2. FICHA CATALOGRFICA (Preparada pelo Centro de
Catalogao-na-fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros,
RI) Lvi-Strauss, Claude, 1908- L644e As Estruturas elementares do
parentesco; tra- 76-0059 duo de Mariano Ferreira. Petrpolis, Vozes,
1982. 540p. ilust. 23cm. Do original em francs: Les structures l-
mentaires de la parent. Bibliografia. 1. Parentesco. I. Ttulo. 11.
Srie. CDD - 301.442 CDU - 301.185
3. A memria de LEWIS H. MORGAN
4. tI I L Entre os que desejarem dar-se ao trabalho de
compreender os princpios gerais da religio primitiva, sero bem
poucos, sem dvida, os que voltaro algum dia a acreditar que se
trata nesse' assunto de fatos ridculos, cujo conhecimento no pode.
trazer nenhum proveito para o resto da humanidade. Longe dessas
crenas e prticas se reduzirem a um acmulo de resduos, vestgios de
alguma loucura coletiva, so to coerentes e lgicas que, logo assim
que comeamos {li classific-las, mesmo grosseiramente, podemos
aprender os princpios que regeram seu desenvolvimento. Vi-se, ento,
que esses principias so essencialmente racionais, f!mbora atuem sob
o vu de uma profunda e inveterada ignordncia... A cincia moderna
tende cada vez mais a concluir que, se em algum lugar hd leis,
estas devem existir em toda parte. E. B. TVLOR, Primitive Culture,
Londres, 1871, p. 20-22.
5. Pre/delo da Primeira Edio Pre!dcio da Segunda Edio INTRODUAO
CAP!TULO I. NATUREZA E CULTURA / Estado de natureza e estado de
sociedade. O problema da passagem de um ao outro. As "crianas
selvagens". As fermas superiores / L da vida animal. O critrio da
universalidade. A proibio do incesto como regra universal CAP!TULO
n. O PROBLEMA DO INCESTO Teorias racionalistas: Maine, Morgan;
concluses da gentica. Teorias psicolgicas: Westermarck, Havelock
Ellis. Teorias sociolgicas, I: McLennan. Spencer, Averbury. Teorias
sociolgicas, lI: Durkheim. As antinomias do problema do incesto.
PRIMEIRA PARTE A TROCA RESTRITA I. Os fundamentos da troca CAP!TULO
III. o UNIVERSO DAS REGRAS Consanginidade e aliana. A SUMARIO 19 24
41 50 69 proibio do incesto, "regra como regra", O regime do
produto escasso: regras de distribuio alimentar. Passagem s regras
matrimoniais: casamento e celibato. CAP!TULO IV. ENDOGAMIA E
EXOGAMIA 82 A poligamia. forma especial de reciprocidade. Endogamia
verdadeira e endogamia funcional. Os limites do grupo social. O
caso dos Apinag. Exogamia e proibio do incesto. CAP!TULO V. O
PRINCIPIO DE RECIPROCIDADE O Essai SUT le Don. A troca nas
sociedades primitivas e nas sociedades contemporneas. Extenso s
leis do casamento. A noo de arcaismo e suas implicaes. Da troca dos
bens troca das mulheres. CAP!TULO VI. A ORGANIZAAO DUALISTA
Caracteres gerais das organizaes dualistas. Distribuio. Natureza:
cls e classes. A organizao dualista como instituio e como
principio. Discusso de trs exemplos: Nova Guin, Assam, Califrnia.
Concluso: a organizac}o 92 108
6. dualista reduz-se a um mtodo para a soluo de certos
problemas da vida social. CAPTULO VII. A ILUSAO ARCAICA Origem da
noo de reciprocidade. Dados da psicologia infantil. Sua
interpretao. A criana e o primitivo segundo Freud e segundo Piaget.
Critica de S. Isaacs. O pensamento da criana representa uma
experincia mais geral que a do adulto. O principio de reCiprocidade
no pensamento infantil. A ampliao da experincia psicolgica e
social. CAPTULO VIII. 123 A ALIANA E A FILIAAO 137 Retorno
organizao dualista. Relaes entre a organizao dualista e o casamento
dos primos cruzados. Os postuladOS filosficos das interpretaes
clssicas: a noo de relao. Sistemas de classes e sistemas de relaes.
Passagem filiao: o problema da filiao bilateral. Os ashantis e os
todas. A noo de dicotomia e suas analogias genticas: o problema das
geraes alternadas. O indgena e o terico. Aplicao a alguns sistemas
africanos e australianos. Filiao patrilinear e filiao matrilinear.
O primadO do principio patrilinear. CAPTULO IX. o CASAMENTO DOS
PRIMOS 159 Casamento dos primos cruzados e sistema classificatrio.
A unio preferencial e a noo de estrutura. Proximidade biolgica e
proximidade social. Valor terico do casamento dos primos cruzados.
Sua origem: teses de Swanton, Gifford. Lowie. Discusso: o sistema
de parentesco deve ser concebido como uma estrutura global. O
casamento dos primos cruzados como estrutura elementar da troca.
CAPTULO X. A TROCA MATRIMONIAL Exposio da concepo de Frazer e de
seus limites: primos cruzados e primos paralelos; troca e mercado;
papel da organizao dualista. Diferenas com relao concepo proposta.
lI. A Austrlia CAPTULO XI. OS SISTEMAS CLSSICOS Importncia dos
fatos australianos: o problema da troca das irms. Classificao dos
sistemas australianos; suas dificuldades. Dicotomia patrilinear e
dicotomia matrilinear. Teses de Radcliffe- Brown. Lawrence.
Kroeber. O exemplo dos rnarinbatas, ou a gnese de um sistema.
Descrio do sistema Kariera. Descrio do sistema Aranda. Estes dois
sistemas fornecem uma base insuficiente para uma classificao geral.
CAPTULO XII. O SISTEMA MURNGIN Descrio. Caracteres anormais do
sistema. Impossibilidade de toda reduo a um sistema Aranda. Classes
e graus. Hiptese sobre a natureza do sistema Murngin. Conseqncias
tericas. Definio da troca restrita. Definio da troca generalizada.
Aplicao nomenclatura Murngin; discusso da interpretao psicolgica de
Lloyd Warner. A estrutura do sistema Murngin; confirmao tirada do
sistema Wikmunkan. 173 187 209 ..
7. CAPITULO XIII. REGIMES HARMONICOS E REGIMES DESARMONICOS 237
Os sistemas ditos aberrantes: Karadjeri, Tiwi, Mara, Arabana,
Aluridja, Southem Cross, Dier!, Wikmunkan. Comparao destes ltimos
sistemas com o sistema Mandchu. Difinio dos regimes harmnicos e dos
regimes desarmnicos. Suas relaes com as duas formas fundamentais da
troca. Integrao dos sistemas aberrantes numa classificao geral. A
troca restrita, caso particular da troca generalizada. CAPITULO
XIV. APG:NDICE A PRIMEIRA PARTE 266 I. Sobre o estudo algbrico de
certos tipos de leis de casamento (sistema Murngin), por Andr Weil,
professor da Universidade de Chicago. lI. Comentrio; interpretao
das lacunas aparentes do sistema Murngin. Endogamia e troca
generalizada. SEGUNDA PARTE A TROCA GENERALIZADA I. Frmula simples
da troca generalizada CAPITULO xv. OS DOADORES DE MULHERES Da
necessidade terica da troca generalizada a seu estudo experimental.
A descoberta de Hodson. O sistema Katchin. Nomenclatura de
parentesco. Regra do casamento. Mayu-ni e dama-ni. O ciclo da
troca. Hiptese de Granet. Discusso: as origens mitolgicas da
sociedade Katchin. Cls, linhagens, casas. 279 CAPITULO XVI. A TROCA
E A COMPRA Simplicidade aparente do sistema Katchin; seu carter
ilusrio. A casustica da compra. Paternos e maternos. O problema dos
termos de denominao. Interpretao destas diculdades: especulao e
feudalismo. CAPITULO XVII. LIMITES EXTERNOS DE TROCA 300
GENERALIZADA 313 Outros sistemas de troca generalizada: Kuki,
Aimol, Chiru, Chawte, Tarau. Estudo das formas alteradas pelo mtodo
do modelo reduzido: Mikir, Garo, Lakher. Mistura da troca restrita
e da troca generalizada no Assam: sistemas Konyak, Rengma Naga,
Lhota Naga, Sema Naga, Ao Naga, Angami Naga. Relao entre as
organizaes dualistas e as organizaes tripartidas no Assam. CAPITULO
XVIII. LIMITES INTERNOS DA TROCA GENERALIZADA O sistema Gilyak:
nomenclatura, organizao social, regra do casamento. A interpretao
de Sternberg; discusso. Comparao com o sistema Katchin; o papel da
compra. O sistema Gold. Papel do tio materno nos sitemas simples de
troca generalizada. A orientao matrilateral e a reao patrilateral.
A contradio inerente aos sistemas de troca generalizada. H um eixo
birmano-siberiano? lI. O sistema chins CAPITULO XIX. 335 A TEORIA
DE GRANET 357 Caracteres gerais da interpretao de Granet; aplicao
ao sistema
8. ", I Chins. O casamento dos primos cruzados na China antiga.
Passagem do casamento bilateral ao casamento unilateral. Construo
de um sistema arcaico com oito classes. Suas impossibilidades.
CAPTULO XX. A ORDEM TCHAO MaU Anlise da nomenclatura chinesa. Graus
de parentesco e graus de luto. Interpretao de Fng. Problemas que
levanta. A questo da ordem tehao mau; tese de Granet; crtica de
Hsu. Discusso geral: ordem tehao mau e geraes alternadas. CAPITULO
XXI, 371 O CASAMENTO MATRILATERAL 391 As indicaes terminolgicas em
favor do casamento matrilateral. Sua interpretao pela tecnonmia;
discusso. O casamento com a filha do irmo da me na China
contempornea. Suas implicaes tericas. Conseqncias do ponto de vista
da histria do sistema Chins. O casamento oblquo; sua antiguidade;
crtica de Granet e de Fng. Suas sobrevivncias modernas. CAPITULO
XXII. O CASAMENTO OBLlQUO 404 Teoria do casamento oblquo no sistema
Miwok. A nomenclatura do parentesco. Interpretao de Gifford.
Linhagens e metades. O casamento oblquo como fenmeno de estrutura.
Demonstrao pelo mtodo dos moldes reduzidos. Sistema Chins e sistema
Miwok. CAPITULO XXIII. OS SISTEMAS PERIFRICOS O sistema Tibetano;
"parentes do osso" e "parentes da carne"; 416 importncia desta
classificao. O sistema LoIo. O sistema Tounguse; comparao com os
sistemas Katchin e Naga. O sistema Mandchu; caracteres gerais;
organizao social; terminologia; interpretao; comparao com os
sistemas siberianos. Quadro geral dos sistemas do Extremo Oriente;
problemas te6ricos que levantam. IH. A lndia CAPTULO XXIV. o OSSO E
A CARNE Extenso da distino entre "parentes do osso" e "parentes da
carne"; seu valor terico. A troca generalizada na 1ndia: sistema
Gond. Lugar da noo de casta num sistema de troca generalizada. A
hipergamia. O casamento dito "por dom". A exogamia das sapindas;
comparao com a ordem ichao mou. O casamento matrilateral na 1ndia.
Interpretao de Held. CAPITULO XXV. 439 CLAS E CASTAS 451 Teoria de
Held; exposio e discusso. O bilateralismo hindu. Condies tericas da
existncia de um sistema de classes matrimoniais. Casta e (lotra; o
(lotra considerado como um antigo cl. Natureza verdadeira da
exogamia do (lotra; os dois tipos de gotra. Hipteses sobre a
estrutura social arcaica da 1ndia. CAPITULO XXVI. AS ESTRUTURAS
ASSIMTRICAS 466 Consideraes tericas sobre a relao entre a troca
restrita e a troca generalizada; carter privilegiado da 1ndia para
definir as relaes entre os diferentes tipos do casamento dos primos
cruzados. J
9. I' L o casamento bilateral; sua raridade. O sistema Munda. O
problema do tio materno; seu papel nos sistemas de casamento
matrilateral. O privilgio avuncular. CAP1TUW XXVII, OS CICLOS DE
RECIPROCIDADE 481 Problemas tericos do casamento dos primos
cruzados; solues propostas; discusso. Casamento matrilateral e
casamento patrnateral~ ciclos curtos e ciclos longos. Interpretao
definitiva da troca generalizada. CONCLUSO CAP1TUW XXVIII. PASSAGEM
AS ESTRUTURAS COMPLEXAS SOl A rea das estruturas elementares. O
eixo birmano-siberiano; limites da troca generalizada; difuso e
limites da troca restrita. Relaes definitivas entre troca restrita
e troca generalizada. Consideraes rpidas sobre a rea Beeano-
americana; por que faz parte do estudo das estruturas complexas.
Consideraes rpidas sobre a Mrica; o casamento por compra como forma
complexa da troca generalizada. Consideraes rpidas sobre o mundo
indoeuropeu; das formas simples da troca generalizada s formas
complexas; e casamento moderno. CAP1TUW XXIX. OS PRINC!PIOS DO
PARENTESCO 519 A troca, base universal das proibies do casamento.
Naturem da exogarnia. O mundo do parentesco. Fraternidade e
compadrio. A teoria de Malinowski e sua refutao; o incesto e o
casamento. Sintese histrica e anlise estrutural; o exemplo da
psicanlise e o da lingUistica. O Universo da comunicao.
10. Indice das Figuras 1, Retalhadura cerimonial de um bfalo na
Birmnia 74 2. Distribuio da carne entre parentes 75 3. Trocas
matrimoniais na Polinsia 104 4. Trocas cerimoniais nas ilhas Salomo
106 5. Diagrama traado pelos indfgenas de Ambrym para explicar seu
sistema de parentesco 166 6. O casamento dos primos cruzados 171 7.
A noo de cruzamento 184 8. Regras do casamento Murimbata 195 9.
Regras do casamento Kariera 197 10. Sistema Kariera 200 11.
Ilustrao do sistema Kariera 202 12. Filiao e residncia no sistema
Kariera 203 13. Regras do casamento Arenda. 204 14. Ilustrao do
sistema Aranda 205 15. Sistema Aranda 206 16. Casamento entre
primos descendentes de cruzados 206 17. Estrutura do sistema
Murngin 211 18. Regras do casamento Murngin, segundo Warner 212 19.
Regras do casamento Murngin 212 20. Sistema Murngin e sistema
Aranda 212 21. Regra do casamento Murngin em sistema normal 213 22.
Regra do casamento Murngin em sistema optativo 213 23. Combinao do
sistema narmal com o sistema optativo 216 2425. Esquema da troca
generalizada 220 26. Casais. ciclos e pares 221 27. Casamento
matrilateral 221 28. Trocas generalizadas entre quatro classes 222
29. Nomenclatura do parentesco Murngin 224 30. Expresso do sistema
Murngin em termos de troca generalizada 227 31. Filiao e residncia
na troca generalizada 228 32. Diagrama definitivo do sistema
Murngin 229 33. Ciclo com quatro classes 231 34. Projeo plana de um
sistema cclico 232 35. Sistema Karadjen 237 36. Sistema Mara,
segundo Warner 239 37. Sistema Aluridja 242 38. Sistema Southern
Cross 243 39. Sistema Dieri, segundo Elkin 244/245 40. Expresso
simplificada do sistema Dieri 247 41. Evoluo do sistema Dieri 248
42. Sistema Wikmunkan, segunda U. MeConne1 250/251 43. Sistema
Mandchu e sistema Wlkmunkan 254/255 44. Classificao dos principais
tipos de sistema de parentesco 258 45. Sistema Katchin 282 46.
Ciclo feudal do casamento entre os Katchins 294 47. Ciclos do
casamento e.ntre os Chirus, Chawtes e Taraus 314 48. Sistema Lakher
(modelo reduzido) 318 49. Sistema Rengna Naga 321 50. Sistema Lhota
Naga (modelO redUZido) 322 51. OUtro aspecto do sistema Lhola Naga
323 52. Sistema Sema Naga (modelo reduzido) 325 53. Sistema Ao Naga
(modelo reduzido) 329 54. Sistema Gilyak 341 55. Troca generalizada
com trs cls 342
11. r 56. Troca generalizada com quatro cls 343 57. Sistema
Chins, segundo Granet 366 58. Outro aspecto da hiptese de Granet
370 59. Quadro simplificado dos graus de luto 377 60. Representao
diagramtica do sistema de parentesco Chins 378 61. A ordem teMo mau
382 62. O templo ancestral. segundo Hsu 384 63. premutao dos
antepassados na ordem tchao mau 385 64. Fileiras e colunas 386 65.
Sistema das posies na ordem tchao mau 387 66. Regras do casamento
Murngin comparadas com as regras chinesas, segundo Granet 388 67.
Sistema Miwok (modelo reduzido) 407 68. Sistema Mlwok: correlaes
entre as genealogias e o modelo reduzido 411 69. Sistemas Tibetano
e Kuki 417 70. Regras do casamento Tunguse 421 71. Regras do
casamento Mao Naga 422 72. Aspecto do sistema Mandchu 428 73.
Comparao entre os sistemas Mandchu e Ao Naga 431 74. Distribuio das
formas elementares da troca no Extremo Oriente 433 75. Aspecto do
sistema Gond 440 76. Sistema hindu, segundo Held 450 77. Proibies
do casamento entre os Bais 459 78. Os sete MuI 460 79. Graus
proibidos no norte da ndia 461 80. Sistema Munda 471 81. Casamento
Munda transcrito em termos do sistema Araruta 471 82. Irm do pai e
irmo da me 474 83. O privilgio avuncular 476 84. Filha do irmo da
me e filha da irm do pai 486 85. Os ciclos de reciprocidade 495 86.
Contorno aproximado da rea considerada o eixo da troca generalizada
503 87. Sistema das oposies entre as formas elementares do
casamento 507
12. PREFACIO DA PRIMEIRA EDIO Entendemos por estruturas
elementares do parentesco os sistemas nos quais a nomenclatura
permite determinar imediatamente o crculo dos parentes e os dos
aliados, isto , os sistemas que prescrevem o ca- samento com um
certo tipo de parente. Ou, se preferirmos, os sistemas que, embora
definindo todos os membros do grupo como parentes, di- videmnos em
duas categorias, a dos cnjuges possveis e a dos cnjuges proibidos.
Reservamos o nome de estruturas complexas para os sistemas que se
limitam a definir o circulo dos parentes e que deixam a ou- tros
mecanismos, econmicos ou psicolgicos, a tarefa de proceder
determinao do cnjuge. A expresso "estruturas elementares" corres
ponde, portanto, neste trabalho, ao que os socilogos chamam
habitual- mente casamento preferencial. No pudemos conservar esta
terminologia porque o objeto fundamental deste livro mostrar que as
regras do casamento, a nomenclatura, o sistema dos privilgiOS e das
proibies so aspectos inseparveis de uma mesma realidade, que a
estrutura do sistema considerado. A definio precedente conduziria,
por conseguinte, a reservar o no- me de estrutura elementar aos
sistemas que, como o casamento dos primos cruzados, procedem a uma
determinao quase automtica do cnjuge preferido, ao passo que os
sistemas fundados sobre a trans- ferncia de riqueza ou sobre a
livre escolha, como vrios sistemas afri- canos e o de nOssa
sociedade contempornea, entrariam na categoria das estruturas
complexas. Atemo-nos, em suas grandes linhas, a esta dis- tino, mas
entretanto impemse algumas ressalvas. Primeiramente, no existe
estrutura absolutamente elementar, no sen- tido de que um sistema,
qualquer que seja sua preciso, no tenha fi- nalmente como resultado
- ou s tenha excepcionalmente - a determi- nao de um nico Indivduo
como cnjuge prescrito. As estruturas elementares permitem definir
classes ou determinar relaes. Mas, em regra geral, vrios indivduos
so igualmente aptos a constiturem a classe ou a satisfazerem a
relao, sendo freqentemente em grande nffiem. Mesmo nas estruturas
elementares, por conseguinte, h sempre uma cer- ta liberdade de
escolha. Inversamente, nenhuma estrutura complexa au- toriza uma
escolha absolutamente livre, consistindo a regra, no em que algum
possa casar-se com quem quiser relativamente ao sistema, mas que
possvel casar-se com os acupantes das posies da nomenclatura que no
so expressamente proibidas. O limite das estruturas elemen- 19
13. tares encontra-se nas possibilidades biolgicas, que podem
sempre fazer aparecer solues mltiplas, em forma de irmos, irms ou
primos, para um problema dado_ O limite das estruturas complexas
est na proibio do incesto, que exclui, em nome da regra social,
certas solues que, entretanto so biologicamente abertas_ Mesmo na
estrutura elementar mais rigorosa conserva-se certa liberdade de
escolha, e mesmo na estru- tura complexa mais vaga a escolha
permanece sujeita a certas limitaes_ No possvel, portanto,
estabelecer uma completa oposio entre as estruturas elementares e
as estruturas complexas. Igualmente difcil traar a linha divisria
que as separa. Entre os sistemas que indicam o cnjuge e aqueles que
o deixam indeterminado, h formas hbridas e equvocas, quer porque
privilgios econmicos permitem efetuar uma escolha secundria dentro
de uma categoria prescrita (casamento por compra associado ao
casamento por troca), quer porque haja vrias so- lues preferenciais
(casamento com a filha do irmo da me e com a filha do irmo da
mulher; casamento com a filha do irmo da me e com a mulher do irmo
da me, etc.>. Alguns destes casos sero exa- minados neste livro
porque julgamos que podem esclarecer casos mais simples que eles.
Outros, ao contrrio, que marcam a passagem para as formas
complexas, sero provisoriamente deixados de lado. Propriamente
falando, o presente trabalho constitui, pois, uma in- troduo a uma
teoria geral dos sistemas de parentesco. Isto certo, se
considerarmos que, depOis deste estudo das estruturas elementares,
continua aberto o lugar para um outro, reservado s estruturas
comple- xas, e talvez mesmo para um terceiro, consagrado s atitudes
familiares que exprimem ou sobrepujam, mediante comportamentos
estilizados, con- flitos ou contradies inerentes estrutura lgica,
tal como se revela no sistema das denominaes. Se nos decidirmos,
contudo, a publicar este livro em sua forma atual foi
essencialmente por duas razes. Acre- ditamos, primeiramente, que,
sem ser exaustivo, nosso "estudo completo, no sentido em que trata
dos princpiOS. Mesmo se devssemos consi- derar o desenvolvimento de
tal ou qual aspecto do problema a que nosso estudo consagrado, no
teramos que introduzir nenhuma noo nova. Se o leitor desejar
elucidar uma questo especial bastar que apli- que ao caso
considerado nossas definies e distines, procedendo se- gundo o
mesmo mtodo. Em segundo lugar, no esperamos, mesmo nos limites que
nos im~ pusemos, estar livres de inexatides materiais e de erros de
interpreta- o. As cincias sociais chegaram a um tal grau de
interpenetrao, e cada uma delas tornou-se to complexa pela enorme
massa de fatos e documentos sobre os quais repousa, que seu
progresso s pode provir de um trabalho coletivo. Fomos obrigados a
abordar terrenos para o estudo dos quais estvamos mal preparados, a
aventurar hipteses que no pOdamos imediatamente verificar e tambm a
deixar provisoriamen- te de lado, por falta de informao, problemas
cuja soluo teria sido contudo essencial para a nossa finalidade. Se
nosso trabalho encontrar ressonncia somente junto de poucas
pessoas, entre elas quem, como etn- logo ou socilogo, pSiclogo ou
lingista, arquelogo ou historiador, par- ticipa, no laboratrio, no
gabinete de trabalho ou no terreno, do mesmo estudo do fenmeno
humano, e se algumas das lacunas, de cuja exten- so e gravidade
somos ns os primeiros a ter conscincia, pOdem ser 20
14. I L preenchidas como consequencia dos co~entrios daqueles
especialistas e em resposta a suas objees. ento, sem dvida, teremos
tido razes para estabelecer um perodo de pausa em nossa pesquisa e
propor seus primeiros resultados antes de procurar extrair suas
mais longnquas implicaes. Atualmente. um estudo de sociologia
comparada esbarra em duas dificuldades principais. a escolha das
fontes e a utlzao dos fatos. Nos dois casos o problema deriva.
sobretudo. da abundncia dos materiais e da imperiosa necessidade de
estabelecer um limite. No que se refere ao primeiro ponto, no
quisemos esconder que, tendo sido escrito nos Estados Unidos. pelo
contato dirio com nossos colegas norteamericanos. 'este livro
estava exposto a ter de usar predominantemente fontes de ln gua
inglesa. Se procurssemos ocultar esta orientao, incorreramos na
culpa de ingratido com relao ao pas que nos ofereceu generoso aco
lhimento e excepcionais possibldades de trabalho; e em relao a
nossos colegas franceses. interessados sobretudo nos recentes
progressos de sua cincia no estrangeiro, teramos malogrado na misso
de informao que nos tinham tacitamente confiado. Ao mesmo tempo. e
sem nos negarmos a apelar para as fontes antigas todas as vezes que
nos eram absoluta mente necessrias, procuramos renovar a base
tradicional dos problemas do parentesco e do casamento. evitando
limitarnos a uma nova tritura o de exemplos j fatigados pelas
discusses anteriores de Frazer. Briffault. Crawley e Westermarck. A
bibliografia de nosso trabalho revela- r. de maneira no fortuita.
uma elevada porcentagem de artigos e tra- balhos,_ publicados
durante os ltimos trinta anos. Esperamos assim que nos perdoem um
empreendimento terico, talvez em vo, devido ao aces- so mais fcil.
preparado por este livro. a fontes s vezes raras e sempre
dispersas. O segundo ponto constitua um problema mais delicado. Ao
empre- gar seus materiais o estudioso da sociologia comparada est
constante- mente exposto a duas censuras, a saber. ou que,
acumulando exemplos, desencarna-os e os faz perder toda substncia e
significao. porque os isola arbitrariamente da totalidade da qual
cada um deles um ele- mento, ou que, ao contrrio, para conservar o
carter concreto dos fa- tos e manter vivo o elo que os une a todos
os outros aspectos da cultura da qual foram tomados. o socilogo
seja levado a s considerar um pequeno nmero de fatos. sendo-lhe
negado. por motivo desta base de- masiado frgil. o direito de
generalizar. Associa-se habitualmente o nome de Westermarck ao
primeiro defeito. e o nome de Durkheim ao segundo. Mas. seguindo o
caminho to rigorosamente traado por Mareei Mauss. possvel. segundo
nos parece. evitar esses dois perigos. Neste livro concebemos os
dois mtodos no como procedimentos mutuamente ex- clusivos. e sim
correspondendo a dois momentos diferentes da demons- trao. Nas
primeiras etapas da sintese defrontamo-nos com verdades to gerais
que a funo da pesquisa consiste em suscitar a hiptese. guiar a
intuio e ilustrar os princpios mais do que verificar a de-
monstrao. Enquanto os fenmenos considerados so ao mesmo tempo to
Simples e to universais que a experincia vivida basta para fun-
dament-los com relao a cada observador. sem dvida legtimo - uma vez
que, no se exige ainda que exeram nenhuma funo demons- trativa -
acumular os exemplos, sem se preocupar demasiadamente com 21
15. I I I l o contexto que d a cada um sua significao
particular. Porque, nessa fase, a significao, com poucas diferenas,
a mesma para todos, e o confronto com a experincia prpria do
sujeito, por sua vez membro de um grupo social, basta quase sempre
para reconstituila. Os exem pios isolados e tomados de culturas
muito diversas recebem mesmo, com este uso, um valor suplementar, o
de atestarem, com uma fora tirada do nmero e da surpresa, a presena
do semelhante que se acha por debaixo do diferente. Seu papel
sobretudo alimentar a impresso e definir mepos as prprias verdades
do que a atmosfera e a cor que as impregnam' no momento em que
surgem nas crenas, nos temores e de- sejos dos 'homens. Mas, medida
que a sintese progride e que se pretende atingir re- laes mais
complexas, este primeiro mtodo deixa de ser legitimo. preciso
limitar o nmero dos exemplos para aprofundar o sentido parti cular
de cada um. Neste momento da demonstrao, todo seu peso re- pousa
sobre um nmero muito pequeno de exemplos cuidadosamente escolhidos.
A generalizao que se seguir permanecer vlida com a con dio dos
exemplos serem tpicos, isto , de cada um deles permitir realizar
uma experincia que corresponda a todas as condies do pro- blema,
segundo a marcha do raciocnio permitir que sejam determina- das.
Assim que o progresso de nossa argumentao, em todo este tra- balho,
acompanhado por uma mudana de mtodo. Partindo de uma exposio
sistemtica, na qual exemplos eclticos, escolhidos com a ni- ca
preocupao de seu valor evocativo, tm por funo principal ilustrar o
raciocnio e levar o leitor a reviver em sua prpria experincia
situa- es do mesmo tipo, restringimos pouco a pouco nosso horizonte
para permitir aprofundar a pesquisa, de tal modo que nossa segunda
parte - excetuada a concluso - apresentase quase como um grupo de
trs monografias, dedicadas respectivamente organizao matrimonial do
sul da sia, da China e da ndia. Estas explicaes preliminares eram,
sem dvida, necessrias para justificar o procedimento. Este livro no
poderia ter sido publicado sem o auxlio recebido, por diversas
formas, de pessoas e instituies. Primeiramente, a Fundao
Rockefeller, que nos deu os meios morais e materiais de empreendlo,
em seguida, a New School for Social Research, que nos permtiu
escla- recer e formular, graas prtica do ensino, algumas de nossas
idias, e enfim todos os nossos mestres e colegas com os quais
pudemos, em contato pessoal ou por correspondncia, verificar fatos
e precisar hip- teses, ou que nos dispensaram encorajamentos.
Contamos entre estes os senhores Robert H. Lowie, A. L. Kroeber e
Ralph Linton, o Dr. Paul Rivet, Georges Davy, Maurice Leenhardt,
Gabriel Le Bras, Alexandre Koyr, Raymond de Saussure, Alfred Mtraux
e Andr Weil, que teve a genti- leza de acrescentar um apndice
matemtico primeira parte. Agrade- cemos a todos eles e muito
particularmente a Roman Jakobson, cuja insistncia amiga
constrangeunos quase a levar a termo um esforo cuja inspirao terica
fica a dever-lhe ainda muito mais. Ao dedicar nosso trabalho memria
de Lewis H. Morgan, fomos guiados por um trplice objetivo: prestar
homenagem ao grande inicia- dor de Ulla ordem de pesqUisas em que,
seguindo suas pegadas, modes- tamente nos empenhamos; inclinar-nos,
atravs dele, diante dessa escola antropolgica norte-americana que
fundou e que durante quatro anos nos 22
16. associou to fraternalmente a seus trabalhos e debates; e
tambm talvez tentar devolver-lhe em pequena extenso o servio que
lhe devemos, lem- brando que essa extenso foi sobretudo grande numa
poca em que o escrpulo cientfico e a exatido da observao no lhe
pareciam incom- patveis com um pensamento que no se envergonhava de
se confessar terico, e com um gosto filosfico audacioso. Porque a
sociologia no progredir de maneira diferente de suas predecessoras,
e convm tanto menos esquecer esta observao no momento em que
comeamos a en- trever, "como atravs de uma nuvem", o terreno no
qual se realizar o encontro. Depois de ter citado Eddington: "a
fsica torna-se o estudo das organizaes", Kohler escrevia quase h
vinte anos: "Neste cami- nho. .. ela encontrar a biologia e a
psicologia". Este trabalho ter atingido seu Objetivo se, depois de
t-lo terminado, o leitor sentir-se in- clinado a acrescentar: e a
sociologia. Nova Iorque, 23 de fevereiro de 1947. W. Khler. La
perception humaine. Journal de Psychologfe. voI. 27, 1930, _p. 30.
23
17. PREFACIO DA SEGUNDA EDIO Passaram-se dezessete anos desde a
publicao deste livro, e mais de vinte depois que foi terminada a
redao dele_ Durante estes vinte anos apareceram tantos materiais
novos, a teoria do parentesco tornou-se to cientifica e complicada,
que para atualiz-Ia seria preciso reescrev-lo in- teiramente_
Quando o releio hoje, a documentao me parece coberta de poeira e a
expresso antiquada_ Se tivesse sido mais prudente e menos vacilante
sob o fardo de meu empreendimento, sem dvida teria per- cebido
desde o comeo que a enormidade dele incluiria fraquezas, so- bre as
quais os criticos maldosamente insistiram_ Teria tambm com-
preendido melhor a discreta atitude de desconfiana dissimulada por
trs do elogio, primeira vista lisonjeiro, que Robert Lowie me fez
quando me devolveu o manuscrito que tivera a bondade de percorrer.
Disse-me, com efeito, que a obra era in the grand style... E
contudo, no renego nada quanto inspirao terica, ao mtodo e aos
principios de inter- pretao. Isto explica a deciso que finalmente
tomei de reduzir as cor- rees e acrscimos estritamente no minimo.
Afinal, um livro publi- cado em 1949, e no outro, que o editor
desejou reimprimir. Em primeiro lugar corrigi um certo nmero de
enganos tipogrficos nos quais esplritos pouco caritativos quiseram
ver outros tantos erros por mim cometidos. o caso do sr. Lucien
Malson, em seu excelente livrinho sobre Les Entants sauvages (Unlon
Gnrale d'Edltions, collection 10/18, Paris 1964), onde me censura
por informaes de que no sou responsvel, pois provm de autores que
cito e com os quais no est de acordo. Entretanto dou-lhe razo
quandO considera que as duas ou trs rpidas pginas consagradas ao
problema que o Interessa tinham pouca utilidade e que a soluo, boa
ou m, que adoto no acrescenta quase nada demonstrao. Confesso ser
um execrvel leitor de provas, no sendo inspirado, em presena de
textos terminados, nem pela terna solicitude de um au- tor nem
pelas agressivas disposies que fazem os bons corretores. Uma vez
terminado, o livro torna-se um corpo estranho, um ser morto in-
capaz de prender minha ateno e menos ainda meu Interesse. Este
mundo no qual vivi to ardentemente fecha-se, excluindo-me de sua
in- timidade. As vezes com dificuldade que consigo compreend-Io_ A
apre- sentao tipogrfica da primeira edio tanto mais Incorreta
quanto na poca no podia me beneficiar de nenhuma ajuda. Para a
segunda edio, renunciei completamente a reler as provas e expresso
minha In- 24 I ~
18. L teira gratido sra. Noele Imbert-Vier e srta. Nicole
Belmont que - sobretudo a ltima - tiveram a bondade de se
encarregar dessa tarefa. Sem dvida eram inevitveis erros de fato em
um trabalho que, con- forme meu fichrio documenta, exigiu o
escrutinio de mais de sete mil livros e artigos. Corrigi alguns
desses erros que, na maioria das vezes, tinham escapado aos meus
censores. Em compensao, estes encamia- ram-se com gosto sobre
passagens cujo sentido exato no podiam al- canar por falta de
familiaridade com a lngua francesa. Censuraram- me, tambm, como
errOs etnogrficos, testemunhos provenientes de afa- mados
observadores que citava sem empregar aspas porque a referncia fonte
era dada logo aps. Sem dvida teriam sido recebidos com mais ateno
se no me fossem atribudos. Deixando de lado estas retificaes de
detalhes, no modifiquei subs- tancialmente, nem desenvolvi o texto
primitivo a no ser em trs pontos, tomando sempre o cuidado de
colocar entre colchetes retos as novas passagens, para assinal-las
ateno do leitor. Convinha, primeiramente, mesmO se eu prprio no
fizesse, incluir um estudo de conjunto sobre os sistemas de
descendncia chamados "bi- laterais" ou "indiferenciados", mais
numerosos do que se acreditava na poca em que escrevi meu livro,
embora, por efeito de uma reao le- gtima, tenha havido talvez
demasiada pressa em incluir nesses novos gneros sistemas a respeito
dos quais comeamos agora a perceber que poderiam reduzir-se a
formas unilaterais. Em segundo e terceiro lugares, refiz todo o
exame dos sistemas Mumgin (captulo XII) e Katchin (captulos
XV-XVII). Apesar das cri- ticas que me foram feitas e que devia
refutar, julgo que as interpreta- es por mim propostas em 1949, sem
serem definitivas, nada perderam em validade_ Se deixei de
modificar as seces H e IH da segunda parte, consa- gradas China e
ndia, a razo completamente diferente, a saber, para atacar agora
peas to grandes no tenho mais nem a coragem nem o apetite que
seriam necessrios. Por volta de 1945 os trabalhos sobre os sistemas
de parentesco da China e da ndia eram relativamente pouco
numerosos. Podia-se sem demasiada presuno pretender abrang-los to-
dos, fazer a sntese deles e extrair sua significao_ Hoje em dia
isso no mais permitido, porque os sinlogos e os indianistas
prosseguem esses estudos apoiando-se em conhecimentos histricos e
filosficos que um comparatismo apressado no tem condies de dominar.
claro que as pesquisas magistrais de Louis Dumont e de sua escola
sobre o paren- tesco na ndia tomaram de agora em diante este vasto
conjunto um terreno especializado. Resignei-me portanto a manter as
seces sobre a China e a ndia, rogando ao leitor que as aceite como
aquilo que so, isto , etapas ultrapassadas pelo progresso da
etnologia, mas que os competentes colegas que tiveram a amabilidade
de as rever, antes desta reedio - o prprio Louis Dumont e Alexandre
Rygaloff -, com in- dUlgncia julgaram que ainda ofereciam algum
interesse. Sobre os problemas fundamentais tratados na introduo,
muitos fa- tos novos e a evoluo do meu pensamento fazem com que no
me ex- primisse mais hoje em dia nos mesmos termos. Continuo a crer
que a proibio do incesto explica-se inteiramente por causas
sociolgicas, mas certo quI! tratei do aspecto gentico de maneira
excessivamente ligeira_ 25
19. r L Uma apreciao mais justa da taxa muito elevada das
mutaes e da proporo das que so nocivas levaria a afirmaes mais
atenuadas, mes- mo se as conseqncias deletrias das unies
consangneas no tiveram papel na origem ou na persistncia das regras
da exogamia. A respeito da causalidade biolgica, limitar-me-ei
agora a dizer, repetindo uma fr- mula clebre, que, para explicar as
proibies do casamento, a etnologia no tem necessidade dessa
hiptese. No que diz respeito oposio entre natureza e cultura, o
estado atual dos conhecimentos e o da minha prpria reflexo (um,
alis, se- guindo-se ao outro) oferecem em vrios sentidos um aspecto
paradoxal. Propunha traar a linha de demarcao entre as duas ordens
guiandome pela presena ou ausncia da linguagem articulada, e
poder-seia pensar que o progresso dos estudos de anatomia e
fisiologia cerebrais conferem a este critrio um fundamento
absoluto, porque certas estruturas do siso tema nervoso central,
prprias exclusivamente do homem, parecem gover nar a capacidade de
denominar os objetos. Mas, por outro lado, apareceram diversos
fenmenos que tornam a linha de demarcao, seno menos real, em todo
caso mais tnue e tor- tuosa do que se poderia imaginar h vinte
anos. Processos complexos de comunicao, pondo em ao s vezes
verdadeiros smbolos, foram descobertos nos insetos, peixes, aves e
mamferos. Sabe-se, tambm, que algumas aves e mamferos,
principalmente os Chimpanzs no estado sel- vagem, sabem
confeccionar e utilizar instrumentos. Nessa poca cada vez mais
recuada, quando teria comeado o que convm chamar sempre o
paleoltico inferior, espCies e mesmo gneros diferentes de
homindeos, talhadores de pedras e de ossos, parecem ter coabitado
nos mesmos lugares. Somos assim levados a perguntar qual o
verdadeiro alcance da oposio entre a cultura e a natureza. Sua
simplicidade seria ilusria se, em grande parte, tivesse sido obra
de uma espcie do gnero H orno chamada por antfrase sapiens, que se
esforava ferozmente em eliminar formas ambglias, julgadas prximas
do animal, porque teria sido ins- pirada, h centenas de milhares de
anos, pelO mesmo esprito obtuso e destruidor que a impele hoje em
dia a aniquilar outras formas vi vas, depois de tantas sociedades
humanas falsamente repelidas para o lado da natureza, porque no a
repudiavam (NaturvOlkern). como se ela tivesse primeiramente
pretendido ser a nica a personificar a cul tura em face da
natureza, e permanecer agora, exceto em casos nos quais pOde
submetla totalmente, a exclusiva encarnao da vida em face da matria
inanimada. Nesta hiptese, a oposio entre cultura e natureza no
seria nem um dado primitivo nem um aspecto objetivo da ordem do
mundo. Se ria preciso ver nela uma criao artificial da cultura, uma
obra defen siva que esta ltima teria cavado em redor de si porque
no se sentia capaz de afirmar sua existncia e originalidade a no
ser cortando to das as passagens adequadas a demonstrar sua
conivncia originria com as outras manifestaes da vida. Para
compreender a essncia da cul tura seria preciso, portanto, remontar
at fonte e contrariar-lhe o m peto, reatar todos os fios rompidos,
procurando a extremidade livre de- les em outras famlias animais e
mesmo vegetais. Finalmente, poder-se- talvez descobrir que a
articulao da natureza com a cultura no se 26
20. l reveste da aparncia interessada de um reino
hierarquicamente super- posto a outro, sendo irredutivel a este,
mas tem antes a aparncia de uma repetio sinttica, permitida pela
emergncia de certas estruturas cerebrais, dependentes da natureza,
de mecanismos j montados mas s ilustrados pela vida animal em forma
desconexa e que concede em or- dem espalhada. Entre os
desenvolvimentos a que este livro deu lugar, o mais ines- perado
para mim foi sem dvida aquele que acarretou a distino, que se
tornou quase clssica na Inglaterra, entre as noes de "casamento
prescritivo" e "casamento preferencial", Tenho certo embarao em
dis- cuti-la, to grande a divida de gratido que contra com o autor
dela, Rodney Needham, que soube, com muita penetrao e vigor,
tornar-se meu intrprete (e s vezes tambm meu crtico) junto do
pblico an- glo-saxo em um livro, Structure and Sentiment (Chicago
1962), com o qual preferiria no exprimir um desacordo, mesmo se,
como o caso, este se refira a um problema limitado. Contudo, a
soluo proposta por Needham acarreta uma alterao to completa do
ponto de vista em que me tinha colocado que parece indispensvel
retomar aqui alguns temas que, por deferncia para com meus colegas
britnicos, tinha pre- ferido apresentar primeiramente em sua lingua
e em seu pais, porque foram eles que me ofereceram a ocasio de
faz-lo, ao me confiarem a Huxley Memorial Lecture para o ano de
1965. Desde muito se sabe, e as simulaes realizadas em computadores
empreendidas por Kumdstadter e sua equipe' acabaram de demonstr-lo,
que as sociedades que preconizam o casamento entre certos tipos de
parentes no conseguem submeter-se norma seno em um pequeno nmero de
casos. As taxas de fecundidade e de reproduo, o equilbrio
demogrfiCO dos sexos, a pirmide das idades nunca oferecem a bela
harmonia e a regularidade exigida para que, no grau prescrito, cada
individuo esteja seguro de encontrar no momento do casamento um cn-
juge apropriado, inesmo se a nomenclatura do parentesco suficiente-
mente extensa para confundir graus do mesmo tipo, mas desigualmente
afastados, o que freqentemente acontece a ponto da noo de descen-
dncia comum tornar-se totalmente terica. Da a idia de dar a estes
sistemas a qualificao de "preferenciais". Acabamos de ver que esta
qualificao traduz a realidade. Mas existem sistemas que confundem
vrios graus em categorias ma- trimoniais prescritas, nas quais no
mesmo inconcebvel que figurem pessoas que no so parentes. o caso
das sociedades australianas de tipo clssico, e de outras, mais
freqentemente encontradas no sudeste da sia, onde o casamento se
trava entre grupos que so chamados, e eles prprios assim se chamam,
"tomadores" ou "doadores" de mulheres. A regra que um grupo
qualquer s pode receber mulheres de seus "doadores", dando-as a
seus "tomadores". Como o nmero desses grupos parece sempre multo
elevado, existe uma certa liberdade de escolha para qualquer
indivduo, e nada obriga, de uma gerao outra, e mesmo para os
casamentos contraidos por vrios homens da mesma gerao, a recorrer
sempre ao mesmo "doador". De modo que as mulheres ca 1. P.
Kundstadler, R. Buler, F. F. Slephan, Ch. F. Westoff, "Demography
and Preferential Marriage Patterns", American Journal 01 Physical
Anthropology, 1963. 27
21. sadas com dois homens que pertenam a geraes consecutivas
(por exemplo, o pai e o filho) podem, se descenderem de grupos
"doadores" diferentes, no ter entre si nenhum lao de parentesco. A
regra pois muito malevel e as sociedades que a adotam no encontram
dificuldade sria em observ-Ia. Exceto casos excepcionais, fazem o
que dizem dever ser feito. Tal a razo pela qual foi proposto chamar
"prescritivo" este sistema de casamento. Em continuao a Needham,
vrios autores afirmam hoje que meu livro s se ocupa dos sistemas
prescritivos, ou mais exatamente (porque basta percorr-lo para se
ter a certeza do contrriO), que tal deveria ter sido minha inteno
se no tivesse confundido as duas formas. Mas co- mo, segundo os
adeptos desta distino, os sistemas prescritivos so pou- co
numerosos, o resultado, se tivessem razo, seria uma curiosa conse-
qncia: eu teria escrito um livro muito grosso que, desde 1952 (data
da publicao do trabalho de J. P. B. de Josselin de Jong,
Lvi-Strauss's Theory on Kinship and Marriage, Leiden 1952),
despertou todo tipo de comentrios e discusses, quando se referia a
fatos to raros e se apli- caria a um domnio to limitado que de modo
algum se compreende o interesse que poderia oferecer para uma
teoria geral do parentesco. No entanto, a participao que Needham
teve a amabilidade de exer- cer na edio inglesa deste livro, e que
cria um titulo a mais em minha gratido para com ele, mostra que no
perdeu a seus olhos todo o interesse terico. Como isso teria sido
possvel se apenas discutisse ca- sos isolados? Seria preciso ento
dar razo a Leach, quandO disse: Since the "elementary structures"
which he discusses are decidedly unusual they seem to provide a
rather flimsy base for a general theory, [Desde que as "estruturas
elementares" so decididamente raras parecem oferecer uma base muito
inconsistente para uma teoria geral: N. do A.] e quando fala de
splendid failure ["esplndido malogro"] a este respeito. "Claude
Lvi- Strauss - Anthropologist and Philosopher", New Left Review,
34, 1965, p. 20). Mas ao mesmo tempo fica-se perplexo diante dos
motivos que levaram os editores a republicarem, um em francs, outro
em ingls, uma obra que teria se encerrado com o insucesso, mesmo
esplndido, cerca de vinte anos depois de seu primeiro aparecimento.
Ora, se empreguei indiferentemente as noes de preferncia e de
obrigao, associando-as mesmo s vezes, conforme me foi objetado, na
mesma frase, porque no meu modo de entender no denotam realidades
sociais diferentes, mas correspondem mais a maneiras pouco
diferentes que os homens adotam para pensar a mesma realidade.
Definindo os sistemas chamados prescritivos da maneira como
acabamos de fazer, a exemplo de seus inventores, a concluso que se
impe que por este lado tais sistemas no prescreveriam grande coisa.
Aqueles que os pra- ticam sabem bem que o esprito desses sistemas
no se reduz propo- sio tautolgica segundo a qual cada grupo obtm
suas mulheres de "doadores" e d suas filhas a "tomadores". Tm tambm
conscincia de que o casamento com a prima cruzada matrilateral
(filha do irmo da me) oferece a mais simples ilustrao da regra, a
frmula mais apro- priada para garantir-lhe a perpetuao, ao passo
que o casamento com a prima cruzada patrilateral (filha d irm do
pai) violaria a regra sem apelo. Porque o sistema falaria em termOs
de grau de parentesco, se estivesse no caso ideal em que o nmerO
dos grupos que fazem trocas, 28 1
22. I L reduzido ao minimo, proibisse abrirem-se ou fecharem-se
provisoriamente ciclos secundrios. No novidade saberse que existe
uma distncia entre este modelo terico e a realidade emprica.
Gilhodes, um dos primeiros observado res dos Katchin, acentuou isso
vrias vezes, ao descrever como se pas- savam as coisas, e mesmo os
esquemas de Granet fazem destacar a pluralidade dos ciclos. Minha
primitiva redao levava cuidadosamente em conta esta complexidade.
No resta dvida, entretanto, que a reali dade emprica dos sistemas
chamados prescritivos s tem sentido quando relacionada a um modelo
terico elaborado pelos prprios indgenas antes dos etnlogos, e este
modelo no pOde evitar recorrer noo de grau. No alis o que Needham
faz quando intitula um artigo "The For mal Analysis of Prescriptive
Patrilateral CrossCousin Marriage" (South western Journal of
Anthropology, vol. 14, 2, 1958), mas confundindo ainda uma vez,
segundo me parece, o plano do modelo e o da realidade em prica?
Porque se algum pretende demonstrar que nenhuma sociedade pOderia
pr em prtica de maneira durvel a regra de casamento com a prima
patrilinear, por motivo dos insuportveis constrangimentos resul
tantes da inverso do sentido das trocas matrimoniais em cada gerao,
a no ser que se satisfaa com uma fraca proporo de casamentos
regulares, nada acrescenta, ou s pouca coisa, s consideraes do meu
captulo XXVII. Mas se quiser concluir que o modelo deste tipo de
casamento contraditrio, ento certamente se enganar. Com efeito, a
causa no seria defensvel (e mesmo assim com certas ressalvas) a no
ser que as trocas matrimoniais se fizessem sempre entre cls,
hiptese que de modo algum exigida, sendo arbitrariamente formulada.
Come- ase portanto introduzindo uma condio impossvel conforme eu
tinha estabelecido ao mostrar (p. 553554 da primeira edio) que o
casamento com a prima patrilateral sempre incapaz de "realizar uma
estrutura global", e que "no existe lei" - pelo exclusivo prazer de
voltar a en contrar esta impossibilidade. Mas, alm de nada excluir
a priori que siso temas patrilaterais possam manterse em condies
precrias, o modelo adequado de tais sistemas existe ao menos no
esprito das numerosas popUlaes que os proscrevem, devendo portanto
fazer alguma idia a respeito deles. melhor reconhecermos que as
noes de casamento prescritivo e de casamento preferencial so
relativas. Um sistema preferencial preso critivo quando o
consideramos no nvel do modelo, um sistema pres- critivo no poderia
ser seno preferencial quando o consideramos no nvel da realidade, a
menos que no saiba acomodar a tal ponto sua regra que, se nos
obstinarmos a darlhe a denominao chamada preso critiva (em vez de,
conforme convm, considerar seu aspecto preferen cial sempre dado),
acabar por no significar nada mais. Porque de duas coisas uma: ou,
ao mudar de grupo "doador", restabelece-se uma aliana antiga, e a
considerao do grau preferido continuar sendo pertinente (por
exemplo, a nova esposa ser uma filha do bisneto do irmo da bisav,
por conseguinte prima matrilateraD, ou ser o caso de uma ali ana
inteiramente nova. Dois casos podem ento apresentar-se, conforme
esta aliana anunciar outras do mesmo tipo e, pelO mesmo raciocinio
anterior, tornarse causa de prefernCias futuras, exprimveis em
termos de 29
23. I I' graus, ou ento no tem conseqncias, tornando-se simples
efeito de uma escolha livre e sem motivo. Por conseguinte, se o
sistema pode ser cha- mado prescritivo, na medida em que
primeiramente preferencial, e se no for tambm preferencial o
aspecto prescritivo desaparece. Reciprocamente, um sistema que
preconiza o casamento com a filha do irmo da me pode ser chamado
prescritivo, mesmo se a regra for raramente obedecida, porque diz o
que se deve fazer. A questo de sa- ber at que ponto e em que
proporo os membros de determinada so- ciedade respeitam a norma
muito interessante, mas diferente da questo do lugar que convm dar
a esta sociedade em uma tipologia. Porque basta admitir, de acordo
com a probabilidade, que a conscincia da re- gra inclina, ainda que
pouco, as escolhas no sentido prescrito e que a porcentagem dos
casamentos ortodoxos superior que se verificaria se as unies fossem
feitas ao acaso, para reconhecer que est em ao nessa sociedade
aquilo que se pOderia chamar um "operador" matrilate- ral,
desempenhando o papel de piloto. Certas alianas pelo menos en- tram
pelo caminho que o operador lhes traa, e basta isso para imprimir
uma curvatura especifica ao espao genealgico. Sem dvida, haver um
grande nmero de curvaturas locais, e no uma s. Sem dvida, estas
curvaturas locais reduzir-se-o freqentemente a esboos, e no formaro
ciclos fechados seno em casos faros e excepcionais. Mas os esboos
de estruturas que surgiro aqui e ali bastaro para fazer do sistema
uma verso probabilista de sistemas mais rijOS, cuja noo
inteiramente te- rica, nos quais os casamentos seriam rigorosamente
conformes com a regra que agrada ao grupo social enunciar.
Lounsbury tinha compreendido muito bem, ao fazer a resenha de
Structure and Sentiment (American Anthropologist, 64, 6, 1962, p.
1308), que o malentendido fundamental provm de se ter igualado a
oposio entre "estruturas elementares" e "estruturas complexas" com
a oposio entre "casamento prescritivo" e "casamento preferencial",
e em seguida de apoiar-se nessa confuso para substituir uma outra.'
Sustento, ao contrrio, que uma estrutura elementar pode ser
indiferentemente pre- ferencial ou prescritiva. O critrio de uma
estrutura elementar no se acha a, mas reside inteiramente no fato
do cnjuge, quer preferido quer prescrito, ser tal pela exclusiva
razo de pertencer a uma categoria de afinidade ou de possuir com
Ego uma certa relao de parentesco. Nou tras palavras, a relao
imperativa ou desejvel uma funo da estru- tura social. Entramos no
domnio das estruturas complexas quando a razo da preferncia ou da
prescrio depende de outras consideraes. Por exemplo, quando se
explica pelo fato da esposa desejada ser loura, ou esbelta, ou
inteligente, ou porque pertence a uma famlia rica e po derosa.
Neste ltimo caso tratase sem dvida de um critrio social, cuja
apreciao relativa, no sendo estruturalmente definida pelo sistema
Tanto no caso dos sistemas elementares quanto no dos sistemas com-
plexos, por conseguinte, o emprego do termo "preferencial" no se re
2. O mesmo pode dizer-se da equiparao da troca restrita
solidariedade me- cnica, e da troca generalizada solidariedade
orgnica, admitida sem discusso por Homans e Schneider. Porque, se
considerarmos a sociedade como um todo, tanto na troca restrita
quanto na troca generalizada, cada segmento desempenha uma funo
idntica dos Qutros segmentos. Trata-se, portanto, de duas formas
diferentes da solidariedade mecnica. Sem dvida, eu prprio, vrias
vezes, utilizei os termos "mecnico" e "orgnico", mas numa acepo
mais frouxa que a acepo que lhes foi dada por Durkheim e que houve
quem pretendesse reconhecer. 30
24. fere a uma inclinao subjetiva, que levaria os individuos a
procurar o casamento com um certo tipo de parente. A "preferncia"
traduz uma situao objetiva. Se tivesse o poder de fixar a
terminologia, chamaria "preferencial" todo sistema no qual, na
falta de uma prescrio clara mente formulada, a proporo dos
casamentos entre um certo tipo de parentes reais ou classificatrios
(tomando esta palavra no sentido mais vago que o definido por
Morgan), quer os membros do grupo o saibam ou ignorem, mais elevada
do que resultaria se fosse devida ao acaso. Esta proporo objetiva
reflete certas propriedades estruturais do siso tema. Se chegssemos
a apreendlas, estas propriedades se revelariam isomrficas das que
nos so diretamente cognoscveis em sociedades que ostentam a mesma
"preferncia", mas dandolhe o aspecto de uma preso crio, e admitindo
na prtica obter exatamente o mesmo resultado, a saber, na hiptese
do casamento com a prima cruzada matrilateral, assim como com
mulheres provenientes de grupos exclusivamente "doadores", de um
lado redes de aliana que tendem idealmente a se fecharem (em- bora
no o faam necessariamente), de outro lado e sobretudo, redes
relativamente longas em comparao com as que se poderia observar ou
imaginar em sociedades onde o casamento fosse preferencial com a
filha da irm do pai, acarretando (mesmo na ausncia de regra pres-
critiva) um encurtamento correlativo dos ciclos.' Em outras
palavras, no contesto que entre as formas prescritiva ou
preferencial de um tipo qualquer de casamento no se possa fazer uma
distino de ordem ideolgica. Mas os termos extremos sempre admitem
uma srie contnua de aplicaes intermedirias. Fao o postu- lado de
que esta srie constitui um grupo e que a teoria geral do sistema s
possvel no nvel do grupo e no no nvel de tal ou qual aplicao. No se
deve dissolver o sistema, reduzi-lo pela anlise s diversas ma-
neiras pelas quais, aqui ou ali, os homens preferem represent-lo.
Sua natureza decorre objetivamente do tipo de distncia criada entre
a for- ma que se impe rede de aliana de uma sociedade e a que se
ob- servaria nessa sociedade se as unies fossem feitas ao acaso. No
fundo, a nica diferena entre o matrimnio prescritivo e o
preferencial si- tuase no plano do modelo. Corresponde diferena que
antigamente propus traar entre o que chamava "modelo mecnico" e
Umodelo esta- tstico" (Anthropologie Structurale, p. 311-317), isto
, em um caso um modelo cujos elementos encontramse na mesma escala
que as coisas 3. l!: verdade que, acompanhando Josselin de Jong,
que j tinha feito uma obser- vao do mesmo tipo h muito tempo (l.
c.), Maybury-Lewis ("Prescriptive Marriage Systems" Southwestern
JO'Urnal 01 Anthropology, 21, 3, 1965) acredita poder afirmar que o
modelo terico de um sistema patrilateral contm ciclos to longos
quanto o modelo matrilateral. A nica derena seria que os ciclos se
invertem regular- mente no primeiro caso, ao passo que conservam a
mesma orientao no segundo_ Mas, ao ler desse modo o diagrama, somos
simplesmente vtimas de uma iluso de tica. Que os ciclos curtos,
exprimindo o desejo do retorno to rpidO quanto possivel da mulher
dada em troca da mulher cedida gerao anterior (filha da irm pela
irm do pai), constituem o trao caracterfstico do sistema
patrilateral. fato amplamente comprovado pela filosofia no somente
daqueles que o aprovam mas tambm daqueles, em nmero muito maior,
que o condenam. E vale mais concordar com o julgamento universal
dos interessados do que contradizer ao mesmo tempo os fatos e a si
mesmo, afirmando simultaneamente que um sistema patrila- teral
forma ciclos longos porque os percebemos no diagrama, mas que sua
natureza tal que no consegue fechar mesmo os ciclos mais curtos.
Raciocinando dessa maneira, confunde-se a realidade empfrica no
mais somente com o modelo, mas com o diagrama. 31
25. cujas relaes so por ele definidas, classes, linhagens,
graus. No outro caso, preciso abstrair o modelo partindo de fatores
significativos, dis- simulados por trs das distribuies na aparncia
regidas pelo jogo das probabilidades. Esta procura de uma estrutura
significativa das trocas matrimoniais sobre as quais a sociedade
considerada nada diz, quer diretamente por intermdio de regras,
quer indiretamente graas s inferncias que pos- slvel tirar da
terminologia do parentesco ou por qualquer outro meio, posslvel
quando se trata de um grupo pouco numeroso e relativamente fechado.
Faz-se ento as genealogias falarem. Mas, quando crescem a di- menso
e a fluidez do grupo e at seus limites se tomam imprecisos, o
problema complica-se singularmente. O grupo continua a dizer o que
no faz, ao menos em nome somente da proibio do incesto. Mas como
saber se, sem perceber, faz alguma coisa a mais (ou a menos) do que
seria o caso se seus membros escolhessem o cnjuge em funo de sua
histria pessoal, ambies e gostos? nestes termos, segundo me parece,
que se levanta o problema da passagem das estruturas elemen- tares
s estruturas complexas, ou, se preferirmos, da extenso da teoria
etnolgica do parentesco s sociedades contemporneas. Na ocasio em
que escrevia meu livro o mtodo a seguir parecia- me simples.
Dever-se-ia decidir primeiramente reduzir as sociedades con
temporneas aos casos privilegiados do ponto de vista da pesquisa,
que constituem os isolados demogrficos com forte coeficiente de
endogamia, nos quais possvel esperar obter cadeias genealgicas e
redes de aliana que se entrecruzam vrias vezes. Na medida em que
uma determinvel proporo de casamentos se produziria entre parentes,
seria possvel sa ber se estes ciclos so orientados ao acaso ou se
uma proporo signifi cativa depende mais de uma forma que da outra.
Por exemplO, os cn- juges aparentados (freqentemente sem saberem)
so tais em linha pa- terna ou em linha materna, e, em cada caso,
descendem de uma relao entre primos cruzada ou paralela? Supondo-se
que aparea uma orien- tao, seria possvel ento classific-la em um
tipo ao lado das estrutu- ras anlogas, porm melhor definidas, que
os etnlogos j estudaram nas pequenas sociedades. Entretanto, a
distncia entre sistemas indeterministas, que julgam ou desejam ser
tais, e os sistemas bem determinados que designei com o nome de
estruturas elementares, demasiado grande para que a apro- ximao
seja decisiva. Felizmente (pelo menos acreditava poder diz-lo), a
etnografia fornece um tipo intermdio, com sistemas que apenas
procla- mam impedimentos ao casamento, mas estendendo-os to longe
por efeito das coaes inerentes sua nomenclatura de parentesco, que
por motivo do nmero relativamente fraco da populao, no excedendo em
geral alguns milhares de indivduos, possvel esperar obter o
inverso, a sa- ber, um sistema de prescries inconscientes que
reprOduziria exatamen- te, mas em cheio, os contornos do molde oco
formado pelo sistema das proibies conscientes. Se esta operao fosse
possvel, teramos nossa disposio um mtodo aplicvel a casos nos quais
a margem de liberda- de torna-se maior entre o que proibido fazer e
o que se faz, tomando aleatria a obteno do positivo de acordo com o
negativo, que o nico a ser dado. 32
26. r l Os sistemas que acabamos de mencionar so conhecidos em
etnogra- fia pelo nome de sistemas Crow-Omaha, porque nessas duas
tribos da Amrica do Norte que foram pela primeira vez identificadas
suas va- riantes, respectivamente matrilinear e patrilinear_ por
eles que em 1947-1948 propunha-me a abordar o estudo das estruturas
de parentesco complexas, em um segundO volume, ao qual vrias vezes
fao aluso e que sem dvida nunca escreverei. Convm, portanto,
explicar por que abandonei este projeto_ Embora convencido de que
no se pode genera- lizar a teoria do parentesco sem passar pelos
sistemas Crow-Omaha, fui progressivamente verificando que a anlise
deles levanta imensas dificul- dades, que no so da alada dos
etnlogos mas dos matemticos_ As pessoas com quem ocasionalmente
discuti o problema, h dez anos, esto convencidas disso_ Algumas
declararam que o problema tinha soluo, e outras no, por uma razo de
ordem lgica que indicarei adiante_ Em todo caso ningum sentiu
desejo de ocupar o tempo que seria neces- srio para esclarecer a
questo_ Radcliffe Brown e Eggan ensinaram-nos muitas coisas a
respeito des- ses problemas, mostrando que um dos caracteres
essenciais deles consis- te em fazer passar a situao de pertencer a
uma linhagem frente da relao de pertencer gerao_ Mas, ao que
parece, houve demasiada pressa em classificar os sistemas
Crow-Omaha juntamente com outros, que tambm designam por um nico
termo vrios representantes, masculi- nos ou femininos, de uma
linhagem, embora relacionem-se com geraes consecutivas, e que, como
os sistemas Crow-Omaha fazem subir ou descer de uma ou de duas
geraes certos membros de duas linhagens, dispos- tas simetricamente
de um e de outro lado de uma terceira linhagem, na qual o
observador decide colocar-se_ Com efeito, so numerosos os au- tores
que classificam em conjunto as nomenclaturas Crow-Omaha e a das
sociedades chamadas de casamento assimtrico, isto , prescrltivo ou
pre- ferencial com a prima cruzada matrilateraL Como a teoria
desses sis- temas no levanta nenhum problema, o mesmo aconteceria
com os outros. No entanto, uma curiosa anomalia deve chamar a
ateno_ fcil desenhar o diagrama de um sistema assimtrico_ Tem o
aspecto de uma cadeia de ligaes sucessivas, cUja orientao permanece
a mesma em cada nvel de gerao, formando assim ciclos fechados
superpostos que possvel traar na superfcie de um cilindro e
projetar sobre um plano_ Por outro lado, ningum conseguiu ainda dar
uma representao grfica satisfatria de um sistema Crow-Omaha em um
espao de duas ou mes- mo de trs dimenses_ A medida que as geraes se
sucedem, surgem novas linhagens, cuja representao exige outros
tantos planos mantidos de reserva_ Na falta de informaes
genealgicas que completem as que so explicitamente fornecidas pelo
sistema, s temos o direito, durante o lapso de trs ou quatro
geraes, de fazer uma nica vez estes planos se recortarem_ Como a
regra vale para os dois sexos e uma linhagem inclui pelo menos um
homem e uma mulher em cada gerao (seno o modelo no estaria em
equilbrio), o resultado que mesmo um dia- grama limitado a algumas
geraes exige muito mais dimenses espa- ciais do que possvel
projetar no papel. acrescentando-se a elas uma dimenso temporal que
no levada em conta no modelo de um sistema assimtrico_ Radcllffe
Brown e Eggan contornaram a dificuldade, mas 33
27. l justapondo vrios diagramas, cada um dos quais s ilustra
um aspecto ou um momento dos sistemas, no sendo a totalidade
expressa no conjunto. Vejamos agora como um observador to perspicaz
quanto Deacon procedeu para descrever um sistema Crow da Melansia.
Entre os Se- niang, diz ele, "a escolha de um cnjuge determinada
por numerosas proibies, mas no por prescries", e acrescenta: "ao
menos em teo- ria, o casamento com uma mulher de determinado cl
impossvel se, tanto quanto algum se lembre, j houve um matrimnio do
mesmo ti- po durante as geraes anteriores" (Malekula, A Vanishing
People of the New Hebrides, Londres 1934, p. 134). Basta inverter
estas duas frmulas para obter uma definio inteiramente satisfatria
do casamento assim- trico. Neste caso, com efeito, uma nica
prescrio basta para deter- minar a escolha do cnjuge, a prescrio
feita ao indivduo masculino de casar-se com uma filha do irmo da me
ou com uma mulher prove- niente de um grupo "doador". Ademais, o
grupo "doador" reconhecido pelo fato de imemorialmente alianas
anlogas j terem sido contral- das com ele. No lcito concluir de
quanto foi dito que todos os sistemas cha- mados Crow-Omaha se
abstm necessariamente de promulgar prescries ou de enunciar
preferncias matrimoniais, nem que, no limite dos cls autorizados, a
liberdade de escolha seja total. Os Cherokee matrilineares probem
somente dois cls, os da me e do pai, e preconizam o casa- mento com
uma "av", isto , com uma filha do cl do pai da me ou do cl do pai
do pai. Entre os Hopi o casamento era teoricamente proibido com
toda mulher proveniente de uma fratria que se relacio- nasse com o
cl da me, do pai ou do pai da me. Se estas sociedades
compreendessem somente quatro cls ou fratrias, ou seja, uma para
ca- da tipo de avs, seu sistema de casamento se aproximaria muito
do sistema dos Kariera e dos Aranda da Austrlia, onde, para
encontrar um cnjuge conveniente, um indivduo rejeita duas ou trs
linhagens e se dirige s restantes, que podem ser uma ou duas. Mas
os sistemas Crow- Omaha contm sempre mais de quatro linhas. Havia
sete cls entre os Cherokee, dez entre os Omaha, treze entre os Crow
e sem dvida mais outrora, doze fratrias e cerca de cinqenta cls
entre os Hopi, trinta a quarenta cls entre os Seniang. Sendo o
casamento llcito, em regra ge- ral, com todos os cls que no so
Objeto de proibio formal, a estru- tura de tipo Aranda, para a qual
tenderia todo sistema Crow-Omaha se o nmero dos cls se aproximasse
de quatro, ficar como alagada em uma onda de acontecimentos
aleatrios. Nunca se cristalizar em forma estvel. De modo sempre
fugitivo e indistinto, .unicamente seu espectro transparecer aqui e
ali em um meio fluido e indiferenciado. Na maioria das vezes, alis,
o fenmeno nem mesmo se produzir, se verdade que a maneira mais
cmoda de definir um sistema Crow- Omaha consiste em dizer que cada
vez que se escolhe uma linha para obter dela um cnjuge, todos os
seus membros ficam automaticamente excludos do nmero dos cnjuges
disponiveis para a linha de referncia, e isso durante vrias geraes.
Como a mesma operao se repete por ocasio de cada casamento, o
sistema permanece em um estado de tur- bulncia que o ope ao modelo
ideal de um sistema assimtrico, onde o mecanismo das trocas
regularmente ordenado. Este assemelha-se mais 34
28. a um relgio, com todas suas engrenagens includas em uma
caixa i; o outro sistema assemelha-se mais a uma bomba aspirante e
calcante, ali- mentada por uma fonte externa, em cuja bacia lana a
gua excessiva que no pode distribuir. Nada seria, pois, mais
enganador do que equiparar os sistemas CrowOmaha aos sistemas
assimtricos, sob o pretexto de que, nos dois casos, um dos tipos de
primo cruzado elevado uma gerao e o outro rebaixado. Porque se
desprezaria uma diferena essencial. Os sistemas assimtricos fazem
de um primo cruzado um "sogro", e do outro um "genro", ou seja,
sempre um membro de uma linha com a qual posso contrair casamento
ou que pode casar-se com a minha. Ao passo que, forando
ligeiramente as coisas, pOde dizerse que os sistemas CrowOmaha
transformam respectivamente estes mesmos indivduos em "pai" e "fi
lho", proclamando assim que o casamento tornou-se impossvel entre
nossas linhagens. Por conseguinte, um sistema assimtrico esfora-se
por transformar parentes em afins, ao contrrio de um sistema
CrowOmaha que procura transformar afins em parentes. Mas, assim
procedendo, amo bos visam a efeitos simtricos e inversos, a saber,
tomar pOSSvel ou necessrio que a aliana matrimonial se perpetue
entre pessoas unidas por um grau de parentesco aproximado, ou
tornar possvel ou neces srio que os laos de aliana e de parentesco
passem a ser mutuamente exclusivos, exceto (e mesma assim nada
sabemos a este respeito) para os graus afastados. neste sentido que
os sistemas CrowOmaha fornecem a dobradia graas qual as estruturas
de parentesco elementares e as estruturas complexas podem
articularse. Estes sistemas dependem das estruturas elementares
pelos impedimentos ao casamento que formulam em termos sociolgicos
e dependem das estruturas complexas pelo carter aleatrio da rede de
alianas que resulta indiretamente de condies negativas, as nicas
estabelecidas. Retomando uma distino que j mencionamos, diremos
que, como sempre acontece nas estruturas elementares, estes
sistemas exigem um modelo mecnico no plano das normas, mas quan do
os observamos nas estruturas complexas contentamse com um mo delo
estatstico no plano dos fatos. Poderia algum objetarnos, sem dvida,
que a mesma coisa ver. dade nas estruturas complexas, porque
julgamos que a proibio do in. cesto oferece uma garantia suficiente
para que uma rede de alianas, resultante pelos demais aspectos de
escolhas livres, no comprometa a coeso social. Ora, a proibio do
incesto persiste nas sociedades con temporneas em forma de modelo
mecnico. H. no entanto, uma di ferena: este modelo, do qual
continuamos a nos servir, muito mais tnue que o dos sistemas
CrowOmaba, que engloba linhagens inteiras, ao passo que o nosso
apela para um pequeno nmero de graus muito aproximados. Por oposio,
possvel supor que a distribuio das ali- anas gerada pelos sistemas
Crow-Omaba oferece um carter menos alea- trio que a nossa,
tratando-se de pequenas sociedades, nas quais a mis- 4. Ou, levando
em conta preciosas anlises de Needham, vrios relgios, cada um dos
quais pode engrenar-se na pea conveniente de qualquer outra de suas
rodas mas todas contidas na mesma caixa e funcionando de tal
maneira que haja sempr pelo .menos um relgio andando, mesmo se
pores inteiras de engrenagens de cada relgIO permanecem
temporariamente imobilizadas. 35
29. tura consecutiva a proibies macias no parece poder evitar
que um certo parentesco aparea entre os cnjuges, desde que o
sistema tenha regularmente funcionado durante o lapso de vrias
geraes. Ser isso verdade, e, caso afirmativo, que forma tem este
vestgio e qual o afas tamento mdio do grau? Eis a um certo nmero de
questes de grande interesse terico, mas difceis de responder por
motivos que devemos agora determinar com exatido. Quando se estudam
os sistemas de classes matrimoniais (sem dar sentido demasiado
tcnico a esta noo), sempre possvel e geralmente fcil definir tipos
de casamento. Cada tipo ser representado pela unio de um homem de
uma classe determinada com uma mulher de uma classe igualmente
determinada. Se convencionarmos designar cada classe por um indice
(letra, nmero ou combinao de ambas), haver, por tanto, tantos tipos
de casamento permitidos quantos pares de indices, com a condio de
excluir previamente todos os que correspondem a alianas proibidas.
No caso das estruturas elementares, a operao consideravelmente
simplificada pelo fato de existir uma regra positiva que enumera ou
permite deduzir os tipos. Com os sistemas Crow-Omaha as coisas com
plicam-se duplamente. Em primeiro lugar, o nmero das classes (se,
por convenincia, decidirmos designar assim as unidades exgamas)
eleva-se de maneira aprecivel, pOdendo s vezes chegar a vrias
dezenas. Sobre- tudo, o sistema no prescreve (ou s6 prescreve rara
e parcialmente), mas probe dois ou trs tipos e autoriza todos os
outros, sem nada nos Informar quanto sua forma e nmero. possvel,
entretanto, pedir aos matemticos que traduzam, por assim dizer, os
sistemas CrowOmaha em termos de estruturas elementa res.
Convencionaramos representar cada indivduo por um vetor contando
tantos indices quantas as relaes pelas quais o indivduo pertena a
cls, e que se tornam pertinentes devido s proibies do sistema. To-
dos os pares de vetores que no apresentam duas vezes o mesmo ndice
constituiro ento a lista dos tipos de casamento permitido, os quais
de- terminaro os tipos que se tornaro lcitos ou ilcitos para as
crianas nascidas das unies precedentes e para seus prprios filhos.
Bernard Jaulin, chefe do Centro de Clculo da Casa das Cincias do
Homem, teve a amabilidade de tratar do problema, pelo que muito lhe
agradeo. Com a ressalva das incertezas exclusivamente atribuveis
maneira vaga e ca- nhestra como um etnlogo apresenta seus dados,
veriflcase que um sis- tema Crow-Omaha que promulgasse somente duas
proibies, atingindo o cl da me e o do pai, autorizaria com isso
23.436 tipos de casamento diferentes, se o nmero dos cls igual a
sete; 3.766.140 tipos se este nmero igual a quinze; e 297.423.855
tipos se igual a trinta. Com trs proibies clnicas as coaes seriam
mais fortes, mas o nmero dos tipos permaneceria na mesma ordem de
grandeza, 20.181, 3.516.345 e 287.521.515, respectivamente.' Estes
nmeros elevados do motivo a vrias reflexes. Primeiramente, claro
que com os sistemas Crow-Ohama estamos diante de mecanis mos muito
diferentes dos que Ilustram as sociedades de classes matri- 5. Esta
ltima srie de nmeros foi tambm calculada. por J. P. Schellhorn, a
quem igualmente agradeo. 36
30. moniais, onde o nmero dos tipos de casamento no tem medida
comum com os que acabam de ser citados. A primeira vista estes
parecem ter mais relao com a situao que possvel esperar encontrar
em certos setores das sociedades contemporneas, caracterizadas por
forte coeficien te de endogamia. Se as pesquisas nesse sentido
confirmarem a aproxi mao, do ponto de vista exclusivamente numrico,
os sistemas Crow- Omaha formariam, conforme supusemos, uma ponte
entre as estruturas de parentesco elementares e as estruturas
complexas. Por sua extenso os recursos combinatrios dos sistemas
Crow-Omaha lembram tambm os jogos complicados como os de cartas, o
de damas e o xadrez, nos quais o nmero das possveis combinaes,
teoricamente finito, to elevado que, para todos os fins teis e
colocando-se na es- cala humana, tudo se passa como se fosse
ilimitado. Em princpio, estes jogos so indiferentes histria, porque
as mesmas configuraes sin- crnicas (nas distribuies) ou diacrnicas
(no desenrolar das partidas), pOderiam reaparecer, mesmo que fosse
depois de milhares ou milhes de milnios, desde que os jogadores
imaginrios se dedicassem a eles p'or um tempo suficientemente
longo. Entretanto, tais jogos permanecem praticamente imersos no
devenir, conforme se v pelo fato de se escre- verem obras sobre a
histria da estratgia do xadrez. Embora virtual- mente presente a
todo instante, o conjunto das possveis combinaes demasiado grande
para poder atualizar-se, a no ser graas a um tem- po prolongado e
somente por fragmentos. Da mesma maneira, os siste- mas Crow-Omaha
servem de ilustrao do compromisso entre a periodi- cidade das
estruturas elementares e seu prprio determinismo, que depen- de da
probabilidade. Os recursos combinatrios so to vastos que as
escolhas individuais conservam sempre, inerente estrutura, uma
certa margem. O uso consciente ou inconsciente que dela feito
poderia mes- mo desviar a estrutura, se revelasse, conforme sugerem
algumas indica- es, que esta margem de liberdade varia de acordo
com a composio dos vetores que definem o lugar de cada indivduo no
sistema. Seria preciso dizer ento que, com os sistemas Crow-Omaha,
a histria penetra nas estruturas elementares, embora tudo se passe
como se a misso de- les fosse anular seus efeitos. Infelizmente, no
se sabe como proceder para medir esta margem de liberdade e os
limiares entre os quais capaz de oscilar. Em razo do nmero muito
elevado das combinaes, deveramos recorrer a si- mulaes em mquinas.
Mas para isso seria necessrio determinar um estado inicial, a fim
de comear as operaes. Ora, arriscamo-nos a cair prisioneiros de um
crculo, porque, no sistema Crow-Omaha, o estado dos casamentos
possveis ou proibidos a todo instante funo dos casa- mentos
realizados durante as geraes precedentes. Para determinar um estado
inicial que tivesse a certeza de no violar nenhuma regra do sis-
tema, no haveria outra sada seno o regresso ao infinito. A menos
que se fizesse a conveno de que, apesar da aparncia aleatria, o
sistema Crow-Omaha produz retornos peridicos, de modo que, partindo
de um estado inicial qualquer, aps algumas geraes uma estrutura de
deter- minado tipo deveria necessariamente predominar. Porm, mesmo
na hiptese dos dados empricos permitirem verificar a posteriori que
as coisas se passam dessa maneira, o problema no estaria resolvido.
Com efeito, preciso levar em conta uma dificuldade 37
31. de ordem numrica. Quase todas as sociedades dotadas de um
sistema Crow-Omaha foram pouco numerosas. Os exemplos
norte-americanos, me- lhor estudados, correspondem a populao de
menos de 5.000 individuos. Por conseguinte, em cada gerao os tipos
de casamento efetivamente celebrados no podiam representar seno uma
proporo irrisria dos tipos possiveis. O resultado que num sistema
Crow-Omaha os tipos de casamentos no se realizam somente de maneira
aleatria, levando em conta apenas as linhagens proibidas. Entra em
ao um acaso segunda potncia, que escolhe, entre todos os tipos de
casamentos virtualmente possveis, o pequeno nmero daqueles que se
tornaro atuais e que de- finiro, para as geraes que deles nasceram,
um outro conjunto de es- colhas possveis, condenadas a ficarem
virtuais por sua vez em larga maioria. Afinal de contas, uma
nomenclatura muito rigida e regras ne- gativas que operam
mecanicamente combinam-se com dois tipos de acaso, um distributivo
e outro seletivo, para criar uma rede de alianas cujas propriedades
ignoramos. Esta rede de alianas provavelmente no di- ferente
daquela que gerada pelas nomenclaturas do tipo chamado "Ha-
vaiano", que contudo d prioridade aos nveis de gerao sobre as li-
nhagens, e que definem os impedimentos ao casamento levando em
considerao mais os graus individuais de parentesco do que estabele-
cendo proibies para classes interinas. A diferena em relao aos sis-
temas Crow-Omaha provm de que os "sistemas havaianos" justapem trs
tcnicas heterogneas, caracterizadas pelo emprego de uma nomen-
clatura restrita, cuja fluidez corrigida por uma determinao mais
exa- ta dos graus proibidos, e por uma distribuio aleatria das
alianas garantida por impedimentos que se estendem at o quarto grau
cola- teral, e s vezes mesmo alm, ao passo que os sistemas
Crow-Omaha, que recorrem s mesmas tcnicas. sabem dar-lhes uma
expresso mais sistemtica, integrando-as em um corpo de regras
solidrias, que deveriam permitir melhor fazer a teoria desses
jogos. At que nasa essa teoria com a ajuda dos matemticos, sem os
quais nada possvel, os estu- dos do parentesco marcaro passo,
apesar das engenhosas tentativas sur- gidas nos ltimos dez anos, s
quais porm, repelidas para a anlise emprica ou para o formalismo,
ignoram igualmente que a nomenclatura do parentesco e as regras do
casamento so os aspectos complementares de um sistema de trocas,
por meio do qual se estabelece a reciprocidade, que mantida entre
as unidades constitutivas do grupo. Paris, 23 de fevereiro de 1966
38
32. Introduo "Um parente por aliana uma perna de elefante" Rev.
A. L. Bishop, A Selection of Sironga Proverbs, The Sou/hem AITlcan
Journal 01 Science, voI. 19, 1922, n. 80.
33. CAPiTULO I Natureza e Cultura De todos os principios
propostos pelos precursores da sociologia nenhum sem dvida foi
repudiado com tanta firmeza quanto o que diz respeito distino entre
~stado de natureza e e~tado de sociedade. No se pode, com efeito,
fazer referncia sem contradio a uma fase da evoluo da humanidade
durante a qual esta, na ausncia de toda organizao social, nem por
isso tivesse deixado de desenvolver formas de atividade que so
parte integrante da cultura. Mas a distino proposta pode admitir
inter pretaes mais vlidas. Os etnlogos da escola de Elliot Smith e
de perry retomaramna para edificar uma teoria discutvel mas que,
fora do detalhe arbitrrio do esquema histrico, deixa aparecer
claramente a profunda oposio entre dois nveis da cultura humana e o
carter revolucionrio da transforma o neoltica. O Homem de
Neanderthal, com seu provvel conhecimento da linguagem, suas
indstrias ltlcas e ritos funerrios, no pode ser con siderado como
vivendo no estado de natureza. Seu nvel cultural o ope, no entanto,
a seus sucessores neolticos com um rigor comparvel - embora em
sentido diferente - ao que os autores do sculo XVII ou do sculo
XVIII atribuam sua prpria distino. Mas, sobretudo, co- meamos a
compreender que a distino entre estado de natureza e es tado de
sociedade', na falta de Significao histrica aceitvel, apresen ta um
valor lgico que justifica plenamente sua utilizao pela socio- logia
moderna, como instrumento de mtodo. O homem um ser biol- gico ao
mesmo tempo que um individuo social. Entre as respostas que d s
excitaes exteriores ou interiores, algumas dependem inteiramente de
sua natureza, outras de sua condio. Por isso no h dificuldade
alguma em encontrar a origem respectiva do reflexo pupilar e da
posi o tomada pela mo do cavaleiro ao simples contato das rdeas.
Mas nem sempre a distino to fcil assim. Freqentemente o estimulo
fsicobiolgico e o estmulo psicossocial despertam reaes do mesmo
tipo, sendo possvel perguntar, como j fazia Locke, se o medo da
criana na escurido explicase como manifestao de sua natureza animal
ou co- mo resultado das histrias contadas pela ama.' Mais ainda, na
maioria dos casos, as causas no so realmente distintas e a resposta
do sujeito constitui verdadeira integrao das fontes biolgicas e das
fontes sociais 1. Dirfamos hoje preferivelmente estado de natureza
e estado de cultura. 2. Parece. com efeito, que o medo do escuro no
aparece antes do vigsimo quinto ms. Cf. C. W. Valentine, "The
Innate Basis of Fear", Journal 01 Genetic Psychology, vol. 37,
1930. 41
34. de seu comportamento. Assim, o que se verifica na atitude
da me com relao ao filho ou nas emoes complexas do espectador de
uma parada militar. : que a cultura no pode ser considerada nem
simples mente justaposta nem simplesmente superposta vida. Em certo
sentido substitui-se vida, e em outro sentido utiliza-a e a
transforma para rea- lizar uma sintese de nova ordem. Se
relativamente fcil estabelecer a distino de princpio, a di-
ficuldade comea quando se quer realizar a anlise. Esta dificuldade
dupla, de um lado pOdendo tentar-se definir, para cada atitude, uma
causa de ordem biolgica ou social, e de outro lado, procurando por
que mecanismo atitudes de origem cultural podem enxertar-se em
compor- tamentos que so de natureza biolgica, e conseguir
integr-los a si. Ne- gar ou subestimar a oposio privar-se de toda
compreenso dos fe- nmenos sociais, e ao lhe darmos seu inteiro
alcance metodolgico cor- remos o risco de converter em mistrio
insolvel o prOblema da passagem entre as duas ordens. Onde acaba a
natureza? Onde comea a cultura? : possvel conceber vrios meios de
responder a esta dupla questo. Mas todos mostraram-se at agora
singularmente decepcionantes. O mtodo mais simples consistiria em
isolar uma criana recm-nas- cida e observar suas reaes a diferentes
excitaes durante as primeiras horas ou os primeiros dias depois do
nascimento. Poder-se-ia ento su- por que as respostas fornecidas
nessas condies so de origem psi- cobiolgicas, e no dependem de
snteses culturais ulteriores. A psicolO- gia contempornea 'obteve
por este mtodo resultados cujo interesse no deve levar a esquecer
seu carter fragmentrio e limitado. Em primeiro lugar. as nicas
observaes vlidas devem ser precoces, porque podem surgir
condicionamentos ao cabo de poucas semanas, talvez mesmo de dias.
Assim, somente tipos de reao muito elementares, como certas
expresses emocionais, podem na prtica ser estudados. Por outro
lado, as experincias negativas apresentam sempre carter equvoco.
Porque per- manece sempre aberta a questo de saber se a reao
estudada est ausente por causa de sua origem cultural ou porque os
mecanismos fi- Siolgicos que condicionam seu aparecimento no se
acham ainda mon- tados, devido precocidade da observao. O fato de
uma criancinha no andar no poderia levar concluso da necessidade da
aprendizagem, porque se sabe, ao contrrio, que a criana anda
espontaneamente desde que organicamente for capaz de fazlo. ' Uma
situao anloga pode apre- sentar-se em outros terrenos. O nico meio
de eliminar estas incertezas seria prolongar a observao alm de
alguns meses, ou mesmo de al- guns anos. Mas nesse caso ficamos s
voltas com dificuldades insolveis, porque o meio que satisfizesse
as condies rigorosas de isolamento exi- gido pela experincia no
menos artificial do que o meio cultural ao qual se pretende
substitu-lo. Por exemplo, os cuidados da me durante os primeiros
anos da vida humana constituem condio natural do de- senvolvimento
do indivduo. O experimentador acha-se portanto encerra- do em um
crculo vicioso. : verdade que o acaso parece ter conseguido s vezes
aquilo que o artifcio incapaz de fazer. A imaginao dos homens do
sculo XVIII 3. M. B. McGraw, The Neuromu8cular Maturation Df the
Humen In/ant, Nova . 1rque 1944. 42
35. r foi fortemente abalada pelo caso dessas "crianas
selvagens", perdidas no campo desde seus primeiros anos, as quais,
por um excepcional con- curso de probabilidades, tiveram a
possibilidade de subsistir e desenvol- ver-se fora de toda
influncia do meio sociaL Mas, conforme se nota muito claramente
pelos antigos relatos, a maioria dessas crianas foram anormais
congnitos, -sendo preciso procurar na imbecilidade de que pa-
recem, quase unanimemente, ter dado prova, a causa inicial de seu
aban- dono, e no, como s vezes se pretenderia, ter sido o
resultado. 4 Observaes recentes confirmam esta maneira de ver. Os
pretensos "meninos-lobos" encontrados na ndia nunca chegaram a
alcanar o nvel normaL Um deles - Sanichar - jamais pde falar, mesmo
adulto_ Kellog relata que, de duas crianas descobertas juntas, h
cerca de vinte anos, o mais moo permaneceu incapaz de falar e o
mais velho viveu at os seis anos, mas com o nvel mental de uma
criana de dois anos e meio e um vocabulrio de cem palavras apenas_'
Um relatrio de 1939 con- sidera como idiota congnito uma
"criana-babuno" da frica do Sul, descoberta em 1903 com a idade
provvel de doze a quatorze anos_' Na maioria das vezes, alis, as
circunstncias da descoberta so duvidosas. Alm disso, estes exemplos
devem ser afastados por uma razo de princpio, que nos coloca
imediatamente no corao dos problemas cuja discusso o objeto desta
Introduo_ Desde 1811 Blumenbach, em um estudo dedicado a uma dessas
crianas, o Selvagem Peter, observava que nada se poderia esperar de
fenmenos desta ordem_ Porque, dizia ele com profundidade, se o
homem um animal domstico o nico que se domesticou a si prprio. 7
Assim, possvel esperar ver um animal domstico, por exemplo, um
gato, um cachorro ou uma ave de galinheiro, quando se acha perdido
ou isolado, voltar ao comportamento natural que era o da espcie
antes da interveno exterior da domesticao_ Mas nada de semelhante
pode se produzir com o homem, porque no caso deste ltimo no existe
comportamento natural da espcie ao qual o indivduo isolado possa
voltar mediante regresso. Conforme dizia Voltaire, mais ou menos
nestes termos, uma abelha extraviada longe de sua colmeia e incapaz
de encontr~la urna abelha perdida, mas nem por isso se tor~ nou
urna abelha mais selvagem. As "crianas selvagens", quer sejam pro~
duto do acaso quer da experimentao, podem ser monstruosidades cul-
turais, mas em nenhum caso testemunhas fiis de um estado anterior_
impossvel, portanto, esperar no homem a ilustrao de tipos de
comportamento de carter pr-culturaL Ser possvel ento tentar um
caminho inverso e procurar atingir, nos nveis superiores da vida
animal, atitudes e manifestaes nas quais se possam reconhecer o
esboo, os sinais precursores da cultura? Na aparncia, a 'oposio
entre comporta- 4. J. M. G. Itard, Rapports et mmories sur le
sauvage de Z'AveyrDn, etc., Pa ris 1894. A. von Feuerbach, Caspar
Hauser, Trad. ingI. Londres 1833, 2 vols. 5. G. C. Ferfi,s,
Sanichar, the Wolfboy 01 India, Nova Iorque 1902. P. Squires,
"Wolf-children" of India. American Journal of Psychology, voI. 38,
1927, p. 313. W. N. Kellog, More about the "Wolf-children" of
India. Ibid., voI. 43, 1931, p. 508-509; A Further Note on the
"Wolf-children" Df India. Ibid., voI. 46, 1934, p. 149. - Ver
tambm, sobre esta polmica, J. A. L. Singh e -R. M. Zingg,
Woll-children and FeraZ Men, Nova Iorque 1942, e A. Gesell,
Woll-child and Human Child, Nova Iorque 194!. 6. J. P.. Foley, Jr.,
The "Baboon-boy" of South Afriea. American Journal 01 Psycho- logy,
vol. 53, 1940. R. M. Zingg, More about the "Baboonboy" of South
Afriea, lbid. 7. J. F. Blumenbaeh, Beitriige zur Naturgeschichte,
Gt>ttingen 1811, em Anthropolo- gical Treatises 01 J. F.
Blumenbach, Londres 1865, p. 339. 43
36. r mento humano e o comportamento animal que fornece a mais
notvel ilustrao da antinomia entre a cultura e a natureza. A
passagem - se existe - no poderia pois ser procurada na etapa das
supostas socie- dades animais, tais como so encontradas entre
alguns insetos. Porque em nenhum lugar melhor que nesses exemplos
encontram-se reunidos os atributos, impossveis de ignorar, da
natureza, a saber, o instinto, o equipamento anatmico, nico que
pode permitir o exerccio do instinto, e a transmisso hereditria das
condutas essenciais sobrevivncia do individuo e da espcie. No h
nessas estruturas coletivas nenhum lugar mesmo para um esboo do que
se pUdesse chamar o modelo cultural universal, isto , linguagem,
instrumentos, instituies sociais e sistema de valores estticos,
morais ou religiosos. outra extremidade da es- cal animal que
devemos nos dirigir, se quisermos descobrir o esboo desses
comportamentos humanos. Ser com relao aos mamiferos su- periores,
mais especialmente os macacos antropides. c Ora, as pesquisas
realizadas h mais de trinta anos com os grandes macacos so
particularmente'desencorajantes a este respeito. No que os
componentes fundamentais do modelo cultural universal estejam ri-
gorosamente ausentes, pois possvel, custa de infinitos cuidados,
con duzir certos sujeitos a articularem alguns monosslabos ou
disslabos, aos quais alis no ligam nunca qualquer sentido. Dentro
de certos li mites, o chimpanz pOde utilizar instrumentos
elementares e eventual mente improvis-los.' Relaes temporrias de
solidariedade ou de SUo bordinao podem aparecer e desfazer-se no
interior de um determinado grupo. Finalmente, possvel que algum se
divirta em reconhecer em algumas atitudes singulares o esboo de
formas desinteressadas de ativi dade ou de contemplao. Um fato
notvel que so sobretudo os senti mentos que associamos de
preferncia p~rte mais nobre de nossa na tureza, cuja expresso
parece poder ser mais facilmente identificada nos antropides, como
o terror religioso e a ambigidade