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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS Nova Lima 2014

A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

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Page 1: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES

A SUCESSÃO CAUSA MORTIS

DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO

NO REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS

Nova Lima

2014

Page 2: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES

A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS

DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME

CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Direito da Faculdade

de Direito Milton Campos, como requisito parcial

à obtenção do título de Mestre em Direito

Empresarial.

Área de concentração: Direito Empresarial

Orientador: Professor Doutor Salomão de Araújo

Cateb

Nova Lima

2014

Page 3: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

SALLES, Diana Nacur Nagem Lima

S168 s A sucessão causa mortis de quotas da sociedade limitada pelo cônjuge casado no

regime convencional da separação de bens./ Diana Nacur Nagem Lima Salles – Nova Lima:

Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2014.

132 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Salomão de Araújo Cateb

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de

concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.

Referências: f. 122-130

1. Regime da separação convencional de bens. 2. Vocação hereditária do cônjuge. 3.

Sucessão causa mortis das quotas de sociedade limitada. 4. Contrato social. I. Cateb,

Salomão Araújo. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título.

CDU 347.724 (043)

347.627

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

Page 4: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada: “A sucessão causa mortis de

quotas da sociedade limitada pelo cônjuge

casado no regime convencional da separação de

bens”, elaborada por DIANA NACUR NAGEM

LIMA SALLES para exame da banca constituída

pelos seguintes professores:

________________________________________

Prof. Dr. Salomão Araújo Cateb

Orientador

________________________________________

Prof. Dr.

________________________________________

Prof. Dr.

Nova Lima, ______,________________,2014 Alameda da Serra , 61, Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900.

Page 5: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

A minha mãe e a minha avó Lucy,

minhas inspirações na busca incessante pelo estudo e pelo trabalho.

Page 6: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

AGRADECIMENTO

Ao Gustavo, meu amor, meu apoio, meu amuleto, meu amparo, minha força, meu esteio, por

entender que seria possível ter um casamento sólido mesmo tendo uma esposa nem sempre

presente. Por me ajudar a superar o pesadelo do passado a cada vez que adentramos em uma

estrada – o que, para este trabalho, ocorreu, aproximadamente, cento e noventa e duas vezes.

Por, além de aceitar, incentivar minha incessante busca por conquistas que me permitam olhar

para nossa trajetória e dizer “Valeu a pena”!

A minha mãe e a minha avó, por todos os ensinamentos, os quais me permitiram enfrentar os

obstáculos que sua repentina e destruidora partida me causou: sofrimento e aprendizados

imensuráveis.

Ao professor Salomão Cateb, que, mesmo no momento de maior dor, me ajudou a aprender e

a me dedicar com paixão ao Direito das Sucessões.

Ao “MM. Rafa”, parceiro de trabalho, confidente de vida, pelos inúmeros e incansáveis

debates jurídicos, dentre os quais nasceu o tema ora estudado.

A Deus, razão da dor e do aprendizado, da tristeza e da alegria, da derrota e da superação.

Page 7: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

Todas as coisas, na Terra, passam.

Os dias de dificuldades, passarão.

Passarão também os dias de amargura e solidão.

As dores e as lágrimas passarão.

As frustrações que nos fazem chorar um dia passarão.

(Chico Xavier)

A saudade do ser querido que está longe, não, Chico! Não passará!

(Diana Nacur Nagem Lima Salles)

Page 8: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

RESUMO

Este trabalho busca explicitar como ocorre a sucessão de quotas sociais pelo cônjuge

casado no regime convencional da separação de bens em uma sociedade no caso de

falecimento de um sócio. A organização de muitas sociedades empresárias e os negócios por

elas realizados, com certa frequência, consideram o regime de bens dos sócios, uma vez que

eventual partilha de bens em função de um divórcio ou de uma sucessão causa mortis pode

afetar os rumos e o sucesso da empresa. O art. 1.028 do Código Civil permite que o contrato

social disponha especificamente sobre o que deve ocorrer com as quotas e/ou com a sociedade

em caso de falecimento do sócio. Para tanto, examinam-se os limites das disposições do

contrato social, o qual deve respeitar normas cogentes, como as regras de vocação hereditária.

Esta questão é examinada, detendo especial atenção à necessidade de explicitar a vocação

hereditária do cônjuge na situação exposta perante o ordenamento jurídico ora vigente,

extraindo-se a devida interpretação do artigo 1.829 e 1.845 do Código Civil. É reconhecida a

independência, mas também o limite e o vínculo entre regras de Direito de Família, Direito de

Sucessões e Direito Empresarial. Alcançada a conclusão acerca do direito hereditário do

cônjuge neste contexto, estudam-se o princípio da autonomia privada e o da segurança

jurídica, identificando os limites das disposições do contrato social quanto às disposições de

cunho sucessório e as possibilidades de restrição do direito do cônjuge de participar da

sucessão das quotas na situação em análise. Os institutos jurídicos envolvidos são estudados

detidamente, em uma tentativa de assegurar a coerência, a previsibilidade e a segurança

jurídica da interpretação e da aplicação da lei em vigor, bem como do cumprimento das

disposições do contrato social.

PALAVRAS-CHAVE: Regime da separação convencional de bens. Vocação hereditária do

cônjuge. Sucessão causa mortis das quotas de sociedade limitada. Contrato social.

Page 9: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

ABSTRACT

This work seeks to explain how the succession of membership interest takes place in

the case of a spouse married under the conventional regime of separation of property in a

company in the event of death of a member. The organization of many companies and the

businesses conducted by them frequently take into account the matrimonial regime of the

members, once a possible distribution of property due to a divorce or to a succession may

affect the paths and the success of the company. Article 1,028 of the Brazilian Civil Code

allows the articles of organization to specifically prescribe what will occur to the membership

interest and/or with the company in case of death of a member. For that, the limits of the

provisions of the articles of organization are examined, for they must comply with applicable

rules, such as the rules governing the order of succession. This issue is examined, giving

special attention to the need to explain the order of succession of the spouse in the situation

put forward to the legal system in force, by extracting the due interpretation of Articles 1,829

and 1,845 of the Brazilian Civil Code. The independence is acknowledged, as well as the limit

and the connection between rules of Family Law, Law of Succession, and Business

Law. Once a conclusion is reached regarding the hereditary right of the spouse within this

context, the principles of the private autonomy and of the legal certainty are studied, and the

limits of the provisions of the articles of organization are identified in relation to the

provisions governing the succession and to the possibilities of restriction of the right of the

spouse to take part in the succession of the membership interest in the case under study. The

legal doctrines involved are specifically studied, in an attempt to ensure the coherence, the

predictability, and the legal certainty of the interpretation and the application of the law in

force, as well as of the compliance with the provisions of the articles of organization.

KEYWORDS: Conventional Separation Property Regime. Spouse's Inheritance Rigths.

Inheritance of quotas in limited companies. Articles of Incorporation.

Page 10: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................

10

2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO EMPRESARIAL ....................... 13

2.1 Breve contexto histórico do Direito Empresarial .............................. 13

2.2 Teoria da empresa ................................................................................ 19

2.3 Noções gerais do Direito Societário .....................................................

22

3 SOCIEDADE LIMITADA ................................................................... 25

3.1 Definição da sociedade limitada ........................................................... 25

3.2 Legislação aplicável ............................................................................... 27

3.3 Quota social ............................................................................................ 30

3.4 Contrato social ....................................................................................... 33

3.5 Dissolução da sociedade limitada ......................................................... 37

3.5.1 Legislação aplicável ................................................................................ 38

3.5.2 Causas de dissolução total e parcial ....................................................... 41

3.5.2.1 Consenso entre os sócios ......................................................................... 44

3.5.2.2 Direito de retirada .................................................................................... 45

3.5.2.3 Expulsão ou exclusão .............................................................................. 48

3.5.2.4 Liquidação da quota a pedido do credor do sócio ................................... 49

3.5.2.5 Falecimento de um sócio ........................................................................

50

4 DO CASAMENTO E DOS REGIMES DE BENS ............................ 55

4.1 Tipos de regime de bens ........................................................................ 60

4.2 Do regime da separação de bens .......................................................... 63

4.3 Meação .................................................................................................... 65

4.4 Pacto antenupcial ..................................................................................

66

5 SUCESSÃO CAUSA MORTIS .............................................................. 68

5.1 Sucessão legítima ................................................................................... 71

5.2 Ordem da vocação hereditária ............................................................. 72

5.3 Herança ..................................................................................................

74

6 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO CÔNJUGE CASADO NO

REGIME CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS ............

79

7 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA

AUTONOMIA PRIVADA ...................................................................

100

7.1 Distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada ............ 102

7.2 Limites da autonomia privada no pacto antenupcial e no contrato

social ........................................................................................................

105

8 SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME

CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS .............................

109

Page 11: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................

117

REFERÊNCIAS .................................................................................... 122

Page 12: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

10

1 INTRODUÇÃO

Amor, morte e empresa. São esses, respectivamente, o sentimento, o fato e a atividade

que norteiam este trabalho, os quais serão analisados em um dos momentos em que eles se

encontram: na sucessão causa mortis de quotas sociais da sociedade limitada pelo cônjuge.

O caráter contratual das relações patrimoniais do casamento ganhou força nas últimas

décadas, sobretudo diante da ascensão profissional e independência financeira da mulher, da

facilidade em romper e reconstituir um novo vínculo matrimonial e das diferentes formas de

constituição de entidades familiares.

Quando se confrontam questões patrimoniais com aspectos emocionais e

responsabilidade entre familiares, todavia, é preciso ir além do caráter meramente financeiro,

devendo-se colocar o amor familiar como pano de fundo para freá-lo e direcioná-lo.

A morte, por sua vez, parece nunca ser vista de forma diferente. Sempre será uma

interrupção, o marco de uma nova época, representando mudanças, saudade e dor. Mas em

alguns casos parece implicar mero esquecimento e passa a direcionar a conveniência dos

interesses patrimoniais.

Como cediço, de forma sucinta, a empresa remete à atividade econômica que reúne os

fatores de produção ou circulação de bens e serviços, de forma organizada e habitual,

vislumbrando o lucro. Sabe-se ainda que, dentre os existentes tipos societários na legislação

brasileira, comumente, tem-se a organização sob o formato da sociedade limitada, sobretudo

por seu caráter contratual e pela limitação da responsabilidade dos sócios.

Considerando os interesses negociais dos sócios e os patrimoniais presentes no

casamento, a escolha do regime de bens, cada vez mais, tem sido feita de forma racional e

calculada. O regime de separação de bens passou a ser uma opção para aqueles que desejam

construir seu patrimônio de forma independente, garantindo autonomia patrimonial aos

cônjuges e apresentando-se compatível com a dinâmica das atividades empresariais.

Ocorre que parte dos operadores do Direito e empresários acreditam que, em caso de

falecimento, o cônjuge viúvo que foi casado no regime convencional da separação de bens

não herdará, entendimento este que parece não ter respaldo no texto da lei vigente, assim

como não é pacífico na jurisprudência.

Neste sentido, a proposta deste trabalho é suscitar a problemática da sucessão causa

mortis de quotas de sociedade limitada pelo cônjuge casado no regime convencional da

separação de bens.

Page 13: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

11

O contexto deste tema se encontra no fato de que muitas sociedades empresárias, ao se

constituírem ou quando realizam um planejamento tributário, um planejamento sucessório ou

fusões e aquisições, consideram as relações conjugais sob o aspecto patrimonial dos sócios

envolvidos, uma vez que um divórcio ou uma sucessão hereditária pode afetar direta e

consideravelmente os rumos de uma sociedade empresária.

Pretende-se, então, responder às seguintes questões: O cônjuge viúvo que foi casado

no regime convencional da separação de bens tem direitos hereditários sobre os bens deixados

por seu cônjuge falecido? Em caso afirmativo, é possível excluí-lo da sucessão causa mortis?

O pacto antenupcial pode limitar direito sucessório? Se o cônjuge falecido era sócio de uma

sociedade limitada, o contrato social pode limitar o direito do cônjuge sobrevivente de herdar

as quotas que a ele pertencia? A quais atributos inerentes às quotas sociais este cônjuge viúvo

terá direito na sucessão do sócio falecido?

Para alcançar as respostas, propõe-se expor brevemente sobre a atividade empresarial,

especialmente da sociedade limitada, buscando identificar a natureza jurídica da quota social,

do contrato social e de suas formas de dissolução, parcial ou total.

Em seguida, será apresentado o estudo sobre o instituto do casamento e dos regimes de

bens disponíveis na legislação brasileira atual, com foco especial na definição e identificação

da natureza jurídica da meação e do pacto antenupcial.

Com especial destaque, em ato contínuo, serão apresentados alguns conceitos que

permeiam a sucessão causa mortis, os quais viabilizarão a análise da legislação sobre a

vocação hereditária do cônjuge casado no regime convencional da separação de bens,

sobretudo quando em concorrência com os descendentes, considerando o conturbado texto do

art. 1.829 do Código Civil1.

O estudo do regime de bens seguido pelo estudo do regime da sucessão causa mortis

viabilizará o discernimento entre meação e herança, essencial para a compreensão de que a

intenção do legislador civilista atual é, em regra, afastar o direito à herança do cônjuge que já

tenha direito à meação e, em contrapartida, garantir herança ao cônjuge que não tem direito à

meação.

1 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o

cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da

separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da

herança não houver deixado bens particulares; [...]. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o

Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13

jul. 2013).

Page 14: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

12

Vale ressaltar que, quando se fala em sucessão patrimonial, ressalta a imperiosa

necessidade de ser reconhecida a independência entre as regras de cunho patrimonial no

casamento, as quais fazem parte do escopo do Direito de Família, e do Direito de Sucessões e,

por conseguinte, de algumas de suas consequências no Direito Empresarial, para examinar a

possibilidade de efeitos diversos quando o fato gerador também for distinto.

A interdisciplinaridade dos aludidos ramos do Direito norteia este trabalho e atrai,

ainda que de forma breve, o estudo da livre manifestação da vontade humana, com base no

princípio da autonomia privada. Este é o que definirá o limite das disposições que versem

sobre o tema ora pesquisado, que deverá ser respeitado pelos nubentes quando firmarem o

pacto antenupcial e pelos sócios quando elaborarem um contrato social de uma sociedade

empresária de responsabilidade limitada. O ordenamento jurídico brasileiro, previsto no art.

1.028 do Código Civil2, autoriza os sócios a disporem no contrato social da sociedade sobre o

destino das quotas em caso de morte de um sócio, porém é necessário identificar os limites

dessas disposições.

O desafio desta pesquisa consiste em viabilizar segurança na sucessão causa mortis

das quotas sociais pelo cônjuge casado no regime convencional da separação de bens,

buscando identificar claramente os limites dos direitos disponíveis, permitir a conciliação

entre a vontade do casal e a dos sócios à do legislador; e, principalmente, em assegurar ao

empresário e ao empresário e cônjuge, esclarecidos e certos de suas escolhas, que seus

pedidos serão aceitos e respeitados.

2 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua

quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. (BRASIL. Lei 10.406, de 10

de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/

leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013)

Page 15: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

13

2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO EMPRESARIAL

O Direito Empresarial, desde sua origem, apresenta-se como um ramo essencialmente

dinâmico. A contextualização histórica e a demonstração dos valores tutelados deste ramo são

de fundamental relevância para a análise dos institutos jurídicos a serem estudados.

Desse modo, passa-se a discorrer sobre a evolução histórica do Direito Empresarial,

embrionariamente denominado Direito Comercial, para chegar à atual definição de empresa e

focar a concepção do Direito Societário como a parte destinada ao estudo das formas de

organização da atividade empresária.

2.1 Breve contexto histórico do direito empresarial

Identificar a origem da atividade comercial é trabalho complexo e, quiçá, impossível,

sabendo-se que há registros sobre ela desde a Antiguidade, encontrando-se notícias de sua

realização por diversos povos, sobretudo os fenícios.

O encontro entre a disponibilidade e a habilidade em determinado trabalho, de um

lado, e a carência de mercadorias e serviço, de outro, fizeram surgir o que ficou conhecido

como “escambo”.

Cada indivíduo ou chefe de família era responsável pela produção do que serviria de

moeda de troca. Por conseguinte, para seu crescimento, foi necessário expandir sua

produtividade. Para tanto, seria necessário gastar menos tempo na realização de suas

atividades e, cada vez mais, investir na troca de habilidades e mercadorias que viabilizassem a

circulação de bens e serviços. Em razão disso, a associação das pessoas com objetivos e

esforços comuns voltados para essas trocas começou a crescer e a tornar cada vez mais

complexa, passando a envolver diferentes tipos de produtos, sob diversas condições, o que,

inevitavelmente, exigia também algum tipo de regulamentação.

O Direito Comercial – entendido como um compilado de princípios, normas e regras

que formam um regime jurídico próprio disciplinador da atividade mercantil –, contudo, não

teve seu nascedouro na mesma época.

Alguns autores afirmam que algumas das mais antigas manifestações legislativas

foram registradas no Código de Hamurabi, do rei Hammurabi, sexto monarca da primeira

Page 16: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

14

dinastia da Babilônia, que afirmava tê-lo recebido do deus Sol3. Constituído de escritos em

tábuas, é provável que tenha sido feito por volta de 1.700 a. C., tendo sido encontrado por

franceses em 1.901 d.C., na região da antiga Mesopotânia4. Marlon Tomazette5 informa que é

possível afirmar que as primeiras normas que regulamentam o comércio foram aquelas

dispostas no citado Código de Hammurabi e no Código de Manu 6 , na Índia, mas sem

configurar um sistema de normas propriamente dito. Os gregos também possuíam algumas

normas, assim como no Direito Romano, esculpidas no chamado ius civile.

Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro7 esclarecem que os romanos não

chegaram a conhecer regras específicas para as relações comerciais, pois o chamado ius civile

contemplava normas destinadas às relações jurídicas de cunho privado, independentemente de

se tratar de conteúdo civil ou mercantil. Mas há forte influência direta do Direito Romano no

surgimento do Direito Comercial, verificando-se nele a origem do instituto da falência,

normas básicas sobre os contratos mercantis, a ação pauliana como forma de reprimir a fraude

contra credores, a responsabilidade civil dos banqueiros e o comércio do transporte marítimo,

entre outros.

A partir do século XV, com a decadência do regime feudal, deu-se o renascimento do

comércio, sobretudo nas feiras e nos burgos. O comércio voltou a se desenvolver, em razão,

sobretudo, das modificações ocorridas no interior das sociedades feudais europeias, por

exemplo, o aumento da população, crescimento das cidades, desenvolvimento das

manufaturas, entre outros fatores.

3 GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de Direito Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4,

fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_ link=revista_ artigos_

leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014. 4 A origem exata no Código de Hamurabi ainda é discutida. O autor em referência, Ayrton Sanches Garcia,

esclarece que o Código “foi encontrado em escavações feitas por um grupo de arqueólogos franceses

chefiados por Jacques de Morgan, nas ruínas da cidade islamita de Susa (Pérsia), em 1901 (Carvalho de

Mendonça diz que as escavações foram feitas entre 1897-1899). Mantido no Museu do Louvre, em Paris, o

Código foi gravada num pesado bloco de diorite, uma rocha de 2,25 metros de altura e 1,90 metros de

circunferência na base, no século XXIII a.C.”. Mas informa que Octávio Médice diz que a publicação do

Código de Hamurabi deu-se no século XIX a.C.; João E. Borges refere o ano 2.083 a. C.; J. X. Carvalho de

Mendonça refere o ano 2..250 a. C. Mas, independente da origem exta, representa o monumento e marco de

referência histórica do direito de vários dos povos da sua época, sendo, até hoje citado nas principais obras de

direito comercial, tanto no Brasil como nos demais países. (GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de

Direito Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4, fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014) 5 TOMAZETTE, Marlon. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 1-3. 6 O Código de Manu foi escrito em sânscrito e é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em

quatro compêndios. Foi redigido entre os séculos II a. C. e II d. C., em forma poética por um santo eremita

chamado Valmiki, em torno do ano 1500 a.C. (GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de Direito

Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4, fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014) 7 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.28.

Page 17: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

15

Diante deste contexto, a regulamentação da atividade comercial passou a ser

imprescindível, pois com o impulso que tivera as normas do Direito Romano mostraram-se

insuficientes.

O Direito Comercial surgiu como ramo autônomo do Direito depois da queda do

Império Romano, na Idade Média. A princípio, as regras inerentes ao Direito Comercial

baseavam-se em costumes. Diante da ausência da formação dos Estados modernos e da

presença de um poder político descentralizado, tais regras propiciaram o surgimento das

entidades privadas, que representaram grande relevância para o Direito Comercial, as quais

foram chamadas de “corporações de ofício”.

Essas entidades permitiram que os comerciantes unissem força de tal maneira que,

conforme narra o citado autor, o poder econômico e militar delas foi capaz de operar a

transição do regime feudal para o regime das monarquias absolutistas. Carvalho de

Mendonça 8 afirma que “o Direito Comercial surgiu, conforme se vê, não como obra

legislativa nem criação de jurisconsultos, porém como trabalho dos próprios comerciantes,

que o construíram com os seus usos e com as leis que, reunidos em classe, elaboraram”.

As corporações de ofício estabeleceram as regras do Direito Comercial fazendo nascer

um direito consuetudinário. As primeiras regras, constituídas pelos usos, costumes e práticas

mercantis observados em cada localidade, sobretudo nas cidades italianas, eram compiladas

nos estatutos das corporações de ofício, dando corpo ao que ficou identificado como os

primeiros códigos comerciais. Como informam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira

Ribeiro9, as instituições mais conhecidas do Direito Comercial remontam a este período, tais

como a matrícula dos comerciantes, o regime dos livros comerciais, o regime das instituições

financeiras e a letra de câmbio.

Os comerciantes estavam sujeitos a uma jurisdição especial, o que implicava

reconhecer que aquelas normas a eles se aplicavam e que cada um deles estava submetido às

regras da corporação da qual ele fosse membro.

Percebe-se que foi utilizado critério corporativo, baseado em um sistema subjetivo,

pois era um direito criado pelos comerciantes e para os comerciantes. A mercantilidade de

uma relação jurídica era definida pelo sujeito, sendo a competência da jurisdição, como dito,

definida pela identificação da corporação à qual o comerciante era filiado.

8 CARVALHO DE MENCONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. Campinas: Russell, 2003.

p. 69. 9 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 28.

Page 18: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

16

Esse foi o primeiro momento da história no qual foi possível identificar o surgimento

de um conjunto minimamente organizado de atividade comercial.

Em seguida, o Direito passou a ser aplicado pelo próprio Estado, com a ascensão da

burguesia ao poder, mantendo-se a disciplina autônoma.

Com o decorrer do tempo, à medida que a atividade comercial foi se desenvolvendo,

os comerciantes passaram a praticar atos acessórios, como a circulação dos títulos cambiários,

os quais sugiram ligados à atividade comercial, mas logo se tornaram autônomos e passaram a

ser utilizados também por quem não era comerciante. Assim, era necessário estender o âmbito

de aplicação do Direito Comercial. Para isso, foi necessário o surgimento do sistema

objetivista, capaz de transferir o centro do Direito Comercial para o objeto da atividade,

deixando de lado o critério de identificação pelo sujeito que praticasse a atividade.

Ao mesmo tempo, ocorreu o surgimento dos Estados modernos, que assumiram o

monopólio da jurisdição pelo Estado, passando a dizer o que é o Direito e a quem se aplica o

Direito. Em razão disso, as corporações de oficio começaram a perder força. A do Direito

Comercial deixou de ser consuetudinário para ser um direito posto e aplicado pelo Estado.

O Código Civil Francês de 1804, conhecido por “Código Napoleônico”10, marcou a

transição da primeira fase (subjetivista) para a segunda (objetivista). Foi neste momento que o

Direito Comercial atingiu certa maturidade, passando a ser identificado como um Direito

autônomo, específico e com código próprio. Por conseguinte, foi necessário estabelecer um

critério de distinção que delimitasse a abrangência do regime jurídico mercantil. O critério

adotado foi a chamada “Teoria dos atos de comércio”, que permitiu afirmar que esta fase do

Direito Comercial não representava o direito dos comerciantes, mas sim o direito dos atos de

comércio.

Esse foi o critério adotado pela codificação francesa e por vários países, inclusive o

Código Comercial Brasileiro de 1850, posteriormente complementado pelo Regulamento 737,

de 1850, influenciado diretamente pelo Código Napoleônico.

Fala-se em objetivação do Direito Comercial, tendo em vista que não mais importava

se o sujeito praticante da atividade era membro ou não da corporação, pois o que passou a

definir a aplicação das regras comerciais foi o objeto da relação jurídica. Se a relação

envolvesse a prática do que era definido como ato de comércio, a relação seria definida como

mercantil e atrairia a aplicação das regras especiais do Código Comercial.

10 Originalmente chamado de Code Civil des Français ou Code Napoléon.

FRANÇA. Código civil. Disponível em: <http://www.assemblee-nationale.fr/evenements/code-civil-1804-

1.asp>. Acesso em: 4 ago. 2012).

Page 19: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

17

A adoção da teoria dos atos de comércio como critério de distinção dos limites de

aplicação do Direito Comercial, embora tenha sido utilizada por muito tempo, apresentava

alguns problemas. A denominação em si demonstra que era uma teoria, ou um critério, que se

preocupava com a atividade comercial, com a forma e o conteúdo, pelos quais era ela

desempenhada, o que se justificava com o fato de que o comércio ser a principal atividade

econômica.

Com o passar do tempo, as relações comerciais e a economia atingiram um grau de

complexidade maior, no qual o comércio deixava de ser a principal e, quiçá, única atividade

econômica, já que se aproximava a Revolução Industrial. Dessa feita, os atos do comércio já

não seriam mais suficientes para delimitar a abrangência do Direito Comercial, pois ele

precisaria abranger outras atividades econômicas praticadas no mercado que não estavam

definidas como atos de comércio, por exemplo, a prestação de serviços que já detinha caráter

econômico, mas não estava sujeita às regras especiais, por não se subsumir aos atos

previamente definidos. Assim também acontecia com as atividades rurais e a negociação de

bens imóveis.

A dificuldade maior residia no fato de que a dinâmica das relações comerciais sempre

foi aceleradamente crescente e complexa, de modo que qualquer tentativa de definição por

teorias seria frustrada. As diversas teorias surgidas não eram abrangentes o suficiente para

englobar toda e qualquer atividade econômica.

Elucidam os autores Henrique Viana Pereira e Rodrigo Almeida Magalhães11:

O problema da segunda teoria (objetiva) é que os atos de comércio não se limitam

aos atos assim definidos em lei, eis que impossível esgotar todos eles em uma lista,

bem como pelo fato de que eles são renovados diariamente frente à modernidade e

seus novos usos e costumes.

Esse panorama acabou por acarretar uma disciplina anti-isonômica do mercado, pois

alguns comerciantes – aqui entendidos apenas como aqueles que desempenhavam uma

atividade econômica – acabavam por ter tratamento diferente de outros, por exemplo, aqueles

praticantes dos atos de comércio tinham direito à concordata, mas o prestador de serviço, não.

Nesse contexto, o Direito Comercial entrou em sua terceira fase, cujo marco histórico

da transição foi a edição do Código Civil Italiano de 1942.

Ao contrário da França, a Itália havia optado por unificar formalmente o Direito

Privado, pelo que estariam inseridas dentro do Código Civil as regras do Direito Comercial.

11 PEREIRA, Henrique Viana; MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Princípios constitucionais do direito

empresarial: a função social da empresa. Curitiba: CRV, 2001. p. 12.

Page 20: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

18

Fala-se em unificação meramente formal porque, embora juntos, o Direito Civil e o Direito

Comercial continuaram sendo regimes jurídicos distintos.

Explica Raquel Sztajan12:

Se alguém fosse levado a entender que a unificação do direito obrigacional implique

o desaparecimento do Direito Comercial, é preciso lembrar que, mesmo na Itália, em

que fenômeno data de 1942, direito civil e comercial permanecem distintos.

Também é de apontar que nunca houve grande preocupação, seja pela doutrina, seja

pela jurisprudência, com a questão, porque, de regra, se entendem comerciais as

atividades segundo noção econômica ou contábil.

O Direito Comercial deixou de ser o direito que iria disciplinar um ato específico

identificado como sendo de comércio e passou a ser o direito que irá se preocupar com o

exercício específico de uma atividade econômica organizada, ampliando sua abrangência.

Neste sentido, não se falava mais em atos de comércio, mas sim em empresa. Ocorreu,

portanto, o abandono da teoria dos atos de comércio, substituída pela teoria da empresa. A

grande novidade residiu no fato de que o centro do Direito Comercial passou a encontrar-se

na atividade econômica.

Em razão dessa mudança, hoje se fala em Direito Empresarial, e não mais em Direito

Comercial, porque é o direito que cuida da empresa, ou seja, de toda e qualquer atividade

econômica organizada; ao passo que, o empresário passou a ser aquele que exerce qualquer

atividade econômica organizada.

No Brasil, a legislação acompanhou a mesma evolução histórica.

O Código Comercial de 1850, como já mencionado, foi espelhado no Código

Comercial francês de 1808 e adotou a teoria dos atos de comércio, os quais foram tipificados

no Regulamento 737, de 1850. O código se dividia em três partes: parte geral; comércio

marítimo; e quebras (falência) do comerciante.

O Código Civil de 2002, influenciado pelo Código Civil italiano de 1942, revogou a

primeira parte do código anterior e adotou a teoria da empresa, definindo empresário como

aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada.

A segunda parte do Código Comercial foi revogada pela Lei de Falência 7.661 de

1945, que, por sua vez, foi revogada Lei de Falências 11.101 de 2005, o que, inclusive,

reforça a ideia de que a unificação formal não foi completa, já que continuam a existir leis

especiais aplicáveis à atividade empresarial, assim como institutos jurídicos e princípios

12 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p.

145.

Page 21: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

19

próprios. Constata-se, assim, que houve derrogação do Código Comercial, já que a segunda

parte, referente ao comércio marítimo ainda está em vigor.

Dessa forma, conclui-se que o Direito atual que rege as atividades econômicas, mais

propriamente chamado de Direito Empresarial, tem como foco principal a identificação do

que é empresa, pelo que é o que se propõe a analisar a seguir.

2.2 Teoria da empresa

O núcleo do atual Direito Empresarial está focado na atividade empresarial. Não

importa quem é o empresário ou o que ele faz; o importante é como ele faz.

Shandor Portella Lourenço 13 enaltece que o Direito Empresarial possui uma

jurisprudência axiológica valorativa, que interpreta as leis mercantis de modo a aperfeiçoar a

existência do seu objeto, procurando proteger (lei de falências, marcas e patentes etc.) e

gravitar em torno da figura do empresário.

Dessa forma, percebe-se que o enfoque é no empresário. A identificação e a definição

do titular desses direitos tornam-se o ponto de partida do Direito Empresarial.

Neste sentido – como dito que o atual Código Civil adotou a teoria subjetiva moderna

– é que o diploma civilista vigente dispôs em seu art. 96614, ipsis litteris:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade

econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de

natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou

colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Como ensina Thales Poubel Catta Preta Leal15, não há conceito jurídico de empresa,

nem mesmo de elemento de empresa, mas há um conceito jurídico de empresário, fundado em

um conceito doutrinário de empresa.

13 LOURENÇO, Shandor Portella. O empresário e a teoria subjetiva moderna. Revista Virtual Faculdade

de Direito Milton Campos, v. 10, 2012. Disponível em: <http://www.revistadir.mcampos.br/

PRODUCAOCIENTIFICA/volume10ano2012.html>. Acesso em: 20 jul. 2013. p. 5. 14 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013. 15 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. 2004. Dissertação

(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em

Direito, Belo Horizonte, p. 62.

Page 22: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

20

Ressalta-se que o termo empresa está sempre ligado à atividade, não se confundindo

com a figura do empresário, que é quem a exerce. Por isso, quando se deseja referir ao titular

ou sujeito de direitos, deve-se falar em sociedade.

Didaticamente, os autores extraem do mencionado dispositivo legal três elementos

caracterizadores da empresa: profissionalismo, atividade econômica, organização e produção

ou circulação de bens ou serviços.

Assim ensina o autor Thales Catta Preta Leal16:

A expressão adequada seria “sociedade empresária”, uma vez que a sociedade –

pessoa distinta das pessoas de seus sócios – é que é a empresária, da mesma forma

que uma pessoa física, que exerça atividade empresarial, é denominada empresário

individual.

Nessa linha, verifica-se que quem se sujeita aos institutos do Direito Empresarial é a

sociedade empresária, e não os seus sócios, pois eles, no sentido jurídico, não são

empresários.

Com base em tais elementos, conclui-se que o empresário deve ser pessoa natural ou

jurídica que exerce com habitualidade, em nome próprio, uma atividade econômica destinada

à circulação de bens ou à execução de serviços no mercado com o objetivo de obter lucro, de

forma organizada. Ficam ressalvados aqueles definidos no parágrafo único art. 966, os quais,

mesmo reunindo todos estes elementos, não seriam considerados empresários ou sociedade

empresária, mas sim às sociedades simples. Incluem-se também as cooperativas (art. 982,

parágrafo único do Código Civil) e o produtor rural (art. 970, Código Civil), já que a lei lhes

dá mera opção quanto ao seu registro para que, então, possam ser considerados empresários.

Fogem ainda a esta caracterização legal as sociedades anônimas, as quais, independentemente

do seu objeto social e da sua prática mercantil serão consideradas sociedades empresárias (art.

982, parágrafo único do Código Civil e art. 2º, § 1º, da Lei 6.404/7617).

Dentre esses elementos, deve-se destacar a organização como elemento central, por ser

ela que garantirá a previsibilidade das relações e a segurança de trabalho no longo prazo.

Rachel Sztajn18 muito bem explica este contexto:

16 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. 2004. Dissertação

(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em

Direito, Belo Horizonte, p. 63. 17 BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por ações. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>. Acesso em: 27 ago. 2014. 18 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2010. p. 97-98.

Page 23: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

21

Impossível imaginar uma empresa, qualquer empresa, sem organização. E, sem esse

elemento, a organização, como extremar empresário de trabalhador autônomo?

Quanto aos exercentes de atividades intelectuais, a questão está em definir que

elementos permitem enquadrá-los como empresários. Aqui, parece que o elemento

organização de fatores da produção de titularidade de terceiros é fundamental para

que se apure se há ou não o elemento da empresa (art. 966, parágrafo único, do

Código Civil).

Organização parece ser o elemento central, essencial, necessário porém não

suficiente, para determinar a existência da empresa, porque gera o aparato produtivo

estável, estruturado por pessoas, bens e recursos, coordena os meios para atingir o

resultado visado. Tanto a organização de pessoas, centrada nas relações de trabalho

subordinado, cuja disciplina é a dos contratos de trabalho, quanto a organização dos

meios patrimoniais (recursos e bens) para o exercício de uma atividade estão

presentes no desenho da empresa. Por isso é, atualmente, fácil abandonar a antiga

discriminação entre auto e hétero-organização na configuração da empresa,

empregando-se critérios mais aceitáveis como fungibilidade dos fatores da

produção.

O desempenho da atividade de forma organizada exige que haja uma estrutura

constituída de forma profissional, não eventual, que assume os riscos de seu exercício e que

tenha a coordenação de suas atividades voltada para o mercado com base na junção dos

fatores de produção.

Como comenta Rachel Sztajn19, a integração de operações visa facilitar a produção,

cujo planejamento e fiscalização têm relevante fundamento, notadamente quando envolvem a

transmissão de informação ou conhecimento, como no caso de patentes e/ou cessão do direito

de uso de marcas, tal como se dá nas franquias.

Embora seja essencial, a organização como elemento da atividade empresária não

pode ser avaliada isoladamente. Mas o desempenho de uma atividade econômica assume o

aspecto empresarial quando passa a adotar padrões e estruturas que viabilizam a larga escala

de produção, de circulação ou de prestação de serviço ou, ainda que não seja larga, mantenha

frequência e estabilidade de maneira suficiente a viabilizar a oferta ao mercado. A estrutura

organizada permite ao empresário e à sociedade empresária assumir riscos do

empreendimento e maximizar a percepção dos lucros, garantindo profissionalismo ao

exercício da atividade.

19 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2010. p. 94.

Page 24: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

22

2.2 Noções gerais do Direito Societário

A sociedade empresária moderna tem origem nos primórdios da civilização. Por sua

natureza social e por sua necessidade de sobrevivência, o trabalho em grupo, a produção para

a autossubsistência e para o outro e a troca de mercadoria sempre fizeram parte da relação

humana. Como afirmam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro20, o surgimento

do fenômeno associativo deu-se no momento em que o homem percebeu que a eficiência de

determinadas tarefas poderia ser maior se elas fossem executadas com a comunhão de

esforços e objetivos de duas ou mais pessoas.

Este fenômeno, além de ser antigo, sempre se caracterizou pela dinâmica e velocidade

da evolução das relações associativas, sobretudo as de natureza mercantil, as quais, cada vez

mais, apresentam-se complexas e diversificadas.

Como toda relação que envolve divergência de interesses, desde os tempos mais

remotos, sempre houve a necessidade de regulamentação específica da atividade mercantil.

Foi no vigor mercantilista da Idade Média que o Direito Comercial começou a ter

contornos próprios e também foi neste momento que surgiu o modelo mais próximo do que

hoje se entende por sociedade empresária, no sentido de separação dos patrimônios dos sócios

em relação ao patrimônio da sociedade. Como narram Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla P.

Ribeiro 21 , nessa época as sociedades eram eminentemente intuitu personae, pois o que

aproximava os sócios eram suas características pessoais e seus objetivos comuns,

característica denominada de affectio societatis existente até os dias de hoje nas chamadas

“sociedades de pessoas”.

Com a evolução das relações mercantis, sobretudo com o Renascimento e com a “Era

dos Descobrimentos”, provimentos que impulsionaram ainda mais o comércio, surgiram as

companhias colonizadoras, que se tratavam de “sociedades que reuniam grande quantidade de

capital, dividindo em ações que, por sua vez, eram distribuídas entre um número considerável

de pessoas”22, como é o caso da Companhia Holandesa das Índias Orientais, criada em 1602,

em que o elemento atrativo da associação das pessoas deixou de ser as características pessoais

para ser a contribuição financeira, fazendo surgir as chamadas “sociedade de capital”.

O objeto de estudo do Direito Societário é exatamente estas formas de associação, isto

é, as sociedades criadas para exercer a atividade mercantil.

20 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 155. 21 BERTOLDI, op. cit. p. 155. 22 Idem, 2013, p. 156.

Page 25: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

23

Até o Código Civil de 2002, o objeto do Direito Comercial era balizado pelos atos

praticados, de modo que, se subsumissem àqueles considerados como atos de comércio, ter-

se-ia, uma atividade empresária. Com a adoção da teoria da empresa, houve o alargamento da

abrangência do estudo, pois não só os comerciantes seriam alvo da legislação e deste ramo,

mas também todos os empresários que praticassem a atividade reconhecida pela lei como

empresária.

Os doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro 23 afirmam que não faz mais

sentido a distinção entre sociedade civil e sociedade comercial, já que o objeto agora passa a

ser a sociedade empresária, definida por eles como sendo uma organização econômica

constituída, ordinariamente, por mais de uma pessoa, dotada de personalidade jurídica, capaz

de adquirir direitos e assumir obrigações por si mesma, possuindo patrimônio próprio, que,

independente e destacado do patrimônio de seus sócios, responde por suas dívidas e

obrigações, tendo por objetivo promover a produção ou a troca de bens ou serviços com fins

lucrativos.

Diante de tais definições, os autores citados entendem que a atual classificação em

“simples” ou “empresária” passou a decorrer do conceito de empresário, abandonando-se,

portanto, a classificação anterior, na qual se levava em consideração o objeto da atividade,

que poderia ser civil ou comercial.

Compreendido o que seria seu objeto, destaca-se que o Direito Societário visa,

especialmente, tratar do regime de organização e das regras norteadoras das sociedades, sejam

elas empresárias ou não. O Código Civil, neste aspecto, dá a elas disciplina específica em

consonância com o tipo, dividindo-as em não personificada – as quais podem ser a sociedade

em comum ou a sociedade em conta de participação; e personificadas – compreendendo as

simples e as empresárias já esclarecidas.

Dentre as sociedades empresárias, a legislação vigente prevê a existência de cinco

espécies de sociedades empresárias: sociedade em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044 do

Código Civil); sociedade em comandita simples (arts. 1.045 a 1.051 do Código Civil); a

sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087 do Código Civil); sociedade anônima (arts. 1.088 e

1.089 do Código Civil e Lei 6.404/76); e sociedade em comandita por ações (arts. 1.090 a

1.092 do Código Civil e Lei 6.404/76).

A limitação da responsabilidade das dívidas da sociedade ao seu próprio patrimônio,

deixando o patrimônio pessoal dos sócios destacada, presente nas sociedades anônimas e nas

23 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 156-157.

Page 26: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

24

sociedades anônimas, faz com que sejam estas as espécies mais utilizadas atualmente. Em

razão disso, bem como diante do tema proposto, passa-se a expor de forma mais detalhada

apenas a sociedade limitada.

Page 27: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

25

3 SOCIEDADE LIMITADA

A sociedade limitada surgiu em 1892, na Alemanha, com a criação da chamada

“sociedade de responsabilidade limitada”24, que trazia a simplicidade de sua constituição e a

limitação da responsabilidade dos sócios, os quais não responderiam pessoalmente pelas

dívidas da sociedade, o que não ocorria com os outros formatos existentes à época. Este

modelo acabou por inspirar outros países a adotarem o mesmo formato.

Noticiam os doutrinadores que em 1911 o projeto do novo Código Comercial

apresentou-se como a primeira tentativa de trazer para legislação brasileira o referido modelo.

Embora este projeto não tenha logrado êxito, alguns anos depois um projeto que propunha a

criação da sociedade por quotas de responsabilidade foi aprovado. Surgiu, assim, o Decreto

3.708, de 10 de janeiro de 1919, tendo vigorado até o surgimento do Código Civil de 2002,

que o revogou tacitamente.

Falar de sociedade limitada exige, de imediato, a clara concepção do que seja

sociedade de pessoas e limitação da responsabilidade, pois são estas características principais

desta espécie societária que a tornam tão atrativa e comum nas relações de cunho empresarial.

É sobre isso que passa-se a discorrer a seguir.

3.1 Definição da sociedade limitada

O fenômeno associativo com fins mercantis iniciou mediante a atração das

características pessoais e dos objetivos comuns entre aqueles que uniam esforços para a

produção e circulação de produtos ou a prestação de serviços. A ideia primitiva de sociedade

passa, portanto, pela concepção do affectio societatis.

Essa expressão remete à ideia de que o liame entre os sócios se dá pela intenção deles

de constituir uma sociedade, a qual é baseada na vontade expressa e manifestada livremente

pelas partes que as escolhem de maneira personalíssima.

Percebe-se, assim, a natureza personalíssima do vínculo entre os sócios de uma

sociedade limitada, o que sobressai a importância das regras de ingresso e de saída dos sócios

neste formato de sociedade, pois a modificação de quem sejam os sócios pode influenciar a

própria existência da sociedade.

24 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 201.

Page 28: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

26

Outro aspecto relevante da sociedade limitada, inerente a sua própria denominação,

refere-se à limitação da responsabilidade dos sócios.

Segundo os arts. 2º e 9º do Decreto 3.70825, o qual estabeleceu pela primeira vez este

tipo de sociedade na legislação brasileira, a responsabilidade dos sócios na sociedade por

quotas seria limitada à importância total do capital social, respondendo solidariamente, em

caso de falência, pela parte que faltasse para preencher o pagamento das quotas não

inteiramente liberadas. Ou seja, estabelecia-se, assim, uma responsabilidade subsidiária, pois,

em um primeiro momento, os sócios não responderiam pelas dívidas. Porém, não havendo

bens da sociedade suficientes para saldar as obrigações dela, eles responderiam limitados ao

montante do capital social que ainda não houvesse integralizado. Do contrário, se estivessem

quites com a respectiva integralização a que se comprometeu, estariam livres de qualquer

responsabilidade.

O Código Civil de 2002 reiterou essa limitação, dispondo no art. 1.052 que “a

responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem

solidariamente pela integralização do capital social”.

Os doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro26 destacam as exceções, nas quais

os sócios responderão ilimitadamente, quais sejam: (a) quando um sócio que deliberar

contrariamente ao contrato social ou em desconformidade com o ordenamento jurídico

responderá ilimitadamente pelas obrigações advindas da decisão (art. 1.080 do Código Civil);

(b) perante os créditos relativos às dívidas fiscais (art. 135, inciso III do Código Tributário

Nacional); (c) a crescente e frequente hipótese de responsabilidade ilimitada construída pela

jurisprudência diante de créditos trabalhistas, quando é verificada a insuficiente de bens da

sociedade para suportarem o pagamento; (d) todas as hipóteses de abuso da personalidade

jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial que cause danos

a terceiros (art. 50 do Código Civil, art. 8º da Lei 8.078/90, art. 4º da Lei 9.605/98, e art. 34 da

Lei 12.529/11).

25 Art. 2o. O titulo constituivo regular-se-há pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus numeros do Codigo

Commercial, devendo estipular ser limitada a responsaiblidade dos sócios à importancia total do capital

social (sic).

Art. 9o. Em caso de fallencia, todos os socios respondem solidariamente pela parte que faltar para preencher

o pagamento das quotas não inteiramente liberadas. Assim, tambem, serão obrigados os socios a repór os

dividendos e valores recebidos, as quantias retiradas, a qualquer titulo, ainda que autorizadas pelo contracto,

uma vez verificado que taes lucros, valores ou quantias foram distribuidos com prejuizos do capital realizado.

(sic). (BRASIL. Decreto 3.708, DE 10 DE JANEIRO DE 1919. Regula a constituição de sociedades por

quotas, de responsabilidade limitada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /decreto/antigos/

d3708.htm>. Acesso em: 21 ago. 2014. 26 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 203.

Page 29: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

27

Seria possível estender o estudo sobre as sociedades limitadas abrangendo todas suas

características, tais como as condições para constituição da sociedade, todas as possibilidades

de aumento e redução do capital social, a legitimidade e os deveres dos administradores, a

criação e deveres do conselho fiscal, as regras sobre nome social, firma e denominação, dentre

tantas outras diretrizes. Porém, dada a especificidade do tema ora proposto, esclarece-se que

será exposto tão somente aquilo que for relevante para seu estudo e, quando oportuno,

obviamente, será feita a análise complementar do que não houver sido destacado com maior

ênfase.

3.2 Legislação aplicável

A sociedade limitada, originariamente denominada de “sociedade de quotas de

responsabilidade limitada”, entrou no ordenamento brasileiro por meio do Decreto 3.708, de

10 de janeiro de 1919, o qual disciplinava esta espécie por meio de apenas dezenove artigos.

Em razão disso, para alguns doutrinadores ele era lacônico e imperfeito; para outros,

delimitava na medida certa, já que permitia a criação de cláusulas contratuais em total

consonância com os interesses e as necessidades dos sócios.

Sob a vigência do referido diploma legal, o contrato social dessas sociedades poderia

dispor livremente o seu próprio regramento, o qual deveria observar as disposições do

Decreto e dos arts. 300 a 302 do Código Comercial27. Naquilo que não fosse regulado no

27 Código Comercial:

Art. 300 - O contrato de qualquer sociedade comercial só pode provar-se por escritura pública ou particular;

salvo nos casos dos artigos nºs 304 e 325. Nenhuma prova testemunhal será admitida contra e além do

conteúdo no instrumento do contrato social.

Art. 301 - O teor do contrato deve ser lançado no Registro do Comércio do Tribunal do distrito em que se

houver de estabelecer a casa comercial da sociedade (artigo nº. 10, nº 2), e se esta tiver outras casas de

comércio em diversos distritos, em todos eles terá lugar o registro. As sociedades estipuladas em países

estrangeiros com estabelecimento no Brasil são obrigadas a fazer igual registro nos Tribunais do Comércio

competentes do Império antes de começarem as suas operações. Enquanto o instrumento do contrato não for

registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os

sócios solidariamente (artigo nº. 304).

Art.302 - A escritura, ou seja pública ou particular, deve conter: 1 - Os nomes, naturalidade e domicílios

dos sócios. 2 - Sendo sociedade com firma, a firma por que a sociedade há de ser conhecida. 3 - Os nomes

dos sócios que podem usar da firma social ou gerir em nome da sociedade; na falta desta declaração, entende-

se que todos os sócios podem usar da firma social e gerir em nome da sociedade. 4 - Designação específica

do objeto da sociedade, da quota com que cada um dos sócios entra para o capital (artigo nº. 287), e da parte

que há de ter nos lucros e nas perdas. 5 - A forma da nomeação dos árbitros para juízes das dúvidas sociais.

6 - Não sendo a sociedade por tempo indeterminado, as épocas em que há de começar e acabar, e a forma da

sua liquidação e partilha (artigo nº. 344). 7 - Todas as mais cláusulas e condições necessárias para se

determinarem com precisão os direitos e obrigações dos sócios entre si, e para com terceiro. Toda a cláusula

ou condição oculta, contrária às cláusulas ou condições contidas no instrumento ostensivo do contrato, é nula.

(BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www. planalto.

gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014).

Page 30: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

28

contrato social, de forma supletiva e no que fosse compatível, deveriam ser aplicadas as

disposições da Lei das Sociedades por Ações. Ou seja, a Lei 6.404/76 deveria ser utilizada de

forma supletiva ao contrato social.

O Decreto 3.708/19 foi revogado tacitamente pelo Código Civil de 2002, em vigência

desde 11 de janeiro de 2003, o qual, além alterar a denominação para “sociedade limitada”,

dispôs de forma distinta sobre a legislação aplicável a tais sociedades.

O art. 1.053 28 do Código Civil prevê que nos casos de omissão as regras das

sociedades simples serão aplicáveis às sociedades limitadas, bem como seu parágrafo único

permite que o contrato social da sociedade limitada possa eleger a aplicação supletiva da Lei

de Sociedades Anônimas.

Embora o dispositivo pareça ser claro, sua interpretação vem causando grandes

discussões, tendo em vista que alguns doutrinadores entendem que, diante do caráter

contratualista da sociedade limitada, a aplicação das regras das sociedades anônimas – que,

por natureza, são institucionais e capitalistas – somente não poderia acontecer se houvesse

uma simples transposição de regras, já que haveria um risco de descaracterizá-la.

Todavia, o entendimento predominante é no sentido de que as regras das sociedades

simples constituem regras gerais de Direito Societário, o que é amparado até mesmo pelo teor

do caput do art. 1.053, também do Código Civil.

Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro29 destacam:

Devemos registrar que a aplicação supletiva das normas relativas às sociedades

anônimas, quando assim ficar determinado pelo contrato social, somente será

cabível quando compatível com a natureza da sociedade limitada. Evidentemente

são incompatíveis as determinações da Lei das Sociedades por Ações que regulam

os valores mobiliários (debêntures, partes beneficiárias, etc.), as sociedades de

economia mista, a subsidiária integral, as regras sobre alienação de controle etc. Em

suma, as disposições da Lei das Sociedades por Ações aplicáveis à sociedade

limitada são aquelas compatíveis com a natureza desta e que não contrariem seu

contrato social.

Fabio Ulhoa Coelho30 ressalta que a aplicação da Lei das Sociedades Anônimas às

sociedades limitadas acontece em duas situações, quais sejam, quando houver disposição do

28 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da

sociedade anônima. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 29 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 205. 30 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva,

2014. p. 399. v. 2.

Page 31: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

29

contrato social determinando sua aplicação, o que ocorreria de forma supletiva ao regime

estabelecido no Código Civil; e nos casos de lacuna da lei e em matéria não passível de

negociação entre os sócios, pois, nos termos do art. 4º31, da Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro, assim deve agir o juiz, aplicando-a como forma de colmatagem do sistema

legal, mediante sua aplicação por analogia, mesmo que o contrato social venha a determinar a

utilização supletiva das normas da sociedade simples.

Rubens Requião32 ensina que, para que haja influência da legislação das sociedades

por ações no funcionamento da sociedade limitada, “o caso deverá prefigurar três condições: I

– a opção dos sócios pela legislação extravagante; II – a omissão do contrato social sobre o

tema; III – matéria em que os sócios tenham liberdade para negociar e regular”.

Em outras palavras, Fábio Ulhoa Coelho33, conclui:

Sintetiza-se, então, a questão da legislação aplicável às sociedades limitadas nos

seguintes termos: em assunto disciplinado pelo capitulo do Código Civil específico

deste tipo societário (Parte Especial, Livro II, Título II, Subtítulo II, Capítulo IV,

arts. 1.052 a 1.087), vigora a disposição nele contida; na constituição e dissolução

total, observa-se sempre o Código Civil; nos demais casos, se a matéria é passível de

negociação entre os sócios, consulta-se o contrato social, aplicando-se

supletivamente a disciplina do Código Civil respeitante à sociedade simples (arts.

997 a 1.038), ou, se assim desejado pelos sócios de modo expresso, a da Lei das

Sociedades por Ações; não sendo a matéria suscetível de negociação, pode-se

aplicar analogicamente a Lei das Sociedades por Ações na superação da lacuna.

Assim, é possível concluir que as sociedades limitadas poderão livremente dispor sua

própria disciplina em seu contrato social, o qual deverá obedecer aos arts. 1.052 a 1.087 do

Código Civil e estabelecer a incidência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas. Em caso

de omissão quanto à incidência supletiva ou em casos de lacunas da lei, deverá,

primeiramente, aplicar as regras das sociedades simples. Quando eles não forem suficientes

ao caso, deverá ser aplicada a Lei das Sociedades Anônimas no que houver compatibilidade.

31 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios

gerais de direito. (BRASIL. Decreto-Lei4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao às normas do

Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso

em: 21 ago. 2014) 32 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 585. 33 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 400. v. 2.

Page 32: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

30

3.3 Quota social

Para discutir sobre a quota social de uma sociedade limitada, é preciso antes entender

o que seja o capital social de uma sociedade empresária.

Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro34 definem o capital social como a

[...] tradução em moeda nacional dos valores ou bens que os sócios transferiram ou

se obrigaram a transferir à sociedade quando de sua constituição, valores e bens

esses que serão empregados na consecução dos objetivos sociais e sem os quais a

sociedade jamais atingiria os fins almejados por seus criadores.

O art. 287 do Código Comercial revogado bem traduzia essa concepção, ao dispor que

“é da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem

seja lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta

consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria”.

Rubens Requião 35 define o capital social como a “soma representativa das

contribuições dos sócios”, podendo ser constituído em dinheiro – a que os franceses chamam

de apport en numeraire – ou em bens – apport em nature.

Ressalta-se que capital social não se confunde com patrimônio social, que é “formado

pelo conjunto de bens e direitos pertencentes à sociedade empresária”36, embora eles possam

até ser coincidentes no ato da constituição da sociedade. Após este momento inicial, a

atividade empresária, naturalmente, gerará gastos e perdas, despesas e ganhos, os quais

poderão aumentar ou diminuir seu patrimônio, o que, conforme ressalta Marcelo Bertoldi e

Márcia Ribeiro, sujeita os sócios a deliberarem pela diminuição ou aumento do capital social

sempre que houver excessos, para que mantenham compatibilidade do seu valor com a

realidade da atividade.

Percebe-se que o capital social representa o estímulo econômico inicial, materializado

por bens, corpóreos ou incorpóreos, de quaisquer espécies – desde que mensuráveis em

dinheiro – transferidos pelos sócios para a constituição e operação da sociedade.

Vale destacar que o art. 1.05537 do Código Civil, veda a integralização por prestação

de serviços, assim como determina a responsabilidade pessoal de todos os sócios pela exata

34 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 162-163. 35 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 495. 36 BERTOLDI, op. cit. p. 163. 37 Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.

§ 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o

prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.

Page 33: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

31

valoração atribuída aos bens conferidos ao capital social, pelos quais respondem

solidariamente até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.

Como ensinam Marcelo Bertoldi e Carla Ribeiro38, o capital social terá uma função

externa, correspondente à garantia que representa perante os credores da sociedade, e uma

função interna, a qual se destina a suprir a sociedade de bens necessários para a exploração da

empresa, nos termos propostos por sua constituição e objeto social. Em razão disso, é de

extrema importância que os bens integralizados representem, realmente, o valor atribuído ao

capital social.

O último dispositivo legal citado também estabelece que o capital social deve ser

divido em quotas, iguais ou desiguais.

A constituição do capital social é, literalmente, uma transferência de bens para a

sociedade. Cristiane Gandra, ao citar Paul Le Cannu39, destaca que o aporte se parece muito

com a venda, pois a propriedade do bem é efetivamente transferida para a sociedade que

detém personalidade, de modo que, em contraprestação ao bem dado em aporte, o sócio não

recebe um valor, mas as quotas ou ações, com a participação nos resultados (se houver)

referentes a elas.

Com base nestas noções, é possível entender que as quotas40 sociais representam o

produto do fracionamento do capital social, as quais devem ser repartidas, de maneira igual ou

desigual, entre os sócios, nos termos que forem dispostos no contrato social.

Waldemar Marins Ferreira41 para relacionar a concepção de quota social com capital

social:

[...] a quota, ao fazer parte do capital, “dele não se desintegra, mas ao contrário nele

se funde, deixando de pertencer ao sócio a fim de incorporar-se no cabedal

§ 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de

2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Acesso em: 13 jul. 2013). 38 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 163. 39 LE CANNU, Paul. Detroi des Sociétés. Paris: Montchrestien, 2002. p. 107, citado por GANDRA, Cristiane

Giuriatti. Partilha de quotas de sociedade limitada em virtude de dissolução de sociedade conjugal.

2006. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima.

Disponível em: <http://www.mcampos.br/posgraduacao/mestrado/ dissertacoes/2011/ cristiane giuriattipar

tilhaquotassociedadelimitada.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2014. 40 Embora seja comum a grafia distinta da palavra, segundo o Dicionário Aurélio e o Vocabulário Ortográfico

da Língua Portuguesa, quota ou cota possuem grafias corretas e tem significados idênticos. (FERREIRA,

Aurélio Buarque de Holanda; FERREIRA, Marina Baird; ANJOS, Margarida dos (Coord.). Dicionário

Aurélio da língua portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010; ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.

Quota ou cota: possuem grafias corretas e tem significados idênticos. Disponível em: <http://www.

academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23>. Acesso em: 19 out. 2014) 41 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedade por quotas. 5. ed. rev. aum. São Paulo: Companhia Graphico

Editora Monteito Lobato, 1925.

Page 34: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

32

societário, uno e inteiriço”. Por fazer parte integrante do capital, o sócio tem “nada

mais do que as cifras do seu montante, medida dimensional para o exercício de seus

direitos, no confronto com os dos demais sócios”.

Isso porque, constituída e registrada a sociedade, começa a sua existência legal

como pessoa jurídica de direito privado, adquirindo, desde então, personalidade

jurídica, inconfundível com a dos sócios que a compõe. Portanto, quando o sócio

confere ao capital os seus cabedais, seja em dinheiro ou em bens, procede à

transferência da respectiva propriedade.

Desse contexto se extrai que o sócio transfere um imóvel sobre o qual ele possui um

direito real – direito de propriedade – para, em troca, receber quotas. Dessa contraprestação

surge uma premissa essencial para correlacionar o Direito das Sucessões com o Direito

Empresarial ao assunto ora proposto: a natureza híbrida das quotas sociais.

Conforme ensinam Marcelo Bertoldi e Márcia Ribeiro42, a natureza jurídica das quotas

possui duplo aspecto: quais sejam, como direito pessoal, por atribuírem a seu titular todos os

direitos inerentes ao sócio; e como direito patrimonial, por conferirem a seu dono o direito de

participar dos resultados sociais e da partilha no caso da liquidação da sociedade.

Essa distinção também é feita por Arnoldo Wald43, que destaca conforme feito no

Direito Alemão, anunciando a expressão Stammeinlage como definição para os direitos

patrimoniais, por representar parte de contribuição aos sócios e a expressão Geschäftsanteil,

que detona a direito pessoal, definido como status socii.

Leopoldo da Cunha Nicoli44 noticia que para a maioria da doutrina as quotas sociais

podem, além de comporem o patrimônio do sócio, representar também sua participação na

administração e fiscalização na gestão da sociedade. Desse modo, o aspecto patrimonial

consiste no valor pecuniário que elas representam em caso de liquidação da sociedade, bem

como na percepção de lucros. Já o direito ao status socii revela o direito de participar e de

opinar sobre o rumo da sociedade e suas decisões gerenciais.

Alguns autores, como José Edwaldo Tavares Borba 45 , entendem que as quotas

correspondem à posição de direitos perante a sociedade, os quais são direitos pessoais de

caráter patrimonial, enquanto a ação, ela própria, é objeto de direito, de tal forma que dela

decorrem os direitos de seu titular em relação à sociedade.

42 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 215. 43 WALD, Arnoldo. Comentários ao novo código civil. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro:

Forense, 2005. V. XIV, livro II, p. 357. 44 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:

um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 45-46. 45 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 11. ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

p. 45.

Page 35: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

33

A percepção principal a que se deve chegar é a de que a detenção de quotas de uma

sociedade apresenta duas distintas finalidades, as quais, embora sejam interligadas, podem

justificar a disciplina específica para o destino das quotas, como ocorre no caso de

falecimento de um sócio, o que será tratado adiante.

3.4 Contrato social

Nos termos dos arts. 45, 985 e 1.150 do Código Civil46, tem-se que as sociedades

empresárias são constituídas por meio do seu instrumento de constituição, o qual é chamado

de estatuto ou contrato social, a depender do tipo societário.

No caso das sociedades limitadas, deverá ser elaborado o contrato social, o qual será

arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais do

Estado onde ela operará suas atividades, no prazo de 30 (trinta) dias de sua assinatura, cuja

validade retroagirá a este momento.

Há uma larga discussão sobre a natureza jurídica do contrato social, haja vista que,

embora seja um contrato propriamente dito, não se detectam nele as características

tradicionais dos contratos em geral.

Autores, como Gierke, Duguit, Rocoo e Messineo citado por Marcelo M. Bertoldi47,

defendiam a ideia de que o contrato seria um ato complexo ou coletivo, já que, embora

existam a bilateralidade de interesses, deveres e direitos, estaria ausente o antagonismo entre

as partes envolvidas, pois não haveria interesses contrários, mas, ao contrário, a conjunção de

esforços dirigidos a um mesmo objetivo.

Posicionamento diferente e predominante é o que se atém à natureza contratualista das

sociedades.

46 Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo

no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo,

averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito

privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei,

dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a

cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá

obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade

empresária. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 47 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 158.

Page 36: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

34

Conforme ensina Tullio Ascarelli 48 , as sociedades empresárias são formadas por

contrato plurilaterais, os quais permitem a participação de mais de duas partes, sendo que

todas elas assumem obrigações e usufruem de direitos recíprocos. Na sociedade, embora

exista o conflito de interesse entre os envolvidos, todos têm uma finalidade em comum, que é

exatamente aquela associada à constituição, funcionamento e sucesso da sociedade formada.

A ideia é de que existe um feixe de obrigações entrelaçadas, e não uma contraposição de uma

parte contratante perante a outra.

Ainda que existam outras teorias, como comenta Leopoldo Nicoli49, prioriza-se essa

teoria contratualista (plurilateral), tendo em vista que para ela a conservação da empresa é

mais significativa do que a conservação do sócio, pelo que, quando se fala em dissolução,

deve-se procurar a possibilidade de romper apenas um vínculo contratual, permanecendo os

demais, em virtude do princípio da preservação e da função social da social.

Superadas essas questões referentes à natureza do contrato social, passa-se a defini-lo,

informando que o contrato social é um instrumento a ser elaborado pelos sócios fundadores da

sociedade, lavrado por instrumento público ou privado, o qual irá regular sua existência,

dispondo as regras essenciais para o seu funcionamento, como a definição do capital social, a

distribuição de quotas, a forma de administração da sociedade, o objeto social e o prazo de

duração, dentre outras disposições. Como afirma Marcelo Bertoldi50, o contrato social é o

instrumento que, ao regular o funcionamento da sociedade, impõe, em conjunto com o

ordenamento jurídico, as regras a que se submeterão a sociedade empresária e seus sócios.

Diante do que estabelecem o art. 997 do Código Civil51 e o art. 53, inciso III, do

Decreto 1.800/9652, é possível identificar que existem as cláusulas contratuais obrigatórias e

as facultativas.

48 ASCARELLI, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller,

2001. p. 374. 49 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:

um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 19. 50 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 206. 51 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas

estipuladas pelas partes, mencionará:

I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a

denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;

II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;

III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens,

suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;

V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;

VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;

VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

Page 37: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

35

As cláusulas obrigatórias são aquelas em que devem constar:

a) tipo de sociedade mercantil adotado;

b) nome empresarial, que pode ser firma social ou denominação social, a depender do

tipo societário;

c) endereço completo da sede e de eventuais filiais;

d) nome e qualificação completa dos sócios (quer sejam pessoas jurídicas ou naturais);

e) declaração precisa e detalhada do objeto social;

f) prazo de duração da sociedade;

g) responsabilidade dos sócios, dispondo se eles respondem, ou não, subsidiariamente,

pelas obrigações sociais;

h) capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer

espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

i) identificação da(s) quota(s) de cada sócio, forma e prazo de sua integralização;

j) prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;

k) data de encerramento do exercício social, quando não coincidente com o ano civil;

VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no

instrumento do contrato. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 52 Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996.

Regulamenta a Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas

Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências.

Art. 53. Não podem ser arquivados:

[...]

III - os atos constitutivos e os de transformação de sociedades mercantis, se deles não constarem os seguintes

requisitos, além de outros exigidos em lei:

a) o tipo de sociedade mercantil adotado;

b) a declaração precisa e detalhada do objeto social;

c) o capital da sociedade mercantil, a forma e o prazo de sua integralização, o quinhão de cada sócio, bem

como a responsabilidade dos sócios;

d) o nome por extenso e qualificação dos sócios, procuradores, representantes e administradores,

compreendendo para a pessoa física, a nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência,

documento de identidade, seu número e órgão expedidor e número de inscrição no Cadastro de Pessoas

Físicas - CPF, dispensada a indicação desse último no caso de brasileiro ou estrangeiro domiciliado no

exterior, e para a pessoa jurídica o nome empresarial, endereço completo e, se sediada no País, o Número de

Identificação do Registro de Empresas - NIRE ou do Cartório competente e o número de inscrição no

Cadastro Geral de Contribuintes - CGC;

e) o nome empresarial, o município da sede, com endereço completo, e foro, bem como os endereços

completos das filiais declaradas;

f) o prazo de duração da sociedade mercantil e a data de encerramento de seu exercício social, quando não

coincidente com o ano civil; (BRASIL. Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996. Regulamenta a Lei8.934,

de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins

e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1800.htm>.

Acesso em: 21 ago. 2014).

Page 38: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

36

l) identificação das pessoas naturais incumbidas da administração ou representação

(por procuração) da sociedade, e seus poderes e atribuições, cuja qualificação deve

ser completa;

m) qualificação do administrador não sócio, designado no contrato;

n) participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; e

o) foro ou cláusula arbitral.

Marcelo Bertoldi53 acrescenta que se a omissão da cláusula que menciona ser limitada

a responsabilidade dos sócios à integralização do total do capital social for omissa, isso pode

causar discussões acerca da melhor interpretação. Mas registra que, diante do art. 1.052 do

Código Civil, se no contrato social constar claramente que os sócios quando da constituição

da sociedade, quiseram adotar a sociedade limitada, a limitação da responsabilidade de seus

sócios será automaticamente incorporada.

Dentre as cláusulas facultativas, as quais podem ser as mais diversas, a depender do

interesse dos sócios, é possível elencar as que dispõem sobre:

a) regras da administração da sociedade, como a disposição sobre a administração de

dois, mais de dois ou todos sócios em conjunto, ou a administração por pessoa que

não seja sócio, ex vi arts. 1.013 e 1.061 do Código Civil;

b) regras das reuniões de sócios, nos termos do art. 1.072 do Código Civil;

c) previsão de regência supletiva da sociedade pelas normas da sociedade anônima,

conforme art. 1.053, parágrafo único do Código Civil54;

d) hipóteses de exclusão de sócios por justa causa, nos termos do art. 1.085 do Código

Civil;

e) instituição de Conselho Fiscal, com amparo do art. 1.066 do Código Civil; e

f) disposições sobre a liquidação da quota, pagamento dos haveres, permissão ou

proibição de ingresso dos herdeiros, em caso de óbito de alguns dos sócios, como

previsto no art. 1.028 do Código Civil55.

53 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 206. 54 Sobre o assunto, remete-se ao subtítulo “2.2. Legislação aplicável” supra. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de

janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto .gov.br/ccivil_ 03/leis/ 2002 /

l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 55 Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. (BRASIL. Lei 10.406, de 10

de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_ 03/ leis/2 0

02/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 39: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

37

Com base nessas diretrizes, é possível perceber que o contrato social se apresenta

como um contrato tipo, porém revestido de requisitos mínimos, os quais lhe atribuem

características próprias.

Passa-se à análise das hipóteses de dissolução da sociedade limitada, para que seja

possível aprofundar o estudo voltado para a situação do falecimento de um sócio.

3.5 Dissolução da sociedade limitada

Toda atividade empresária, assim considerada como “a prática de atos seriados, mas,

sobretudo, coordenados entre si para alcançar a finalidade que é o lucro”56, se propõe a

perdurar no tempo, enquanto persistir a busca por seu fim.

Sabe-se que a atividade empresária pode ser desenvolvida através das sociedades, que

podem ser empresárias ou simples. Assim também é cediço que uma sociedade pode ser

estabelecida por tempo determinado, com objeto específico, ou por prazo indeterminado.

Por ora, será tratada apenas a sociedade empresária constituída com base no tipo de

sociedade limitada (de responsabilidade limitada) que seja estabelecida por prazo

indeterminado.

A sociedade limitada, como todas as sociedades, é criada para exercer seu objeto

social, buscando os fins para os quais é constituída.

Contudo, por inúmeras razões, sua destinação ou seu funcionamento podem se perder,

implicando a extinção das atividades ou a alteração do quadro social, isto é, a dissolução da

sociedade, que poderá ser total ou parcial.

Egberto Lacerda Teixeira57 ensina:

As sociedades mercantis, dotadas de existência distinta da dos seus membros,

nascem, vivem crescem e morrem. A morte, contudo, salvo casos esporádicos de

desenlace fulminante, representa um longo e complexo processo de aniquilamento

da empresa – a dissolução.

Etimologicamente, o vocábulo dissolução vem do latim dissolutio, dissolvere (desatar,

desligar, separar). No entanto, ensina o professor Fábio Ulhoa 58 , no Direito Societário,

56 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,

2010. p. 71. 57 TEIXEIRA, Lacerda Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:

Quartier Latin, 2006. p. 348. 58 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 486. v. 2

Page 40: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

38

dissolução pode significa em sentido amplo o procedimento de terminação da personalidade

jurídica da sociedade empresária, implicando no conjunto de atos necessários para sua

extinção como sujeito de direito; e em sentido estrito o ato, judicial ou extrajudicial, que

desencadeia o procedimento de extinção da pessoa jurídica, englobando as fases de dissolução

(sentido estrito – ato ou fato desencadeante), liquidação (solução das pendências

obrigacionais da sociedade) e partilha (repartição do acervo entre os sócios). Tais acepções

geram, nas palavras do aludido autor, duas expressões: “dissolução-procedimento” e

“dissolução-ato”.

Mauro Rodrigues Penteado59 esclarece que:

[...] estritamente considerada, a dissolução corresponde a um eventual pontual que

modifica o status da companhia por coloca-la em situação jurídica típica de

liquidação, na qual se instaura, com menor ou maior rapidez, o procedimento

tendente a esse fim, previsto em lei. [...] Nesse sentido preciso, a dissolução equivale

‘a causa, ou, como já se sustentou, ao “motivo jurídico” que, se não removido pela

assembleia geral de acionistas, leva à extinção da sociedade.

As terminologias utilizadas para tratar dos tipos de dissolução parcial são, por vezes,

consideradas de forma diversas pelos doutrinadores. Vale esclarecer que, quando se fala trata

neste trabalho de dissolução parcial remete-se à ideia da extinção da sociedade em relação a

um dos sócios, pela singular forma de ruptura do liame societário.

3.5.1 Legislação aplicável

O modelo de sociedade limitada adotado pela legislação brasileira foi inserido no

ordenamento vigente pelo Decreto 3.708, de 1919. Tal diploma foi completamente omisso

quanto às causas ou formas de dissolução e liquidação das sociedades por quotas, não sendo

feita nem mesmo qualquer remissão ao Código Comercial ou ao estatuto legal das sociedades

anônimas, como comenta Egberto Teixeira60.

O professor Jason Soares de Albergaria Neto61 esclarece que as sociedades limitadas

podem adotar as regras da sociedade simples, escolhendo o modelo societário previsto no

59 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades: dissolução parcial. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2000. p. 61. 60 TEIXEIRA, Lacerda Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:

Quartier Latin, 2006. p. 350. 61 ALBERGARIA NETO, Jason Soares de. A dissolução da sociedade limitada no novo Código Civil. In:

BERALDO, Leonardo de Faria (Org.). Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 234.

Page 41: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

39

Código Civil podem se submeter aos princípios das sociedades anônimas, seguindo a

normatização da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). Acrescenta, ainda, que tais

sociedades deixaram de ser regulada por Lei Especial, diante da revogação do Decreto-Lei

3.708/1919, passando a integrar aos modelos societários previstos pelo Código Civil,

regulamentada pelos arts. 1.052 a 1.087.

Sobre a legislação a ser aplicada nestes casos, remete-se ao subtítulo “2.2. Legislação

aplicável”, no qual o tema já foi abordado.

Acrescenta-se, assim como fez Cristiane Gandra62, que, para identificar as regras que

disciplinem a dissolução de uma sociedade limitada, é preciso, primeiramente, observar a

natureza dela quanto à ideia de ser uma sociedade de pessoas ou de capitais.

Quando se tem uma sociedade de pessoa, há a predominância do intuito personae, de

forma que as características pessoais de cada sócio é que justifica o laço societário, em razão

da reciprocidade de conhecimento e confiança. Sobre o tema, Modesto Carvalhosa63 elucida:

Dessa confiança recíproca entre os sócios decorrem princípios que imperam na

organização da sociedade, tais como o impedimento de livre cessão das quotas

sociais a terceiros estranhos à sociedade, a tomada de determinadas deliberações por

unanimidade e a dissolução da sociedade em razão de morte, interdição ou falência

de algum dos sócios.

Já na sociedade de capitais, como as sociedades anônimas, o que prevalece é o intuitus

pecuniae, pois a formação do capital é mais importante para a manutenção do laço societário

do que as características pessoais dos sócios.

Embora exista essa distinção, como já visto, a legislação permite a aplicação supletiva

de regras próprias de sociedade distinta. Por exemplo, às sociedades limitada serão aplicadas

as regras das sociedades anônimas, conforme conclui Cristiane Gandra64:

Assim, pode-se concluir que não serão aplicadas as regras das sociedades anônimas

‘nos temas regulados de modo completo pelo contrato social ou naqueles em que o

Código Civil é impositivo’, cabendo lembrar que tanto a constituição quanto a

dissolução da sociedade limitada serão sempre regidas pelo Código Civil, uma vez

que antagônicas as regras previstas na lei do anonimato, de caráter institucional, e as

das limitadas, de caráter contratual.

Neste caso, as regras supletivas aplicáveis às limitadas seriam as previstas para o

regramento das sociedades simples.

62 GANDRA, Cristiane Giuriatti. Partilha de quotas de sociedade limitada em virtude de dissolução de

sociedade conjugal. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial) – Faculdade de Direito Milton

Campos, Nova Lima. Disponível em: <http://www.mcampos. br/posgraduacao/ mestrado/ dissertacoes/ 2011/

cristianegiuriattipartilhaquotassociedadelimitada.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2014, p. 91-93. 63 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do Direito de Empresa. São Paulo:

Saraiva, 2003. p. 35-36. v. 13. 64 GANDRA, op. cit. p. 100.

Page 42: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

40

O atual Código Civil regulamentou as causas de dissolução da sociedade limitada em

seus arts. 1.004, 1.029, 1.030, 1.033, 1.044, 1.077 e 1.085, destacando-se tanto as causas de

dissolução total como as de dissolução parcial, que serão tratadas neste estudo, sobretudo o

art. 1.028, que se refere à hipótese de falecimento de um sócio.

Ressalta-se que é o contrato social da sociedade limitada que permitirá a solução

adequada para identificar a legislação aplicável, já que ela pode assumir feição pessoalista ou

capitalista.

Egberto Teixeira65 afirma que o contrato pode: enumerar, taxativamente, as causas de

dissolução; fazer remissão expressa às causas de dissolução recolhidas no Código Comercial

ou na legislação do anonimato; indicar e exemplificar, algumas de suas causas específicas,

sem afastar as possibilidades previstas na lei em vigência; e omitir-se a respeito de toda a

matéria. Nas duas primeiras hipóteses, não remanesceriam dúvidas. Contudo, nas duas

últimas situações ainda existe grande discussão.

Para Fábio Ulhoa Coelho 66 , existem dois tipos de sociedade limitada no Direito

brasileiro: as sociedades instáveis e as estáveis. Essa classificação será referenciada neste

trabalho, de acordo a explicação a seguir:

O primeiro subtipo é o da sociedade limitada sujeita à regência supletiva das normas

da sociedade simples. Trata-se da sociedade em que o contrato social não elege a

LSA como norma de regência supletiva. Quer dizer, sendo o instrumento contratual

omisso quanto à disciplina supletiva ou adotando expressamente as normas da

sociedade simples por parâmetro, a sociedade limitada será desse primeiro subtipo.

Proponho chamar as sociedades deste subtipo I de limitadas com vínculo societário

instável. Isto porque, quando contratadas por prazo indeterminado, qualquer sócio

pode dela se desligar, imotivadamente, por simples notificação aos demais, a

qualquer tempo. Aplica-se, com efeito, a essa sociedade limitada o disposto no art.

1.029, do CC (do capítulo das “sociedades simples”), que assegura ao sócio o direito

de retirar-se da sociedade sem prazo, mediante simples notificação aos demais, com

antecedência de 60 dias. O sócio retirante tem direito ao reembolso de suas quotas

pelo valor patrimonial.

O segundo subtipo de sociedades limitadas é o das sujeitas à regência supletiva da

LSA. Para tanto, é necessário que o contrato social contemple cláusula expressa

mencionando a opção dos sócios por essa disciplina supletiva. Sem a expressa

eleição pelos sócios da LSA como fonte supletiva de regência da sociedade,

submete-se ela às regras da sociedade simples.

Proponho chamar as sociedades deste subtipo II de limitadas com vínculo societário

estável. Como, nesse caso, não se aplica o art. 1.029 acima mencionado, e não se

65 TEIXEIRA, Lacerda Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:

Quartier Latin, 2006. p. 350; 66 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

p. 404.

Page 43: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

41

encontra, por outro lado, na LSA, nenhuma norma contemplando qualquer forma de

dissolução parcial da sociedade, segue-se que não há fundamento legal para o sócio

pretender desligar-se imotivadamente do vínculo societário que o une aos demais.

Mesmo sendo contratada a limitada por prazo indeterminado, como a lei de regência

supletiva é a LSA, não há meios de o sócio se retirar da sociedade, a não ser na

hipótese do art. 1.077, também do CC (modificação do contrato social, fusão ou

incorporação).

Embora a divisão proposta pelo citado doutrinador não seja largamente utilizada por

outros autores, por ora vale considerá-la como uma forma de identificar as sociedades e seu

respectivo regime jurídico, para que seja possível analisar os efeitos da dissolução parcial.

3.5.2 Causas de dissolução total e parcial

O contrato social se apresenta como um contrato plurilateral, o qual pode ser

vislumbrado pela imagem de um feixe de obrigações, o qual permite a visualização da

distinção feita pela doutrina quanto à divisão em dissolução total – quando há rompimento de

todos os vínculos contratuais, levando à extinção da pessoa jurídica –, ou parcial – quando há

rompimento de um ou alguns vínculos, remanescendo outros que garantem a preservação da

empresa perquirindo sua função social.

A dissolução total de uma sociedade empresária implica o desfazimento de todos os

vínculos obrigacionais, cujas causas são previstas pelo Código Civil de 2002 dentre as normas

da sociedade simples e, antes de sua vigência, aplicava-se, subsidiariamente, a Lei das

Sociedades Anônimas, as quais são enumeradas comparativamente no Quadro 1 elaborado

pelo mencionado autor Leopoldo Nicoli67, adotando o entendimento de Waldecy Lucena:

67 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:

um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 22.

Page 44: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

42

Quadro 1 – Causas da dissolução total da sociedade empresária

Sociedade Limitada – Código Civil Sociedade Anônima – Lei da S/A

Extirpação do prazo de duração – art. 1033, I Extirpação do prazo de duração – art. 206, I, a

Falência da sociedade – art. 1.044 Falência da sociedade – art. 206, II, c

Mútuo consenso – art. 1.033, II e III Deliberação de assembleia geral – art. 206, I, c

Exaurimento ou Inexequibilidade do fim social –

art. 1.034, II Inexequibilidade do fim social – art. 206, II, b

Causas previstas no contrato social – art. 1.035 Causas previstas no estatuto social – art. 206, I, b

Existência de um único sócio, sem reconstituição

da pluralidade social – art. 1.033, IV

Existência de um único sócio, sem reconstituição

da pluralidade social – art. 206, II, d

Anulação de constituição – art. 1.034, I Anulação de constituição – art. 206, II, a

Ato do príncipe – extinção de autorização para

funcionar – art. 1.033, V

Ato do príncipe – extinção de autorização para

funcionar – art. 206, I, “e”, e III

Fonte: NICOLI, Leopoldo da Cunha. 2012, p. 22 (Título do autor do trabalho)

Considerando que a dissolução total não corresponde ao tema principal deste trabalho,

serão abordadas com detalhes apenas as causas de dissolução parcial, especialmente quando

causadas em razão do falecimento de um sócio.

Jason de Albergaria Neto68 comenta que alguns autores apontam a impropriedade da

expressão dissolução parcial, pois esta corresponderia à situação em que apenas um sócio é

afastado, com a manutenção do contrato e o fundamento na conveniência ou necessidade de

preservação do organismo social, implicando, portanto, reconhecer que não há a intenção em

desaparecer com a empresa, o que melhor subsumiria a verdadeira acepção da palavra

dissolução.

Independentemente da terminologia, antes mesmo da entrada em vigor do atual

Código Civil, quando ainda não havia previsão expressa para tal situação – e privilegiava-se a

pessoa do sócio, buscando a liquidação do passivo e realização do ativo e restituindo o saldo

remanescente –, a doutrina e a jurisprudência foram mutuamente responsáveis pela criação

supralegal da dissolução parcial de sociedade limitada, a partir da interpretação do art. 335,

item 5 do Código Comercial69.

68 ALBERGARIA NETO, Jason Soares de. Partes na ação de dissolução de sociedade por quotas de

responsabilidade limitada. 2001. 270 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito.

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 176. 69 Código Comercial, art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas:

1 - Expirando o prazo ajustado da sua duração.

2 - Por quebra da sociedade, ou de qualquer dos sócios.

Page 45: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

43

O mencionado autor explica70:

Assim, na sociedade instituída por prazo indeterminado, presume-se que os sócios se

reservam o direito de dissolvê-las quando qualquer um bem entendesse, eis que não

contrataram a obrigação in aeternum na sociedade.

A dissolução parcial tutela dois interesses opostos um dos sócios majoritários que

pretendem continuar com a empresa e, de outro lado, o do(s) sócio(s) minoritário(s)

que não quer mais permanecer contratado(s).

Ninguém pode obrigado a continuar na sociedade contra a sua vontade. Concede-se

ao sócio que se julgue incompatibilizado com ela ou desconfie de que ela se

encontra destituída de condições assecuratórias do êxito o direito de romper os laços

sociais, nos termos do art. 335, V do Código Comercial, segundo o qual os laços

sociais podem se romper pela vontade de um único sócio.

A intenção da figura da dissolução parcial sempre foi a de preservar a empresa, não

sendo possível que as vicissitudes pessoais dos sócios pudessem provocar a extinção da

sociedade. É a partir dessa construção jurisprudencial e doutrinária, ainda na década de 1970,

que começa a surgir o princípio da preservação da empresa, que ganhou força, pois a

permanência desta atividade garante a produção, o trabalho e os serviços dentro de uma

comunidade.

Resume Fábio Ulhoa Coelho71:

O princípio da preservação da empresa, esculpido na doutrina e na jurisprudência

principalmente a partir dos anos 1960, recomenda a dissolução parcial da sociedade

limitada, como forma de resolver conflitos entre os sócios, sem comprometer o

desenvolvimento da atividade econômica nem sacrificar empregos, reduzir o

abastecimento do mercado de consumo ou prejudicar pessoas direta ou

indiretamente beneficiadas com a empresa.

A dissolução parcial surgiu como forma de conciliar o princípio da preservação da

empresa com o princípio da função social e, ao mesmo tempo, respeitar o direito

constitucional72 de que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado.

3 - Por mútuo consenso de todos os sócios.

4 - Pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos que sobreviverem.

5 - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado.

Em todos os casos deve continuar a sociedade, somente para se ultimarem as negociações pendentes,

procedendo-se à liquidação das ultimadas. (BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30

jul. 2014). 70 ALBERGARIA NETO, Jason Soares de. Partes na ação de dissolução de sociedade por quotas de

responsabilidade limitada. 2001. 270 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito.

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 177. 71 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

p. 494.

Page 46: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

44

Com o Código Civil de 2002, como menciona o citado doutrinador, a lei passou a

disciplinar algumas das hipóteses de dissolução parcial das sociedades limitadas sob o

conceito de resolução da sociedade em relação a um sócio, previstas nos arts. 1.028 a 1.032,

1.085 e 1.086.

Vale destacar que, embora pudesse ser pressuposto lógico da dissolução parcial da

sociedade sua permanência com pluralidade de sócios, a jurisprudência passou a admitir a

unipessoalidade incidental temporária das sociedades limitadas como forma de evitar a

dissolução total da sociedade, contornar dificuldades operacionais que dela decorreria, e

preservar a limitação da responsabilidade do empreendedor, segundo Fábio Ulhoa Coelho73.

Com o advento do Código Civil de 2002, tal situação também foi regulamentada,

passando a ser possível que a sociedade limitada sobreviesse com apenas um sócio, pelo prazo

máximo de 180 dias, eis que, ao final, a pluralidade deve ser restabelecida, sob pena de seu

funcionamento ser considerado irregular, sujeitando-se às normas da sociedade em comum.

Essa penalidade, contudo, não será aplicada caso o sócio remanescente requeira a

transformação da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de

responsabilidade limitada, conforme dispõe o art. 1.033, parágrafo único do Código Civil.

A doutrina tem mencionado que são hipóteses de dissolução parcial, as quais serão

expostas a seguir: a rescisão do contrato social, relativamente a um dos sócios, por consenso

entre todos os sócios; o direito de retirada; a expulsão; o falecimento de um sócio; e a

liquidação da quota a pedido do credor do sócio.

3.5.2.1 Consenso entre os sócios

Diante da natureza contratualista da sociedade limitada, tem-se que a rescisão do

contrato social quanto a um dos seus sócios, resgatando novamente a ideia do contrato

pluritaletral, pode ser feita mediante o mero consenso entre todos os sócios que compunham a

sociedade.

72 Constituição Federal, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; (BRASIL. Constituição

(1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.

gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 ago. 2014) 73 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

p. 496.

Page 47: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

45

Em tal hipótese, os sócios devem definir a saída e o valor a ser pago pela sociedade ao

sócio, formalizando o ajuste pela assinatura do instrumento de alteração contratual, restando

caracterizada a dissolução parcial extrajudicial.

Registra-se que em caso de dissolução parcial a liquidação da quota do sócio falecido

dar-se-á, conforme dispõe o art. 1.031 do CC, com base na situação patrimonial da sociedade,

à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a

correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota (§1º do art.

1.031), devendo a quota liquidada ser paga, nos termos do §2º do art. 1.031, em dinheiro, no

prazo de 90 (noventa) dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em

contrário.

Como defendido por Fábio Ulhoa Coelho74, na prática é comum que a dissolução

parcial amigável se concretize mediante a aquisição das quotas pelos demais sócios,

caracterizando uma cessão de quotas, e não propriamente uma dissolução parcial do contrato

social.

3.5.2.2 Direito de retirada

O art. 1.029 do Código Civil, estabelecido dentre as regras da sociedade simples,

determina que:

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode

retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais

sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado,

provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios

optar pela dissolução da sociedade.

O art. 1077 do Código Civil, instituído dentre as regras da sociedade limitada, assim

estabelece:

Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade,

incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de

retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no

silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

74 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

p. 497.

Page 48: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

46

Não obstante a discussão acerca da aplicabilidade das regras das sociedades simples

no regime das sociedades limitadas, como mencionado alhures, Fábio Ulhoa Coelho75 aduz:

Se a sociedade limitada de vínculo instável é contratada por prazo indeterminado, o

sócio pode desligar-se, a qualquer tempo, das obrigações assumidas ao assinar o

contrato social. Como não se obrigou a manter o seu investimento na limitada, por

um prazo fixo, em razão do princípio da autonomia da vontade, ele pode liberar-se

da condição de sócio no momento em que for de seu interesse (CC, art. 1029). É a

hipótese de retirada imotivada. Já na sociedade de vínculo instável contratada por

prazo determinado e na de vínculo estável, o sócio pode retirar-se quando divergir

de alteração contratual, incorporação ou fusão deliberada pela maioria (CC, art.

1.077). Nesses casos, a retirada é motivada, já que o direito do sócio não depende

apenas da vontade dele.

Também chamado de “recesso”, o direito de retirada garante ao sócio a oportunidade

de requerer sua retirada, individual, por meio de uma simples manifestação de vontade. Trata-

se de um ato unilateral, consubstanciado em um direito irrenunciável, indivisível, potestativo,

de efeitos ex nunc, pelo qual remanesce à sociedade e aos demais sócios apenas a posição de

mera sujeição, devendo apenas substituir o quotista ou proceder à redução do capital social.

Comenta Priscila M. P. Corrêa Fonseca76:

A eficácia do direito de recesso, uma vez notificada a sociedade, não pode ser

obstaculizada por qualquer ulterior deliberação da sociedade, inclusive a que venha

a referendar a exclusão do próprio retirante.

Percebe-se que a intenção deste direito é preservar a garantia dos sócios minoritários

de discordar com as alterações da sociedade e, ao mesmo tempo, permitir a preservação e

pacificação das sociedades.

Para Fonseca, o exercício desse direito retira dos demais sócios a possibilidade de

qualquer questionamento, pelo que também não reclama do sócio retirante qualquer

justificativa nem a comprovação de que a alteração contratual lhe tenha provocado qualquer

prejuízo. Ela entende, inclusive, que se trata de um direito insuscetível, inclusive, de ser

abdicado por convenção dos sócios.

O posicionamento adotado pela aludida autora enfrenta algumas críticas, na medida

em que é possível encontrar alguns autores que entendem ser possível imputar condicionantes

ao exercício do direito de retirada ou, no mínimo, que seja exigida a apresentação do motivo,

a fim de afastar eventuais surpresas e desgastes inesperados para a sociedade empresária.

75 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

p. 497. 76 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio. São Paulo: Atlas,

2002. p. 26-29.

Page 49: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

47

Embora exista tal divergência, é possível encontrar jurisprudências que consolidam o

entendimento de que a mera quebra do affectio societatis é suficiente para requerer o direito

de retirada, tendo em vista que há respaldo no art. 5º, inciso XX, da Constituição da

República, o qual preceitua que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a

permanecer associado”.

A manifestação da vontade do sócio deverá ser feita por escrito, o que se justifica,

sobretudo, para viabilizar a comprovação do exercício do direito de recesso, indispensável à

fixação da data para apuração de haveres.

Os termos do art. 1.029 do Código Civil, acima transcritos, vêm gerando grande

insegurança na identificação do momento em que se opera a dissolução parcial por retirada

imotivada.

Corroborado pela interpretação dos arts. 1.029 a 1.032 do Código Civil, tem-se que o

rompimento do vínculo dá-se no momento da inequívoca manifestação de vontade do sócio de

se retirar, em se tratando de sociedade limitada, entendimento exposto no Recurso Especial

646.221/PR77 do Superior Tribunal de Justiça:

Todavia, há autores que sustentam que, ao estabelecer “com antecedência mínima de

sessenta dias”, o art. 1029 do Código Civil faz com que se deva entender que o rompimento

do vínculo dar-se-ia tão somente após este prazo, pois em caso contrário não teria sentido sua

previsão, já que não haveria outro efeito relevante, senão o de estabelecer o momento de

rompimento do vínculo.

Independente de tais divergências, certo é que, perante terceiros, é inequívoca a

necessidade de providenciar a substituição do quotista ou de proceder à redução do capital

social, mediante alteração no contrato social, que deverá ser arquivado na competente Junta

Comercial, para que gere efeitos perante terceiros e cesse a responsabilidade do sócio

dissidente.

77 Direito societário. Recurso especial. Dissolução parcial de sociedade limitada por tempo indeterminado.

Retirada do sócio. Apuração de haveres. Momento. - A data-base para apuração dos haveres coincide com o

momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo

indeterminado. - Quando o sócio exerce o direito de retirada de sociedade limitada por tempo indeterminado,

a sentença apenas declara a dissolução parcial, gerando, portanto, efeitos ex tunc. Recurso especial conhecido

e provido.

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial 646.221 - PR (2004/0031511-7).

Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. Data de Julgamento 19/04/2005. Data de publicação

30/06/2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ revistaeletronica/ inteiroteor? num_ registro= 2

00400315117&data=8/8/2005>. Acesso em: 20 maio 2013).

Page 50: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

48

3.5.2.3 Expulsão ou exclusão

Priscila Fonseca 78 ensina que a expulsão, ou exclusão, do sócio ocorre com o

afastamento compulsório do sócio descumpridor de suas obrigações sociais.

A expulsão, ou exclusão, do sócio pode acontecer nas seguintes situações:

a) referente ao sócio remisso, que é aquele que descumpre seus deveres de sócio (art.

7º do Decreto 3.708/19, art. 289 do revogado Código Comercial e art. 1.004 do

Código Civil). Em tal hipótese, dar-se-á direito aos demais sócios de optarem em

face do sócio remido pela cobrança, pela redução das quotas ao montante já

realizado ou pela exclusão;

b) em caso de falta grave no cumprimento de suas obrigações (art. 1.030 do Código

Civil), quando a maioria dos sócios pode requerer a exclusão judicial do sócio;

c) em caso de incapacidade superveniente do sócio (art. 1.030 do Código Civil);

d) quando for decretada a falência do sócio (art. 48 da Lei de falência e art. 1030,

parágrafo único do Código Civil);

e) quando se tratar de sociedade limitada, a maioria dos sócios, representativa de mais

da metade do capital social, poderá excluir aquele que estiver pondo em risco a

continuidade da empresa em virtude de atos de inegável gravidade (art. 1.085 do

Código Civil);

f) outras situações previstas no contrato social, como, por exemplo, atos

desempenhados pelo sócio que represente concorrência desleal para a sociedade e

uso indevido da firma ou da denominação social, dentre outras.

Novamente, tem-se a disciplina dirigida para as sociedades simples e para a sociedade

limitada, regidas, respectivamente, pelos arts. 1.030 e 1.085 do Código Civil, conforme se

verifica:

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio

ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por

falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade

superveniente.

Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado

falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do

art. 1.026.

[...]

78 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio. 5. ed. São Paulo:

Atlas, 2012. p. 21.

Page 51: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

49

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios,

representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios

estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável

gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social,

desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou

assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil

para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

A principal diferença entre os citados dispositivos se traduz na gravidade do motivo

capaz de provocar a exclusão, sendo que uma dissolução parcial judicial deve ser buscada em

casos mais graves. Quando se tratar de situações mais brandas, que estejam previstas no

contrato social, segue-se pela dissolução parcial extrajudicial.

Ressalta-se a síntese elaborada por Ulhoa Coelho79:

A expulsão do sócio pode ser feita sempre que a causa for a mora na integralização

do capital social ou por deliberação da maioria societária, em reunião ou assembleia

de sócios convoca especialmente para essa finalidade, desde que o contrato social

contenha cláusula que a permita (exclusão extrajudicial). Sendo remisso,

inadimplente ou desleal o sócio majoritário, ou não havendo cláusula contratual

permissiva, a expulsão deve ser pleiteada em ação de dissolução (exclusão judicial)

[...]. O que se dá, afinal, é uma específica distribuição de ônus de prova: na

extrajudicial, o expulso deve provar em juízo que não descumpriu nenhuma de suas

obrigações de sócio, se pretender se reintegrar à sociedade; na expulsão judicial,

cabe aos remanescentes provar a culpa do sócio, cuja expulsão pleiteiam.

Em qualquer das hipóteses, constata-se que se trata de uma medida coativa contra o

sócio descumpridor de suas obrigações e causador de discórdia e desavenças.

Por fim, elucida-se que a exclusão opera seus efeitos a partir da deliberação que a

proclame, gerando eficácia imediata. Em relação ao sócio excluído, os respectivos efeitos

somente começam a fluir – dado o respectivo caráter receptivo – com base na ciência da

alteração processada e, relativamente a terceiros, a contar do arquivamento a ser realizado

perante a Junta Comercial.

3.5.2.4 Liquidação da quota a pedido do credor do sócio

Dispõe o art. 1.026 do Código Civil:

79 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 449.

Page 52: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

50

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do

devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade,

ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a

liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será

depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela

liquidação.

Constata-se que a lei garante ao credor do sócio devedor a possibilidade de pedir ao

juiz que seja realizada a dissolução parcial da sociedade limitada, obrigando-se a proceder à

apuração de haveres no prazo de noventa dias, depositando no juízo da execução o valor do

reembolso o quanto baste para a satisfação do crédito exequendo.

Ensina Fábio Ulhoa Coelho 80 que a apuração dos haveres será feita pela própria

sociedade, sem que o credor possa discutir os critérios de avaliação do ativo e do passivo dos

empregados no levantamento do balanço de determinação.

O doutrinador ressalta que este caminho é muito oneroso para a sociedade, que, em

regra, sequer é responsável pelo débito. Por isso, em respeito ao princípio da preservação da

empresa, o juiz somente poderia determinar essa modalidade se já não houver mais nenhum

outro bem disponível no patrimônio do sócio executada.

Retomando, novamente, a classificação que o autor faz quanto aos tipos de sociedade

em razão das normas aplicadas, ele afirma que na sociedade limitada de vínculo estável não

haveria a possibilidade deste tipo de execução, pois não há dispositivo semelhante na Lei das

Sociedades Anônimas, restando ao credor tão somente a possibilidade de postular a penhora

das quotas sociais.

3.5.2.5 Falecimento de um sócio

Conforme narra Marlon Tomazette81, no regime do Código Comercial de 1850 podia-

se afirmar que a morte de um dos sócios implicaria a dissolução da sociedade. Assim como o

código Napoleônico, tal diploma legal foi inspirado no extremo individualismo. Com base em

seu texto, era possível afirmar que se um dos sócios faltasse a sociedade deveria ser extinta.

Diante da natureza personalista da relação entre os sócios, privilegiava-se mais o interesse do

sócio em detrimento do interesse da sociedade.

80 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 500. 81 TOMAZETTE, Marlon. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 134.

Page 53: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

51

O Decreto 3.708/19 também era omisso quanto ao destino da sociedade em caso de

falecimento de um dos sócios, o que levou ao entendimento de que resultaria,

inexoravelmente, na dissolução total ou parcial da sociedade limitada.

Essa omissão acabou por permitir que os contratos sociais estabelecessem formas

diversas, pactuando-se, inclusive, pela admissão dos herdeiros, que poderia ou não ser

condicionada à deliberação dos demais sócios.

Foi esse comportamento que permitiu a prevalência do interesse da sociedade,

sobretudo, por terem sido reconhecidas a personalidade jurídica autônoma da sociedade e a

natureza plurilateral do contrato que une os sócios.

O Código Civil atual, consagrando a função social da sociedade e o princípio da

preservação da sociedade empresária, estabeleceu em seu art. 1.028, in verbis:

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Percebe-se que o diploma civilista acabou por consolidar o que já era prática, sendo

possível pontuar as seguintes situações quanto à sucessão causa mortis do sócio (a) prévia

estipulação contratual (art. 1.028, inciso I do Código Civil) e (b) ausência de estipulação

contratual (art. 1.028, incisos II e III do Código Civil). Ambas as situações acarretariam nas

seguintes consequências: transferência de quotas aos herdeiros e legatários; pagamento aos

herdeiros do valor relativos às quotas do sócio falecido; e aplicação do que eventualmente

estiver previsto no contrato social.

Fábio Ulhoa Coelho82 ensina que o falecimento do sócio somente implica a dissolução

da sociedade limitada com vínculo instável. Mesmo assim, quando o sucessor não desejar

entrar para a sociedade ou, sendo ela de pessoas, os sócios sobreviventes desejarem impedir o

ingresso dele.

Ele afirma ainda:

Se estão todos de acordo em manter os vínculos sociais, não há razão para a

apuração dos haveres, nem mesmo se prevista esta no contrato social. É um

despropósito exigir a dissolução parcial da sociedade se o sucessor e os

sobreviventes podem, ato contínuo, restabelecer os mesmos vínculos societários.

82 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 498-499.

Page 54: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

52

Já na sociedade limitada de vínculo estável funcionará de forma contrária. Isto é, se os

sócios sobreviventes não desejarem o ingresso dos sucessores na sociedade, ou estes não se

interessarem por fazer parte dela, a dissolução parcial dependerá necessariamente de acordo

entre eles, pois neste caso a morte nunca implicará em dissolução parcial, devendo os

sucessores nela ingressar, como o autor também elucida:

Se uma das partes – sucessores ou sócios sobreviventes – não querem a apuração

dos haveres, a outra tem de conformar com a transferência das quotas do falecido

aos sucessores. Assim é porque a LSA, norma de regência supletiva das limitadas

desse subtipo, não prevê o reembolso das ações em favor dos sucessores do acionista

falecido. Não se aplica a essas limitadas, por outro lado, o art. 1.028 do Código

Civil, que se abriga no capítulo relativo às “sociedades simples”.

Marlon Tomazette83 também elucida:

A natureza personalista da relação entre os sócios impede que haja de pleno direito a

transmissão da condição de sócio aos herdeiros do sócio falecido, pois não é

indiferente para a vida da sociedade quem adquire a qualidade de sócio. [...] De

outro lado, a natureza personalista da sociedade simples pode impedir o

prosseguimento da empresa, diante da importância que o sócio falecido possuía na

vida da sociedade. Nesse caso, os sócios podem deliberar a dissolução total da

sociedade, que agora não é consagrada como a regra, mas como a exceção que

depende da manifestação dos sócios em assembleia ou no próprio contrato social.

Vale ressaltar que a transmissão da herança não se confunde com a sucessão da

condição de sócio, pois há diferença entre o valor econômico das quotas e a condição de

sócio, como se observa no comentário feito por Leopoldo da Cunha Nicoli84:

Os sócios podem dispor no contrato social pela transmissão da posição de sócio

(status socii) aos herdeiros, ou de modo diverso à regra da transmissão, ou seja, pela

transmissão apenas dos haveres sociais (valor pecuniário), tornando-se os herdeiros

apenas credores do valor das quotas sociais pertencentes ao sócio falecido.

Daniela Ramos Marques Marino85, ao mencionar Carvalho de Mendonça, aponta a

análise da posição jurídica do sócio, cuja expressão seria sinônimo de “direito de sócio”, em

duas partes, sendo a primeira correspondente ao direito patrimonial, que corresponderia ao

direito de receber um quinhão dos lucros e de participar na partilha de bens residuais após a

83 TOMAZETTE, Marlon. As sociedades simples no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.

62, 1º fev., 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3691>. Acesso em: 17 jul. 2014. 84 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:

um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 36. 85 MARINO, Daniela Ramos Marques. O status socii. In: CAMARGO, André Antunes Soares de (Coord.).

Direito Societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 172.

Page 55: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

53

liquidação da sociedade. A segunda parte, equivalente ao direito pessoal, abrange o direito de

“cooperar na vida social”. Por exemplo, o ato de participar da administração da sociedade, de

votar e fiscalizar os atos da administração, entre outros.

A citada autora apresenta algumas tentativas de definir o que seria o status socii, mas

bem conclui que “mais do que alcançar uma definição genérica e suficientemente abrangente

de status, possivelmente inútil na prática, a doutrina deve isolar os diferentes usos do termo

status e compreendê-lo de acordo com as respectivas funções”86.

Destaca-se que a distinção dos direitos inerentes ao status de sócio é essencial para

determinar a sucessão das quotas da sociedade limitada no caso de seu falecimento.

O contrato social, ainda que vede a assunção dos herdeiros como sócios, jamais pode

afastar o direito deles de receber o valor patrimonial das quotas, eis que compõe o acervo

patrimonial do falecido, que obrigatoriamente deverá ser inventariado.

Como elucida Leopoldo da Cunha Nicoli 87 , pode-se dispor do direito pessoal

intrínseco àquelas quotas (ius dispositivum), pois se trata de direito dispositivo às partes, mas

não poderá haver disposição que ofenda norma de ordem pública (ius cogens), como as

inerentes ao Direito das Sucessões. Ele ainda acrescenta:

Embora pareça ser uma ofensa ao direito sucessório, não existe nenhuma norma

constitucional ou infraconstitucional que impeça a exclusão de herdeiros quanto ao

status socii.

Da mesma forma, ao excluir certo(s) herdeiro(s) da sociedade, apesar de parecer,

não há qualquer transgressão às regras de legítima. Respeitados os limites impostos

pelo ius cogens no que tange à legítima, o herdeiro poderá ser excluído inclusive do

direito patrimonial da quota social.

Neste contexto, é interesse comentar que a sucessão de quotas de uma sociedade

empresária representa uma importância especial para o destino de sua atuação.

Ainda que se considerem o caráter patrimonial e o laço pecuniário que une os sócios, é

incontroversa a relevância das características pessoais dos sócios na atividade da sociedade,

sobretudo quando se trata de sociedades limitadas, que, não obstante as divagações didáticas-

doutrinárias, correspondem a uma sociedade de pessoas.

O planejamento sucessório, cada vez mais comum na atividade empresarial,

demonstra vital importância para o destino da sociedade. Contudo, é preciso pontuar que no

86 MARINO, Daniela Ramos Marques. O status socii. In: CAMARGO, André Antunes Soares de (Coord.).

Direito Societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 181-182. 87 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:

um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 47.

Page 56: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

54

plano jurídico o falecimento de uma pessoa envolve regras do Direito das Sucessões, do

Direito de Família e, sendo ele sócio, do Direito Empresarial, as quais devem ser conjugadas,

sob pena de nulidade de seus efeitos.

Page 57: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

55

4 DO CASAMENTO E DOS REGIMES DE BENS

Abordar qualquer tema que envolva as obrigações advindas do casamento exige uma

análise jurídica, social, psicológica e, quiçá, religiosa.

Definir casamento, mesmo que sob uma acepção informal e atécnica, não é tarefa

simples. Se há alguns anos casamento era a relação firmada entre homem e mulher com o

intuito de constituir uma família, gerando e criando filhos, hoje esta configuração já não se

encontra tão presente a ponto de servir como definição de um instituto social, muito menos

jurídico.

Ao contrário, a sociedade atual exige, muito antes de definir casamento, a

identificação do que seja família. A mãe solteira com um filho é família; dois homens criando

seus filhos também o é; um homem e uma mulher sem filhos que vivem juntos também; se

não viverem sob o mesmo teto, também pode ser; um filho pode ter duas mães, na já

reconhecida situação de multiparentalidade88, e considerá-las como sua família; assim como

homem e mulher com cinco filhos continuam sendo uma família.

Hoje, a multiplicidade de formatos da instituição familiar exige uma análise muito

mais profunda que a mera interpretação e aplicação do texto legal, sob pena de tornar

vulnerável o princípio da segurança jurídica ou de causar injustiças aos envolvidos no caso

concreto.

Neste contexto, sob o aspecto jurídico, torna-se compreensível o fato de o conceito e

de a identificação da natureza jurídica do casamento sofrerem modificações ao longo do

tempo. Há doutrinadores que o considerou como sendo um ato solene por ser revestido de

forma e solenidade específica para garantir-lhe validade. Já foi considerado um contrato, por

haver obrigações, direitos e deveres recíprocos. Outros autores entendem que se trata apenas

de uma união, sem que se identificasse a natureza jurídica. Já foi considerado um contrato sui

generis, uma vez que há obrigações recíprocas, mas há regras advindas da finalidade precípua

do casamento que ultrapassam a vontade dos nubentes ao estipular cláusula contratuais. E,

ainda, já foi considerado uma instituição jurídica.

88 A expressão multiparentalidade traduz a possibilidade de ser reconhecida a dupla filiação registral, na qual a

jurisprudência tem admitido a existência de dois pais ou duas mães no registro civil, para todos os fins

jurídicos, inclusive familiares e sucessórios. Nas palavras de Flávio Tartuce, são situações em que se

vislumbra a “escolha de Sofia, entre o vínculo biológico e o socioafetivo, o que não pode prosperar em

muitas situações fáticas”. (TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no Direito de Família. Revista

Consulex, Brasília, ano XVI, n. 378, 15 out. 2012. Disponível em: <http://www. flaviotartuce. adv.br/

index2.php?sec=artigos>. Acesso em: 3 jul. 2011, p. 28-29)

Page 58: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

56

Dispondo a família de várias formatações, Maria Berenice Dias 89 lembra que o

legislador não apresenta nenhuma definição do que seja família ou casamento. Washignton de

Barros Monteiro 90 afirma que casamento sempre foi reconhecido como fundamento da

sociedade, base da moralidade pública e privada.

A Constituição da República reconhece a constituição da família, porém sem atribuir

ao casamento a única forma de entidade familiar, admitindo-a também na união estável,

reconhecida e protegida constitucionalmente, com amparo em seu art. 226, § 3º91.

Da doutrina, ao interpretar o texto legal, é possível pontuar as seguintes características

que identificam o casamento como instituto jurídico: a solenidade da celebração como

requisito essencial para sua validade, consubstanciada, em especial, na vontade declarada em

viva voz pelos contraentes, seguida da declaração do casamento; a possibilidade de ser

dissolvido; a finalidade, que pode estar presente no desejo pela procriação e educação da

prole, na assistência e na solidariedade mútuas; a satisfação sexual, revestida do interesse

recíproco pela comunhão de vida; e a satisfação pelo amor recíproco, implicando a presença

do affectio maritalis, correspondente ao que as núpcias romanas destacavam como fator

psíquico da vida em comum e sustentáculo da subsistência do casamento, como ensina Caio

Mário da Silva Pereira92.

Considerando a escala pontiana – da existência, validade e eficácia dos atos jurídicos –

nos termos do ordenamento jurídico brasileiro ora vigente, os requisitos para a existência do

casamento são: diversidade de sexo entre os nubentes, nos termos literais da lei (art. 1.514 do

Código Civil), embora recentes posicionamentos já pretendem afastá-la 93 ; celebração

realizada por autoridade competente (art. 1.533 do Código Civil); e presença de manifestação

89 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011b. p. 147. 90 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1960. p. 13. 91 Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Art. 226. A família, base da

sociedade, tem especial proteção do Estado. [...].§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a

união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 ago.

2014). 92 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. p. 52-67. 93 Registra-se que para caracterização da união estável, já não se fala mais em diversidade de sexo, existindo,

inclusive, Provimentos de Tribunais de Justiça dos Estados prevendo expressamente a possibilidade de serem

lavradas escrituras pública de constituição de união estável, como é o caso do Provimento 260/CGJ/2013 da

Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que estabelece em seu artigo 226: “Considera-se união

estável aquela formada pelo homem e pela mulher, bem como a mantida por pessoas do mesmo sexo, desde

que configurada a convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de

família”. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Corregedoria. Provimento 260/CGJ/2013. Codifica os atos

normativos da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais relativos aos serviços notariais e de

registro. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 8 jul. 2011).

Page 59: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

57

de vontade dos nubentes. Para ser considerado válido, exigem-se: idade núbil (art. 1.517 do

Código Civil), respeitando-se regras quanto à legitimação, relativas aos impedimentos e

causas suspensivas (art. 1.521 a 1.524 do Código Civil); à solenidade prescrita em lei (art.

1.534); se for o caso, respeitar as exigências legais para que seja celebrado mediante

procuração (art. 1.542 do Código Civil); e manifestação de vontade ser livre, inconteste e

corresponder ao exato interesse do nubente, (art. 1.535 do Código Civil).

Sendo existente e válido, o casamento terá eficácia jurídica, estando apto a produzir

seus efeitos (arts. 1.565 e seguintes do Código Civil), os quais abrangem aspectos sociais,

pessoais e patrimoniais.

É certo que as novas configurações familiares têm feito os magistrados deixarem de

lado estes requisitos e elementos escritos na lei, para buscarem fatores sociais, psicológicos e

emocionais capazes de reconhecer o casamento ou, ao menos, reconhecer as obrigações

advindas das relações familiares que atraem a tutela legislativa, o que, para tanto, tem-se

percebido o afeto94 como o elemento balizador da existência delas, dando força ao princípio

da afetividade como norteador do Direito de Família e do Direito da Sucessões.

Para os propósitos deste estudo, o reconhecimento, ou não, dos vínculos familiares

constitui um pano de fundo, pelo que apenas seus efeitos serão tratados, especialmente os

patrimoniais em situações em que o reconhecimento é incontroverso.

Destaca-se que os efeitos patrimoniais, ou econômicos, estão relacionados à

viabilidade de atingir as finalidades do casamento, as quais são construídas pelos cônjuges,

unidos no interesse e na assistência mútua, com o decurso do tempo, presentes na assistência

pecuniária de um a outro consorte, no usufruto dos bens pelos filhos enquanto sob o poder

familiar, na prestação de alimentos aos filhos e no direito sucessório, como comenta Caio

Mário da Silva Pereira95.

Esses efeitos encontram respaldo no regime de bens do casamento, na medida em que

é ele que dita as regras quanto à comunicação, total ou parcial, ou à separação dos bens dos

cônjuges.

94 Flavio Tartuce explica que “para os devidos fins de delimitação conceitual, deve ficar claro que o afeto não

se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter

carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente,

ambas as cargas estão presentes nas relações familiares”. (TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no

Direito de Família. Revista Consulex, Brasília, ano XVI, n. 378, 15 out. 2012. Disponível em:

<http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigos>. Acesso em: 3 jul. 2011). 95 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. p. 168.

Page 60: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

58

O regime de bens, também chamado de “estatuto patrimonial dos cônjuges”, é tratado

no Código Civil nos arts. 1.639 a 1.688, que compõem o subtítulo I do Direito Patrimonial

relativo ao Direito de Família.

Dentre tais dispositivos, destaca-se o disposto no art. 1.640, do qual se extrai que o

regime de bem pode ser livremente eleito pelos nubentes no pacto antenupcial, a ser firmado

mediante escritura pública. Se não houver a livre escolha, valerá o regime da comunhão

parcial de bens, o qual será exposto a seguir.

Na concepção de Caio da Silva Mário Pereira 96 , os regimes de bens constituem

princípios jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges enquanto

perdura o casamento, servindo de diretrizes que conduzem e regulam as relações pecuniárias

que dizem respeito ao patrimônio dos cônjuges.

A identificação da natureza jurídica do regime de bens se esbarra na controvérsia

quanto ao próprio casamento, como mencionado alhures, oscilando entre a acepção do

casamento como contrato ou como instituição.

Sílvio de Salvo Venosa97 ressalta a natureza contratual do regime de bens, aduzindo:

A união do homem e da mulher preexiste à noção jurídica. O casamento amolda-se à

noção de negócio jurídico bilateral, na teoria geral dos atos jurídicos. Possui as

características de um acordo de vontades que busca efeitos jurídicos. Desse modo,

por extensão, o conceito de negócio jurídico bilateral de Direito de Família é uma

especificação do conceito contrato.

Já Arnold Wald98 ressalta a natureza institucional, ao concluir:

É evidente que a densidade do vínculo existente no casamento e a sujeição a normas

de ordem pública, que inspiram todo o direito de família, descaracterizam o

casamento como contrato. Não é contrato na sua formação, pois necessita de uma

intervenção da autoridade pública, que é essencial e tem caráter constitutivo e não

meramente probatório. Não é contrato nos seus efeitos, pois cria deveres legais que

não têm caráter obrigacional. É, assim, uma verdadeira instituição, à qual não se

aplicam as normas gerais referentes ao direito das obrigações.

Eduardo de Oliveira Leite 99 comenta que entre as posições que revelam a

caracterização do casamento como diversa do contrato surge o posicionamento de que este

96 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 22. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014a. p. 217. 97 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 28. v. 6. 98 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. rev. atual. e ampl. pelo autor, de acordo com a

jurisprudência e com o Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 54-55. 99 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2005. p. 49. v. 5.

Page 61: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

59

teria uma natureza mista, concluindo que o casamento seria um instituto de natureza híbrida,

por ser um contrato na formação – já que se verifica a presença dos elementos essenciais

formadores do contrato, quais sejam, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa

em lei – e uma instituição no conteúdo. Neste sentido, esclarece Sílvio Rodrigues100:

[...] trata-se de instituição em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua

vontade, feita de acordo com a lei. Da a razão pela qual, usando de uma expressão já

difundida, chamei ao casamento contrato de direito de família, almejando, com essa

expressão, diferenciar o contrato de casamento dos outros contratos de direito

privado.

Como tal instituição interessa estreitamente ao Estado, é ela regida por normas

cogentes; com efeito, o casamento é disciplinado por regras estritas, iniludíveis por

acordo recíproco. Realmente, uma vez efetuado o casamento, dele decorrem direitos

necessários, que a vontade das partes não podem afastar. Assim, por exemplo,

realizado o enlace, as partes não podem afastar a vinculação ao dever de fidelidade

ou à obrigação de mútua assistência, nem tampouco lhes permite a dissolução

extrajudicial do vínculo. Todos os efeitos do casamento se manifestam

automaticamente, impostos pela lei, que visa preservar sua estrutura a instituição do

casamento.

A controvérsia ganha força em razão da liberdade atribuída aos nubentes de livremente

escolherem o regime de bens mediante o pacto antenupcial. Isso imprime ao casamento a

aparência de uma relação contratual, já que é possível, de acordo a livre vontade do casal, ser

eleito um regime que melhor lhes convier.

Ocorre que não se deve valorizar essa liberdade em detrimento das imposições legais

que a delimitam e dão contorno às relações matrimoniais, sobretudo àquelas de cunho

patrimonial, as quais constituem o objeto principal de tutela legal e de disputas judicias.

Eduardo de Oliveira Leite101, ao descrever pontualmente todos os caracteres do casamento,

reforça que o casamento é uma instituição de ordem pública, “ainda que nascendo na esfera

priva, as convenções particulares subordinam-se à legislação civil (de ordem pública)”.

Em um breve retorno histórico, vale lembrar que sempre houve o interesse do

legislador em intervir na relação matrimonial como forma de proteção aos nubentes. É

possível que a razão mais óbvia desse interesse resida no simples fato de que dinheiro e amor

não convivem pacificamente. Como coloquialmente já se consolidou, o carinhoso “meu bem”,

presente no enlace, transforma-se no amargo e egoísta “meus bens” em um rompimento

matrimonial.

100 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 21. v. 6. 101 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais

2005. p. 50-51. v. 5.

Page 62: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

60

Essa dificuldade, porém, não pode impedir o reconhecimento da contribuição de cada

cônjuge na construção de um patrimônio comum, ainda que este esteja sob a titularidade de

apenas um deles. Se há algum tempo a preocupação recaía sobre a mulher, que se dedicava

exclusivamente nos cuidados da casa, da família e da vida pessoal do marido, que por sua vez

se encarregava de garantir o sustento e de construir o patrimônio, hoje, muitas vezes, a

preocupação recai sobre a vulnerabilidade das relações, que se fazem e se desfazem, criam e

se recriam, em uma velocidade incompatível com a regulamentação prévia que um contrato

asseguraria.

Todavia, independente dos motivos que justificam as delimitações legais da liberdade

de contratar dos nubentes, é imperioso reconhecê-las, aceitá-las e respeitá-las, sob pena de

abalar, cada vez mais, a segurança jurídica das relações matrimoniais.

Com este introito, destacam-se a seguir o conceito de meação, os efeitos e os regimes

legais disponíveis no cardápio antenupcial, para, em seguida, colocar o foco no regime da

separação convencional de bens, que é objeto deste estudo.

4.1 Tipos de regime de bens

Reitera-se, agora usando as palavras de Maria Helena Diniz102, que regime de bens

representa o "conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes

do casamento. Consiste, portanto, no estatuto patrimonial dos cônjuges", sendo possível

classificá-lo quanto ao objeto e quanto à origem.

Quanto ao objeto, identificam-se dois principais grupos, os quais se distinguem pela

comunicação, ou não, dos patrimônios dos cônjuges, quais sejam: comunhão e separação.

Partindo da premissa básica de cada uma destes grupos, o legislador ainda disponibiliza

quatro regimes, cuja regras estão previstas no Código Civil, quais sejam: regime de

comunhão parcial, regime de comunhão universal, regime de participação final nos aquestos e

regime de separação de bens. Permite-se, ainda, que a combinação de uma ou outra regra de

cada regime, adaptando-as à conveniência dos cônjuges.

Quanto à origem, destaca-se a forma pela qual é definido o regime de bens a vigorar

no casamento, tendo em vista que ele pode ser livremente escolhido pelos nubentes ou

imposto por lei.

102 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.219.

Page 63: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

61

Na primeira hipótese, será considerado como convencional, eis que sua origem se dá

na livre escolha dos nubentes, os quais deverão consigná-lo mediante lavratura da escritura

pública de pacto antenupcial, durante o processo de habilitação para o casamento, (arts. 1.653

a 1.657 do Código Civil), dispondo regras de conteúdo patrimonial, não podendo conter

estipulações alusivas às relações pessoais dos consortes, como ensina Maria Helena Diniz103.

É possível, também, que a lei imponha qual será o regime de bens a vigorar entre os

nubentes, tratando-se assim de um regime legal, uma vez que está presente o caráter de

obrigatoriedade à submissão de algum regime em determinadas situações. Assim ocorre

quando os noivos não escolhem livremente algum dos regimes de bens previstos em lei,

inexistindo o pacto antenupcial, ou se nula for a convenção firmada (art. 1.640, Código Civil),

hipótese em que vigorará o regime da comunhão parcial. Da mesma forma, o Código Civil

estabelece a obrigatoriedade do regime de separação de bens, como elenca Maria Helena

Diniz104, nos casos de casamento de pessoas que o contraírem com a inobservância das causas

suspensivas105 da celebração do casamento (arts.1.641, inciso I, 1.523 e 1.524 do Código

Civil); quando algum dos nubentes possuir mais de setenta anos de idade, (art. 1.641, inciso II

do Código Civil); e quando os nubentes dependam de suprimento judicial, sendo devido em

caso de denegação do consenso de representante legal, enquanto não o obtiver, ou não lhes for

suprido o consentimento por representante legal (arts. 1.641, inciso III, 1.517, 1.519, 1.634,

inciso III, 1.747, inciso I, e 1.774, todos do Código Civil).

Vale registrar que o regime de bens abrange apenas os valores patrimoniais que são

disponíveis. Somente no caso de separação obrigatório, quando o cônjuge viúvo convola

novas núpcias e tem filhos menores e não faça o inventário dos bens do de cujos (arts.1.641,

inciso I e 1.523, inciso I e II do Código Civil), há, como pano de fundo, o interesse na

proteção de menores.

103 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.219. 104 DINIZ, op. cit. p. 1.221. 105 São causas suspensivas, nos termos do art. 1.523 do Código Civil: Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e

der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do

começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa

tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas

contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas

suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo,

respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso

II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. (BRASIL.

Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www. planalto .gov. br/ccivil_

03/leis/L0556-1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014).

Page 64: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

62

Esclarece-se, também, que na união estável, os companheiros podem firmar um

contrato escrito ou uma escritura de constituição de união estável, pelo qual escolherão o

regime a vigorará entre eles, nos termos do art. 1.725 do Código Civil. Porém, em não

havendo essa expressa escolha, será aplicado o regime da comunhão parcial.

Adentrando nas especificidades de cada regime, de maneira breve, registra-se que o

regime da comunhão parcial, previsto no art. 1.658 do Código Civil, caracteriza-se pela

comunhão dos bens adquiridos na constância do matrimônio, com ressalva das exceções

legais, pelo que os bens que cada um dos cônjuges já possuir antes do casamento permanecerá

como de sua propriedade exclusiva, ao passo que os adquiridos na constância da união

constituem bens comuns.

O regime da comunhão universal de bens, como o próprio nome sugere, estabelece a

comunicação de todos os bens. Isto é, pertencerão a ambos os cônjuges todos os bens, os

adquiridos antes ou durante a constância do casamento, nos termos do art. 1.667 do Código

Civil, ressalvadas as hipóteses legais. Nos termos da lei, todos os bens, presentes ou futuros, e

suas dívidas passivas, adquiridos antes ou durante o matrimônio, tornam-se comuns,

instaurando-se um estado de indivisão, denominado de “mancomunhão” (comunhão de mão

comum), passando a ter cada consorte o direito à meação, isto é, à metade ideal do patrimônio

comum106.

Outro regime de bens previsto em lei é o da participação final nos aquestos,

introduzido no ordenamento pelo Código Civil de 2002. Flávio Tartuce107 ensina que, de

modo geral, é possível dizer que neste regime vigorará as regras da separação convencional de

bens enquanto existir o casamento e em caso de dissolução vigorarão regras próximas à do

regime da comunhão parcial de bens, já que, ao findar a união, cada cônjuge terá direito a

uma participação naqueles bens para os quais colaborou para sua aquisição, sendo essencial a

prova do esforço patrimonial para tanto, conforme preconiza o art. 1.672 do Código Civil.

Este regime apresenta certa complexidade contábil, o que desestimula sua adoção na prática.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa108, trata-se de um regime híbrido, diante desta dualidade, em

razão da qual se aplicam regras da separação de bens quando da convivência e da comunhão

de aquestos quando do desfazimento da sociedade. Cada cônjuge possui um patrimônio

próprio, cabendo-lhe, quando da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens

106 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.239. 107 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011. p. 1052-1054. 108 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 366-371.

Page 65: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

63

adquiridos a título oneroso na constância do casamento. Neste sentido, destaca-se que neste

regime só se fala em meação à época da dissolução da sociedade conjugal.

O último regime previsto na legislação civilista é o da separação de bens. Por ser

especialmente objeto deste estudo, será elucidado detidamente adiante.

Registra-se, ainda, que o Código Civil permite a mudança do regime de bens na

constância do casamento, desde que observado os requisitos do art. 1.639, §2º do Código

Civil, o qual será admissível mediante autorização judicial.

4.2 Do regime da separação de bens

O regime da separação de bens pode ser estabelecido de forma convencional, o que

será firmado por meio do pacto antenupcial, lavrado perante o tabelião de notas (art. 1.640,

parágrafo único do Código Civil), ou será imposto por disposição legal, sendo, assim,

obrigatório, nos termos do art. 1.641 do Código Civil109, nos casos impostos pela legislação,

como dito alhures. Em ambas as situações, o regime respeitará a disciplina prevista nos arts.

1.687 e 1.688 do Código Civil110, os quais estabelecem que inexiste a comunhão dos bens dos

cônjuges, quer sejam anteriores ou posteriores à celebração do casamento, pelo que cada qual

possui seu patrimônio particular e o administra de forma exclusiva. Como ensina Sílvio

Venosa111, a “característica desse regime é a completa distinção de patrimônios dos dois

cônjuges, não se comunicando os frutos e aquisições e permanecendo cada qual na

propriedade, posse e administração dos bens”.

Sílvio Venosa112 relembra que no Código Civil de 1916, embora este tenha previsto o

regime da separação de bens, garantindo a independência patrimonial, a outorga conjugal era

109 Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II - da pessoa maior de sessenta anos;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de

1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-

1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014). 110 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Código Civil.

Artigo 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um

dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Artigo 1.688. Ambos os cônjuges são

obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus

bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Acesso em: 13 jul. 2013) 111 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 342-343. 112 VENOSA, op. cit. p. 342-343.

Page 66: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

64

exigida para alienação de imóvel 113 . Já o Código Civil de 2002 permitiu que o regime

consolidasse a separação absoluta, já que nele cada cônjuge mantém, com exclusividade, o

domínio, a posse e a administração de seus bens presentes e futuros, assim como também a

responsabilidade pelos débitos decorrentes desses bens, existindo dois patrimônios distintos e

particulares. Tanto assim o é que cada cônjuge poderá alienar ou gravar com ônus real seus

bens, mesmo sendo imóveis, independentemente da autorização ou anuência do outro

cônjuge.

Registra-se que na hipótese de o regime ser imposto por disposição legal entende-se

“no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do

casamento”, conforme teor da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal114. O teor desta

Súmula gera inúmeras polêmicas, por contrariar exatamente uma premissa básica do regime

da separação de bens. Contudo, o entendimento está pacificado e deverá ser sempre

observado. Neste regime, mesmo havendo independência patrimonial, os cônjuges são

obrigados a contribuir para as despesas comuns na proporção de seus rendimentos

particulares, salvo se o pacto antenupcial dispuser de forma diversa, nos termos do art. 1.688

do Código Civil115. Flávio Tartuce116 comenta que, mesmo sendo prevista a possibilidade de

disposição em contrário no pacto, “a convenção não pode trazer situação de enorme

desproporção, no sentido de que o cônjuge em pior condição financeira terá que arcar com

todas as despesas da união”. Afirma este doutrinador que reconhecida uma onerosidade

excessiva, é possível ser declarada a nulidade absoluta da cláusula constante da convenção

antenupcial, com amparo do art. 1.655 do Código Civil117.

Por fim, reitera-se que existe a possibilidade de os cônjuges estabelecerem a

comunicabilidade de alguns bens, forma diversa de administração dos bens, ou a manutenção

da família, desde que assim seja estabelecido expressamente no pacto antenupcial.

113 Art. 276. Quando os contraentes casarem, estipulando separação de bens, permanecerão os de cada cônjuge

sob a administração exclusiva dele, que os poderá livremente alienar, se forem móveis (arts. 235, nº I, 242, nº

II, e 310). (BRASIL. Lei 3.071, 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014) 114 BRASIL. Supremo Tribunal federal. Súmula 377. Data de Aprovação: Sessão Plenária de 03/04/1964. DJ, 8

maio 1964, p. 1237; DJ, 11 maio 1964, p. 1253; DJ, 12 maio/1964, p. 1277. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=377.NUME.%20NAO%20S.FLSV.

&base=baseSumulas>. Acesso em: 20 abr. 2014. 115 Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos

rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. (BRASIL.

Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 116 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Vol. único. 2011, p. 1057. 117 Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei. (BRASIL. Lei

10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013)

Page 67: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

65

4.3 Meação

Compreendido os tipos e as regras dos regimes de bens, é possível registrar a definição

do termo meação, que corresponde à metade dos bens comuns (comunicáveis) pertencente a

cada um dos cônjuges.

Nos regimes em que dá a previsão da comunicabilidade dos bens, como ocorre na

comunhão universal, a cada cônjuge, desde a celebração do casamento, caberá metade do

patrimônio, o que correspondente a sua meação e, por conseguinte, será ela destacada em

qualquer que seja a hipótese de dissolução do vínculo conjugal. No regime da comunhão

parcial, em regra, aos bens adquiridos na constância do casamento pertencem a ambos os

cônjuges, pelo que é sobre eles que recairá a meação de cada um.

Em sentido contrário, não há o que se falar em meação no regime de separação de

bens, uma vez que havendo incomunicabilidade de bens não há que se falar em metade dos

bens pertencente a cada um dos cônjuges.

No regime da participação final dos aquestos, haverá a apuração dos bens comuns

apenas quando houver a dissolução da sociedade, apurando-se a meação de cada um.

Conforme esclarece Caio Mário da Silva Pereira118, em regra, o cônjuge que tenha

direito à meação já o tem mesmo enquanto vivos forem os cônjuges, isto é, mesmo na

vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, successionis causa. Conclui-se que

“a morte do cônjuge, no regime de comunhão, apenas põe termo ao estado de indivisão,

permitindo sejam discriminados e individuados os bens sobre que incide a metade de cada

um”. O mesmo não ocorre com a herança, que, como será visto adiante, a ela o cônjuge terá

direito (ou não) somente com o falecimento do outro cônjuge. A distinção é tão nítida que, no

caso de deserdação, disciplinado pelos arts. 1.961 a 1.965 do Código Civil, a meação do

cônjuge sobrevivente é inatingível, pois ela lhe pertence por direito próprio, em razão do seu

casamento. Já enquanto a deserdação retira-lhe o direito à herança, que decorre do óbito.

Percebe-se que a meação revela um estado de indivisão, o qual, como mencionado

anteriormente, é denominado de “mancomunhão” (“comunhão de mão comum”). Discute-se

sobre a natureza jurídica desta comunhão, porém a mesma indefinição acerca da natureza

jurídica do casamento existirá neste caso. Não é possível falar em uma sociedade nem em

condomínio patrimonial, pois há regras específicas e diferentes daquelas que são aplicáveis a

118 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b. p. 118.

Page 68: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

66

estes casos, pelo que parte da doutrina afirma se tratar de uma sociedade sui generis,

apresentando-se como um tipo específico, isto é, uma sociedade conjugal.

4.4 Pacto antenupcial

O art. 1.640 do Código Civil permite ao nubentes escolher livremente o regime de

bens ao qual estão submetidos por meio do pacto antenupcial, a ser firmado mediante

escritura pública, ressaltando que se não houver a livre escolha valerá o regime da comunhão

parcial de bens.

Francisco Cláudio de Almeida Santos119 esclarece que as relações patrimoniais do

casamento, desde o Código Civil de 1916, sempre foram dirigidas pela vontade dos nubentes,

sob a concepção de que seriam definidas “como lhe aprouver”. Porém, sempre foi imposto o

balizamento pelos limites impostos pela lei. Ele destaca que em nenhum ordenamento jurídico

conhecido as relações patrimoniais entre os cônjuges são simplesmente reguladas pelas regras

de direito das obrigações e pelo direito contratual. Isto porque, antes do aspecto patrimonial,

há um fenômeno que torna especial e única a relação entre eles, sobre o qual ele comenta:

E essa inexistência de regime contrariaria o germe do regramento conjugal em

escala zoológica inferior À do homem, sociologicamente de grande importância,

conforme acentua o próprio Pontes de Miranda, que é a nidificação, isto é o ato de

formar o ninho. “A sociologia contemporânea”, complementa aquele mestre, “tem

prestado a máxima atenção ao ninho, que representa a concreção do intuito de

permanência a serviço da espécie, ao mesmo tempo que a congregação de esforços

para assegurar, em meio instável, fatores estáveis, que sejam favoráveis ao

nascimento, À alimentação e aos primeiros atos verdadeiramente educativos do

animal. É inegável que durante o tempo em que o ninho serve ao par sexual e aos

filhos, com as variantes extremamente sutis dos direitos de cada um, existe

comunidade de bens, ora baseada na convergência de esforços para a construção, ora

na simples destinação comum do esforço de um só.”120.

Esse fenômeno, ao qual ele atribui o nome de nidificação, representa uma ideia de

finalidade da relação conjugal sob a ótica do seio familiar. Esse interesse comum de criar um

“ninho” atribui às relações patrimoniais dos cônjuges uma característica muito além do mero

interesse de crescimento financeiro e econômico. Há um pano de fundo desenhado pelo

119 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene

Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.

183-209. 120 SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira do. Hermenêutica e aplicação do direito. 14. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1994, citando MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1983. t. VIII, §870, citado por NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código

Civil comentado. 8. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Page 69: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

67

interesse de consideração, carinho, cuidado e cumplicidade recíprocos que imprime à natureza

jurídica do pacto nupcial uma situação única, afastando a possibilidade de ele ser considerado

mero contrato ou, mesmo, um contrato de sociedade. Falar em contrato seria admitir o

antagonismo dos interesses das partes, o que não existe no casamento e considerá-lo como um

contrato de sociedades é identificar a reunião de interesses e vontades justapostos e

convergentes, mas seria ignorar a diferença de finalidades, haja vista que o contrato societário

tem uma finalidade empresarial, destinada ao lucro.

O doutrinador ainda destaca:

O casamento tem o efeito de fazer com que homem e mulher assumam mutuamente

a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

Nasce uma sociedade de caráter especial, que é a sociedade conjugal, dirigida por

ambos pares, em colaboração, devendo ambos concorrer, na proporção de seus bens

e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos. E

onde há sociedade, há a tutela jurídica, segundo o velho brocardo de Ulpiano: ubi

societas ibi jus.

Assim, os regimes legais de bens após o matrimônio são o feixe de normas jurídicas

decorrentes da necessidade de tutela jurídica à especialíssima sociedade, entre

marido e mulher.

Francisco Cláudio de Almeida Santos conclui que, diante das especificidades de suas

características e finalidades, o pacto antenupcial pode ser definido como um negócio jurídico

de direito de família, já que é pessoal – pois somente os nubentes podem ser partes –, formal

– pois exige escritura pública –, nominado – pois está previsto em lei – e legítimo e típico –

pois produz efeitos previstos pela norma jurídica. Destaca-se que ele tem sua eficácia jurídica

sujeita à eficácia do casamento (conforme o art. 1.653 do Código Civil), como se fossem

“negócios jurídicos coligados ou inter-relacionados, para não usar um qualificativo próprio do

direito contratual”.

Ressalta-se, por fim, que a vigência do pacto antenupcial começa a partir da data do

casamento e que sua existência, validade e eficácia perduram enquanto existente o casamento,

de modo que sua resolução somente ocorrerá por força de lei, com o término da sociedade

conjugal – ou seja, pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento,

pela separação judicial ou pelo divórcio.

Page 70: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

68

5 SUCESSÃO CAUSA MORTIS

A palavra sucessão é oriunda do latim sucessio, derivado de sucedere. Revela o ato de

transmissão derivada, em que ocorre a substituição de titulares ou, na definição de Savigny,

“el cambio meramente subjetivo en una relación de derecho”, como explica o ilustre

doutrinador Salomão de Araújo Cateb121.

A sucessão patrimonial implica a transmissão de titulares de direitos patrimoniais,

inerentes à propriedade de bens e obrigações. Nas palavras de Maria Helena Diniz122, a

sucessão indica o ato pelo qual alguém sucede outrem, investindo-se, no todo ou em parte,

nos direitos que lhe pertenciam. Ela pode ocorrer entre pessoas vivas, inter vivos, ou em

decorrência da morte, para o que se qualifica como causa mortis.

Por ora, diante do tema estudado, restringe-se à denominada “Sucessão Hereditária”,

na qual se tem a morte como fato gerador da aquisição de propriedade de bens, que se dá pela

transmissão de direitos e deveres pelos sucessores, herdeiros ou legatários os direitos e

deveres.

Na sucessão hereditária, conforme dispõe o art. 1.784 do Código Civil, uma vez aberta

a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Essa

imediatidade da transmissão se dá em razão do droit de saisine123, pelo qual aos herdeiros é

garantida a posse indireta do patrimônio deixado causa mortis pelo falecido de forma

imediata, independentemente de qualquer formalidade.

Explica Salomão de Araújo Cateb124:

O herdeiro não precisa requerer seu direito de posse dos bens herdados,

contrariamente do legatário, que terá de fazê-lo, não podendo este, por autoridade

própria, entrar na posse da coisa legada (Art. 1.923, §1º). A morte do de cujus

implica a abertura da sucessão e transferência da propriedade e da posse aos

herdeiros, quaisquer que sejam eles. A partir desse momento, os herdeiros podem

usar os interditos possessórios.

Com efeito, vale destacar, como o faz Maria Berenice Dias125, que o sujeito ativo da

sucessão causa mortis é aquele que faleceu identificado como autor da herança ou de cujus,

121 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 3. 122 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 24. ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2010. p. 16. v. 6. 123 Explica Caio Mário (op. cit., 2014, p. 107.) que a palavra saisine tem origem francesa e significa agarrar,

prender, apoderar-se, sendo tal princípio uma ficção, pelo qual há a imediata transferência de pleno direito do

bens do falecido para os seus herdeiros quando da abertura da sucessão. 124 CATEB, op.cit. p. 20.

Page 71: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

69

sendo o objeto da transmissão todo seu acervo patrimonial, englobando bens, direitos, deveres

e obrigações, sendo ressalvados os direitos personalíssimos, os quais se extinguem com a

morte do seu titular.

Do lado contrário estão os sujeitos passivos da transmissão hereditária, quais sejam, os

herdeiros legítimos126, dentre os quais estão os herdeiros necessários, cuja participação é

obrigatória127, e os herdeiros instituídos por testamento128, que podem ser os testamentários,

agraciados com uma quota-parte ideal da herança, e os herdeiros legatários, aos quais caberá

um direito ou um bem específico.

Com tais informações, constata-se que a sucessão causa mortis pode ser dar por força

da lei, chamada de “sucessão legítima”, ou por vontade do autor da herança que deverá ser

expressa em testamento, identificada como “sucessão testamentária”.

Obedecida as regras de vocação hereditária, conforme será exposto adiante, a sucessão

pode ser dar por direito próprio, quando ela mesmo é que tem, originariamente, o direito a

suceder, ou por direito de representação129, o que ocorre quando a pessoa a que teria direito já

faleceu. Em razão disso, a lei autoriza a chamar determinados parentes do falecido a suceder

em todos os direitos em que ele sucederia se vivo fosse.

Destaca-se, ainda, que a sucessão pode se dar a título universal130. Isso quer dizer que

todo o acervo patrimonial é transmitido integramente como se fosse um todo, da mesma

maneira que ocorre na sucessão legítima, em que não é possível individualizar nenhum bem

até que seja feita a partilha final e destinado cada um dos bens, direitos e deveres a cada um

125 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p. 99. 126 Código Civil: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no

regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se,

no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais 127 Código Civil: Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge; Art. 1.846.

Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima 128 Código Civil: Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de

parte deles, para depois de sua morte.

§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.

§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas

se tenha limitado. 129 Código Civil, Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a

suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse. 130 Código Civil, Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será

indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

Page 72: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

70

dos sucessores. Pode-se dar também a título singular, em que, é transmitido um bem

especificamente.

Sobre o assunto, esclarece Caio Mário da Silva Pereira131:

A sucessão legítima sempre será a título universal (per universitatem), transmitindo-

se aos herdeiros a totalidade do patrimônio do de cujus e a cada um deles uma quota

ideal desse patrimônio. Hereditas nihil aliud est, quam sucessio in universum ius

quod defunctus habuerit. A sucessão testamentária pode ser universal, quando o

testador institui herdeiro, que lhe sucede em inteira analogia com o herdeiro

legítimo; ou pode ser a título singular, quando o testador deixa para alguém uma

coisa ou quantia certa (legado), e, neste caso, ao legatário se transmite aquele bem

ou aquele direito individuadamente (singulatim).

Cumpre, todavia, esclarecer que o conceito de sucessão universal não significa que

os direitos de todos os tipos são transmitidos. Ao revés, alguns não podem sê-lo,

como os de família puros (poder familiar, tutela, curatela) ou mesmo alguns de

cunho patrimonial (direito real de usufruto). Compreendem-se nela os direitos de

crédito, manem todos o são, como as obrigações intuito personae, e bem assim as

faculdades pessoais.

Vale registrar, ainda, que a morte, por ser um fato jurídico por excelência, já cria

direitos e deveres para os sucessores132, em razão do que é de vital importância identificar o

exato instante do falecimento, sobretudo diante do respeito à ordem da vocação hereditária,

que poderá variar a depender de quem esteja vivo ou de quem já tenha falecido. Neste sentido,

o registro do óbito é a prova da morte133 , cujos dados gozam de presunção relativa de

veracidade, já que o oficial do registro civil possui fé pública.

O registro será possível quando ocorrer a morte natural, que assim será certificada pelo

oficial134. Porém, na impossibilidade de assim se proceder, é preciso se valer da prova indireta

da morte, em que a declaração da morte será presumida. Isto é, nos casos de ausência135, em

que a lei permite que seja declarada a morte presumida, procedendo-se à sucessão definitiva.

131 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b. p. 2. 132 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p. 100. 133 Código Civil, Art. 9o Serão registrados em registro público:

I - os nascimentos, casamentos e óbitos; [...]. 134 Código Civil, Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos

ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o

término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de

esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. 135 Código Civil, Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver

deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de

qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador; Art. 23.

Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira

ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes.

Page 73: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

71

Também ocorrerá quando for extremamente provável a morte quem estava em perigo de vida,

ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois

anos após o término da guerra136.

Como elucida Salomão Cateb137, “a sucessão de bens pressupõe que a lei vigorante na

data do óbito outorgue esse direito, definindo os sucessores que serão chamados a arrecadar o

monte partível”, cujas etapas e condições passam a ser elucidadas a seguir.

5.1 Sucessão legítima

Denomina-se “sucessão legítima”, também chamada de ab intestato, aquela que é

determinada por imposição legal. Cézar Fiuza138 destaca que a sucessão legítima, ou legal, é

aquela deferida por determinação da lei, podendo ocorrer em quatro momentos: a) quando o

falecido não deixa testamento; b) quando o testamento for anulado ou caducar; c) quando o

testador não dispuser da totalidade da herança, deixando parte sem destinação no testamento;

e d) quando houver herdeiros necessários que restrinjam a liberdade de testar a parte

disponível, pois neste caso somente poderá dispor de metade do seu patrimônio, devendo a

outra ser objeto de sucessão legítima.

O atual diploma civilista adotou dois sistemas para a sucessão: a sucessão legítima, em

que é a lei que definirá quem irá herdar, sem interferência do autor da herança; e a sucessão

testamentária, que representa uma faculdade à pessoa que, em vida queira destinar seu

patrimônio, determinando a quem e/ou o que da parte disponível caberá após a sua morte.

Salomão Cateb139 destaca que “a abertura da sucessão pressupõe a existência de dois

fatos: a morte do autor da herança, sucedido, ou de cujus, e a sobrevivência de seu sucessor,

ou herdeiro, quer seja legítimo ou testamentário”. Dessa forma, é possível identificar que a

sucessão causa mortis pode ser dividida em três etapas: a) ocorrência da morte e, portanto,

qualificação da pessoa falecida; b) identificação das pessoas chamadas a recolher, por

136 Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o

término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de

esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. 137 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 3-9. 138 FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; Belo Horizonte: Del

Rey, 2014. p. 1.252-1.253. 139 CATEB, op.cit. p. 18.

Page 74: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

72

disposição da lei ou por vontade do testador; e a c) identificação do conjunto de bens que

pertencia ao falecido, ou seja, a herança.

Para fins de constatação da morte, remete-se ao que já fora explicado sobre a morte

como fato natural e à possibilidade da morte presumida.

De forma breve, cita-se que qualquer que seja a sucessão, a lei estabelece, no art.

1.845 do Código Civil, que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o

cônjuge, pelo que, como determina o artigo seguinte, caberá a eles metade dos bens da

herança. Esta metade resguardada corresponde à chamada legítima, sendo uma porção

sagrada, teoricamente intocável, que a lei garante, obrigatoriamente, a tais pessoas chamadas

à sucessão e, por conseguinte, impondo ao autor da herança um limite à liberdade de testar140.

Além dos herdeiros necessários, existem os legítimos, que são todos aqueles que a lei

chama para suceder, na ordem disposta no art. 1.829 do Código Civil, o qual será exposto a

seguir. Eles participarão da sucessão, a depender da hipótese em que a sucessão legítima se

procederá. Ou seja, todo herdeiro necessário também será legítimo, mas a recíproca não é

verdadeira.

5.2 Ordem da vocação hereditária

Aberta a sucessão, os bens são transmitidos desde logo a seus sucessores. Mas quem

seriam eles? Seriam aquelas pessoas chamadas a suceder, por disposição da lei ou por vontade

do testador.

Inicialmente, pontua-se que o Código Civil delibera a legitimação a suceder,

identificando, em seu art. 1.798 do Código Civil, que todas as pessoas nascidas ou já

concebidas no momento da abertura da sucessão têm a especial capacidade para suceder,

devendo elas serem capazes e dignas141 no momento da abertura da sucessão para que, de

fato, sejam investidas nos direitos e obrigações que lhe forem transmitidos.

140 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 145. 141 Dizem-se dignas aquelas que não tenham sido declaradas como indigna, nos casos previstos no art. 1.814 do

Código Civil: Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a

pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua

honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente

de seus bens por ato de última vontade.

Page 75: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

73

Entende-se por vocação hereditária “o chamamento ou a convocação da pessoa com

direito à sucessão, a fim de que venha receber a herança, ou o quinhão, que lhe cabe”142.

Zeno Veloso143 afirma:

A lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º., segunda

parte). Assim sendo, o conceptus (nascituro) é chamado à sucessão, mas o direito

sucessório só estará definido e consolidado se nascer com vida, quando adquire

personalidade civil ou capacidade de direito (art. 2º, primeira parte). O nascituro é

um ente em formação (spes hominis), um ser humano que ainda não nasceu. Se o

concebido nascer morto, a sucessão é ineficaz.

A lei determina a ordem pela qual serão chamados os herdeiros na forma estabelecida

no art. 1.829 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado

este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação

obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão

parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Constata-se que o legislador busca proteger e beneficiar os membros da família,

presumindo que aí residam os maiores vínculos afetivos com o de cujus, baseando-se na

presunção de afeto144 entre os familiares.

A forma de chamamento é estabelecida por meio de classes, quais sejam,

descendentes, ascendentes, cônjuge, colaterais e Estado (art. 1.844 do Código Civil). Tais

classes são excludentes entre si, de modo que a mais próxima exclui a mais remota, com

exceção apenas das possibilidades de concorrência do cônjuge.

Sobre o tema, Caio Mario da Silva Pereira145 esclarece:

A identificação de que são os chamados para receber a herança caminha pelas linhas

do parentesco: reta e colateral. Na linha reta, em primeiro lugar a herança desce para

depois ascender. Na passagem da linha reta para a colateral, indaga da existência do

cônjuge sobrevivente. Se o encontrar não prossegue sua caminhada; do contrário,

estende-se até os colaterais de quarto grau. Ainda dá uma mirada para saber da

142 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 28. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1483. 143 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. 6. ed. Coord Ricardo Fiuza e Regina Beatriz Tabares da Silva.

São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.971-1.972. 144 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b. p.133. 145 PEREIRA, op. cit. p.133.

Page 76: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

74

existência do companheiro, estancando após esta jornada. Ninguém sendo

encontrado, a herança jaz sem dono.

A ordem da vocação hereditária submete-se às limitações e regras dispostas em lei.

Contudo, considerado o tema proposto, trabalhar-se-á tão somente a condição do cônjuge

supérstite casado com o de cujus no regime da separação convencional de bens, conforme será

exposto a seguir.

5.3 Herança

Caio Mário da Silva Pereira 146 esclarece que herança é o conjunto patrimonial

transmitido causa mortis, o qual também é chamado de “acervo hereditário”, “massa” ou

“monte”. Ele ainda acrescenta que “numa especialização semântica, como equivalente a

espólio, traduz a universalidade de coisas (universitas rerum), até que a sua individualização

pela partilha determine os quinhões ou pagamentos dos herdeiros”.

A herança corresponde, portanto, a todo o acervo patrimonial, de ativos e passivos,

deixado pelo falecido a ser sucedido pelos e partilhado entre os herdeiros, sobre o que aduz

Flávio Tartuce147:

A herança é o conjunto de bens formado com o falecimento do de cujus (autor da

herança). Conforme o entendimento majoritário da doutrina, a herança forma o

espólio, que constitui um ente despersonalizado ou despersonificado e não de uma

pessoa jurídica, havendo uma universalidade jurídica, criada por ficção legal.

A herança identifica exatamente o saldo patrimonial (positivo ou negativo) deixado

por alguém que, enquanto vivo, pôde livremente dispor, construir, alienar e adquirir bens e

obrigações. Desse modo, é possível constatar que a herança surge tão somente com o

falecimento do seu autor, que é quando ocorre a abertura da sucessão, nos termos do art.

1.784148 do Código Civil. Ressalta-se que enquanto o autor for vivo seu patrimônio não pode

ser transmitido a título de herança, tanto o é que o art. 426149 também do diploma civilista

146 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b. p. 3. 147 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011. p. 1192-1193. 148 Código Civil de 2002: Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros

legítimos e testamentários. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 149 Código Civil de 2002:

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de

2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 77: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

75

veda a existência de contratos que versem sobre herança de pessoa viva. Aliás, aparente

contradição consta neste dispositivo, pois sequer é possível afirmar que exista herança de

pessoa viva. Porém, o que se pretende vedar é, inclusive, a herança eventual e futura a ser

deixada por alguém.

A natureza jurídica da herança corresponde a uma universalidade de direito, assim

definida por lei, a qual compreende um complexo de relações jurídicas dotadas de valor

econômico, conforme se depreende dos arts. 91150 e 1.791151 do Código Civil.

Por definição legal, disposta no art. 80, inciso II152 do Código Civil, a herança é

considerada bem imóvel, ainda que seja composta apenas por bens móveis. Ou seja, a

universalidade do acervo patrimonial é que é considerada bem imóvel, do que se conclui que

todas as disposições especiais destinadas a bens desta natureza devem ser aplicadas à herança,

como a exigência de que a cessão de direitos hereditários se dê mediante escritura pública e

outorga uxória, conforme se extrai dos arts. 108, 166, 1.647 e 1.793, todos do Código Civil153.

150 Código Civil de 2002:

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor

econômico. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 151 Código Civil de 2002:

Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único.

Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-

se-á pelas normas relativas ao condomínio. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código

Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul.

2013). 152 Código Civil de 2002:

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;

II - o direito à sucessão aberta. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 153 Código Civil de 2002:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos

que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor

superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

[...].

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [...]

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

[...] Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro,

exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; [...]

[...] Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser

objeto de cessão por escritura pública.

§ 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer,

presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança

considerado singularmente.

§ 3o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem

componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de

2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 78: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

76

Importante destacar que a herança compõe um acervo indivisível até que seja feita a

partilha, do que se conclui que não é possível alienar nenhum bem de forma singular, assim

como não se pode afirmar que o herdeiro Fulano tornou-se proprietário do imóvel X e o

herdeiro Ciclano ficou com o imóvel Y enquanto o inventário não for finalizado, ainda que

assim eles tenham acordado.

Neste sentido, Flávio Tartuce154 ressalta que é formado um “condomínio eventual pro

indiviso em relação aos bens que integram a herança, até o momento da partilha entre os

herdeiros”, conforme dispõe o citado art. 1.791 do Código Civil, que estabelece, ainda, que a

herança regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

A percepção da natureza condominial da herança é de suma importância na vida

prática, haja vista que não raras são as vezes em que negócios jurídicos são entabulados por

herdeiros que dispõem de singularmente de bens integrante do espólio, o que é vedado pelo

§2º e pelo §3º do citado art. 1.793 do Código Civil. Aquele determina a ineficácia da cessão

de direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente; e este veda a

disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem

componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. A alienação de bem do

espólio, de forma singular, somente pode ser feita mediante a autorização judicial, em razão

da qual deve ser expedido o competente alvará judicial que deverá ser apresentado para a

formalização do negócio pretendido, conforme dispõe o art. 992, inciso I155 do Código de

Processo Civil.

As regras inerentes a condomínio ainda justificam o direito de preferência dos

herdeiros condôminos na aquisição de quotas de direitos hereditários, consoante dispõe os art.

1.794 e 1.795156 do Código Civil.

154 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2013. p. 1277. 155 Código de Processo Civil:

Art. 992. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz: I - alienar bens

de qualquer espécie; (BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014). 156 Código Civil:

Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-

herdeiro a quiser, tanto por tanto.

Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para

si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.

Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão

cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 79: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

77

Importante ainda ressaltar a regra disposta no art. 1.792157 do Código Civil, em razão

da qual os herdeiros não respondem por encargos superiores à força da herança, isto é, ao

quinhão que lhe tenha cabido.

O diploma civilista e processualista ainda trata da administração da herança enquanto

não houver partilha, cuja responsabilidade por ela caberá ao inventariante, que será nomeado

judicialmente, no caso dos inventários feitos pela via judicial, ou por todos os herdeiros e

meeiro, quando for feito pela via extrajudicial.

Com efeito, quando o falecido era casado, identificar seu acervo hereditário não é algo

que se faça automaticamente, simplesmente buscando pela titularidade dos bens, pois é

preciso, previamente, distinguir o que cabe ou não ao cônjuge sobrevivente em razão do

regime de bens adotado.

A confusão entre meação e herança é comum, pois o art. 1.829, inciso I, do diploma

civilista usou o regime de bens como critério para chamar o cônjuge como herdeiro,

disciplinando sua concorrência com os descendentes na sucessão, como será exposto adiante.

Faz-se necessário, então, esclarecer uma comum confusão de regras de Direito de

Família e de Direito das Sucessões, quanto à relação patrimonial entre cônjuges.

Conforme dispõe o art. 1.571 do Código Civil, a sociedade conjugal termina com a

morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial

ou pelo divórcio158.

Qualquer que seja a forma de dissolução da sociedade conjugal, a identificação do

patrimônio partilhável se dará observando o regime de bens e o fato motivador da dissolução.

Como explicitado anteriormente, o regime de bens adotado tem, sobretudo, a função

de estabelecer se há ou não comunicação entre os bens pertencentes aos cônjuges.

Como explica Silvio de Salvo Venosa159, ao se examinar o patrimônio deixado por

uma pessoa falecida que era casada, deve-se separar do patrimônio comum o que pertence a

cada um dos cônjuges, não porque um faleceu, mas porque aquela porção ideal do patrimônio

157 Código Civil:

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a

prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

(BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 158 A Emenda Constitucional 66, de 2010, suprimiu a necessidade de o divórcio ser antecedido pela separação

judicial, o que se tem discutido acerca da revogação ou não da existência da separação judicial. (BRASIL.

Emenda Constitucional 66, de 13 de julgo de 2010. Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição

Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de

prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois)

anos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc66.htm>.

Acesso em: 21 ago. 2014) 159 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 127.

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78

já lhe pertencia em decorrência do regime adotado que definia a comunicabilidade. Assim, há

de se excluir ou não a meação devida ao cônjuge sobrevivente para que se identifique o

patrimônio partilhável no restante. Neste sentido, quando o regime de bens escolhido

estabelece a comunhão de bens, a meação de um dos cônjuges é devida independentemente do

falecimento do outro. É do monte partilhável que se extrairá a herança dos legítimos

sucessores.

Assim, a sucessão hereditária versará sobre o património deixado pelo de cujus,

destacada, se for o caso, a meação, a qual será entregue ao cônjuge sobrevivente também pelo

procedimento do inventário de todo o acervo.

Page 81: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

79

6 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO CÔNJUGE CASADO NO REGIME

CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS

No Direito Romano, conforme o doutrinador Silvio de Salvo Venosa160, não existia

sucessão, propriamente dita, do cônjuge, pois a transmissão de bens só se efetuava na linha

masculina. Caio Mário da Silva Pereira161 informa que nessa época, considerava-se a mulher

casada in loco filiae e, como tal, ela podia herdar do marido, mas não poderia dispor dos bens,

e por isso não se falava em sucessão por morte do cônjuge varão.

Somente na última fase do Direito Romano, com Justiniano, é que foi reconhecido à

mulher direito à sucessão do marido, quando lhe era outorgada, na falta de filhos, a quarta

parte da propriedade. Se houvesse filhos até o máximo de três, teria o usufruto dos bens; se

fossem em maior número, um direito usufrutuário mais limitado. E, na ausência de colaterais,

os cônjuges eram herdeiros um do outro, segundo Caio Mário da Silva Pereira162.

No Direito pátrio, quando em vigor as Ordenações do Reino o cônjuge sobrevivente

ocupava o quarto lugar na ordem de vocação hereditária, após os colaterais de décimo grau. A

posição era tão longínqua que Clóvis Beviláqua163 afirmava que o cônjuge se encontrava mais

na condição de conterrâneos do que de parentes. Com o Decreto 1.839, de 31 de dezembro de

1907, conhecido por “Lei Feliciano Pena”, o cônjuge sobrevivente passou a ocupar o terceiro

lugar da ordem de chamamento hereditário, antes dos colaterais.

O Código Civil de 1916, em seu art. 1.603, manteve tal ordem, dispondo que o

cônjuge sobrevivente herdaria em terceiro lugar, desde que fossem ausentes os descendentes e

ascendentes e que não estivesse separado judicialmente do falecido, já que a separação de fato

não tinha o condão de excluir o cônjuge sobrevivente da sucessão.

Mais tarde, a Lei 4.121/62, conhecida “Estatuto da Mulher Casada” 164 , embora

também fosse aplicada ao marido, visou proteger a cônjuge sobrevivente que em decorrência

do regime de bens não receberia meação e que, a depender de sua tenra idade, poderia não ter

meios de subsistência após o falecimento de seu companheiro, estabelecendo:

Art. 1.611. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão ao

cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados.

160 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 126-127. 161 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b. p. 117. 162 PEREIRA, op. cit. p. 117. 163 BEVILÁQUA, Clovis. Direito das sucessões. Campinas: Red Livros, 2000. p. 46. 164 BRASIL, Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sôbre a situação jurídica da mulher casada. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4121.htm>. Acesso em 13 jul. 2013).

Page 82: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

80

§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão

universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens

do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver

filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus".

§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal,

enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação

que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel

destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a

inventariar

.

.

Nova modificação foi introduzida no ordenamento pelo art. 50 da Lei 6.515/77,

segundo o qual o cônjuge seria sucessor se fosse herdeiro único, na falta de descendentes e

ascendentes, ou herdeiro concorrente com eles.

Percebe-se que a evolução histórica da legislação sobre o tema apresentado revela um

prestígio cada vez maior do cônjuge, visto que não eram raras as situações em que ele,

especialmente a cônjuge varoa, se via privado de participar da sucessão de consorte.

Conforme bem destacado por Cézar Fiuza165, é possível classificar as influências sobre

a evolução da sucessão legítima sob quatro ordens. A primeira, histórica, remete-se à

constatação de que em todos os povos, desde a Antiguidade, verifica-se a sucessão causa

mortis. A segunda, sob o aspecto familiar, constata-se o fator de coesão e unidade da família,

assegurando a permanência dos bens no seio familiar. A terceira, do ponto de vista individual,

revela a obediência ao critério da afeição presumida, de modo que os herdeiros são chamados

a suceder em ordem de gradação afetiva, que, normalmente, encontra apoio na realidade. A

quarta, quanto ao aspecto social, vislumbra a relação interpessoal do homem na sociedade na

qual ele vive e labora e que, economicamente, garante a organização, de modo a constituir e

resguardar seu patrimônio.

O autor ainda destaca o fundamento principal da sucessão como sendo o trabalho, o

qual permite que o homem proveja a si e aos seus, além de garantir sua própria dignidade, o

que o faz nos seguintes termos:

Segundo von Jhering, o fundamento da sucessão hereditária é o trabalho. Uma

pessoa trabalha, amealhando bens, exatamente para prover a si e aos seus.

Modernamente, numa visão constitucionalizada do Direito Civil, pode-se afirmar

que o fundamento da sucessão hereditária é a dignidade humana, lastrada no

trabalho e o afeto de cada um, com vistas a garantir, principalmente à descendência,

a continuidade da vida digna. É a dignidade da família e de cada um de seus

membros, enfim, o fundamento da sucessão hereditária.

165 FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; Belo Horizonte: Del

Rey, 2014. p. 1.253.

Page 83: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

81

É de suma importância perceber a razão e o sentido da sucessão legítima para que seja

possível interpretar o texto da lei, conseguindo atingir, realmente, a vontade do legislador.

Dessa forma, quatro palavras devem ser destacadas dentre estas influências: trabalho, afeto,

continuidade e família. Em resumo, são estes os elementos que, em regra, norteiam o texto da

lei e que devem dar as diretrizes de sua aplicação no tocante à sucessão legítima.

Obviamente, inúmeras situações na prática poderão vir a exigir a aplicação da lei de

forma excepcional, porém, elas devem ser vistas sob o olhar do caso concreto, sob pena de

ofensa à segurança jurídica e de interpretação contra legem, como será abordado adiante.

Nessa linha evolutiva, chega-se ao diploma civilista vigente, que manteve o cônjuge

em terceiro lugar e inovou quanto à exclusão do direito sucessório do cônjuge que estiver

separado de fato há mais de dois anos do autor da herança, salvo se a ruptura da vida em

comum se desse sem sua culpa, nos termos do art. 1.830 do Código Civil.

Consagrando a preocupação com a proteção ao seu posto de legítimo sucessor, elevou

o cônjuge a categoria de herdeiro necessário, conforme dispõe o art. 1.845 do Código Civil:

“São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.

Remetendo-se à explicação anteriormente exposta sobre a diferença entre o herdeiro

legítimo e o herdeiro necessário, ressalta-se que essa elevação representa uma diferença

substancial, pois, conforme o professor Salomão Cateb166, como mero herdeiro legítimo, o

autor da herança poderia excluí-lo em testamento se assim pretendesse, mesmo que sem causa

aparente, já que, sendo apenas legítimo, ele não teria garantia à legítima. Do contrário, sendo

qualificado como herdeiro necessário, ele fará jus a uma parcela da legítima, não podendo ser

excluído, salvo nos casos de indignidade e deserdação, previstos nos arts. 1.814167. 1.962 e

1.963168 do Código Civil, quando há prova em juízo, mediante ação própria, na qual é

garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.

166 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 113. 167 Código Civil: Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a

pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua

honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente

de seus bens por ato de última vontade. 168 Código Civil: Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos

descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos

descendentes:

Page 84: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

82

Maria Berenice Dias169 destaca a distinção entre os herdeiros legítimos, dispostos no

art. 1.829 do Código Civil, e os herdeiros necessários, esclarecendo que estes,

necessariamente, fazem jus ao que se chama de “legítima”, que corresponde à metade da

herança; enquanto os herdeiros legítimos têm mera expectativa de direito, herdando tão

somente se não existirem herdeiros necessários nem testamento destinando os bens a

terceiros.

Como afirma Rodrigo da Cunha Pereira170,

[...] a invasão de privacidade deste novo instituto da concorrência entre cônjuge e

descendente-ascendente está em que não se tem mais a liberdade e a autonomia de

direcionar o acervo patrimonial pela via do testamento sem deixar de fora o cônjuge,

muitas vezes já beneficiado pelo regime de bens do casamento.

Neste sentido, o art. 1.829 do Código Civil, como já informado, estabelece a seguinte

ordem:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado

este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação

obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão

parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Verifica-se que o cônjuge, além de ter sido mantido em terceiro lugar na ordem

vocacional hereditária, como herdeiro único, teve sua concorrência estabelecida com os

descendentes e com os ascendentes, quando estes também tiverem interesse sobre a herança.

Em primeira ordem de chamamento, constata-se que foi estabelecida a concorrência

do cônjuge com os descendentes, a depender do regime de bens vigente no casamento. Em

segundo lugar, o legislador estabeleceu a concorrência dos ascendentes com cônjuge,

independente do regime de bens. Em terceiro lugar, confirmado pelo art. 1.838, “em falta de

descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro

da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. 169 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 137. 170 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade e autonomia na sucessão hereditária. IBDFAM. Boletim,

ed. 55, 11 maio 2009. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?boletim&artigo=235>. Acesso em: 3 jul.

2011.

Page 85: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

83

Ressalta-se, ainda, que ao cônjuge supérstite também é assegurado o direito de

moradia, independente do regime de bens, ex vi art. 1.831 do Código Civil.

A análise dessa ordem da vocação hereditária do cônjuge revela que o legislador usou

o regime de bens como mero critério de subsunção da hipótese à norma para chamar, ou não,

o cônjuge quando em concorrência com o descendente. Ao se observar quais são os regimes

capazes de afastar, verifica-se que o legislador quis garantir que o viúvo não recebesse duas

vezes ou duas quotas do patrimônio do de cujus.

Zeno Veloso171 interpreta que a regra é: “onde há meação não existe herança”, pelo

que ele explica:

[...] Gustavo Rene Nicolau (Direito Civil – Sucessões, São Paulo: Atlas, 2005, p. 85)

informa que em uma expressão que reconhece ser pouco sonora e muito didática, o

professor da Faculdade de Direito da FAAP (São Paulo) Cláudio Luis Bueno de

Godoy define: “Onde o cônjuge herda, não meia: onde meia, não herda” (!)

O autor chama atenção para a necessidade de não se confundir meação e herança, na

medida em que a meação é figura do regime de bens decorrente daqueles que impliquem

comunicação de bens.

Explica Caio Mário da Silva Pereira172:

No sistema do Código de 1916, a meação era um efeito da comunhão, ao passo que

o direito hereditário não dependia do regime de bens; no Código Civil novo, todavia,

nenhuma das afirmações pode ser feita em caráter absoluto, como adiante se

demonstra. À meação, em regra, já tem o cônjuge direito em vida do outro, na

vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, sucessionis causa.

Nas palavras de Zeno Veloso173, “a meação não integra o direito sucessório, pois

preexiste à morte, pertence ao cônjuge por direito próprio, é efeito do regime de bens do

casamento”. Desse modo, ele ainda complementa que como meeiro o cônjuge já é titular da

metade ideal dos bens; já é meeiro e não se torna meeiro porque o outro morreu. O viúvo pode

ser meeiro e não ser herdeiro, ser herdeiro sem ser meeiro e pode, ainda, ser meeiro e

herdeiro, sobre partes distintas do patrimônio partilhável.

Seguindo a lógica exposta, resta evidente que no regime da comunhão universal o

cônjuge sobrevivente receberá sua meação e não herdará em concorrência com os

171 VELOSO, Zeno. Direito sucessório do cônjuge. [2008?]. Disponível em: <http:// www. ligiatupy. adv.

br/_fonte/ftpdown.asp?p=66&a=434&rnd=0 >. Acesso em: 8 ago. 2011. 172 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b, p. 119. 173 VELOSO, op. cit.

Page 86: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

84

descendentes, com fulcro no inciso I do mencionado art. 1.829. Mas na ausência destes e

conforme o inciso seguinte, o cônjuge herdará em concorrência com os ascendentes. Na

ausência destes últimos, herdará sozinho, como dispõe o inciso III do mesmo dispositivo e

também o já mencionado art. 1.838.

Não obstante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, mesma lógica

será aplicada quando se tratar do regime da comunhão parcial, no qual deve ser identificado

seu patrimônio é formado por bens comuns e por bens particulares. Segundo parte da doutrina

e da jurisprudência, quanto aos bens comuns o viúvo terá direito a sua meação e quanto aos

bens particulares ele herdará. Na ausência dos descendentes, ele herdará em concorrência com

os ascendentes. E, quando não os tiver, herdará todo o patrimônio.

No regime da participação final dos aquestos, como não há bens comuns ou

particulares até que se dissolva a união, até o momento da morte, não há que se falar em

meação. Como o legislador não colocou ressalva quanto a este regime, embora haja correntes

doutrinárias divergentes, neste caso o cônjuge sobrevivente herdaria da mesma forma.

No caso do regime da separação de bens, verifica-se que há plena independência entre

os patrimônios de cada um dos cônjuges, não havendo comunhão e, consequentemente,

inexistindo meação, pelo que restaria claro que o cônjuge sobrevivente deveria herdar. Porém,

a situação nesta hipótese não é tão pacífica.

A redação do inciso I do art. 1.829 do Código Civil, desde a promulgação do diploma

civilista, gerou polêmica e abriu espaço para discussão sobre sua abrangência, iniciando-se

com a dúvida sobre o trecho: “[...] ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,

parágrafo único) [...]”, o que restou esclarecido que o legislador cometeu mero erro de

remição, pois o dispositivo legal que trata da separação obrigatória de bens é o 1.641, sendo o

1.640174 totalmente estranho ao conteúdo remetido.

Em seguida, e com mais intensidade, ganhou força a controvérsia acerca da

identificação da extensão da expressão separação obrigatória, pois, a priori, de forma

174 Código Civil:

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os

cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este

código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto

antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II - da pessoa maior de sessenta anos;

II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro

de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_

03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 87: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

85

bastante óbvia, dever-se-ia concluir que no caso de ser a separação convencional de bens, o

cônjuge sobrevivente herdará.

Porém, parte dos juristas levantou a bandeira de que essa conclusão ofenderia o

disposto no art. 1.687175 do Código Civil, na medida em que se o casal optou em vida, optou

pela incomunicabilidade dos seus bens, partilhá-los na sucessão seria violentar a vontade de

quem não quis dividi-los. Por uma interpretação sistêmica, sustentam que se deveria observar

a regra disposta no último dispositivo citado, a fim de respeitar a vontade do casal em vida.

Essa celeuma doutrinária e jurisprudencial ganhou força até que a Ministra Nancy

Andrighi apresentou a sua posição, dando a seguinte interpretação176:

Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge

sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por

meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I do

Código Civil. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido.

Não ocorrência.

- Impositiva a análise do art. 1.829, I do Código Civil, dentro do contexto do sistema

jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a

temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão

forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da

livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da

autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança

legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o

sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.

- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro,

como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge

sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a

totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo,

o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi

referendado pelo art. 1.640 do Código Civil.

- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da

autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação,

além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens

particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os

descendentes.

- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do Código

Civil, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação

convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam

os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.

175 Código Civil:

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos

cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de

2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Acesso em: 13 jul. 2013) 176 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp 992.749-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi. Data

de julgamento 1º/12/2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 23 jun. 2014.

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86

- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à

meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens

estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o

cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.

- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829,

inc. I, e 1.687, do Código Civil, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da

lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve

prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados

dispositivos.

- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já

a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não houve

longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10

meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado

todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram

voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de

pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os

bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.

- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime

matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser

toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno

sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica

dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.

- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno

sucessório não pode estabelecer limitações.

- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu

a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante

o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge

sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o

intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário,

concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens

pactuado.

- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de

bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges,

seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida,

permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade

do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por

vontade própria.

- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e

honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após

manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por

conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no

processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o

regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura

pública.

- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de

terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos

patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação

viável do art. 1.829, inc. I, do Código Civil, em consonância com o art. 1.687 do

mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente

escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade.

Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado.

Page 89: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

87

Na mesma linha de interpretação, Miguel Reale177 afirma que a palavra obrigatória

não se referiria ao regime de separação legal, mas que foi é empregada para destacar que é

obrigatória a distinção patrimonial sempre que o regime de bens for o da separação, quer

obrigatório, quer convencional. Celina de Sampaio Góes 178 compartilha do mesmo

entendimento, priorizando e defendendo a alegada interpretação sistemática.

Cristiane Caires Geroti179 pondera que “os limites fronteiriços do acórdão em que foi

Relatora Ministra Nancy Andrighi só beneficiam os envolvidos na demanda”. Contudo, como

se trata de uma manifestação do guardião do ordenamento jurídico federal, deve-se analisá-lo

com a devida atenção, sob pena de permitir a consolidação de um forte precedente, capaz de

causar considerável insegurança na previsibilidade da aplicação da lei.

A preocupação é ainda maior por se observar que a decisão e quaisquer posições

doutrinárias que a acompanhe serão contra legem, uma vez que parece ser claro que o referido

inciso I considera expressamente “separação obrigatória” para apenas os casos previstos no

art. 1.641 do Código Civil; e que estender a interpretação para incluir a separação

convencional, parece ser ultrajante, porquanto onde a lei não distingue não cabe ao intérprete

fazê-lo.

Portanto, outro viés interpretativo deverá ser aplicado.

O primeiro argumento levantado seria o de que o regime da separação obrigatória é

apenas gênero, do qual o convencional e o obrigatório seriam espécies, pois, escolhido com

respaldo no pacto antinupcial, obrigará as partes a ele se submeter.

Não parece ser coerente tal afirmativa, já que a expressão obrigatória abrange a

obrigatoriedade a qual os cônjuges estão sujeitos a escolher o regime de bens, tal expressão

deveria também acompanhar a identificação do regime de comunhão de bens (no próprio

inciso I, art. 1.829 do Código Civil), já que é também um regime eleito pelos nubentes. De

modo diferente, parece ser mais lógico afirmar que o gênero é regime da separação de bens,

do qual são espécies o convencional e o obrigatório. Portanto, o inciso I, do art. 1.829 se

referente apenas a este último. Essa distinção, inclusive, respeita a classificação dos regimes

de bens quanto à fonte, conforme informado alhures.

177 REALE, Miguel. Estudos preliminaries do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Capítulo:

O cônjuge no novo Código Civil, p. 2. 178 GÓES, Celina de Sampaio. Cônjuge casado no regime da separação de bens não concorre com os

descendentes. 22 jul. 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=313>. Acesso em: 4

ago. 2012. 179 GEROTI, Cristiane Caires. O cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário e a limitação da autonomia

da vontade. 22 fev. 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=581>. Acesso em: 5

jun. 2011.

Page 90: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

88

Percebe-se que o referido dispositivo legal, ao usar o regime de bens como critério, faz

distinção entre o regime que decorre da lei e o que decorre da vontade das partes, pois, ao

fazer referência ao regime de separação de bens obrigatória, o legislador faz expressa

remição, não obstante o citado erro material, ao regime advindo da lei, que, por sua vez, leva

ao teor do art. 1.641, Código Civil, o qual identifica qual é o regime legal obrigatório e em

quais casos ele se aplica.

É princípio basilar de hermenêutica jurídica que na lei não há palavras ou expressões

inúteis. Se um determinado dispositivo legal que trata de regimes legais e convencionais

qualifica apenas um deles como obrigatório, não se pode concluir que o legislador quis

abranger ambos. Isso feriria a racionalidade do legislador, pois, repita-se, onde a lei não

distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. Da mesma forma, a remição não pode ser tida como

inócua, o que reforça o fato de o legislador ter desejado considerar tão somente o regime da

separação advindo de imposição legal.

Na sequência, o posicionamento exposto no acórdão em referência sustenta o respeito

à unidade sistemática da lei codificada, exigindo coerência entre os arts. 1.829, inciso I, e

1.687 do Código Civil, bem como à vontade do casal em vida, que não pretendeu

compartilhar entre eles os bens que possuíam.

O principal contraponto deste argumento é que a vontade das partes não pode

contrariar normas que são cogentes. A título de exemplo, possivelmente, existem pais que,

decepcionados com as atitudes dos filhos, mas sabendo que eles têm condições de sustentar,

queira penalizá-lo reduzindo-lhe a porção da legítima a que eles teriam direito, por meio de

disposições testamentárias. Porém, isso não será possível, pois o art. 1.845 do Código Civil

garante a eles a posição de herdeiros necessários. Esta é também uma norma cogente que não

pode ser alterada pela vontade das partes.

Em outras palavras, se a intenção é manter uma unidade, tal posicionamento também a

quebra, pois, igualmente por uma interpretação sistêmica, deve-se respeitar o art. 1.845 do

Código Civil, que constitui o cônjuge como herdeiro necessário, frisa-se, independente do

regime de bens. Em sendo assim, não pode ser excluído da sucessão hereditária em nenhuma

hipótese, ainda que tenha vigido um regime de bens que, em caso de dissolução do casamento

em vida, tal cônjuge nada teria direito sobre o patrimônio do outro.

Se a questão confronta aspectos sociais ou se contraria a vontade de uma parte das

pessoas casadas neste regime de bens, talvez isso deva ser visto sob a esfera legislativa, de

modo a impulsionar uma modificação no texto da lei. Pois a interpretação diversa do que está

Page 91: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

89

claro é descartar o texto legal e admitir que os cônjuges tenham a liberdade de pactuar sobre

normas cogentes.

Ressalta-se, ainda, que é também princípio da hermenêutica determinar que quando há

uma regra disposta em lei as exceções devem ser interpretadas restritivamente. No caso em

análise, têm-se duas regras: o cônjuge é herdeiro necessário, conforme o citado art. 1.845; e,

em primeiro lugar da vocação hereditária, o viúvo é chamado a herdar em concorrência com

os descendentes, conforme a primeira parte do inciso I do art. 1.829. Assim, qualquer exceção

a elas deve ser interpretada restritivamente, sendo inadmissível ampliar uma expressão que se

diz “obrigatória” para entendê-la como “obrigatória e convencional”.

O tema exige que seja compreendido de forma definitiva que o atual Código Civil

constituiu o cônjuge como herdeiro necessário. Mesmo após mais de dez oito anos de

vigência, esta é (ainda) uma grande novidade do Direito Sucessório atual. Ainda que assuste a

juristas e leigos, a regra legal deve ser respeitada. Aliás, não há que se falar em susto, afinal –

frisa-se – não se pode confundir meação com herança.

Helena de Azeredo Orselli 180 destaca que a vinculação do direito sucessório do

cônjuge ao regime de bens é uma inovação do legislador brasileiro, não encontrando paralelo

em nenhuma legislação estrangeira. Como ela mesma afirma, essa relação não é lógica, pois,

não se confunde direito à meação com direito à herança.

A afirmativa de que o casal em vida escolheu não dividir seus bens não pode,

necessariamente, corresponder à vontade de não partilhar após a morte. É possível afirmar que

não quiseram determinar a meação, comunicar e compartilhar seus bens em eventual

dissolução do casamento em vida. Mas podem, sim, querer deixar a herança ao outro. Ou,

ainda que não seja esta a vontade do casal no caso concreto, é esta a vontade do legislador.

Não se pode olvidar de que é plenamente admissível aceitar a opção do casal pela

incomunicabilidade e, por conseguinte, a inexistência de partilha de bens apenas em uma

eventual dissolução da sociedade conjugal em vida, pois somente nessa hipótese haveria

rompimento do affectio maritatis, perdendo o sentido de compartilhar um patrimônio que, em

muitas situações, não foi construído por esforço comum ou apoio recíproco. Já pela sucessão,

presume-se que o vínculo conjugal estava sendo mantido em sua integral e essencial

finalidade, em plenitude da vida conjugal, não havendo por que afastar a possibilidade do

cônjuge supérstite ser chamado para concorrer na herança.

180 ORSELLI, Helena de Azeredo. A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.

Revista Jurídica, v. 11, n. 21, 2007. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index. php/ juridica/article/

view/442>. Acesso em: 10 ago. 2012.

Page 92: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

90

Podem os nubentes escolher a incomunicabilidade simplesmente porque não querem

se ver obrigados à necessária partilha em partes iguais do patrimônio em um eventual

divórcio, quando há inquestionável dificuldade de se discernir sentimentos dos aspectos

patrimoniais. Mas em uma sucessão, quando os cônjuges estavam casados e presume-se haver

a presença plena do amor, afeto, cumplicidade e solidariedade, poderia, sim, ser admitida a

vontade de um deixar parte da herança para o outro.

A sucessão hereditária tem por finalidade perpetuar a condição patrimonial familiar e a

manutenção da dignidade da família e de cada um de seus membros, lastreada no trabalho e

afeto de cada um. E isso, definitivamente, não pode ser negado a uma família, cujo casamento

tenha sido sob o regime da separação convencional de bens.

Vale rebater, ainda, o argumento levantado por Cristiane Caires Geroti181 ao defender

a interpretação dada pela Ministra Nancy Andrighi no sentido de que instituir o cônjuge na

referida situação como herdeiro necessário seria um contrassenso à evolução da sociedade,

vinculando às relações matrimoniais um caráter eminentemente patrimonial e comprometendo

a ideia de que, ao menos formalmente, elas poderiam se desenvolver unicamente por afeto

recíproco, e não por interesses financeiros.

Em verdade, a conclusão exposta apresenta sentido inverso, pois parte da premissa de

que nos relacionamentos em que se permita a partilha de bens é porque há interesse

financeiro. Pode até ser plausível essa ponderação, mas parece estapafúrdio considerá-la como

fundamento para uma intepretação contrária ao texto da lei.

Ao contrário, deve-se admitir que existe, sim, inúmeras razões para que os nubentes

desejem a não comunicação dos bens em vida, ao mesmo tempo em que esperem que um

deles herde bens quando o outro vier a falecer. Afinal, deve ser reconhecido que os

sentimentos de afeto e cuidado recíproco entre eles podem perdurar mesmo após o

falecimento; que, em razão desses sentimentos e da cumplicidade no relacionamento, da

família que juntos construíram, um queira deixar parte de seus bens para o outro; que receber

parte dos bens pode, inclusive, permitir a manutenção do conforto e padrão de vida usufruído

pelo casal antes do passamento; que eles pretendam manter a independência patrimonial para

evitar infindáveis discórdias em eventual divórcio; que eles queiram preservar a

independência financeira em razão de diferenças de formas de trabalho, construção de

patrimônio e rentabilidade; que queiram garantir a possibilidade de um ser garantidor de

181 GEROTI, Cristiane Caires. O cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário e a limitação da autonomia

da vontade. 22 fev. 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=581>. Acesso em: 5

jun. 2011.

Page 93: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

91

obrigações assumidas pelo outro; que em razão da dinâmica acelerada das relações comercias

e profissionais, queiram ter autonomia na alienação e oneração dos bens que pertenceram a

cada um deles; dentre tantos outros motivos.

Independente dos motivos, garantir a situação do cônjuge como herdeiro necessário

reflete uma “tendência do mundo ocidental, beneficiando o cônjuge que ajudou na construção

da família, do patrimônio, na criação dos filhos e no sucesso do lar em sua totalidade”, como

bem comenta o professor Salomão de Araújo Cateb182.

Frederico de Ávila Miguel 183 elucida que o fundamento jurídico do atual Direito

Sucessório no Brasil, além da propriedade, está no Direito da Família. Aponta que o fato de o

cônjuge necessariamente participar da legítima, por força da lei, representa notória intenção

de oferecer proteção para a família, mesmo quando essa não era a vontade do autor da

herança. A Carta Magna já apontava interesse público nas situações em que a família esteja

envolvida, consoante seu art. 226, por gozar de especial proteção do Estado, o que se justifica

por ser a família a base da sociedade, conforme consagrado constitucionalmente.

Deve-se atentar também para a crescente tendência à constitucionalização do Direito

Civil e, por conseguinte, do Direito de Família e do Direito das Sucessões. A autonomia da

vontade e a liberdade de contratar já não podem mais servir como premissas absolutas.

Carlos Roberto Gonçalves184 quando afirma que não restam dúvidas de que a proteção

à família prevalece em detrimento da vontade contrária do autor da herança, invocando o

respeito ao princípio da legítima que deve ser resguardada aos herdeiros necessários.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka185 afirma acerca do Direito Sucessório

brasileiro atual: “[...] parece ter-se enquadrado entre aqueles que veem como fundamento do

direito sucessório não apenas o direito de propriedade em sua inteireza como também o

direito de família, com o intuito de protegê-la, uni-la, perpetuá-la".

Frederico de Ávila Miguel, ao mencionar Guilherme C. M. da Gama186, que enfatiza

“o espírito do novo Código Civil, no Livro V – do Direito das Sucessões –, é de prestigiar a

família do autor da sucessão, cumprindo estritamente o disposto no art. 226, caput, da

182 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 114. 183 MIGUEL, Frederico de Ávila. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil. 4 jun. 2007.

Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=300>. Acesso em: 8 jul. 2011. 184 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2003. (Série fundamentos

jurídicos), p. 186. 185 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antonio

Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 14. v. 20. 186 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. v. VII: Direito

das Sucessões, In: MIGUEL, Frederico de Ávila. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil.

4 jun. 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=300>. Acesso em: 8 jul. 2011.

Page 94: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

92

Constituição Federal”. Ele conclui que “nesse sentido é perfeito o critério da nova lei:

amparar o cônjuge na porção de bens em que esteja desamparado pela meação e não ampará-

lo na parcela de bens em que já esteja resguardado pelo regime de bens”. E, se o casado no

regime da separação convencional de bens não está amparado pela meação, deve-lhe ser

garantido o seu direito sucessório quantos aos bens deixados pelo falecido. Acrescenta:

Nunca é demais lembrar que imaginar diferente seria o mesmo que optar pelo

desamparo de parte da família (cônjuge). Certo que os filhos devem herdar, mas

igualmente certo é que o cônjuge também possui tal direito e, por isso, a

concorrência é de rigor, para manter o necessário equilíbrio entre o herdeiro que a lei

pretendeu proteger (cônjuge e descendente), por serem todos membros da família

deixada pelo autor da herança.

Insta apontar, ainda, que o mesmo inciso I do art. 1.829 do Código Civil, pelo qual,

segundo considerável parte da doutrina, deve-se excluir a sucessão do cônjuge casado no

regime da comunhão parcial apenas quanto aos bens comuns. Desse modo, a contrario sensu,

afirma-se que ele herdará quanto aos bens particulares, embora em vida tivesse escolhido não

partilhá-los com o outro.

Da mesma forma, verifica-se que nos incisos II e III do art. 1.829, reiterado pelo

disposto no art. 1.838, todos do Código Civil, o cônjuge é chamado a suceder independente

do regime de bens. Mesmo se casado no regime convencional da separação de bens, ele, na

falta dos descendentes, herdará em concorrência com os ascendentes e, na falta destes,

herdarão a integralidade do patrimônio sozinho.

Ora, se fosse para sustentar antinomia entre os arts. 1.829, I e 1.687 do Código Civil,

nestas últimas hipóteses mencionadas não poderia o cônjuge herdar, pois contrariaria também

o que em vida escolheram. Ou, então, a interpretação da Ministra Nancy implica antinomia

entre o inciso I, do art. 1.829 e os incisos II, III do mesmo artigo, bem como dos arts. 1.838,

1.658, 1.659 e, como já dito, o 1.845.

Ademais, a ordem da vocação hereditária da sucessão legítima é ex lege. Ela decorre

da lei, independe da vontade do casal. Afirmar que a herança deve ser submetida à vontade

dos nubentes expressa no pacto antenupcial é admitir o chamado “Pacto de corvina”, o que é

vedado pelo art. 426 do Código Civil: “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa

viva”.

Outra questão é que não se pode perder de vista o teor do mencionado art. 1.787 do

Código Civil, ao dispor que a sucessão e a legitimação para suceder são reguladas pela lei

vigente ao tempo da abertura daquela. Se a própria lei submete a sucessão ao momento em

Page 95: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

93

que ela for aberta, o intérprete não pode querer submetê-la à vontade dos nubentes, muitas

vezes, ocorrida há tantos anos antes, quiçá sob uma legislação diversa.

Vale consignar os autores, advogados e juristas que compartilham o entendimento de

que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação convencional de bens deverá

concorrer com os descendentes: Salomão de Araújo Cateb 187 , Pablo Stolze Gagliano e

Rodolfo Pamplona Filho188, Sílvio Salvo de Venosa189, Euclides de Oliveira190, Eduardo de

Oliveira Leite 191 , Caio Mário da Silva Pereira 192 , Helena de Azeredo Orselli 193 , Zeno

Veloso194, Frederico de Ávila Miguel195, Washington de Barros Monteiro196 e Maria Helena

Diniz197, 198,

199.

O tema já foi, inclusive, tratado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo

Conselho da Justiça Federal/ Centro de Estudos Judiciário, cujo coordenador científico foi o

Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Rui Rosado de Aguiar Júnior, foi

aprovado o Enunciado 270200, com seguinte teor:

O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência

com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação

convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou

participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em

que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser

partilhados exclusivamente entre os descendentes.

187 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 114-115. 188 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012. p. 376. v. 6. 189 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 143-144. 190 OLIVEIRA, Euclides de. Direito de herança. São Paulo: Saraiva, 2005. p.108. 191 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil: do direito das sucessões. 2. Ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2003. v. 21, p. 219. 192 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 18. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011, p. 132-133. 193 ORSELLI, Helena de Azeredo. A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.

Revista Jurídica, v. 11, n. 21, 2007. Disponível em:

<http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/442>. Acesso em: 10 ago. 2012. 194 VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. 195 MIGUEL, Frederico de Ávila. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil. 4 jun. 2007.

Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=300>. Acesso em: 8 jul. 2011. 196 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 35. ed. rev. e atual. por

Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 96. v. 6. 197 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 136. 198 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009. p.

123-124. v. 6. 199 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1299. 200 BRASIL. Conselho de Justiça Federal. JORNADA DE DIREITO CIVIL, 3, 2005, Brasília. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/revista/outras_publicacoes/jornada_direito_civil/IIIJornada.pdf>. Acesso em: 3 fev.

2013.

Page 96: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

94

Maria Berenice Dias201 chegou a posicionar-se no mesmo sentido nos primeiros anos

de vigência do atual Código Civil, mas começou a questionar o tema no artigo “Filhos, bens e

amor não combinam!”. E, após o mencionado voto da Ministra Nancy, lamentavelmente,

passou a adotar o entendimento de que o cônjuge em tal situação não deveria herdar202.

Porém, em sua obra publicada em 2013, admitiu que a jurisprudência ainda não está

pacificada sobre o tema203.

A edição revisada e atualizada por Carlos Roberto Barbosa Moreira da doutrina do

autor Caio Mário da Silva Pereira204, considera a decisão da Ministra Nancy como “infeliz”,

sendo categórico em se posicionar pelo entendimento ora defendido.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 205 também entendem que o

cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional de bens não é alcançado

pela exceção do dispositivo legal em comento. Se o inciso I, do artigo 1829 do Código Civil,

como já dito, estabelece uma regra geral, colocando apenas algumas hipóteses como exceções

sobre sucessão do cônjuge, estas devem ser interpretada restritivamente, como manda o

princípio de hermenêutica – exceptiones sunt strictissimae interpretationis206.

Flávio Tartuce207, ao relacionar os regimes em que o cônjuge herda em concorrência,

também informa o da separação convencional de bens, reforçando – novamente – que “nunca

se pode esquecer que a meação não se confunde com a herança, sendo esta confusão muito

comum entre os operadores do Direito. Meação é instituto do Direito de Família, que depende

do regime de bens adotado. Herança é instituto de Direito das Sucessões, que decorre da

morte do falecido”.

Em verdade, o voto da Ministra Nancy voltou-se a um caso concreto, peculiar, o que é

possível perceber com o ressalto feito na própria ementa sobre a brevidade do casamento em

questão. Como comenta Flávio Tartuce208 , diante das provas carreadas nos autos, restou

201 DIAS, Maria Berenice. Filhos, bens e amor não combinam. [2004]. Disponível em: <http://www .mbdias.

com.br/hartigos.aspx?117,25>. Acesso em: 20 maio 2013. 202 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011a. p.137-138, 165-166. 203 DIAS, op. cit. 2011a. p.141, 142. 204 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014b. p.132. 205 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 8. ed. rev. ampl. e atual.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1322. 206 SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira do. Hermenêutica e aplicação do direito. 14. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1994. p. 205, 225. 207 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011. p.1222. 208 TARTUCE, op. cit. p. 1225-1226.

Page 97: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

95

evidente um suposto “golpe do baú”. Neste diapasão, ele afirma que o julgado merece críticas,

como já o fez José Fernando Simão209 e Zeno Veloso210. Ele ainda acrescenta211:

O julgado merece críticas como já fez parte da doutrina, caso de José Fernando

Simão e Zeno Veloso. A principal crítica se refere ao fato de o julgado ignorar

preceito legal, bem como todo o tratamento doutrinário referente às categorias da

separação legal e da separação convencional de bens. Ademais, some-se a

constatação pela qual o acórdão supostamente solucionou um caso concreto, mas

criou problemas outros tantos, pela incerteza categórica que gerou. Em suma, como

Zeno Veloso, espera-se que tal forma de conclusão permaneça sozinha e isolada.

Merece relevo o fato de que os ensinamentos constantes desta obra foram adotados

pela 2.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

em decisão do final do ano de 2011, que afasta a concorrência sucessória do cônjuge

no regime da separação convencional de bens. O acórdão foi assim ementado:

“Agravo de instrumento. Inventário. Decisão que declarou que o cônjuge supérstite

não é herdeiro nem meeiro. Viúva que foi casada com o autor da herança pelo

regime da separação convencional. Decisão que contraria a lei, em especial os

artigos 1.845 e 1829 do Código Civil. Decisão reformada. Agravo provido”.212

Pontue-se que, sucessivamente, outros acórdãos da Corte Paulista seguiram tais

premissas (ver: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº

0265463-22.2011.8.26.0000. 4.ª Câmara de Direito Privado. Relator Des. Milton

Paul de Carvalho Filho. j. 15.03.2012, data de registro: 20.03.2012; e SÃO PAULO.

Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0080738-58.2012.8.26.0000. Limeira.

4.ª Câmara de Direito Privado, j. 30.08.2012, data de registro: 01.09.2012. Relator

Des. Milton Paul de Carvalho Filho). Espera-se o surgimento de outros julgados na

mesma linha, deixando a posição daquele aresto superior ainda mais isolado.

Destacam-se, ainda, algumas decisões que reforçar a interpretação ora reforçada:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - DIREITOS

SUCESSÓRIOS - CÔNJUGE SOBREVIVENTE - REGIME DA SEPARAÇÃO

CONVENCIONAL DE BENS - ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO

Código Civil - INTERPRETAÇÃO - CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO

E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR

DA HERANÇA - HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO - NECESSIDADE. A mais

adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela

que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do

autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio

dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o

direito à sucessão.213

209 SIMÃO, José Fernando. Separação convencional, separação legal e separação obrigatória: reflexões a

respeito da concorrência sucessória e o alcance do artigo 1.829, I, do CC – Recurso Especial n. 992.749/MS.

Revista Brasileira de Direito das Famílias E Sucessões, Porto Alegre, v. 12, n. 15, p. 5-19, abr./maio 2010. 210 VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p.71-72. 211 TARTUCE, op. cit. p.1224-1225. 212 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0007645-96.2011. Agravantes: Silvia Maria

Aranha Matarazzo (inventariante) e outro. Agravada: Flavia Matarazzo. Comarca: São Paulo. Rel. Des. José

Carlos Ferreira Alves. j. 04 out. 2011. 213 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 1.0701.13.009162-5/001, numeração

única 0820985-66.2013.8.13.0000. Relator Desembargador Geraldo Augusto. Data de Julgamento

03/12/2013. Data de publicação 12 dez. 2013.

Page 98: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

96

Ementa: AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO ORDINÁRIA DE DECLARAÇÃO DA

CONDIÇÃO DE NÃO HERDEIRA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE CASADA

COM O FALECIDO SOB OREGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL

DE BENS, MEDIANTE PACTO. CONCORRÊNCIA COM AS

DESCENDENTES. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE

LEI NO ACORDÃO. ART. 1.829, I, Código Civil. IMPROCEDÊNCIA.

TEMPESTIVIDADE DA AÇÃO. Observado o prazo previsto no art. 495 do CPC

na propositura da ação rescisória, impõe-se admiti-la como tempestiva. Rejeitada a

preliminar de intempestividade deduzida na contestação. IMPOSSIBILIDADE

JURÍDICA DO PEDIDO. Há possibilidade jurídica no pedido rescisório, cujo objeto

visa desconstituir coisa julgada formal na própria decisão rescindenda, ao alegar que

o julgado, na decisão inquinada, teria manifestado interpretação violando

literalmente disposição de lei. Preliminar rejeitada, por maioria. IMPROCEDÊNCIA

DA AÇÃO. Descabe ser rescindido o acórdão que não desconsidera ou não afronta

dispositivos legais, mas apenas dá interpretação razoável, embora literal, à matéria

controvertida. O acórdão rescindendo, ao deliberar que o cônjuge sobrevivente,

casado pelo regime da separação convencional de bens, por pacto antenupcial,

concorre à herança com as descendentes do falecido, deu interpretação literal ao

precitado art. 1.829, I, Código Civil, não violando qualquer dispositivo legal.

Aplicação da Súmula 343 do STF. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE

REJEITADA, POR UNANIMIDADE, E PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE

JURÍDICA DO PEDIDO, AFASTADA, POR MAIORIA, VENCIDO O

RELATOR. NO MÉRITO, AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE, POR

UNANIMIDADE. (SEGREDO DE JUSTIÇA).214

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA. REGIME DE BENS.

INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO SOBRE BEM

CLAUSULADO. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DEBENS. HERANÇA.

CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE VIVO COM OS

DESCENDENTES DO FALECIDO SOBRE OS BENS PARTICULARES

DEIXADOS. No casamento realizado pelo regime da separação total de bens, com

pacto antenupcial, há a incomunicabilidade total dos bens anteriores e posteriores ao

matrimônio. O bem doado com cláusula de incomunicabilidade não integra a

meação do cônjuge, seja qual for o regime de bens. Ademais, o gravame que incide

sobre o bem o torna bem particular, afastando-o da meação, admitindo-se, contudo,

que sobre ele concorra na sucessão o cônjuge sobrevivente com os herdeiros

descendentes, na esteira do que dispõe o artigo 1.829 inc. I do Código Civil. Agravo

desprovido.215

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Viúva casada em regime

de separação convencional de bens. Possibilidade de ser mantida como herdeira do

acervo do “de cujus” Hipótese não excepcionada no art. 1.829, I do Código Civil,

que contempla o regime de separação obrigatória de bens Decisão mantida.

AGRAVO DESPROVIDO.216

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO. Sucessão testamentária e

legítima. Casamento pelo regime da separação convencional de bens. Cônjuge

supérstite é herdeiro necessário do “de cujus” e concorre com os descendentes na

legítima, ainda que beneficiado em testamento com 50% dos bens do espólio.

Inteligência dos artigos 1.829, I, e 1.845 do Código Civil. Recurso provido.217

214 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70038425567. Relator Desembargador

André Luiz Planella Villarinho. Data de julgamento 10/06/2011. Data de publicação 12 set. 2011. 215 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70021504923. Relator

Desembargador José Ataídes Siqueira Trindade. Data de julgamento 11/12/2007. Data de publicação 28 dez.

2007. 216 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0067399-32.2012.8.26.0000. Relator

Desembargador Gilberto de Souza Moreira. Data de julgamento 19/09/2012. Data de registro 20 out. 2012. 217 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0080738-58.2012.8.26.0000. Relator

Desembargador Milton Carvalho. Data de julgamento 30/08/2012. Data de registro de 1º set. 2012.

Page 99: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

97

Agravo de Instrumento Inventário Única descendente do de cujus que impugnou a

qualidade de herdeira do cônjuge sobrevivente e sua nomeação à inventariança.

Decisão que reconheceu a viúva, casada pelo regime da separação convencional de

bens com o autor da herança como herdeira e a manteve no cargo de inventariante.

Acerto Inteligência do art. 1829, I do Código Civil de 202, vigente à época da

abertura da sucessão Regime de bens do casamento que impede a meação mas

identifica o cônjuge como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes

Entendimento consagrado na doutrina e na jurisprudência Cargo de inventariante de

confiança do juízo, que ademais seguiu a regra do art. 90, I, do CPC Decisão

mantida. Recurso desprovido (Voto 2460).218

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Decisão que declarou que o cônjuge

supérstite não é herdeiro nem meeiro. Viúva que foi casada com o autor da herança

pelo regime da separação convencional Decisão que contraria a lei, em especial os

artigos 1.845 e 1829 do Código Civil. Decisão reformada Agravo provido.219

Assim, se a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, ora em referência,

gera efeitos apenas entre as partes, ainda há espaço para a intenção ora proposta: reanalisar o

tema, pois enquanto o diploma civilista se mantiver nos seus termos ora vigente esta posição

deverá ser considerada, sob pena de gerar insegurança jurídica. Pois, como Flávio Tartuce220

conclui, o referido acórdão supostamente solucionou um caso concreto, mas criou problemas

outros tantos, pela incerteza categórica que gerou, pelo que se espera que tal conclusão

permaneça sozinha e isolada.

Assim, conclui Helena de Azeredo Orselli221:

É certo que o direito à sucessão legítima não pode depender do regime de bens, pois

são institutos jurídicos distintos e independentes entre si. O regime de bens pertence

ao ramo do direito de família e cessa com a dissolução da sociedade conjugal, por

morte, separação judicial, divórcio ou anulação do casamento, enquanto que a

sucessão legítima é instituto de direito das sucessões, que decorre do óbito de uma

pessoa, e, na falta de testamento válido, a lei convoca os familiares próximos do de

cujus para receber a herança devido ao afeto que presume existir entre essas pessoas.

O direito à herança legítima não se traduz por dar maior ou menor proteção, fosse

assim filho rico não herdaria, herdariam apenas os filhos pobres, que precisassem de

ajuda econômica. A ordem de vocação hereditária espelha a vontade presumida do

morto, baseada em seus laços afetivos e não na condição econômica do herdeiro.

218 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0170132-13.2011.8.26.0000. Relator Ribeiro da

Silveira. Data de Julgamento 08/08/2012. Data de registro 9 ago. 2012. 219 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0007645-96.2011. Agravantes: Silvia Maria

Aranha Matarazzo (inventariante) e outro. Agravada: Flavia Matarazzo. Comarca: São Paulo. Rel. Des. José

Carlos Ferreira Alves. j. 04.10.2011. 220 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011. p. 1226. 221 ORSELLI, Helena de Azeredo. A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.

Revista Jurídica, v. 11, n. 21, 2007. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index. php /juridica/article/

view/442>. Acesso em: 10 ago. 2012.

Page 100: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

98

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery registram a sugestão para alteração do texto

legal, no sentido de afastar a concorrência do cônjuge, pois concluem que “essa sugestão é de

lege ferenda, porquanto de lege lata não há como escapar-se da interpretação restritiva da

expressão separação obrigatória”222 . Aliás, no mesmo sentido verifica-se a sugestão de

alteração do texto legal pelo Projeto de Lei Projeto de Lei 508, de 2007, proposto pelo

IBDFAM223.

Àquele que não deseja que seu cônjuge herde parte de seu patrimônio resta apenas a

possibilidade de limitar, mas não excluir, o direito sucessório dele, por meio de testamento, no

qual poderia dispor a parte disponível integralmente aos descendentes, garantindo, assim, que

o cônjuge apenas participe da legítima.

Diante das instabilidades das relações humanas e da imprevisibilidade da ocorrência

do óbito, é certo que nenhuma regra legal de cunho sucessório garantirá integralmente o

respeito à vontade dos nubentes e/ou a conduta mais justa com os sobreviventes. Nem mesmo

se inexistisse qualquer limite à liberdade de testar haveria a garantia de que alguém pudesse

livremente dispor dos seus bens em testamento e, com isso, alcançar plenamente seus

objetivos em relação ao seu patrimônio. Como comenta Sílvio de Salvo Venosa224, “nem

sempre essas situações que afastam o sobrevivente da herança concorrente com os

descendentes significarão sua proteção, se essa foi, como parece a intenção do legislador”,

pelo que caberá à jurisprudência e à doutrina construir as melhores diretrizes e parâmetros de

aplicação da lei.

222 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 8. ed. rev. ampl. e

atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1322. 223 Projeto de Lei 508, de 2007. (Do Dep. Sérgio Barradas Carneiro). Altera dispositivos do Código Civil,

dispondo sobre igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros de união estável.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. Esta Lei modifica disposições do Código Civil sobre igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges

e companheiros de união estável.

Art. 2º Os arts. 544, 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 e 2003 da Lei 10.406 - Código

Civil, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente;

III - ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Parágrafo único. A concorrência referida nos incisos I e II dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens

adquiridos onerosamente, durante a vigência do casamento ou da união estável, e sobre os quais não incida

direito à meação, excluídos os subrogados." (NR). (BRASIL. Projeto de Lei 508, de 2007. (Do Dep. Sérgio

Barradas Carneiro). Altera dispositivos do Código Civil, dispondo sobre igualdade de direitos sucessórios

entre cônjuges e companheiros de união estável. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/? observatorio

&proposicoes&p=3>. Acesso em: 4 fev. 2011). 224 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 143.

Page 101: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

99

Porém, o respeito ao texto legal é imperativo. E, ainda que se admita flexibilidade na

interpretação da norma em prol de uma aplicação mais justa, não se deve jamais admitir uma

interpretação contra legem. Enquanto o texto legal se mantiver vigente, nos termos em que

ora se apresenta, ao herdeiro casado no regime da separação de bens deve ser garantido seu

direito de herdar, sob pena – repita-se – de causar insegurança jurídica.

Page 102: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

100

7 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA AUTONOMIA PRIVADA

Inicialmente, registra-se que a palavra autonomia tem origem grega (autonomía) e

deriva do agrupamento das palavras autós que significa próprio, individual, pessoal,

incondicionado com o verbo nomía, cujo significado é conhecer, administrar. Como

informam André Rüger e Renata de Lima Rodrigues225, a palavra remete à ideia do poder de

se “autogovernar e, por consequência, o detentor de autonomia tem a faculdade de se reger

por um sistema de regras próprio e ter tais regras reconhecidas pelos demais”.

Os autores citados relacionam a concepção da autonomia com a da propriedade, tendo

em vista que, historicamente, o “poder de autoconformação do ser no mundo é consequência

do conhecimento do status de pessoa pelo meio social”. Há uma estreita relação entre as

ideias de autonomia, personalidade e propriedade, as quais, num tempo não tão remoto,

dividiam a humanidade entre “sujeitos-proprietários” e “indivíduos-propriedades”.

Extrai-se, deste contexto, que a autonomia era, originariamente, um instituto próprio

do direito privado, cujo âmbito de incidência estava voltado, sobretudo, para as relações

sociais de direitos reais e pessoais. Daí, de onde se constata que a propriedade privada,

possivelmente, tenha sido um dos primeiros campos de manifestação da autonomia.

Extrai-se deste contexto que a autonomia, consubstanciada pela vontade individual, foi

ganhando relevância na formatação e vigor das obrigações. André e Renata destacam ainda

que a vontade passou a ser “o substrato das relações negociais e da imperatividade das

obrigações assumidas perante terceiros” a partir do momento em que aos membros de uma

comunidade foi reconhecida a qualidade de persona, atribuindo-lhes igualdade perante a lei,

pois, afinal, se todos são iguais a heteronomia não pode interferir na esfera individual alheia.

Percebe-se, assim, que a autonomia da vontade passou a ser a primordial fonte de

dever de um indivíduo, assumindo um relevante papel nas relações obrigacionais dentro de

uma sociedade liberal. Roberta Elzy Simiqueli de Faria 226 esclarece que seu surgimento

acompanhou a evolução do comércio e da indústria, tendo como fundamento ideológico a

doutrina individualista, facilitando as transações individuais e, consequentemente, a

circulação de riquezas, especialmente, na Europa nos séculos XVIII e XIX.

225 RÜGER, André; RODRIGUES, Renata de Lima. Autonomia como principio jurídico estrutural. In: FIUZA,

César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil:

atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del

Rey, 2007. p. 4-5. 226 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.

In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito

Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 55-56.

Page 103: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

101

Conforme explica Lindajara Ostjen Couto227, a autonomia da vontade surgiu como

“resultado da filosofia jusracionalista moderna de caráter liberal, individualista e voluntarista

dos direitos subjetivos, que defendia a própria constituição do Estado como resultado de um

contrato (social)”.

Nessa época, o interesse público e o privado possuíam âmbitos bem distintos e

demarcados, o que garantia a plenitude da vontade individual. Lindajara Couto228 afirma que

“a separação entre o Estado e a sociedade civil delegava àquele o dever de manter uma

coexistência pacífica entre as duas esferas”.

Nesse sentido, afirma Luiz Fernando do Vale Almeida Guilherme, citado por Roberta

Faria229:

O interesse público materializar-se-ia justamente na garantia das condições d

exercício dos interesses privados. A tarefa do Estado, portanto, era fixar e garantir as

regras básicas do jogo econômico que se desenrolaria no mercado, mágico regulador

de todas as relações.

Ocorre que a valorização da autonomia da vontade sofreu um declínio após a Primeira

Guerra Mundial, ao final do século XIX, com a influência de obras dos autores socialistas, da

doutrina social cristã da Igreja em suas encíclicas papais e, sobretudo, da obra da sociologia

solidarista de Comte, Durkheim e seus seguidores Duguit, já no século XX, conforme informa

Lindajara Couto230, explica que com a guerra, houve um grande processo de transformação de

ordem social, política e filosófica, que foi acompanhada pela influência das grandes correntes

de pensamento, provocando o declínio do liberalismo econômico e, em contraponto, o

crescimento da preocupação com a justiça social. Todo este contexto exigiu uma nova posição

do Estado, o qual passou a intervir na esfera privada, deixando de ser mero garantidor das

relações entre particulares, o que, entre as relações contratuais, ficou conhecido como

“dirigismo contratual”, conforme noticia Roberta Elzy Simiqueli de Faria231.

227 COUTO, Lindajara Ostjen. O direito fundamental da autonomia privada no Direito de Família. Âmbito

Jurídico, Rio Grande, v. 12, n. 64, maio 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico. com.br/ site /

index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6119>. Acesso em: 21. set. 2014. 228 COUTO, op. cit. 229 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. A limitação da autonomia privada nos direitos reais e

pessoais. Revista de Direito Privado, São Paulo, n. 14, p. 281-299, abr-jun, 2003, p. 288, citado por FARIA,

Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária. In:

FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil:

atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del

Rey, 2007. 230 Idem, 2009. 231 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.

In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito

Page 104: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

102

A nova realidade exigiu a adaptação do princípio e, de forma gradual, a autonomia de

vontade perdeu sua supremacia, vindo a sofrer limitações, as quais determinaram que as

relações privadas fossem balizadas pelo interesse social e pela justiça material em detrimento

da liberdade individual, como defende Roberta Elzy Simiqueli de Faria232.

Com essa evolução, o princípio da autonomia da vontade ganhou nova feição e novas

restrições, surgindo a concepção da autonomia privada. Embora sejam tratados como

sinônimos por alguns doutrinadores possuem distinções importantes para se identificar a

extensão desta fonte formadora das relações obrigacionais, como se verifica a seguir.

7.1 Distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada

O dogma da autonomia da vontade permitiu que o ser humano fosse supervalorizado,

de modo que “o indivíduo aparece como fonte e causa final de todo o direito”233 e o Estado

tem uma interferência mínima na esfera individual, já que o homem passa a ter plena

capacidade e liberdade de contratar, de escolher o quê e com quem contratar.

Consequentemente, os indivíduos, por suas relações contratuais, estariam sujeitos apenas à

conduta e aos limites ditados pelas partes, pois a intervenção estatal na esfera privada passou

a ser restrita ou, mesmo, nula.

Neste contexto, a autonomia da vontade se consolida com um princípio formador das

relações contratuais, entendido como uma prerrogativa atribuída aos indivíduos de determinar

as regras às quais estarão submetidos em razão de um ato ou negócio jurídico, ao qual,

também por sua vontade, se dispôs a ele submetê-lo.

Francisco dos Santos Amaral Neto234 ensina que “a autonomia da vontade pode ser

entendida, então, como princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato

jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos. Tem conotação mais subjetiva,

psicológica”. À época em que a autonomia da vontade se solidificou como fonte contratual,

ela se revelou como “produto e como instrumento de um processo político e econômico

Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 57. 232 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.

In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito

Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. 233 FARIA, op. cit. p. 56. 234 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem

jurídica: perspectivas estrutural e funcional. Revista de Direito Civil, São Paulo, ano 12, n. 46, p. 10,

out./dez.1988.

Page 105: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

103

baseado na liberdade e na igualdade formal, com positivação jurídica nos direitos subjetivos

de propriedade e de liberdade de iniciativa privada”235.

É importante perceber a correlação entre a autonomia, a vontade e a liberdade para

perceber a evolução do princípio em comento.

Roberta Elzy Simiqueli de Faria 236 explica que a noção de vontade representa o

movimento psicológico destinado a um fim específico ou a uma força interior que impulsiona

o indivíduo àquilo a que se propôs para atingir os fins necessários. Isso é reconhecido

juridicamente, já que é a força motriz do sujeito de direitos para criar, modificar ou extinguir

relações jurídicas. Já a autonomia, “designa o poder de autodeterminação do homem, marcado

pela liberdade de tomar decisões”, o “poder jurígeno dos particulares”. A “liberdade

individual representaria a fruição pacífica da independência individual ou privada”, o que

determina “a possibilidade do sujeito de direitos livremente tomar decisões sem se ver

determinado pela vontade de outras pessoas”.

A autora reforça:

A liberdade de escolha ou positiva presume que o indivíduo reúna as condições

necessárias para agir, com isso, pode-se entender que o indivíduo que não possua os

meios materiais mínimos de subsistência não é livre. A capacidade de

autodeterminação do homem encontra-se condicionada a uma existência digna,

provida pelos recursos materiais mínimos necessários à sobrevivência.

Com fulcro nessas ideias, é possível entender a limitação sofrida pela autonomia da

vontade, o que fez surgir a autonomia privada.

Francisco dos Santos Amaral Neto237 afirma que a autonomia privada apresenta-se

como “poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu próprio

comportamento, ou seja, o poder de criar, nos limites legais, normas jurídicas”. Quando

comparada à autonomia da vontade, pode-se afirmar que ela apresenta uma conotação mais

objetiva, concreta e real.

César Fiuza238 esclarece a relação entre as duas concepções:

235 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem

jurídica: perspectivas estrutural e funcional. Revista de Direito Civil, São Paulo, ano 12, n. 46, p. 10,

out./dez.1988. 236 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.

In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito

Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 58-59. 237 AMARAL NETO, op. cit. p. 13. 238 FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. Rev. Atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 412.

Page 106: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

104

Difere o princípio da autonomia privada do princípio da autonomia da vontade, em

que o contrato viria de dentro para fora. Seria fenômeno meramente volitivo. Na

autonomia privada, o contrato não vem, exclusivamente, de dentro; não é fenômeno

meramente volitivo. As pessoas não contratam apenas porque desejam. A vontade é

condicionada por fatores externos, por necessidades, que dizem respeito aos motivos

contratuais.

Flávio Tartuce 239 , ao afirmar que se filia à parcela da doutrina que propõe a

substituição do princípio da autonomia da vontade pelo princípio da autonomia privada,

afirma que essa substituição é indeclinável, pois, nos dizeres de Fernando Noronha240,

[...] foi precisamente em consequência da revisão a que foram submetidos o

liberalismo econômico e, sobretudo, as concepções voluntaristas do negócio

jurídico, que se passou a falar em autonomia privada, de preferência à mais antiga

autonomia da vontade. E, realmente, se a antiga autonomia da vontade, com o

conteúdo que lhe era atribuído, era passível de críticas, já a autonomia privada é

noção não só com sólidos fundamentos, como extremamente importante.

Francisco Cláudio de Almeida Santos241, ao reconhecer a vontade como elemento

formador dos negócios jurídicos, destaca as limitações sofridas pela liberdade individual,

afirmando a “a autonomia privada confere poder às pessoas, dentro dos limites estabelecidos

pela lei, para criar normas jurídicas, sendo, assim, colocada no campo das fontes do direito”.

Ela acrescenta:

Ilimitado, portanto, não é esse poder. A autonomia privada é limitada, em princípio,

pela ordem pública, pelos bons costumes, pela função social tanto da propriedade

como dos contratos e pela boa-fé, sem precedência na enumeração desses

postulados.

Compreenda-se a ordem pública como a parte do sistema jurídico que disciplina e

protege os interesses básicos da sociedade e do Estado, de qualquer natureza. Os

bons costumes, entenda-se como um conjunto de princípios morais reconhecidos

pelo povo e revelados na conduta das pessoas, cuja violação causa repugnância e

revolta aos sentimentos de cada um. A função social significa que o exercício dos

direitos, tais como os pertinentes à propriedade e as relações jurídicas, devem

contemplar interesses dignos de tutela consoante expressa o Código Civil italiano

(art. 1.322).

[...] Agora com o novo Código Civil, a boa-fé objetiva deixou de ser um modelo

hermenêutico para tornar-se um princípio revelador de um “standart de conduta”

(Judith Martins-Costa, na citada obra)242. E, efetivamente, o art. 422 manda guardar

239 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011. p. 490. 240 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-

fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 113. 241 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene

Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 183-

209. 242 MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São

Paulo: Saraiva, 2002. Capítulo: A boa-fé como modelo: uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel

Reale.

Page 107: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

105

a boa-fé, assim na conclusão, o que abrange as tratativas, as negociações como o

nascimento dos contratos e sua execução.

Com tais considerações pretende-se registrar que o princípio da autonomia privada,

embora garanta a liberdade individual na formação dos contratos, retrata uma liberdade

assistida, já que sofre limitações, o que exige a intepretação sempre ponderada e harmonizada

diante das contradições ou incongruências contratuais. Como conclui o Francisco Cláudio de

Almeida Santos243, diante de um conflito entre qualquer princípio formadores dos contratos e

a autonomia privada, faz-se necessário procurar sempre a “harmonização de todos ou fazer

imperar aquele cuja aplicação seja mais adequada no caso concreto”.

7.2 Limites da autonomia privada no pacto antenupcial e no contrato social

Considerando o tema deste trabalho, breve anotações sobre os limites da autonomia

privada no pacto antenupcial e no contrato social devem ser ressaltadas. Para tanto,

inicialmente, remete-se aos tópicos supramencionados em que se examinou a natureza

jurídica de tais instrumentos, a fim de destacar que, embora tenham aspectos contratuais,

possuem peculiaridades que os colocam sob regras, condições e limites específicos. Mas,

também é importante ressaltar o objeto de tais instrumentos, para que se observe o limite da

autonomia privado ao qual eles estão submetidos.

Quanto ao pacto antenupcial, registra-se que ele deve versar sobre os bens, presentes e

futuros, pertencentes aos nubentes. Ou seja, ele deve versar restritamente sobre os bens244.

Sobre o tema, elucida Francisco Cláudio de Almeida Santos245:

Efetivamente, a clareza da lei não comporta interpretação diversa, o objeto do pacto

antenupcial deve centrar-se nos bens de qualquer natureza dos nubentes e futuros

esposos, presentes e futuros, compreendidos todos haveres, nos seus aspectos ativos

e passivo.

É claro que as disposições particulares sobre os bens comportam cláusulas sobre a

administração e disposição dos bens.

243 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene

Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 33. 244 Maria Berenice Dias afirma que nada impede os noivos disciplinarem também questões não patrimoniais,

pois se a lei impõe deveres e assegura direitos ao par, não há qualquer impedimento a que estipulem encargos

outros, inclusive sobre questões domésticas, tais como quem irá ao supermercado, proibição de fumar no

quarto, deixar roupas pelo chão, entre outras, as quais, embora desprovidas de força executiva judicial, ao

menos terão validade como acordo entre os nubentes. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das

famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011b). 245 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene

Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 28.

Page 108: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

106

Como já afirmado, os nubentes têm liberdade de escolher o regime de bens, para

dispor sobre regras especiais, assim como tem liberdade de simplesmente aceitar o regime

supletivo legal.

Ao escolher um regime de bens diverso do supletivo, assim como ao criar regras de

um novo regime, eles devem respeitar a ordem pública, os bons costumes, a função social

tanto da propriedade como dos contratos e a boa-fé e outros princípios particulares do Direito

de Família, conforme ensina o mesmo doutrinador. Neste sentido, inclusive, é o que dispõe o

art. 1.655 do Código Civil, ao tratar do pacto antenupcial: “nula a convenção ou cláusula dela

que contravenha disposição absoluta de lei”.

Marina Berenice Dias246 assevera:

O limite é tão só a afronta à lei (CC 2.655). Assim há restrição à autonomia da

vontade privada. E acrescenta: as restrições legais ao princípio da autonomia privada

não são enumerativas ou expressas, não devendo o intérprete confiar apenas no

direito escrito para extrair as limitações impostas aos pactuantes.

Quando se fala em ordem pública a ser respeitada, está-se dizendo que o interesse

público deve prevalecer, o que justifica a intervenção estatal como balizador da autonomia

privada. A família é reconhecida como a base de uma sociedade e, buscar o bem estar

individual é assegurar a dignidade dos sujeitos da família. Neste sentido, a intervenção estatal

no campo das relações familiares, visa a busca da promoção deste bem estar social.

Eduardo de Oliveira Leite247 é ainda mais direto, afirmando, por exemplo, que é nula a

cláusula do pacto antenupcial que altere a ordem da vocação hereditária:

Embora o legislador reconheça autonomia das partes na determinação de seus

interesses de natureza patrimonial, a liberdade concedida pela lei não é ilimitada; só

se admite convenção de acordo com a ordem pública reinante e que não contravenha

disposição absoluta de lei (art. 1.655).

A nulidade pode atingir todo o pacto antenupcial ou apenas parte dele, podendo ser

alegada por qualquer interessado, parentes, terceiros ou pelo Ministério Público.

São nulas, por exemplo, a cláusula que altere a ordem de vocação hereditária, ou a

que prive a mãe do poder parental, ou a que a prive de educar os filhos, ou, ainda, a

que impedir a qualquer dos cônjuges a administração dos bens particulares, entre

outras hipóteses contrárias ao texto legal.

246 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011b. p. 234. 247 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2005. p. 319. v. 5.

Page 109: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

107

Percebe-se, assim, que as relações familiares são balizadas pelos preceitos legais e

pelo interesse público, consagrado pelas questões de ordem pública, bons costumes e função

social. Desse modo, resta certo dizer que todo o ordenamento deve ser interpretado como

único corpo a ser respeitado.

Quanto ao contrato social de uma sociedade, reitera-se a exposição já feita alhures,

sobretudo, quanto a sua natureza jurídica e sua feição de apresentar-se como um contrato

plurilateral, os quais permitem a participação de mais de duas partes, sendo que todas elas

assumem obrigações e usufruem de direitos recíprocos, como se existisse um feixe de

obrigações entrelaçadas, e não uma contraposição de uma parte contratante perante a outra.

Essa concepção, por si só, já atrai uma série de limitações no tocante ao conteúdo das

disposições contratuais, de modo a garantir a prevalência do interesse da sociedade, e não do

interesse individual de cada sócio. O vínculo existente entre eles deverá respeitar a finalidade

comum, ainda que exista o conflito de interesse entre os envolvidos.

Outra característica inerente à sociedade limitada que impõe limites ao contrato social

diz respeito a sua natureza como sendo uma sociedade de pessoas, e não meramente de

capitais. Como já dito anteriormente, não é possível admitir regras que afastem esta natureza,

sob pena de descaracterização da sociedade limitada.

Da mesma forma que todo contrato tem como fonte a vontade individual e está sujeito

à autonomia privada, assim acontece com o contrato social, que, dentre diversas limitações,

deve respeitar a função social, como dispõe o art. 421 do Código Civil248. Não deve se prestar

às atividades abusivas nem que causem danos a terceiros.

Neste sentido, conclui Gustavo Henrique de Almeida249:

O contrato social consiste em um instituto de extrema importância para a atividade

empresária, pois, é por meio dele se exterioriza a vontade das pessoas que

contribuem com recursos e esforços para a formação de uma organização destinada

a desempenhar uma atividade fim, com o objetivo de lucro.

Os contornos impostos pela função social do contrato aos contratantes estão a todo

tempo em conflito com os direitos subjetivos exercidos ora pelos sócios, ora pela

própria sociedade, o que demanda uma definição clara do limite para os sócios que

se unem pelo contrato social e pela sociedade que age em nome próprio, mas por

meio de um administrador.

248 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

(BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 249 ALMEIDA, Gustavo Henrique. Os limites da autonomia privada nos contratos de sociedade. In:

ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 20, 2011, Belo Horizonte. Anais... Florianópolis: CONPEDI,

2011. Disponível em: <http://gustavohenriquedealmeida.files.wordpress.com/2010/12/gustavo-21.pdf>.

Acesso em: 19 out. 2014.

Page 110: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

108

Se uma das funções da função social do contrato consiste na limitação de direitos

subjetivos, temos que os sócios podem se valer do contrato para constituir uma

personalidade jurídica autônoma, sem, contudo comprometer os demais sócios ou

terceiros fora da relação societária. A sociedade, por sua vez, deve respeitar os

sócios, assim como qualquer terceiro, pois, apesar de personalidade autônoma em

relação a dos sócios, seus atos não podem prejudicar qualquer um deles, tampouco a

sociedade em geral. Sendo assim, ao contrato de sociedade se impõe um limite à

manifestação da autonomia privada, a função social.

Dentre as concepções dos direitos subjetivos, encontra-se a limitação imposta às

cláusulas do contrato social, aliás, a todos os contratos, prevista no art. 122 do Código Civil:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem

pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que

privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma

das partes.

No âmbito do contexto ora estudado, destaca-se que para as cláusulas não

compreenderem “condições não contrárias à lei” é preciso respeitar todo o ordenamento

jurídico, de modo que, se uma disposição pretende alcançar tema alheio ao Direito

Empresarial a respectiva legislação também deverá ser respeitada, como será ressaltado a

seguir quanto ao destino das quotas sociais herdadas pelo cônjuge viúvo.

Page 111: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

109

8 SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA PELO

CÔNJUGE CASADO NO REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE

BENS

Após a exposição dos institutos presentes neste tema, conforme feito alhures,

especialmente o aprofundamento da disciplina sobre da dissolução da sociedade limitada em

caso de falecimento de um sócio e a vocação hereditária do cônjuge, este estudo faz-se

maduro o suficiente para abordar e concluir como deve se dar a sucessão causa mortis de

quotas da sociedade limitada pelo cônjuge casado em regime convencional da separação de

bens.

Conforme exposto, o contrato social é o instrumento que consolida a vontade dos

sócios, de modo que é ele também que pode formatar as disposições inerentes à sucessão das

quotas em caso de falecimento de um sócio, sobre o que os sócios podem dispor da forma

como bem entenderem ou acharem que é a mais conveniente à sociedade.

Nos termos do art. 1.028 do Código Civil, o contrato social pode ou não dispor

expressamente sobre esta sucessão, estabelecendo que em caso de omissão, quando não há

disposição contratual específica, a) deve-se providenciar a liquidação das quotas que pertencia

ao sócio falecido; b) os sócios remanescentes podem optar pela dissolução total da sociedade;

ou c) os sócios podem, por acordo com os herdeiros, ajustar a substituição do sócio na

sociedade; ou, d) ainda, podem dispor especificamente no contrato social exatamente o que

pretendem que aconteça com as quotas e/ou com a sociedade.

Registra-se que, até algum tempo, a dissolução da sociedade por inteiro com o

falecimento de um dos seus sócios era a regra, salvo se o contrato da sociedade não previsse

expressamente a continuidade da empresa. Todavia, conforme explica Leopoldo Nicoli250 há

muito tempo a doutrina e a jurisprudência (REsp 846.331/RS, Rel. Ministro Luis Felipe

Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/03/2010, DJe 06/04/2010) deixaram de adotar essa

posição, em função do princípio da preservação e da função social da empresa, transformando

o falecimento de um sócio em uma causa de rompimento parcial dos vínculos contratuais da

sociedade da qual ele participava.

Para que os sócios possam dispor no contrato social sobre o destino das quotas daquele

sócio que venha a falecer, é necessária a completa compreensão sobre os limites destas

250 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:

um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 35.

Page 112: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

110

disposições, pois, as disposições de cunho sucessório são normas cogentes e, portanto, a mera

vontade dos sócios não pode prevalecer ou modificá-las.

Como mencionado alhures, a adoção do regime de separação de bens, previsto nos

artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil tem sido cada vez mais frequente – por diversas razões,

cuja análise não está compreendida pelo escopo deste trabalho –, especialmente por aqueles

que exercem atividades empresariais. Esse regime apresenta-se como aquele que possui

menor intervenção estatal, sendo, portanto, mais compatível com a dinâmica da atividade

empresarial.

É certo que o Direito de Família nas sociedades ocidentais atravessa, nas últimas

décadas, um momento bastante curioso, como comenta Otávio Luiz Rodrigues Junior251.

Constata-se que elementos ligados à tradição judaico-cristã, que outrora representavam

fundamentos metajurídicos dos institutos jurídicos desta seara, estão sendo abandonados. Por

exemplo, jamais se entendeu ser necessário, por exemplo, positivar a monogamia em texto

constitucional ou legal, já que parecia ser uma consequência natural e essencial do casamento.

Contudo, atualmente, já estuda-se o chamado poliamor e também a eficácia jurídica de

relacionamentos que envolvam duas ou mais pessoas, como a dupla maternidade ou

paternidade.

Percebe-se, assim, que a legislação, sua interpretação e sua aplicação na seara do

Direito de Família, tem evoluído sob novas perspectivas. Por um lado, verifica-se o abandono

de parâmetros formais e tradicionais de cunho religioso, valorizando-se a vontade e a livre

escolha dos envolvidos na relação, o que, por conseguinte, caracteriza menor intervenção

Estatal. Porém, por outro lado, há também uma maior cautela do Estado em regulamentar as

relações, para que sejam evitados o desamparo material e o desequilíbrio ou injustiça na

partilha de bens. Constata-se a intenção de valorizar o afeto como elemento metajurídico dos

direitos patrimoniais das relações familiares, mas também há a intenção de reduzir a

intervenção estatal em um âmbito essencialmente desenhado por fatos pessoais, pela

intimidade dos envolvidos e por sentimentos que, muitas vezes, nem eles saberiam justifica-

los.

Aliás, a instabilidade da interpretação e da aplicação das regras de Direito de Família e

de Direito das Sucessões reside, sobretudo, na imprevisibilidade dos sentimentos e da

ocorrência da morte. O sentimento identificado pelo título do relacionamento (por exemplo, o

251 RODRIGUES JÚNIOR. Otavio Luiz. Limites da intervenção judicial na separação de bens.

Revista Consultor Jurídico. 2012. Disponível em <http:// http://www.conjur.com.br/2012-out-10/direito-

comparado-limites-intervencao-judicial-separacao-bens#author>. Acesso em: 10 out. 2014.

Page 113: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

111

amor de pai com o filho ou da esposa pelo marido) e a (des)ordem natural da vida são

suficientemente incompreensíveis e imprevisíveis, a ponto de ser impossível que o legislador

seja exaustivo na disciplina das relações familiares.

Talvez, uma opção simples para minimizar esta insegurança seria reduzir a zero a

intervenção estatal na relação patrimonial dos cônjuges, permitindo-lhes que disponham

livremente no pacto antenupcial, inclusive, sobre disposições de cunho sucessório. Porém,

possivelmente, isto também não evitará que casos contratos comprovem que esta fórmula não

seja melhor.

Dentro do âmbito empresarial, essa instabilidade pode causar danosa consequência.

Como comenta Otávio Luiz Rodrigues Junior252, um divórcio – acrescenta-se, e uma disputa

de herança – pode gerar mais impacto em uma grande empresa do que uma queda brusca de

suas ações na Bolsa de Valores. Autores como Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede253

já publicaram trabalhos que demonstram esta intrínseca relação entre o Direito Empresarial, o

Direito de Família e o Direito das Sucessões, identificando detidamente o vasto cardápio de

fraudes e artifícios usados para reduzir ao mínimo o patrimônio alvo da partilha em casos de

divórcios.

Verifica-se, por exemplo, que de forma cada vez mais frequente, pessoas jurídicas têm

servido como instrumento de fraude, de modo que a forma societária está se prestando para

desviar o preceito de ordem pública que determina absoluta intangibilidade da legítima.

Porém, qualquer tentativa de arranjos societários que visem burlar regras de Direito de

Família ou de Direito Sucessório, podem configurar fraude, provocando a aplicação da teoria

da desconsideração da pessoa jurídica, nos termos do artigo 50 do Código Civil, a qual, neste

contexto, é dada o nome específico de disregard. Como esclarece Maria Berenice Dias254255,

este instituto passou a ser utilizado nesta seara com o objetivo de coibir indevida vantagem

patrimonial do consorte empresário em detrimento do outro, tanto para evitar a divisão de

bens quando do divórcio como para favorecer determinados herdeiros em detrimento de outro.

Diante deste quadro, admitir intepretações e aplicações contra legem é agravar ainda

mais essa instabilidade na aplicação da lei. Respeitar o ordenamento jurídico vigente é medida

imperiosa, quiçá, única alternativa para garantir aos envolvidos (aos sócios e aos cônjuges)

252 RODRIGUES JÚNIOR. Otavio Luiz. Limites da intervenção judicial na separação de bens.

Revista Consultor Jurídico. 2012. Disponível em <http:// http://www.conjur.com.br/2012-out-10/direito-

comparado-limites-intervencao-judicial-separacao-bens#author>. Acesso em: 10 out. 2014. 253 MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Empresas familiares: administração, sucessão e

prevenção de conflitos entre sócios. São Paulo: Atlas, 2012. 254 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011b. p. 335. 255 DIAS, op. cit. p. 241.

Page 114: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

112

um mínimo de segurança e previsibilidade dos efeitos advindos das relações que vierem a

firmar. Reconhecer os limites é a única forma de adequar a vontade ao resultado.

Sendo assim, a intenção deste trabalho é exatamente reconhecer os limites legais

existentes na legislação ora vigente para verificar as possibilidades disponíveis aos sócios que

queriam disciplinar a sucessão causa mortis das quotas de um sócio que seja casado no

regime da separação de bens.

Para reforçar a compreensão dessas possibilidades, é necessário retomar a concepção

sobre o a natureza do patrimônio de uma sociedade jurídica, o qual é formado por meio da

transferência do patrimônio particular do sócio, no ato da integralização do capital social. Isto

é, o sócio, quando ingressa numa sociedade, transfere um bem que lhe pertence a ela para, em

troca, receber quotas. Estas quotas possuem conteúdo de duas naturezas. Primeira, de direito

patrimonial que está ligado ao valor econômico, abrangendo o valor pecuniário que elas

representam e a percepção de lucros, os quais serão transmitidos por herança. Segunda, de

direito pessoal inerente à condição de sócio, que assegura o direito de participar e de opinar

sobre as decisões ligadas à administração da sociedade.

Considerando as quatro possíveis consequências de destino das quotas em caso de

falecimento dos sócios, conforme informado anteriormente, observa-se que se houver a

liquidação das quotas ou se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade,

não há que se falar em sucessão da condição de sócio. Enquanto que, se assim dispuser o

contrato ou se, por acordo com os herdeiros, se fizer permitir, será possível um ou alguns

herdeiros sucederem tal posição ou, até mesmo, a substituição por um terceiro, o qual

ingressará mediante pagamento das quotas aos herdeiros.

Essa distinção é bastante importante para a identificação do que pode e/ou deve ser

inventariado.

Como cediço, o fim da personalidade humana impõe a transmissão, de imediato256, de

todos os seus bens, direitos e obrigações, os quais se trasmudam em uma massa de bens sobre

a qual tem direito os herdeiros, meeira(o) e legatários do de cujus. Do mesmo modo ocorre

com as quotas sociais do sócio falecido, que são integrantes do patrimônio deixado.

O conteúdo econômico das quotas representa um bem de propriedade do sócio, cujo

valor patrimonial necessariamente deverá ser inventariado e partilhado entre os herdeiros, já

256 Código Civil, art. 1.784: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e

testamentários. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 115: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

113

que a herança é um direito constitucionalmente garantido, ex vi art. 5º, inciso XXX, da

Constituição Federal.

Todavia, o mesmo não acontece com o status socii, isto é, com o direito pessoal

inerente às quotas. Há um liame que converge os interesses dos sócios, chamado de affectio

societatis, o qual, numa sociedade limitada, se estabelece pelos aspectos pessoais dos sócios.

Em ocorrendo o falecimento de um deles, não há como impor que esta convergência se dê

com os herdeiros, justificando, assim, a possibilidade de não se exigir que o status socii

também seja herdado. Neste caso, o impedimento da entrada do herdeiro do sócio falecido

está, portanto, ligado à quebra do affectio societatis, não obstante, ainda assim, lhe esteja

garantido o pagamento dos valores pecuniários advindos daquelas quotas, para o que será

necessário prosseguir com o procedimento da dissolução parcial, seguido da apuração de

haveres.

Conforme explica Cristiano Graeff Jr.257 sobre status socii, “o cônjuge admitido pela

sociedade é que goza desse estado, e o casamento, qualquer que seja o respectivo regime de

bens, não o comunica ao outro cônjuge”. Ao citar Antonio Brunetti258, ele acrescenta que “o

conceito de status compreende uma série de relações unidas e independentes formando um

ajustado ordenamento, que não corresponde a uma relação singular e nem tampouco se

circunscreve ao conceito de titularidade”.

Percebe-se, assim, que o status de sócio é conferido ao cônjuge admitido pela

sociedade, mas, por ter caráter personalíssimo, não se comunica ao seu cônjuge ou ao

companheiro em razão da affectio maritallis ou por consequência do regime de bens. A

apuração do valor das quotas só terá lugar na dissociação parcial ou total da sociedade

mercantil.

Todavia, com ou sem previsão contratual, havendo ou não a sucessão do status socii¸ a

identificação daqueles que podem realmente pleitear quaisquer direitos advindos do

falecimento de um sócio é de crucial importância para a gestão de uma sociedade.

A constituição e a administração de uma sociedade limitada estão intimamente ligadas

à vontade de seus sócios que, inevitavelmente, é determinada por suas características pessoais.

Como já mencionado, a presença, a ausência e a substituição de um determinado sócio

constituem fatos de muita relevância para o destino de uma sociedade, pois um mero voto ou

um mero comportamento de um dos seus sócios é capaz de alterar sua gestão, sua produção e

257 GRAEFF JÚNIOR, Cristiano. Compêndio elementar das sociedades comerciais. Porto Alegre: Liv. do

Advogado, 1997, p. 302/304. 258 BRUNETTI, Antönio. Trattat del Diritto dele Società. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1946 In: GRAEFF JÚNIOR,

Cristiano. Compêndio elementar das sociedades comerciais. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1997.

Page 116: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

114

seus resultados. Neste sentido, dispor sobre as consequências das quotas em caso de

falecimento do sócio, embora não seja regra, pode evitar batalhas judiciais infindáveis, que,

muitas vezes, bloqueiam o dinamismo da atuação empresarial, impedindo seu crescimento.

Para dispor sobre o tema, os sócios precisam estar certos das regras de Direito

Sucessório, pois elas serão as principais balizadoras de suas disposições. Afinal, eles podem

dispor como bem lhes convier, mas devem sempre respeitar as normas cogentes e preceitos de

ordem pública, dentre elas as advindas do Direito das Sucessões, em especial as regras de

vocação hereditária.

Considerando a frequente adoção do regime da separação de bens compatibilizada

com os arranjos societários, mister esclarecer ao mundo empresarial qual é o direito

sucessório do cônjuge sobrevivente perante a legislação brasileira atualmente vigente.

Como exposto no capítulo anterior, o cônjuge casado no regime convencional da

separação de bens deve sim ser considerado um herdeiro – frisa-se, herdeiro necessário, nos

termos do art. 1.845 do Código Civil – pelo que sempre participará da sucessão causa mortis

do cônjuge falecido. Qualquer interpretação em contrário fere a unicidade do Direito

Sucessório e deve ser afastada, sob pena de considerar-se nula.

Obrigatoriamente, os sócios, ao disporem sobre o tema em contrato social ou suas

respectivas alterações, devem respeitar esse direito. Neste caso, somente serão admitidas

restrições ao direito hereditário do cônjuge que sejam possíveis ao direito hereditário de

descendentes ou ascendentes. Isto é, aquelas que respeitem o direito deles – dos herdeiros

necessários – à legítima.

Nos termos do art. 1.857259, qualquer pessoa pode dispor de todos os seus bens em

vida, respeitando a metade deles que é garantida aos herdeiros necessários. Neste sentido, se

for do interesse do(a) sócio(a) casado no regime convencional de bens excluir seu(sua)

consorte da sucessão de suas quotas, é possível dispor em seu testamento este desejo, desde

que ele possua outros bens que representem, no mínimo, o mesmo valor das quotas, para que

lhe seja assegurada sua participação na legítima.

Ao mesmo tempo, o contrato social da sociedade pode reiterar a mesma vontade,

dispondo em suas cláusulas a mesma restrição, confirmando, assim, o desejo do sócio de não

259 Código Civil: Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de

parte deles, para depois de sua morte.

§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.

§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas

se tenha limitado. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).

Page 117: A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE

115

ser sucedido na sociedade por seu cônjuge, com quem seja casado no regime em comento,

desde que, repita-se, esteja respeitada a legítima.

Ressalta-se que a disposição desta restrição no contrato social, sem que esteja prevista

no testamento, mesmo que respeitada a legítima, não poderá prevalecer, já que somente o

próprio sócio e testador tem legitimidade para dispor sobre seus bens. O contrato social é a

expressão da vontade da sociedade, formada pelo conjunto da vontade de seus sócios, mas

que não se equipara à vontade individual, intrasferível e insubstituível do sócio como testador.

A situação é exemplificada por Marco Antônio Karam Silveira citado por Leopoldo

Nicoli260:

[...] o sócio de sociedade limitada, titular de “patrimônio” “x” (entendendo-se

patrimônio, aqui, como monte líquido partilhável) pode vedar o pagamento de

haveres ou qualquer tipo de participação dos herdeiros na sociedade à qual pertença,

desde que as quotas desta sociedade representem “x/2”, ou seja, metade de seu

“patrimônio” (monte líquido partilhável). A outra metade, tida como legítima, será

herdada pelos herdeiros do sócio. Desse modo, como dito, respeita-se o direito

hereditário e resguarda-se a integridade patrimonial da sociedade.

Registra-se que neste tema não é possível sustentar que a autonomia da vontade dos

sócios justificaria qualquer disposição contratual. Como foi abordado alhures, a feição atual

deste princípio exige sua mitigação, que atrai o reconhecimento de seus limites, dentre eles o

respeito às regras de ordem pública, ainda que alheias ao Direito Empresarial ou Direito

Societário. A autonomia privada garante a livre exposição de vontade dos nubentes e dos

sócios, mas impede que ela seja exercida ilimitadamente e, portanto, exige o respeito às regras

de Direito Sucessório.

Neste sentido também, se verifica a impossibilidade de dispor especificamente no

pacto antenupcial sobre quaisquer restrições ao direito sucessório do cônjuge, pelas razões

expostas ao longo deste trabalho, destacando três delas: a uma, por que não é admissível

regras que contrariem preceitos de ordem pública, dentre eles, regras de ordem de vocação

hereditária261; a duas, que o pacto não pode dispor sobre herança, já que isso é vedado pelo

260 SILVEIRA, Marco Antônio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada: tutela da empresa, dos

sócios e de terceiros. Porto Alegre: Liv. dos Advogados, 2009, p. 97, citado por NICOLI, Leopoldo da

Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio: um embate entre o

direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton

Campos, Nova Lima. 261 Neste sentido, como já informado anteriormente, posiciona-se objetivamente Eduardo de Oliviera Leite (vide

nota 246), que afirma que são nulas a cláusula de pacto antenupcial que altere a ordem de vocação

hereditária.

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116

art. 426 do Código Civil262; e a três, em razão do fato de que a sucessão é regida pela lei

vigente à abertura da sucessão, nos termos do art. 1.787 do Código Civil263, sendo impossível

que um contrato anterior altere regras dispostas em lei.

Outra possibilidade pode ser criada valendo-se da previsão do art. 1.056, §1º do

Código Civil264, que estabelece um condomínio de quotas – isto é, serão elas possuídas por

mais de uma pessoa –, porém, somente o representante poderá exercer os direitos inerentes a

elas. Isso permite que seja restringida a participação do cônjuge viúvo, estabelecendo-se

disposições contratuais que exijam o condomínio das quotas com os descendentes herdeiros,

os quais passariam a ter o direito de voto.

Nada impede, ainda, que sejam dispostas regras sobre como deverão as quotas ser

liquidadas, os critérios a serem utilizados para a apuração de haveres e o período a que se

deve respeitar para efetivar a sucessão/substituição do sócio falecido no quadro societário,

dentre diversas outras possibilidades que, em nenhum ponto, possam ofender o direito à

legítima do cônjuge viúvo.

Conclui-se, assim, que, sendo o cônjuge viúvo casado no regime convencional da

separação de bens herdeiro legítimo e necessário, ele não poderá ser excluído da sucessão do

cônjuge/sócio falecido e, portanto, não poderá ser impedido de suceder às quotas sociais – no

mínimo, quanto ao conteúdo patrimonial –, que eventualmente sejam de propriedade do sócio

falecido. É possível, contudo, que haja restrições ou regulamentações deste direito, desde que

respeitada a legítima que será contemplada por outros bens ou ainda.

262 Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de

2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03 /leis/2

002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 263 Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela. 264 Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, caso em que se

observará o disposto no artigo seguinte.

§ 1o No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo

condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido.

§ 2o Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente

pelas prestações necessárias à sua integralização. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o

Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13

jul. 2013)

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117

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se analisa o tipo societário mais comum no mercado brasileiro, a sociedade

limitada, verifica-se que o liame da comunhão de esforços e objetivos entre os sócios,

definidor do affectio societatis, consolida-se com a atração das características pessoais e dos

objetivos comuns entre aqueles que unem esforços para a produção, circulação ou prestação

de serviços, os quais se organizam sob a constituição de um patrimônio autônomo e distinto

daquele que seja pessoal a cada sócio.

Constata-se, assim, que a presença, ou a ausência, de determinado sócio em uma

sociedade limitada é fato determinante em sua gestão, pelo que o falecimento de algum pode

causar consequências danosas. Em sendo assim, no contrato social sobre o destino das quotas

de uma sociedade limitada em caso de falecimento de um sócio é medida que se impõe para

assegurar a preservação da atividade empresarial.

O falecimento de um sócio é, em regra, causa de dissolução parcial de uma sociedade

limitada. Porém, o art. 1.028 do Código Civil permite que o contrato social disponha

especificamente sobre o que deve ocorrer com as quotas e/ou com a sociedade, estabelecendo

que em caso de omissão, quando não há disposição contratual específica: deve-se

providenciar a liquidação das quotas que pertencia ao sócio falecido; os sócios remanescentes

podem optar pela dissolução total da sociedade; os sócios podem, por acordo com os

herdeiros, ajustar a substituição do sócio na sociedade; e os sócios podem dispor

especificamente no contrato social exatamente o que pretendem que aconteça com as quotas

e/ou com a sociedade.

Não obstante a referida permissão legal, os sócios não podem, livre e arbitrariamente,

dispor no contrato social o que melhor lhes convier sobre a sucessão das quotas em caso de

falecimento, pois, afinal, neste caso, regras atinentes ao Direito das Sucessões e de Direito de

Família devem ser respeitadas.

Neste sentido, observa-se que, dentre as opções de regime de bens disponíveis na

legislação para que seja escolhido pelos nubentes ao se casarem, verifica-se que a escolha

pelo regime da separação de bens, em algumas oportunidades, se dá por ser o regime com a

menor intervenção estatal, o que garante autonomia patrimonial aos cônjuges, apresentando-

se compatível com a dinâmica das atividades empresariais.

Sendo, portanto, um regime de bens cada vez mais frequente no meio empresarial,

analisar a sucessão causa mortis das quotas de um sócio que tenha sido casado no regime

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convencional da separação de bens é medida que se impõe na busca pela previsibilidade e

segurança do sucesso do planejamento societário e sucessório de uma sociedade limitada.

Nos termos da lei vigente, é cediço que o regime da separação de bens pode ser

estabelecido em um casamento por força de disposição legal – quando se subsome às

situações estabelecidas no art. 1.641, do Código Civil −, ou por vontade dos nubentes –

quando livremente optam, por meio da lavratura da escritura do pacto antenupcial. Neste

regime, é estabelecida a completa distinção de patrimônios dos dois cônjuges, não se

comunicando o patrimônio anterior nem o posterior ao casamento, assim como não havendo

comunhão dos frutos e aquisições, permanecendo cada qual na propriedade, posse e

administração de seus bens.

Ressalta-se que quando se fala em comunhão de bens diz-se que o regime de bens

garante a cada um dos cônjuges direito à meação, que corresponde à metade do patrimônio

comum, e revela um estado de indivisão do patrimônio, o que é denominado de

“mancomunhão” (“comunhão de mão comum”), sendo certo que este direito advém do regime

adotado e desde sua adoção, ou seja, desde a celebração do casamento. Eventual dissolução

do casamento apenas dissolve o estado de indivisão do patrimônio, permitindo a

discriminação e a individualização dos bens correspondente a cada um.

A identificação do regime de bens e, por conseguinte, do direito à meação é medida

necessária para reconhecer, respectivamente, a vocação hereditária do cônjuge viúvo e o

patrimônio a ser partilhado. Isso porque o artigo 1.829 do Código Civil, ao estabelecer quem

são as pessoas que devem ser chamadas a receber uma herança, criou uma ordem de

prioridade, pela qual, nos três primeiros lugares, verifica-se a presença do cônjuge, da

seguinte forma: primeiro, seriam chamados os descendentes em concorrência com o cônjuge

sobrevivente, a depender do regime de bens; segundo, ascendentes em concorrência com o

cônjuge; e terceiro, o cônjuge sozinho.

A presença do cônjuge nas três hipóteses se dá por força do art. 1.845 do Código Civil,

que definiu o cônjuge como herdeiro necessário – assim como o fez com os descendentes e os

ascendentes –, o que quer dizer que a ele é garantido direito à legítima, independentemente do

regime de bens vigente no casamento, não podendo ser excluído, salvo nos casos de

indignidade e deserdação.

Ao vincular o regime de bens ao direito de participar da sucessão do cônjuge falecido,

o legislador exige do intérprete e aplicador da lei que entenda nitidamente a distinção entre

meação e herança, pois as hipóteses de concorrência do cônjuge com os descendentes (art.

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119

1.829, inciso I, do Código Civil) se define, em regra, exatamente de modo inverso; isto é,

onde há meação não há herança e onde há herança não há meação.

A meação é preexistente à morte, decorrendo tão somente do regime de bens escolhido

pelos nubentes, imposto ou presumido por lei no momento da celebração do casamento. Já a

herança decorre da sucessão hereditária e deverá respeitar a vocação hereditária advinda da

lei. Em regra, o cônjuge que tenha direito à meação já o tem mesmo enquanto vivos forem os

cônjuges, mesmo na vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, successionis

causa.

Neste sentido, salvo casos de deserdação e indignidade, o regime da separação de

bens, que não garante a meação aos cônjuges em vida, assegura o direito à herança em razão

da morte de um deles.

É cediço que a redação do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil, ao dispor que a

sucessão legítima defere-se, em primeiro lugar, “aos descendentes, em concorrência com o

cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,

ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da

comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”, foi infeliz e vem

dando força à forte celeuma doutrinária e jurisprudencial quanto à vocação hereditária do

cônjuge casado no regime da separação de bens. Mas há de se perquirir a real intenção do

legislador, bem como discernir os institutos jurídicos envolvidos, a fim de garantir segurança

jurídica, justiça e coerência na aplicação da lei.

Com base nesse contexto, é necessário respeitar a racionalidade do legislador,

pautando-a no princípio da hermenêutica jurídica, trazendo à baila as seguintes premissas: não

há palavras inúteis na lei; o intérprete não está autorizado a fazer distinção nas situações em

que o texto legal não o faz; e as exceções devem ser interpretadas restritivamente.

Assim, se o cônjuge, independentemente do regimente de bens, é herdeiro necessário

por definição do artigo 1.845 do Código Civil e deve concorrer, em regra, em primeira ordem

de chamamento, qualquer exceção deve ser interpretada nos exatos termos da lei. Se o texto

legal ressalva o cônjuge casado no regime da “separação obrigatória”, será apenas essa a

hipótese, a qual corresponde à hipótese em que o regime da separação de bens tenha se dado

por imposição legal, expressa no artigo 1.641 do Código Civil265.

Se nas demais possibilidades de vocação hereditária do cônjuge (incisos I e II do

artigo 1.829 do Código Civil) não há qualquer vinculação ao regime de bens é porque o

265 A remissão do texto da lei ao artigo 1.640 foi equivocada.

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120

legislador, definitivamente, não quis vincular o interesse dos nubentes acerca da

incomunicabilidade dos bens em vida à partilha de bens após a morte.

Por uma interpretação sistêmica, percebe-se nitidamente que o legislador quis

beneficiar o cônjuge, independente do regime de bens. O inciso I do artigo 1.829 do Código

Civil utiliza-os somente como critério para identificar quando se dará a concorrência, ou não,

com os descendentes, a fim de evitar que, nesse caso, ele receba duas vezes, partindo da

premissa de que quem recebe meação não deve receber herança e quem não a tem deverá

herdar. Reforça-se, ainda, que a vocação hereditária advém da lei e que sob nenhuma hipótese

pode estar submissa à vontade dos nubentes.

Pondera-se ainda, e com verdadeiro vigor, que o interesse na incomunicabilidade de

bens pode estar direcionado tão somente à hipótese do rompimento do casamento em vida,

quando já não há mais o affectio maritatis e há a intensa dificuldade em distinguir

sentimentos de aspectos patrimoniais.

Reconhecida a vocação hereditária do cônjuge que foi casado no regime convencional

da separação de bens – pois qualquer interpretação contrária deve ser considerada contra

legem –, é imperioso reconhecer que este é um dos limites a serem respeitados pelos sócios ao

disporem sobre o destino das quotas em sucessão causa mortis. Pois, para que disponham

sobre este tema no contrato social, é necessária a completa compreensão sobre os limites

destas disposições, já que as disposições de cunho sucessório são normas cogentes. Portanto,

a mera vontade dos sócios não pode prevalecer ou modificá-las.

É certo que o Direito de Família nas sociedades ocidentais atuais tem atravessado um

momento de mudanças, pelo qual se verifica o abandono de parâmetros formais e tradicionais

de cunho religioso, valorizando-se a vontade e a livre escolha dos envolvidos na relação, o

que, por conseguinte, caracteriza menor intervenção Estatal. Todavia, ao mesmo tempo,

verifica-se também maior cautela do Estado em regulamentar as relações, para que sejam

evitados o desamparo material e o desequilíbrio ou injustiça na partilha de bens. Constata-se,

ao mesmo tempo, intensa preocupação do legislador e do aplicador do Direito em valorizar o

afeto como elemento metajurídico dos direitos patrimoniais das relações familiares, mas

também está presente a intenção de reduzir a intervenção estatal em um âmbito

essencialmente desenhado por fatos pessoais, pela intimidade dos envolvidos e por

sentimentos que, muitas vezes, nem eles saberiam justifica-los.

Aliás, a instabilidade da interpretação e da aplicação das regras de Direito de Família e

de Direito das Sucessões reside, sobretudo, na imprevisibilidade dos sentimentos e da

ocorrência da morte. O sentimento identificado pelo título do relacionamento (por exemplo, o

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121

amor de pai com o filho ou da esposa pelo marido) e a (des)ordem natural da vida são

suficientemente incompreensíveis e imprevisíveis, a ponto de ser impossível que o legislador

seja exaustivo na disciplina das relações familiares.

Exatamente por isso, admitir a aplicação da lei de forma contrária ao que está expresso

causa ainda mais insegurança. E, no campo das relações empresariais, instabilidade e

imprevisibilidade são dois fatores capazes de causar danosas consequências.

Desse modo, mesmo amparado pelo princípio da autonomia privada, enquanto

estiverem vigentes os dispositivos legais a que se fez referência neste trabalho, não é possível

afastar o direito sucessório do cônjuge que foi casado no regime convencional da separação

de bens, mesmo que por disposição expressa no pacto antenupcial, o qual também não pode

ofender normas cogentes como as que tratam sobre a vocação hereditária.

Aliás, registra-se a impossibilidade de dispor especificamente no pacto antenupcial

sobre quaisquer restrições ao direito sucessório do cônjuge, pelas razões expostas ao longo

deste trabalho, destacando três delas: a uma, por que não se admitem regras que contrariem

preceitos de ordem pública, dentre elas regras de ordem de vocação hereditária; a duas, que o

pacto não pode dispor sobre herança, já que isso é vedado pelo artigo 426 do Código Civil; e

a três, em razão do fato de que a sucessão é regida pela lei vigente à abertura da sucessão, nos

termos do artigo 1.787 do Código Civil, sendo impossível que um contrato anterior altere

regras dispostas em lei.

Admitem-se, todavia, algumas limitações na sucessão das quotas da sociedade

limitadas, haja vista que, por possuírem conteúdo de direito patrimonial e de direito pessoal,

podem distinguir o destino delas sobre cada um destes aspectos. Isto é, o direito patrimonial

revela o conteúdo econômico das quotas, o qual revela essencialmente o que deve compor o

acervo patrimonial a ser inventariado e partilhado em caso de falecimento. Porém, o direito

pessoal, revelador do status socii, como a própria denominação indica, é inerente à condição

de sócio, e assegura o direito de participar e de opinar sobre as decisões ligadas à

administração da sociedade. Neste caso, quando se trata de sociedade limitada, são as

características personalíssimas – e, portanto, insubstituíveis e insucessíveis – que garantem o

gozo deste direito, permitindo que seja restringindo em caso de falecimento do sócio.

Também é possível que, por meio de testamento, com respaldo no artigo 1.857 do

Código Civil, o sócio afaste a sucessão do cônjuge, dispondo que sua legítima deva ser

recebida em outros bens que não as quotas, devendo, para tanto, ratificar a mesma intenção no

contrato social. Entretanto, nesta hipótese o sócio, necessariamente, deverá ter deixado outros

tantos bens que bastem à satisfação da quota hereditária do cônjuge sobre a legítima.

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122

Outra restrição pode ser criada valendo-se da previsão do artigo 1.056, §1º, do Código

Civil, que estabelece um condomínio de quotas, por meio do qual somente o representante

poderá exercer os direitos inerentes a elas, permitindo que se restrinja a participação do

cônjuge viúvo.

Nada impede, ainda, que sejam dispostas regras sobre como deverão as quotas ser

liquidadas, os critérios a serem utilizados para a apuração de haveres e o período a que se

deve respeitar para efetivar a sucessão/substituição do sócio falecido no quadro societário,

dentre diversas outras possibilidades que, em nenhum ponto, possam ofender o direito à

legítima do cônjuge viúvo.

Contudo, vale destacar que tais restrições são possíveis não porque contemplem

cônjuges casados em regime convencional da separação de bens, mas, sim, porque são

admitidas a todos os herdeiros necessários – inclusive os descendentes ou ascendentes −, isto

é, aqueles que respeitam o direito deles (dos herdeiros necessários) à legítima.

Conclui-se que o cônjuge viúvo que tenha sido casado no regime da separação

convencional de bens tem direito à herança sobre os bens deixados por seu cônjuge falecido,

sendo, inclusive, herdeiro necessário, o que lhe assegura jamais ser excluído da sucessão

hereditária, salvo em casos de deserdação e indignidade. O pacto antenupcial e o contrato

social devem respeitar normas cogentes. Portanto, não podem ofender regras sobre a vocação

hereditária. Por meio de testamento e/ou do contrato social, poderão ser dispostas restrições,

como as mencionadas acimas, mas que sejam aplicáveis a todos os herdeiros necessários.

Respeitar o ordenamento jurídico vigente é medida imperiosa, quiçá, a única

alternativa para garantir aos envolvidos (aos sócios e aos cônjuges) um mínimo de segurança

e previsibilidade dos efeitos advindos das relações que firmarem. Somente dessa maneira é

possível viabilizar que a legislação vigente seja respeitada, afastando interpretações

condicionadas ao caso concreto e às intepretações subjetivas, permitindo alcançar segurança

jurídica e coerência na aplicação da lei. Reconhecer os limites é a única forma de adequar a

vontade ao resultado.

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123

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Tribunal de Justiça.

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