legal system in force, by extracting the due interpretation of Articles 1,829
and 1,845 of the Brazilian Civil Code. The independence is acknowledged, as well as the limit
and the connection between rules of Family Law, Law of Succession, and Business
Law. Once a conclusion is reached regarding the hereditary right of the spouse within this
context, the principles of the private autonomy and of the legal certainty are studied, and the
limits of the provisions of the articles of organization are identified in relation to the
provisions governing the succession and to the possibilities of restriction of the right of the
spouse to take part in the succession of the membership interest in the case under study. The
legal doctrines involved are specifically studied, in an attempt to ensure the coherence, the
predictability, and the legal certainty of the interpretation and the application of the law in
force, as well as of the compliance with the provisions of the articles of organization.
KEYWORDS: Conventional Separation Property Regime. Spouse's Inheritance Rigths.
Inheritance of quotas in limited companies. Articles of Incorporation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................
10
2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO EMPRESARIAL ....................... 13
2.1 Breve contexto histórico do Direito Empresarial .............................. 13
2.2 Teoria da empresa ................................................................................ 19
2.3 Noções gerais do Direito Societário .....................................................
22
3 SOCIEDADE LIMITADA ................................................................... 25
3.1 Definição da sociedade limitada ........................................................... 25
3.2 Legislação aplicável ............................................................................... 27
3.3 Quota social ............................................................................................ 30
3.4 Contrato social ....................................................................................... 33
3.5 Dissolução da sociedade limitada ......................................................... 37
3.5.1 Legislação aplicável ................................................................................ 38
3.5.2 Causas de dissolução total e parcial ....................................................... 41
3.5.2.1 Consenso entre os sócios ......................................................................... 44
3.5.2.2 Direito de retirada .................................................................................... 45
3.5.2.3 Expulsão ou exclusão .............................................................................. 48
3.5.2.4 Liquidação da quota a pedido do credor do sócio ................................... 49
3.5.2.5 Falecimento de um sócio ........................................................................
50
4 DO CASAMENTO E DOS REGIMES DE BENS ............................ 55
4.1 Tipos de regime de bens ........................................................................ 60
4.2 Do regime da separação de bens .......................................................... 63
4.3 Meação .................................................................................................... 65
4.4 Pacto antenupcial ..................................................................................
66
5 SUCESSÃO CAUSA MORTIS .............................................................. 68
5.1 Sucessão legítima ................................................................................... 71
5.2 Ordem da vocação hereditária ............................................................. 72
5.3 Herança ..................................................................................................
74
6 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO CÔNJUGE CASADO NO
REGIME CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS ............
79
7 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA
AUTONOMIA PRIVADA ...................................................................
100
7.1 Distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada ............ 102
7.2 Limites da autonomia privada no pacto antenupcial e no contrato
social ........................................................................................................
105
8 SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE
LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME
CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS .............................
109
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................
117
REFERÊNCIAS .................................................................................... 122
10
1 INTRODUÇÃO
Amor, morte e empresa. São esses, respectivamente, o sentimento, o fato e a atividade
que norteiam este trabalho, os quais serão analisados em um dos momentos em que eles se
encontram: na sucessão causa mortis de quotas sociais da sociedade limitada pelo cônjuge.
O caráter contratual das relações patrimoniais do casamento ganhou força nas últimas
décadas, sobretudo diante da ascensão profissional e independência financeira da mulher, da
facilidade em romper e reconstituir um novo vínculo matrimonial e das diferentes formas de
constituição de entidades familiares.
Quando se confrontam questões patrimoniais com aspectos emocionais e
responsabilidade entre familiares, todavia, é preciso ir além do caráter meramente financeiro,
devendo-se colocar o amor familiar como pano de fundo para freá-lo e direcioná-lo.
A morte, por sua vez, parece nunca ser vista de forma diferente. Sempre será uma
interrupção, o marco de uma nova época, representando mudanças, saudade e dor. Mas em
alguns casos parece implicar mero esquecimento e passa a direcionar a conveniência dos
interesses patrimoniais.
Como cediço, de forma sucinta, a empresa remete à atividade econômica que reúne os
fatores de produção ou circulação de bens e serviços, de forma organizada e habitual,
vislumbrando o lucro. Sabe-se ainda que, dentre os existentes tipos societários na legislação
brasileira, comumente, tem-se a organização sob o formato da sociedade limitada, sobretudo
por seu caráter contratual e pela limitação da responsabilidade dos sócios.
Considerando os interesses negociais dos sócios e os patrimoniais presentes no
casamento, a escolha do regime de bens, cada vez mais, tem sido feita de forma racional e
calculada. O regime de separação de bens passou a ser uma opção para aqueles que desejam
construir seu patrimônio de forma independente, garantindo autonomia patrimonial aos
cônjuges e apresentando-se compatível com a dinâmica das atividades empresariais.
Ocorre que parte dos operadores do Direito e empresários acreditam que, em caso de
falecimento, o cônjuge viúvo que foi casado no regime convencional da separação de bens
não herdará, entendimento este que parece não ter respaldo no texto da lei vigente, assim
como não é pacífico na jurisprudência.
Neste sentido, a proposta deste trabalho é suscitar a problemática da sucessão causa
mortis de quotas de sociedade limitada pelo cônjuge casado no regime convencional da
separação de bens.
11
O contexto deste tema se encontra no fato de que muitas sociedades empresárias, ao se
constituírem ou quando realizam um planejamento tributário, um planejamento sucessório ou
fusões e aquisições, consideram as relações conjugais sob o aspecto patrimonial dos sócios
envolvidos, uma vez que um divórcio ou uma sucessão hereditária pode afetar direta e
consideravelmente os rumos de uma sociedade empresária.
Pretende-se, então, responder às seguintes questões: O cônjuge viúvo que foi casado
no regime convencional da separação de bens tem direitos hereditários sobre os bens deixados
por seu cônjuge falecido? Em caso afirmativo, é possível excluí-lo da sucessão causa mortis?
O pacto antenupcial pode limitar direito sucessório? Se o cônjuge falecido era sócio de uma
sociedade limitada, o contrato social pode limitar o direito do cônjuge sobrevivente de herdar
as quotas que a ele pertencia? A quais atributos inerentes às quotas sociais este cônjuge viúvo
terá direito na sucessão do sócio falecido?
Para alcançar as respostas, propõe-se expor brevemente sobre a atividade empresarial,
especialmente da sociedade limitada, buscando identificar a natureza jurídica da quota social,
do contrato social e de suas formas de dissolução, parcial ou total.
Em seguida, será apresentado o estudo sobre o instituto do casamento e dos regimes de
bens disponíveis na legislação brasileira atual, com foco especial na definição e identificação
da natureza jurídica da meação e do pacto antenupcial.
Com especial destaque, em ato contínuo, serão apresentados alguns conceitos que
permeiam a sucessão causa mortis, os quais viabilizarão a análise da legislação sobre a
vocação hereditária do cônjuge casado no regime convencional da separação de bens,
sobretudo quando em concorrência com os descendentes, considerando o conturbado texto do
art. 1.829 do Código Civil1.
O estudo do regime de bens seguido pelo estudo do regime da sucessão causa mortis
viabilizará o discernimento entre meação e herança, essencial para a compreensão de que a
intenção do legislador civilista atual é, em regra, afastar o direito à herança do cônjuge que já
tenha direito à meação e, em contrapartida, garantir herança ao cônjuge que não tem direito à
meação.
1 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares; [...]. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 13
jul. 2013).
12
Vale ressaltar que, quando se fala em sucessão patrimonial, ressalta a imperiosa
necessidade de ser reconhecida a independência entre as regras de cunho patrimonial no
casamento, as quais fazem parte do escopo do Direito de Família, e do Direito de Sucessões e,
por conseguinte, de algumas de suas consequências no Direito Empresarial, para examinar a
possibilidade de efeitos diversos quando o fato gerador também for distinto.
A interdisciplinaridade dos aludidos ramos do Direito norteia este trabalho e atrai,
ainda que de forma breve, o estudo da livre manifestação da vontade humana, com base no
princípio da autonomia privada. Este é o que definirá o limite das disposições que versem
sobre o tema ora pesquisado, que deverá ser respeitado pelos nubentes quando firmarem o
pacto antenupcial e pelos sócios quando elaborarem um contrato social de uma sociedade
empresária de responsabilidade limitada. O ordenamento jurídico brasileiro, previsto no art.
1.028 do Código Civil2, autoriza os sócios a disporem no contrato social da sociedade sobre o
destino das quotas em caso de morte de um sócio, porém é necessário identificar os limites
dessas disposições.
O desafio desta pesquisa consiste em viabilizar segurança na sucessão causa mortis
das quotas sociais pelo cônjuge casado no regime convencional da separação de bens,
buscando identificar claramente os limites dos direitos disponíveis, permitir a conciliação
entre a vontade do casal e a dos sócios à do legislador; e, principalmente, em assegurar ao
empresário e ao empresário e cônjuge, esclarecidos e certos de suas escolhas, que seus
pedidos serão aceitos e respeitados.
2 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua
quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. (BRASIL. Lei 10.406, de 10
de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013)
13
2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO EMPRESARIAL
O Direito Empresarial, desde sua origem, apresenta-se como um ramo essencialmente
dinâmico. A contextualização histórica e a demonstração dos valores tutelados deste ramo são
de fundamental relevância para a análise dos institutos jurídicos a serem estudados.
Desse modo, passa-se a discorrer sobre a evolução histórica do Direito Empresarial,
embrionariamente denominado Direito Comercial, para chegar à atual definição de empresa e
focar a concepção do Direito Societário como a parte destinada ao estudo das formas de
organização da atividade empresária.
2.1 Breve contexto histórico do direito empresarial
Identificar a origem da atividade comercial é trabalho complexo e, quiçá, impossível,
sabendo-se que há registros sobre ela desde a Antiguidade, encontrando-se notícias de sua
realização por diversos povos, sobretudo os fenícios.
O encontro entre a disponibilidade e a habilidade em determinado trabalho, de um
lado, e a carência de mercadorias e serviço, de outro, fizeram surgir o que ficou conhecido
como “escambo”.
Cada indivíduo ou chefe de família era responsável pela produção do que serviria de
moeda de troca. Por conseguinte, para seu crescimento, foi necessário expandir sua
produtividade. Para tanto, seria necessário gastar menos tempo na realização de suas
atividades e, cada vez mais, investir na troca de habilidades e mercadorias que viabilizassem a
circulação de bens e serviços. Em razão disso, a associação das pessoas com objetivos e
esforços comuns voltados para essas trocas começou a crescer e a tornar cada vez mais
complexa, passando a envolver diferentes tipos de produtos, sob diversas condições, o que,
inevitavelmente, exigia também algum tipo de regulamentação.
O Direito Comercial – entendido como um compilado de princípios, normas e regras
que formam um regime jurídico próprio disciplinador da atividade mercantil –, contudo, não
teve seu nascedouro na mesma época.
Alguns autores afirmam que algumas das mais antigas manifestações legislativas
foram registradas no Código de Hamurabi, do rei Hammurabi, sexto monarca da primeira
14
dinastia da Babilônia, que afirmava tê-lo recebido do deus Sol3. Constituído de escritos em
tábuas, é provável que tenha sido feito por volta de 1.700 a. C., tendo sido encontrado por
franceses em 1.901 d.C., na região da antiga Mesopotânia4. Marlon Tomazette5 informa que é
possível afirmar que as primeiras normas que regulamentam o comércio foram aquelas
dispostas no citado Código de Hammurabi e no Código de Manu 6 , na Índia, mas sem
configurar um sistema de normas propriamente dito. Os gregos também possuíam algumas
normas, assim como no Direito Romano, esculpidas no chamado ius civile.
Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro7 esclarecem que os romanos não
chegaram a conhecer regras específicas para as relações comerciais, pois o chamado ius civile
contemplava normas destinadas às relações jurídicas de cunho privado, independentemente de
se tratar de conteúdo civil ou mercantil. Mas há forte influência direta do Direito Romano no
surgimento do Direito Comercial, verificando-se nele a origem do instituto da falência,
normas básicas sobre os contratos mercantis, a ação pauliana como forma de reprimir a fraude
contra credores, a responsabilidade civil dos banqueiros e o comércio do transporte marítimo,
entre outros.
A partir do século XV, com a decadência do regime feudal, deu-se o renascimento do
comércio, sobretudo nas feiras e nos burgos. O comércio voltou a se desenvolver, em razão,
sobretudo, das modificações ocorridas no interior das sociedades feudais europeias, por
exemplo, o aumento da população, crescimento das cidades, desenvolvimento das
manufaturas, entre outros fatores.
3 GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de Direito Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4,
fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_ link=revista_ artigos_
leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014. 4 A origem exata no Código de Hamurabi ainda é discutida. O autor em referência, Ayrton Sanches Garcia,
esclarece que o Código “foi encontrado em escavações feitas por um grupo de arqueólogos franceses
chefiados por Jacques de Morgan, nas ruínas da cidade islamita de Susa (Pérsia), em 1901 (Carvalho de
Mendonça diz que as escavações foram feitas entre 1897-1899). Mantido no Museu do Louvre, em Paris, o
Código foi gravada num pesado bloco de diorite, uma rocha de 2,25 metros de altura e 1,90 metros de
circunferência na base, no século XXIII a.C.”. Mas informa que Octávio Médice diz que a publicação do
Código de Hamurabi deu-se no século XIX a.C.; João E. Borges refere o ano 2.083 a. C.; J. X. Carvalho de
Mendonça refere o ano 2..250 a. C. Mas, independente da origem exta, representa o monumento e marco de
referência histórica do direito de vários dos povos da sua época, sendo, até hoje citado nas principais obras de
direito comercial, tanto no Brasil como nos demais países. (GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de
Direito Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4, fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014) 5 TOMAZETTE, Marlon. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 1-3. 6 O Código de Manu foi escrito em sânscrito e é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em
quatro compêndios. Foi redigido entre os séculos II a. C. e II d. C., em forma poética por um santo eremita
chamado Valmiki, em torno do ano 1500 a.C. (GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de Direito
Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4, fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014) 7 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.28.
15
Diante deste contexto, a regulamentação da atividade comercial passou a ser
imprescindível, pois com o impulso que tivera as normas do Direito Romano mostraram-se
insuficientes.
O Direito Comercial surgiu como ramo autônomo do Direito depois da queda do
Império Romano, na Idade Média. A princípio, as regras inerentes ao Direito Comercial
baseavam-se em costumes. Diante da ausência da formação dos Estados modernos e da
presença de um poder político descentralizado, tais regras propiciaram o surgimento das
entidades privadas, que representaram grande relevância para o Direito Comercial, as quais
foram chamadas de “corporações de ofício”.
Essas entidades permitiram que os comerciantes unissem força de tal maneira que,
conforme narra o citado autor, o poder econômico e militar delas foi capaz de operar a
transição do regime feudal para o regime das monarquias absolutistas. Carvalho de
Mendonça 8 afirma que “o Direito Comercial surgiu, conforme se vê, não como obra
legislativa nem criação de jurisconsultos, porém como trabalho dos próprios comerciantes,
que o construíram com os seus usos e com as leis que, reunidos em classe, elaboraram”.
As corporações de ofício estabeleceram as regras do Direito Comercial fazendo nascer
um direito consuetudinário. As primeiras regras, constituídas pelos usos, costumes e práticas
mercantis observados em cada localidade, sobretudo nas cidades italianas, eram compiladas
nos estatutos das corporações de ofício, dando corpo ao que ficou identificado como os
primeiros códigos comerciais. Como informam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira
Ribeiro9, as instituições mais conhecidas do Direito Comercial remontam a este período, tais
como a matrícula dos comerciantes, o regime dos livros comerciais, o regime das instituições
financeiras e a letra de câmbio.
Os comerciantes estavam sujeitos a uma jurisdição especial, o que implicava
reconhecer que aquelas normas a eles se aplicavam e que cada um deles estava submetido às
regras da corporação da qual ele fosse membro.
Percebe-se que foi utilizado critério corporativo, baseado em um sistema subjetivo,
pois era um direito criado pelos comerciantes e para os comerciantes. A mercantilidade de
uma relação jurídica era definida pelo sujeito, sendo a competência da jurisdição, como dito,
definida pela identificação da corporação à qual o comerciante era filiado.
8 CARVALHO DE MENCONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. Campinas: Russell, 2003.
p. 69. 9 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 28.
16
Esse foi o primeiro momento da história no qual foi possível identificar o surgimento
de um conjunto minimamente organizado de atividade comercial.
Em seguida, o Direito passou a ser aplicado pelo próprio Estado, com a ascensão da
burguesia ao poder, mantendo-se a disciplina autônoma.
Com o decorrer do tempo, à medida que a atividade comercial foi se desenvolvendo,
os comerciantes passaram a praticar atos acessórios, como a circulação dos títulos cambiários,
os quais sugiram ligados à atividade comercial, mas logo se tornaram autônomos e passaram a
ser utilizados também por quem não era comerciante. Assim, era necessário estender o âmbito
de aplicação do Direito Comercial. Para isso, foi necessário o surgimento do sistema
objetivista, capaz de transferir o centro do Direito Comercial para o objeto da atividade,
deixando de lado o critério de identificação pelo sujeito que praticasse a atividade.
Ao mesmo tempo, ocorreu o surgimento dos Estados modernos, que assumiram o
monopólio da jurisdição pelo Estado, passando a dizer o que é o Direito e a quem se aplica o
Direito. Em razão disso, as corporações de oficio começaram a perder força. A do Direito
Comercial deixou de ser consuetudinário para ser um direito posto e aplicado pelo Estado.
O Código Civil Francês de 1804, conhecido por “Código Napoleônico”10, marcou a
transição da primeira fase (subjetivista) para a segunda (objetivista). Foi neste momento que o
Direito Comercial atingiu certa maturidade, passando a ser identificado como um Direito
autônomo, específico e com código próprio. Por conseguinte, foi necessário estabelecer um
critério de distinção que delimitasse a abrangência do regime jurídico mercantil. O critério
adotado foi a chamada “Teoria dos atos de comércio”, que permitiu afirmar que esta fase do
Direito Comercial não representava o direito dos comerciantes, mas sim o direito dos atos de
comércio.
Esse foi o critério adotado pela codificação francesa e por vários países, inclusive o
Código Comercial Brasileiro de 1850, posteriormente complementado pelo Regulamento 737,
de 1850, influenciado diretamente pelo Código Napoleônico.
Fala-se em objetivação do Direito Comercial, tendo em vista que não mais importava
se o sujeito praticante da atividade era membro ou não da corporação, pois o que passou a
definir a aplicação das regras comerciais foi o objeto da relação jurídica. Se a relação
envolvesse a prática do que era definido como ato de comércio, a relação seria definida como
mercantil e atrairia a aplicação das regras especiais do Código Comercial.
10 Originalmente chamado de Code Civil des Français ou Code Napoléon.
FRANÇA. Código civil. Disponível em: . Acesso em: 4 ago. 2012).
17
A adoção da teoria dos atos de comércio como critério de distinção dos limites de
aplicação do Direito Comercial, embora tenha sido utilizada por muito tempo, apresentava
alguns problemas. A denominação em si demonstra que era uma teoria, ou um critério, que se
preocupava com a atividade comercial, com a forma e o conteúdo, pelos quais era ela
desempenhada, o que se justificava com o fato de que o comércio ser a principal atividade
econômica.
Com o passar do tempo, as relações comerciais e a economia atingiram um grau de
complexidade maior, no qual o comércio deixava de ser a principal e, quiçá, única atividade
econômica, já que se aproximava a Revolução Industrial. Dessa feita, os atos do comércio já
não seriam mais suficientes para delimitar a abrangência do Direito Comercial, pois ele
precisaria abranger outras atividades econômicas praticadas no mercado que não estavam
definidas como atos de comércio, por exemplo, a prestação de serviços que já detinha caráter
econômico, mas não estava sujeita às regras especiais, por não se subsumir aos atos
previamente definidos. Assim também acontecia com as atividades rurais e a negociação de
bens imóveis.
A dificuldade maior residia no fato de que a dinâmica das relações comerciais sempre
foi aceleradamente crescente e complexa, de modo que qualquer tentativa de definição por
teorias seria frustrada. As diversas teorias surgidas não eram abrangentes o suficiente para
englobar toda e qualquer atividade econômica.
Elucidam os autores Henrique Viana Pereira e Rodrigo Almeida Magalhães11:
O problema da segunda teoria (objetiva) é que os atos de comércio não se limitam
aos atos assim definidos em lei, eis que impossível esgotar todos eles em uma lista,
bem como pelo fato de que eles são renovados diariamente frente à modernidade e
seus novos usos e costumes.
Esse panorama acabou por acarretar uma disciplina anti-isonômica do mercado, pois
alguns comerciantes – aqui entendidos apenas como aqueles que desempenhavam uma
atividade econômica – acabavam por ter tratamento diferente de outros, por exemplo, aqueles
praticantes dos atos de comércio tinham direito à concordata, mas o prestador de serviço, não.
Nesse contexto, o Direito Comercial entrou em sua terceira fase, cujo marco histórico
da transição foi a edição do Código Civil Italiano de 1942.
Ao contrário da França, a Itália havia optado por unificar formalmente o Direito
Privado, pelo que estariam inseridas dentro do Código Civil as regras do Direito Comercial.
11 PEREIRA, Henrique Viana; MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Princípios constitucionais do direito
empresarial: a função social da empresa. Curitiba: CRV, 2001. p. 12.
18
Fala-se em unificação meramente formal porque, embora juntos, o Direito Civil e o Direito
Comercial continuaram sendo regimes jurídicos distintos.
Explica Raquel Sztajan12:
Se alguém fosse levado a entender que a unificação do direito obrigacional implique
o desaparecimento do Direito Comercial, é preciso lembrar que, mesmo na Itália, em
que fenômeno data de 1942, direito civil e comercial permanecem distintos.
Também é de apontar que nunca houve grande preocupação, seja pela doutrina, seja
pela jurisprudência, com a questão, porque, de regra, se entendem comerciais as
atividades segundo noção econômica ou contábil.
O Direito Comercial deixou de ser o direito que iria disciplinar um ato específico
identificado como sendo de comércio e passou a ser o direito que irá se preocupar com o
exercício específico de uma atividade econômica organizada, ampliando sua abrangência.
Neste sentido, não se falava mais em atos de comércio, mas sim em empresa. Ocorreu,
portanto, o abandono da teoria dos atos de comércio, substituída pela teoria da empresa. A
grande novidade residiu no fato de que o centro do Direito Comercial passou a encontrar-se
na atividade econômica.
Em razão dessa mudança, hoje se fala em Direito Empresarial, e não mais em Direito
Comercial, porque é o direito que cuida da empresa, ou seja, de toda e qualquer atividade
econômica organizada; ao passo que, o empresário passou a ser aquele que exerce qualquer
atividade econômica organizada.
No Brasil, a legislação acompanhou a mesma evolução histórica.
O Código Comercial de 1850, como já mencionado, foi espelhado no Código
Comercial francês de 1808 e adotou a teoria dos atos de comércio, os quais foram tipificados
no Regulamento 737, de 1850. O código se dividia em três partes: parte geral; comércio
marítimo; e quebras (falência) do comerciante.
O Código Civil de 2002, influenciado pelo Código Civil italiano de 1942, revogou a
primeira parte do código anterior e adotou a teoria da empresa, definindo empresário como
aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada.
A segunda parte do Código Comercial foi revogada pela Lei de Falência 7.661 de
1945, que, por sua vez, foi revogada Lei de Falências 11.101 de 2005, o que, inclusive,
reforça a ideia de que a unificação formal não foi completa, já que continuam a existir leis
especiais aplicáveis à atividade empresarial, assim como institutos jurídicos e princípios
12 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p.
145.
19
próprios. Constata-se, assim, que houve derrogação do Código Comercial, já que a segunda
parte, referente ao comércio marítimo ainda está em vigor.
Dessa forma, conclui-se que o Direito atual que rege as atividades econômicas, mais
propriamente chamado de Direito Empresarial, tem como foco principal a identificação do
que é empresa, pelo que é o que se propõe a analisar a seguir.
2.2 Teoria da empresa
O núcleo do atual Direito Empresarial está focado na atividade empresarial. Não
importa quem é o empresário ou o que ele faz; o importante é como ele faz.
Shandor Portella Lourenço 13 enaltece que o Direito Empresarial possui uma
jurisprudência axiológica valorativa, que interpreta as leis mercantis de modo a aperfeiçoar a
existência do seu objeto, procurando proteger (lei de falências, marcas e patentes etc.) e
gravitar em torno da figura do empresário.
Dessa forma, percebe-se que o enfoque é no empresário. A identificação e a definição
do titular desses direitos tornam-se o ponto de partida do Direito Empresarial.
Neste sentido – como dito que o atual Código Civil adotou a teoria subjetiva moderna
– é que o diploma civilista vigente dispôs em seu art. 96614, ipsis litteris:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Como ensina Thales Poubel Catta Preta Leal15, não há conceito jurídico de empresa,
nem mesmo de elemento de empresa, mas há um conceito jurídico de empresário, fundado em
um conceito doutrinário de empresa.
13 LOURENÇO, Shandor Portella. O empresário e a teoria subjetiva moderna. Revista Virtual Faculdade
de Direito Milton Campos, v. 10, 2012. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. p. 5. 14 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
. Acesso em: 13 jul. 2013. 15 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. 2004. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em
Direito, Belo Horizonte, p. 62.
20
Ressalta-se que o termo empresa está sempre ligado à atividade, não se confundindo
com a figura do empresário, que é quem a exerce. Por isso, quando se deseja referir ao titular
ou sujeito de direitos, deve-se falar em sociedade.
Didaticamente, os autores extraem do mencionado dispositivo legal três elementos
caracterizadores da empresa: profissionalismo, atividade econômica, organização e produção
ou circulação de bens ou serviços.
Assim ensina o autor Thales Catta Preta Leal16:
A expressão adequada seria “sociedade empresária”, uma vez que a sociedade –
pessoa distinta das pessoas de seus sócios – é que é a empresária, da mesma forma
que uma pessoa física, que exerça atividade empresarial, é denominada empresário
individual.
Nessa linha, verifica-se que quem se sujeita aos institutos do Direito Empresarial é a
sociedade empresária, e não os seus sócios, pois eles, no sentido jurídico, não são
empresários.
Com base em tais elementos, conclui-se que o empresário deve ser pessoa natural ou
jurídica que exerce com habitualidade, em nome próprio, uma atividade econômica destinada
à circulação de bens ou à execução de serviços no mercado com o objetivo de obter lucro, de
forma organizada. Ficam ressalvados aqueles definidos no parágrafo único art. 966, os quais,
mesmo reunindo todos estes elementos, não seriam considerados empresários ou sociedade
empresária, mas sim às sociedades simples. Incluem-se também as cooperativas (art. 982,
parágrafo único do Código Civil) e o produtor rural (art. 970, Código Civil), já que a lei lhes
dá mera opção quanto ao seu registro para que, então, possam ser considerados empresários.
Fogem ainda a esta caracterização legal as sociedades anônimas, as quais, independentemente
do seu objeto social e da sua prática mercantil serão consideradas sociedades empresárias (art.
982, parágrafo único do Código Civil e art. 2º, § 1º, da Lei 6.404/7617).
Dentre esses elementos, deve-se destacar a organização como elemento central, por ser
ela que garantirá a previsibilidade das relações e a segurança de trabalho no longo prazo.
Rachel Sztajn18 muito bem explica este contexto:
16 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. 2004. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em
Direito, Belo Horizonte, p. 63. 17 BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por ações. Disponível em:
. Acesso em: 27 ago. 2014. 18 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 97-98.
21
Impossível imaginar uma empresa, qualquer empresa, sem organização. E, sem esse
elemento, a organização, como extremar empresário de trabalhador autônomo?
Quanto aos exercentes de atividades intelectuais, a questão está em definir que
elementos permitem enquadrá-los como empresários. Aqui, parece que o elemento
organização de fatores da produção de titularidade de terceiros é fundamental para
que se apure se há ou não o elemento da empresa (art. 966, parágrafo único, do
Código Civil).
Organização parece ser o elemento central, essencial, necessário porém não
suficiente, para determinar a existência da empresa, porque gera o aparato produtivo
estável, estruturado por pessoas, bens e recursos, coordena os meios para atingir o
resultado visado. Tanto a organização de pessoas, centrada nas relações de trabalho
subordinado, cuja disciplina é a dos contratos de trabalho, quanto a organização dos
meios patrimoniais (recursos e bens) para o exercício de uma atividade estão
presentes no desenho da empresa. Por isso é, atualmente, fácil abandonar a antiga
discriminação entre auto e hétero-organização na configuração da empresa,
empregando-se critérios mais aceitáveis como fungibilidade dos fatores da
produção.
O desempenho da atividade de forma organizada exige que haja uma estrutura
constituída de forma profissional, não eventual, que assume os riscos de seu exercício e que
tenha a coordenação de suas atividades voltada para o mercado com base na junção dos
fatores de produção.
Como comenta Rachel Sztajn19, a integração de operações visa facilitar a produção,
cujo planejamento e fiscalização têm relevante fundamento, notadamente quando envolvem a
transmissão de informação ou conhecimento, como no caso de patentes e/ou cessão do direito
de uso de marcas, tal como se dá nas franquias.
Embora seja essencial, a organização como elemento da atividade empresária não
pode ser avaliada isoladamente. Mas o desempenho de uma atividade econômica assume o
aspecto empresarial quando passa a adotar padrões e estruturas que viabilizam a larga escala
de produção, de circulação ou de prestação de serviço ou, ainda que não seja larga, mantenha
frequência e estabilidade de maneira suficiente a viabilizar a oferta ao mercado. A estrutura
organizada permite ao empresário e à sociedade empresária assumir riscos do
empreendimento e maximizar a percepção dos lucros, garantindo profissionalismo ao
exercício da atividade.
19 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 94.
22
2.2 Noções gerais do Direito Societário
A sociedade empresária moderna tem origem nos primórdios da civilização. Por sua
natureza social e por sua necessidade de sobrevivência, o trabalho em grupo, a produção para
a autossubsistência e para o outro e a troca de mercadoria sempre fizeram parte da relação
humana. Como afirmam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro20, o surgimento
do fenômeno associativo deu-se no momento em que o homem percebeu que a eficiência de
determinadas tarefas poderia ser maior se elas fossem executadas com a comunhão de
esforços e objetivos de duas ou mais pessoas.
Este fenômeno, além de ser antigo, sempre se caracterizou pela dinâmica e velocidade
da evolução das relações associativas, sobretudo as de natureza mercantil, as quais, cada vez
mais, apresentam-se complexas e diversificadas.
Como toda relação que envolve divergência de interesses, desde os tempos mais
remotos, sempre houve a necessidade de regulamentação específica da atividade mercantil.
Foi no vigor mercantilista da Idade Média que o Direito Comercial começou a ter
contornos próprios e também foi neste momento que surgiu o modelo mais próximo do que
hoje se entende por sociedade empresária, no sentido de separação dos patrimônios dos sócios
em relação ao patrimônio da sociedade. Como narram Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla P.
Ribeiro 21 , nessa época as sociedades eram eminentemente intuitu personae, pois o que
aproximava os sócios eram suas características pessoais e seus objetivos comuns,
característica denominada de affectio societatis existente até os dias de hoje nas chamadas
“sociedades de pessoas”.
Com a evolução das relações mercantis, sobretudo com o Renascimento e com a “Era
dos Descobrimentos”, provimentos que impulsionaram ainda mais o comércio, surgiram as
companhias colonizadoras, que se tratavam de “sociedades que reuniam grande quantidade de
capital, dividindo em ações que, por sua vez, eram distribuídas entre um número considerável
de pessoas”22, como é o caso da Companhia Holandesa das Índias Orientais, criada em 1602,
em que o elemento atrativo da associação das pessoas deixou de ser as características pessoais
para ser a contribuição financeira, fazendo surgir as chamadas “sociedade de capital”.
O objeto de estudo do Direito Societário é exatamente estas formas de associação, isto
é, as sociedades criadas para exercer a atividade mercantil.
20 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 155. 21 BERTOLDI, op. cit. p. 155. 22 Idem, 2013, p. 156.
23
Até o Código Civil de 2002, o objeto do Direito Comercial era balizado pelos atos
praticados, de modo que, se subsumissem àqueles considerados como atos de comércio, ter-
se-ia, uma atividade empresária. Com a adoção da teoria da empresa, houve o alargamento da
abrangência do estudo, pois não só os comerciantes seriam alvo da legislação e deste ramo,
mas também todos os empresários que praticassem a atividade reconhecida pela lei como
empresária.
Os doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro 23 afirmam que não faz mais
sentido a distinção entre sociedade civil e sociedade comercial, já que o objeto agora passa a
ser a sociedade empresária, definida por eles como sendo uma organização econômica
constituída, ordinariamente, por mais de uma pessoa, dotada de personalidade jurídica, capaz
de adquirir direitos e assumir obrigações por si mesma, possuindo patrimônio próprio, que,
independente e destacado do patrimônio de seus sócios, responde por suas dívidas e
obrigações, tendo por objetivo promover a produção ou a troca de bens ou serviços com fins
lucrativos.
Diante de tais definições, os autores citados entendem que a atual classificação em
“simples” ou “empresária” passou a decorrer do conceito de empresário, abandonando-se,
portanto, a classificação anterior, na qual se levava em consideração o objeto da atividade,
que poderia ser civil ou comercial.
Compreendido o que seria seu objeto, destaca-se que o Direito Societário visa,
especialmente, tratar do regime de organização e das regras norteadoras das sociedades, sejam
elas empresárias ou não. O Código Civil, neste aspecto, dá a elas disciplina específica em
consonância com o tipo, dividindo-as em não personificada – as quais podem ser a sociedade
em comum ou a sociedade em conta de participação; e personificadas – compreendendo as
simples e as empresárias já esclarecidas.
Dentre as sociedades empresárias, a legislação vigente prevê a existência de cinco
espécies de sociedades empresárias: sociedade em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044 do
Código Civil); sociedade em comandita simples (arts. 1.045 a 1.051 do Código Civil); a
sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087 do Código Civil); sociedade anônima (arts. 1.088 e
1.089 do Código Civil e Lei 6.404/76); e sociedade em comandita por ações (arts. 1.090 a
1.092 do Código Civil e Lei 6.404/76).
A limitação da responsabilidade das dívidas da sociedade ao seu próprio patrimônio,
deixando o patrimônio pessoal dos sócios destacada, presente nas sociedades anônimas e nas
23 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 156-157.
24
sociedades anônimas, faz com que sejam estas as espécies mais utilizadas atualmente. Em
razão disso, bem como diante do tema proposto, passa-se a expor de forma mais detalhada
apenas a sociedade limitada.
25
3 SOCIEDADE LIMITADA
A sociedade limitada surgiu em 1892, na Alemanha, com a criação da chamada
“sociedade de responsabilidade limitada”24, que trazia a simplicidade de sua constituição e a
limitação da responsabilidade dos sócios, os quais não responderiam pessoalmente pelas
dívidas da sociedade, o que não ocorria com os outros formatos existentes à época. Este
modelo acabou por inspirar outros países a adotarem o mesmo formato.
Noticiam os doutrinadores que em 1911 o projeto do novo Código Comercial
apresentou-se como a primeira tentativa de trazer para legislação brasileira o referido modelo.
Embora este projeto não tenha logrado êxito, alguns anos depois um projeto que propunha a
criação da sociedade por quotas de responsabilidade foi aprovado. Surgiu, assim, o Decreto
3.708, de 10 de janeiro de 1919, tendo vigorado até o surgimento do Código Civil de 2002,
que o revogou tacitamente.
Falar de sociedade limitada exige, de imediato, a clara concepção do que seja
sociedade de pessoas e limitação da responsabilidade, pois são estas características principais
desta espécie societária que a tornam tão atrativa e comum nas relações de cunho empresarial.
É sobre isso que passa-se a discorrer a seguir.
3.1 Definição da sociedade limitada
O fenômeno associativo com fins mercantis iniciou mediante a atração das
características pessoais e dos objetivos comuns entre aqueles que uniam esforços para a
produção e circulação de produtos ou a prestação de serviços. A ideia primitiva de sociedade
passa, portanto, pela concepção do affectio societatis.
Essa expressão remete à ideia de que o liame entre os sócios se dá pela intenção deles
de constituir uma sociedade, a qual é baseada na vontade expressa e manifestada livremente
pelas partes que as escolhem de maneira personalíssima.
Percebe-se, assim, a natureza personalíssima do vínculo entre os sócios de uma
sociedade limitada, o que sobressai a importância das regras de ingresso e de saída dos sócios
neste formato de sociedade, pois a modificação de quem sejam os sócios pode influenciar a
própria existência da sociedade.
24 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 201.
26
Outro aspecto relevante da sociedade limitada, inerente a sua própria denominação,
refere-se à limitação da responsabilidade dos sócios.
Segundo os arts. 2º e 9º do Decreto 3.70825, o qual estabeleceu pela primeira vez este
tipo de sociedade na legislação brasileira, a responsabilidade dos sócios na sociedade por
quotas seria limitada à importância total do capital social, respondendo solidariamente, em
caso de falência, pela parte que faltasse para preencher o pagamento das quotas não
inteiramente liberadas. Ou seja, estabelecia-se, assim, uma responsabilidade subsidiária, pois,
em um primeiro momento, os sócios não responderiam pelas dívidas. Porém, não havendo
bens da sociedade suficientes para saldar as obrigações dela, eles responderiam limitados ao
montante do capital social que ainda não houvesse integralizado. Do contrário, se estivessem
quites com a respectiva integralização a que se comprometeu, estariam livres de qualquer
responsabilidade.
O Código Civil de 2002 reiterou essa limitação, dispondo no art. 1.052 que “a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem
solidariamente pela integralização do capital social”.
Os doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro26 destacam as exceções, nas quais
os sócios responderão ilimitadamente, quais sejam: (a) quando um sócio que deliberar
contrariamente ao contrato social ou em desconformidade com o ordenamento jurídico
responderá ilimitadamente pelas obrigações advindas da decisão (art. 1.080 do Código Civil);
(b) perante os créditos relativos às dívidas fiscais (art. 135, inciso III do Código Tributário
Nacional); (c) a crescente e frequente hipótese de responsabilidade ilimitada construída pela
jurisprudência diante de créditos trabalhistas, quando é verificada a insuficiente de bens da
sociedade para suportarem o pagamento; (d) todas as hipóteses de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial que cause danos
a terceiros (art. 50 do Código Civil, art. 8º da Lei 8.078/90, art. 4º da Lei 9.605/98, e art. 34 da
Lei 12.529/11).
25 Art. 2o. O titulo constituivo regular-se-há pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus numeros do Codigo
Commercial, devendo estipular ser limitada a responsaiblidade dos sócios à importancia total do capital
social (sic).
Art. 9o. Em caso de fallencia, todos os socios respondem solidariamente pela parte que faltar para preencher
o pagamento das quotas não inteiramente liberadas. Assim, tambem, serão obrigados os socios a repór os
dividendos e valores recebidos, as quantias retiradas, a qualquer titulo, ainda que autorizadas pelo contracto,
uma vez verificado que taes lucros, valores ou quantias foram distribuidos com prejuizos do capital realizado.
(sic). (BRASIL. Decreto 3.708, DE 10 DE JANEIRO DE 1919. Regula a constituição de sociedades por
quotas, de responsabilidade limitada. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2014. 26 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 203.
27
Seria possível estender o estudo sobre as sociedades limitadas abrangendo todas suas
características, tais como as condições para constituição da sociedade, todas as possibilidades
de aumento e redução do capital social, a legitimidade e os deveres dos administradores, a
criação e deveres do conselho fiscal, as regras sobre nome social, firma e denominação, dentre
tantas outras diretrizes. Porém, dada a especificidade do tema ora proposto, esclarece-se que
será exposto tão somente aquilo que for relevante para seu estudo e, quando oportuno,
obviamente, será feita a análise complementar do que não houver sido destacado com maior
ênfase.
3.2 Legislação aplicável
A sociedade limitada, originariamente denominada de “sociedade de quotas de
responsabilidade limitada”, entrou no ordenamento brasileiro por meio do Decreto 3.708, de
10 de janeiro de 1919, o qual disciplinava esta espécie por meio de apenas dezenove artigos.
Em razão disso, para alguns doutrinadores ele era lacônico e imperfeito; para outros,
delimitava na medida certa, já que permitia a criação de cláusulas contratuais em total
consonância com os interesses e as necessidades dos sócios.
Sob a vigência do referido diploma legal, o contrato social dessas sociedades poderia
dispor livremente o seu próprio regramento, o qual deveria observar as disposições do
Decreto e dos arts. 300 a 302 do Código Comercial27. Naquilo que não fosse regulado no
27 Código Comercial:
Art. 300 - O contrato de qualquer sociedade comercial só pode provar-se por escritura pública ou particular;
salvo nos casos dos artigos nºs 304 e 325. Nenhuma prova testemunhal será admitida contra e além do
conteúdo no instrumento do contrato social.
Art. 301 - O teor do contrato deve ser lançado no Registro do Comércio do Tribunal do distrito em que se
houver de estabelecer a casa comercial da sociedade (artigo nº. 10, nº 2), e se esta tiver outras casas de
comércio em diversos distritos, em todos eles terá lugar o registro. As sociedades estipuladas em países
estrangeiros com estabelecimento no Brasil são obrigadas a fazer igual registro nos Tribunais do Comércio
competentes do Império antes de começarem as suas operações. Enquanto o instrumento do contrato não for
registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os
sócios solidariamente (artigo nº. 304).
Art.302 - A escritura, ou seja pública ou particular, deve conter: 1 - Os nomes, naturalidade e domicílios
dos sócios. 2 - Sendo sociedade com firma, a firma por que a sociedade há de ser conhecida. 3 - Os nomes
dos sócios que podem usar da firma social ou gerir em nome da sociedade; na falta desta declaração, entende-
se que todos os sócios podem usar da firma social e gerir em nome da sociedade. 4 - Designação específica
do objeto da sociedade, da quota com que cada um dos sócios entra para o capital (artigo nº. 287), e da parte
que há de ter nos lucros e nas perdas. 5 - A forma da nomeação dos árbitros para juízes das dúvidas sociais.
6 - Não sendo a sociedade por tempo indeterminado, as épocas em que há de começar e acabar, e a forma da
sua liquidação e partilha (artigo nº. 344). 7 - Todas as mais cláusulas e condições necessárias para se
determinarem com precisão os direitos e obrigações dos sócios entre si, e para com terceiro. Toda a cláusula
ou condição oculta, contrária às cláusulas ou condições contidas no instrumento ostensivo do contrato, é nula.
(BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2014).
28
contrato social, de forma supletiva e no que fosse compatível, deveriam ser aplicadas as
disposições da Lei das Sociedades por Ações. Ou seja, a Lei 6.404/76 deveria ser utilizada de
forma supletiva ao contrato social.
O Decreto 3.708/19 foi revogado tacitamente pelo Código Civil de 2002, em vigência
desde 11 de janeiro de 2003, o qual, além alterar a denominação para “sociedade limitada”,
dispôs de forma distinta sobre a legislação aplicável a tais sociedades.
O art. 1.053 28 do Código Civil prevê que nos casos de omissão as regras das
sociedades simples serão aplicáveis às sociedades limitadas, bem como seu parágrafo único
permite que o contrato social da sociedade limitada possa eleger a aplicação supletiva da Lei
de Sociedades Anônimas.
Embora o dispositivo pareça ser claro, sua interpretação vem causando grandes
discussões, tendo em vista que alguns doutrinadores entendem que, diante do caráter
contratualista da sociedade limitada, a aplicação das regras das sociedades anônimas – que,
por natureza, são institucionais e capitalistas – somente não poderia acontecer se houvesse
uma simples transposição de regras, já que haveria um risco de descaracterizá-la.
Todavia, o entendimento predominante é no sentido de que as regras das sociedades
simples constituem regras gerais de Direito Societário, o que é amparado até mesmo pelo teor
do caput do art. 1.053, também do Código Civil.
Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro29 destacam:
Devemos registrar que a aplicação supletiva das normas relativas às sociedades
anônimas, quando assim ficar determinado pelo contrato social, somente será
cabível quando compatível com a natureza da sociedade limitada. Evidentemente
são incompatíveis as determinações da Lei das Sociedades por Ações que regulam
os valores mobiliários (debêntures, partes beneficiárias, etc.), as sociedades de
economia mista, a subsidiária integral, as regras sobre alienação de controle etc. Em
suma, as disposições da Lei das Sociedades por Ações aplicáveis à sociedade
limitada são aquelas compatíveis com a natureza desta e que não contrariem seu
contrato social.
Fabio Ulhoa Coelho30 ressalta que a aplicação da Lei das Sociedades Anônimas às
sociedades limitadas acontece em duas situações, quais sejam, quando houver disposição do
28 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da
sociedade anônima. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
. Acesso em: 13 jul. 2013) 29 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 205. 30 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2014. p. 399. v. 2.
29
contrato social determinando sua aplicação, o que ocorreria de forma supletiva ao regime
estabelecido no Código Civil; e nos casos de lacuna da lei e em matéria não passível de
negociação entre os sócios, pois, nos termos do art. 4º31, da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro, assim deve agir o juiz, aplicando-a como forma de colmatagem do sistema
legal, mediante sua aplicação por analogia, mesmo que o contrato social venha a determinar a
utilização supletiva das normas da sociedade simples.
Rubens Requião32 ensina que, para que haja influência da legislação das sociedades
por ações no funcionamento da sociedade limitada, “o caso deverá prefigurar três condições: I
– a opção dos sócios pela legislação extravagante; II – a omissão do contrato social sobre o
tema; III – matéria em que os sócios tenham liberdade para negociar e regular”.
Em outras palavras, Fábio Ulhoa Coelho33, conclui:
Sintetiza-se, então, a questão da legislação aplicável às sociedades limitadas nos
seguintes termos: em assunto disciplinado pelo capitulo do Código Civil específico
deste tipo societário (Parte Especial, Livro II, Título II, Subtítulo II, Capítulo IV,
arts. 1.052 a 1.087), vigora a disposição nele contida; na constituição e dissolução
total, observa-se sempre o Código Civil; nos demais casos, se a matéria é passível de
negociação entre os sócios, consulta-se o contrato social, aplicando-se
supletivamente a disciplina do Código Civil respeitante à sociedade simples (arts.
997 a 1.038), ou, se assim desejado pelos sócios de modo expresso, a da Lei das
Sociedades por Ações; não sendo a matéria suscetível de negociação, pode-se
aplicar analogicamente a Lei das Sociedades por Ações na superação da lacuna.
Assim, é possível concluir que as sociedades limitadas poderão livremente dispor sua
própria disciplina em seu contrato social, o qual deverá obedecer aos arts. 1.052 a 1.087 do
Código Civil e estabelecer a incidência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas. Em caso
de omissão quanto à incidência supletiva ou em casos de lacunas da lei, deverá,
primeiramente, aplicar as regras das sociedades simples. Quando eles não forem suficientes
ao caso, deverá ser aplicada a Lei das Sociedades Anônimas no que houver compatibilidade.
31 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito. (BRASIL. Decreto-Lei4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao às normas do
Direito Brasileiro. Disponível em: . Acesso
em: 21 ago. 2014) 32 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 585. 33 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 400. v. 2.
30
3.3 Quota social
Para discutir sobre a quota social de uma sociedade limitada, é preciso antes entender
o que seja o capital social de uma sociedade empresária.
Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro34 definem o capital social como a
[...] tradução em moeda nacional dos valores ou bens que os sócios transferiram ou
se obrigaram a transferir à sociedade quando de sua constituição, valores e bens
esses que serão empregados na consecução dos objetivos sociais e sem os quais a
sociedade jamais atingiria os fins almejados por seus criadores.
O art. 287 do Código Comercial revogado bem traduzia essa concepção, ao dispor que
“é da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem
seja lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta
consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria”.
Rubens Requião 35 define o capital social como a “soma representativa das
contribuições dos sócios”, podendo ser constituído em dinheiro – a que os franceses chamam
de apport en numeraire – ou em bens – apport em nature.
Ressalta-se que capital social não se confunde com patrimônio social, que é “formado
pelo conjunto de bens e direitos pertencentes à sociedade empresária”36, embora eles possam
até ser coincidentes no ato da constituição da sociedade. Após este momento inicial, a
atividade empresária, naturalmente, gerará gastos e perdas, despesas e ganhos, os quais
poderão aumentar ou diminuir seu patrimônio, o que, conforme ressalta Marcelo Bertoldi e
Márcia Ribeiro, sujeita os sócios a deliberarem pela diminuição ou aumento do capital social
sempre que houver excessos, para que mantenham compatibilidade do seu valor com a
realidade da atividade.
Percebe-se que o capital social representa o estímulo econômico inicial, materializado
por bens, corpóreos ou incorpóreos, de quaisquer espécies – desde que mensuráveis em
dinheiro – transferidos pelos sócios para a constituição e operação da sociedade.
Vale destacar que o art. 1.05537 do Código Civil, veda a integralização por prestação
de serviços, assim como determina a responsabilidade pessoal de todos os sócios pela exata
34 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 162-163. 35 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 495. 36 BERTOLDI, op. cit. p. 163. 37 Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§ 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o
prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
31
valoração atribuída aos bens conferidos ao capital social, pelos quais respondem
solidariamente até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
Como ensinam Marcelo Bertoldi e Carla Ribeiro38, o capital social terá uma função
externa, correspondente à garantia que representa perante os credores da sociedade, e uma
função interna, a qual se destina a suprir a sociedade de bens necessários para a exploração da
empresa, nos termos propostos por sua constituição e objeto social. Em razão disso, é de
extrema importância que os bens integralizados representem, realmente, o valor atribuído ao
capital social.
O último dispositivo legal citado também estabelece que o capital social deve ser
divido em quotas, iguais ou desiguais.
A constituição do capital social é, literalmente, uma transferência de bens para a
sociedade. Cristiane Gandra, ao citar Paul Le Cannu39, destaca que o aporte se parece muito
com a venda, pois a propriedade do bem é efetivamente transferida para a sociedade que
detém personalidade, de modo que, em contraprestação ao bem dado em aporte, o sócio não
recebe um valor, mas as quotas ou ações, com a participação nos resultados (se houver)
referentes a elas.
Com base nestas noções, é possível entender que as quotas40 sociais representam o
produto do fracionamento do capital social, as quais devem ser repartidas, de maneira igual ou
desigual, entre os sócios, nos termos que forem dispostos no contrato social.
Waldemar Marins Ferreira41 para relacionar a concepção de quota social com capital
social:
[...] a quota, ao fazer parte do capital, “dele não se desintegra, mas ao contrário nele
se funde, deixando de pertencer ao sócio a fim de incorporar-se no cabedal
§ 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em: .
Acesso em: 13 jul. 2013). 38 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 163. 39 LE CANNU, Paul. Detroi des Sociétés. Paris: Montchrestien, 2002. p. 107, citado por GANDRA, Cristiane
Giuriatti. Partilha de quotas de sociedade limitada em virtude de dissolução de sociedade conjugal.
2006. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima.
Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2014. 40 Embora seja comum a grafia distinta da palavra, segundo o Dicionário Aurélio e o Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa, quota ou cota possuem grafias corretas e tem significados idênticos. (FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda; FERREIRA, Marina Baird; ANJOS, Margarida dos (Coord.). Dicionário
Aurélio da língua portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010; ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
Quota ou cota: possuem grafias corretas e tem significados idênticos. Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2014) 41 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedade por quotas. 5. ed. rev. aum. São Paulo: Companhia Graphico
Editora Monteito Lobato, 1925.
32
societário, uno e inteiriço”. Por fazer parte integrante do capital, o sócio tem “nada
mais do que as cifras do seu montante, medida dimensional para o exercício de seus
direitos, no confronto com os dos demais sócios”.
Isso porque, constituída e registrada a sociedade, começa a sua existência legal
como pessoa jurídica de direito privado, adquirindo, desde então, personalidade
jurídica, inconfundível com a dos sócios que a compõe. Portanto, quando o sócio
confere ao capital os seus cabedais, seja em dinheiro ou em bens, procede à
transferência da respectiva propriedade.
Desse contexto se extrai que o sócio transfere um imóvel sobre o qual ele possui um
direito real – direito de propriedade – para, em troca, receber quotas. Dessa contraprestação
surge uma premissa essencial para correlacionar o Direito das Sucessões com o Direito
Empresarial ao assunto ora proposto: a natureza híbrida das quotas sociais.
Conforme ensinam Marcelo Bertoldi e Márcia Ribeiro42, a natureza jurídica das quotas
possui duplo aspecto: quais sejam, como direito pessoal, por atribuírem a seu titular todos os
direitos inerentes ao sócio; e como direito patrimonial, por conferirem a seu dono o direito de
participar dos resultados sociais e da partilha no caso da liquidação da sociedade.
Essa distinção também é feita por Arnoldo Wald43, que destaca conforme feito no
Direito Alemão, anunciando a expressão Stammeinlage como definição para os direitos
patrimoniais, por representar parte de contribuição aos sócios e a expressão Geschäftsanteil,
que detona a direito pessoal, definido como status socii.
Leopoldo da Cunha Nicoli44 noticia que para a maioria da doutrina as quotas sociais
podem, além de comporem o patrimônio do sócio, representar também sua participação na
administração e fiscalização na gestão da sociedade. Desse modo, o aspecto patrimonial
consiste no valor pecuniário que elas representam em caso de liquidação da sociedade, bem
como na percepção de lucros. Já o direito ao status socii revela o direito de participar e de
opinar sobre o rumo da sociedade e suas decisões gerenciais.
Alguns autores, como José Edwaldo Tavares Borba 45 , entendem que as quotas
correspondem à posição de direitos perante a sociedade, os quais são direitos pessoais de
caráter patrimonial, enquanto a ação, ela própria, é objeto de direito, de tal forma que dela
decorrem os direitos de seu titular em relação à sociedade.
42 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 215. 43 WALD, Arnoldo. Comentários ao novo código civil. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. V. XIV, livro II, p. 357. 44 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 45-46. 45 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 11. ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p. 45.
33
A percepção principal a que se deve chegar é a de que a detenção de quotas de uma
sociedade apresenta duas distintas finalidades, as quais, embora sejam interligadas, podem
justificar a disciplina específica para o destino das quotas, como ocorre no caso de
falecimento de um sócio, o que será tratado adiante.
3.4 Contrato social
Nos termos dos arts. 45, 985 e 1.150 do Código Civil46, tem-se que as sociedades
empresárias são constituídas por meio do seu instrumento de constituição, o qual é chamado
de estatuto ou contrato social, a depender do tipo societário.
No caso das sociedades limitadas, deverá ser elaborado o contrato social, o qual será
arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais do
Estado onde ela operará suas atividades, no prazo de 30 (trinta) dias de sua assinatura, cuja
validade retroagirá a este momento.
Há uma larga discussão sobre a natureza jurídica do contrato social, haja vista que,
embora seja um contrato propriamente dito, não se detectam nele as características
tradicionais dos contratos em geral.
Autores, como Gierke, Duguit, Rocoo e Messineo citado por Marcelo M. Bertoldi47,
defendiam a ideia de que o contrato seria um ato complexo ou coletivo, já que, embora
existam a bilateralidade de interesses, deveres e direitos, estaria ausente o antagonismo entre
as partes envolvidas, pois não haveria interesses contrários, mas, ao contrário, a conjunção de
esforços dirigidos a um mesmo objetivo.
Posicionamento diferente e predominante é o que se atém à natureza contratualista das
sociedades.
46 Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito
privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei,
dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a
cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá
obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade
empresária. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
. Acesso em: 13 jul. 2013) 47 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 158.
34
Conforme ensina Tullio Ascarelli 48 , as sociedades empresárias são formadas por
contrato plurilaterais, os quais permitem a participação de mais de duas partes, sendo que
todas elas assumem obrigações e usufruem de direitos recíprocos. Na sociedade, embora
exista o conflito de interesse entre os envolvidos, todos têm uma finalidade em comum, que é
exatamente aquela associada à constituição, funcionamento e sucesso da sociedade formada.
A ideia é de que existe um feixe de obrigações entrelaçadas, e não uma contraposição de uma
parte contratante perante a outra.
Ainda que existam outras teorias, como comenta Leopoldo Nicoli49, prioriza-se essa
teoria contratualista (plurilateral), tendo em vista que para ela a conservação da empresa é
mais significativa do que a conservação do sócio, pelo que, quando se fala em dissolução,
deve-se procurar a possibilidade de romper apenas um vínculo contratual, permanecendo os
demais, em virtude do princípio da preservação e da função social da social.
Superadas essas questões referentes à natureza do contrato social, passa-se a defini-lo,
informando que o contrato social é um instrumento a ser elaborado pelos sócios fundadores da
sociedade, lavrado por instrumento público ou privado, o qual irá regular sua existência,
dispondo as regras essenciais para o seu funcionamento, como a definição do capital social, a
distribuição de quotas, a forma de administração da sociedade, o objeto social e o prazo de
duração, dentre outras disposições. Como afirma Marcelo Bertoldi50, o contrato social é o
instrumento que, ao regular o funcionamento da sociedade, impõe, em conjunto com o
ordenamento jurídico, as regras a que se submeterão a sociedade empresária e seus sócios.
Diante do que estabelecem o art. 997 do Código Civil51 e o art. 53, inciso III, do
Decreto 1.800/9652, é possível identificar que existem as cláusulas contratuais obrigatórias e
as facultativas.
48 ASCARELLI, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller,
2001. p. 374. 49 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 19. 50 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 206. 51 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas
estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a
denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens,
suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as p