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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES
A SUCESSÃO CAUSA MORTIS
DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO
NO REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS
Nova Lima
2014
DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES
A SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS
DA SOCIEDADE LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME
CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito da Faculdade
de Direito Milton Campos, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em Direito
Empresarial.
Área de concentração: Direito Empresarial
Orientador: Professor Doutor Salomão de Araújo
Cateb
Nova Lima
2014
SALLES, Diana Nacur Nagem Lima
S168 s A sucessão causa mortis de quotas da sociedade limitada pelo cônjuge casado no
regime convencional da separação de bens./ Diana Nacur Nagem Lima Salles – Nova Lima:
Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2014.
132 f. enc.
Orientador: Prof. Dr. Salomão de Araújo Cateb
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de
concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.
Referências: f. 122-130
1. Regime da separação convencional de bens. 2. Vocação hereditária do cônjuge. 3.
Sucessão causa mortis das quotas de sociedade limitada. 4. Contrato social. I. Cateb,
Salomão Araújo. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título.
CDU 347.724 (043)
347.627
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada: “A sucessão causa mortis de
quotas da sociedade limitada pelo cônjuge
casado no regime convencional da separação de
bens”, elaborada por DIANA NACUR NAGEM
LIMA SALLES para exame da banca constituída
pelos seguintes professores:
________________________________________
Prof. Dr. Salomão Araújo Cateb
Orientador
________________________________________
Prof. Dr.
________________________________________
Prof. Dr.
Nova Lima, ______,________________,2014 Alameda da Serra , 61, Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900.
A minha mãe e a minha avó Lucy,
minhas inspirações na busca incessante pelo estudo e pelo trabalho.
AGRADECIMENTO
Ao Gustavo, meu amor, meu apoio, meu amuleto, meu amparo, minha força, meu esteio, por
entender que seria possível ter um casamento sólido mesmo tendo uma esposa nem sempre
presente. Por me ajudar a superar o pesadelo do passado a cada vez que adentramos em uma
estrada – o que, para este trabalho, ocorreu, aproximadamente, cento e noventa e duas vezes.
Por, além de aceitar, incentivar minha incessante busca por conquistas que me permitam olhar
para nossa trajetória e dizer “Valeu a pena”!
A minha mãe e a minha avó, por todos os ensinamentos, os quais me permitiram enfrentar os
obstáculos que sua repentina e destruidora partida me causou: sofrimento e aprendizados
imensuráveis.
Ao professor Salomão Cateb, que, mesmo no momento de maior dor, me ajudou a aprender e
a me dedicar com paixão ao Direito das Sucessões.
Ao “MM. Rafa”, parceiro de trabalho, confidente de vida, pelos inúmeros e incansáveis
debates jurídicos, dentre os quais nasceu o tema ora estudado.
A Deus, razão da dor e do aprendizado, da tristeza e da alegria, da derrota e da superação.
Todas as coisas, na Terra, passam.
Os dias de dificuldades, passarão.
Passarão também os dias de amargura e solidão.
As dores e as lágrimas passarão.
As frustrações que nos fazem chorar um dia passarão.
(Chico Xavier)
A saudade do ser querido que está longe, não, Chico! Não passará!
(Diana Nacur Nagem Lima Salles)
RESUMO
Este trabalho busca explicitar como ocorre a sucessão de quotas sociais pelo cônjuge
casado no regime convencional da separação de bens em uma sociedade no caso de
falecimento de um sócio. A organização de muitas sociedades empresárias e os negócios por
elas realizados, com certa frequência, consideram o regime de bens dos sócios, uma vez que
eventual partilha de bens em função de um divórcio ou de uma sucessão causa mortis pode
afetar os rumos e o sucesso da empresa. O art. 1.028 do Código Civil permite que o contrato
social disponha especificamente sobre o que deve ocorrer com as quotas e/ou com a sociedade
em caso de falecimento do sócio. Para tanto, examinam-se os limites das disposições do
contrato social, o qual deve respeitar normas cogentes, como as regras de vocação hereditária.
Esta questão é examinada, detendo especial atenção à necessidade de explicitar a vocação
hereditária do cônjuge na situação exposta perante o ordenamento jurídico ora vigente,
extraindo-se a devida interpretação do artigo 1.829 e 1.845 do Código Civil. É reconhecida a
independência, mas também o limite e o vínculo entre regras de Direito de Família, Direito de
Sucessões e Direito Empresarial. Alcançada a conclusão acerca do direito hereditário do
cônjuge neste contexto, estudam-se o princípio da autonomia privada e o da segurança
jurídica, identificando os limites das disposições do contrato social quanto às disposições de
cunho sucessório e as possibilidades de restrição do direito do cônjuge de participar da
sucessão das quotas na situação em análise. Os institutos jurídicos envolvidos são estudados
detidamente, em uma tentativa de assegurar a coerência, a previsibilidade e a segurança
jurídica da interpretação e da aplicação da lei em vigor, bem como do cumprimento das
disposições do contrato social.
PALAVRAS-CHAVE: Regime da separação convencional de bens. Vocação hereditária do
cônjuge. Sucessão causa mortis das quotas de sociedade limitada. Contrato social.
ABSTRACT
This work seeks to explain how the succession of membership interest takes place in
the case of a spouse married under the conventional regime of separation of property in a
company in the event of death of a member. The organization of many companies and the
businesses conducted by them frequently take into account the matrimonial regime of the
members, once a possible distribution of property due to a divorce or to a succession may
affect the paths and the success of the company. Article 1,028 of the Brazilian Civil Code
allows the articles of organization to specifically prescribe what will occur to the membership
interest and/or with the company in case of death of a member. For that, the limits of the
provisions of the articles of organization are examined, for they must comply with applicable
rules, such as the rules governing the order of succession. This issue is examined, giving
special attention to the need to explain the order of succession of the spouse in the situation
put forward to the legal system in force, by extracting the due interpretation of Articles 1,829
and 1,845 of the Brazilian Civil Code. The independence is acknowledged, as well as the limit
and the connection between rules of Family Law, Law of Succession, and Business
Law. Once a conclusion is reached regarding the hereditary right of the spouse within this
context, the principles of the private autonomy and of the legal certainty are studied, and the
limits of the provisions of the articles of organization are identified in relation to the
provisions governing the succession and to the possibilities of restriction of the right of the
spouse to take part in the succession of the membership interest in the case under study. The
legal doctrines involved are specifically studied, in an attempt to ensure the coherence, the
predictability, and the legal certainty of the interpretation and the application of the law in
force, as well as of the compliance with the provisions of the articles of organization.
KEYWORDS: Conventional Separation Property Regime. Spouse's Inheritance Rigths.
Inheritance of quotas in limited companies. Articles of Incorporation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................
10
2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO EMPRESARIAL ....................... 13
2.1 Breve contexto histórico do Direito Empresarial .............................. 13
2.2 Teoria da empresa ................................................................................ 19
2.3 Noções gerais do Direito Societário .....................................................
22
3 SOCIEDADE LIMITADA ................................................................... 25
3.1 Definição da sociedade limitada ........................................................... 25
3.2 Legislação aplicável ............................................................................... 27
3.3 Quota social ............................................................................................ 30
3.4 Contrato social ....................................................................................... 33
3.5 Dissolução da sociedade limitada ......................................................... 37
3.5.1 Legislação aplicável ................................................................................ 38
3.5.2 Causas de dissolução total e parcial ....................................................... 41
3.5.2.1 Consenso entre os sócios ......................................................................... 44
3.5.2.2 Direito de retirada .................................................................................... 45
3.5.2.3 Expulsão ou exclusão .............................................................................. 48
3.5.2.4 Liquidação da quota a pedido do credor do sócio ................................... 49
3.5.2.5 Falecimento de um sócio ........................................................................
50
4 DO CASAMENTO E DOS REGIMES DE BENS ............................ 55
4.1 Tipos de regime de bens ........................................................................ 60
4.2 Do regime da separação de bens .......................................................... 63
4.3 Meação .................................................................................................... 65
4.4 Pacto antenupcial ..................................................................................
66
5 SUCESSÃO CAUSA MORTIS .............................................................. 68
5.1 Sucessão legítima ................................................................................... 71
5.2 Ordem da vocação hereditária ............................................................. 72
5.3 Herança ..................................................................................................
74
6 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO CÔNJUGE CASADO NO
REGIME CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS ............
79
7 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA
AUTONOMIA PRIVADA ...................................................................
100
7.1 Distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada ............ 102
7.2 Limites da autonomia privada no pacto antenupcial e no contrato
social ........................................................................................................
105
8 SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE
LIMITADA PELO CÔNJUGE CASADO NO REGIME
CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE BENS .............................
109
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................
117
REFERÊNCIAS .................................................................................... 122
10
1 INTRODUÇÃO
Amor, morte e empresa. São esses, respectivamente, o sentimento, o fato e a atividade
que norteiam este trabalho, os quais serão analisados em um dos momentos em que eles se
encontram: na sucessão causa mortis de quotas sociais da sociedade limitada pelo cônjuge.
O caráter contratual das relações patrimoniais do casamento ganhou força nas últimas
décadas, sobretudo diante da ascensão profissional e independência financeira da mulher, da
facilidade em romper e reconstituir um novo vínculo matrimonial e das diferentes formas de
constituição de entidades familiares.
Quando se confrontam questões patrimoniais com aspectos emocionais e
responsabilidade entre familiares, todavia, é preciso ir além do caráter meramente financeiro,
devendo-se colocar o amor familiar como pano de fundo para freá-lo e direcioná-lo.
A morte, por sua vez, parece nunca ser vista de forma diferente. Sempre será uma
interrupção, o marco de uma nova época, representando mudanças, saudade e dor. Mas em
alguns casos parece implicar mero esquecimento e passa a direcionar a conveniência dos
interesses patrimoniais.
Como cediço, de forma sucinta, a empresa remete à atividade econômica que reúne os
fatores de produção ou circulação de bens e serviços, de forma organizada e habitual,
vislumbrando o lucro. Sabe-se ainda que, dentre os existentes tipos societários na legislação
brasileira, comumente, tem-se a organização sob o formato da sociedade limitada, sobretudo
por seu caráter contratual e pela limitação da responsabilidade dos sócios.
Considerando os interesses negociais dos sócios e os patrimoniais presentes no
casamento, a escolha do regime de bens, cada vez mais, tem sido feita de forma racional e
calculada. O regime de separação de bens passou a ser uma opção para aqueles que desejam
construir seu patrimônio de forma independente, garantindo autonomia patrimonial aos
cônjuges e apresentando-se compatível com a dinâmica das atividades empresariais.
Ocorre que parte dos operadores do Direito e empresários acreditam que, em caso de
falecimento, o cônjuge viúvo que foi casado no regime convencional da separação de bens
não herdará, entendimento este que parece não ter respaldo no texto da lei vigente, assim
como não é pacífico na jurisprudência.
Neste sentido, a proposta deste trabalho é suscitar a problemática da sucessão causa
mortis de quotas de sociedade limitada pelo cônjuge casado no regime convencional da
separação de bens.
11
O contexto deste tema se encontra no fato de que muitas sociedades empresárias, ao se
constituírem ou quando realizam um planejamento tributário, um planejamento sucessório ou
fusões e aquisições, consideram as relações conjugais sob o aspecto patrimonial dos sócios
envolvidos, uma vez que um divórcio ou uma sucessão hereditária pode afetar direta e
consideravelmente os rumos de uma sociedade empresária.
Pretende-se, então, responder às seguintes questões: O cônjuge viúvo que foi casado
no regime convencional da separação de bens tem direitos hereditários sobre os bens deixados
por seu cônjuge falecido? Em caso afirmativo, é possível excluí-lo da sucessão causa mortis?
O pacto antenupcial pode limitar direito sucessório? Se o cônjuge falecido era sócio de uma
sociedade limitada, o contrato social pode limitar o direito do cônjuge sobrevivente de herdar
as quotas que a ele pertencia? A quais atributos inerentes às quotas sociais este cônjuge viúvo
terá direito na sucessão do sócio falecido?
Para alcançar as respostas, propõe-se expor brevemente sobre a atividade empresarial,
especialmente da sociedade limitada, buscando identificar a natureza jurídica da quota social,
do contrato social e de suas formas de dissolução, parcial ou total.
Em seguida, será apresentado o estudo sobre o instituto do casamento e dos regimes de
bens disponíveis na legislação brasileira atual, com foco especial na definição e identificação
da natureza jurídica da meação e do pacto antenupcial.
Com especial destaque, em ato contínuo, serão apresentados alguns conceitos que
permeiam a sucessão causa mortis, os quais viabilizarão a análise da legislação sobre a
vocação hereditária do cônjuge casado no regime convencional da separação de bens,
sobretudo quando em concorrência com os descendentes, considerando o conturbado texto do
art. 1.829 do Código Civil1.
O estudo do regime de bens seguido pelo estudo do regime da sucessão causa mortis
viabilizará o discernimento entre meação e herança, essencial para a compreensão de que a
intenção do legislador civilista atual é, em regra, afastar o direito à herança do cônjuge que já
tenha direito à meação e, em contrapartida, garantir herança ao cônjuge que não tem direito à
meação.
1 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares; [...]. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13
jul. 2013).
12
Vale ressaltar que, quando se fala em sucessão patrimonial, ressalta a imperiosa
necessidade de ser reconhecida a independência entre as regras de cunho patrimonial no
casamento, as quais fazem parte do escopo do Direito de Família, e do Direito de Sucessões e,
por conseguinte, de algumas de suas consequências no Direito Empresarial, para examinar a
possibilidade de efeitos diversos quando o fato gerador também for distinto.
A interdisciplinaridade dos aludidos ramos do Direito norteia este trabalho e atrai,
ainda que de forma breve, o estudo da livre manifestação da vontade humana, com base no
princípio da autonomia privada. Este é o que definirá o limite das disposições que versem
sobre o tema ora pesquisado, que deverá ser respeitado pelos nubentes quando firmarem o
pacto antenupcial e pelos sócios quando elaborarem um contrato social de uma sociedade
empresária de responsabilidade limitada. O ordenamento jurídico brasileiro, previsto no art.
1.028 do Código Civil2, autoriza os sócios a disporem no contrato social da sociedade sobre o
destino das quotas em caso de morte de um sócio, porém é necessário identificar os limites
dessas disposições.
O desafio desta pesquisa consiste em viabilizar segurança na sucessão causa mortis
das quotas sociais pelo cônjuge casado no regime convencional da separação de bens,
buscando identificar claramente os limites dos direitos disponíveis, permitir a conciliação
entre a vontade do casal e a dos sócios à do legislador; e, principalmente, em assegurar ao
empresário e ao empresário e cônjuge, esclarecidos e certos de suas escolhas, que seus
pedidos serão aceitos e respeitados.
2 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua
quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. (BRASIL. Lei 10.406, de 10
de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/
leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013)
13
2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO EMPRESARIAL
O Direito Empresarial, desde sua origem, apresenta-se como um ramo essencialmente
dinâmico. A contextualização histórica e a demonstração dos valores tutelados deste ramo são
de fundamental relevância para a análise dos institutos jurídicos a serem estudados.
Desse modo, passa-se a discorrer sobre a evolução histórica do Direito Empresarial,
embrionariamente denominado Direito Comercial, para chegar à atual definição de empresa e
focar a concepção do Direito Societário como a parte destinada ao estudo das formas de
organização da atividade empresária.
2.1 Breve contexto histórico do direito empresarial
Identificar a origem da atividade comercial é trabalho complexo e, quiçá, impossível,
sabendo-se que há registros sobre ela desde a Antiguidade, encontrando-se notícias de sua
realização por diversos povos, sobretudo os fenícios.
O encontro entre a disponibilidade e a habilidade em determinado trabalho, de um
lado, e a carência de mercadorias e serviço, de outro, fizeram surgir o que ficou conhecido
como “escambo”.
Cada indivíduo ou chefe de família era responsável pela produção do que serviria de
moeda de troca. Por conseguinte, para seu crescimento, foi necessário expandir sua
produtividade. Para tanto, seria necessário gastar menos tempo na realização de suas
atividades e, cada vez mais, investir na troca de habilidades e mercadorias que viabilizassem a
circulação de bens e serviços. Em razão disso, a associação das pessoas com objetivos e
esforços comuns voltados para essas trocas começou a crescer e a tornar cada vez mais
complexa, passando a envolver diferentes tipos de produtos, sob diversas condições, o que,
inevitavelmente, exigia também algum tipo de regulamentação.
O Direito Comercial – entendido como um compilado de princípios, normas e regras
que formam um regime jurídico próprio disciplinador da atividade mercantil –, contudo, não
teve seu nascedouro na mesma época.
Alguns autores afirmam que algumas das mais antigas manifestações legislativas
foram registradas no Código de Hamurabi, do rei Hammurabi, sexto monarca da primeira
14
dinastia da Babilônia, que afirmava tê-lo recebido do deus Sol3. Constituído de escritos em
tábuas, é provável que tenha sido feito por volta de 1.700 a. C., tendo sido encontrado por
franceses em 1.901 d.C., na região da antiga Mesopotânia4. Marlon Tomazette5 informa que é
possível afirmar que as primeiras normas que regulamentam o comércio foram aquelas
dispostas no citado Código de Hammurabi e no Código de Manu 6 , na Índia, mas sem
configurar um sistema de normas propriamente dito. Os gregos também possuíam algumas
normas, assim como no Direito Romano, esculpidas no chamado ius civile.
Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro7 esclarecem que os romanos não
chegaram a conhecer regras específicas para as relações comerciais, pois o chamado ius civile
contemplava normas destinadas às relações jurídicas de cunho privado, independentemente de
se tratar de conteúdo civil ou mercantil. Mas há forte influência direta do Direito Romano no
surgimento do Direito Comercial, verificando-se nele a origem do instituto da falência,
normas básicas sobre os contratos mercantis, a ação pauliana como forma de reprimir a fraude
contra credores, a responsabilidade civil dos banqueiros e o comércio do transporte marítimo,
entre outros.
A partir do século XV, com a decadência do regime feudal, deu-se o renascimento do
comércio, sobretudo nas feiras e nos burgos. O comércio voltou a se desenvolver, em razão,
sobretudo, das modificações ocorridas no interior das sociedades feudais europeias, por
exemplo, o aumento da população, crescimento das cidades, desenvolvimento das
manufaturas, entre outros fatores.
3 GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de Direito Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4,
fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_ link=revista_ artigos_
leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014. 4 A origem exata no Código de Hamurabi ainda é discutida. O autor em referência, Ayrton Sanches Garcia,
esclarece que o Código “foi encontrado em escavações feitas por um grupo de arqueólogos franceses
chefiados por Jacques de Morgan, nas ruínas da cidade islamita de Susa (Pérsia), em 1901 (Carvalho de
Mendonça diz que as escavações foram feitas entre 1897-1899). Mantido no Museu do Louvre, em Paris, o
Código foi gravada num pesado bloco de diorite, uma rocha de 2,25 metros de altura e 1,90 metros de
circunferência na base, no século XXIII a.C.”. Mas informa que Octávio Médice diz que a publicação do
Código de Hamurabi deu-se no século XIX a.C.; João E. Borges refere o ano 2.083 a. C.; J. X. Carvalho de
Mendonça refere o ano 2..250 a. C. Mas, independente da origem exta, representa o monumento e marco de
referência histórica do direito de vários dos povos da sua época, sendo, até hoje citado nas principais obras de
direito comercial, tanto no Brasil como nos demais países. (GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de
Direito Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4, fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014) 5 TOMAZETTE, Marlon. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 1-3. 6 O Código de Manu foi escrito em sânscrito e é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em
quatro compêndios. Foi redigido entre os séculos II a. C. e II d. C., em forma poética por um santo eremita
chamado Valmiki, em torno do ano 1500 a.C. (GARCIA, Ayrton Sanches. Noções históricas de Direito
Comercial. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 2, n. 4, fev. 2001. Disponível em: < http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=2059>. Acesso em: 26 ago. 2014) 7 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.28.
15
Diante deste contexto, a regulamentação da atividade comercial passou a ser
imprescindível, pois com o impulso que tivera as normas do Direito Romano mostraram-se
insuficientes.
O Direito Comercial surgiu como ramo autônomo do Direito depois da queda do
Império Romano, na Idade Média. A princípio, as regras inerentes ao Direito Comercial
baseavam-se em costumes. Diante da ausência da formação dos Estados modernos e da
presença de um poder político descentralizado, tais regras propiciaram o surgimento das
entidades privadas, que representaram grande relevância para o Direito Comercial, as quais
foram chamadas de “corporações de ofício”.
Essas entidades permitiram que os comerciantes unissem força de tal maneira que,
conforme narra o citado autor, o poder econômico e militar delas foi capaz de operar a
transição do regime feudal para o regime das monarquias absolutistas. Carvalho de
Mendonça 8 afirma que “o Direito Comercial surgiu, conforme se vê, não como obra
legislativa nem criação de jurisconsultos, porém como trabalho dos próprios comerciantes,
que o construíram com os seus usos e com as leis que, reunidos em classe, elaboraram”.
As corporações de ofício estabeleceram as regras do Direito Comercial fazendo nascer
um direito consuetudinário. As primeiras regras, constituídas pelos usos, costumes e práticas
mercantis observados em cada localidade, sobretudo nas cidades italianas, eram compiladas
nos estatutos das corporações de ofício, dando corpo ao que ficou identificado como os
primeiros códigos comerciais. Como informam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira
Ribeiro9, as instituições mais conhecidas do Direito Comercial remontam a este período, tais
como a matrícula dos comerciantes, o regime dos livros comerciais, o regime das instituições
financeiras e a letra de câmbio.
Os comerciantes estavam sujeitos a uma jurisdição especial, o que implicava
reconhecer que aquelas normas a eles se aplicavam e que cada um deles estava submetido às
regras da corporação da qual ele fosse membro.
Percebe-se que foi utilizado critério corporativo, baseado em um sistema subjetivo,
pois era um direito criado pelos comerciantes e para os comerciantes. A mercantilidade de
uma relação jurídica era definida pelo sujeito, sendo a competência da jurisdição, como dito,
definida pela identificação da corporação à qual o comerciante era filiado.
8 CARVALHO DE MENCONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. Campinas: Russell, 2003.
p. 69. 9 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 28.
16
Esse foi o primeiro momento da história no qual foi possível identificar o surgimento
de um conjunto minimamente organizado de atividade comercial.
Em seguida, o Direito passou a ser aplicado pelo próprio Estado, com a ascensão da
burguesia ao poder, mantendo-se a disciplina autônoma.
Com o decorrer do tempo, à medida que a atividade comercial foi se desenvolvendo,
os comerciantes passaram a praticar atos acessórios, como a circulação dos títulos cambiários,
os quais sugiram ligados à atividade comercial, mas logo se tornaram autônomos e passaram a
ser utilizados também por quem não era comerciante. Assim, era necessário estender o âmbito
de aplicação do Direito Comercial. Para isso, foi necessário o surgimento do sistema
objetivista, capaz de transferir o centro do Direito Comercial para o objeto da atividade,
deixando de lado o critério de identificação pelo sujeito que praticasse a atividade.
Ao mesmo tempo, ocorreu o surgimento dos Estados modernos, que assumiram o
monopólio da jurisdição pelo Estado, passando a dizer o que é o Direito e a quem se aplica o
Direito. Em razão disso, as corporações de oficio começaram a perder força. A do Direito
Comercial deixou de ser consuetudinário para ser um direito posto e aplicado pelo Estado.
O Código Civil Francês de 1804, conhecido por “Código Napoleônico”10, marcou a
transição da primeira fase (subjetivista) para a segunda (objetivista). Foi neste momento que o
Direito Comercial atingiu certa maturidade, passando a ser identificado como um Direito
autônomo, específico e com código próprio. Por conseguinte, foi necessário estabelecer um
critério de distinção que delimitasse a abrangência do regime jurídico mercantil. O critério
adotado foi a chamada “Teoria dos atos de comércio”, que permitiu afirmar que esta fase do
Direito Comercial não representava o direito dos comerciantes, mas sim o direito dos atos de
comércio.
Esse foi o critério adotado pela codificação francesa e por vários países, inclusive o
Código Comercial Brasileiro de 1850, posteriormente complementado pelo Regulamento 737,
de 1850, influenciado diretamente pelo Código Napoleônico.
Fala-se em objetivação do Direito Comercial, tendo em vista que não mais importava
se o sujeito praticante da atividade era membro ou não da corporação, pois o que passou a
definir a aplicação das regras comerciais foi o objeto da relação jurídica. Se a relação
envolvesse a prática do que era definido como ato de comércio, a relação seria definida como
mercantil e atrairia a aplicação das regras especiais do Código Comercial.
10 Originalmente chamado de Code Civil des Français ou Code Napoléon.
FRANÇA. Código civil. Disponível em: <http://www.assemblee-nationale.fr/evenements/code-civil-1804-
1.asp>. Acesso em: 4 ago. 2012).
17
A adoção da teoria dos atos de comércio como critério de distinção dos limites de
aplicação do Direito Comercial, embora tenha sido utilizada por muito tempo, apresentava
alguns problemas. A denominação em si demonstra que era uma teoria, ou um critério, que se
preocupava com a atividade comercial, com a forma e o conteúdo, pelos quais era ela
desempenhada, o que se justificava com o fato de que o comércio ser a principal atividade
econômica.
Com o passar do tempo, as relações comerciais e a economia atingiram um grau de
complexidade maior, no qual o comércio deixava de ser a principal e, quiçá, única atividade
econômica, já que se aproximava a Revolução Industrial. Dessa feita, os atos do comércio já
não seriam mais suficientes para delimitar a abrangência do Direito Comercial, pois ele
precisaria abranger outras atividades econômicas praticadas no mercado que não estavam
definidas como atos de comércio, por exemplo, a prestação de serviços que já detinha caráter
econômico, mas não estava sujeita às regras especiais, por não se subsumir aos atos
previamente definidos. Assim também acontecia com as atividades rurais e a negociação de
bens imóveis.
A dificuldade maior residia no fato de que a dinâmica das relações comerciais sempre
foi aceleradamente crescente e complexa, de modo que qualquer tentativa de definição por
teorias seria frustrada. As diversas teorias surgidas não eram abrangentes o suficiente para
englobar toda e qualquer atividade econômica.
Elucidam os autores Henrique Viana Pereira e Rodrigo Almeida Magalhães11:
O problema da segunda teoria (objetiva) é que os atos de comércio não se limitam
aos atos assim definidos em lei, eis que impossível esgotar todos eles em uma lista,
bem como pelo fato de que eles são renovados diariamente frente à modernidade e
seus novos usos e costumes.
Esse panorama acabou por acarretar uma disciplina anti-isonômica do mercado, pois
alguns comerciantes – aqui entendidos apenas como aqueles que desempenhavam uma
atividade econômica – acabavam por ter tratamento diferente de outros, por exemplo, aqueles
praticantes dos atos de comércio tinham direito à concordata, mas o prestador de serviço, não.
Nesse contexto, o Direito Comercial entrou em sua terceira fase, cujo marco histórico
da transição foi a edição do Código Civil Italiano de 1942.
Ao contrário da França, a Itália havia optado por unificar formalmente o Direito
Privado, pelo que estariam inseridas dentro do Código Civil as regras do Direito Comercial.
11 PEREIRA, Henrique Viana; MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Princípios constitucionais do direito
empresarial: a função social da empresa. Curitiba: CRV, 2001. p. 12.
18
Fala-se em unificação meramente formal porque, embora juntos, o Direito Civil e o Direito
Comercial continuaram sendo regimes jurídicos distintos.
Explica Raquel Sztajan12:
Se alguém fosse levado a entender que a unificação do direito obrigacional implique
o desaparecimento do Direito Comercial, é preciso lembrar que, mesmo na Itália, em
que fenômeno data de 1942, direito civil e comercial permanecem distintos.
Também é de apontar que nunca houve grande preocupação, seja pela doutrina, seja
pela jurisprudência, com a questão, porque, de regra, se entendem comerciais as
atividades segundo noção econômica ou contábil.
O Direito Comercial deixou de ser o direito que iria disciplinar um ato específico
identificado como sendo de comércio e passou a ser o direito que irá se preocupar com o
exercício específico de uma atividade econômica organizada, ampliando sua abrangência.
Neste sentido, não se falava mais em atos de comércio, mas sim em empresa. Ocorreu,
portanto, o abandono da teoria dos atos de comércio, substituída pela teoria da empresa. A
grande novidade residiu no fato de que o centro do Direito Comercial passou a encontrar-se
na atividade econômica.
Em razão dessa mudança, hoje se fala em Direito Empresarial, e não mais em Direito
Comercial, porque é o direito que cuida da empresa, ou seja, de toda e qualquer atividade
econômica organizada; ao passo que, o empresário passou a ser aquele que exerce qualquer
atividade econômica organizada.
No Brasil, a legislação acompanhou a mesma evolução histórica.
O Código Comercial de 1850, como já mencionado, foi espelhado no Código
Comercial francês de 1808 e adotou a teoria dos atos de comércio, os quais foram tipificados
no Regulamento 737, de 1850. O código se dividia em três partes: parte geral; comércio
marítimo; e quebras (falência) do comerciante.
O Código Civil de 2002, influenciado pelo Código Civil italiano de 1942, revogou a
primeira parte do código anterior e adotou a teoria da empresa, definindo empresário como
aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada.
A segunda parte do Código Comercial foi revogada pela Lei de Falência 7.661 de
1945, que, por sua vez, foi revogada Lei de Falências 11.101 de 2005, o que, inclusive,
reforça a ideia de que a unificação formal não foi completa, já que continuam a existir leis
especiais aplicáveis à atividade empresarial, assim como institutos jurídicos e princípios
12 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p.
145.
19
próprios. Constata-se, assim, que houve derrogação do Código Comercial, já que a segunda
parte, referente ao comércio marítimo ainda está em vigor.
Dessa forma, conclui-se que o Direito atual que rege as atividades econômicas, mais
propriamente chamado de Direito Empresarial, tem como foco principal a identificação do
que é empresa, pelo que é o que se propõe a analisar a seguir.
2.2 Teoria da empresa
O núcleo do atual Direito Empresarial está focado na atividade empresarial. Não
importa quem é o empresário ou o que ele faz; o importante é como ele faz.
Shandor Portella Lourenço 13 enaltece que o Direito Empresarial possui uma
jurisprudência axiológica valorativa, que interpreta as leis mercantis de modo a aperfeiçoar a
existência do seu objeto, procurando proteger (lei de falências, marcas e patentes etc.) e
gravitar em torno da figura do empresário.
Dessa forma, percebe-se que o enfoque é no empresário. A identificação e a definição
do titular desses direitos tornam-se o ponto de partida do Direito Empresarial.
Neste sentido – como dito que o atual Código Civil adotou a teoria subjetiva moderna
– é que o diploma civilista vigente dispôs em seu art. 96614, ipsis litteris:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Como ensina Thales Poubel Catta Preta Leal15, não há conceito jurídico de empresa,
nem mesmo de elemento de empresa, mas há um conceito jurídico de empresário, fundado em
um conceito doutrinário de empresa.
13 LOURENÇO, Shandor Portella. O empresário e a teoria subjetiva moderna. Revista Virtual Faculdade
de Direito Milton Campos, v. 10, 2012. Disponível em: <http://www.revistadir.mcampos.br/
PRODUCAOCIENTIFICA/volume10ano2012.html>. Acesso em: 20 jul. 2013. p. 5. 14 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013. 15 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. 2004. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em
Direito, Belo Horizonte, p. 62.
20
Ressalta-se que o termo empresa está sempre ligado à atividade, não se confundindo
com a figura do empresário, que é quem a exerce. Por isso, quando se deseja referir ao titular
ou sujeito de direitos, deve-se falar em sociedade.
Didaticamente, os autores extraem do mencionado dispositivo legal três elementos
caracterizadores da empresa: profissionalismo, atividade econômica, organização e produção
ou circulação de bens ou serviços.
Assim ensina o autor Thales Catta Preta Leal16:
A expressão adequada seria “sociedade empresária”, uma vez que a sociedade –
pessoa distinta das pessoas de seus sócios – é que é a empresária, da mesma forma
que uma pessoa física, que exerça atividade empresarial, é denominada empresário
individual.
Nessa linha, verifica-se que quem se sujeita aos institutos do Direito Empresarial é a
sociedade empresária, e não os seus sócios, pois eles, no sentido jurídico, não são
empresários.
Com base em tais elementos, conclui-se que o empresário deve ser pessoa natural ou
jurídica que exerce com habitualidade, em nome próprio, uma atividade econômica destinada
à circulação de bens ou à execução de serviços no mercado com o objetivo de obter lucro, de
forma organizada. Ficam ressalvados aqueles definidos no parágrafo único art. 966, os quais,
mesmo reunindo todos estes elementos, não seriam considerados empresários ou sociedade
empresária, mas sim às sociedades simples. Incluem-se também as cooperativas (art. 982,
parágrafo único do Código Civil) e o produtor rural (art. 970, Código Civil), já que a lei lhes
dá mera opção quanto ao seu registro para que, então, possam ser considerados empresários.
Fogem ainda a esta caracterização legal as sociedades anônimas, as quais, independentemente
do seu objeto social e da sua prática mercantil serão consideradas sociedades empresárias (art.
982, parágrafo único do Código Civil e art. 2º, § 1º, da Lei 6.404/7617).
Dentre esses elementos, deve-se destacar a organização como elemento central, por ser
ela que garantirá a previsibilidade das relações e a segurança de trabalho no longo prazo.
Rachel Sztajn18 muito bem explica este contexto:
16 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. 2004. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em
Direito, Belo Horizonte, p. 63. 17 BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por ações. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>. Acesso em: 27 ago. 2014. 18 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 97-98.
21
Impossível imaginar uma empresa, qualquer empresa, sem organização. E, sem esse
elemento, a organização, como extremar empresário de trabalhador autônomo?
Quanto aos exercentes de atividades intelectuais, a questão está em definir que
elementos permitem enquadrá-los como empresários. Aqui, parece que o elemento
organização de fatores da produção de titularidade de terceiros é fundamental para
que se apure se há ou não o elemento da empresa (art. 966, parágrafo único, do
Código Civil).
Organização parece ser o elemento central, essencial, necessário porém não
suficiente, para determinar a existência da empresa, porque gera o aparato produtivo
estável, estruturado por pessoas, bens e recursos, coordena os meios para atingir o
resultado visado. Tanto a organização de pessoas, centrada nas relações de trabalho
subordinado, cuja disciplina é a dos contratos de trabalho, quanto a organização dos
meios patrimoniais (recursos e bens) para o exercício de uma atividade estão
presentes no desenho da empresa. Por isso é, atualmente, fácil abandonar a antiga
discriminação entre auto e hétero-organização na configuração da empresa,
empregando-se critérios mais aceitáveis como fungibilidade dos fatores da
produção.
O desempenho da atividade de forma organizada exige que haja uma estrutura
constituída de forma profissional, não eventual, que assume os riscos de seu exercício e que
tenha a coordenação de suas atividades voltada para o mercado com base na junção dos
fatores de produção.
Como comenta Rachel Sztajn19, a integração de operações visa facilitar a produção,
cujo planejamento e fiscalização têm relevante fundamento, notadamente quando envolvem a
transmissão de informação ou conhecimento, como no caso de patentes e/ou cessão do direito
de uso de marcas, tal como se dá nas franquias.
Embora seja essencial, a organização como elemento da atividade empresária não
pode ser avaliada isoladamente. Mas o desempenho de uma atividade econômica assume o
aspecto empresarial quando passa a adotar padrões e estruturas que viabilizam a larga escala
de produção, de circulação ou de prestação de serviço ou, ainda que não seja larga, mantenha
frequência e estabilidade de maneira suficiente a viabilizar a oferta ao mercado. A estrutura
organizada permite ao empresário e à sociedade empresária assumir riscos do
empreendimento e maximizar a percepção dos lucros, garantindo profissionalismo ao
exercício da atividade.
19 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 94.
22
2.2 Noções gerais do Direito Societário
A sociedade empresária moderna tem origem nos primórdios da civilização. Por sua
natureza social e por sua necessidade de sobrevivência, o trabalho em grupo, a produção para
a autossubsistência e para o outro e a troca de mercadoria sempre fizeram parte da relação
humana. Como afirmam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro20, o surgimento
do fenômeno associativo deu-se no momento em que o homem percebeu que a eficiência de
determinadas tarefas poderia ser maior se elas fossem executadas com a comunhão de
esforços e objetivos de duas ou mais pessoas.
Este fenômeno, além de ser antigo, sempre se caracterizou pela dinâmica e velocidade
da evolução das relações associativas, sobretudo as de natureza mercantil, as quais, cada vez
mais, apresentam-se complexas e diversificadas.
Como toda relação que envolve divergência de interesses, desde os tempos mais
remotos, sempre houve a necessidade de regulamentação específica da atividade mercantil.
Foi no vigor mercantilista da Idade Média que o Direito Comercial começou a ter
contornos próprios e também foi neste momento que surgiu o modelo mais próximo do que
hoje se entende por sociedade empresária, no sentido de separação dos patrimônios dos sócios
em relação ao patrimônio da sociedade. Como narram Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla P.
Ribeiro 21 , nessa época as sociedades eram eminentemente intuitu personae, pois o que
aproximava os sócios eram suas características pessoais e seus objetivos comuns,
característica denominada de affectio societatis existente até os dias de hoje nas chamadas
“sociedades de pessoas”.
Com a evolução das relações mercantis, sobretudo com o Renascimento e com a “Era
dos Descobrimentos”, provimentos que impulsionaram ainda mais o comércio, surgiram as
companhias colonizadoras, que se tratavam de “sociedades que reuniam grande quantidade de
capital, dividindo em ações que, por sua vez, eram distribuídas entre um número considerável
de pessoas”22, como é o caso da Companhia Holandesa das Índias Orientais, criada em 1602,
em que o elemento atrativo da associação das pessoas deixou de ser as características pessoais
para ser a contribuição financeira, fazendo surgir as chamadas “sociedade de capital”.
O objeto de estudo do Direito Societário é exatamente estas formas de associação, isto
é, as sociedades criadas para exercer a atividade mercantil.
20 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 155. 21 BERTOLDI, op. cit. p. 155. 22 Idem, 2013, p. 156.
23
Até o Código Civil de 2002, o objeto do Direito Comercial era balizado pelos atos
praticados, de modo que, se subsumissem àqueles considerados como atos de comércio, ter-
se-ia, uma atividade empresária. Com a adoção da teoria da empresa, houve o alargamento da
abrangência do estudo, pois não só os comerciantes seriam alvo da legislação e deste ramo,
mas também todos os empresários que praticassem a atividade reconhecida pela lei como
empresária.
Os doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro 23 afirmam que não faz mais
sentido a distinção entre sociedade civil e sociedade comercial, já que o objeto agora passa a
ser a sociedade empresária, definida por eles como sendo uma organização econômica
constituída, ordinariamente, por mais de uma pessoa, dotada de personalidade jurídica, capaz
de adquirir direitos e assumir obrigações por si mesma, possuindo patrimônio próprio, que,
independente e destacado do patrimônio de seus sócios, responde por suas dívidas e
obrigações, tendo por objetivo promover a produção ou a troca de bens ou serviços com fins
lucrativos.
Diante de tais definições, os autores citados entendem que a atual classificação em
“simples” ou “empresária” passou a decorrer do conceito de empresário, abandonando-se,
portanto, a classificação anterior, na qual se levava em consideração o objeto da atividade,
que poderia ser civil ou comercial.
Compreendido o que seria seu objeto, destaca-se que o Direito Societário visa,
especialmente, tratar do regime de organização e das regras norteadoras das sociedades, sejam
elas empresárias ou não. O Código Civil, neste aspecto, dá a elas disciplina específica em
consonância com o tipo, dividindo-as em não personificada – as quais podem ser a sociedade
em comum ou a sociedade em conta de participação; e personificadas – compreendendo as
simples e as empresárias já esclarecidas.
Dentre as sociedades empresárias, a legislação vigente prevê a existência de cinco
espécies de sociedades empresárias: sociedade em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044 do
Código Civil); sociedade em comandita simples (arts. 1.045 a 1.051 do Código Civil); a
sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087 do Código Civil); sociedade anônima (arts. 1.088 e
1.089 do Código Civil e Lei 6.404/76); e sociedade em comandita por ações (arts. 1.090 a
1.092 do Código Civil e Lei 6.404/76).
A limitação da responsabilidade das dívidas da sociedade ao seu próprio patrimônio,
deixando o patrimônio pessoal dos sócios destacada, presente nas sociedades anônimas e nas
23 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 156-157.
24
sociedades anônimas, faz com que sejam estas as espécies mais utilizadas atualmente. Em
razão disso, bem como diante do tema proposto, passa-se a expor de forma mais detalhada
apenas a sociedade limitada.
25
3 SOCIEDADE LIMITADA
A sociedade limitada surgiu em 1892, na Alemanha, com a criação da chamada
“sociedade de responsabilidade limitada”24, que trazia a simplicidade de sua constituição e a
limitação da responsabilidade dos sócios, os quais não responderiam pessoalmente pelas
dívidas da sociedade, o que não ocorria com os outros formatos existentes à época. Este
modelo acabou por inspirar outros países a adotarem o mesmo formato.
Noticiam os doutrinadores que em 1911 o projeto do novo Código Comercial
apresentou-se como a primeira tentativa de trazer para legislação brasileira o referido modelo.
Embora este projeto não tenha logrado êxito, alguns anos depois um projeto que propunha a
criação da sociedade por quotas de responsabilidade foi aprovado. Surgiu, assim, o Decreto
3.708, de 10 de janeiro de 1919, tendo vigorado até o surgimento do Código Civil de 2002,
que o revogou tacitamente.
Falar de sociedade limitada exige, de imediato, a clara concepção do que seja
sociedade de pessoas e limitação da responsabilidade, pois são estas características principais
desta espécie societária que a tornam tão atrativa e comum nas relações de cunho empresarial.
É sobre isso que passa-se a discorrer a seguir.
3.1 Definição da sociedade limitada
O fenômeno associativo com fins mercantis iniciou mediante a atração das
características pessoais e dos objetivos comuns entre aqueles que uniam esforços para a
produção e circulação de produtos ou a prestação de serviços. A ideia primitiva de sociedade
passa, portanto, pela concepção do affectio societatis.
Essa expressão remete à ideia de que o liame entre os sócios se dá pela intenção deles
de constituir uma sociedade, a qual é baseada na vontade expressa e manifestada livremente
pelas partes que as escolhem de maneira personalíssima.
Percebe-se, assim, a natureza personalíssima do vínculo entre os sócios de uma
sociedade limitada, o que sobressai a importância das regras de ingresso e de saída dos sócios
neste formato de sociedade, pois a modificação de quem sejam os sócios pode influenciar a
própria existência da sociedade.
24 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 201.
26
Outro aspecto relevante da sociedade limitada, inerente a sua própria denominação,
refere-se à limitação da responsabilidade dos sócios.
Segundo os arts. 2º e 9º do Decreto 3.70825, o qual estabeleceu pela primeira vez este
tipo de sociedade na legislação brasileira, a responsabilidade dos sócios na sociedade por
quotas seria limitada à importância total do capital social, respondendo solidariamente, em
caso de falência, pela parte que faltasse para preencher o pagamento das quotas não
inteiramente liberadas. Ou seja, estabelecia-se, assim, uma responsabilidade subsidiária, pois,
em um primeiro momento, os sócios não responderiam pelas dívidas. Porém, não havendo
bens da sociedade suficientes para saldar as obrigações dela, eles responderiam limitados ao
montante do capital social que ainda não houvesse integralizado. Do contrário, se estivessem
quites com a respectiva integralização a que se comprometeu, estariam livres de qualquer
responsabilidade.
O Código Civil de 2002 reiterou essa limitação, dispondo no art. 1.052 que “a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem
solidariamente pela integralização do capital social”.
Os doutrinadores Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro26 destacam as exceções, nas quais
os sócios responderão ilimitadamente, quais sejam: (a) quando um sócio que deliberar
contrariamente ao contrato social ou em desconformidade com o ordenamento jurídico
responderá ilimitadamente pelas obrigações advindas da decisão (art. 1.080 do Código Civil);
(b) perante os créditos relativos às dívidas fiscais (art. 135, inciso III do Código Tributário
Nacional); (c) a crescente e frequente hipótese de responsabilidade ilimitada construída pela
jurisprudência diante de créditos trabalhistas, quando é verificada a insuficiente de bens da
sociedade para suportarem o pagamento; (d) todas as hipóteses de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial que cause danos
a terceiros (art. 50 do Código Civil, art. 8º da Lei 8.078/90, art. 4º da Lei 9.605/98, e art. 34 da
Lei 12.529/11).
25 Art. 2o. O titulo constituivo regular-se-há pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus numeros do Codigo
Commercial, devendo estipular ser limitada a responsaiblidade dos sócios à importancia total do capital
social (sic).
Art. 9o. Em caso de fallencia, todos os socios respondem solidariamente pela parte que faltar para preencher
o pagamento das quotas não inteiramente liberadas. Assim, tambem, serão obrigados os socios a repór os
dividendos e valores recebidos, as quantias retiradas, a qualquer titulo, ainda que autorizadas pelo contracto,
uma vez verificado que taes lucros, valores ou quantias foram distribuidos com prejuizos do capital realizado.
(sic). (BRASIL. Decreto 3.708, DE 10 DE JANEIRO DE 1919. Regula a constituição de sociedades por
quotas, de responsabilidade limitada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /decreto/antigos/
d3708.htm>. Acesso em: 21 ago. 2014. 26 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 203.
27
Seria possível estender o estudo sobre as sociedades limitadas abrangendo todas suas
características, tais como as condições para constituição da sociedade, todas as possibilidades
de aumento e redução do capital social, a legitimidade e os deveres dos administradores, a
criação e deveres do conselho fiscal, as regras sobre nome social, firma e denominação, dentre
tantas outras diretrizes. Porém, dada a especificidade do tema ora proposto, esclarece-se que
será exposto tão somente aquilo que for relevante para seu estudo e, quando oportuno,
obviamente, será feita a análise complementar do que não houver sido destacado com maior
ênfase.
3.2 Legislação aplicável
A sociedade limitada, originariamente denominada de “sociedade de quotas de
responsabilidade limitada”, entrou no ordenamento brasileiro por meio do Decreto 3.708, de
10 de janeiro de 1919, o qual disciplinava esta espécie por meio de apenas dezenove artigos.
Em razão disso, para alguns doutrinadores ele era lacônico e imperfeito; para outros,
delimitava na medida certa, já que permitia a criação de cláusulas contratuais em total
consonância com os interesses e as necessidades dos sócios.
Sob a vigência do referido diploma legal, o contrato social dessas sociedades poderia
dispor livremente o seu próprio regramento, o qual deveria observar as disposições do
Decreto e dos arts. 300 a 302 do Código Comercial27. Naquilo que não fosse regulado no
27 Código Comercial:
Art. 300 - O contrato de qualquer sociedade comercial só pode provar-se por escritura pública ou particular;
salvo nos casos dos artigos nºs 304 e 325. Nenhuma prova testemunhal será admitida contra e além do
conteúdo no instrumento do contrato social.
Art. 301 - O teor do contrato deve ser lançado no Registro do Comércio do Tribunal do distrito em que se
houver de estabelecer a casa comercial da sociedade (artigo nº. 10, nº 2), e se esta tiver outras casas de
comércio em diversos distritos, em todos eles terá lugar o registro. As sociedades estipuladas em países
estrangeiros com estabelecimento no Brasil são obrigadas a fazer igual registro nos Tribunais do Comércio
competentes do Império antes de começarem as suas operações. Enquanto o instrumento do contrato não for
registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os
sócios solidariamente (artigo nº. 304).
Art.302 - A escritura, ou seja pública ou particular, deve conter: 1 - Os nomes, naturalidade e domicílios
dos sócios. 2 - Sendo sociedade com firma, a firma por que a sociedade há de ser conhecida. 3 - Os nomes
dos sócios que podem usar da firma social ou gerir em nome da sociedade; na falta desta declaração, entende-
se que todos os sócios podem usar da firma social e gerir em nome da sociedade. 4 - Designação específica
do objeto da sociedade, da quota com que cada um dos sócios entra para o capital (artigo nº. 287), e da parte
que há de ter nos lucros e nas perdas. 5 - A forma da nomeação dos árbitros para juízes das dúvidas sociais.
6 - Não sendo a sociedade por tempo indeterminado, as épocas em que há de começar e acabar, e a forma da
sua liquidação e partilha (artigo nº. 344). 7 - Todas as mais cláusulas e condições necessárias para se
determinarem com precisão os direitos e obrigações dos sócios entre si, e para com terceiro. Toda a cláusula
ou condição oculta, contrária às cláusulas ou condições contidas no instrumento ostensivo do contrato, é nula.
(BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www. planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014).
28
contrato social, de forma supletiva e no que fosse compatível, deveriam ser aplicadas as
disposições da Lei das Sociedades por Ações. Ou seja, a Lei 6.404/76 deveria ser utilizada de
forma supletiva ao contrato social.
O Decreto 3.708/19 foi revogado tacitamente pelo Código Civil de 2002, em vigência
desde 11 de janeiro de 2003, o qual, além alterar a denominação para “sociedade limitada”,
dispôs de forma distinta sobre a legislação aplicável a tais sociedades.
O art. 1.053 28 do Código Civil prevê que nos casos de omissão as regras das
sociedades simples serão aplicáveis às sociedades limitadas, bem como seu parágrafo único
permite que o contrato social da sociedade limitada possa eleger a aplicação supletiva da Lei
de Sociedades Anônimas.
Embora o dispositivo pareça ser claro, sua interpretação vem causando grandes
discussões, tendo em vista que alguns doutrinadores entendem que, diante do caráter
contratualista da sociedade limitada, a aplicação das regras das sociedades anônimas – que,
por natureza, são institucionais e capitalistas – somente não poderia acontecer se houvesse
uma simples transposição de regras, já que haveria um risco de descaracterizá-la.
Todavia, o entendimento predominante é no sentido de que as regras das sociedades
simples constituem regras gerais de Direito Societário, o que é amparado até mesmo pelo teor
do caput do art. 1.053, também do Código Civil.
Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro29 destacam:
Devemos registrar que a aplicação supletiva das normas relativas às sociedades
anônimas, quando assim ficar determinado pelo contrato social, somente será
cabível quando compatível com a natureza da sociedade limitada. Evidentemente
são incompatíveis as determinações da Lei das Sociedades por Ações que regulam
os valores mobiliários (debêntures, partes beneficiárias, etc.), as sociedades de
economia mista, a subsidiária integral, as regras sobre alienação de controle etc. Em
suma, as disposições da Lei das Sociedades por Ações aplicáveis à sociedade
limitada são aquelas compatíveis com a natureza desta e que não contrariem seu
contrato social.
Fabio Ulhoa Coelho30 ressalta que a aplicação da Lei das Sociedades Anônimas às
sociedades limitadas acontece em duas situações, quais sejam, quando houver disposição do
28 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da
sociedade anônima. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 29 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 205. 30 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2014. p. 399. v. 2.
29
contrato social determinando sua aplicação, o que ocorreria de forma supletiva ao regime
estabelecido no Código Civil; e nos casos de lacuna da lei e em matéria não passível de
negociação entre os sócios, pois, nos termos do art. 4º31, da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro, assim deve agir o juiz, aplicando-a como forma de colmatagem do sistema
legal, mediante sua aplicação por analogia, mesmo que o contrato social venha a determinar a
utilização supletiva das normas da sociedade simples.
Rubens Requião32 ensina que, para que haja influência da legislação das sociedades
por ações no funcionamento da sociedade limitada, “o caso deverá prefigurar três condições: I
– a opção dos sócios pela legislação extravagante; II – a omissão do contrato social sobre o
tema; III – matéria em que os sócios tenham liberdade para negociar e regular”.
Em outras palavras, Fábio Ulhoa Coelho33, conclui:
Sintetiza-se, então, a questão da legislação aplicável às sociedades limitadas nos
seguintes termos: em assunto disciplinado pelo capitulo do Código Civil específico
deste tipo societário (Parte Especial, Livro II, Título II, Subtítulo II, Capítulo IV,
arts. 1.052 a 1.087), vigora a disposição nele contida; na constituição e dissolução
total, observa-se sempre o Código Civil; nos demais casos, se a matéria é passível de
negociação entre os sócios, consulta-se o contrato social, aplicando-se
supletivamente a disciplina do Código Civil respeitante à sociedade simples (arts.
997 a 1.038), ou, se assim desejado pelos sócios de modo expresso, a da Lei das
Sociedades por Ações; não sendo a matéria suscetível de negociação, pode-se
aplicar analogicamente a Lei das Sociedades por Ações na superação da lacuna.
Assim, é possível concluir que as sociedades limitadas poderão livremente dispor sua
própria disciplina em seu contrato social, o qual deverá obedecer aos arts. 1.052 a 1.087 do
Código Civil e estabelecer a incidência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas. Em caso
de omissão quanto à incidência supletiva ou em casos de lacunas da lei, deverá,
primeiramente, aplicar as regras das sociedades simples. Quando eles não forem suficientes
ao caso, deverá ser aplicada a Lei das Sociedades Anônimas no que houver compatibilidade.
31 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito. (BRASIL. Decreto-Lei4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao às normas do
Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso
em: 21 ago. 2014) 32 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 585. 33 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 400. v. 2.
30
3.3 Quota social
Para discutir sobre a quota social de uma sociedade limitada, é preciso antes entender
o que seja o capital social de uma sociedade empresária.
Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro34 definem o capital social como a
[...] tradução em moeda nacional dos valores ou bens que os sócios transferiram ou
se obrigaram a transferir à sociedade quando de sua constituição, valores e bens
esses que serão empregados na consecução dos objetivos sociais e sem os quais a
sociedade jamais atingiria os fins almejados por seus criadores.
O art. 287 do Código Comercial revogado bem traduzia essa concepção, ao dispor que
“é da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem
seja lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta
consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria”.
Rubens Requião 35 define o capital social como a “soma representativa das
contribuições dos sócios”, podendo ser constituído em dinheiro – a que os franceses chamam
de apport en numeraire – ou em bens – apport em nature.
Ressalta-se que capital social não se confunde com patrimônio social, que é “formado
pelo conjunto de bens e direitos pertencentes à sociedade empresária”36, embora eles possam
até ser coincidentes no ato da constituição da sociedade. Após este momento inicial, a
atividade empresária, naturalmente, gerará gastos e perdas, despesas e ganhos, os quais
poderão aumentar ou diminuir seu patrimônio, o que, conforme ressalta Marcelo Bertoldi e
Márcia Ribeiro, sujeita os sócios a deliberarem pela diminuição ou aumento do capital social
sempre que houver excessos, para que mantenham compatibilidade do seu valor com a
realidade da atividade.
Percebe-se que o capital social representa o estímulo econômico inicial, materializado
por bens, corpóreos ou incorpóreos, de quaisquer espécies – desde que mensuráveis em
dinheiro – transferidos pelos sócios para a constituição e operação da sociedade.
Vale destacar que o art. 1.05537 do Código Civil, veda a integralização por prestação
de serviços, assim como determina a responsabilidade pessoal de todos os sócios pela exata
34 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 162-163. 35 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 495. 36 BERTOLDI, op. cit. p. 163. 37 Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§ 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o
prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
31
valoração atribuída aos bens conferidos ao capital social, pelos quais respondem
solidariamente até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
Como ensinam Marcelo Bertoldi e Carla Ribeiro38, o capital social terá uma função
externa, correspondente à garantia que representa perante os credores da sociedade, e uma
função interna, a qual se destina a suprir a sociedade de bens necessários para a exploração da
empresa, nos termos propostos por sua constituição e objeto social. Em razão disso, é de
extrema importância que os bens integralizados representem, realmente, o valor atribuído ao
capital social.
O último dispositivo legal citado também estabelece que o capital social deve ser
divido em quotas, iguais ou desiguais.
A constituição do capital social é, literalmente, uma transferência de bens para a
sociedade. Cristiane Gandra, ao citar Paul Le Cannu39, destaca que o aporte se parece muito
com a venda, pois a propriedade do bem é efetivamente transferida para a sociedade que
detém personalidade, de modo que, em contraprestação ao bem dado em aporte, o sócio não
recebe um valor, mas as quotas ou ações, com a participação nos resultados (se houver)
referentes a elas.
Com base nestas noções, é possível entender que as quotas40 sociais representam o
produto do fracionamento do capital social, as quais devem ser repartidas, de maneira igual ou
desigual, entre os sócios, nos termos que forem dispostos no contrato social.
Waldemar Marins Ferreira41 para relacionar a concepção de quota social com capital
social:
[...] a quota, ao fazer parte do capital, “dele não se desintegra, mas ao contrário nele
se funde, deixando de pertencer ao sócio a fim de incorporar-se no cabedal
§ 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 13 jul. 2013). 38 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 163. 39 LE CANNU, Paul. Detroi des Sociétés. Paris: Montchrestien, 2002. p. 107, citado por GANDRA, Cristiane
Giuriatti. Partilha de quotas de sociedade limitada em virtude de dissolução de sociedade conjugal.
2006. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima.
Disponível em: <http://www.mcampos.br/posgraduacao/mestrado/ dissertacoes/2011/ cristiane giuriattipar
tilhaquotassociedadelimitada.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2014. 40 Embora seja comum a grafia distinta da palavra, segundo o Dicionário Aurélio e o Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa, quota ou cota possuem grafias corretas e tem significados idênticos. (FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda; FERREIRA, Marina Baird; ANJOS, Margarida dos (Coord.). Dicionário
Aurélio da língua portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010; ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
Quota ou cota: possuem grafias corretas e tem significados idênticos. Disponível em: <http://www.
academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23>. Acesso em: 19 out. 2014) 41 FERREIRA, Waldemar Martins. Sociedade por quotas. 5. ed. rev. aum. São Paulo: Companhia Graphico
Editora Monteito Lobato, 1925.
32
societário, uno e inteiriço”. Por fazer parte integrante do capital, o sócio tem “nada
mais do que as cifras do seu montante, medida dimensional para o exercício de seus
direitos, no confronto com os dos demais sócios”.
Isso porque, constituída e registrada a sociedade, começa a sua existência legal
como pessoa jurídica de direito privado, adquirindo, desde então, personalidade
jurídica, inconfundível com a dos sócios que a compõe. Portanto, quando o sócio
confere ao capital os seus cabedais, seja em dinheiro ou em bens, procede à
transferência da respectiva propriedade.
Desse contexto se extrai que o sócio transfere um imóvel sobre o qual ele possui um
direito real – direito de propriedade – para, em troca, receber quotas. Dessa contraprestação
surge uma premissa essencial para correlacionar o Direito das Sucessões com o Direito
Empresarial ao assunto ora proposto: a natureza híbrida das quotas sociais.
Conforme ensinam Marcelo Bertoldi e Márcia Ribeiro42, a natureza jurídica das quotas
possui duplo aspecto: quais sejam, como direito pessoal, por atribuírem a seu titular todos os
direitos inerentes ao sócio; e como direito patrimonial, por conferirem a seu dono o direito de
participar dos resultados sociais e da partilha no caso da liquidação da sociedade.
Essa distinção também é feita por Arnoldo Wald43, que destaca conforme feito no
Direito Alemão, anunciando a expressão Stammeinlage como definição para os direitos
patrimoniais, por representar parte de contribuição aos sócios e a expressão Geschäftsanteil,
que detona a direito pessoal, definido como status socii.
Leopoldo da Cunha Nicoli44 noticia que para a maioria da doutrina as quotas sociais
podem, além de comporem o patrimônio do sócio, representar também sua participação na
administração e fiscalização na gestão da sociedade. Desse modo, o aspecto patrimonial
consiste no valor pecuniário que elas representam em caso de liquidação da sociedade, bem
como na percepção de lucros. Já o direito ao status socii revela o direito de participar e de
opinar sobre o rumo da sociedade e suas decisões gerenciais.
Alguns autores, como José Edwaldo Tavares Borba 45 , entendem que as quotas
correspondem à posição de direitos perante a sociedade, os quais são direitos pessoais de
caráter patrimonial, enquanto a ação, ela própria, é objeto de direito, de tal forma que dela
decorrem os direitos de seu titular em relação à sociedade.
42 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 215. 43 WALD, Arnoldo. Comentários ao novo código civil. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. V. XIV, livro II, p. 357. 44 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 45-46. 45 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 11. ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p. 45.
33
A percepção principal a que se deve chegar é a de que a detenção de quotas de uma
sociedade apresenta duas distintas finalidades, as quais, embora sejam interligadas, podem
justificar a disciplina específica para o destino das quotas, como ocorre no caso de
falecimento de um sócio, o que será tratado adiante.
3.4 Contrato social
Nos termos dos arts. 45, 985 e 1.150 do Código Civil46, tem-se que as sociedades
empresárias são constituídas por meio do seu instrumento de constituição, o qual é chamado
de estatuto ou contrato social, a depender do tipo societário.
No caso das sociedades limitadas, deverá ser elaborado o contrato social, o qual será
arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais do
Estado onde ela operará suas atividades, no prazo de 30 (trinta) dias de sua assinatura, cuja
validade retroagirá a este momento.
Há uma larga discussão sobre a natureza jurídica do contrato social, haja vista que,
embora seja um contrato propriamente dito, não se detectam nele as características
tradicionais dos contratos em geral.
Autores, como Gierke, Duguit, Rocoo e Messineo citado por Marcelo M. Bertoldi47,
defendiam a ideia de que o contrato seria um ato complexo ou coletivo, já que, embora
existam a bilateralidade de interesses, deveres e direitos, estaria ausente o antagonismo entre
as partes envolvidas, pois não haveria interesses contrários, mas, ao contrário, a conjunção de
esforços dirigidos a um mesmo objetivo.
Posicionamento diferente e predominante é o que se atém à natureza contratualista das
sociedades.
46 Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito
privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei,
dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a
cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá
obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade
empresária. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 47 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 158.
34
Conforme ensina Tullio Ascarelli 48 , as sociedades empresárias são formadas por
contrato plurilaterais, os quais permitem a participação de mais de duas partes, sendo que
todas elas assumem obrigações e usufruem de direitos recíprocos. Na sociedade, embora
exista o conflito de interesse entre os envolvidos, todos têm uma finalidade em comum, que é
exatamente aquela associada à constituição, funcionamento e sucesso da sociedade formada.
A ideia é de que existe um feixe de obrigações entrelaçadas, e não uma contraposição de uma
parte contratante perante a outra.
Ainda que existam outras teorias, como comenta Leopoldo Nicoli49, prioriza-se essa
teoria contratualista (plurilateral), tendo em vista que para ela a conservação da empresa é
mais significativa do que a conservação do sócio, pelo que, quando se fala em dissolução,
deve-se procurar a possibilidade de romper apenas um vínculo contratual, permanecendo os
demais, em virtude do princípio da preservação e da função social da social.
Superadas essas questões referentes à natureza do contrato social, passa-se a defini-lo,
informando que o contrato social é um instrumento a ser elaborado pelos sócios fundadores da
sociedade, lavrado por instrumento público ou privado, o qual irá regular sua existência,
dispondo as regras essenciais para o seu funcionamento, como a definição do capital social, a
distribuição de quotas, a forma de administração da sociedade, o objeto social e o prazo de
duração, dentre outras disposições. Como afirma Marcelo Bertoldi50, o contrato social é o
instrumento que, ao regular o funcionamento da sociedade, impõe, em conjunto com o
ordenamento jurídico, as regras a que se submeterão a sociedade empresária e seus sócios.
Diante do que estabelecem o art. 997 do Código Civil51 e o art. 53, inciso III, do
Decreto 1.800/9652, é possível identificar que existem as cláusulas contratuais obrigatórias e
as facultativas.
48 ASCARELLI, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller,
2001. p. 374. 49 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 19. 50 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 206. 51 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas
estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a
denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens,
suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
35
As cláusulas obrigatórias são aquelas em que devem constar:
a) tipo de sociedade mercantil adotado;
b) nome empresarial, que pode ser firma social ou denominação social, a depender do
tipo societário;
c) endereço completo da sede e de eventuais filiais;
d) nome e qualificação completa dos sócios (quer sejam pessoas jurídicas ou naturais);
e) declaração precisa e detalhada do objeto social;
f) prazo de duração da sociedade;
g) responsabilidade dos sócios, dispondo se eles respondem, ou não, subsidiariamente,
pelas obrigações sociais;
h) capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer
espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
i) identificação da(s) quota(s) de cada sócio, forma e prazo de sua integralização;
j) prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
k) data de encerramento do exercício social, quando não coincidente com o ano civil;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no
instrumento do contrato. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 52 Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996.
Regulamenta a Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas
Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências.
Art. 53. Não podem ser arquivados:
[...]
III - os atos constitutivos e os de transformação de sociedades mercantis, se deles não constarem os seguintes
requisitos, além de outros exigidos em lei:
a) o tipo de sociedade mercantil adotado;
b) a declaração precisa e detalhada do objeto social;
c) o capital da sociedade mercantil, a forma e o prazo de sua integralização, o quinhão de cada sócio, bem
como a responsabilidade dos sócios;
d) o nome por extenso e qualificação dos sócios, procuradores, representantes e administradores,
compreendendo para a pessoa física, a nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência,
documento de identidade, seu número e órgão expedidor e número de inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas - CPF, dispensada a indicação desse último no caso de brasileiro ou estrangeiro domiciliado no
exterior, e para a pessoa jurídica o nome empresarial, endereço completo e, se sediada no País, o Número de
Identificação do Registro de Empresas - NIRE ou do Cartório competente e o número de inscrição no
Cadastro Geral de Contribuintes - CGC;
e) o nome empresarial, o município da sede, com endereço completo, e foro, bem como os endereços
completos das filiais declaradas;
f) o prazo de duração da sociedade mercantil e a data de encerramento de seu exercício social, quando não
coincidente com o ano civil; (BRASIL. Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996. Regulamenta a Lei8.934,
de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1800.htm>.
Acesso em: 21 ago. 2014).
36
l) identificação das pessoas naturais incumbidas da administração ou representação
(por procuração) da sociedade, e seus poderes e atribuições, cuja qualificação deve
ser completa;
m) qualificação do administrador não sócio, designado no contrato;
n) participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; e
o) foro ou cláusula arbitral.
Marcelo Bertoldi53 acrescenta que se a omissão da cláusula que menciona ser limitada
a responsabilidade dos sócios à integralização do total do capital social for omissa, isso pode
causar discussões acerca da melhor interpretação. Mas registra que, diante do art. 1.052 do
Código Civil, se no contrato social constar claramente que os sócios quando da constituição
da sociedade, quiseram adotar a sociedade limitada, a limitação da responsabilidade de seus
sócios será automaticamente incorporada.
Dentre as cláusulas facultativas, as quais podem ser as mais diversas, a depender do
interesse dos sócios, é possível elencar as que dispõem sobre:
a) regras da administração da sociedade, como a disposição sobre a administração de
dois, mais de dois ou todos sócios em conjunto, ou a administração por pessoa que
não seja sócio, ex vi arts. 1.013 e 1.061 do Código Civil;
b) regras das reuniões de sócios, nos termos do art. 1.072 do Código Civil;
c) previsão de regência supletiva da sociedade pelas normas da sociedade anônima,
conforme art. 1.053, parágrafo único do Código Civil54;
d) hipóteses de exclusão de sócios por justa causa, nos termos do art. 1.085 do Código
Civil;
e) instituição de Conselho Fiscal, com amparo do art. 1.066 do Código Civil; e
f) disposições sobre a liquidação da quota, pagamento dos haveres, permissão ou
proibição de ingresso dos herdeiros, em caso de óbito de alguns dos sócios, como
previsto no art. 1.028 do Código Civil55.
53 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 206. 54 Sobre o assunto, remete-se ao subtítulo “2.2. Legislação aplicável” supra. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de
janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto .gov.br/ccivil_ 03/leis/ 2002 /
l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 55 Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. (BRASIL. Lei 10.406, de 10
de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_ 03/ leis/2 0
02/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).
37
Com base nessas diretrizes, é possível perceber que o contrato social se apresenta
como um contrato tipo, porém revestido de requisitos mínimos, os quais lhe atribuem
características próprias.
Passa-se à análise das hipóteses de dissolução da sociedade limitada, para que seja
possível aprofundar o estudo voltado para a situação do falecimento de um sócio.
3.5 Dissolução da sociedade limitada
Toda atividade empresária, assim considerada como “a prática de atos seriados, mas,
sobretudo, coordenados entre si para alcançar a finalidade que é o lucro”56, se propõe a
perdurar no tempo, enquanto persistir a busca por seu fim.
Sabe-se que a atividade empresária pode ser desenvolvida através das sociedades, que
podem ser empresárias ou simples. Assim também é cediço que uma sociedade pode ser
estabelecida por tempo determinado, com objeto específico, ou por prazo indeterminado.
Por ora, será tratada apenas a sociedade empresária constituída com base no tipo de
sociedade limitada (de responsabilidade limitada) que seja estabelecida por prazo
indeterminado.
A sociedade limitada, como todas as sociedades, é criada para exercer seu objeto
social, buscando os fins para os quais é constituída.
Contudo, por inúmeras razões, sua destinação ou seu funcionamento podem se perder,
implicando a extinção das atividades ou a alteração do quadro social, isto é, a dissolução da
sociedade, que poderá ser total ou parcial.
Egberto Lacerda Teixeira57 ensina:
As sociedades mercantis, dotadas de existência distinta da dos seus membros,
nascem, vivem crescem e morrem. A morte, contudo, salvo casos esporádicos de
desenlace fulminante, representa um longo e complexo processo de aniquilamento
da empresa – a dissolução.
Etimologicamente, o vocábulo dissolução vem do latim dissolutio, dissolvere (desatar,
desligar, separar). No entanto, ensina o professor Fábio Ulhoa 58 , no Direito Societário,
56 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 71. 57 TEIXEIRA, Lacerda Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 348. 58 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 486. v. 2
38
dissolução pode significa em sentido amplo o procedimento de terminação da personalidade
jurídica da sociedade empresária, implicando no conjunto de atos necessários para sua
extinção como sujeito de direito; e em sentido estrito o ato, judicial ou extrajudicial, que
desencadeia o procedimento de extinção da pessoa jurídica, englobando as fases de dissolução
(sentido estrito – ato ou fato desencadeante), liquidação (solução das pendências
obrigacionais da sociedade) e partilha (repartição do acervo entre os sócios). Tais acepções
geram, nas palavras do aludido autor, duas expressões: “dissolução-procedimento” e
“dissolução-ato”.
Mauro Rodrigues Penteado59 esclarece que:
[...] estritamente considerada, a dissolução corresponde a um eventual pontual que
modifica o status da companhia por coloca-la em situação jurídica típica de
liquidação, na qual se instaura, com menor ou maior rapidez, o procedimento
tendente a esse fim, previsto em lei. [...] Nesse sentido preciso, a dissolução equivale
‘a causa, ou, como já se sustentou, ao “motivo jurídico” que, se não removido pela
assembleia geral de acionistas, leva à extinção da sociedade.
As terminologias utilizadas para tratar dos tipos de dissolução parcial são, por vezes,
consideradas de forma diversas pelos doutrinadores. Vale esclarecer que, quando se fala trata
neste trabalho de dissolução parcial remete-se à ideia da extinção da sociedade em relação a
um dos sócios, pela singular forma de ruptura do liame societário.
3.5.1 Legislação aplicável
O modelo de sociedade limitada adotado pela legislação brasileira foi inserido no
ordenamento vigente pelo Decreto 3.708, de 1919. Tal diploma foi completamente omisso
quanto às causas ou formas de dissolução e liquidação das sociedades por quotas, não sendo
feita nem mesmo qualquer remissão ao Código Comercial ou ao estatuto legal das sociedades
anônimas, como comenta Egberto Teixeira60.
O professor Jason Soares de Albergaria Neto61 esclarece que as sociedades limitadas
podem adotar as regras da sociedade simples, escolhendo o modelo societário previsto no
59 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades: dissolução parcial. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2000. p. 61. 60 TEIXEIRA, Lacerda Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 350. 61 ALBERGARIA NETO, Jason Soares de. A dissolução da sociedade limitada no novo Código Civil. In:
BERALDO, Leonardo de Faria (Org.). Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007. p. 234.
39
Código Civil podem se submeter aos princípios das sociedades anônimas, seguindo a
normatização da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). Acrescenta, ainda, que tais
sociedades deixaram de ser regulada por Lei Especial, diante da revogação do Decreto-Lei
3.708/1919, passando a integrar aos modelos societários previstos pelo Código Civil,
regulamentada pelos arts. 1.052 a 1.087.
Sobre a legislação a ser aplicada nestes casos, remete-se ao subtítulo “2.2. Legislação
aplicável”, no qual o tema já foi abordado.
Acrescenta-se, assim como fez Cristiane Gandra62, que, para identificar as regras que
disciplinem a dissolução de uma sociedade limitada, é preciso, primeiramente, observar a
natureza dela quanto à ideia de ser uma sociedade de pessoas ou de capitais.
Quando se tem uma sociedade de pessoa, há a predominância do intuito personae, de
forma que as características pessoais de cada sócio é que justifica o laço societário, em razão
da reciprocidade de conhecimento e confiança. Sobre o tema, Modesto Carvalhosa63 elucida:
Dessa confiança recíproca entre os sócios decorrem princípios que imperam na
organização da sociedade, tais como o impedimento de livre cessão das quotas
sociais a terceiros estranhos à sociedade, a tomada de determinadas deliberações por
unanimidade e a dissolução da sociedade em razão de morte, interdição ou falência
de algum dos sócios.
Já na sociedade de capitais, como as sociedades anônimas, o que prevalece é o intuitus
pecuniae, pois a formação do capital é mais importante para a manutenção do laço societário
do que as características pessoais dos sócios.
Embora exista essa distinção, como já visto, a legislação permite a aplicação supletiva
de regras próprias de sociedade distinta. Por exemplo, às sociedades limitada serão aplicadas
as regras das sociedades anônimas, conforme conclui Cristiane Gandra64:
Assim, pode-se concluir que não serão aplicadas as regras das sociedades anônimas
‘nos temas regulados de modo completo pelo contrato social ou naqueles em que o
Código Civil é impositivo’, cabendo lembrar que tanto a constituição quanto a
dissolução da sociedade limitada serão sempre regidas pelo Código Civil, uma vez
que antagônicas as regras previstas na lei do anonimato, de caráter institucional, e as
das limitadas, de caráter contratual.
Neste caso, as regras supletivas aplicáveis às limitadas seriam as previstas para o
regramento das sociedades simples.
62 GANDRA, Cristiane Giuriatti. Partilha de quotas de sociedade limitada em virtude de dissolução de
sociedade conjugal. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial) – Faculdade de Direito Milton
Campos, Nova Lima. Disponível em: <http://www.mcampos. br/posgraduacao/ mestrado/ dissertacoes/ 2011/
cristianegiuriattipartilhaquotassociedadelimitada.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2014, p. 91-93. 63 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do Direito de Empresa. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 35-36. v. 13. 64 GANDRA, op. cit. p. 100.
40
O atual Código Civil regulamentou as causas de dissolução da sociedade limitada em
seus arts. 1.004, 1.029, 1.030, 1.033, 1.044, 1.077 e 1.085, destacando-se tanto as causas de
dissolução total como as de dissolução parcial, que serão tratadas neste estudo, sobretudo o
art. 1.028, que se refere à hipótese de falecimento de um sócio.
Ressalta-se que é o contrato social da sociedade limitada que permitirá a solução
adequada para identificar a legislação aplicável, já que ela pode assumir feição pessoalista ou
capitalista.
Egberto Teixeira65 afirma que o contrato pode: enumerar, taxativamente, as causas de
dissolução; fazer remissão expressa às causas de dissolução recolhidas no Código Comercial
ou na legislação do anonimato; indicar e exemplificar, algumas de suas causas específicas,
sem afastar as possibilidades previstas na lei em vigência; e omitir-se a respeito de toda a
matéria. Nas duas primeiras hipóteses, não remanesceriam dúvidas. Contudo, nas duas
últimas situações ainda existe grande discussão.
Para Fábio Ulhoa Coelho 66 , existem dois tipos de sociedade limitada no Direito
brasileiro: as sociedades instáveis e as estáveis. Essa classificação será referenciada neste
trabalho, de acordo a explicação a seguir:
O primeiro subtipo é o da sociedade limitada sujeita à regência supletiva das normas
da sociedade simples. Trata-se da sociedade em que o contrato social não elege a
LSA como norma de regência supletiva. Quer dizer, sendo o instrumento contratual
omisso quanto à disciplina supletiva ou adotando expressamente as normas da
sociedade simples por parâmetro, a sociedade limitada será desse primeiro subtipo.
Proponho chamar as sociedades deste subtipo I de limitadas com vínculo societário
instável. Isto porque, quando contratadas por prazo indeterminado, qualquer sócio
pode dela se desligar, imotivadamente, por simples notificação aos demais, a
qualquer tempo. Aplica-se, com efeito, a essa sociedade limitada o disposto no art.
1.029, do CC (do capítulo das “sociedades simples”), que assegura ao sócio o direito
de retirar-se da sociedade sem prazo, mediante simples notificação aos demais, com
antecedência de 60 dias. O sócio retirante tem direito ao reembolso de suas quotas
pelo valor patrimonial.
O segundo subtipo de sociedades limitadas é o das sujeitas à regência supletiva da
LSA. Para tanto, é necessário que o contrato social contemple cláusula expressa
mencionando a opção dos sócios por essa disciplina supletiva. Sem a expressa
eleição pelos sócios da LSA como fonte supletiva de regência da sociedade,
submete-se ela às regras da sociedade simples.
Proponho chamar as sociedades deste subtipo II de limitadas com vínculo societário
estável. Como, nesse caso, não se aplica o art. 1.029 acima mencionado, e não se
65 TEIXEIRA, Lacerda Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 350; 66 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 404.
41
encontra, por outro lado, na LSA, nenhuma norma contemplando qualquer forma de
dissolução parcial da sociedade, segue-se que não há fundamento legal para o sócio
pretender desligar-se imotivadamente do vínculo societário que o une aos demais.
Mesmo sendo contratada a limitada por prazo indeterminado, como a lei de regência
supletiva é a LSA, não há meios de o sócio se retirar da sociedade, a não ser na
hipótese do art. 1.077, também do CC (modificação do contrato social, fusão ou
incorporação).
Embora a divisão proposta pelo citado doutrinador não seja largamente utilizada por
outros autores, por ora vale considerá-la como uma forma de identificar as sociedades e seu
respectivo regime jurídico, para que seja possível analisar os efeitos da dissolução parcial.
3.5.2 Causas de dissolução total e parcial
O contrato social se apresenta como um contrato plurilateral, o qual pode ser
vislumbrado pela imagem de um feixe de obrigações, o qual permite a visualização da
distinção feita pela doutrina quanto à divisão em dissolução total – quando há rompimento de
todos os vínculos contratuais, levando à extinção da pessoa jurídica –, ou parcial – quando há
rompimento de um ou alguns vínculos, remanescendo outros que garantem a preservação da
empresa perquirindo sua função social.
A dissolução total de uma sociedade empresária implica o desfazimento de todos os
vínculos obrigacionais, cujas causas são previstas pelo Código Civil de 2002 dentre as normas
da sociedade simples e, antes de sua vigência, aplicava-se, subsidiariamente, a Lei das
Sociedades Anônimas, as quais são enumeradas comparativamente no Quadro 1 elaborado
pelo mencionado autor Leopoldo Nicoli67, adotando o entendimento de Waldecy Lucena:
67 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 22.
42
Quadro 1 – Causas da dissolução total da sociedade empresária
Sociedade Limitada – Código Civil Sociedade Anônima – Lei da S/A
Extirpação do prazo de duração – art. 1033, I Extirpação do prazo de duração – art. 206, I, a
Falência da sociedade – art. 1.044 Falência da sociedade – art. 206, II, c
Mútuo consenso – art. 1.033, II e III Deliberação de assembleia geral – art. 206, I, c
Exaurimento ou Inexequibilidade do fim social –
art. 1.034, II Inexequibilidade do fim social – art. 206, II, b
Causas previstas no contrato social – art. 1.035 Causas previstas no estatuto social – art. 206, I, b
Existência de um único sócio, sem reconstituição
da pluralidade social – art. 1.033, IV
Existência de um único sócio, sem reconstituição
da pluralidade social – art. 206, II, d
Anulação de constituição – art. 1.034, I Anulação de constituição – art. 206, II, a
Ato do príncipe – extinção de autorização para
funcionar – art. 1.033, V
Ato do príncipe – extinção de autorização para
funcionar – art. 206, I, “e”, e III
Fonte: NICOLI, Leopoldo da Cunha. 2012, p. 22 (Título do autor do trabalho)
Considerando que a dissolução total não corresponde ao tema principal deste trabalho,
serão abordadas com detalhes apenas as causas de dissolução parcial, especialmente quando
causadas em razão do falecimento de um sócio.
Jason de Albergaria Neto68 comenta que alguns autores apontam a impropriedade da
expressão dissolução parcial, pois esta corresponderia à situação em que apenas um sócio é
afastado, com a manutenção do contrato e o fundamento na conveniência ou necessidade de
preservação do organismo social, implicando, portanto, reconhecer que não há a intenção em
desaparecer com a empresa, o que melhor subsumiria a verdadeira acepção da palavra
dissolução.
Independentemente da terminologia, antes mesmo da entrada em vigor do atual
Código Civil, quando ainda não havia previsão expressa para tal situação – e privilegiava-se a
pessoa do sócio, buscando a liquidação do passivo e realização do ativo e restituindo o saldo
remanescente –, a doutrina e a jurisprudência foram mutuamente responsáveis pela criação
supralegal da dissolução parcial de sociedade limitada, a partir da interpretação do art. 335,
item 5 do Código Comercial69.
68 ALBERGARIA NETO, Jason Soares de. Partes na ação de dissolução de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada. 2001. 270 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito.
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 176. 69 Código Comercial, art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas:
1 - Expirando o prazo ajustado da sua duração.
2 - Por quebra da sociedade, ou de qualquer dos sócios.
43
O mencionado autor explica70:
Assim, na sociedade instituída por prazo indeterminado, presume-se que os sócios se
reservam o direito de dissolvê-las quando qualquer um bem entendesse, eis que não
contrataram a obrigação in aeternum na sociedade.
A dissolução parcial tutela dois interesses opostos um dos sócios majoritários que
pretendem continuar com a empresa e, de outro lado, o do(s) sócio(s) minoritário(s)
que não quer mais permanecer contratado(s).
Ninguém pode obrigado a continuar na sociedade contra a sua vontade. Concede-se
ao sócio que se julgue incompatibilizado com ela ou desconfie de que ela se
encontra destituída de condições assecuratórias do êxito o direito de romper os laços
sociais, nos termos do art. 335, V do Código Comercial, segundo o qual os laços
sociais podem se romper pela vontade de um único sócio.
A intenção da figura da dissolução parcial sempre foi a de preservar a empresa, não
sendo possível que as vicissitudes pessoais dos sócios pudessem provocar a extinção da
sociedade. É a partir dessa construção jurisprudencial e doutrinária, ainda na década de 1970,
que começa a surgir o princípio da preservação da empresa, que ganhou força, pois a
permanência desta atividade garante a produção, o trabalho e os serviços dentro de uma
comunidade.
Resume Fábio Ulhoa Coelho71:
O princípio da preservação da empresa, esculpido na doutrina e na jurisprudência
principalmente a partir dos anos 1960, recomenda a dissolução parcial da sociedade
limitada, como forma de resolver conflitos entre os sócios, sem comprometer o
desenvolvimento da atividade econômica nem sacrificar empregos, reduzir o
abastecimento do mercado de consumo ou prejudicar pessoas direta ou
indiretamente beneficiadas com a empresa.
A dissolução parcial surgiu como forma de conciliar o princípio da preservação da
empresa com o princípio da função social e, ao mesmo tempo, respeitar o direito
constitucional72 de que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado.
3 - Por mútuo consenso de todos os sócios.
4 - Pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos que sobreviverem.
5 - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado.
Em todos os casos deve continuar a sociedade, somente para se ultimarem as negociações pendentes,
procedendo-se à liquidação das ultimadas. (BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30
jul. 2014). 70 ALBERGARIA NETO, Jason Soares de. Partes na ação de dissolução de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada. 2001. 270 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito.
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 177. 71 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 494.
44
Com o Código Civil de 2002, como menciona o citado doutrinador, a lei passou a
disciplinar algumas das hipóteses de dissolução parcial das sociedades limitadas sob o
conceito de resolução da sociedade em relação a um sócio, previstas nos arts. 1.028 a 1.032,
1.085 e 1.086.
Vale destacar que, embora pudesse ser pressuposto lógico da dissolução parcial da
sociedade sua permanência com pluralidade de sócios, a jurisprudência passou a admitir a
unipessoalidade incidental temporária das sociedades limitadas como forma de evitar a
dissolução total da sociedade, contornar dificuldades operacionais que dela decorreria, e
preservar a limitação da responsabilidade do empreendedor, segundo Fábio Ulhoa Coelho73.
Com o advento do Código Civil de 2002, tal situação também foi regulamentada,
passando a ser possível que a sociedade limitada sobreviesse com apenas um sócio, pelo prazo
máximo de 180 dias, eis que, ao final, a pluralidade deve ser restabelecida, sob pena de seu
funcionamento ser considerado irregular, sujeitando-se às normas da sociedade em comum.
Essa penalidade, contudo, não será aplicada caso o sócio remanescente requeira a
transformação da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de
responsabilidade limitada, conforme dispõe o art. 1.033, parágrafo único do Código Civil.
A doutrina tem mencionado que são hipóteses de dissolução parcial, as quais serão
expostas a seguir: a rescisão do contrato social, relativamente a um dos sócios, por consenso
entre todos os sócios; o direito de retirada; a expulsão; o falecimento de um sócio; e a
liquidação da quota a pedido do credor do sócio.
3.5.2.1 Consenso entre os sócios
Diante da natureza contratualista da sociedade limitada, tem-se que a rescisão do
contrato social quanto a um dos seus sócios, resgatando novamente a ideia do contrato
pluritaletral, pode ser feita mediante o mero consenso entre todos os sócios que compunham a
sociedade.
72 Constituição Federal, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; (BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 ago. 2014) 73 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 496.
45
Em tal hipótese, os sócios devem definir a saída e o valor a ser pago pela sociedade ao
sócio, formalizando o ajuste pela assinatura do instrumento de alteração contratual, restando
caracterizada a dissolução parcial extrajudicial.
Registra-se que em caso de dissolução parcial a liquidação da quota do sócio falecido
dar-se-á, conforme dispõe o art. 1.031 do CC, com base na situação patrimonial da sociedade,
à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a
correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota (§1º do art.
1.031), devendo a quota liquidada ser paga, nos termos do §2º do art. 1.031, em dinheiro, no
prazo de 90 (noventa) dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em
contrário.
Como defendido por Fábio Ulhoa Coelho74, na prática é comum que a dissolução
parcial amigável se concretize mediante a aquisição das quotas pelos demais sócios,
caracterizando uma cessão de quotas, e não propriamente uma dissolução parcial do contrato
social.
3.5.2.2 Direito de retirada
O art. 1.029 do Código Civil, estabelecido dentre as regras da sociedade simples,
determina que:
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode
retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais
sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado,
provando judicialmente justa causa.
Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios
optar pela dissolução da sociedade.
O art. 1077 do Código Civil, instituído dentre as regras da sociedade limitada, assim
estabelece:
Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade,
incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de
retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no
silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.
74 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 497.
46
Não obstante a discussão acerca da aplicabilidade das regras das sociedades simples
no regime das sociedades limitadas, como mencionado alhures, Fábio Ulhoa Coelho75 aduz:
Se a sociedade limitada de vínculo instável é contratada por prazo indeterminado, o
sócio pode desligar-se, a qualquer tempo, das obrigações assumidas ao assinar o
contrato social. Como não se obrigou a manter o seu investimento na limitada, por
um prazo fixo, em razão do princípio da autonomia da vontade, ele pode liberar-se
da condição de sócio no momento em que for de seu interesse (CC, art. 1029). É a
hipótese de retirada imotivada. Já na sociedade de vínculo instável contratada por
prazo determinado e na de vínculo estável, o sócio pode retirar-se quando divergir
de alteração contratual, incorporação ou fusão deliberada pela maioria (CC, art.
1.077). Nesses casos, a retirada é motivada, já que o direito do sócio não depende
apenas da vontade dele.
Também chamado de “recesso”, o direito de retirada garante ao sócio a oportunidade
de requerer sua retirada, individual, por meio de uma simples manifestação de vontade. Trata-
se de um ato unilateral, consubstanciado em um direito irrenunciável, indivisível, potestativo,
de efeitos ex nunc, pelo qual remanesce à sociedade e aos demais sócios apenas a posição de
mera sujeição, devendo apenas substituir o quotista ou proceder à redução do capital social.
Comenta Priscila M. P. Corrêa Fonseca76:
A eficácia do direito de recesso, uma vez notificada a sociedade, não pode ser
obstaculizada por qualquer ulterior deliberação da sociedade, inclusive a que venha
a referendar a exclusão do próprio retirante.
Percebe-se que a intenção deste direito é preservar a garantia dos sócios minoritários
de discordar com as alterações da sociedade e, ao mesmo tempo, permitir a preservação e
pacificação das sociedades.
Para Fonseca, o exercício desse direito retira dos demais sócios a possibilidade de
qualquer questionamento, pelo que também não reclama do sócio retirante qualquer
justificativa nem a comprovação de que a alteração contratual lhe tenha provocado qualquer
prejuízo. Ela entende, inclusive, que se trata de um direito insuscetível, inclusive, de ser
abdicado por convenção dos sócios.
O posicionamento adotado pela aludida autora enfrenta algumas críticas, na medida
em que é possível encontrar alguns autores que entendem ser possível imputar condicionantes
ao exercício do direito de retirada ou, no mínimo, que seja exigida a apresentação do motivo,
a fim de afastar eventuais surpresas e desgastes inesperados para a sociedade empresária.
75 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 497. 76 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio. São Paulo: Atlas,
2002. p. 26-29.
47
Embora exista tal divergência, é possível encontrar jurisprudências que consolidam o
entendimento de que a mera quebra do affectio societatis é suficiente para requerer o direito
de retirada, tendo em vista que há respaldo no art. 5º, inciso XX, da Constituição da
República, o qual preceitua que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a
permanecer associado”.
A manifestação da vontade do sócio deverá ser feita por escrito, o que se justifica,
sobretudo, para viabilizar a comprovação do exercício do direito de recesso, indispensável à
fixação da data para apuração de haveres.
Os termos do art. 1.029 do Código Civil, acima transcritos, vêm gerando grande
insegurança na identificação do momento em que se opera a dissolução parcial por retirada
imotivada.
Corroborado pela interpretação dos arts. 1.029 a 1.032 do Código Civil, tem-se que o
rompimento do vínculo dá-se no momento da inequívoca manifestação de vontade do sócio de
se retirar, em se tratando de sociedade limitada, entendimento exposto no Recurso Especial
646.221/PR77 do Superior Tribunal de Justiça:
Todavia, há autores que sustentam que, ao estabelecer “com antecedência mínima de
sessenta dias”, o art. 1029 do Código Civil faz com que se deva entender que o rompimento
do vínculo dar-se-ia tão somente após este prazo, pois em caso contrário não teria sentido sua
previsão, já que não haveria outro efeito relevante, senão o de estabelecer o momento de
rompimento do vínculo.
Independente de tais divergências, certo é que, perante terceiros, é inequívoca a
necessidade de providenciar a substituição do quotista ou de proceder à redução do capital
social, mediante alteração no contrato social, que deverá ser arquivado na competente Junta
Comercial, para que gere efeitos perante terceiros e cesse a responsabilidade do sócio
dissidente.
77 Direito societário. Recurso especial. Dissolução parcial de sociedade limitada por tempo indeterminado.
Retirada do sócio. Apuração de haveres. Momento. - A data-base para apuração dos haveres coincide com o
momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo
indeterminado. - Quando o sócio exerce o direito de retirada de sociedade limitada por tempo indeterminado,
a sentença apenas declara a dissolução parcial, gerando, portanto, efeitos ex tunc. Recurso especial conhecido
e provido.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial 646.221 - PR (2004/0031511-7).
Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. Data de Julgamento 19/04/2005. Data de publicação
30/06/2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ revistaeletronica/ inteiroteor? num_ registro= 2
00400315117&data=8/8/2005>. Acesso em: 20 maio 2013).
48
3.5.2.3 Expulsão ou exclusão
Priscila Fonseca 78 ensina que a expulsão, ou exclusão, do sócio ocorre com o
afastamento compulsório do sócio descumpridor de suas obrigações sociais.
A expulsão, ou exclusão, do sócio pode acontecer nas seguintes situações:
a) referente ao sócio remisso, que é aquele que descumpre seus deveres de sócio (art.
7º do Decreto 3.708/19, art. 289 do revogado Código Comercial e art. 1.004 do
Código Civil). Em tal hipótese, dar-se-á direito aos demais sócios de optarem em
face do sócio remido pela cobrança, pela redução das quotas ao montante já
realizado ou pela exclusão;
b) em caso de falta grave no cumprimento de suas obrigações (art. 1.030 do Código
Civil), quando a maioria dos sócios pode requerer a exclusão judicial do sócio;
c) em caso de incapacidade superveniente do sócio (art. 1.030 do Código Civil);
d) quando for decretada a falência do sócio (art. 48 da Lei de falência e art. 1030,
parágrafo único do Código Civil);
e) quando se tratar de sociedade limitada, a maioria dos sócios, representativa de mais
da metade do capital social, poderá excluir aquele que estiver pondo em risco a
continuidade da empresa em virtude de atos de inegável gravidade (art. 1.085 do
Código Civil);
f) outras situações previstas no contrato social, como, por exemplo, atos
desempenhados pelo sócio que represente concorrência desleal para a sociedade e
uso indevido da firma ou da denominação social, dentre outras.
Novamente, tem-se a disciplina dirigida para as sociedades simples e para a sociedade
limitada, regidas, respectivamente, pelos arts. 1.030 e 1.085 do Código Civil, conforme se
verifica:
Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio
ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por
falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade
superveniente.
Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado
falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do
art. 1.026.
[...]
78 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2012. p. 21.
49
Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios,
representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios
estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável
gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social,
desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou
assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil
para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
A principal diferença entre os citados dispositivos se traduz na gravidade do motivo
capaz de provocar a exclusão, sendo que uma dissolução parcial judicial deve ser buscada em
casos mais graves. Quando se tratar de situações mais brandas, que estejam previstas no
contrato social, segue-se pela dissolução parcial extrajudicial.
Ressalta-se a síntese elaborada por Ulhoa Coelho79:
A expulsão do sócio pode ser feita sempre que a causa for a mora na integralização
do capital social ou por deliberação da maioria societária, em reunião ou assembleia
de sócios convoca especialmente para essa finalidade, desde que o contrato social
contenha cláusula que a permita (exclusão extrajudicial). Sendo remisso,
inadimplente ou desleal o sócio majoritário, ou não havendo cláusula contratual
permissiva, a expulsão deve ser pleiteada em ação de dissolução (exclusão judicial)
[...]. O que se dá, afinal, é uma específica distribuição de ônus de prova: na
extrajudicial, o expulso deve provar em juízo que não descumpriu nenhuma de suas
obrigações de sócio, se pretender se reintegrar à sociedade; na expulsão judicial,
cabe aos remanescentes provar a culpa do sócio, cuja expulsão pleiteiam.
Em qualquer das hipóteses, constata-se que se trata de uma medida coativa contra o
sócio descumpridor de suas obrigações e causador de discórdia e desavenças.
Por fim, elucida-se que a exclusão opera seus efeitos a partir da deliberação que a
proclame, gerando eficácia imediata. Em relação ao sócio excluído, os respectivos efeitos
somente começam a fluir – dado o respectivo caráter receptivo – com base na ciência da
alteração processada e, relativamente a terceiros, a contar do arquivamento a ser realizado
perante a Junta Comercial.
3.5.2.4 Liquidação da quota a pedido do credor do sócio
Dispõe o art. 1.026 do Código Civil:
79 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 449.
50
Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do
devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade,
ou na parte que lhe tocar em liquidação.
Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a
liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será
depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela
liquidação.
Constata-se que a lei garante ao credor do sócio devedor a possibilidade de pedir ao
juiz que seja realizada a dissolução parcial da sociedade limitada, obrigando-se a proceder à
apuração de haveres no prazo de noventa dias, depositando no juízo da execução o valor do
reembolso o quanto baste para a satisfação do crédito exequendo.
Ensina Fábio Ulhoa Coelho 80 que a apuração dos haveres será feita pela própria
sociedade, sem que o credor possa discutir os critérios de avaliação do ativo e do passivo dos
empregados no levantamento do balanço de determinação.
O doutrinador ressalta que este caminho é muito oneroso para a sociedade, que, em
regra, sequer é responsável pelo débito. Por isso, em respeito ao princípio da preservação da
empresa, o juiz somente poderia determinar essa modalidade se já não houver mais nenhum
outro bem disponível no patrimônio do sócio executada.
Retomando, novamente, a classificação que o autor faz quanto aos tipos de sociedade
em razão das normas aplicadas, ele afirma que na sociedade limitada de vínculo estável não
haveria a possibilidade deste tipo de execução, pois não há dispositivo semelhante na Lei das
Sociedades Anônimas, restando ao credor tão somente a possibilidade de postular a penhora
das quotas sociais.
3.5.2.5 Falecimento de um sócio
Conforme narra Marlon Tomazette81, no regime do Código Comercial de 1850 podia-
se afirmar que a morte de um dos sócios implicaria a dissolução da sociedade. Assim como o
código Napoleônico, tal diploma legal foi inspirado no extremo individualismo. Com base em
seu texto, era possível afirmar que se um dos sócios faltasse a sociedade deveria ser extinta.
Diante da natureza personalista da relação entre os sócios, privilegiava-se mais o interesse do
sócio em detrimento do interesse da sociedade.
80 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 500. 81 TOMAZETTE, Marlon. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 134.
51
O Decreto 3.708/19 também era omisso quanto ao destino da sociedade em caso de
falecimento de um dos sócios, o que levou ao entendimento de que resultaria,
inexoravelmente, na dissolução total ou parcial da sociedade limitada.
Essa omissão acabou por permitir que os contratos sociais estabelecessem formas
diversas, pactuando-se, inclusive, pela admissão dos herdeiros, que poderia ou não ser
condicionada à deliberação dos demais sócios.
Foi esse comportamento que permitiu a prevalência do interesse da sociedade,
sobretudo, por terem sido reconhecidas a personalidade jurídica autônoma da sociedade e a
natureza plurilateral do contrato que une os sócios.
O Código Civil atual, consagrando a função social da sociedade e o princípio da
preservação da sociedade empresária, estabeleceu em seu art. 1.028, in verbis:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
Percebe-se que o diploma civilista acabou por consolidar o que já era prática, sendo
possível pontuar as seguintes situações quanto à sucessão causa mortis do sócio (a) prévia
estipulação contratual (art. 1.028, inciso I do Código Civil) e (b) ausência de estipulação
contratual (art. 1.028, incisos II e III do Código Civil). Ambas as situações acarretariam nas
seguintes consequências: transferência de quotas aos herdeiros e legatários; pagamento aos
herdeiros do valor relativos às quotas do sócio falecido; e aplicação do que eventualmente
estiver previsto no contrato social.
Fábio Ulhoa Coelho82 ensina que o falecimento do sócio somente implica a dissolução
da sociedade limitada com vínculo instável. Mesmo assim, quando o sucessor não desejar
entrar para a sociedade ou, sendo ela de pessoas, os sócios sobreviventes desejarem impedir o
ingresso dele.
Ele afirma ainda:
Se estão todos de acordo em manter os vínculos sociais, não há razão para a
apuração dos haveres, nem mesmo se prevista esta no contrato social. É um
despropósito exigir a dissolução parcial da sociedade se o sucessor e os
sobreviventes podem, ato contínuo, restabelecer os mesmos vínculos societários.
82 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
p. 498-499.
52
Já na sociedade limitada de vínculo estável funcionará de forma contrária. Isto é, se os
sócios sobreviventes não desejarem o ingresso dos sucessores na sociedade, ou estes não se
interessarem por fazer parte dela, a dissolução parcial dependerá necessariamente de acordo
entre eles, pois neste caso a morte nunca implicará em dissolução parcial, devendo os
sucessores nela ingressar, como o autor também elucida:
Se uma das partes – sucessores ou sócios sobreviventes – não querem a apuração
dos haveres, a outra tem de conformar com a transferência das quotas do falecido
aos sucessores. Assim é porque a LSA, norma de regência supletiva das limitadas
desse subtipo, não prevê o reembolso das ações em favor dos sucessores do acionista
falecido. Não se aplica a essas limitadas, por outro lado, o art. 1.028 do Código
Civil, que se abriga no capítulo relativo às “sociedades simples”.
Marlon Tomazette83 também elucida:
A natureza personalista da relação entre os sócios impede que haja de pleno direito a
transmissão da condição de sócio aos herdeiros do sócio falecido, pois não é
indiferente para a vida da sociedade quem adquire a qualidade de sócio. [...] De
outro lado, a natureza personalista da sociedade simples pode impedir o
prosseguimento da empresa, diante da importância que o sócio falecido possuía na
vida da sociedade. Nesse caso, os sócios podem deliberar a dissolução total da
sociedade, que agora não é consagrada como a regra, mas como a exceção que
depende da manifestação dos sócios em assembleia ou no próprio contrato social.
Vale ressaltar que a transmissão da herança não se confunde com a sucessão da
condição de sócio, pois há diferença entre o valor econômico das quotas e a condição de
sócio, como se observa no comentário feito por Leopoldo da Cunha Nicoli84:
Os sócios podem dispor no contrato social pela transmissão da posição de sócio
(status socii) aos herdeiros, ou de modo diverso à regra da transmissão, ou seja, pela
transmissão apenas dos haveres sociais (valor pecuniário), tornando-se os herdeiros
apenas credores do valor das quotas sociais pertencentes ao sócio falecido.
Daniela Ramos Marques Marino85, ao mencionar Carvalho de Mendonça, aponta a
análise da posição jurídica do sócio, cuja expressão seria sinônimo de “direito de sócio”, em
duas partes, sendo a primeira correspondente ao direito patrimonial, que corresponderia ao
direito de receber um quinhão dos lucros e de participar na partilha de bens residuais após a
83 TOMAZETTE, Marlon. As sociedades simples no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.
62, 1º fev., 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3691>. Acesso em: 17 jul. 2014. 84 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 36. 85 MARINO, Daniela Ramos Marques. O status socii. In: CAMARGO, André Antunes Soares de (Coord.).
Direito Societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 172.
53
liquidação da sociedade. A segunda parte, equivalente ao direito pessoal, abrange o direito de
“cooperar na vida social”. Por exemplo, o ato de participar da administração da sociedade, de
votar e fiscalizar os atos da administração, entre outros.
A citada autora apresenta algumas tentativas de definir o que seria o status socii, mas
bem conclui que “mais do que alcançar uma definição genérica e suficientemente abrangente
de status, possivelmente inútil na prática, a doutrina deve isolar os diferentes usos do termo
status e compreendê-lo de acordo com as respectivas funções”86.
Destaca-se que a distinção dos direitos inerentes ao status de sócio é essencial para
determinar a sucessão das quotas da sociedade limitada no caso de seu falecimento.
O contrato social, ainda que vede a assunção dos herdeiros como sócios, jamais pode
afastar o direito deles de receber o valor patrimonial das quotas, eis que compõe o acervo
patrimonial do falecido, que obrigatoriamente deverá ser inventariado.
Como elucida Leopoldo da Cunha Nicoli 87 , pode-se dispor do direito pessoal
intrínseco àquelas quotas (ius dispositivum), pois se trata de direito dispositivo às partes, mas
não poderá haver disposição que ofenda norma de ordem pública (ius cogens), como as
inerentes ao Direito das Sucessões. Ele ainda acrescenta:
Embora pareça ser uma ofensa ao direito sucessório, não existe nenhuma norma
constitucional ou infraconstitucional que impeça a exclusão de herdeiros quanto ao
status socii.
Da mesma forma, ao excluir certo(s) herdeiro(s) da sociedade, apesar de parecer,
não há qualquer transgressão às regras de legítima. Respeitados os limites impostos
pelo ius cogens no que tange à legítima, o herdeiro poderá ser excluído inclusive do
direito patrimonial da quota social.
Neste contexto, é interesse comentar que a sucessão de quotas de uma sociedade
empresária representa uma importância especial para o destino de sua atuação.
Ainda que se considerem o caráter patrimonial e o laço pecuniário que une os sócios, é
incontroversa a relevância das características pessoais dos sócios na atividade da sociedade,
sobretudo quando se trata de sociedades limitadas, que, não obstante as divagações didáticas-
doutrinárias, correspondem a uma sociedade de pessoas.
O planejamento sucessório, cada vez mais comum na atividade empresarial,
demonstra vital importância para o destino da sociedade. Contudo, é preciso pontuar que no
86 MARINO, Daniela Ramos Marques. O status socii. In: CAMARGO, André Antunes Soares de (Coord.).
Direito Societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 181-182. 87 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 47.
54
plano jurídico o falecimento de uma pessoa envolve regras do Direito das Sucessões, do
Direito de Família e, sendo ele sócio, do Direito Empresarial, as quais devem ser conjugadas,
sob pena de nulidade de seus efeitos.
55
4 DO CASAMENTO E DOS REGIMES DE BENS
Abordar qualquer tema que envolva as obrigações advindas do casamento exige uma
análise jurídica, social, psicológica e, quiçá, religiosa.
Definir casamento, mesmo que sob uma acepção informal e atécnica, não é tarefa
simples. Se há alguns anos casamento era a relação firmada entre homem e mulher com o
intuito de constituir uma família, gerando e criando filhos, hoje esta configuração já não se
encontra tão presente a ponto de servir como definição de um instituto social, muito menos
jurídico.
Ao contrário, a sociedade atual exige, muito antes de definir casamento, a
identificação do que seja família. A mãe solteira com um filho é família; dois homens criando
seus filhos também o é; um homem e uma mulher sem filhos que vivem juntos também; se
não viverem sob o mesmo teto, também pode ser; um filho pode ter duas mães, na já
reconhecida situação de multiparentalidade88, e considerá-las como sua família; assim como
homem e mulher com cinco filhos continuam sendo uma família.
Hoje, a multiplicidade de formatos da instituição familiar exige uma análise muito
mais profunda que a mera interpretação e aplicação do texto legal, sob pena de tornar
vulnerável o princípio da segurança jurídica ou de causar injustiças aos envolvidos no caso
concreto.
Neste contexto, sob o aspecto jurídico, torna-se compreensível o fato de o conceito e
de a identificação da natureza jurídica do casamento sofrerem modificações ao longo do
tempo. Há doutrinadores que o considerou como sendo um ato solene por ser revestido de
forma e solenidade específica para garantir-lhe validade. Já foi considerado um contrato, por
haver obrigações, direitos e deveres recíprocos. Outros autores entendem que se trata apenas
de uma união, sem que se identificasse a natureza jurídica. Já foi considerado um contrato sui
generis, uma vez que há obrigações recíprocas, mas há regras advindas da finalidade precípua
do casamento que ultrapassam a vontade dos nubentes ao estipular cláusula contratuais. E,
ainda, já foi considerado uma instituição jurídica.
88 A expressão multiparentalidade traduz a possibilidade de ser reconhecida a dupla filiação registral, na qual a
jurisprudência tem admitido a existência de dois pais ou duas mães no registro civil, para todos os fins
jurídicos, inclusive familiares e sucessórios. Nas palavras de Flávio Tartuce, são situações em que se
vislumbra a “escolha de Sofia, entre o vínculo biológico e o socioafetivo, o que não pode prosperar em
muitas situações fáticas”. (TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no Direito de Família. Revista
Consulex, Brasília, ano XVI, n. 378, 15 out. 2012. Disponível em: <http://www. flaviotartuce. adv.br/
index2.php?sec=artigos>. Acesso em: 3 jul. 2011, p. 28-29)
56
Dispondo a família de várias formatações, Maria Berenice Dias 89 lembra que o
legislador não apresenta nenhuma definição do que seja família ou casamento. Washignton de
Barros Monteiro 90 afirma que casamento sempre foi reconhecido como fundamento da
sociedade, base da moralidade pública e privada.
A Constituição da República reconhece a constituição da família, porém sem atribuir
ao casamento a única forma de entidade familiar, admitindo-a também na união estável,
reconhecida e protegida constitucionalmente, com amparo em seu art. 226, § 3º91.
Da doutrina, ao interpretar o texto legal, é possível pontuar as seguintes características
que identificam o casamento como instituto jurídico: a solenidade da celebração como
requisito essencial para sua validade, consubstanciada, em especial, na vontade declarada em
viva voz pelos contraentes, seguida da declaração do casamento; a possibilidade de ser
dissolvido; a finalidade, que pode estar presente no desejo pela procriação e educação da
prole, na assistência e na solidariedade mútuas; a satisfação sexual, revestida do interesse
recíproco pela comunhão de vida; e a satisfação pelo amor recíproco, implicando a presença
do affectio maritalis, correspondente ao que as núpcias romanas destacavam como fator
psíquico da vida em comum e sustentáculo da subsistência do casamento, como ensina Caio
Mário da Silva Pereira92.
Considerando a escala pontiana – da existência, validade e eficácia dos atos jurídicos –
nos termos do ordenamento jurídico brasileiro ora vigente, os requisitos para a existência do
casamento são: diversidade de sexo entre os nubentes, nos termos literais da lei (art. 1.514 do
Código Civil), embora recentes posicionamentos já pretendem afastá-la 93 ; celebração
realizada por autoridade competente (art. 1.533 do Código Civil); e presença de manifestação
89 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011b. p. 147. 90 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1960. p. 13. 91 Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Art. 226. A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado. [...].§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 ago.
2014). 92 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 52-67. 93 Registra-se que para caracterização da união estável, já não se fala mais em diversidade de sexo, existindo,
inclusive, Provimentos de Tribunais de Justiça dos Estados prevendo expressamente a possibilidade de serem
lavradas escrituras pública de constituição de união estável, como é o caso do Provimento 260/CGJ/2013 da
Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que estabelece em seu artigo 226: “Considera-se união
estável aquela formada pelo homem e pela mulher, bem como a mantida por pessoas do mesmo sexo, desde
que configurada a convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família”. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Corregedoria. Provimento 260/CGJ/2013. Codifica os atos
normativos da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais relativos aos serviços notariais e de
registro. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 8 jul. 2011).
57
de vontade dos nubentes. Para ser considerado válido, exigem-se: idade núbil (art. 1.517 do
Código Civil), respeitando-se regras quanto à legitimação, relativas aos impedimentos e
causas suspensivas (art. 1.521 a 1.524 do Código Civil); à solenidade prescrita em lei (art.
1.534); se for o caso, respeitar as exigências legais para que seja celebrado mediante
procuração (art. 1.542 do Código Civil); e manifestação de vontade ser livre, inconteste e
corresponder ao exato interesse do nubente, (art. 1.535 do Código Civil).
Sendo existente e válido, o casamento terá eficácia jurídica, estando apto a produzir
seus efeitos (arts. 1.565 e seguintes do Código Civil), os quais abrangem aspectos sociais,
pessoais e patrimoniais.
É certo que as novas configurações familiares têm feito os magistrados deixarem de
lado estes requisitos e elementos escritos na lei, para buscarem fatores sociais, psicológicos e
emocionais capazes de reconhecer o casamento ou, ao menos, reconhecer as obrigações
advindas das relações familiares que atraem a tutela legislativa, o que, para tanto, tem-se
percebido o afeto94 como o elemento balizador da existência delas, dando força ao princípio
da afetividade como norteador do Direito de Família e do Direito da Sucessões.
Para os propósitos deste estudo, o reconhecimento, ou não, dos vínculos familiares
constitui um pano de fundo, pelo que apenas seus efeitos serão tratados, especialmente os
patrimoniais em situações em que o reconhecimento é incontroverso.
Destaca-se que os efeitos patrimoniais, ou econômicos, estão relacionados à
viabilidade de atingir as finalidades do casamento, as quais são construídas pelos cônjuges,
unidos no interesse e na assistência mútua, com o decurso do tempo, presentes na assistência
pecuniária de um a outro consorte, no usufruto dos bens pelos filhos enquanto sob o poder
familiar, na prestação de alimentos aos filhos e no direito sucessório, como comenta Caio
Mário da Silva Pereira95.
Esses efeitos encontram respaldo no regime de bens do casamento, na medida em que
é ele que dita as regras quanto à comunicação, total ou parcial, ou à separação dos bens dos
cônjuges.
94 Flavio Tartuce explica que “para os devidos fins de delimitação conceitual, deve ficar claro que o afeto não
se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter
carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente,
ambas as cargas estão presentes nas relações familiares”. (TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no
Direito de Família. Revista Consulex, Brasília, ano XVI, n. 378, 15 out. 2012. Disponível em:
<http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigos>. Acesso em: 3 jul. 2011). 95 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família 16. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 168.
58
O regime de bens, também chamado de “estatuto patrimonial dos cônjuges”, é tratado
no Código Civil nos arts. 1.639 a 1.688, que compõem o subtítulo I do Direito Patrimonial
relativo ao Direito de Família.
Dentre tais dispositivos, destaca-se o disposto no art. 1.640, do qual se extrai que o
regime de bem pode ser livremente eleito pelos nubentes no pacto antenupcial, a ser firmado
mediante escritura pública. Se não houver a livre escolha, valerá o regime da comunhão
parcial de bens, o qual será exposto a seguir.
Na concepção de Caio da Silva Mário Pereira 96 , os regimes de bens constituem
princípios jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges enquanto
perdura o casamento, servindo de diretrizes que conduzem e regulam as relações pecuniárias
que dizem respeito ao patrimônio dos cônjuges.
A identificação da natureza jurídica do regime de bens se esbarra na controvérsia
quanto ao próprio casamento, como mencionado alhures, oscilando entre a acepção do
casamento como contrato ou como instituição.
Sílvio de Salvo Venosa97 ressalta a natureza contratual do regime de bens, aduzindo:
A união do homem e da mulher preexiste à noção jurídica. O casamento amolda-se à
noção de negócio jurídico bilateral, na teoria geral dos atos jurídicos. Possui as
características de um acordo de vontades que busca efeitos jurídicos. Desse modo,
por extensão, o conceito de negócio jurídico bilateral de Direito de Família é uma
especificação do conceito contrato.
Já Arnold Wald98 ressalta a natureza institucional, ao concluir:
É evidente que a densidade do vínculo existente no casamento e a sujeição a normas
de ordem pública, que inspiram todo o direito de família, descaracterizam o
casamento como contrato. Não é contrato na sua formação, pois necessita de uma
intervenção da autoridade pública, que é essencial e tem caráter constitutivo e não
meramente probatório. Não é contrato nos seus efeitos, pois cria deveres legais que
não têm caráter obrigacional. É, assim, uma verdadeira instituição, à qual não se
aplicam as normas gerais referentes ao direito das obrigações.
Eduardo de Oliveira Leite 99 comenta que entre as posições que revelam a
caracterização do casamento como diversa do contrato surge o posicionamento de que este
96 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 22. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014a. p. 217. 97 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 28. v. 6. 98 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. rev. atual. e ampl. pelo autor, de acordo com a
jurisprudência e com o Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 54-55. 99 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 49. v. 5.
59
teria uma natureza mista, concluindo que o casamento seria um instituto de natureza híbrida,
por ser um contrato na formação – já que se verifica a presença dos elementos essenciais
formadores do contrato, quais sejam, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa
em lei – e uma instituição no conteúdo. Neste sentido, esclarece Sílvio Rodrigues100:
[...] trata-se de instituição em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua
vontade, feita de acordo com a lei. Da a razão pela qual, usando de uma expressão já
difundida, chamei ao casamento contrato de direito de família, almejando, com essa
expressão, diferenciar o contrato de casamento dos outros contratos de direito
privado.
Como tal instituição interessa estreitamente ao Estado, é ela regida por normas
cogentes; com efeito, o casamento é disciplinado por regras estritas, iniludíveis por
acordo recíproco. Realmente, uma vez efetuado o casamento, dele decorrem direitos
necessários, que a vontade das partes não podem afastar. Assim, por exemplo,
realizado o enlace, as partes não podem afastar a vinculação ao dever de fidelidade
ou à obrigação de mútua assistência, nem tampouco lhes permite a dissolução
extrajudicial do vínculo. Todos os efeitos do casamento se manifestam
automaticamente, impostos pela lei, que visa preservar sua estrutura a instituição do
casamento.
A controvérsia ganha força em razão da liberdade atribuída aos nubentes de livremente
escolherem o regime de bens mediante o pacto antenupcial. Isso imprime ao casamento a
aparência de uma relação contratual, já que é possível, de acordo a livre vontade do casal, ser
eleito um regime que melhor lhes convier.
Ocorre que não se deve valorizar essa liberdade em detrimento das imposições legais
que a delimitam e dão contorno às relações matrimoniais, sobretudo àquelas de cunho
patrimonial, as quais constituem o objeto principal de tutela legal e de disputas judicias.
Eduardo de Oliveira Leite101, ao descrever pontualmente todos os caracteres do casamento,
reforça que o casamento é uma instituição de ordem pública, “ainda que nascendo na esfera
priva, as convenções particulares subordinam-se à legislação civil (de ordem pública)”.
Em um breve retorno histórico, vale lembrar que sempre houve o interesse do
legislador em intervir na relação matrimonial como forma de proteção aos nubentes. É
possível que a razão mais óbvia desse interesse resida no simples fato de que dinheiro e amor
não convivem pacificamente. Como coloquialmente já se consolidou, o carinhoso “meu bem”,
presente no enlace, transforma-se no amargo e egoísta “meus bens” em um rompimento
matrimonial.
100 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 21. v. 6. 101 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais
2005. p. 50-51. v. 5.
60
Essa dificuldade, porém, não pode impedir o reconhecimento da contribuição de cada
cônjuge na construção de um patrimônio comum, ainda que este esteja sob a titularidade de
apenas um deles. Se há algum tempo a preocupação recaía sobre a mulher, que se dedicava
exclusivamente nos cuidados da casa, da família e da vida pessoal do marido, que por sua vez
se encarregava de garantir o sustento e de construir o patrimônio, hoje, muitas vezes, a
preocupação recai sobre a vulnerabilidade das relações, que se fazem e se desfazem, criam e
se recriam, em uma velocidade incompatível com a regulamentação prévia que um contrato
asseguraria.
Todavia, independente dos motivos que justificam as delimitações legais da liberdade
de contratar dos nubentes, é imperioso reconhecê-las, aceitá-las e respeitá-las, sob pena de
abalar, cada vez mais, a segurança jurídica das relações matrimoniais.
Com este introito, destacam-se a seguir o conceito de meação, os efeitos e os regimes
legais disponíveis no cardápio antenupcial, para, em seguida, colocar o foco no regime da
separação convencional de bens, que é objeto deste estudo.
4.1 Tipos de regime de bens
Reitera-se, agora usando as palavras de Maria Helena Diniz102, que regime de bens
representa o "conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes
do casamento. Consiste, portanto, no estatuto patrimonial dos cônjuges", sendo possível
classificá-lo quanto ao objeto e quanto à origem.
Quanto ao objeto, identificam-se dois principais grupos, os quais se distinguem pela
comunicação, ou não, dos patrimônios dos cônjuges, quais sejam: comunhão e separação.
Partindo da premissa básica de cada uma destes grupos, o legislador ainda disponibiliza
quatro regimes, cuja regras estão previstas no Código Civil, quais sejam: regime de
comunhão parcial, regime de comunhão universal, regime de participação final nos aquestos e
regime de separação de bens. Permite-se, ainda, que a combinação de uma ou outra regra de
cada regime, adaptando-as à conveniência dos cônjuges.
Quanto à origem, destaca-se a forma pela qual é definido o regime de bens a vigorar
no casamento, tendo em vista que ele pode ser livremente escolhido pelos nubentes ou
imposto por lei.
102 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.219.
61
Na primeira hipótese, será considerado como convencional, eis que sua origem se dá
na livre escolha dos nubentes, os quais deverão consigná-lo mediante lavratura da escritura
pública de pacto antenupcial, durante o processo de habilitação para o casamento, (arts. 1.653
a 1.657 do Código Civil), dispondo regras de conteúdo patrimonial, não podendo conter
estipulações alusivas às relações pessoais dos consortes, como ensina Maria Helena Diniz103.
É possível, também, que a lei imponha qual será o regime de bens a vigorar entre os
nubentes, tratando-se assim de um regime legal, uma vez que está presente o caráter de
obrigatoriedade à submissão de algum regime em determinadas situações. Assim ocorre
quando os noivos não escolhem livremente algum dos regimes de bens previstos em lei,
inexistindo o pacto antenupcial, ou se nula for a convenção firmada (art. 1.640, Código Civil),
hipótese em que vigorará o regime da comunhão parcial. Da mesma forma, o Código Civil
estabelece a obrigatoriedade do regime de separação de bens, como elenca Maria Helena
Diniz104, nos casos de casamento de pessoas que o contraírem com a inobservância das causas
suspensivas105 da celebração do casamento (arts.1.641, inciso I, 1.523 e 1.524 do Código
Civil); quando algum dos nubentes possuir mais de setenta anos de idade, (art. 1.641, inciso II
do Código Civil); e quando os nubentes dependam de suprimento judicial, sendo devido em
caso de denegação do consenso de representante legal, enquanto não o obtiver, ou não lhes for
suprido o consentimento por representante legal (arts. 1.641, inciso III, 1.517, 1.519, 1.634,
inciso III, 1.747, inciso I, e 1.774, todos do Código Civil).
Vale registrar que o regime de bens abrange apenas os valores patrimoniais que são
disponíveis. Somente no caso de separação obrigatório, quando o cônjuge viúvo convola
novas núpcias e tem filhos menores e não faça o inventário dos bens do de cujos (arts.1.641,
inciso I e 1.523, inciso I e II do Código Civil), há, como pano de fundo, o interesse na
proteção de menores.
103 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.219. 104 DINIZ, op. cit. p. 1.221. 105 São causas suspensivas, nos termos do art. 1.523 do Código Civil: Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e
der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do
começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa
tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas
contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas
suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo,
respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso
II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. (BRASIL.
Lei n. 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www. planalto .gov. br/ccivil_
03/leis/L0556-1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014).
62
Esclarece-se, também, que na união estável, os companheiros podem firmar um
contrato escrito ou uma escritura de constituição de união estável, pelo qual escolherão o
regime a vigorará entre eles, nos termos do art. 1.725 do Código Civil. Porém, em não
havendo essa expressa escolha, será aplicado o regime da comunhão parcial.
Adentrando nas especificidades de cada regime, de maneira breve, registra-se que o
regime da comunhão parcial, previsto no art. 1.658 do Código Civil, caracteriza-se pela
comunhão dos bens adquiridos na constância do matrimônio, com ressalva das exceções
legais, pelo que os bens que cada um dos cônjuges já possuir antes do casamento permanecerá
como de sua propriedade exclusiva, ao passo que os adquiridos na constância da união
constituem bens comuns.
O regime da comunhão universal de bens, como o próprio nome sugere, estabelece a
comunicação de todos os bens. Isto é, pertencerão a ambos os cônjuges todos os bens, os
adquiridos antes ou durante a constância do casamento, nos termos do art. 1.667 do Código
Civil, ressalvadas as hipóteses legais. Nos termos da lei, todos os bens, presentes ou futuros, e
suas dívidas passivas, adquiridos antes ou durante o matrimônio, tornam-se comuns,
instaurando-se um estado de indivisão, denominado de “mancomunhão” (comunhão de mão
comum), passando a ter cada consorte o direito à meação, isto é, à metade ideal do patrimônio
comum106.
Outro regime de bens previsto em lei é o da participação final nos aquestos,
introduzido no ordenamento pelo Código Civil de 2002. Flávio Tartuce107 ensina que, de
modo geral, é possível dizer que neste regime vigorará as regras da separação convencional de
bens enquanto existir o casamento e em caso de dissolução vigorarão regras próximas à do
regime da comunhão parcial de bens, já que, ao findar a união, cada cônjuge terá direito a
uma participação naqueles bens para os quais colaborou para sua aquisição, sendo essencial a
prova do esforço patrimonial para tanto, conforme preconiza o art. 1.672 do Código Civil.
Este regime apresenta certa complexidade contábil, o que desestimula sua adoção na prática.
Segundo Sílvio de Salvo Venosa108, trata-se de um regime híbrido, diante desta dualidade, em
razão da qual se aplicam regras da separação de bens quando da convivência e da comunhão
de aquestos quando do desfazimento da sociedade. Cada cônjuge possui um patrimônio
próprio, cabendo-lhe, quando da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens
106 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.239. 107 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011. p. 1052-1054. 108 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 366-371.
63
adquiridos a título oneroso na constância do casamento. Neste sentido, destaca-se que neste
regime só se fala em meação à época da dissolução da sociedade conjugal.
O último regime previsto na legislação civilista é o da separação de bens. Por ser
especialmente objeto deste estudo, será elucidado detidamente adiante.
Registra-se, ainda, que o Código Civil permite a mudança do regime de bens na
constância do casamento, desde que observado os requisitos do art. 1.639, §2º do Código
Civil, o qual será admissível mediante autorização judicial.
4.2 Do regime da separação de bens
O regime da separação de bens pode ser estabelecido de forma convencional, o que
será firmado por meio do pacto antenupcial, lavrado perante o tabelião de notas (art. 1.640,
parágrafo único do Código Civil), ou será imposto por disposição legal, sendo, assim,
obrigatório, nos termos do art. 1.641 do Código Civil109, nos casos impostos pela legislação,
como dito alhures. Em ambas as situações, o regime respeitará a disciplina prevista nos arts.
1.687 e 1.688 do Código Civil110, os quais estabelecem que inexiste a comunhão dos bens dos
cônjuges, quer sejam anteriores ou posteriores à celebração do casamento, pelo que cada qual
possui seu patrimônio particular e o administra de forma exclusiva. Como ensina Sílvio
Venosa111, a “característica desse regime é a completa distinção de patrimônios dos dois
cônjuges, não se comunicando os frutos e aquisições e permanecendo cada qual na
propriedade, posse e administração dos bens”.
Sílvio Venosa112 relembra que no Código Civil de 1916, embora este tenha previsto o
regime da separação de bens, garantindo a independência patrimonial, a outorga conjugal era
109 Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL. Lei n. 556, de 25 de junho de
1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-
1850.htmCompilado.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014). 110 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Código Civil.
Artigo 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um
dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Artigo 1.688. Ambos os cônjuges são
obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus
bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 13 jul. 2013) 111 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 342-343. 112 VENOSA, op. cit. p. 342-343.
64
exigida para alienação de imóvel 113 . Já o Código Civil de 2002 permitiu que o regime
consolidasse a separação absoluta, já que nele cada cônjuge mantém, com exclusividade, o
domínio, a posse e a administração de seus bens presentes e futuros, assim como também a
responsabilidade pelos débitos decorrentes desses bens, existindo dois patrimônios distintos e
particulares. Tanto assim o é que cada cônjuge poderá alienar ou gravar com ônus real seus
bens, mesmo sendo imóveis, independentemente da autorização ou anuência do outro
cônjuge.
Registra-se que na hipótese de o regime ser imposto por disposição legal entende-se
“no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento”, conforme teor da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal114. O teor desta
Súmula gera inúmeras polêmicas, por contrariar exatamente uma premissa básica do regime
da separação de bens. Contudo, o entendimento está pacificado e deverá ser sempre
observado. Neste regime, mesmo havendo independência patrimonial, os cônjuges são
obrigados a contribuir para as despesas comuns na proporção de seus rendimentos
particulares, salvo se o pacto antenupcial dispuser de forma diversa, nos termos do art. 1.688
do Código Civil115. Flávio Tartuce116 comenta que, mesmo sendo prevista a possibilidade de
disposição em contrário no pacto, “a convenção não pode trazer situação de enorme
desproporção, no sentido de que o cônjuge em pior condição financeira terá que arcar com
todas as despesas da união”. Afirma este doutrinador que reconhecida uma onerosidade
excessiva, é possível ser declarada a nulidade absoluta da cláusula constante da convenção
antenupcial, com amparo do art. 1.655 do Código Civil117.
Por fim, reitera-se que existe a possibilidade de os cônjuges estabelecerem a
comunicabilidade de alguns bens, forma diversa de administração dos bens, ou a manutenção
da família, desde que assim seja estabelecido expressamente no pacto antenupcial.
113 Art. 276. Quando os contraentes casarem, estipulando separação de bens, permanecerão os de cada cônjuge
sob a administração exclusiva dele, que os poderá livremente alienar, se forem móveis (arts. 235, nº I, 242, nº
II, e 310). (BRASIL. Lei 3.071, 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014) 114 BRASIL. Supremo Tribunal federal. Súmula 377. Data de Aprovação: Sessão Plenária de 03/04/1964. DJ, 8
maio 1964, p. 1237; DJ, 11 maio 1964, p. 1253; DJ, 12 maio/1964, p. 1277. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=377.NUME.%20NAO%20S.FLSV.
&base=baseSumulas>. Acesso em: 20 abr. 2014. 115 Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos
rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. (BRASIL.
Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 116 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Vol. único. 2011, p. 1057. 117 Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei. (BRASIL. Lei
10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013)
65
4.3 Meação
Compreendido os tipos e as regras dos regimes de bens, é possível registrar a definição
do termo meação, que corresponde à metade dos bens comuns (comunicáveis) pertencente a
cada um dos cônjuges.
Nos regimes em que dá a previsão da comunicabilidade dos bens, como ocorre na
comunhão universal, a cada cônjuge, desde a celebração do casamento, caberá metade do
patrimônio, o que correspondente a sua meação e, por conseguinte, será ela destacada em
qualquer que seja a hipótese de dissolução do vínculo conjugal. No regime da comunhão
parcial, em regra, aos bens adquiridos na constância do casamento pertencem a ambos os
cônjuges, pelo que é sobre eles que recairá a meação de cada um.
Em sentido contrário, não há o que se falar em meação no regime de separação de
bens, uma vez que havendo incomunicabilidade de bens não há que se falar em metade dos
bens pertencente a cada um dos cônjuges.
No regime da participação final dos aquestos, haverá a apuração dos bens comuns
apenas quando houver a dissolução da sociedade, apurando-se a meação de cada um.
Conforme esclarece Caio Mário da Silva Pereira118, em regra, o cônjuge que tenha
direito à meação já o tem mesmo enquanto vivos forem os cônjuges, isto é, mesmo na
vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, successionis causa. Conclui-se que
“a morte do cônjuge, no regime de comunhão, apenas põe termo ao estado de indivisão,
permitindo sejam discriminados e individuados os bens sobre que incide a metade de cada
um”. O mesmo não ocorre com a herança, que, como será visto adiante, a ela o cônjuge terá
direito (ou não) somente com o falecimento do outro cônjuge. A distinção é tão nítida que, no
caso de deserdação, disciplinado pelos arts. 1.961 a 1.965 do Código Civil, a meação do
cônjuge sobrevivente é inatingível, pois ela lhe pertence por direito próprio, em razão do seu
casamento. Já enquanto a deserdação retira-lhe o direito à herança, que decorre do óbito.
Percebe-se que a meação revela um estado de indivisão, o qual, como mencionado
anteriormente, é denominado de “mancomunhão” (“comunhão de mão comum”). Discute-se
sobre a natureza jurídica desta comunhão, porém a mesma indefinição acerca da natureza
jurídica do casamento existirá neste caso. Não é possível falar em uma sociedade nem em
condomínio patrimonial, pois há regras específicas e diferentes daquelas que são aplicáveis a
118 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b. p. 118.
66
estes casos, pelo que parte da doutrina afirma se tratar de uma sociedade sui generis,
apresentando-se como um tipo específico, isto é, uma sociedade conjugal.
4.4 Pacto antenupcial
O art. 1.640 do Código Civil permite ao nubentes escolher livremente o regime de
bens ao qual estão submetidos por meio do pacto antenupcial, a ser firmado mediante
escritura pública, ressaltando que se não houver a livre escolha valerá o regime da comunhão
parcial de bens.
Francisco Cláudio de Almeida Santos119 esclarece que as relações patrimoniais do
casamento, desde o Código Civil de 1916, sempre foram dirigidas pela vontade dos nubentes,
sob a concepção de que seriam definidas “como lhe aprouver”. Porém, sempre foi imposto o
balizamento pelos limites impostos pela lei. Ele destaca que em nenhum ordenamento jurídico
conhecido as relações patrimoniais entre os cônjuges são simplesmente reguladas pelas regras
de direito das obrigações e pelo direito contratual. Isto porque, antes do aspecto patrimonial,
há um fenômeno que torna especial e única a relação entre eles, sobre o qual ele comenta:
E essa inexistência de regime contrariaria o germe do regramento conjugal em
escala zoológica inferior À do homem, sociologicamente de grande importância,
conforme acentua o próprio Pontes de Miranda, que é a nidificação, isto é o ato de
formar o ninho. “A sociologia contemporânea”, complementa aquele mestre, “tem
prestado a máxima atenção ao ninho, que representa a concreção do intuito de
permanência a serviço da espécie, ao mesmo tempo que a congregação de esforços
para assegurar, em meio instável, fatores estáveis, que sejam favoráveis ao
nascimento, À alimentação e aos primeiros atos verdadeiramente educativos do
animal. É inegável que durante o tempo em que o ninho serve ao par sexual e aos
filhos, com as variantes extremamente sutis dos direitos de cada um, existe
comunidade de bens, ora baseada na convergência de esforços para a construção, ora
na simples destinação comum do esforço de um só.”120.
Esse fenômeno, ao qual ele atribui o nome de nidificação, representa uma ideia de
finalidade da relação conjugal sob a ótica do seio familiar. Esse interesse comum de criar um
“ninho” atribui às relações patrimoniais dos cônjuges uma característica muito além do mero
interesse de crescimento financeiro e econômico. Há um pano de fundo desenhado pelo
119 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene
Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.
183-209. 120 SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira do. Hermenêutica e aplicação do direito. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1994, citando MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1983. t. VIII, §870, citado por NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código
Civil comentado. 8. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
67
interesse de consideração, carinho, cuidado e cumplicidade recíprocos que imprime à natureza
jurídica do pacto nupcial uma situação única, afastando a possibilidade de ele ser considerado
mero contrato ou, mesmo, um contrato de sociedade. Falar em contrato seria admitir o
antagonismo dos interesses das partes, o que não existe no casamento e considerá-lo como um
contrato de sociedades é identificar a reunião de interesses e vontades justapostos e
convergentes, mas seria ignorar a diferença de finalidades, haja vista que o contrato societário
tem uma finalidade empresarial, destinada ao lucro.
O doutrinador ainda destaca:
O casamento tem o efeito de fazer com que homem e mulher assumam mutuamente
a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
Nasce uma sociedade de caráter especial, que é a sociedade conjugal, dirigida por
ambos pares, em colaboração, devendo ambos concorrer, na proporção de seus bens
e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos. E
onde há sociedade, há a tutela jurídica, segundo o velho brocardo de Ulpiano: ubi
societas ibi jus.
Assim, os regimes legais de bens após o matrimônio são o feixe de normas jurídicas
decorrentes da necessidade de tutela jurídica à especialíssima sociedade, entre
marido e mulher.
Francisco Cláudio de Almeida Santos conclui que, diante das especificidades de suas
características e finalidades, o pacto antenupcial pode ser definido como um negócio jurídico
de direito de família, já que é pessoal – pois somente os nubentes podem ser partes –, formal
– pois exige escritura pública –, nominado – pois está previsto em lei – e legítimo e típico –
pois produz efeitos previstos pela norma jurídica. Destaca-se que ele tem sua eficácia jurídica
sujeita à eficácia do casamento (conforme o art. 1.653 do Código Civil), como se fossem
“negócios jurídicos coligados ou inter-relacionados, para não usar um qualificativo próprio do
direito contratual”.
Ressalta-se, por fim, que a vigência do pacto antenupcial começa a partir da data do
casamento e que sua existência, validade e eficácia perduram enquanto existente o casamento,
de modo que sua resolução somente ocorrerá por força de lei, com o término da sociedade
conjugal – ou seja, pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento,
pela separação judicial ou pelo divórcio.
68
5 SUCESSÃO CAUSA MORTIS
A palavra sucessão é oriunda do latim sucessio, derivado de sucedere. Revela o ato de
transmissão derivada, em que ocorre a substituição de titulares ou, na definição de Savigny,
“el cambio meramente subjetivo en una relación de derecho”, como explica o ilustre
doutrinador Salomão de Araújo Cateb121.
A sucessão patrimonial implica a transmissão de titulares de direitos patrimoniais,
inerentes à propriedade de bens e obrigações. Nas palavras de Maria Helena Diniz122, a
sucessão indica o ato pelo qual alguém sucede outrem, investindo-se, no todo ou em parte,
nos direitos que lhe pertenciam. Ela pode ocorrer entre pessoas vivas, inter vivos, ou em
decorrência da morte, para o que se qualifica como causa mortis.
Por ora, diante do tema estudado, restringe-se à denominada “Sucessão Hereditária”,
na qual se tem a morte como fato gerador da aquisição de propriedade de bens, que se dá pela
transmissão de direitos e deveres pelos sucessores, herdeiros ou legatários os direitos e
deveres.
Na sucessão hereditária, conforme dispõe o art. 1.784 do Código Civil, uma vez aberta
a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Essa
imediatidade da transmissão se dá em razão do droit de saisine123, pelo qual aos herdeiros é
garantida a posse indireta do patrimônio deixado causa mortis pelo falecido de forma
imediata, independentemente de qualquer formalidade.
Explica Salomão de Araújo Cateb124:
O herdeiro não precisa requerer seu direito de posse dos bens herdados,
contrariamente do legatário, que terá de fazê-lo, não podendo este, por autoridade
própria, entrar na posse da coisa legada (Art. 1.923, §1º). A morte do de cujus
implica a abertura da sucessão e transferência da propriedade e da posse aos
herdeiros, quaisquer que sejam eles. A partir desse momento, os herdeiros podem
usar os interditos possessórios.
Com efeito, vale destacar, como o faz Maria Berenice Dias125, que o sujeito ativo da
sucessão causa mortis é aquele que faleceu identificado como autor da herança ou de cujus,
121 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 3. 122 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 24. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 16. v. 6. 123 Explica Caio Mário (op. cit., 2014, p. 107.) que a palavra saisine tem origem francesa e significa agarrar,
prender, apoderar-se, sendo tal princípio uma ficção, pelo qual há a imediata transferência de pleno direito do
bens do falecido para os seus herdeiros quando da abertura da sucessão. 124 CATEB, op.cit. p. 20.
69
sendo o objeto da transmissão todo seu acervo patrimonial, englobando bens, direitos, deveres
e obrigações, sendo ressalvados os direitos personalíssimos, os quais se extinguem com a
morte do seu titular.
Do lado contrário estão os sujeitos passivos da transmissão hereditária, quais sejam, os
herdeiros legítimos126, dentre os quais estão os herdeiros necessários, cuja participação é
obrigatória127, e os herdeiros instituídos por testamento128, que podem ser os testamentários,
agraciados com uma quota-parte ideal da herança, e os herdeiros legatários, aos quais caberá
um direito ou um bem específico.
Com tais informações, constata-se que a sucessão causa mortis pode ser dar por força
da lei, chamada de “sucessão legítima”, ou por vontade do autor da herança que deverá ser
expressa em testamento, identificada como “sucessão testamentária”.
Obedecida as regras de vocação hereditária, conforme será exposto adiante, a sucessão
pode ser dar por direito próprio, quando ela mesmo é que tem, originariamente, o direito a
suceder, ou por direito de representação129, o que ocorre quando a pessoa a que teria direito já
faleceu. Em razão disso, a lei autoriza a chamar determinados parentes do falecido a suceder
em todos os direitos em que ele sucederia se vivo fosse.
Destaca-se, ainda, que a sucessão pode se dar a título universal130. Isso quer dizer que
todo o acervo patrimonial é transmitido integramente como se fosse um todo, da mesma
maneira que ocorre na sucessão legítima, em que não é possível individualizar nenhum bem
até que seja feita a partilha final e destinado cada um dos bens, direitos e deveres a cada um
125 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 99. 126 Código Civil: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se,
no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais 127 Código Civil: Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge; Art. 1.846.
Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima 128 Código Civil: Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de
parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas
se tenha limitado. 129 Código Civil, Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a
suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse. 130 Código Civil, Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será
indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
70
dos sucessores. Pode-se dar também a título singular, em que, é transmitido um bem
especificamente.
Sobre o assunto, esclarece Caio Mário da Silva Pereira131:
A sucessão legítima sempre será a título universal (per universitatem), transmitindo-
se aos herdeiros a totalidade do patrimônio do de cujus e a cada um deles uma quota
ideal desse patrimônio. Hereditas nihil aliud est, quam sucessio in universum ius
quod defunctus habuerit. A sucessão testamentária pode ser universal, quando o
testador institui herdeiro, que lhe sucede em inteira analogia com o herdeiro
legítimo; ou pode ser a título singular, quando o testador deixa para alguém uma
coisa ou quantia certa (legado), e, neste caso, ao legatário se transmite aquele bem
ou aquele direito individuadamente (singulatim).
Cumpre, todavia, esclarecer que o conceito de sucessão universal não significa que
os direitos de todos os tipos são transmitidos. Ao revés, alguns não podem sê-lo,
como os de família puros (poder familiar, tutela, curatela) ou mesmo alguns de
cunho patrimonial (direito real de usufruto). Compreendem-se nela os direitos de
crédito, manem todos o são, como as obrigações intuito personae, e bem assim as
faculdades pessoais.
Vale registrar, ainda, que a morte, por ser um fato jurídico por excelência, já cria
direitos e deveres para os sucessores132, em razão do que é de vital importância identificar o
exato instante do falecimento, sobretudo diante do respeito à ordem da vocação hereditária,
que poderá variar a depender de quem esteja vivo ou de quem já tenha falecido. Neste sentido,
o registro do óbito é a prova da morte133 , cujos dados gozam de presunção relativa de
veracidade, já que o oficial do registro civil possui fé pública.
O registro será possível quando ocorrer a morte natural, que assim será certificada pelo
oficial134. Porém, na impossibilidade de assim se proceder, é preciso se valer da prova indireta
da morte, em que a declaração da morte será presumida. Isto é, nos casos de ausência135, em
que a lei permite que seja declarada a morte presumida, procedendo-se à sucessão definitiva.
131 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b. p. 2. 132 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 100. 133 Código Civil, Art. 9o Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos; [...]. 134 Código Civil, Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos
ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o
término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. 135 Código Civil, Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver
deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de
qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador; Art. 23.
Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira
ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes.
71
Também ocorrerá quando for extremamente provável a morte quem estava em perigo de vida,
ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois
anos após o término da guerra136.
Como elucida Salomão Cateb137, “a sucessão de bens pressupõe que a lei vigorante na
data do óbito outorgue esse direito, definindo os sucessores que serão chamados a arrecadar o
monte partível”, cujas etapas e condições passam a ser elucidadas a seguir.
5.1 Sucessão legítima
Denomina-se “sucessão legítima”, também chamada de ab intestato, aquela que é
determinada por imposição legal. Cézar Fiuza138 destaca que a sucessão legítima, ou legal, é
aquela deferida por determinação da lei, podendo ocorrer em quatro momentos: a) quando o
falecido não deixa testamento; b) quando o testamento for anulado ou caducar; c) quando o
testador não dispuser da totalidade da herança, deixando parte sem destinação no testamento;
e d) quando houver herdeiros necessários que restrinjam a liberdade de testar a parte
disponível, pois neste caso somente poderá dispor de metade do seu patrimônio, devendo a
outra ser objeto de sucessão legítima.
O atual diploma civilista adotou dois sistemas para a sucessão: a sucessão legítima, em
que é a lei que definirá quem irá herdar, sem interferência do autor da herança; e a sucessão
testamentária, que representa uma faculdade à pessoa que, em vida queira destinar seu
patrimônio, determinando a quem e/ou o que da parte disponível caberá após a sua morte.
Salomão Cateb139 destaca que “a abertura da sucessão pressupõe a existência de dois
fatos: a morte do autor da herança, sucedido, ou de cujus, e a sobrevivência de seu sucessor,
ou herdeiro, quer seja legítimo ou testamentário”. Dessa forma, é possível identificar que a
sucessão causa mortis pode ser dividida em três etapas: a) ocorrência da morte e, portanto,
qualificação da pessoa falecida; b) identificação das pessoas chamadas a recolher, por
136 Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o
término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. 137 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 3-9. 138 FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; Belo Horizonte: Del
Rey, 2014. p. 1.252-1.253. 139 CATEB, op.cit. p. 18.
72
disposição da lei ou por vontade do testador; e a c) identificação do conjunto de bens que
pertencia ao falecido, ou seja, a herança.
Para fins de constatação da morte, remete-se ao que já fora explicado sobre a morte
como fato natural e à possibilidade da morte presumida.
De forma breve, cita-se que qualquer que seja a sucessão, a lei estabelece, no art.
1.845 do Código Civil, que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge, pelo que, como determina o artigo seguinte, caberá a eles metade dos bens da
herança. Esta metade resguardada corresponde à chamada legítima, sendo uma porção
sagrada, teoricamente intocável, que a lei garante, obrigatoriamente, a tais pessoas chamadas
à sucessão e, por conseguinte, impondo ao autor da herança um limite à liberdade de testar140.
Além dos herdeiros necessários, existem os legítimos, que são todos aqueles que a lei
chama para suceder, na ordem disposta no art. 1.829 do Código Civil, o qual será exposto a
seguir. Eles participarão da sucessão, a depender da hipótese em que a sucessão legítima se
procederá. Ou seja, todo herdeiro necessário também será legítimo, mas a recíproca não é
verdadeira.
5.2 Ordem da vocação hereditária
Aberta a sucessão, os bens são transmitidos desde logo a seus sucessores. Mas quem
seriam eles? Seriam aquelas pessoas chamadas a suceder, por disposição da lei ou por vontade
do testador.
Inicialmente, pontua-se que o Código Civil delibera a legitimação a suceder,
identificando, em seu art. 1.798 do Código Civil, que todas as pessoas nascidas ou já
concebidas no momento da abertura da sucessão têm a especial capacidade para suceder,
devendo elas serem capazes e dignas141 no momento da abertura da sucessão para que, de
fato, sejam investidas nos direitos e obrigações que lhe forem transmitidos.
140 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 145. 141 Dizem-se dignas aquelas que não tenham sido declaradas como indigna, nos casos previstos no art. 1.814 do
Código Civil: Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a
pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua
honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente
de seus bens por ato de última vontade.
73
Entende-se por vocação hereditária “o chamamento ou a convocação da pessoa com
direito à sucessão, a fim de que venha receber a herança, ou o quinhão, que lhe cabe”142.
Zeno Veloso143 afirma:
A lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º., segunda
parte). Assim sendo, o conceptus (nascituro) é chamado à sucessão, mas o direito
sucessório só estará definido e consolidado se nascer com vida, quando adquire
personalidade civil ou capacidade de direito (art. 2º, primeira parte). O nascituro é
um ente em formação (spes hominis), um ser humano que ainda não nasceu. Se o
concebido nascer morto, a sucessão é ineficaz.
A lei determina a ordem pela qual serão chamados os herdeiros na forma estabelecida
no art. 1.829 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Constata-se que o legislador busca proteger e beneficiar os membros da família,
presumindo que aí residam os maiores vínculos afetivos com o de cujus, baseando-se na
presunção de afeto144 entre os familiares.
A forma de chamamento é estabelecida por meio de classes, quais sejam,
descendentes, ascendentes, cônjuge, colaterais e Estado (art. 1.844 do Código Civil). Tais
classes são excludentes entre si, de modo que a mais próxima exclui a mais remota, com
exceção apenas das possibilidades de concorrência do cônjuge.
Sobre o tema, Caio Mario da Silva Pereira145 esclarece:
A identificação de que são os chamados para receber a herança caminha pelas linhas
do parentesco: reta e colateral. Na linha reta, em primeiro lugar a herança desce para
depois ascender. Na passagem da linha reta para a colateral, indaga da existência do
cônjuge sobrevivente. Se o encontrar não prossegue sua caminhada; do contrário,
estende-se até os colaterais de quarto grau. Ainda dá uma mirada para saber da
142 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 28. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1483. 143 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. 6. ed. Coord Ricardo Fiuza e Regina Beatriz Tabares da Silva.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.971-1.972. 144 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b. p.133. 145 PEREIRA, op. cit. p.133.
74
existência do companheiro, estancando após esta jornada. Ninguém sendo
encontrado, a herança jaz sem dono.
A ordem da vocação hereditária submete-se às limitações e regras dispostas em lei.
Contudo, considerado o tema proposto, trabalhar-se-á tão somente a condição do cônjuge
supérstite casado com o de cujus no regime da separação convencional de bens, conforme será
exposto a seguir.
5.3 Herança
Caio Mário da Silva Pereira 146 esclarece que herança é o conjunto patrimonial
transmitido causa mortis, o qual também é chamado de “acervo hereditário”, “massa” ou
“monte”. Ele ainda acrescenta que “numa especialização semântica, como equivalente a
espólio, traduz a universalidade de coisas (universitas rerum), até que a sua individualização
pela partilha determine os quinhões ou pagamentos dos herdeiros”.
A herança corresponde, portanto, a todo o acervo patrimonial, de ativos e passivos,
deixado pelo falecido a ser sucedido pelos e partilhado entre os herdeiros, sobre o que aduz
Flávio Tartuce147:
A herança é o conjunto de bens formado com o falecimento do de cujus (autor da
herança). Conforme o entendimento majoritário da doutrina, a herança forma o
espólio, que constitui um ente despersonalizado ou despersonificado e não de uma
pessoa jurídica, havendo uma universalidade jurídica, criada por ficção legal.
A herança identifica exatamente o saldo patrimonial (positivo ou negativo) deixado
por alguém que, enquanto vivo, pôde livremente dispor, construir, alienar e adquirir bens e
obrigações. Desse modo, é possível constatar que a herança surge tão somente com o
falecimento do seu autor, que é quando ocorre a abertura da sucessão, nos termos do art.
1.784148 do Código Civil. Ressalta-se que enquanto o autor for vivo seu patrimônio não pode
ser transmitido a título de herança, tanto o é que o art. 426149 também do diploma civilista
146 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b. p. 3. 147 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011. p. 1192-1193. 148 Código Civil de 2002: Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 149 Código Civil de 2002:
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 13 jul. 2013).
75
veda a existência de contratos que versem sobre herança de pessoa viva. Aliás, aparente
contradição consta neste dispositivo, pois sequer é possível afirmar que exista herança de
pessoa viva. Porém, o que se pretende vedar é, inclusive, a herança eventual e futura a ser
deixada por alguém.
A natureza jurídica da herança corresponde a uma universalidade de direito, assim
definida por lei, a qual compreende um complexo de relações jurídicas dotadas de valor
econômico, conforme se depreende dos arts. 91150 e 1.791151 do Código Civil.
Por definição legal, disposta no art. 80, inciso II152 do Código Civil, a herança é
considerada bem imóvel, ainda que seja composta apenas por bens móveis. Ou seja, a
universalidade do acervo patrimonial é que é considerada bem imóvel, do que se conclui que
todas as disposições especiais destinadas a bens desta natureza devem ser aplicadas à herança,
como a exigência de que a cessão de direitos hereditários se dê mediante escritura pública e
outorga uxória, conforme se extrai dos arts. 108, 166, 1.647 e 1.793, todos do Código Civil153.
150 Código Civil de 2002:
Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor
econômico. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 151 Código Civil de 2002:
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único.
Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-
se-á pelas normas relativas ao condomínio. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código
Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul.
2013). 152 Código Civil de 2002:
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - o direito à sucessão aberta. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013). 153 Código Civil de 2002:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos
que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
[...].
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [...]
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
[...] Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro,
exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; [...]
[...] Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser
objeto de cessão por escritura pública.
§ 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer,
presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança
considerado singularmente.
§ 3o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem
componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 13 jul. 2013).
76
Importante destacar que a herança compõe um acervo indivisível até que seja feita a
partilha, do que se conclui que não é possível alienar nenhum bem de forma singular, assim
como não se pode afirmar que o herdeiro Fulano tornou-se proprietário do imóvel X e o
herdeiro Ciclano ficou com o imóvel Y enquanto o inventário não for finalizado, ainda que
assim eles tenham acordado.
Neste sentido, Flávio Tartuce154 ressalta que é formado um “condomínio eventual pro
indiviso em relação aos bens que integram a herança, até o momento da partilha entre os
herdeiros”, conforme dispõe o citado art. 1.791 do Código Civil, que estabelece, ainda, que a
herança regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
A percepção da natureza condominial da herança é de suma importância na vida
prática, haja vista que não raras são as vezes em que negócios jurídicos são entabulados por
herdeiros que dispõem de singularmente de bens integrante do espólio, o que é vedado pelo
§2º e pelo §3º do citado art. 1.793 do Código Civil. Aquele determina a ineficácia da cessão
de direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente; e este veda a
disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem
componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. A alienação de bem do
espólio, de forma singular, somente pode ser feita mediante a autorização judicial, em razão
da qual deve ser expedido o competente alvará judicial que deverá ser apresentado para a
formalização do negócio pretendido, conforme dispõe o art. 992, inciso I155 do Código de
Processo Civil.
As regras inerentes a condomínio ainda justificam o direito de preferência dos
herdeiros condôminos na aquisição de quotas de direitos hereditários, consoante dispõe os art.
1.794 e 1.795156 do Código Civil.
154 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2013. p. 1277. 155 Código de Processo Civil:
Art. 992. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz: I - alienar bens
de qualquer espécie; (BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014). 156 Código Civil:
Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-
herdeiro a quiser, tanto por tanto.
Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para
si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão
cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 13 jul. 2013).
77
Importante ainda ressaltar a regra disposta no art. 1.792157 do Código Civil, em razão
da qual os herdeiros não respondem por encargos superiores à força da herança, isto é, ao
quinhão que lhe tenha cabido.
O diploma civilista e processualista ainda trata da administração da herança enquanto
não houver partilha, cuja responsabilidade por ela caberá ao inventariante, que será nomeado
judicialmente, no caso dos inventários feitos pela via judicial, ou por todos os herdeiros e
meeiro, quando for feito pela via extrajudicial.
Com efeito, quando o falecido era casado, identificar seu acervo hereditário não é algo
que se faça automaticamente, simplesmente buscando pela titularidade dos bens, pois é
preciso, previamente, distinguir o que cabe ou não ao cônjuge sobrevivente em razão do
regime de bens adotado.
A confusão entre meação e herança é comum, pois o art. 1.829, inciso I, do diploma
civilista usou o regime de bens como critério para chamar o cônjuge como herdeiro,
disciplinando sua concorrência com os descendentes na sucessão, como será exposto adiante.
Faz-se necessário, então, esclarecer uma comum confusão de regras de Direito de
Família e de Direito das Sucessões, quanto à relação patrimonial entre cônjuges.
Conforme dispõe o art. 1.571 do Código Civil, a sociedade conjugal termina com a
morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial
ou pelo divórcio158.
Qualquer que seja a forma de dissolução da sociedade conjugal, a identificação do
patrimônio partilhável se dará observando o regime de bens e o fato motivador da dissolução.
Como explicitado anteriormente, o regime de bens adotado tem, sobretudo, a função
de estabelecer se há ou não comunicação entre os bens pertencentes aos cônjuges.
Como explica Silvio de Salvo Venosa159, ao se examinar o patrimônio deixado por
uma pessoa falecida que era casada, deve-se separar do patrimônio comum o que pertence a
cada um dos cônjuges, não porque um faleceu, mas porque aquela porção ideal do patrimônio
157 Código Civil:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a
prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
(BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 158 A Emenda Constitucional 66, de 2010, suprimiu a necessidade de o divórcio ser antecedido pela separação
judicial, o que se tem discutido acerca da revogação ou não da existência da separação judicial. (BRASIL.
Emenda Constitucional 66, de 13 de julgo de 2010. Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição
Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de
prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois)
anos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc66.htm>.
Acesso em: 21 ago. 2014) 159 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 127.
78
já lhe pertencia em decorrência do regime adotado que definia a comunicabilidade. Assim, há
de se excluir ou não a meação devida ao cônjuge sobrevivente para que se identifique o
patrimônio partilhável no restante. Neste sentido, quando o regime de bens escolhido
estabelece a comunhão de bens, a meação de um dos cônjuges é devida independentemente do
falecimento do outro. É do monte partilhável que se extrairá a herança dos legítimos
sucessores.
Assim, a sucessão hereditária versará sobre o património deixado pelo de cujus,
destacada, se for o caso, a meação, a qual será entregue ao cônjuge sobrevivente também pelo
procedimento do inventário de todo o acervo.
79
6 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO CÔNJUGE CASADO NO REGIME
CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS
No Direito Romano, conforme o doutrinador Silvio de Salvo Venosa160, não existia
sucessão, propriamente dita, do cônjuge, pois a transmissão de bens só se efetuava na linha
masculina. Caio Mário da Silva Pereira161 informa que nessa época, considerava-se a mulher
casada in loco filiae e, como tal, ela podia herdar do marido, mas não poderia dispor dos bens,
e por isso não se falava em sucessão por morte do cônjuge varão.
Somente na última fase do Direito Romano, com Justiniano, é que foi reconhecido à
mulher direito à sucessão do marido, quando lhe era outorgada, na falta de filhos, a quarta
parte da propriedade. Se houvesse filhos até o máximo de três, teria o usufruto dos bens; se
fossem em maior número, um direito usufrutuário mais limitado. E, na ausência de colaterais,
os cônjuges eram herdeiros um do outro, segundo Caio Mário da Silva Pereira162.
No Direito pátrio, quando em vigor as Ordenações do Reino o cônjuge sobrevivente
ocupava o quarto lugar na ordem de vocação hereditária, após os colaterais de décimo grau. A
posição era tão longínqua que Clóvis Beviláqua163 afirmava que o cônjuge se encontrava mais
na condição de conterrâneos do que de parentes. Com o Decreto 1.839, de 31 de dezembro de
1907, conhecido por “Lei Feliciano Pena”, o cônjuge sobrevivente passou a ocupar o terceiro
lugar da ordem de chamamento hereditário, antes dos colaterais.
O Código Civil de 1916, em seu art. 1.603, manteve tal ordem, dispondo que o
cônjuge sobrevivente herdaria em terceiro lugar, desde que fossem ausentes os descendentes e
ascendentes e que não estivesse separado judicialmente do falecido, já que a separação de fato
não tinha o condão de excluir o cônjuge sobrevivente da sucessão.
Mais tarde, a Lei 4.121/62, conhecida “Estatuto da Mulher Casada” 164 , embora
também fosse aplicada ao marido, visou proteger a cônjuge sobrevivente que em decorrência
do regime de bens não receberia meação e que, a depender de sua tenra idade, poderia não ter
meios de subsistência após o falecimento de seu companheiro, estabelecendo:
Art. 1.611. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão ao
cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados.
160 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 126-127. 161 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b. p. 117. 162 PEREIRA, op. cit. p. 117. 163 BEVILÁQUA, Clovis. Direito das sucessões. Campinas: Red Livros, 2000. p. 46. 164 BRASIL, Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sôbre a situação jurídica da mulher casada. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4121.htm>. Acesso em 13 jul. 2013).
80
§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão
universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens
do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver
filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus".
§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal,
enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação
que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel
destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a
inventariar
.
.
Nova modificação foi introduzida no ordenamento pelo art. 50 da Lei 6.515/77,
segundo o qual o cônjuge seria sucessor se fosse herdeiro único, na falta de descendentes e
ascendentes, ou herdeiro concorrente com eles.
Percebe-se que a evolução histórica da legislação sobre o tema apresentado revela um
prestígio cada vez maior do cônjuge, visto que não eram raras as situações em que ele,
especialmente a cônjuge varoa, se via privado de participar da sucessão de consorte.
Conforme bem destacado por Cézar Fiuza165, é possível classificar as influências sobre
a evolução da sucessão legítima sob quatro ordens. A primeira, histórica, remete-se à
constatação de que em todos os povos, desde a Antiguidade, verifica-se a sucessão causa
mortis. A segunda, sob o aspecto familiar, constata-se o fator de coesão e unidade da família,
assegurando a permanência dos bens no seio familiar. A terceira, do ponto de vista individual,
revela a obediência ao critério da afeição presumida, de modo que os herdeiros são chamados
a suceder em ordem de gradação afetiva, que, normalmente, encontra apoio na realidade. A
quarta, quanto ao aspecto social, vislumbra a relação interpessoal do homem na sociedade na
qual ele vive e labora e que, economicamente, garante a organização, de modo a constituir e
resguardar seu patrimônio.
O autor ainda destaca o fundamento principal da sucessão como sendo o trabalho, o
qual permite que o homem proveja a si e aos seus, além de garantir sua própria dignidade, o
que o faz nos seguintes termos:
Segundo von Jhering, o fundamento da sucessão hereditária é o trabalho. Uma
pessoa trabalha, amealhando bens, exatamente para prover a si e aos seus.
Modernamente, numa visão constitucionalizada do Direito Civil, pode-se afirmar
que o fundamento da sucessão hereditária é a dignidade humana, lastrada no
trabalho e o afeto de cada um, com vistas a garantir, principalmente à descendência,
a continuidade da vida digna. É a dignidade da família e de cada um de seus
membros, enfim, o fundamento da sucessão hereditária.
165 FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; Belo Horizonte: Del
Rey, 2014. p. 1.253.
81
É de suma importância perceber a razão e o sentido da sucessão legítima para que seja
possível interpretar o texto da lei, conseguindo atingir, realmente, a vontade do legislador.
Dessa forma, quatro palavras devem ser destacadas dentre estas influências: trabalho, afeto,
continuidade e família. Em resumo, são estes os elementos que, em regra, norteiam o texto da
lei e que devem dar as diretrizes de sua aplicação no tocante à sucessão legítima.
Obviamente, inúmeras situações na prática poderão vir a exigir a aplicação da lei de
forma excepcional, porém, elas devem ser vistas sob o olhar do caso concreto, sob pena de
ofensa à segurança jurídica e de interpretação contra legem, como será abordado adiante.
Nessa linha evolutiva, chega-se ao diploma civilista vigente, que manteve o cônjuge
em terceiro lugar e inovou quanto à exclusão do direito sucessório do cônjuge que estiver
separado de fato há mais de dois anos do autor da herança, salvo se a ruptura da vida em
comum se desse sem sua culpa, nos termos do art. 1.830 do Código Civil.
Consagrando a preocupação com a proteção ao seu posto de legítimo sucessor, elevou
o cônjuge a categoria de herdeiro necessário, conforme dispõe o art. 1.845 do Código Civil:
“São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.
Remetendo-se à explicação anteriormente exposta sobre a diferença entre o herdeiro
legítimo e o herdeiro necessário, ressalta-se que essa elevação representa uma diferença
substancial, pois, conforme o professor Salomão Cateb166, como mero herdeiro legítimo, o
autor da herança poderia excluí-lo em testamento se assim pretendesse, mesmo que sem causa
aparente, já que, sendo apenas legítimo, ele não teria garantia à legítima. Do contrário, sendo
qualificado como herdeiro necessário, ele fará jus a uma parcela da legítima, não podendo ser
excluído, salvo nos casos de indignidade e deserdação, previstos nos arts. 1.814167. 1.962 e
1.963168 do Código Civil, quando há prova em juízo, mediante ação própria, na qual é
garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.
166 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 113. 167 Código Civil: Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a
pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua
honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente
de seus bens por ato de última vontade. 168 Código Civil: Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos
descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos
descendentes:
82
Maria Berenice Dias169 destaca a distinção entre os herdeiros legítimos, dispostos no
art. 1.829 do Código Civil, e os herdeiros necessários, esclarecendo que estes,
necessariamente, fazem jus ao que se chama de “legítima”, que corresponde à metade da
herança; enquanto os herdeiros legítimos têm mera expectativa de direito, herdando tão
somente se não existirem herdeiros necessários nem testamento destinando os bens a
terceiros.
Como afirma Rodrigo da Cunha Pereira170,
[...] a invasão de privacidade deste novo instituto da concorrência entre cônjuge e
descendente-ascendente está em que não se tem mais a liberdade e a autonomia de
direcionar o acervo patrimonial pela via do testamento sem deixar de fora o cônjuge,
muitas vezes já beneficiado pelo regime de bens do casamento.
Neste sentido, o art. 1.829 do Código Civil, como já informado, estabelece a seguinte
ordem:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Verifica-se que o cônjuge, além de ter sido mantido em terceiro lugar na ordem
vocacional hereditária, como herdeiro único, teve sua concorrência estabelecida com os
descendentes e com os ascendentes, quando estes também tiverem interesse sobre a herança.
Em primeira ordem de chamamento, constata-se que foi estabelecida a concorrência
do cônjuge com os descendentes, a depender do regime de bens vigente no casamento. Em
segundo lugar, o legislador estabeleceu a concorrência dos ascendentes com cônjuge,
independente do regime de bens. Em terceiro lugar, confirmado pelo art. 1.838, “em falta de
descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro
da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. 169 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 137. 170 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade e autonomia na sucessão hereditária. IBDFAM. Boletim,
ed. 55, 11 maio 2009. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?boletim&artigo=235>. Acesso em: 3 jul.
2011.
83
Ressalta-se, ainda, que ao cônjuge supérstite também é assegurado o direito de
moradia, independente do regime de bens, ex vi art. 1.831 do Código Civil.
A análise dessa ordem da vocação hereditária do cônjuge revela que o legislador usou
o regime de bens como mero critério de subsunção da hipótese à norma para chamar, ou não,
o cônjuge quando em concorrência com o descendente. Ao se observar quais são os regimes
capazes de afastar, verifica-se que o legislador quis garantir que o viúvo não recebesse duas
vezes ou duas quotas do patrimônio do de cujus.
Zeno Veloso171 interpreta que a regra é: “onde há meação não existe herança”, pelo
que ele explica:
[...] Gustavo Rene Nicolau (Direito Civil – Sucessões, São Paulo: Atlas, 2005, p. 85)
informa que em uma expressão que reconhece ser pouco sonora e muito didática, o
professor da Faculdade de Direito da FAAP (São Paulo) Cláudio Luis Bueno de
Godoy define: “Onde o cônjuge herda, não meia: onde meia, não herda” (!)
O autor chama atenção para a necessidade de não se confundir meação e herança, na
medida em que a meação é figura do regime de bens decorrente daqueles que impliquem
comunicação de bens.
Explica Caio Mário da Silva Pereira172:
No sistema do Código de 1916, a meação era um efeito da comunhão, ao passo que
o direito hereditário não dependia do regime de bens; no Código Civil novo, todavia,
nenhuma das afirmações pode ser feita em caráter absoluto, como adiante se
demonstra. À meação, em regra, já tem o cônjuge direito em vida do outro, na
vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, sucessionis causa.
Nas palavras de Zeno Veloso173, “a meação não integra o direito sucessório, pois
preexiste à morte, pertence ao cônjuge por direito próprio, é efeito do regime de bens do
casamento”. Desse modo, ele ainda complementa que como meeiro o cônjuge já é titular da
metade ideal dos bens; já é meeiro e não se torna meeiro porque o outro morreu. O viúvo pode
ser meeiro e não ser herdeiro, ser herdeiro sem ser meeiro e pode, ainda, ser meeiro e
herdeiro, sobre partes distintas do patrimônio partilhável.
Seguindo a lógica exposta, resta evidente que no regime da comunhão universal o
cônjuge sobrevivente receberá sua meação e não herdará em concorrência com os
171 VELOSO, Zeno. Direito sucessório do cônjuge. [2008?]. Disponível em: <http:// www. ligiatupy. adv.
br/_fonte/ftpdown.asp?p=66&a=434&rnd=0 >. Acesso em: 8 ago. 2011. 172 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b, p. 119. 173 VELOSO, op. cit.
84
descendentes, com fulcro no inciso I do mencionado art. 1.829. Mas na ausência destes e
conforme o inciso seguinte, o cônjuge herdará em concorrência com os ascendentes. Na
ausência destes últimos, herdará sozinho, como dispõe o inciso III do mesmo dispositivo e
também o já mencionado art. 1.838.
Não obstante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, mesma lógica
será aplicada quando se tratar do regime da comunhão parcial, no qual deve ser identificado
seu patrimônio é formado por bens comuns e por bens particulares. Segundo parte da doutrina
e da jurisprudência, quanto aos bens comuns o viúvo terá direito a sua meação e quanto aos
bens particulares ele herdará. Na ausência dos descendentes, ele herdará em concorrência com
os ascendentes. E, quando não os tiver, herdará todo o patrimônio.
No regime da participação final dos aquestos, como não há bens comuns ou
particulares até que se dissolva a união, até o momento da morte, não há que se falar em
meação. Como o legislador não colocou ressalva quanto a este regime, embora haja correntes
doutrinárias divergentes, neste caso o cônjuge sobrevivente herdaria da mesma forma.
No caso do regime da separação de bens, verifica-se que há plena independência entre
os patrimônios de cada um dos cônjuges, não havendo comunhão e, consequentemente,
inexistindo meação, pelo que restaria claro que o cônjuge sobrevivente deveria herdar. Porém,
a situação nesta hipótese não é tão pacífica.
A redação do inciso I do art. 1.829 do Código Civil, desde a promulgação do diploma
civilista, gerou polêmica e abriu espaço para discussão sobre sua abrangência, iniciando-se
com a dúvida sobre o trecho: “[...] ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,
parágrafo único) [...]”, o que restou esclarecido que o legislador cometeu mero erro de
remição, pois o dispositivo legal que trata da separação obrigatória de bens é o 1.641, sendo o
1.640174 totalmente estranho ao conteúdo remetido.
Em seguida, e com mais intensidade, ganhou força a controvérsia acerca da
identificação da extensão da expressão separação obrigatória, pois, a priori, de forma
174 Código Civil:
Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os
cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este
código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto
antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos;
II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro
de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_
03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).
85
bastante óbvia, dever-se-ia concluir que no caso de ser a separação convencional de bens, o
cônjuge sobrevivente herdará.
Porém, parte dos juristas levantou a bandeira de que essa conclusão ofenderia o
disposto no art. 1.687175 do Código Civil, na medida em que se o casal optou em vida, optou
pela incomunicabilidade dos seus bens, partilhá-los na sucessão seria violentar a vontade de
quem não quis dividi-los. Por uma interpretação sistêmica, sustentam que se deveria observar
a regra disposta no último dispositivo citado, a fim de respeitar a vontade do casal em vida.
Essa celeuma doutrinária e jurisprudencial ganhou força até que a Ministra Nancy
Andrighi apresentou a sua posição, dando a seguinte interpretação176:
Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge
sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por
meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I do
Código Civil. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido.
Não ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I do Código Civil, dentro do contexto do sistema
jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a
temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão
forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da
livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da
autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança
legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o
sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.
- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro,
como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge
sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a
totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo,
o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi
referendado pelo art. 1.640 do Código Civil.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da
autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação,
além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens
particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os
descendentes.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do Código
Civil, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação
convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam
os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.
175 Código Civil:
Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos
cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. (BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
Acesso em: 13 jul. 2013) 176 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp 992.749-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi. Data
de julgamento 1º/12/2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 23 jun. 2014.
86
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à
meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens
estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o
cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829,
inc. I, e 1.687, do Código Civil, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da
lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve
prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados
dispositivos.
- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já
a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não houve
longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10
meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado
todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram
voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de
pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os
bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime
matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser
toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno
sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica
dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno
sucessório não pode estabelecer limitações.
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu
a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante
o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge
sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o
intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário,
concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens
pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de
bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges,
seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida,
permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade
do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por
vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e
honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após
manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por
conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no
processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o
regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura
pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de
terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos
patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação
viável do art. 1.829, inc. I, do Código Civil, em consonância com o art. 1.687 do
mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente
escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade.
Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado.
87
Na mesma linha de interpretação, Miguel Reale177 afirma que a palavra obrigatória
não se referiria ao regime de separação legal, mas que foi é empregada para destacar que é
obrigatória a distinção patrimonial sempre que o regime de bens for o da separação, quer
obrigatório, quer convencional. Celina de Sampaio Góes 178 compartilha do mesmo
entendimento, priorizando e defendendo a alegada interpretação sistemática.
Cristiane Caires Geroti179 pondera que “os limites fronteiriços do acórdão em que foi
Relatora Ministra Nancy Andrighi só beneficiam os envolvidos na demanda”. Contudo, como
se trata de uma manifestação do guardião do ordenamento jurídico federal, deve-se analisá-lo
com a devida atenção, sob pena de permitir a consolidação de um forte precedente, capaz de
causar considerável insegurança na previsibilidade da aplicação da lei.
A preocupação é ainda maior por se observar que a decisão e quaisquer posições
doutrinárias que a acompanhe serão contra legem, uma vez que parece ser claro que o referido
inciso I considera expressamente “separação obrigatória” para apenas os casos previstos no
art. 1.641 do Código Civil; e que estender a interpretação para incluir a separação
convencional, parece ser ultrajante, porquanto onde a lei não distingue não cabe ao intérprete
fazê-lo.
Portanto, outro viés interpretativo deverá ser aplicado.
O primeiro argumento levantado seria o de que o regime da separação obrigatória é
apenas gênero, do qual o convencional e o obrigatório seriam espécies, pois, escolhido com
respaldo no pacto antinupcial, obrigará as partes a ele se submeter.
Não parece ser coerente tal afirmativa, já que a expressão obrigatória abrange a
obrigatoriedade a qual os cônjuges estão sujeitos a escolher o regime de bens, tal expressão
deveria também acompanhar a identificação do regime de comunhão de bens (no próprio
inciso I, art. 1.829 do Código Civil), já que é também um regime eleito pelos nubentes. De
modo diferente, parece ser mais lógico afirmar que o gênero é regime da separação de bens,
do qual são espécies o convencional e o obrigatório. Portanto, o inciso I, do art. 1.829 se
referente apenas a este último. Essa distinção, inclusive, respeita a classificação dos regimes
de bens quanto à fonte, conforme informado alhures.
177 REALE, Miguel. Estudos preliminaries do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Capítulo:
O cônjuge no novo Código Civil, p. 2. 178 GÓES, Celina de Sampaio. Cônjuge casado no regime da separação de bens não concorre com os
descendentes. 22 jul. 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=313>. Acesso em: 4
ago. 2012. 179 GEROTI, Cristiane Caires. O cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário e a limitação da autonomia
da vontade. 22 fev. 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=581>. Acesso em: 5
jun. 2011.
88
Percebe-se que o referido dispositivo legal, ao usar o regime de bens como critério, faz
distinção entre o regime que decorre da lei e o que decorre da vontade das partes, pois, ao
fazer referência ao regime de separação de bens obrigatória, o legislador faz expressa
remição, não obstante o citado erro material, ao regime advindo da lei, que, por sua vez, leva
ao teor do art. 1.641, Código Civil, o qual identifica qual é o regime legal obrigatório e em
quais casos ele se aplica.
É princípio basilar de hermenêutica jurídica que na lei não há palavras ou expressões
inúteis. Se um determinado dispositivo legal que trata de regimes legais e convencionais
qualifica apenas um deles como obrigatório, não se pode concluir que o legislador quis
abranger ambos. Isso feriria a racionalidade do legislador, pois, repita-se, onde a lei não
distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. Da mesma forma, a remição não pode ser tida como
inócua, o que reforça o fato de o legislador ter desejado considerar tão somente o regime da
separação advindo de imposição legal.
Na sequência, o posicionamento exposto no acórdão em referência sustenta o respeito
à unidade sistemática da lei codificada, exigindo coerência entre os arts. 1.829, inciso I, e
1.687 do Código Civil, bem como à vontade do casal em vida, que não pretendeu
compartilhar entre eles os bens que possuíam.
O principal contraponto deste argumento é que a vontade das partes não pode
contrariar normas que são cogentes. A título de exemplo, possivelmente, existem pais que,
decepcionados com as atitudes dos filhos, mas sabendo que eles têm condições de sustentar,
queira penalizá-lo reduzindo-lhe a porção da legítima a que eles teriam direito, por meio de
disposições testamentárias. Porém, isso não será possível, pois o art. 1.845 do Código Civil
garante a eles a posição de herdeiros necessários. Esta é também uma norma cogente que não
pode ser alterada pela vontade das partes.
Em outras palavras, se a intenção é manter uma unidade, tal posicionamento também a
quebra, pois, igualmente por uma interpretação sistêmica, deve-se respeitar o art. 1.845 do
Código Civil, que constitui o cônjuge como herdeiro necessário, frisa-se, independente do
regime de bens. Em sendo assim, não pode ser excluído da sucessão hereditária em nenhuma
hipótese, ainda que tenha vigido um regime de bens que, em caso de dissolução do casamento
em vida, tal cônjuge nada teria direito sobre o patrimônio do outro.
Se a questão confronta aspectos sociais ou se contraria a vontade de uma parte das
pessoas casadas neste regime de bens, talvez isso deva ser visto sob a esfera legislativa, de
modo a impulsionar uma modificação no texto da lei. Pois a interpretação diversa do que está
89
claro é descartar o texto legal e admitir que os cônjuges tenham a liberdade de pactuar sobre
normas cogentes.
Ressalta-se, ainda, que é também princípio da hermenêutica determinar que quando há
uma regra disposta em lei as exceções devem ser interpretadas restritivamente. No caso em
análise, têm-se duas regras: o cônjuge é herdeiro necessário, conforme o citado art. 1.845; e,
em primeiro lugar da vocação hereditária, o viúvo é chamado a herdar em concorrência com
os descendentes, conforme a primeira parte do inciso I do art. 1.829. Assim, qualquer exceção
a elas deve ser interpretada restritivamente, sendo inadmissível ampliar uma expressão que se
diz “obrigatória” para entendê-la como “obrigatória e convencional”.
O tema exige que seja compreendido de forma definitiva que o atual Código Civil
constituiu o cônjuge como herdeiro necessário. Mesmo após mais de dez oito anos de
vigência, esta é (ainda) uma grande novidade do Direito Sucessório atual. Ainda que assuste a
juristas e leigos, a regra legal deve ser respeitada. Aliás, não há que se falar em susto, afinal –
frisa-se – não se pode confundir meação com herança.
Helena de Azeredo Orselli 180 destaca que a vinculação do direito sucessório do
cônjuge ao regime de bens é uma inovação do legislador brasileiro, não encontrando paralelo
em nenhuma legislação estrangeira. Como ela mesma afirma, essa relação não é lógica, pois,
não se confunde direito à meação com direito à herança.
A afirmativa de que o casal em vida escolheu não dividir seus bens não pode,
necessariamente, corresponder à vontade de não partilhar após a morte. É possível afirmar que
não quiseram determinar a meação, comunicar e compartilhar seus bens em eventual
dissolução do casamento em vida. Mas podem, sim, querer deixar a herança ao outro. Ou,
ainda que não seja esta a vontade do casal no caso concreto, é esta a vontade do legislador.
Não se pode olvidar de que é plenamente admissível aceitar a opção do casal pela
incomunicabilidade e, por conseguinte, a inexistência de partilha de bens apenas em uma
eventual dissolução da sociedade conjugal em vida, pois somente nessa hipótese haveria
rompimento do affectio maritatis, perdendo o sentido de compartilhar um patrimônio que, em
muitas situações, não foi construído por esforço comum ou apoio recíproco. Já pela sucessão,
presume-se que o vínculo conjugal estava sendo mantido em sua integral e essencial
finalidade, em plenitude da vida conjugal, não havendo por que afastar a possibilidade do
cônjuge supérstite ser chamado para concorrer na herança.
180 ORSELLI, Helena de Azeredo. A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.
Revista Jurídica, v. 11, n. 21, 2007. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index. php/ juridica/article/
view/442>. Acesso em: 10 ago. 2012.
90
Podem os nubentes escolher a incomunicabilidade simplesmente porque não querem
se ver obrigados à necessária partilha em partes iguais do patrimônio em um eventual
divórcio, quando há inquestionável dificuldade de se discernir sentimentos dos aspectos
patrimoniais. Mas em uma sucessão, quando os cônjuges estavam casados e presume-se haver
a presença plena do amor, afeto, cumplicidade e solidariedade, poderia, sim, ser admitida a
vontade de um deixar parte da herança para o outro.
A sucessão hereditária tem por finalidade perpetuar a condição patrimonial familiar e a
manutenção da dignidade da família e de cada um de seus membros, lastreada no trabalho e
afeto de cada um. E isso, definitivamente, não pode ser negado a uma família, cujo casamento
tenha sido sob o regime da separação convencional de bens.
Vale rebater, ainda, o argumento levantado por Cristiane Caires Geroti181 ao defender
a interpretação dada pela Ministra Nancy Andrighi no sentido de que instituir o cônjuge na
referida situação como herdeiro necessário seria um contrassenso à evolução da sociedade,
vinculando às relações matrimoniais um caráter eminentemente patrimonial e comprometendo
a ideia de que, ao menos formalmente, elas poderiam se desenvolver unicamente por afeto
recíproco, e não por interesses financeiros.
Em verdade, a conclusão exposta apresenta sentido inverso, pois parte da premissa de
que nos relacionamentos em que se permita a partilha de bens é porque há interesse
financeiro. Pode até ser plausível essa ponderação, mas parece estapafúrdio considerá-la como
fundamento para uma intepretação contrária ao texto da lei.
Ao contrário, deve-se admitir que existe, sim, inúmeras razões para que os nubentes
desejem a não comunicação dos bens em vida, ao mesmo tempo em que esperem que um
deles herde bens quando o outro vier a falecer. Afinal, deve ser reconhecido que os
sentimentos de afeto e cuidado recíproco entre eles podem perdurar mesmo após o
falecimento; que, em razão desses sentimentos e da cumplicidade no relacionamento, da
família que juntos construíram, um queira deixar parte de seus bens para o outro; que receber
parte dos bens pode, inclusive, permitir a manutenção do conforto e padrão de vida usufruído
pelo casal antes do passamento; que eles pretendam manter a independência patrimonial para
evitar infindáveis discórdias em eventual divórcio; que eles queiram preservar a
independência financeira em razão de diferenças de formas de trabalho, construção de
patrimônio e rentabilidade; que queiram garantir a possibilidade de um ser garantidor de
181 GEROTI, Cristiane Caires. O cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário e a limitação da autonomia
da vontade. 22 fev. 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=581>. Acesso em: 5
jun. 2011.
91
obrigações assumidas pelo outro; que em razão da dinâmica acelerada das relações comercias
e profissionais, queiram ter autonomia na alienação e oneração dos bens que pertenceram a
cada um deles; dentre tantos outros motivos.
Independente dos motivos, garantir a situação do cônjuge como herdeiro necessário
reflete uma “tendência do mundo ocidental, beneficiando o cônjuge que ajudou na construção
da família, do patrimônio, na criação dos filhos e no sucesso do lar em sua totalidade”, como
bem comenta o professor Salomão de Araújo Cateb182.
Frederico de Ávila Miguel 183 elucida que o fundamento jurídico do atual Direito
Sucessório no Brasil, além da propriedade, está no Direito da Família. Aponta que o fato de o
cônjuge necessariamente participar da legítima, por força da lei, representa notória intenção
de oferecer proteção para a família, mesmo quando essa não era a vontade do autor da
herança. A Carta Magna já apontava interesse público nas situações em que a família esteja
envolvida, consoante seu art. 226, por gozar de especial proteção do Estado, o que se justifica
por ser a família a base da sociedade, conforme consagrado constitucionalmente.
Deve-se atentar também para a crescente tendência à constitucionalização do Direito
Civil e, por conseguinte, do Direito de Família e do Direito das Sucessões. A autonomia da
vontade e a liberdade de contratar já não podem mais servir como premissas absolutas.
Carlos Roberto Gonçalves184 quando afirma que não restam dúvidas de que a proteção
à família prevalece em detrimento da vontade contrária do autor da herança, invocando o
respeito ao princípio da legítima que deve ser resguardada aos herdeiros necessários.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka185 afirma acerca do Direito Sucessório
brasileiro atual: “[...] parece ter-se enquadrado entre aqueles que veem como fundamento do
direito sucessório não apenas o direito de propriedade em sua inteireza como também o
direito de família, com o intuito de protegê-la, uni-la, perpetuá-la".
Frederico de Ávila Miguel, ao mencionar Guilherme C. M. da Gama186, que enfatiza
“o espírito do novo Código Civil, no Livro V – do Direito das Sucessões –, é de prestigiar a
família do autor da sucessão, cumprindo estritamente o disposto no art. 226, caput, da
182 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 114. 183 MIGUEL, Frederico de Ávila. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil. 4 jun. 2007.
Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=300>. Acesso em: 8 jul. 2011. 184 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2003. (Série fundamentos
jurídicos), p. 186. 185 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antonio
Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 14. v. 20. 186 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. v. VII: Direito
das Sucessões, In: MIGUEL, Frederico de Ávila. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil.
4 jun. 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=300>. Acesso em: 8 jul. 2011.
92
Constituição Federal”. Ele conclui que “nesse sentido é perfeito o critério da nova lei:
amparar o cônjuge na porção de bens em que esteja desamparado pela meação e não ampará-
lo na parcela de bens em que já esteja resguardado pelo regime de bens”. E, se o casado no
regime da separação convencional de bens não está amparado pela meação, deve-lhe ser
garantido o seu direito sucessório quantos aos bens deixados pelo falecido. Acrescenta:
Nunca é demais lembrar que imaginar diferente seria o mesmo que optar pelo
desamparo de parte da família (cônjuge). Certo que os filhos devem herdar, mas
igualmente certo é que o cônjuge também possui tal direito e, por isso, a
concorrência é de rigor, para manter o necessário equilíbrio entre o herdeiro que a lei
pretendeu proteger (cônjuge e descendente), por serem todos membros da família
deixada pelo autor da herança.
Insta apontar, ainda, que o mesmo inciso I do art. 1.829 do Código Civil, pelo qual,
segundo considerável parte da doutrina, deve-se excluir a sucessão do cônjuge casado no
regime da comunhão parcial apenas quanto aos bens comuns. Desse modo, a contrario sensu,
afirma-se que ele herdará quanto aos bens particulares, embora em vida tivesse escolhido não
partilhá-los com o outro.
Da mesma forma, verifica-se que nos incisos II e III do art. 1.829, reiterado pelo
disposto no art. 1.838, todos do Código Civil, o cônjuge é chamado a suceder independente
do regime de bens. Mesmo se casado no regime convencional da separação de bens, ele, na
falta dos descendentes, herdará em concorrência com os ascendentes e, na falta destes,
herdarão a integralidade do patrimônio sozinho.
Ora, se fosse para sustentar antinomia entre os arts. 1.829, I e 1.687 do Código Civil,
nestas últimas hipóteses mencionadas não poderia o cônjuge herdar, pois contrariaria também
o que em vida escolheram. Ou, então, a interpretação da Ministra Nancy implica antinomia
entre o inciso I, do art. 1.829 e os incisos II, III do mesmo artigo, bem como dos arts. 1.838,
1.658, 1.659 e, como já dito, o 1.845.
Ademais, a ordem da vocação hereditária da sucessão legítima é ex lege. Ela decorre
da lei, independe da vontade do casal. Afirmar que a herança deve ser submetida à vontade
dos nubentes expressa no pacto antenupcial é admitir o chamado “Pacto de corvina”, o que é
vedado pelo art. 426 do Código Civil: “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa
viva”.
Outra questão é que não se pode perder de vista o teor do mencionado art. 1.787 do
Código Civil, ao dispor que a sucessão e a legitimação para suceder são reguladas pela lei
vigente ao tempo da abertura daquela. Se a própria lei submete a sucessão ao momento em
93
que ela for aberta, o intérprete não pode querer submetê-la à vontade dos nubentes, muitas
vezes, ocorrida há tantos anos antes, quiçá sob uma legislação diversa.
Vale consignar os autores, advogados e juristas que compartilham o entendimento de
que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação convencional de bens deverá
concorrer com os descendentes: Salomão de Araújo Cateb 187 , Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho188, Sílvio Salvo de Venosa189, Euclides de Oliveira190, Eduardo de
Oliveira Leite 191 , Caio Mário da Silva Pereira 192 , Helena de Azeredo Orselli 193 , Zeno
Veloso194, Frederico de Ávila Miguel195, Washington de Barros Monteiro196 e Maria Helena
Diniz197, 198,
199.
O tema já foi, inclusive, tratado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo
Conselho da Justiça Federal/ Centro de Estudos Judiciário, cujo coordenador científico foi o
Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Rui Rosado de Aguiar Júnior, foi
aprovado o Enunciado 270200, com seguinte teor:
O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência
com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação
convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou
participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em
que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser
partilhados exclusivamente entre os descendentes.
187 CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 114-115. 188 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 376. v. 6. 189 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 143-144. 190 OLIVEIRA, Euclides de. Direito de herança. São Paulo: Saraiva, 2005. p.108. 191 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil: do direito das sucessões. 2. Ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. v. 21, p. 219. 192 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011, p. 132-133. 193 ORSELLI, Helena de Azeredo. A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.
Revista Jurídica, v. 11, n. 21, 2007. Disponível em:
<http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/442>. Acesso em: 10 ago. 2012. 194 VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. 195 MIGUEL, Frederico de Ávila. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil. 4 jun. 2007.
Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=300>. Acesso em: 8 jul. 2011. 196 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 35. ed. rev. e atual. por
Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 96. v. 6. 197 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 136. 198 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
123-124. v. 6. 199 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1299. 200 BRASIL. Conselho de Justiça Federal. JORNADA DE DIREITO CIVIL, 3, 2005, Brasília. Disponível em:
<http://daleth.cjf.jus.br/revista/outras_publicacoes/jornada_direito_civil/IIIJornada.pdf>. Acesso em: 3 fev.
2013.
94
Maria Berenice Dias201 chegou a posicionar-se no mesmo sentido nos primeiros anos
de vigência do atual Código Civil, mas começou a questionar o tema no artigo “Filhos, bens e
amor não combinam!”. E, após o mencionado voto da Ministra Nancy, lamentavelmente,
passou a adotar o entendimento de que o cônjuge em tal situação não deveria herdar202.
Porém, em sua obra publicada em 2013, admitiu que a jurisprudência ainda não está
pacificada sobre o tema203.
A edição revisada e atualizada por Carlos Roberto Barbosa Moreira da doutrina do
autor Caio Mário da Silva Pereira204, considera a decisão da Ministra Nancy como “infeliz”,
sendo categórico em se posicionar pelo entendimento ora defendido.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 205 também entendem que o
cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional de bens não é alcançado
pela exceção do dispositivo legal em comento. Se o inciso I, do artigo 1829 do Código Civil,
como já dito, estabelece uma regra geral, colocando apenas algumas hipóteses como exceções
sobre sucessão do cônjuge, estas devem ser interpretada restritivamente, como manda o
princípio de hermenêutica – exceptiones sunt strictissimae interpretationis206.
Flávio Tartuce207, ao relacionar os regimes em que o cônjuge herda em concorrência,
também informa o da separação convencional de bens, reforçando – novamente – que “nunca
se pode esquecer que a meação não se confunde com a herança, sendo esta confusão muito
comum entre os operadores do Direito. Meação é instituto do Direito de Família, que depende
do regime de bens adotado. Herança é instituto de Direito das Sucessões, que decorre da
morte do falecido”.
Em verdade, o voto da Ministra Nancy voltou-se a um caso concreto, peculiar, o que é
possível perceber com o ressalto feito na própria ementa sobre a brevidade do casamento em
questão. Como comenta Flávio Tartuce208 , diante das provas carreadas nos autos, restou
201 DIAS, Maria Berenice. Filhos, bens e amor não combinam. [2004]. Disponível em: <http://www .mbdias.
com.br/hartigos.aspx?117,25>. Acesso em: 20 maio 2013. 202 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011a. p.137-138, 165-166. 203 DIAS, op. cit. 2011a. p.141, 142. 204 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014b. p.132. 205 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 8. ed. rev. ampl. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1322. 206 SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira do. Hermenêutica e aplicação do direito. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1994. p. 205, 225. 207 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011. p.1222. 208 TARTUCE, op. cit. p. 1225-1226.
95
evidente um suposto “golpe do baú”. Neste diapasão, ele afirma que o julgado merece críticas,
como já o fez José Fernando Simão209 e Zeno Veloso210. Ele ainda acrescenta211:
O julgado merece críticas como já fez parte da doutrina, caso de José Fernando
Simão e Zeno Veloso. A principal crítica se refere ao fato de o julgado ignorar
preceito legal, bem como todo o tratamento doutrinário referente às categorias da
separação legal e da separação convencional de bens. Ademais, some-se a
constatação pela qual o acórdão supostamente solucionou um caso concreto, mas
criou problemas outros tantos, pela incerteza categórica que gerou. Em suma, como
Zeno Veloso, espera-se que tal forma de conclusão permaneça sozinha e isolada.
Merece relevo o fato de que os ensinamentos constantes desta obra foram adotados
pela 2.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
em decisão do final do ano de 2011, que afasta a concorrência sucessória do cônjuge
no regime da separação convencional de bens. O acórdão foi assim ementado:
“Agravo de instrumento. Inventário. Decisão que declarou que o cônjuge supérstite
não é herdeiro nem meeiro. Viúva que foi casada com o autor da herança pelo
regime da separação convencional. Decisão que contraria a lei, em especial os
artigos 1.845 e 1829 do Código Civil. Decisão reformada. Agravo provido”.212
Pontue-se que, sucessivamente, outros acórdãos da Corte Paulista seguiram tais
premissas (ver: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº
0265463-22.2011.8.26.0000. 4.ª Câmara de Direito Privado. Relator Des. Milton
Paul de Carvalho Filho. j. 15.03.2012, data de registro: 20.03.2012; e SÃO PAULO.
Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0080738-58.2012.8.26.0000. Limeira.
4.ª Câmara de Direito Privado, j. 30.08.2012, data de registro: 01.09.2012. Relator
Des. Milton Paul de Carvalho Filho). Espera-se o surgimento de outros julgados na
mesma linha, deixando a posição daquele aresto superior ainda mais isolado.
Destacam-se, ainda, algumas decisões que reforçar a interpretação ora reforçada:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - DIREITOS
SUCESSÓRIOS - CÔNJUGE SOBREVIVENTE - REGIME DA SEPARAÇÃO
CONVENCIONAL DE BENS - ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO
Código Civil - INTERPRETAÇÃO - CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO
E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR
DA HERANÇA - HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO - NECESSIDADE. A mais
adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela
que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do
autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio
dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o
direito à sucessão.213
209 SIMÃO, José Fernando. Separação convencional, separação legal e separação obrigatória: reflexões a
respeito da concorrência sucessória e o alcance do artigo 1.829, I, do CC – Recurso Especial n. 992.749/MS.
Revista Brasileira de Direito das Famílias E Sucessões, Porto Alegre, v. 12, n. 15, p. 5-19, abr./maio 2010. 210 VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p.71-72. 211 TARTUCE, op. cit. p.1224-1225. 212 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0007645-96.2011. Agravantes: Silvia Maria
Aranha Matarazzo (inventariante) e outro. Agravada: Flavia Matarazzo. Comarca: São Paulo. Rel. Des. José
Carlos Ferreira Alves. j. 04 out. 2011. 213 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 1.0701.13.009162-5/001, numeração
única 0820985-66.2013.8.13.0000. Relator Desembargador Geraldo Augusto. Data de Julgamento
03/12/2013. Data de publicação 12 dez. 2013.
96
Ementa: AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO ORDINÁRIA DE DECLARAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE NÃO HERDEIRA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE CASADA
COM O FALECIDO SOB OREGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL
DE BENS, MEDIANTE PACTO. CONCORRÊNCIA COM AS
DESCENDENTES. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE
LEI NO ACORDÃO. ART. 1.829, I, Código Civil. IMPROCEDÊNCIA.
TEMPESTIVIDADE DA AÇÃO. Observado o prazo previsto no art. 495 do CPC
na propositura da ação rescisória, impõe-se admiti-la como tempestiva. Rejeitada a
preliminar de intempestividade deduzida na contestação. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. Há possibilidade jurídica no pedido rescisório, cujo objeto
visa desconstituir coisa julgada formal na própria decisão rescindenda, ao alegar que
o julgado, na decisão inquinada, teria manifestado interpretação violando
literalmente disposição de lei. Preliminar rejeitada, por maioria. IMPROCEDÊNCIA
DA AÇÃO. Descabe ser rescindido o acórdão que não desconsidera ou não afronta
dispositivos legais, mas apenas dá interpretação razoável, embora literal, à matéria
controvertida. O acórdão rescindendo, ao deliberar que o cônjuge sobrevivente,
casado pelo regime da separação convencional de bens, por pacto antenupcial,
concorre à herança com as descendentes do falecido, deu interpretação literal ao
precitado art. 1.829, I, Código Civil, não violando qualquer dispositivo legal.
Aplicação da Súmula 343 do STF. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE
REJEITADA, POR UNANIMIDADE, E PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO, AFASTADA, POR MAIORIA, VENCIDO O
RELATOR. NO MÉRITO, AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE, POR
UNANIMIDADE. (SEGREDO DE JUSTIÇA).214
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA. REGIME DE BENS.
INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO SOBRE BEM
CLAUSULADO. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DEBENS. HERANÇA.
CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE VIVO COM OS
DESCENDENTES DO FALECIDO SOBRE OS BENS PARTICULARES
DEIXADOS. No casamento realizado pelo regime da separação total de bens, com
pacto antenupcial, há a incomunicabilidade total dos bens anteriores e posteriores ao
matrimônio. O bem doado com cláusula de incomunicabilidade não integra a
meação do cônjuge, seja qual for o regime de bens. Ademais, o gravame que incide
sobre o bem o torna bem particular, afastando-o da meação, admitindo-se, contudo,
que sobre ele concorra na sucessão o cônjuge sobrevivente com os herdeiros
descendentes, na esteira do que dispõe o artigo 1.829 inc. I do Código Civil. Agravo
desprovido.215
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Viúva casada em regime
de separação convencional de bens. Possibilidade de ser mantida como herdeira do
acervo do “de cujus” Hipótese não excepcionada no art. 1.829, I do Código Civil,
que contempla o regime de separação obrigatória de bens Decisão mantida.
AGRAVO DESPROVIDO.216
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO. Sucessão testamentária e
legítima. Casamento pelo regime da separação convencional de bens. Cônjuge
supérstite é herdeiro necessário do “de cujus” e concorre com os descendentes na
legítima, ainda que beneficiado em testamento com 50% dos bens do espólio.
Inteligência dos artigos 1.829, I, e 1.845 do Código Civil. Recurso provido.217
214 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70038425567. Relator Desembargador
André Luiz Planella Villarinho. Data de julgamento 10/06/2011. Data de publicação 12 set. 2011. 215 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70021504923. Relator
Desembargador José Ataídes Siqueira Trindade. Data de julgamento 11/12/2007. Data de publicação 28 dez.
2007. 216 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0067399-32.2012.8.26.0000. Relator
Desembargador Gilberto de Souza Moreira. Data de julgamento 19/09/2012. Data de registro 20 out. 2012. 217 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0080738-58.2012.8.26.0000. Relator
Desembargador Milton Carvalho. Data de julgamento 30/08/2012. Data de registro de 1º set. 2012.
97
Agravo de Instrumento Inventário Única descendente do de cujus que impugnou a
qualidade de herdeira do cônjuge sobrevivente e sua nomeação à inventariança.
Decisão que reconheceu a viúva, casada pelo regime da separação convencional de
bens com o autor da herança como herdeira e a manteve no cargo de inventariante.
Acerto Inteligência do art. 1829, I do Código Civil de 202, vigente à época da
abertura da sucessão Regime de bens do casamento que impede a meação mas
identifica o cônjuge como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes
Entendimento consagrado na doutrina e na jurisprudência Cargo de inventariante de
confiança do juízo, que ademais seguiu a regra do art. 90, I, do CPC Decisão
mantida. Recurso desprovido (Voto 2460).218
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Decisão que declarou que o cônjuge
supérstite não é herdeiro nem meeiro. Viúva que foi casada com o autor da herança
pelo regime da separação convencional Decisão que contraria a lei, em especial os
artigos 1.845 e 1829 do Código Civil. Decisão reformada Agravo provido.219
Assim, se a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, ora em referência,
gera efeitos apenas entre as partes, ainda há espaço para a intenção ora proposta: reanalisar o
tema, pois enquanto o diploma civilista se mantiver nos seus termos ora vigente esta posição
deverá ser considerada, sob pena de gerar insegurança jurídica. Pois, como Flávio Tartuce220
conclui, o referido acórdão supostamente solucionou um caso concreto, mas criou problemas
outros tantos, pela incerteza categórica que gerou, pelo que se espera que tal conclusão
permaneça sozinha e isolada.
Assim, conclui Helena de Azeredo Orselli221:
É certo que o direito à sucessão legítima não pode depender do regime de bens, pois
são institutos jurídicos distintos e independentes entre si. O regime de bens pertence
ao ramo do direito de família e cessa com a dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, divórcio ou anulação do casamento, enquanto que a
sucessão legítima é instituto de direito das sucessões, que decorre do óbito de uma
pessoa, e, na falta de testamento válido, a lei convoca os familiares próximos do de
cujus para receber a herança devido ao afeto que presume existir entre essas pessoas.
O direito à herança legítima não se traduz por dar maior ou menor proteção, fosse
assim filho rico não herdaria, herdariam apenas os filhos pobres, que precisassem de
ajuda econômica. A ordem de vocação hereditária espelha a vontade presumida do
morto, baseada em seus laços afetivos e não na condição econômica do herdeiro.
218 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0170132-13.2011.8.26.0000. Relator Ribeiro da
Silveira. Data de Julgamento 08/08/2012. Data de registro 9 ago. 2012. 219 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0007645-96.2011. Agravantes: Silvia Maria
Aranha Matarazzo (inventariante) e outro. Agravada: Flavia Matarazzo. Comarca: São Paulo. Rel. Des. José
Carlos Ferreira Alves. j. 04.10.2011. 220 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011. p. 1226. 221 ORSELLI, Helena de Azeredo. A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.
Revista Jurídica, v. 11, n. 21, 2007. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index. php /juridica/article/
view/442>. Acesso em: 10 ago. 2012.
98
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery registram a sugestão para alteração do texto
legal, no sentido de afastar a concorrência do cônjuge, pois concluem que “essa sugestão é de
lege ferenda, porquanto de lege lata não há como escapar-se da interpretação restritiva da
expressão separação obrigatória”222 . Aliás, no mesmo sentido verifica-se a sugestão de
alteração do texto legal pelo Projeto de Lei Projeto de Lei 508, de 2007, proposto pelo
IBDFAM223.
Àquele que não deseja que seu cônjuge herde parte de seu patrimônio resta apenas a
possibilidade de limitar, mas não excluir, o direito sucessório dele, por meio de testamento, no
qual poderia dispor a parte disponível integralmente aos descendentes, garantindo, assim, que
o cônjuge apenas participe da legítima.
Diante das instabilidades das relações humanas e da imprevisibilidade da ocorrência
do óbito, é certo que nenhuma regra legal de cunho sucessório garantirá integralmente o
respeito à vontade dos nubentes e/ou a conduta mais justa com os sobreviventes. Nem mesmo
se inexistisse qualquer limite à liberdade de testar haveria a garantia de que alguém pudesse
livremente dispor dos seus bens em testamento e, com isso, alcançar plenamente seus
objetivos em relação ao seu patrimônio. Como comenta Sílvio de Salvo Venosa224, “nem
sempre essas situações que afastam o sobrevivente da herança concorrente com os
descendentes significarão sua proteção, se essa foi, como parece a intenção do legislador”,
pelo que caberá à jurisprudência e à doutrina construir as melhores diretrizes e parâmetros de
aplicação da lei.
222 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 8. ed. rev. ampl. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1322. 223 Projeto de Lei 508, de 2007. (Do Dep. Sérgio Barradas Carneiro). Altera dispositivos do Código Civil,
dispondo sobre igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros de união estável.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º. Esta Lei modifica disposições do Código Civil sobre igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges
e companheiros de união estável.
Art. 2º Os arts. 544, 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 e 2003 da Lei 10.406 - Código
Civil, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente;
III - ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Parágrafo único. A concorrência referida nos incisos I e II dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens
adquiridos onerosamente, durante a vigência do casamento ou da união estável, e sobre os quais não incida
direito à meação, excluídos os subrogados." (NR). (BRASIL. Projeto de Lei 508, de 2007. (Do Dep. Sérgio
Barradas Carneiro). Altera dispositivos do Código Civil, dispondo sobre igualdade de direitos sucessórios
entre cônjuges e companheiros de união estável. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/? observatorio
&proposicoes&p=3>. Acesso em: 4 fev. 2011). 224 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 143.
99
Porém, o respeito ao texto legal é imperativo. E, ainda que se admita flexibilidade na
interpretação da norma em prol de uma aplicação mais justa, não se deve jamais admitir uma
interpretação contra legem. Enquanto o texto legal se mantiver vigente, nos termos em que
ora se apresenta, ao herdeiro casado no regime da separação de bens deve ser garantido seu
direito de herdar, sob pena – repita-se – de causar insegurança jurídica.
100
7 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA AUTONOMIA PRIVADA
Inicialmente, registra-se que a palavra autonomia tem origem grega (autonomía) e
deriva do agrupamento das palavras autós que significa próprio, individual, pessoal,
incondicionado com o verbo nomía, cujo significado é conhecer, administrar. Como
informam André Rüger e Renata de Lima Rodrigues225, a palavra remete à ideia do poder de
se “autogovernar e, por consequência, o detentor de autonomia tem a faculdade de se reger
por um sistema de regras próprio e ter tais regras reconhecidas pelos demais”.
Os autores citados relacionam a concepção da autonomia com a da propriedade, tendo
em vista que, historicamente, o “poder de autoconformação do ser no mundo é consequência
do conhecimento do status de pessoa pelo meio social”. Há uma estreita relação entre as
ideias de autonomia, personalidade e propriedade, as quais, num tempo não tão remoto,
dividiam a humanidade entre “sujeitos-proprietários” e “indivíduos-propriedades”.
Extrai-se, deste contexto, que a autonomia era, originariamente, um instituto próprio
do direito privado, cujo âmbito de incidência estava voltado, sobretudo, para as relações
sociais de direitos reais e pessoais. Daí, de onde se constata que a propriedade privada,
possivelmente, tenha sido um dos primeiros campos de manifestação da autonomia.
Extrai-se deste contexto que a autonomia, consubstanciada pela vontade individual, foi
ganhando relevância na formatação e vigor das obrigações. André e Renata destacam ainda
que a vontade passou a ser “o substrato das relações negociais e da imperatividade das
obrigações assumidas perante terceiros” a partir do momento em que aos membros de uma
comunidade foi reconhecida a qualidade de persona, atribuindo-lhes igualdade perante a lei,
pois, afinal, se todos são iguais a heteronomia não pode interferir na esfera individual alheia.
Percebe-se, assim, que a autonomia da vontade passou a ser a primordial fonte de
dever de um indivíduo, assumindo um relevante papel nas relações obrigacionais dentro de
uma sociedade liberal. Roberta Elzy Simiqueli de Faria 226 esclarece que seu surgimento
acompanhou a evolução do comércio e da indústria, tendo como fundamento ideológico a
doutrina individualista, facilitando as transações individuais e, consequentemente, a
circulação de riquezas, especialmente, na Europa nos séculos XVIII e XIX.
225 RÜGER, André; RODRIGUES, Renata de Lima. Autonomia como principio jurídico estrutural. In: FIUZA,
César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil:
atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007. p. 4-5. 226 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.
In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito
Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007. p. 55-56.
101
Conforme explica Lindajara Ostjen Couto227, a autonomia da vontade surgiu como
“resultado da filosofia jusracionalista moderna de caráter liberal, individualista e voluntarista
dos direitos subjetivos, que defendia a própria constituição do Estado como resultado de um
contrato (social)”.
Nessa época, o interesse público e o privado possuíam âmbitos bem distintos e
demarcados, o que garantia a plenitude da vontade individual. Lindajara Couto228 afirma que
“a separação entre o Estado e a sociedade civil delegava àquele o dever de manter uma
coexistência pacífica entre as duas esferas”.
Nesse sentido, afirma Luiz Fernando do Vale Almeida Guilherme, citado por Roberta
Faria229:
O interesse público materializar-se-ia justamente na garantia das condições d
exercício dos interesses privados. A tarefa do Estado, portanto, era fixar e garantir as
regras básicas do jogo econômico que se desenrolaria no mercado, mágico regulador
de todas as relações.
Ocorre que a valorização da autonomia da vontade sofreu um declínio após a Primeira
Guerra Mundial, ao final do século XIX, com a influência de obras dos autores socialistas, da
doutrina social cristã da Igreja em suas encíclicas papais e, sobretudo, da obra da sociologia
solidarista de Comte, Durkheim e seus seguidores Duguit, já no século XX, conforme informa
Lindajara Couto230, explica que com a guerra, houve um grande processo de transformação de
ordem social, política e filosófica, que foi acompanhada pela influência das grandes correntes
de pensamento, provocando o declínio do liberalismo econômico e, em contraponto, o
crescimento da preocupação com a justiça social. Todo este contexto exigiu uma nova posição
do Estado, o qual passou a intervir na esfera privada, deixando de ser mero garantidor das
relações entre particulares, o que, entre as relações contratuais, ficou conhecido como
“dirigismo contratual”, conforme noticia Roberta Elzy Simiqueli de Faria231.
227 COUTO, Lindajara Ostjen. O direito fundamental da autonomia privada no Direito de Família. Âmbito
Jurídico, Rio Grande, v. 12, n. 64, maio 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico. com.br/ site /
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6119>. Acesso em: 21. set. 2014. 228 COUTO, op. cit. 229 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. A limitação da autonomia privada nos direitos reais e
pessoais. Revista de Direito Privado, São Paulo, n. 14, p. 281-299, abr-jun, 2003, p. 288, citado por FARIA,
Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária. In:
FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil:
atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007. 230 Idem, 2009. 231 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.
In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito
102
A nova realidade exigiu a adaptação do princípio e, de forma gradual, a autonomia de
vontade perdeu sua supremacia, vindo a sofrer limitações, as quais determinaram que as
relações privadas fossem balizadas pelo interesse social e pela justiça material em detrimento
da liberdade individual, como defende Roberta Elzy Simiqueli de Faria232.
Com essa evolução, o princípio da autonomia da vontade ganhou nova feição e novas
restrições, surgindo a concepção da autonomia privada. Embora sejam tratados como
sinônimos por alguns doutrinadores possuem distinções importantes para se identificar a
extensão desta fonte formadora das relações obrigacionais, como se verifica a seguir.
7.1 Distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada
O dogma da autonomia da vontade permitiu que o ser humano fosse supervalorizado,
de modo que “o indivíduo aparece como fonte e causa final de todo o direito”233 e o Estado
tem uma interferência mínima na esfera individual, já que o homem passa a ter plena
capacidade e liberdade de contratar, de escolher o quê e com quem contratar.
Consequentemente, os indivíduos, por suas relações contratuais, estariam sujeitos apenas à
conduta e aos limites ditados pelas partes, pois a intervenção estatal na esfera privada passou
a ser restrita ou, mesmo, nula.
Neste contexto, a autonomia da vontade se consolida com um princípio formador das
relações contratuais, entendido como uma prerrogativa atribuída aos indivíduos de determinar
as regras às quais estarão submetidos em razão de um ato ou negócio jurídico, ao qual,
também por sua vontade, se dispôs a ele submetê-lo.
Francisco dos Santos Amaral Neto234 ensina que “a autonomia da vontade pode ser
entendida, então, como princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato
jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos. Tem conotação mais subjetiva,
psicológica”. À época em que a autonomia da vontade se solidificou como fonte contratual,
ela se revelou como “produto e como instrumento de um processo político e econômico
Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007. p. 57. 232 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.
In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito
Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007. 233 FARIA, op. cit. p. 56. 234 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem
jurídica: perspectivas estrutural e funcional. Revista de Direito Civil, São Paulo, ano 12, n. 46, p. 10,
out./dez.1988.
103
baseado na liberdade e na igualdade formal, com positivação jurídica nos direitos subjetivos
de propriedade e de liberdade de iniciativa privada”235.
É importante perceber a correlação entre a autonomia, a vontade e a liberdade para
perceber a evolução do princípio em comento.
Roberta Elzy Simiqueli de Faria 236 explica que a noção de vontade representa o
movimento psicológico destinado a um fim específico ou a uma força interior que impulsiona
o indivíduo àquilo a que se propôs para atingir os fins necessários. Isso é reconhecido
juridicamente, já que é a força motriz do sujeito de direitos para criar, modificar ou extinguir
relações jurídicas. Já a autonomia, “designa o poder de autodeterminação do homem, marcado
pela liberdade de tomar decisões”, o “poder jurígeno dos particulares”. A “liberdade
individual representaria a fruição pacífica da independência individual ou privada”, o que
determina “a possibilidade do sujeito de direitos livremente tomar decisões sem se ver
determinado pela vontade de outras pessoas”.
A autora reforça:
A liberdade de escolha ou positiva presume que o indivíduo reúna as condições
necessárias para agir, com isso, pode-se entender que o indivíduo que não possua os
meios materiais mínimos de subsistência não é livre. A capacidade de
autodeterminação do homem encontra-se condicionada a uma existência digna,
provida pelos recursos materiais mínimos necessários à sobrevivência.
Com fulcro nessas ideias, é possível entender a limitação sofrida pela autonomia da
vontade, o que fez surgir a autonomia privada.
Francisco dos Santos Amaral Neto237 afirma que a autonomia privada apresenta-se
como “poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu próprio
comportamento, ou seja, o poder de criar, nos limites legais, normas jurídicas”. Quando
comparada à autonomia da vontade, pode-se afirmar que ela apresenta uma conotação mais
objetiva, concreta e real.
César Fiuza238 esclarece a relação entre as duas concepções:
235 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem
jurídica: perspectivas estrutural e funcional. Revista de Direito Civil, São Paulo, ano 12, n. 46, p. 10,
out./dez.1988. 236 FARIA, Roberta Elzy Simiqueli de. Autonomia da vontade e autonomia privada: uma distinção necessária.
In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito
Civil: atualidades II. Da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007. p. 58-59. 237 AMARAL NETO, op. cit. p. 13. 238 FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. Rev. Atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 412.
104
Difere o princípio da autonomia privada do princípio da autonomia da vontade, em
que o contrato viria de dentro para fora. Seria fenômeno meramente volitivo. Na
autonomia privada, o contrato não vem, exclusivamente, de dentro; não é fenômeno
meramente volitivo. As pessoas não contratam apenas porque desejam. A vontade é
condicionada por fatores externos, por necessidades, que dizem respeito aos motivos
contratuais.
Flávio Tartuce 239 , ao afirmar que se filia à parcela da doutrina que propõe a
substituição do princípio da autonomia da vontade pelo princípio da autonomia privada,
afirma que essa substituição é indeclinável, pois, nos dizeres de Fernando Noronha240,
[...] foi precisamente em consequência da revisão a que foram submetidos o
liberalismo econômico e, sobretudo, as concepções voluntaristas do negócio
jurídico, que se passou a falar em autonomia privada, de preferência à mais antiga
autonomia da vontade. E, realmente, se a antiga autonomia da vontade, com o
conteúdo que lhe era atribuído, era passível de críticas, já a autonomia privada é
noção não só com sólidos fundamentos, como extremamente importante.
Francisco Cláudio de Almeida Santos241, ao reconhecer a vontade como elemento
formador dos negócios jurídicos, destaca as limitações sofridas pela liberdade individual,
afirmando a “a autonomia privada confere poder às pessoas, dentro dos limites estabelecidos
pela lei, para criar normas jurídicas, sendo, assim, colocada no campo das fontes do direito”.
Ela acrescenta:
Ilimitado, portanto, não é esse poder. A autonomia privada é limitada, em princípio,
pela ordem pública, pelos bons costumes, pela função social tanto da propriedade
como dos contratos e pela boa-fé, sem precedência na enumeração desses
postulados.
Compreenda-se a ordem pública como a parte do sistema jurídico que disciplina e
protege os interesses básicos da sociedade e do Estado, de qualquer natureza. Os
bons costumes, entenda-se como um conjunto de princípios morais reconhecidos
pelo povo e revelados na conduta das pessoas, cuja violação causa repugnância e
revolta aos sentimentos de cada um. A função social significa que o exercício dos
direitos, tais como os pertinentes à propriedade e as relações jurídicas, devem
contemplar interesses dignos de tutela consoante expressa o Código Civil italiano
(art. 1.322).
[...] Agora com o novo Código Civil, a boa-fé objetiva deixou de ser um modelo
hermenêutico para tornar-se um princípio revelador de um “standart de conduta”
(Judith Martins-Costa, na citada obra)242. E, efetivamente, o art. 422 manda guardar
239 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011. p. 490. 240 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-
fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 113. 241 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene
Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 183-
209. 242 MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2002. Capítulo: A boa-fé como modelo: uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel
Reale.
105
a boa-fé, assim na conclusão, o que abrange as tratativas, as negociações como o
nascimento dos contratos e sua execução.
Com tais considerações pretende-se registrar que o princípio da autonomia privada,
embora garanta a liberdade individual na formação dos contratos, retrata uma liberdade
assistida, já que sofre limitações, o que exige a intepretação sempre ponderada e harmonizada
diante das contradições ou incongruências contratuais. Como conclui o Francisco Cláudio de
Almeida Santos243, diante de um conflito entre qualquer princípio formadores dos contratos e
a autonomia privada, faz-se necessário procurar sempre a “harmonização de todos ou fazer
imperar aquele cuja aplicação seja mais adequada no caso concreto”.
7.2 Limites da autonomia privada no pacto antenupcial e no contrato social
Considerando o tema deste trabalho, breve anotações sobre os limites da autonomia
privada no pacto antenupcial e no contrato social devem ser ressaltadas. Para tanto,
inicialmente, remete-se aos tópicos supramencionados em que se examinou a natureza
jurídica de tais instrumentos, a fim de destacar que, embora tenham aspectos contratuais,
possuem peculiaridades que os colocam sob regras, condições e limites específicos. Mas,
também é importante ressaltar o objeto de tais instrumentos, para que se observe o limite da
autonomia privado ao qual eles estão submetidos.
Quanto ao pacto antenupcial, registra-se que ele deve versar sobre os bens, presentes e
futuros, pertencentes aos nubentes. Ou seja, ele deve versar restritamente sobre os bens244.
Sobre o tema, elucida Francisco Cláudio de Almeida Santos245:
Efetivamente, a clareza da lei não comporta interpretação diversa, o objeto do pacto
antenupcial deve centrar-se nos bens de qualquer natureza dos nubentes e futuros
esposos, presentes e futuros, compreendidos todos haveres, nos seus aspectos ativos
e passivo.
É claro que as disposições particulares sobre os bens comportam cláusulas sobre a
administração e disposição dos bens.
243 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene
Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 33. 244 Maria Berenice Dias afirma que nada impede os noivos disciplinarem também questões não patrimoniais,
pois se a lei impõe deveres e assegura direitos ao par, não há qualquer impedimento a que estipulem encargos
outros, inclusive sobre questões domésticas, tais como quem irá ao supermercado, proibição de fumar no
quarto, deixar roupas pelo chão, entre outras, as quais, embora desprovidas de força executiva judicial, ao
menos terão validade como acordo entre os nubentes. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das
famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011b). 245 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. In: BASTOS, Eliene
Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de (Coord.). Família e jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 28.
106
Como já afirmado, os nubentes têm liberdade de escolher o regime de bens, para
dispor sobre regras especiais, assim como tem liberdade de simplesmente aceitar o regime
supletivo legal.
Ao escolher um regime de bens diverso do supletivo, assim como ao criar regras de
um novo regime, eles devem respeitar a ordem pública, os bons costumes, a função social
tanto da propriedade como dos contratos e a boa-fé e outros princípios particulares do Direito
de Família, conforme ensina o mesmo doutrinador. Neste sentido, inclusive, é o que dispõe o
art. 1.655 do Código Civil, ao tratar do pacto antenupcial: “nula a convenção ou cláusula dela
que contravenha disposição absoluta de lei”.
Marina Berenice Dias246 assevera:
O limite é tão só a afronta à lei (CC 2.655). Assim há restrição à autonomia da
vontade privada. E acrescenta: as restrições legais ao princípio da autonomia privada
não são enumerativas ou expressas, não devendo o intérprete confiar apenas no
direito escrito para extrair as limitações impostas aos pactuantes.
Quando se fala em ordem pública a ser respeitada, está-se dizendo que o interesse
público deve prevalecer, o que justifica a intervenção estatal como balizador da autonomia
privada. A família é reconhecida como a base de uma sociedade e, buscar o bem estar
individual é assegurar a dignidade dos sujeitos da família. Neste sentido, a intervenção estatal
no campo das relações familiares, visa a busca da promoção deste bem estar social.
Eduardo de Oliveira Leite247 é ainda mais direto, afirmando, por exemplo, que é nula a
cláusula do pacto antenupcial que altere a ordem da vocação hereditária:
Embora o legislador reconheça autonomia das partes na determinação de seus
interesses de natureza patrimonial, a liberdade concedida pela lei não é ilimitada; só
se admite convenção de acordo com a ordem pública reinante e que não contravenha
disposição absoluta de lei (art. 1.655).
A nulidade pode atingir todo o pacto antenupcial ou apenas parte dele, podendo ser
alegada por qualquer interessado, parentes, terceiros ou pelo Ministério Público.
São nulas, por exemplo, a cláusula que altere a ordem de vocação hereditária, ou a
que prive a mãe do poder parental, ou a que a prive de educar os filhos, ou, ainda, a
que impedir a qualquer dos cônjuges a administração dos bens particulares, entre
outras hipóteses contrárias ao texto legal.
246 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011b. p. 234. 247 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 319. v. 5.
107
Percebe-se, assim, que as relações familiares são balizadas pelos preceitos legais e
pelo interesse público, consagrado pelas questões de ordem pública, bons costumes e função
social. Desse modo, resta certo dizer que todo o ordenamento deve ser interpretado como
único corpo a ser respeitado.
Quanto ao contrato social de uma sociedade, reitera-se a exposição já feita alhures,
sobretudo, quanto a sua natureza jurídica e sua feição de apresentar-se como um contrato
plurilateral, os quais permitem a participação de mais de duas partes, sendo que todas elas
assumem obrigações e usufruem de direitos recíprocos, como se existisse um feixe de
obrigações entrelaçadas, e não uma contraposição de uma parte contratante perante a outra.
Essa concepção, por si só, já atrai uma série de limitações no tocante ao conteúdo das
disposições contratuais, de modo a garantir a prevalência do interesse da sociedade, e não do
interesse individual de cada sócio. O vínculo existente entre eles deverá respeitar a finalidade
comum, ainda que exista o conflito de interesse entre os envolvidos.
Outra característica inerente à sociedade limitada que impõe limites ao contrato social
diz respeito a sua natureza como sendo uma sociedade de pessoas, e não meramente de
capitais. Como já dito anteriormente, não é possível admitir regras que afastem esta natureza,
sob pena de descaracterização da sociedade limitada.
Da mesma forma que todo contrato tem como fonte a vontade individual e está sujeito
à autonomia privada, assim acontece com o contrato social, que, dentre diversas limitações,
deve respeitar a função social, como dispõe o art. 421 do Código Civil248. Não deve se prestar
às atividades abusivas nem que causem danos a terceiros.
Neste sentido, conclui Gustavo Henrique de Almeida249:
O contrato social consiste em um instituto de extrema importância para a atividade
empresária, pois, é por meio dele se exterioriza a vontade das pessoas que
contribuem com recursos e esforços para a formação de uma organização destinada
a desempenhar uma atividade fim, com o objetivo de lucro.
Os contornos impostos pela função social do contrato aos contratantes estão a todo
tempo em conflito com os direitos subjetivos exercidos ora pelos sócios, ora pela
própria sociedade, o que demanda uma definição clara do limite para os sócios que
se unem pelo contrato social e pela sociedade que age em nome próprio, mas por
meio de um administrador.
248 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
(BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 249 ALMEIDA, Gustavo Henrique. Os limites da autonomia privada nos contratos de sociedade. In:
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 20, 2011, Belo Horizonte. Anais... Florianópolis: CONPEDI,
2011. Disponível em: <http://gustavohenriquedealmeida.files.wordpress.com/2010/12/gustavo-21.pdf>.
Acesso em: 19 out. 2014.
108
Se uma das funções da função social do contrato consiste na limitação de direitos
subjetivos, temos que os sócios podem se valer do contrato para constituir uma
personalidade jurídica autônoma, sem, contudo comprometer os demais sócios ou
terceiros fora da relação societária. A sociedade, por sua vez, deve respeitar os
sócios, assim como qualquer terceiro, pois, apesar de personalidade autônoma em
relação a dos sócios, seus atos não podem prejudicar qualquer um deles, tampouco a
sociedade em geral. Sendo assim, ao contrato de sociedade se impõe um limite à
manifestação da autonomia privada, a função social.
Dentre as concepções dos direitos subjetivos, encontra-se a limitação imposta às
cláusulas do contrato social, aliás, a todos os contratos, prevista no art. 122 do Código Civil:
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem
pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes.
No âmbito do contexto ora estudado, destaca-se que para as cláusulas não
compreenderem “condições não contrárias à lei” é preciso respeitar todo o ordenamento
jurídico, de modo que, se uma disposição pretende alcançar tema alheio ao Direito
Empresarial a respectiva legislação também deverá ser respeitada, como será ressaltado a
seguir quanto ao destino das quotas sociais herdadas pelo cônjuge viúvo.
109
8 SUCESSÃO CAUSA MORTIS DE QUOTAS DA SOCIEDADE LIMITADA PELO
CÔNJUGE CASADO NO REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO DE
BENS
Após a exposição dos institutos presentes neste tema, conforme feito alhures,
especialmente o aprofundamento da disciplina sobre da dissolução da sociedade limitada em
caso de falecimento de um sócio e a vocação hereditária do cônjuge, este estudo faz-se
maduro o suficiente para abordar e concluir como deve se dar a sucessão causa mortis de
quotas da sociedade limitada pelo cônjuge casado em regime convencional da separação de
bens.
Conforme exposto, o contrato social é o instrumento que consolida a vontade dos
sócios, de modo que é ele também que pode formatar as disposições inerentes à sucessão das
quotas em caso de falecimento de um sócio, sobre o que os sócios podem dispor da forma
como bem entenderem ou acharem que é a mais conveniente à sociedade.
Nos termos do art. 1.028 do Código Civil, o contrato social pode ou não dispor
expressamente sobre esta sucessão, estabelecendo que em caso de omissão, quando não há
disposição contratual específica, a) deve-se providenciar a liquidação das quotas que pertencia
ao sócio falecido; b) os sócios remanescentes podem optar pela dissolução total da sociedade;
ou c) os sócios podem, por acordo com os herdeiros, ajustar a substituição do sócio na
sociedade; ou, d) ainda, podem dispor especificamente no contrato social exatamente o que
pretendem que aconteça com as quotas e/ou com a sociedade.
Registra-se que, até algum tempo, a dissolução da sociedade por inteiro com o
falecimento de um dos seus sócios era a regra, salvo se o contrato da sociedade não previsse
expressamente a continuidade da empresa. Todavia, conforme explica Leopoldo Nicoli250 há
muito tempo a doutrina e a jurisprudência (REsp 846.331/RS, Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/03/2010, DJe 06/04/2010) deixaram de adotar essa
posição, em função do princípio da preservação e da função social da empresa, transformando
o falecimento de um sócio em uma causa de rompimento parcial dos vínculos contratuais da
sociedade da qual ele participava.
Para que os sócios possam dispor no contrato social sobre o destino das quotas daquele
sócio que venha a falecer, é necessária a completa compreensão sobre os limites destas
250 NICOLI, Leopoldo da Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio:
um embate entre o direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Direito Milton Campos, Nova Lima, p. 35.
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disposições, pois, as disposições de cunho sucessório são normas cogentes e, portanto, a mera
vontade dos sócios não pode prevalecer ou modificá-las.
Como mencionado alhures, a adoção do regime de separação de bens, previsto nos
artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil tem sido cada vez mais frequente – por diversas razões,
cuja análise não está compreendida pelo escopo deste trabalho –, especialmente por aqueles
que exercem atividades empresariais. Esse regime apresenta-se como aquele que possui
menor intervenção estatal, sendo, portanto, mais compatível com a dinâmica da atividade
empresarial.
É certo que o Direito de Família nas sociedades ocidentais atravessa, nas últimas
décadas, um momento bastante curioso, como comenta Otávio Luiz Rodrigues Junior251.
Constata-se que elementos ligados à tradição judaico-cristã, que outrora representavam
fundamentos metajurídicos dos institutos jurídicos desta seara, estão sendo abandonados. Por
exemplo, jamais se entendeu ser necessário, por exemplo, positivar a monogamia em texto
constitucional ou legal, já que parecia ser uma consequência natural e essencial do casamento.
Contudo, atualmente, já estuda-se o chamado poliamor e também a eficácia jurídica de
relacionamentos que envolvam duas ou mais pessoas, como a dupla maternidade ou
paternidade.
Percebe-se, assim, que a legislação, sua interpretação e sua aplicação na seara do
Direito de Família, tem evoluído sob novas perspectivas. Por um lado, verifica-se o abandono
de parâmetros formais e tradicionais de cunho religioso, valorizando-se a vontade e a livre
escolha dos envolvidos na relação, o que, por conseguinte, caracteriza menor intervenção
Estatal. Porém, por outro lado, há também uma maior cautela do Estado em regulamentar as
relações, para que sejam evitados o desamparo material e o desequilíbrio ou injustiça na
partilha de bens. Constata-se a intenção de valorizar o afeto como elemento metajurídico dos
direitos patrimoniais das relações familiares, mas também há a intenção de reduzir a
intervenção estatal em um âmbito essencialmente desenhado por fatos pessoais, pela
intimidade dos envolvidos e por sentimentos que, muitas vezes, nem eles saberiam justifica-
los.
Aliás, a instabilidade da interpretação e da aplicação das regras de Direito de Família e
de Direito das Sucessões reside, sobretudo, na imprevisibilidade dos sentimentos e da
ocorrência da morte. O sentimento identificado pelo título do relacionamento (por exemplo, o
251 RODRIGUES JÚNIOR. Otavio Luiz. Limites da intervenção judicial na separação de bens.
Revista Consultor Jurídico. 2012. Disponível em <http:// http://www.conjur.com.br/2012-out-10/direito-
comparado-limites-intervencao-judicial-separacao-bens#author>. Acesso em: 10 out. 2014.
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amor de pai com o filho ou da esposa pelo marido) e a (des)ordem natural da vida são
suficientemente incompreensíveis e imprevisíveis, a ponto de ser impossível que o legislador
seja exaustivo na disciplina das relações familiares.
Talvez, uma opção simples para minimizar esta insegurança seria reduzir a zero a
intervenção estatal na relação patrimonial dos cônjuges, permitindo-lhes que disponham
livremente no pacto antenupcial, inclusive, sobre disposições de cunho sucessório. Porém,
possivelmente, isto também não evitará que casos contratos comprovem que esta fórmula não
seja melhor.
Dentro do âmbito empresarial, essa instabilidade pode causar danosa consequência.
Como comenta Otávio Luiz Rodrigues Junior252, um divórcio – acrescenta-se, e uma disputa
de herança – pode gerar mais impacto em uma grande empresa do que uma queda brusca de
suas ações na Bolsa de Valores. Autores como Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede253
já publicaram trabalhos que demonstram esta intrínseca relação entre o Direito Empresarial, o
Direito de Família e o Direito das Sucessões, identificando detidamente o vasto cardápio de
fraudes e artifícios usados para reduzir ao mínimo o patrimônio alvo da partilha em casos de
divórcios.
Verifica-se, por exemplo, que de forma cada vez mais frequente, pessoas jurídicas têm
servido como instrumento de fraude, de modo que a forma societária está se prestando para
desviar o preceito de ordem pública que determina absoluta intangibilidade da legítima.
Porém, qualquer tentativa de arranjos societários que visem burlar regras de Direito de
Família ou de Direito Sucessório, podem configurar fraude, provocando a aplicação da teoria
da desconsideração da pessoa jurídica, nos termos do artigo 50 do Código Civil, a qual, neste
contexto, é dada o nome específico de disregard. Como esclarece Maria Berenice Dias254255,
este instituto passou a ser utilizado nesta seara com o objetivo de coibir indevida vantagem
patrimonial do consorte empresário em detrimento do outro, tanto para evitar a divisão de
bens quando do divórcio como para favorecer determinados herdeiros em detrimento de outro.
Diante deste quadro, admitir intepretações e aplicações contra legem é agravar ainda
mais essa instabilidade na aplicação da lei. Respeitar o ordenamento jurídico vigente é medida
imperiosa, quiçá, única alternativa para garantir aos envolvidos (aos sócios e aos cônjuges)
252 RODRIGUES JÚNIOR. Otavio Luiz. Limites da intervenção judicial na separação de bens.
Revista Consultor Jurídico. 2012. Disponível em <http:// http://www.conjur.com.br/2012-out-10/direito-
comparado-limites-intervencao-judicial-separacao-bens#author>. Acesso em: 10 out. 2014. 253 MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Empresas familiares: administração, sucessão e
prevenção de conflitos entre sócios. São Paulo: Atlas, 2012. 254 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011b. p. 335. 255 DIAS, op. cit. p. 241.
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um mínimo de segurança e previsibilidade dos efeitos advindos das relações que vierem a
firmar. Reconhecer os limites é a única forma de adequar a vontade ao resultado.
Sendo assim, a intenção deste trabalho é exatamente reconhecer os limites legais
existentes na legislação ora vigente para verificar as possibilidades disponíveis aos sócios que
queriam disciplinar a sucessão causa mortis das quotas de um sócio que seja casado no
regime da separação de bens.
Para reforçar a compreensão dessas possibilidades, é necessário retomar a concepção
sobre o a natureza do patrimônio de uma sociedade jurídica, o qual é formado por meio da
transferência do patrimônio particular do sócio, no ato da integralização do capital social. Isto
é, o sócio, quando ingressa numa sociedade, transfere um bem que lhe pertence a ela para, em
troca, receber quotas. Estas quotas possuem conteúdo de duas naturezas. Primeira, de direito
patrimonial que está ligado ao valor econômico, abrangendo o valor pecuniário que elas
representam e a percepção de lucros, os quais serão transmitidos por herança. Segunda, de
direito pessoal inerente à condição de sócio, que assegura o direito de participar e de opinar
sobre as decisões ligadas à administração da sociedade.
Considerando as quatro possíveis consequências de destino das quotas em caso de
falecimento dos sócios, conforme informado anteriormente, observa-se que se houver a
liquidação das quotas ou se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade,
não há que se falar em sucessão da condição de sócio. Enquanto que, se assim dispuser o
contrato ou se, por acordo com os herdeiros, se fizer permitir, será possível um ou alguns
herdeiros sucederem tal posição ou, até mesmo, a substituição por um terceiro, o qual
ingressará mediante pagamento das quotas aos herdeiros.
Essa distinção é bastante importante para a identificação do que pode e/ou deve ser
inventariado.
Como cediço, o fim da personalidade humana impõe a transmissão, de imediato256, de
todos os seus bens, direitos e obrigações, os quais se trasmudam em uma massa de bens sobre
a qual tem direito os herdeiros, meeira(o) e legatários do de cujus. Do mesmo modo ocorre
com as quotas sociais do sócio falecido, que são integrantes do patrimônio deixado.
O conteúdo econômico das quotas representa um bem de propriedade do sócio, cujo
valor patrimonial necessariamente deverá ser inventariado e partilhado entre os herdeiros, já
256 Código Civil, art. 1.784: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).
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que a herança é um direito constitucionalmente garantido, ex vi art. 5º, inciso XXX, da
Constituição Federal.
Todavia, o mesmo não acontece com o status socii, isto é, com o direito pessoal
inerente às quotas. Há um liame que converge os interesses dos sócios, chamado de affectio
societatis, o qual, numa sociedade limitada, se estabelece pelos aspectos pessoais dos sócios.
Em ocorrendo o falecimento de um deles, não há como impor que esta convergência se dê
com os herdeiros, justificando, assim, a possibilidade de não se exigir que o status socii
também seja herdado. Neste caso, o impedimento da entrada do herdeiro do sócio falecido
está, portanto, ligado à quebra do affectio societatis, não obstante, ainda assim, lhe esteja
garantido o pagamento dos valores pecuniários advindos daquelas quotas, para o que será
necessário prosseguir com o procedimento da dissolução parcial, seguido da apuração de
haveres.
Conforme explica Cristiano Graeff Jr.257 sobre status socii, “o cônjuge admitido pela
sociedade é que goza desse estado, e o casamento, qualquer que seja o respectivo regime de
bens, não o comunica ao outro cônjuge”. Ao citar Antonio Brunetti258, ele acrescenta que “o
conceito de status compreende uma série de relações unidas e independentes formando um
ajustado ordenamento, que não corresponde a uma relação singular e nem tampouco se
circunscreve ao conceito de titularidade”.
Percebe-se, assim, que o status de sócio é conferido ao cônjuge admitido pela
sociedade, mas, por ter caráter personalíssimo, não se comunica ao seu cônjuge ou ao
companheiro em razão da affectio maritallis ou por consequência do regime de bens. A
apuração do valor das quotas só terá lugar na dissociação parcial ou total da sociedade
mercantil.
Todavia, com ou sem previsão contratual, havendo ou não a sucessão do status socii¸ a
identificação daqueles que podem realmente pleitear quaisquer direitos advindos do
falecimento de um sócio é de crucial importância para a gestão de uma sociedade.
A constituição e a administração de uma sociedade limitada estão intimamente ligadas
à vontade de seus sócios que, inevitavelmente, é determinada por suas características pessoais.
Como já mencionado, a presença, a ausência e a substituição de um determinado sócio
constituem fatos de muita relevância para o destino de uma sociedade, pois um mero voto ou
um mero comportamento de um dos seus sócios é capaz de alterar sua gestão, sua produção e
257 GRAEFF JÚNIOR, Cristiano. Compêndio elementar das sociedades comerciais. Porto Alegre: Liv. do
Advogado, 1997, p. 302/304. 258 BRUNETTI, Antönio. Trattat del Diritto dele Società. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1946 In: GRAEFF JÚNIOR,
Cristiano. Compêndio elementar das sociedades comerciais. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1997.
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seus resultados. Neste sentido, dispor sobre as consequências das quotas em caso de
falecimento do sócio, embora não seja regra, pode evitar batalhas judiciais infindáveis, que,
muitas vezes, bloqueiam o dinamismo da atuação empresarial, impedindo seu crescimento.
Para dispor sobre o tema, os sócios precisam estar certos das regras de Direito
Sucessório, pois elas serão as principais balizadoras de suas disposições. Afinal, eles podem
dispor como bem lhes convier, mas devem sempre respeitar as normas cogentes e preceitos de
ordem pública, dentre elas as advindas do Direito das Sucessões, em especial as regras de
vocação hereditária.
Considerando a frequente adoção do regime da separação de bens compatibilizada
com os arranjos societários, mister esclarecer ao mundo empresarial qual é o direito
sucessório do cônjuge sobrevivente perante a legislação brasileira atualmente vigente.
Como exposto no capítulo anterior, o cônjuge casado no regime convencional da
separação de bens deve sim ser considerado um herdeiro – frisa-se, herdeiro necessário, nos
termos do art. 1.845 do Código Civil – pelo que sempre participará da sucessão causa mortis
do cônjuge falecido. Qualquer interpretação em contrário fere a unicidade do Direito
Sucessório e deve ser afastada, sob pena de considerar-se nula.
Obrigatoriamente, os sócios, ao disporem sobre o tema em contrato social ou suas
respectivas alterações, devem respeitar esse direito. Neste caso, somente serão admitidas
restrições ao direito hereditário do cônjuge que sejam possíveis ao direito hereditário de
descendentes ou ascendentes. Isto é, aquelas que respeitem o direito deles – dos herdeiros
necessários – à legítima.
Nos termos do art. 1.857259, qualquer pessoa pode dispor de todos os seus bens em
vida, respeitando a metade deles que é garantida aos herdeiros necessários. Neste sentido, se
for do interesse do(a) sócio(a) casado no regime convencional de bens excluir seu(sua)
consorte da sucessão de suas quotas, é possível dispor em seu testamento este desejo, desde
que ele possua outros bens que representem, no mínimo, o mesmo valor das quotas, para que
lhe seja assegurada sua participação na legítima.
Ao mesmo tempo, o contrato social da sociedade pode reiterar a mesma vontade,
dispondo em suas cláusulas a mesma restrição, confirmando, assim, o desejo do sócio de não
259 Código Civil: Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de
parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas
se tenha limitado. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013).
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ser sucedido na sociedade por seu cônjuge, com quem seja casado no regime em comento,
desde que, repita-se, esteja respeitada a legítima.
Ressalta-se que a disposição desta restrição no contrato social, sem que esteja prevista
no testamento, mesmo que respeitada a legítima, não poderá prevalecer, já que somente o
próprio sócio e testador tem legitimidade para dispor sobre seus bens. O contrato social é a
expressão da vontade da sociedade, formada pelo conjunto da vontade de seus sócios, mas
que não se equipara à vontade individual, intrasferível e insubstituível do sócio como testador.
A situação é exemplificada por Marco Antônio Karam Silveira citado por Leopoldo
Nicoli260:
[...] o sócio de sociedade limitada, titular de “patrimônio” “x” (entendendo-se
patrimônio, aqui, como monte líquido partilhável) pode vedar o pagamento de
haveres ou qualquer tipo de participação dos herdeiros na sociedade à qual pertença,
desde que as quotas desta sociedade representem “x/2”, ou seja, metade de seu
“patrimônio” (monte líquido partilhável). A outra metade, tida como legítima, será
herdada pelos herdeiros do sócio. Desse modo, como dito, respeita-se o direito
hereditário e resguarda-se a integridade patrimonial da sociedade.
Registra-se que neste tema não é possível sustentar que a autonomia da vontade dos
sócios justificaria qualquer disposição contratual. Como foi abordado alhures, a feição atual
deste princípio exige sua mitigação, que atrai o reconhecimento de seus limites, dentre eles o
respeito às regras de ordem pública, ainda que alheias ao Direito Empresarial ou Direito
Societário. A autonomia privada garante a livre exposição de vontade dos nubentes e dos
sócios, mas impede que ela seja exercida ilimitadamente e, portanto, exige o respeito às regras
de Direito Sucessório.
Neste sentido também, se verifica a impossibilidade de dispor especificamente no
pacto antenupcial sobre quaisquer restrições ao direito sucessório do cônjuge, pelas razões
expostas ao longo deste trabalho, destacando três delas: a uma, por que não é admissível
regras que contrariem preceitos de ordem pública, dentre eles, regras de ordem de vocação
hereditária261; a duas, que o pacto não pode dispor sobre herança, já que isso é vedado pelo
260 SILVEIRA, Marco Antônio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada: tutela da empresa, dos
sócios e de terceiros. Porto Alegre: Liv. dos Advogados, 2009, p. 97, citado por NICOLI, Leopoldo da
Cunha. A resolução da sociedade limitada em virtude do falecimento de um sócio: um embate entre o
direito das sucessões e o direito de empresa. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito Milton
Campos, Nova Lima. 261 Neste sentido, como já informado anteriormente, posiciona-se objetivamente Eduardo de Oliviera Leite (vide
nota 246), que afirma que são nulas a cláusula de pacto antenupcial que altere a ordem de vocação
hereditária.
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art. 426 do Código Civil262; e a três, em razão do fato de que a sucessão é regida pela lei
vigente à abertura da sucessão, nos termos do art. 1.787 do Código Civil263, sendo impossível
que um contrato anterior altere regras dispostas em lei.
Outra possibilidade pode ser criada valendo-se da previsão do art. 1.056, §1º do
Código Civil264, que estabelece um condomínio de quotas – isto é, serão elas possuídas por
mais de uma pessoa –, porém, somente o representante poderá exercer os direitos inerentes a
elas. Isso permite que seja restringida a participação do cônjuge viúvo, estabelecendo-se
disposições contratuais que exijam o condomínio das quotas com os descendentes herdeiros,
os quais passariam a ter o direito de voto.
Nada impede, ainda, que sejam dispostas regras sobre como deverão as quotas ser
liquidadas, os critérios a serem utilizados para a apuração de haveres e o período a que se
deve respeitar para efetivar a sucessão/substituição do sócio falecido no quadro societário,
dentre diversas outras possibilidades que, em nenhum ponto, possam ofender o direito à
legítima do cônjuge viúvo.
Conclui-se, assim, que, sendo o cônjuge viúvo casado no regime convencional da
separação de bens herdeiro legítimo e necessário, ele não poderá ser excluído da sucessão do
cônjuge/sócio falecido e, portanto, não poderá ser impedido de suceder às quotas sociais – no
mínimo, quanto ao conteúdo patrimonial –, que eventualmente sejam de propriedade do sócio
falecido. É possível, contudo, que haja restrições ou regulamentações deste direito, desde que
respeitada a legítima que será contemplada por outros bens ou ainda.
262 Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03 /leis/2
002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013) 263 Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela. 264 Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, caso em que se
observará o disposto no artigo seguinte.
§ 1o No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo
condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido.
§ 2o Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente
pelas prestações necessárias à sua integralização. (BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13
jul. 2013)
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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se analisa o tipo societário mais comum no mercado brasileiro, a sociedade
limitada, verifica-se que o liame da comunhão de esforços e objetivos entre os sócios,
definidor do affectio societatis, consolida-se com a atração das características pessoais e dos
objetivos comuns entre aqueles que unem esforços para a produção, circulação ou prestação
de serviços, os quais se organizam sob a constituição de um patrimônio autônomo e distinto
daquele que seja pessoal a cada sócio.
Constata-se, assim, que a presença, ou a ausência, de determinado sócio em uma
sociedade limitada é fato determinante em sua gestão, pelo que o falecimento de algum pode
causar consequências danosas. Em sendo assim, no contrato social sobre o destino das quotas
de uma sociedade limitada em caso de falecimento de um sócio é medida que se impõe para
assegurar a preservação da atividade empresarial.
O falecimento de um sócio é, em regra, causa de dissolução parcial de uma sociedade
limitada. Porém, o art. 1.028 do Código Civil permite que o contrato social disponha
especificamente sobre o que deve ocorrer com as quotas e/ou com a sociedade, estabelecendo
que em caso de omissão, quando não há disposição contratual específica: deve-se
providenciar a liquidação das quotas que pertencia ao sócio falecido; os sócios remanescentes
podem optar pela dissolução total da sociedade; os sócios podem, por acordo com os
herdeiros, ajustar a substituição do sócio na sociedade; e os sócios podem dispor
especificamente no contrato social exatamente o que pretendem que aconteça com as quotas
e/ou com a sociedade.
Não obstante a referida permissão legal, os sócios não podem, livre e arbitrariamente,
dispor no contrato social o que melhor lhes convier sobre a sucessão das quotas em caso de
falecimento, pois, afinal, neste caso, regras atinentes ao Direito das Sucessões e de Direito de
Família devem ser respeitadas.
Neste sentido, observa-se que, dentre as opções de regime de bens disponíveis na
legislação para que seja escolhido pelos nubentes ao se casarem, verifica-se que a escolha
pelo regime da separação de bens, em algumas oportunidades, se dá por ser o regime com a
menor intervenção estatal, o que garante autonomia patrimonial aos cônjuges, apresentando-
se compatível com a dinâmica das atividades empresariais.
Sendo, portanto, um regime de bens cada vez mais frequente no meio empresarial,
analisar a sucessão causa mortis das quotas de um sócio que tenha sido casado no regime
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convencional da separação de bens é medida que se impõe na busca pela previsibilidade e
segurança do sucesso do planejamento societário e sucessório de uma sociedade limitada.
Nos termos da lei vigente, é cediço que o regime da separação de bens pode ser
estabelecido em um casamento por força de disposição legal – quando se subsome às
situações estabelecidas no art. 1.641, do Código Civil −, ou por vontade dos nubentes –
quando livremente optam, por meio da lavratura da escritura do pacto antenupcial. Neste
regime, é estabelecida a completa distinção de patrimônios dos dois cônjuges, não se
comunicando o patrimônio anterior nem o posterior ao casamento, assim como não havendo
comunhão dos frutos e aquisições, permanecendo cada qual na propriedade, posse e
administração de seus bens.
Ressalta-se que quando se fala em comunhão de bens diz-se que o regime de bens
garante a cada um dos cônjuges direito à meação, que corresponde à metade do patrimônio
comum, e revela um estado de indivisão do patrimônio, o que é denominado de
“mancomunhão” (“comunhão de mão comum”), sendo certo que este direito advém do regime
adotado e desde sua adoção, ou seja, desde a celebração do casamento. Eventual dissolução
do casamento apenas dissolve o estado de indivisão do patrimônio, permitindo a
discriminação e a individualização dos bens correspondente a cada um.
A identificação do regime de bens e, por conseguinte, do direito à meação é medida
necessária para reconhecer, respectivamente, a vocação hereditária do cônjuge viúvo e o
patrimônio a ser partilhado. Isso porque o artigo 1.829 do Código Civil, ao estabelecer quem
são as pessoas que devem ser chamadas a receber uma herança, criou uma ordem de
prioridade, pela qual, nos três primeiros lugares, verifica-se a presença do cônjuge, da
seguinte forma: primeiro, seriam chamados os descendentes em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, a depender do regime de bens; segundo, ascendentes em concorrência com o
cônjuge; e terceiro, o cônjuge sozinho.
A presença do cônjuge nas três hipóteses se dá por força do art. 1.845 do Código Civil,
que definiu o cônjuge como herdeiro necessário – assim como o fez com os descendentes e os
ascendentes –, o que quer dizer que a ele é garantido direito à legítima, independentemente do
regime de bens vigente no casamento, não podendo ser excluído, salvo nos casos de
indignidade e deserdação.
Ao vincular o regime de bens ao direito de participar da sucessão do cônjuge falecido,
o legislador exige do intérprete e aplicador da lei que entenda nitidamente a distinção entre
meação e herança, pois as hipóteses de concorrência do cônjuge com os descendentes (art.
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1.829, inciso I, do Código Civil) se define, em regra, exatamente de modo inverso; isto é,
onde há meação não há herança e onde há herança não há meação.
A meação é preexistente à morte, decorrendo tão somente do regime de bens escolhido
pelos nubentes, imposto ou presumido por lei no momento da celebração do casamento. Já a
herança decorre da sucessão hereditária e deverá respeitar a vocação hereditária advinda da
lei. Em regra, o cônjuge que tenha direito à meação já o tem mesmo enquanto vivos forem os
cônjuges, mesmo na vigência da sociedade conjugal, não lhe advindo, portanto, successionis
causa.
Neste sentido, salvo casos de deserdação e indignidade, o regime da separação de
bens, que não garante a meação aos cônjuges em vida, assegura o direito à herança em razão
da morte de um deles.
É cediço que a redação do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil, ao dispor que a
sucessão legítima defere-se, em primeiro lugar, “aos descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,
ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da
comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”, foi infeliz e vem
dando força à forte celeuma doutrinária e jurisprudencial quanto à vocação hereditária do
cônjuge casado no regime da separação de bens. Mas há de se perquirir a real intenção do
legislador, bem como discernir os institutos jurídicos envolvidos, a fim de garantir segurança
jurídica, justiça e coerência na aplicação da lei.
Com base nesse contexto, é necessário respeitar a racionalidade do legislador,
pautando-a no princípio da hermenêutica jurídica, trazendo à baila as seguintes premissas: não
há palavras inúteis na lei; o intérprete não está autorizado a fazer distinção nas situações em
que o texto legal não o faz; e as exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Assim, se o cônjuge, independentemente do regimente de bens, é herdeiro necessário
por definição do artigo 1.845 do Código Civil e deve concorrer, em regra, em primeira ordem
de chamamento, qualquer exceção deve ser interpretada nos exatos termos da lei. Se o texto
legal ressalva o cônjuge casado no regime da “separação obrigatória”, será apenas essa a
hipótese, a qual corresponde à hipótese em que o regime da separação de bens tenha se dado
por imposição legal, expressa no artigo 1.641 do Código Civil265.
Se nas demais possibilidades de vocação hereditária do cônjuge (incisos I e II do
artigo 1.829 do Código Civil) não há qualquer vinculação ao regime de bens é porque o
265 A remissão do texto da lei ao artigo 1.640 foi equivocada.
120
legislador, definitivamente, não quis vincular o interesse dos nubentes acerca da
incomunicabilidade dos bens em vida à partilha de bens após a morte.
Por uma interpretação sistêmica, percebe-se nitidamente que o legislador quis
beneficiar o cônjuge, independente do regime de bens. O inciso I do artigo 1.829 do Código
Civil utiliza-os somente como critério para identificar quando se dará a concorrência, ou não,
com os descendentes, a fim de evitar que, nesse caso, ele receba duas vezes, partindo da
premissa de que quem recebe meação não deve receber herança e quem não a tem deverá
herdar. Reforça-se, ainda, que a vocação hereditária advém da lei e que sob nenhuma hipótese
pode estar submissa à vontade dos nubentes.
Pondera-se ainda, e com verdadeiro vigor, que o interesse na incomunicabilidade de
bens pode estar direcionado tão somente à hipótese do rompimento do casamento em vida,
quando já não há mais o affectio maritatis e há a intensa dificuldade em distinguir
sentimentos de aspectos patrimoniais.
Reconhecida a vocação hereditária do cônjuge que foi casado no regime convencional
da separação de bens – pois qualquer interpretação contrária deve ser considerada contra
legem –, é imperioso reconhecer que este é um dos limites a serem respeitados pelos sócios ao
disporem sobre o destino das quotas em sucessão causa mortis. Pois, para que disponham
sobre este tema no contrato social, é necessária a completa compreensão sobre os limites
destas disposições, já que as disposições de cunho sucessório são normas cogentes. Portanto,
a mera vontade dos sócios não pode prevalecer ou modificá-las.
É certo que o Direito de Família nas sociedades ocidentais atuais tem atravessado um
momento de mudanças, pelo qual se verifica o abandono de parâmetros formais e tradicionais
de cunho religioso, valorizando-se a vontade e a livre escolha dos envolvidos na relação, o
que, por conseguinte, caracteriza menor intervenção Estatal. Todavia, ao mesmo tempo,
verifica-se também maior cautela do Estado em regulamentar as relações, para que sejam
evitados o desamparo material e o desequilíbrio ou injustiça na partilha de bens. Constata-se,
ao mesmo tempo, intensa preocupação do legislador e do aplicador do Direito em valorizar o
afeto como elemento metajurídico dos direitos patrimoniais das relações familiares, mas
também está presente a intenção de reduzir a intervenção estatal em um âmbito
essencialmente desenhado por fatos pessoais, pela intimidade dos envolvidos e por
sentimentos que, muitas vezes, nem eles saberiam justifica-los.
Aliás, a instabilidade da interpretação e da aplicação das regras de Direito de Família e
de Direito das Sucessões reside, sobretudo, na imprevisibilidade dos sentimentos e da
ocorrência da morte. O sentimento identificado pelo título do relacionamento (por exemplo, o
121
amor de pai com o filho ou da esposa pelo marido) e a (des)ordem natural da vida são
suficientemente incompreensíveis e imprevisíveis, a ponto de ser impossível que o legislador
seja exaustivo na disciplina das relações familiares.
Exatamente por isso, admitir a aplicação da lei de forma contrária ao que está expresso
causa ainda mais insegurança. E, no campo das relações empresariais, instabilidade e
imprevisibilidade são dois fatores capazes de causar danosas consequências.
Desse modo, mesmo amparado pelo princípio da autonomia privada, enquanto
estiverem vigentes os dispositivos legais a que se fez referência neste trabalho, não é possível
afastar o direito sucessório do cônjuge que foi casado no regime convencional da separação
de bens, mesmo que por disposição expressa no pacto antenupcial, o qual também não pode
ofender normas cogentes como as que tratam sobre a vocação hereditária.
Aliás, registra-se a impossibilidade de dispor especificamente no pacto antenupcial
sobre quaisquer restrições ao direito sucessório do cônjuge, pelas razões expostas ao longo
deste trabalho, destacando três delas: a uma, por que não se admitem regras que contrariem
preceitos de ordem pública, dentre elas regras de ordem de vocação hereditária; a duas, que o
pacto não pode dispor sobre herança, já que isso é vedado pelo artigo 426 do Código Civil; e
a três, em razão do fato de que a sucessão é regida pela lei vigente à abertura da sucessão, nos
termos do artigo 1.787 do Código Civil, sendo impossível que um contrato anterior altere
regras dispostas em lei.
Admitem-se, todavia, algumas limitações na sucessão das quotas da sociedade
limitadas, haja vista que, por possuírem conteúdo de direito patrimonial e de direito pessoal,
podem distinguir o destino delas sobre cada um destes aspectos. Isto é, o direito patrimonial
revela o conteúdo econômico das quotas, o qual revela essencialmente o que deve compor o
acervo patrimonial a ser inventariado e partilhado em caso de falecimento. Porém, o direito
pessoal, revelador do status socii, como a própria denominação indica, é inerente à condição
de sócio, e assegura o direito de participar e de opinar sobre as decisões ligadas à
administração da sociedade. Neste caso, quando se trata de sociedade limitada, são as
características personalíssimas – e, portanto, insubstituíveis e insucessíveis – que garantem o
gozo deste direito, permitindo que seja restringindo em caso de falecimento do sócio.
Também é possível que, por meio de testamento, com respaldo no artigo 1.857 do
Código Civil, o sócio afaste a sucessão do cônjuge, dispondo que sua legítima deva ser
recebida em outros bens que não as quotas, devendo, para tanto, ratificar a mesma intenção no
contrato social. Entretanto, nesta hipótese o sócio, necessariamente, deverá ter deixado outros
tantos bens que bastem à satisfação da quota hereditária do cônjuge sobre a legítima.
122
Outra restrição pode ser criada valendo-se da previsão do artigo 1.056, §1º, do Código
Civil, que estabelece um condomínio de quotas, por meio do qual somente o representante
poderá exercer os direitos inerentes a elas, permitindo que se restrinja a participação do
cônjuge viúvo.
Nada impede, ainda, que sejam dispostas regras sobre como deverão as quotas ser
liquidadas, os critérios a serem utilizados para a apuração de haveres e o período a que se
deve respeitar para efetivar a sucessão/substituição do sócio falecido no quadro societário,
dentre diversas outras possibilidades que, em nenhum ponto, possam ofender o direito à
legítima do cônjuge viúvo.
Contudo, vale destacar que tais restrições são possíveis não porque contemplem
cônjuges casados em regime convencional da separação de bens, mas, sim, porque são
admitidas a todos os herdeiros necessários – inclusive os descendentes ou ascendentes −, isto
é, aqueles que respeitam o direito deles (dos herdeiros necessários) à legítima.
Conclui-se que o cônjuge viúvo que tenha sido casado no regime da separação
convencional de bens tem direito à herança sobre os bens deixados por seu cônjuge falecido,
sendo, inclusive, herdeiro necessário, o que lhe assegura jamais ser excluído da sucessão
hereditária, salvo em casos de deserdação e indignidade. O pacto antenupcial e o contrato
social devem respeitar normas cogentes. Portanto, não podem ofender regras sobre a vocação
hereditária. Por meio de testamento e/ou do contrato social, poderão ser dispostas restrições,
como as mencionadas acimas, mas que sejam aplicáveis a todos os herdeiros necessários.
Respeitar o ordenamento jurídico vigente é medida imperiosa, quiçá, a única
alternativa para garantir aos envolvidos (aos sócios e aos cônjuges) um mínimo de segurança
e previsibilidade dos efeitos advindos das relações que firmarem. Somente dessa maneira é
possível viabilizar que a legislação vigente seja respeitada, afastando interpretações
condicionadas ao caso concreto e às intepretações subjetivas, permitindo alcançar segurança
jurídica e coerência na aplicação da lei. Reconhecer os limites é a única forma de adequar a
vontade ao resultado.
123
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SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0067399-32.2012.8.26.0000.
Relator Desembargador Gilberto de Souza Moreira. Data de julgamento 19/09/2012. Data de
registro 20/10/2012.
______. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0080738-58.2012.8.26.0000. Relator
Desembargador Milton Carvalho. Data de julgamento 30/08/2012. Data de registro de
01/09/2012.
______. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0170132-13.2011.8.26.0000. Relator
Ribeiro da Silveira. Data de Julgamento 08/08/2012. Data de registro 09/08/2012.
______. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0265463-22.2011.8.26.0000. 4.ª
Câmara de Direito Privado, j. 15.03.2012, data de registro: 20.03.2012 e SÃO PAULO.
Tribunal de Justiça.
______. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0080738-58.2012.8.26.0000. Limeira.
4.ª Câmara de Direito Privado, j. 30.08.2012, data de registro: 01.09.2012. Ambos relatados
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