Author
dangngoc
View
216
Download
0
Embed Size (px)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCINCIAS
CURSO DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
DISSERTAO DE MESTRADO
A REDE URBANA DO RECNCAVO BAIANO E SEU FUNCIONAMENTO TCNICO
MRCIA VIRGNIA PINTO BOMFIM
Orientador: Dr. Rubens de Toledo Jnior
Salvador Bahia
Junho/2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCINCIAS
CURSO DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
A REDE URBANA DO RECNCAVO BAIANO E SEU FUNCIONAMENTO TCNICO
MRCIA VIRGNIA PINTO BOMFIM
ORIENTADOR: DR. RUBENS DE TOLEDO JNIOR
DISSERTAO DE MESTRADO Submetida em satisfao parcial dos requisitos ao grau de
MESTRE EM GEOGRAFIA
Cmara de Ensino de Ps-Graduao e Pesquisa
da Universidade Federal da Bahia
Dr. Rubens de Toledo Jnior
Dra. Maria Auxiliadora da Silva
Dr. Fernando Cardoso Pedro
Data de aprovao: ___/___/___ Grau conferido em ___/___/___
B695 Bomfim, Mrcia Virgnia Pinto, A rede urbana do Recncavo Baiano e seu
funcionamento tcnico / Mrcia Virgnia Pinto Bomfim._ Salvador, 2006.
119 f.: il Dissertao (Mestrado) Ps-Graduao em
Geografia. Instituto de Geocincias. Universidade Federal da Bahia, 2006.
1. Rede tcnica. 2. Rede urbana. 3. Meio tcnico-
cientfico e informacional I. Ttulo II. Tese
911.9:711(813.8)(043)
meu pai, minha me (Tia Neta) exemplo de
amor e dedicao, Enzo e Danilo.
RESUMO
O presente estudo buscou uma interpretao das implicaes da modernizao no Recncavo baiano a partir do processo de difuso dos meios geogrficos na regio, com nfase nos anos a partir de 1950, perodo marcado pelo surgimento e expanso do meio tcnico-cientfico-informacional. A regio do Recncavo foi historicamente muito importante para se iniciar e sistematizar estudos referentes diviso espacial da produo brasileira.
Parte-se da genealogia da formao do territrio do Recncavo, com nfase nas sucessivas implantaes de redes tcnicas, associadas a diferentes perodos histricos. Os diversos tipos de redes tcnicas se expandiram e ganharam ou perderam importncia na medida em que se mudava a configurao territorial da regio estudada. Estas configuraes tambm so condicionadas pela presena ou pelas funcionalidades das diversas redes.
Como se objetiva a compreenso do Recncavo luz de um instrumental terico atualizado, se fez uso das teorias recentemente elaboradas por Milton Santos, que autor de um clssico estudo sobre a rede urbana que ora analisamos. A rede urbana tem suas funcionalidades sustentadas pelas infra-estruturas, tambm chamadas de redes tcnicas.
As redes, entendidas como constituintes do espao geogrfico, uma instncia social que possui papel ativo e condicionante sobre as demais instncias. Para a compreenso do uso do territrio do Recncavo, analisamos sua evoluo durante diversos perodos histricos, que resultou na presente configurao e permitiu entender seu funcionamento atual, suas especificidades, diferenciaes e desigualdades.
Palavras-chave: Rede tcnica; rede urbana; meio-tcnico-cientfico e informacional.
ABSTRACT
The present study looked for an interpretation of the implications of the modernization in the Reconcavo Bahiano starting from the process of diffusion of the geographical ways in the area, with emphasis the years starting from 1950, period marked by the appearance and expansion of the technician-scientific-informational means. The Reconcavo area was historically very important to begin and to systematize studies reported to the space division of the Brazilian production.
Staring from Reconcavos formation genealogy, emphasizing in the successive implantations of technical networks, associated to different historical periods. The several types of technical networks expanded and got or lost importance in the same way that the territorial configuration of the studied area changed. These configurations are also conditioned by the presence or for the functionalities of the several networks.
As the comprehension of Reconcavo by an instrumental theoretical updated is aimed, there were used theories recently elaborated by Milton Santos, author of a classic study on the urban network that is now analyzed. The urban network has their functionalities sustained by the infrastructures, also calls of technical networks.
The networks, understood as constituent of geographical space, a social instance that has active paper and stimulant on the other instances. For the understanding of the use of Reconcavo, we analyzed its evolution during several historical periods, that it resulted in the present configuration and it allowed to understand its current operation, their specificities, differentiations and inequalities. Key words: The networks; urban network; technician-scientific-informational means.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha famlia pelo apoio e dedicao: Vov Neta, Molk, Marcos,
Wailson, Mag e Celson que no mediram esforos para que eu pudesse concluir
este estudo, especialmente nos momentos (e que foram muitos) em que no tinha
com quem deixar meus pequenos. Agradeo tambm a todos os meus familiares,
que mesmo distante geograficamente sempre me incentivam a crescer
profissionalmente.
Sou imensamente grata ao meu orientador Prof. Dr. Rubens de Toledo Junior,
pela objetividade na orientao e pela gentileza ao me aceitar como orientanda.
Agradeo especialmente Profa. Dra. Maria Auxiliadora Silva pela amizade e
valiosas contribuies; ao Coordenador do Curso de Ps-Graduao em Geografia,
Prof. Dr. ngelo Serpa, aos professore pelas discusses em sala de aula e aos
secretrios Itanajara Jos Muniz da Silva e Dirce Vieira Almeida pelo apoio e
presteza.
Sou grata as Tcnicas da Biblioteca do IBGE, Ana Maria Loureiro Pereira e
Maria Otilia Bastos de Arajo Gis que sempre atenderam gentilmente minhas
solicitaes.
Sou especialmente grata amiga-colega da UNEB, do mestrado Claudia
Souza Pereira juntamente com sua famlia pela amizade, considerao e incentivo.
Agradeo a valiosa contribuio do tcnico da CPRM Ricardo Hagge pela
elaborao e confeco dos mapas.
Agradeo a gentileza, presteza e amizade dos meus compadres-colegas
Snia Marise Tomasoni e Marco Antnio Tomasoni.
Meus agradecimentos vo tambm para a Universidade do Estado da Bahia -
UNEB e em especial o Campus V, em Santo Antnio de Jesus e ao Colegiado de
Geografia, pela liberao para a realizao do mestrado; aos colegas pela amizade
e incentivo: Alvacir Barbosa (in memoria), James Arajo, Luciana Teixeira, Luis
Claudio Requio, Djalma Ges, Jnio Roque, Patrcia, Rita Hagge, Fbio, Wilson
Roberto de Mattos, Ktia Marise, Augusto Mendes, Alice Valverde, Ana Maria
Oliveira, Maria de Lourdes Motta e aos servidores da UNEB, Ins, Roberto, Soninha,
Marlene, Conceio, Bartolomeu e Lia pela considerao, amizade e gentileza ao
atender nossas solicitaes.
SUMRIO
Lista de tabelas .......................................................................................... 8
Lista de figuras ........................................................................................... 8
Lista de quadros ......................................................................................... 8
INTRODUO ........................................................................................... 10
1 O RECNCAVO BAIANO E A FORMAO DA REDE URBANA ................................................................................... 28
1.1 O INCIO DA OCUPAO DO RECNCAVO .......................... 31
1.2 O PAPEL DA METRPOLE COLONIAL .................................. 36
1.3 MODERNIZAES TCNICAS NO ECNCAVO .................... 39
1.4 A ORGANIZAO URBANA DO RECNCAVO ...................... 50
1.5 A REDE URBANA DO RECONCAVO SEGUNDO MILTON
SANTOS ................................................................................... 53
1.6 AS REDES DE CIDADES COMO CATEGORIA DE
ESTRUTURAO DO TERRITRIO ....................................... 54
2 O RECNCAVO BAIANO E AS CONDIES ATUAIS .......... 592.1 O PROCESSO DE MODERNIZAO DO RECNCAVO (na
metade do Sculo XX) .............................................................. 62
2.1.1 A agroindstria no Recncavo formao e sistematizao do conhecimento agrcola no Estado ......... 66
2.1.2 Novo ciclo ................................................................................ 702.2 A PETROBRS NO RECNCAVO BAIANO ............................ 732.2.1 Os benefcios da Petrobrs .................................................... 752.3 O CIRCUIRO PRODUTIVO AGROINDUSTRIAL DO FRANGO
DE CORTE NO RECNCAVO BAIANO.................................... 78
2.4 UMA ANLISE SOCIAL DA REGIO DO RECNCAVO
BAIANO ..................................................................................... 83
3 TERRITRIO E REDES DE TRANSPORTES ......................... 873.1 A REDE RODOVIRIA ............................................................. 87
3.2 A REDE FERROVIRIA ............................................................ 90
3.3 A ESTRUTURA PORTURIA ................................................... 93
4 TERRITRIO E REDES DE TELECOMUNICAO ................ 974.1 A EVOLUO DOS SISTEMAS TCNICOS ............................ 100
4.2 OS SISTEMAS DE TELECOMUNICAO NO RECNCAVO
BAIANO ..................................................................................... 101
4.3 OS SERVIOS DE TELEFONIA FIXA NA BAHIA .................... 104
4.4 A INFORMAO E A NOVA DIJVISO SOCIAL E
TERRITORIAL DO TRABALHO NO RECNCAVO .................. 105
4.5 AS AES DA TELEMAR NO RECNCAVO .......................... 107
CONSIDERAES FINAIS ....................................................................... 111
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................... 113
LISTA DE TABELAS
1 Evoluo Poltica Administrativa do Recncavo Baiano
Estado da Bahia (1827/2002) .................................................... 57
2 Principais Pases Exportadores de Carne de Frango (1999-
2003) .......................................................................................... 80
3 Principais Pases Importadores de Carne de Frango (1997-
2003) ......................................................................................... 81
4 Domiclios particulares permanentes urbanos, total e
proporo dos domiclios, por acesso a alguns servios e
posse de alguns bens durveis, segundo as Grandes Regies,
Unidades da Federao e Regies Metropolitanas 2004 ....... 103
5 Pessoal ocupado em atividades tcnicas, cientficas e afins.
Brasil e grandes regies (1976-1995) ....................................... 107
LISTA DE FIGURAS
1 Recncavo Baiano: Localizao e Diviso Municipal ............... 19
2 Disposio das Estradas de Ferro ............................................ 37
3 Situao das Principais Rodovias ............................................. 49
4 Zonas de Influncia Comercial no Estado da Bahia .................. 54
5 Sistema de Transporte no Recncavo Baiano 2004 .............. 91
LISTA DE QUADROS
1 Prestadoras de Servio Mvel Celular ...................................... 99
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
ABA Associao Baiana de Avicultura
ABEF Associao Brasileira de Exportao de Frango
CBTU Companhia Brasileira de Trens Urbanos
CENAB Centro Nutico da Bahia
CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e o Caribe
CIA Centro Industrial de Aratu
CNP Conselho Nacional do Petrleo
COPEC Complexo Petroqumico de Camaari
CRA Centro de Recursos Ambientais
DNER Departamento Nacional de Estradas e Rodagem
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EMBRATEL Empresa Brasileira de Telecomunicaes
IAA Instituto do Acar e do lcool
IBA Instituto Baiano de Agricultura
IBF Instituto Baiano do Fumo
IIBA Imperial Instituto Baiano de Agricultura
INMARSAT Sistema Mundial de Comunicaes Martimas via Satlite
PETROBRS Petrleo Brasileiro S/A
PIB Produto Interno Bruto
RENAR Rede Nacional de Radiomonitoragem
RENEC Rede Nacional de Estaes Costeiras
RLAM Refinaria Landulfho Alves Mataripe
RMS Regio Metropolitana de Salvador
RPBC Refinaria Presidente Bernardes-Cubato
TELEBRS Telecomunicaes Brasileiras
TWB Corporation Transportes Aquavirios & Construo Naval
10
INTRODUO
O conceito de rede at aproximadamente os anos 70 no esteve no centro
das atenes dos gegrafos, sendo retomado por diversos autores, a partir dos anos
80, quando a informao atravs da ciberntica, da informtica e da eletrnica passa
a dominar as relaes de fluxos sobre o espao mundial.
As empresas que utilizam as novas tecnologias o fazem recorrendo s redes
de transportes e de comunicaes. Como h uma intencionalidade na localizao
das atividades econmicas, essa lgica continua a dominar no momento da
instalao de suportes tcnicos para novas tecnologias adotadas pelas empresas.
Para Castells (2003) o perfil do novo processo espacial, denominado de
espao de fluxos, est se caracterizando como a manifestao espacial
predominante de poder e funo. Essa manifestao ocorrida ao final do sculo XX
graas aos avanos da cincia, produziu um sistema tcnico presidido pelas
tcnicas da informao, que passam a exercer um papel de elo entre as demais,
unindo-as e assegurando ao novo sistema tcnico, uma presena planetria, Santos
(2001).
Toma-se por princpio que, ao se trabalhar com o conceito de redes, deveria-
se destacar quatro grandes fluxos: os movimentos de pessoas ou fluxos migratrios,
os movimentos comerciais ou fluxos de mercadorias, os movimentos de capitais ou
fluxos monetrios e financeiros e movimento de informao ou fluxos informacionais.
So esses fluxos que permitem entender o grau de fluidez que perpassa toda
sociedade contempornea e a corroborao de uma compreenso de que existe um
comando para todas essas aes. Vale salientar que o atual sistema de tcnicas
que garante os mecanismos de sustentao do esquema global articulado em rede
e resultado de aes polticas que asseguram esse mercado.
11
So fluxos que procuram ultrapassar o controle territorial, invadem os limites
das soberanias nacionais e demandam novos sistemas normativos do Estado-
Nao. Para Santos (2003) as aes polticas que asseguram a conformao do
mercado global esto envolvidas em determinaes perversas e no igualitrias.
O emaranhado tcnico presente na sociedade torna as relaes cada vez
mais complexas, o que justifica o estudo do fenmeno de redes como uma das
formas mais adequadas para o entendimento da realidade contempornea.
Dias (2005) observou que nas cincias humanas, a rede tem sido pensada
primordialmente como forma particular de organizao sendo estudadas da seguinte
forma: social grupos, instituies ou firmas (Castells, 1999), urbana (Santos 1995,
Corra, 1989 e 2001), transacional-econmico-poltico e principalmente tcnica
(Bakis, 1985, Dias 1995 e Offner 1993 e 2000).
Mas o que uma rede? O vocbulo provm do latim retis e significa conjunto
de fios entrelaados em ligaes regulares utilizados para apanhar peixes, para
dormir e embalar, como tela ou ainda, conjunto complexo de fios, rodovias, ferrovias,
canais, casas comerciais etc.
O vocbulo fora tambm amplamente utilizado nas cincias biolgicas,
principalmente na medicina para explicar o funcionamento do organismo no corpo
humano. Porm o conceito de rede passa a ser empregado mais largamente para
definir as representaes geomtricas do territrio que se multiplicaram a partir da
segunda metade do sculo XX graas ao desenvolvimento das tcnicas, sobretudo
na geografia.
A rede passa a ser concebida como matriz tcnica infra-estrutura rodoviria,
estrada de ferro, telegrafia, alterando a relao com o espao e com o tempo, Dias
(2005). Para muitos autores o conceito moderno de rede se forma na filosofia de
Saint-Simon.
12
Esse filsofo francs vivenciou a Revoluo Francesa, sendo bastante
influenciado pelo iluminismo. Passa a defender a idia de que o Estado se fortalece
quando permite liberar a circulao do dinheiro, ou seja quando passa a assegurar
as condies necessrias para a circulao de todos os fluxos sobre o territrio.
Para ele, no momento em que a Frana assegurasse as condies
necessrias para que todos os fluxos pudessem circular livremente sobre o territrio
garantiria tambm melhores condies de vida da populao bem como o
enriquecimento do pas. Assim Saint-Simon disps de uma ferramenta de anlise
para conceber uma cincia poltica e formular um projeto de melhoria geral do
territrio da Frana, Dias (2005).
Segundo Bakis (1996) a rede pode ser vista segundo trs sentidos: a)
polarizao de pontos de atrao e difuso como o caso das redes urbanas; b)
projeo abstrata, que o caso dos meridianos e paralelos na cartografia do globo;
c) projeo concreta de linhas de relaes e ligaes, que o caso das redes
hidrogrficas, das redes tcnicas territoriais e tambm, das redes de
telecomunicaes.
Por esse aspecto, avaliando o presente das redes, elas esto instaladas
diacronicamente sobre o territrio, ou seja, so instaladas em diferentes momentos,
muitas at j esto presentes na configurao atual e sua substituio ocorre em
momentos diversos. Essas substituies ocorrem quando o movimento social exige
uma mudana morfolgica e tcnica.
A partir de anlises das contribuies acerca do conceito de rede se pode
concluir que tal conjunto de idias ainda est em construo, pois se est diante de
um mundo cada vez mais tcnico.
Ao mesmo tempo, retornamos ao conceito da rede urbana na tentativa de
entender que todo sistema urbano atual foi influenciado pelas etapas anteriores de
estruturao do espao no qual ele funciona hoje. Para Michel Rochefort:
13
At meados do sculo XIX, cada cidade representava um organismo mais ou menos autnomo que expressa por sua presena e importncia a natureza das necessidades de sua regio. A cidade era portanto a unidade de base da geografia urbana: ela se situava num contexto regional e noutros fatores que a delimitavam. A concentrao econmica da segunda metade do sculo XIX forjou, a partir das grandes cidades, uma verdadeira rede urbana regional. Por seus banqueiros, industriais e negociantes, as grandes cidades detiveram ento as alavancas de comando de todas as atividades da sua regio. A unidade de estrutura da geografia urbana torna-se a rede urbana regional na qual era necessrio ressituar cada cidade para interpret-la validamente. Essa rede constitui tambm o arcabouo de um novo recorte regional. Esse triunfo da noo de rede urbana regional foi de curta durao. O sculo XX desmantelou progressivamente as bases da sua autonomia: os bancos regionais cedem lugar aos bancos nacionais, as empresas industriais abrem suas portas aos capitais exteriores, enquanto uma parte da riqueza regional investida em outras regies. Os prprios atacadistas tornam-se intermedirios em cadeias de distribuio mais vastas... Para interpretar uma cidade qualquer, j no basta ressitu-la em sua rede regional; preciso entender os laos de estrutura que subordinam esta a uma unidade mais vasta, constituda pelo Estado ou pela zona de influncia de alguns grandes trustes. A verdadeira unidade de estrutura para uma geografia comparada das cidades tende a ultrapassar o mbito da rede urbana regional. (ROCHEFORT, 1998, p.17)
Entretanto Rochefort assinala que, no estado atual da civilizao e das
necessidades em relaes que ela implica, a rede urbana regional parece-nos
constituir ainda a indispensvel estrutura tcnica da vida regional e permanecer, por
conseguinte, na base mesma da noo de regio.
Geiger (1963), ao avaliar a evoluo da rede urbana brasileira, recebe
influncia de Michel Rochefort e afirma que:
H, evidentemente, uma relao entre os fatos da histria urbana e os fatos da histria econmica. As transformaes que ocorrem na estrutura urbana brasileira acompanham a substituio do sistema econmico colonial por um sistema de economia nacional. Por sua vez, o crescimento da populao urbana fator de expanso do mercado interno, causa de transformaes na economia brasileira. Quando, ao mecanismo simples de exportao de matria-prima e importao de produtos de consumo, se acrescentou a produo para o mercado interno, as diversas partes do Pas passaram a articular-se melhor e as cidades foram recebendo fortes impulsos ao seu desenvolvimento.
Corra (1989) afirma que a rede urbana um reflexo, em realidade, dos
efeitos acumulados da prtica de diferentes agentes sociais, sobretudo as grandes
corporaes multifuncionais e multilocalizadas que efetivamente introduzem tanto
na cidade como no campo atividades que geram diferenciaes entre os centros
14
urbanos. O autor prossegue sua anlise em uma proposta mais atual (2001), onde
ele d indicao das dimenses de anlise das redes: a dimenso organizacional
refere-se configurao interna da entidade estruturada em rede, abrangendo os
agentes sociais, a origem da rede, a natureza dos fluxos, a funo e a finalidade da
rede, sua existncia e construo, sua formalizao e organicidade. A dimenso
temporal envolve a durao da rede, e a dimenso espacial a escala e a dimenso
espao-temporal que articula espao e tempo da rede.
Ainda sobre a validade na atualidade de um estudo da rede urbana na base
regional, Santos (1993) diz que, no momento histrico atual, perodo que ele
denomina de tcnico-cientfico informacional, a construo ou reconstruo do
espao se d com um crescente contedo de cincia, de tcnica e de informao.
As remodelaes se impem tanto no meio rural quanto no meio urbano e, em
conseqncia, aparecem mudanas importantes, tais como aportes macios de
investimentos em infra-estruturas e avanos considerveis na composio orgnica
do territrio, graas ciberntica, s biotecnologias, s novas qumicas,
informtica e eletrnica. Isso tudo se d de forma paralela cientifizao do
trabalho.
No caso brasileiro, h um desenvolvimento muito grande da configurao
territorial, com adies nos sistemas de engenharia superpostos natureza, levando
a um crescimento do sistema de transportes, do sistema de telecomunicaes e da
produo de energia.
Outro aspecto que o Pas passa a se interligar, a estrutura industrial e
agrcola muda, o que leva a uma mudana na estrutura da circulao, distribuio e
consumo. Paralela a esse desenvolvimento das formas materiais, h tambm uma
grande expanso das formas de produo no-material: da sade, da educao, do
lazer, da informao e at mesmo das esperanas. So formas de consumo no-
material que se disseminam sobre o territrio, (Santos, 1993).
Assim, com a integrao do territrio, o espao se apresenta com bastante
fluidez, permitindo que os fatores de produo, o trabalho, os produtos, as
mercadorias, o capital passem a ter uma grande mobilidade, levando a uma
15
especializao do territrio. Com isso, uma nova geografia regional se desenha, na
base da nova diviso territorial do trabalho que se impe, criando-se
complementaridades regionais. Essas complementaridades fazem com que se criem
necessidades de circulao, que vo se tornar frenticas dentro do territrio
brasileiro. As regies devem se adequar a esse modelo que se impe e,
conseqentemente, vamos nos defrontar com diferenciaes regionais e
disparidades territoriais de outra natureza.
Santos (1996) salienta que assim como se fala em fim do territrio e de no-
lugar na vertente ps-moderna, nenhum subespao do planeta escaparia ao
processo conjunto de globalizao e fragmentao, isto , individualizao e
regionalizao. Com suas palavras, ele ressalta que:
No decorrer da histria das civilizaes, as regies foram configurando-se por meio de processos orgnicos, expressos atravs da territorialidade absoluta de um grupo, onde prevaleciam suas caractersticas de identidade, exclusividade e limites, devidas nica presena desse grupo, sem outra mediao. A diferena entre reas se devia a essa relao direta com o entorno. Podemos dizer que, ento a solidariedade caracterstica da regio ocorria quase que exclusivamente, em funo dos arranjos locais. Mas a velocidades das transformaes mundiais deste sculo, aceleradas vertiginosamente no aps-guerra, fizeram com que a configurao regional do passado desmoronasse.
Segue argumentando que, assim como hoje h uma corrente que diz que o
tempo apagou o espao, poderia tambm se dizer que a expanso do capital
hegemnico em todo o planeta teria eliminado as diferenciaes regionais. Ou ainda
vai mais longe: seria proibido mesmo at prosseguir pensando que a regio existe.
Porm Santos faz questo de se colocar contra essas idias, acrescentando que:
... em primeiro lugar, o tempo acelerado, acentuando a diferenciao dos eventos, aumenta a diferenciao dos lugares; em segundo lugar, j que o espao se torna mundial, o ecmeno se redefine, com a extenso a todo ele do fenmeno de regio. As regies so suporte e a condio de relaes globais que de outra forma no se realizariam. Agora, exatamente, que no se pode deixar de considerar a regio, ainda que a reconheamos como um espao de convenincia e mesmo que a chamemos por outro nome.
Assim, para ele, neste mundo globalizado, com a ampliao da diviso
internacional do trabalho e o aumento exponencial do intercmbio, d-se,
paralelamente, uma acelerao do movimento e mudanas mais repetidas, na forma
16
e no contedo das regies. Ensina-nos que o que faz a regio no a longevidade
do edifcio, mas a coerncia funcional que a distingue das outras entidades, vizinhas
ou no. O fato de ter vida curta no muda a definio do recorte territorial. Isso faz
com que as regies se transformem continuamente, levando a uma menor durao
do edifcio regional, no suprindo, portanto, a regio, apenas mudando de contedo.
Assim, a regio continua a existir, mas com um nvel de complexidade jamais visto
pelo homem.
Ribeiro e Gonalves (2001), ao realizarem uma busca conceitual do
significado de regio pelo vis da contextualizao histrico-espacial da sociedade,
colocam-se contrrios s afirmaes de que a regio teria perdido seu status
cientfico no entendimento do real, corroborando as idias dos autores citados
acima. Sinalizam que novas concepes esto se pondo no horizonte da cincia e
certamente traro novos indicativos que, hoje, mais do que nunca, se mostram
indispensveis para quaisquer anlises sobre as sociedades e as suas formas
regionais. Fazem referncia maior inter-relao, existente na atualidade,
propiciada pela interconexo e interdependncia nunca vistas antes, a partir do
aparato tcnico-cientfico-informacional, entre as dimenses do lugar e da regio,
com o ingrediente novo da rede . Citando Moreira (1995), pode-se afirmar que a
intensificao do poder da rede ligou lugares, e esses, pelo adensamento das
relaes entre os homens e ganho de espessura do tecido social e com as novas
dimenses tcnico-informacionais criadas, estabeleceram uma nodosidade e uma
hierarquia funcional que modificaram aquela autonomia e aquele isolacionismo das
regies to observveis nos estudos de geografia, porque elas no necessariamente
tendem a ser a continuidade territorial ou a proximidade dos elementos ativos no
intercmbio dos fluxos entre os lugares, com a conseqente reorganizao
propiciada pelos novos sistemas virios e de comunicaes. Portanto, mesmo que
talvez tenha diminudo o papel ou a posio da regio ante o lugar e a rede no
mundo contemporneo, de forma alguma a regio perde sua explicitao emprica e,
por conseguinte, sua validade para o teorizar.
17
No atual perodo tcnico-cientfico-informacional, os pases perifricos foram
convocados a participar de uma nova ordem que se estabeleceu na segunda
metade do sculo XX, quando um novo projeto de modernidade se imps por todas
as partes do Planeta.
Dentro desse contexto, assistimos ampliao do meio tcnico-cientfico-
informacional que ocorre graas adoo de um mesmo conjunto de objetos
tcnicos que esto, hoje, presentes em uma escala planetria. por meio desse
conjunto que se realiza a produo, a circulao, o trabalho, enfim todas as aes
humanas. Engendra-se, assim, uma nova geografia dos lugares com a sobreposio
dos novos sistemas de objetos tcnicos que, muitas vezes, se somam aos
preexistentes (rodovias, aeroportos, portos, hidreltricas, ferrovias, fbricas, bancos,
universidades, pontes), formando arranjos espaciais especficos.
Com a difuso das redes de informao, esse sistema cada vez mais
interdependente, articulando diversas regies do mundo.
Paralelamente a essa difuso, constatamos, nas ltimas dcadas, que a rede
urbana brasileira se tornou muito mais complexa, devido disperso das atividades
econmicas. Esse movimento conduziu, de um lado, a um ritmo mais lento do
crescimento das cidades milionrias e, de outro, ao crescimento das cidades mdias
e locais.
Santos (1996) prope novas categorias analticas para entender as condies
atuais dos arranjos espaciais, que hoje no se do apenas atravs de figuras
formadas de pontos contnuos e contguos.
Hoje, ao lado dessas manchas, ou por sobre essas manchas, h tambm, constelaes de pontos descontnuos, mas interligados, que definem um espao de fluxos reguladores. As segmentaes e parties presentes no espao sugerem, pelo menos que se admitam, dois recortes. De um lado, h extenses formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade, como na definio tradicional de regio. So as horizontalidades. De outro lado, h pontos no espao que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. So as verticalidades. O espao se compe de uns e de outros desses recortes, inseparavelmente. a partir dessas novas subdivises que devemos pensar novas categorias analticas.
18
Enquanto as horizontalidades so, sobretudo, a fbrica da produo propriamente dita e o lcus de uma cooperao mais limitada, as verticalidades do, sobretudo, conta dos outros momentos da produo (circulao, distribuio, consumo), sendo o veculo de uma cooperao mais ampla, tanto econmica e politicamente, como geograficamente.
Para ele, na caracterizao atual das regies, longe estamos daquela
solidariedade orgnica que era o prprio cerne da definio do fenmeno regional. O
que temos hoje so solidariedades organizacionais, criadoras de uma coeso
organizacional baseada em racionalidades de origens distantes, mas que se tornam
um dos fundamentos da sua existncia e definio.
A verticalidade cria interdependncia entre os lugares; cria-se um sistema de
produo reticular, a partir de suportes territoriais largamente redistribudos, que
asseguram a coeso do processo produtivo.
Essas interdependncias tendem a ser hierrquicas e tm um papel de
ordenamento, de comando. Essa hierarquia se realiza atravs de ordens tcnicas,
financeiras, polticas, condio de funcionamento do sistema. A informao, ao
servio das foras econmicas hegemnicas e ao servio do Estado, o grande
regedor das aes que definem as novas realidades espaciais.
O que se pretende aqui tentar entender como se formam as redes de fluxos,
principalmente fluxos de informaes, que serve como instrumento para comandar
essas aes sobre o territrio. Toma-se aqui como rea de estudo o Recncavo
Baiano (Figura 1) por ser uma importante regio, marco histrico para o entendimento da formao da rede urbana na Bahia e no Brasil, onde Milton Santos
em 1959 estuda sobretudo a formao e a hierarquia dos ncleos urbanos da rea
em questo, bem como traa a evoluo das relaes mantidas com Salvador. A
inteno estabelecer uma continuidade do pensamento de Milton Santos para a
rede urbana do Recncavo atual, associando-o s transformaes tecnolgicas
ocorridas a partir de 1970 e sua reorganizao espacial, atravs da articulao de
novas atividades econmicas que surgem.
19
20
Por fim, estaremos analisando a regio sob a tica de novos conceitos
elaborados por Milton Santos, como a constituio do meio tcnico-cientfico
informacional .
A importncia do Recncavo na formao da economia baiana tem sido
fundamental, desde o ciclo do acar at ao do petrleo, refletindo nos diversos
momentos da urbanizao e da industrializao, provocando alteraes na forma de
articulao econmica com a Bahia e com o Brasil, Pedro, (1992).
Apesar de estar localizado na regio a maior parte do capital formado na
Bahia durante os ltimos cinqenta anos, ela , conforme o autor, majoritariamente
um bolso de estagnao econmica, profunda desigualdade e pobreza crtica. Por
isso mesmo, faz-se imprescindvel discutir o seu quadro atual e as perspectivas de
mudanas.
Entende-se aqui como Recncavo Baiano a regio que se desenvolveu com a
economia canavieira sob o comando de Salvador. Envolve os municpios que se
distribuem no entorno da Baa de Todos e se estende por um raio de 100 km a partir
da cidade de Salvador, abrangendo uma superfcie de aproximadamente 1.000 km2.
Os diversos autores citados como fonte neste trabalho afirmam que, ao
realizar estudos sobre a regio, deve-se compreender o Recncavo como uma rea
marcada por grandes diferenas sub-regionais desde o incio da colonizao,
apresentando-se com intensa complementariedade econmica e continuidade
cultural, resultantes dos efeitos do passado colonial que lhe confere caractersticas
peculiares e complexas.
Uma outra questo que levanta discusses diz respeito a sua abrangncia
territorial. Ao longo de sua formao, sua delimitao espacial sofreu vrias
alteraes sendo interpretada tambm de diversas maneiras. Brando (2002)
acrescenta que a origem da designao recncavo da Bahia ou, simplesmente,
Recncavo, e no Recncavo Baiano, aparece na maioria dos documentos, at o
terceiro quartel do sculo XX, e em minscula fazendo referncia s terras em torno
da Bahia de Todos os Santos, da a impropriedade da expresso Recncavo
21
Baiano. As variadas sub-regionalizaes recentes, propostas pelos rgos pblicos,
revelam a dificuldade criada no momento de delimitar o que possa ser considerado
como Recncavo ou mesmo como regio de Salvador, quando desconsideradas a
gnese e as interaes intra-regionais do Recncavo.
Santos (1959), justifica que essa diviso territorial do Recncavo sempre foi
mais um conceito histrico do que uma unidade fisiogrfica. Em abordagens
posteriores, como j foi dito, ele afirma que o conceito de regio no um edifcio
estvel e que muda de contedo.
Os rgos pblicos trabalham com diversas regionalizaes para a regio:
Regio Administrativa de Santo Antnio de Jesus, Regio Econmica Recncavo
Sul, Microrregio Homognea Santo Antnio de Jesus e Regio de Planejamento
Paraguau. Para os gegrafos, o entendimento das divises regionais tem um
carter cientfico ditado tanto por interesses acadmicos, quanto por necessidades
do planejamento e da gesto do territrio, da entendermos que a diviso regional
uma atividade cientfica acadmica e um exerccio de discusses e elaboraes que
levam a um determinado modelo. Mas o objetivo dessas reformulaes ampliar o
conhecimento cientfico sobre o territrio, Magnago (1995).
Brando (2002), conclui que por volta de dcada de 1980, o termo recncavo
comea a excluir, nos documentos oficiais, a Regio Metropolitana de Salvador
RMS, e que essas mudanas emergem basicamente de trs processos: o primeiro
diz respeito insero da Petrobrs no Recncavo aucareiro que coincide com o
declnio da economia aucareira no final da dcada de 1950; o segundo vem da
desarticulao do transporte virio, centrado em portos litorneos e servido por
ferrovias, com a desativao da Estrada de Ferro de Nazar, e do terminal martimo
de So Roque do Paraguau, tendo como opo exclusiva o transporte rodovirio. E
por ltimo surge a criao do Centro Industrial de Aratu (1964) e do Complexo
Petroqumico de Camaari (1971), que recebeu todos tipos de investimentos federal
e estadual para a parte norte do Recncavo o que custou completamente a
desestrutura do antigo recncavo.
22
Enfim, a combinao de vrios elementos, como a terra, o capital e o
trabalho, que estiveram direta ou indiretamente envolvidos na produo aucareira,
a servido perifrica de ndios e mestios, a produo primitiva envolvendo diversos
agentes permanentes e temporrios, constituram a unidade territorial do
Recncavo, Pedro (1992).
Dessa forma caracteriza-se como a principal base territorial do sistema
escravista de produo, sendo a primeira regio a se urbanizar com elevada
densidade populacional, e como modelo de organizao da produo baseada na
explorao agro-mercantil, voltada para o exterior. Historicamente, o conjunto
Salvador-Recncavo foi a base da economia colonial aberta que deu sustentao ao
sistema capitalista comandado por Portugal, comercializando o acar produzido
nestas terras.
Ao mesmo tempo, desenvolveu-se no Recncavo, no sculo XVII e sobretudo
durante o sculo XVIII, na zona do planalto, uma lavoura rudimentar de fumo que
desde sua origem, era destinada ao comrcio mercantil. Essa lavoura, na verdade
serviu como moeda intermediria para o rendoso empreendimento de captura e
comrcio de escravos, coluna-mestra em que se sustentava o complexo
canavieiro/aucareiro, Ramos (1990).
O esquema mercantil-escravista do Recncavo ultrapassou o perodo
colonial, se mantendo at depois da independncia nacional. No entanto, ao
contrrio da cana, o cultivo do fumo era realizado em pequenas glebas, com a
utilizao de mo-de-obra no-escrava, num esquema bastante rudimentar e
artesanal, tendo como produto final o fumo de corda. Como afirma Ramos (1990) o
trao marcante dessa lavoura, em que pese o seu carter originariamente mercantil,
foi a sua estreita ligao estrutural com a economia colonial aucareira,
principalmente por seu papel de fonte supridora de mo-de-obra escrava para o
latifndio escravocrata da monocultura canavieira.
No Recncavo, segundo estudo realizado por Brito (2004), por mais de meio
sculo assistiu-se dissoluo de um territrio at aproximadamente 1950, e em
seguida, surge um outro e mais vigoroso at o presente momento.
23
No entanto, h uma outra corrente que afirma justamente o contrrio, que
estamos vivenciando um perodo de estagnao nunca visto, surgindo apenas
pontos sobre esse territrio que se mostram mais dinmicos sobre os demais.
Autores como Pedro (1997) consideram que a rede urbana do Recncavo
Baiano foi a primeira a se instalar no Brasil desde os primrdios da colonizao no
sculo XVI, articulando a regio produtora a Salvador e ao comrcio exterior, e que,
apesar de se apresentar como uma regio mais densa do Estado, e das diversas
iniciativas do poder pblico na modernizao de parte da infra-estrutura, como o
caso da rede de transportes, ainda assim o Recncavo no conseguiu produzir
alteraes significativas que lhe permitissem alterar o quadro social no qual se
encontra: de marasmo e pobreza, como afirma.
Segundo ele, a designao de Recncavo passou a ser sinnimo de regio
economicamente pobre, esquecendo evidentemente que a industrializao est
concentrada na rea de Camaari que parte integrante desse Recncavo, e que a
pobreza hoje prevalecente, s pode ser compreendida quando estabelecido o
espao-tempo da histria, na formao da regio.
Se no houve alteraes sociais, o que se comprova em Brito (2004) o
territrio mesmo assim ao final dos ltimos 50 anos se moderniza, mediante a
instalao de redes tcnicas, como o caso da Petrobrs que recriam novas infra-
estruturas capazes de assegurar a explorao e produo de derivados qumicos.
As relaes de comando que se encontravam desde o incio do sculo XX,
at aproximadamente dcada de 1950 nas mos de usineiros que conduziam
tanto a poltica quanto as decises econmicas sobre a regio, sofrem o impacto dos
sinais de modernizao.
Na dcada de 1950 esse quadro se altera com a introduo da Petrobrs
criada em 1953, advento que inaugura nova fase no Recncavo onde a empresa
passa a exercer presso sobre o poder politico-econmico existente.
24
A influncia da Petrobrs chega tambm ao territrio atravs de aes e
aportes tcnicos que vo provocar uma nova estruturao do Recncavo Baiano,
principalmente nos municpios onde esto instaladas as atividades da empresa.
As realizaes da Petrobrs em consonncia com os agentes regionais
usineiros, banqueiros, fazendeiros, grandes comerciantes e o Estado -
implementaram transformaes capazes de dinamizar a economia da regio bem
como instalou uma rede tcnica de equipamentos necessrios as essas novas
demandas.
A criao do CIA e do COPEC assegurou as condies bsicas para
desenvolvimento urbano atraindo assim a populao e novas atividades econmicas
que incorporam elementos novos configurao espacial do Recncavo, e tambm
nos municpios que integram a Regio Metropolitana, notadamente Camaari, Madre
de Deus, So Francisco do Conde, Candeias.
Algumas dessas localidades passam a ter um aumento, at ento no visto,
nos seus Produtos Internos Brutos PIBs, que funcionam como fora motriz para a
instalao de diferentes segmentos comercias e agroindustriais contribuindo assim
para atrair novos investimentos.
A Citricultura no Recncavo
Nesse cenrio as aes empreendidas pelo Estado visam a integrao entre o
setor industrial e a agroindstria. A partir dos anos 70, a regio Nordeste, incluindo o
Estado da Bahia, contemplada por projetos polticos que vo alavancar obras de
beneficiamento no setor da agroindstria, financiadas pelo Banco do Nordeste.
Verifica-se que os recursos foram conduzidos principalmente para as reas de
produo de frutas, leos vegetais, derivados do leite e do arroz. Vale ressaltar que
os maiores investimentos de capitais sejam eles da esfera estatal ou da iniciativa
privada so focados principalmente no desenvolvimento da indstria petroqumica
no Estado.
25
No Recncavo foram investidos recursos para a citricultura, notadamente na
produo de laranja in natura destinada s industrias do CIA, transformadoras de
suco de laranja visando o mercado externo.
O Estado, interessado em resguardar o mercado internacional para os
produtos citrculas fomenta o desenvolvimento de pesquisas genticas em busca de
novas variedades, no controle de pragas e doenas, tendo como rgo de apoio a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria EMBRAPA.
Apesar de So Paulo ter o predomnio da integrao entre a indstria
transformadora e a agricultura citrcola esses empreendimentos tambm foram
estruturados nos Estados da Bahia e Sergipe.
Os municpios de Cruz das Almas, Sapeau e toda regio circunvizinha
passam a produzir especificamente a laranja, destinada indstria de sucos. Mesmo
existindo uma unidade da EMBRAPA no municpio de Cruz das Almas, que tem por
funo a realizao de pesquisas agroindustriais e o desenvolvimento da fruticultura,
verifica-se que essas atribuies no se efetivam por completo na medida em que
no tm promovido a difuso e a dinamizao da fruticultura na regio.
Poucos so os agricultores portadores dos recursos necessrios para investir
em suas propriedades nos padres exigidos pela indstria moderna, cujo olhar est
voltado para as demandas de mercados cada vez mais exigentes e articulados. A
maioria de pequenos produtores rurais que, sem recursos, no conseguem
concorrer para um bom desempenho na produo de frutas.
Essa desvantagem contou com as tentativas dos governos Federal e Estadual
em dinamizar a regio com a instalao por exemplo de um Campus da
Universidade Federal da Bahia, com o curso de Agronomia em 1970, onde seis anos
depois foi instalada a Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical uma unidade da
EMBRAPA com a inteno de viabilizar o desenvolvimento sustentvel do
agronegcio da mandioca e da fruticultura na regio. Porm essas aes no foram
suficientemente capazes de tornar a agricultura no Recncavo competitiva.
26
Por outro lado as indstrias estabelecidas no Plo Petroqumico parecem
estar desconectadas da economia local, numa lgica empresarial que ainda
privilegia o modelo centro-periferia.
O Circuito Produtivo Agroindustrial do Frango de Corte no Recncavo
Nas ltimas trs dcadas o complexo de avicultura tem crescido de forma
surpreendente colocando o Brasil como o segundo exportador mundial de carne de
frango. A Regio Sul, representada pelos estados de Santa Catarina e Paran surge
como principal cadeia agroindustrial.
No estado da Bahia e na Regio do Recncavo Baiano, nos municpios de
Cruz das Almas, Muritiba e Cachoeira e cidades circunvizinhas a exemplo de So
Gonalo dos Campos, Conceio de Feira e Feira de Santana foi instalado um
complexo agroindustrial avcola como as empresas Avigro e Avipal, organizadas na
forma de integrao vertical1 da produo.
No entanto, na Bahia este setor no acompanhou os elevados ndices de
crescimentos verificados em outras regies do pas. A produo estadual no
consegue atender demanda interna fazendo com que o Estado passe a importar
tanto o frango vivo quanto o industrializado.
Cabe analisar os fatores que contribuem para esse baixo rendimento do setor
avcola no Recncavo Baiano e demonstrar como funciona esse circuito produtivo.
O presente estudo busca analisar de que forma as redes tcnicas se instalam
no Recncavo Baiano a partir da dcada de 70, transformando substancialmente os
elementos definidores de sua estrutura econmica e demonstrar quais as
implicaes sociais decorrentes dessas aes.
1 A integrao vertical se caracteriza quando duas ou mais firmas colocadas sob a mesma organizao atuam em estgios separados do mesmo processo produtivo: pode ser para trs quando uma firma localizada em determinado estgio de produo passa a produzir tambm matria-prima e outros insumos; ou para frente, quando uma firma se move para o estgio de produo subseqente, Santos (1999).
27
Na sua estrutura interna a dissertao est dividida em quatro captulos. No
primeiro avaliou-se a formao da Rede Urbana do Recncavo com base em
ensaios anteriores realizados por Costa Pinto (1953), Milton Santos (1959), Thales
de Azevedo (1959), Maria Brando e Fernando Pedro (1997) num esforo de
entender os processos e os agentes sociais que conduziram a configurao espacial
de sua rede urbana do perodo colonial at 1950.
No segundo captulo buscar-se- explicar o processo de construo atual do
Recncavo contextualizando a pesquisa entre os anos de 1950 at 2000. Nesse
perodo ocorreram transformaes tcnicas no territrio resultantes de aes
implementadas pelo Estado em parceria com a iniciativa privada, criando as
condies para o desenvolvimento da estrutura urbana atual.
No terceiro captulo busca-se avaliar a evoluo da logstica de transportes no
Recncavo e as implicaes espaciais decorrentes destas instalaes tcnicas.
No quarto captulo o objetivo verificar o funcionamento das redes tcnicas
de informao e telecomunicaes e sua atuao no conjunto da estrutura scio-
espacial da regio. O estudo pretende estabelecer uma discusso acerca da
eficincia desses equipamentos no desenvolvimento econmico, social e cultural
desses espaos. A formao e evoluo do setor de servios e comrcio tambm
sero alvo de estudos para explicar a maneira como se relacionam com a formao
das redes tcnicas na regio em questo. Por fim ,as consideraes finais sobre o
que se compreende hoje como Recncavo.
28
1 O RECNCAVO BAIANO E A FORMAO DA REDE URBANA
Tomando como referncia o uso do territrio, o Recncavo Baiano ser
analisado atravs da instalao das redes tcnicas. Para tanto, faz-se necessrio
estabelecer uma periodizao na tentativa de compreender melhor as sucesses
tcnicas sobre o territrio, ou melhor, reconhecer a existncia das modernizaes
sucessivas no territrio. Cada perodo caracterizado pela existncia de um
conjunto de elementos de ordem econmica, social, poltica e tica, que constituem
um verdadeiro sistema. Cada um desses perodos representa as modernizaes,
isto , as inovaes tcnicas de pocas anteriores ou da fase imediatamente
precedente.
Pedro (1992), ao elaborar uma anlise scio-regional do Recncavo,
salienta que ao se trabalhar numa perspectiva da formao histrica da regio,
deve-se considerar os aspectos culturais, lembrando que a regio de maior
influncia negra do Brasil, e que os movimentos formativos tm altos e baixos, com
uma notvel descontinuidade, ligada substituio de formas de organizao da
economia e de articulao externa, com conseqncias tanto no plano tecnolgico
quanto no emprego.
Partir-se- das formulaes de Milton Santos (1985, 2001), onde ele afirma
que necessrio estabelecer perodos, ou como ele prefere, pedaos de tempos,
que sejam capazes de assegurar e caracterizar o movimento do todo. Segundo
Santos, o entendimento da histria da organizao do territrio, pode ser avaliado
em trs grandes momentos, identificados como: os meios naturais, os meios
tcnicos e o meio tcnico-cientfico informacional.
No primeiro perodo, o tempo da natureza comandava as aes humanas. No
Recncavo, esse perodo se inicia aproximadamente em 1530, quando os grupos
indgenas existentes aqui so dominados pelos europeus. Apesar dos grupos
humanos nesse perodo estarem condicionados pela natureza, ainda assim, foi
necessrio criar uma base material que assegurasse a sobrevivncia dos mesmos.
29
Isso vir a mostrar que no se pode desvincular a idia de meio geogrfico da
noo de tcnica, relativizando-o como meio pr-tcnico. Nesse perodo, os grupos
humanos se adaptam s condies da natureza. Da os portugueses ao chegarem
aqui, ter dado preferncia s ocupaes prximas ao litoral, fundamentadas nas
ofertas da natureza. A escolha de cada produto estava condicionada s
caractersticas naturais. Essa fase ir marcar o comeo da implantao e
consolidao do sistema agrcola escravista, correspondendo posteriormente a uma
fase de eficincia no uso do capital, ocorrida no Recncavo Baiano nos sculos XVI,
XVII e XVIII, onde as aes humanas se desenvolveram no controle da natureza.
No segundo perodo, gradualmente, os diversos meios tcnicos vo buscar
atenuar as determinaes naturais. Aqui, a difuso das mquinas e a elaborao de
formas de organizaes mais complexas vo permitir outros usos do territrio,
desenhando novas geografias.
No Recncavo, esta fase corresponde ao sculo XIX at aproximadamente a
metade do sculo XX, caracterizado por refluxo, desgaste e reajustes externos,
quando paralelamente a essa fase, Portugal perde posio na Europa. A economia
canavieira sofre reajustes territoriais enquanto ocorre a expanso da cultura
fumageira.
Neste perodo tcnico, as aes humanas impem-se natureza,
submetendo-a s diversas possibilidades tcnicas de utilizao do territrio. Esta
fase testemunha o surgimento do espao mecanizado. Essa mecanizao
estabelece-se seletivamente criando desigualdades entre as diversas regies, no
caso do Recncavo estas diferenas ocorrem em diversas sub-regies.
A decadncia da regio no sculo XX, com a queda do setor aucareiro e
com o declnio mais lento do setor fumageiro, marca esse perodo, ao mesmo tempo
em que ocorre a mecanizao do territrio.
No Recncavo, os sistemas tcnicos a exemplo das ferrovias, e dcadas mais
tarde as rodovias, foram criados para oferecer as condies necessrias para a
circulao de pessoas e de mercadorias dentro do territrio. Os equipamentos
30
tcnicos ampliam os fluxos pois viabilizam a integrao entre as regies,
representando modificaes causadas pelo processo de modernizao e
industrializao.
A incorporao da mecanizao ao territrio (portos, ferrovias, telgrafos)
caracteriza o perodo de industrializao no Brasil, acompanhada pela evoluo do
processo de urbanizao. A integrao desses elementos vai criar as condies necessrias para a formao de uma Regio Concentrada2, onde So Paulo est
inserida.
no ps-guerra que acontece a maior integrao nacional, graas a
construo das estradas de rodagem e a complementao das ferrovias, marcando
uma nova fase da industrializao brasileira.
O terceiro perodo marcado pela construo e difuso do meio-tcnico-
cientfico-informacional, que no Brasil vai ocorrer a partir dos anos 70 com a
revoluo das telecomunicaes.
No Recncavo, o meio tcnico-cientfico-informacional se implantou sobre um
meio mecanizado, portador de intensas relaes, devido, em parte, a uma
urbanizao importante, mas sobretudo em substituio as antigas unidades de
produo existentes, desvinculando os segmentos mais modernos da economia, no
caso, a explorao do Petrleo e a implantao da Refinaria Landulfo Alves que se
constituram em elementos novos nesse conjunto, modificando as relaes entre
empresas e o Estado, se estendendo aos diversos agentes sociais existentes,
principalmente, alterando as relaes de trabalho.
2 A formulao da idia de Regio Concentrada surge a partir da noo de rea ou Subsistema de Conteno criada por Jorge Guilherme FRANCISCONI e Maria Adlia Aparecida de SOUZA (1976), que posteriormente foi atualizada e aprimorada por Milton Santos e Ana Clara Torres Ribeiro. Corresponde parcela do territrio brasileiro caracterizado pela implantao mais consolidada dos dados da cincia, da tcnica e da informao. Abrange os Estados de So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Esprito Santo, Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
31
Para um melhor entendimento do Recncavo Baiano sero resgatadas a
seguir, a formao e evoluo histrica e territorial como forma de estabelecer suas
caractersticas econmicas, sociais e espaciais, tendo como objetivo o entendimento
do seu funcionamento tcnico.
1.1 O INCIO DA OCUPAO NO RECNCAVO
O Recncavo durante trs sculos esteve como a primeira regio mais
importante do Estado. Em 1549, o rei de Portugal, em funo das sucessivas
tentativas de invases por outras naes, decide reagrupar as donatrias e criar um
Governo: ao mesmo tempo, capital administrativa e praa forte, Santos (1959).
Em 1560, comea a plantar cana-de-acar no Recncavo, a regio que
contorna a Baia de Todos os Santos. Na poca existiam 47 aldeias de ndios no
Recncavo que foram rapidamente dizimadas e assim os colonos expandiram em
direo a Pennsula do Iguape e a regio de So Francisco do Conde. Uma vez
vencidos os ndios e destruda a vida tribal, os colonos chegavam para plantar
algodo, mandioca e sobretudo, cana-de-acar. Devido aos freqentes ataques
indgenas, as cidades eram erguidas semelhantes Salvador, fortificada, como o
caso de Santiago do Iguape, So Francisco do Conde, Cairu e Jaguaripe.
Essas cidades desempenhavam a funo administrativa e de proteo ao
anexar novas reas para o cultivo. Os engenhos e as plantaes de cana ocuparam
as reas nas proximidades dos rios, devido a grande necessidade dos engenhos
usarem gua para a produo do acar como para transport-lo at o porto de
Salvador.
A deciso de produzir cana-de-acar ampliou a rea produtiva interiorizando a
produo para reas mais prximas, no entorno da Baia de Todos os Santos. A
medida que crescia a produo, novas reas eram anexadas provocando uma nova
arrumao do espao. Numerosos engenhos destinados ao fabrico de acar foram
construdos.
32
No sculo XVI, a estrutura da manufatura aucareira contava em suas
instalaes com 18 engenhos. Esses empreendimentos exerciam o papel de
povoamento, atraindo numerosa populao, j que para seu funcionamento era
necessrio um grande nmero de pessoas para atender as tarefas da fabricao do
acar, fornecer alimentos, ensino e religio para os seus moradores, bem como
outras profisses correlatas, Santos (1959). A cana era cultivada em grandes
extenses de terras anexadas, a um engenho, utilizando a mo-de-obra escrava.
Segundo Ktia Mattoso o povoamento seguia a construo dos engenhos:
Acompanhados por famlias, agregados, escravos negros e lavradores livres ou obrigados, os senhores de engenho fixaram-se no Recncavo em grande nmero: So Francisco da Barra do Rio Sergipe do Conde foi o primeiro de vrios ncleos populacionais que ento se formaram em torno de capelas pequenas, isoladas e humildes. Em 1659, o povoado contava com 325 fogos (residncias) e 2.724 almas, e catorze engenhos tinham se desenvolvido nos seus arredores. So Francisco do Conde recebeu seu foro em 1693, junto com a vila de Nossa Senhora do Rosrio do Porto de Cachoeira, que prosperara na margem esquerda do Paraguau, por onde passava o caminho que ligava Salvador ao Serto do So Francisco e que servia como centro comercial para os engenhos de acar do Iguape e para as plantaes de fumo da regio de So Gonalo dos Campos.
Mais tarde, duas novas vilas so criadas, no sculo XVIII, ambos em 1724,
Santo Amaro da Purificao e So Bartolomeu de Maragogipe, contando em 1759
com cerca de 4500 habitantes. Ao final do sculo XVIII, quatro novas vilas iro se
somar regio: So Francisco do Conde, Cachoeira, Santo Amaro e Maragogipe.
Assim, no sculo XIX, o Recncavo contava com oito municpios: Candeias, So
Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, Maragogipe, Jaguaripe, Nazar das
Farinhas e Aratuipe. Ao mesmo tempo, uma outra regio ia sendo povoada o
Serto.
Quando se fala em Recncavo, imediatamente associa-se imagem de uma
imensido de terras com extensos canaviais. Entretanto, o Recncavo nunca foi s
produtor de acar, e sua ocupao esteve ligada a dois fatores: as caractersticas
fsicas dos solos encontrados e as condies sociais das populaes locais.
Logicamente, os melhores files de terras foram sempre destinados para a
agricultura de exportao mas, havia uma diversidade agrcola que atendia a um
mercado regional.
33
A cana-de-acar que foi a base da economia colonial, ocupou as terras
baixas e mais frteis, os solos do tipo massap do Recncavo. Nos tabuleiros, nos
solos mais arenosos, predomnio dos latossolos, nas terras altas inadequadas para a
cana-de-acar, foi plantado o fumo, mercadoria que, a partir do sculo XVII, era
usada sobretudo como moeda de troca para a compra de escravos, destinados aos
trabalhos na lavoura de cana-de-acar, logo aps a tentativa fracassada de usar os
ndios para os trabalhos agrcolas.
Segundo Ramos (1990), embora o destino final da produo fosse o mercado
europeu, tendo a Coroa Portuguesa o monoplio do produto, havia uma abertura
parcial, concedida aos armadores do trfico negreiro, que iriam se constituir numa
categoria de ricos e influentes comerciantes, sendo a grande maioria de portugueses
e alguns poucos nativos. A lavoura de fumo mantinha estreitas relaes
interindustriais, e assim como a pecuria apresentava-se como atividade
complementar economia canavieira.
Verificando a evoluo do sistema agro-exportador manufatureiro do fumo,
pode-se considerar duas grandes etapas distintas: uma de formao e expanso
que se inicia em 1808 e vai at a dcada de 1920, e outra de decadncia e crise que
tm incio aproximadamente na dcada de 1930, agravando-se a parir de 1950.
Nesta ltima, alteram-se substancialmente os padres de produo com reflexos nas
relaes sociais e no emprego.
Nas zonas fumageiras as aglomeraes surgiam com uma certa
espontaneidade, em locais mais propcios no s para atender as necessidades dos
agricultores como tambm para atender os servios de viajantes, desempenhando
as funes de cidades dormitrio, j que se localizavam estrategicamente no
espao. Finalmente, no sul do Recncavo predominou a agricultura de subsistncia,
principalmente com o cultivo da mandioca, do caf, do feijo, do milho e das
hortalias.
A cidade de Nazar passava a produzir a melhor farinha, ficando conhecida
como Nazar das Farinhas. Nas reas mandioqueiras entretanto, havia uma
incipiente organizao do espao. No se formou uma rede hierarquizada de
34
ncleos, porque essas reas a exemplo de Nazar e Jaguaripe se tornaram
fornecedoras de produtos de subsistncia diretamente para Salvador. Era conhecida
como a lavoura de pobre, onde predominava a pequena propriedade da terra,
pertencente a homens livres, lavradores e escravos em contraste com os senhores
de engenho donos de terra e de poder.
As respectivas reas de influncia comearam a crescer, sob o duplo apelo das necessidades existenciais da cidade do Salvador ou, por seu intermdio, sob o incentivo do comrcio mundial, para o qual a cana-de-acar passava a contribuir largamente, Santos (1959).
O crescimento da agricultura provocou o desenvolvimento do sistema de
transportes para escoar a produo at o porto de Salvador. Inicialmente toda
economia era transportada por saveiros que entravam pelas rias at os portos
produtivos. Com o crescimento da economia canavieira era necessrio melhorar a
infra-estrutura existente para facilitar a circulao de pessoas e de mercadorias.
Conforme Mattoso (1992), o Recncavo antes de tudo uma terra ocenica:
suas reas agrcolas encontram-se em estreita dependncia das guas salgadas e
dos rios marinhos. Foram os marinheiros seguindo as entradas dos rios parcialmente
navegveis que adentraram no territrio baiano, primeiro eles, depois os boiadeiros.
A criao de gado foi implantada tanto para abastecer a populao como tambm
para o transporte e a moagem da cana.
Os caminhos da poca colonial eram trilhas, onde passavam animais de
cargas, carros- de- boi e tambm as boiadas. A criao de gado foi empurrada para
o Serto medida que se desenvolviam as culturas de cana-de-acar e fumo.
Praticamente at o sculo XIX, o meio de transporte utilizado era os saveiros,
embarcaes que de um modo geral ligavam Salvador s cidades produtoras do
Recncavo, como o caso de Cachoeira, Nazar e Santo Amaro, tornando-se os
centros de maior importncia.
Os ncleos de povoamento surgiam ao longo dos rios ou nas rias quando as
condies de navegao favoreciam chegar at o mar.
35
O Rio Paraguau, navegvel por 33 Km transportava o fumo e o acar de
Cachoeira at sua embocadura. Tambm foi sobre ele que foi construda a primeira
ponte ligando os municpios de So Flix ao de Cachoeira, o que demonstra a
importncia do seu porto a outras reas da economia canavieira. O vapor de
Cachoeira subia o Paraguau, ligando a Capital a Cachoeira depois de atravessar a
Bahia de Todos os Santos. Alis, uma posio importante, no passado para a
localizao de cidades, era junto s cachoeiras dos cursos de gua, principalmente
cachoeira a partir da foz, onde se fazia a mudana de transporte fluvial para a via
terrestre.
Assim como o Paraguau foi de fundamental importncia para Cachoeira,
pode-se dizer que igualmente importante foi o Rio Sergi do Conde para Santo Amaro
e o Rio Jaguaripe para Nazar. Os vapores da Companhia Baiana seguiam viagem
duas vezes por semana, partindo do porto de Nazar seguiam para Salvador com
aproximadamente seis horas de viagem Durante longo tempo, houve nas gua da
Baa de Todos os Santos um intenso fluxo de navegao, principalmente de
embarcaes de madeira, chamadas de saveiros ou saveiros de feira como eram
conhecidos
Importante equipamento da economia da regio, essas embarcaes
tornaram-se o principal meio de transporte das cidades do Recncavo. No Brasil, a
tcnica da arte de construo de embarcaes foi trazida de Portugal que se
associou s tcnicas da navegao indgena. Conforme Santos (2003), a
transmisso deste ofcio tem se propagado atravs dos anos na regio do Baixo-Sul
da Bahia, desde o incio da colonizao portuguesa, especificamente nas
localidades de Valena, Camamu e Gamboa do Morro.
O sculo XIX assistiu a uma srie de transformaes econmicas que tiveram
influncia na evoluo da rede urbana. Fatos como a Abertura dos Portos as Naes
Amigas no incio do sculo, marca a entrada do Pas na esfera de dependncia
direta das potncias industriais. Depois, a abolio do trfico em meados do sculo,
significou a inverso de capitais em outros investimentos ou em negcios, e o fim da
escravatura que ativou o mercado de trabalho.
36
Em 1850, o Brasil d os primeiros passos no sentido de sua modernizao,
iniciando uma fase de instalao de industrias, de introduo de ferrovias (Figura 2) do telgrafo e de constituio de empresas de navegao. Assim crescem os
negcios com firmas, bancos, caixa econmica, companhias de navegao,
minerao, transportes urbanos, gs e finalmente estradas de ferro. uma nova
fase que se abre, para o Rio de Janeiro que convergem todas as negociaes,
mas as Metrpoles como Salvador, Recife e Porto Alegre alcanam um vigoroso
progresso urbano como tambm as suas reas de influncia.
Considerando o crescimento de Salvador, a sua hinterlndia tambm recebe
diversas modernizaes. A produo aucareira passa a escoar a produto mais
rapidamente. Assim que as ferrovias passam a articular a regio produtora at os
pontos de embarcao ou diretamente at Salvador.
1.2 O PAPEL DA METRPOLE COLONIAL
A fundao em 1549 da cidade do Salvador foi motivada por necessidades
poltico-administrativas garantindo a ocupao permanente por meio de uma
atividade econmica que comea a ser desenvolver, com o plantio da cana-de-
acar destinada aos engenhos para a fabricao do acar, complementando
assim, a economia agrcola de Portugal e para abastecer a Europa
Em 1560 comea a plantar cana-de-acar no Recncavo, quando os ndios
haviam sido expulsos. O comrcio de acar incentivou a entrada de escravos e a
cultura do fumo em terras imprprias para a cana-de-acar, o dinheiro do tabaco
servia na compra de escravos. Nesse momento comea a se esboar o papel que
Salvador desempenhar em toda a sua histria, a de um porto de exportao de
produtos agrcolas no consumveis localmente e porto de importao de produtos
manufaturados. Salvador, v-se juntar a sua funo primitiva de administrao e
militar a um papel de metrpole regional. Pode-se dizer que comea a ter um papel
verdadeiramente urbano. a capital econmica do Recncavo, Santos (1959).
37
Figura 2 Disposio das Estradas de Ferro
0 20 40 60 80km
N
38
Entretanto, a produo de um nico tipo de cultura criou uma atrofia na
produo manufatureira, gerando assim uma situao deste ento, de dependncia
econmica. Cabe frisar que havia apenas teceles locais destinados a um consumo
restrito dos engenhos e dos fazendeiros. Dessa maneira, as regies prximas da
Capital passam a se urbanizar sob sua influncia. As cidades menores, fundadas
para atender s suas necessidades no conseguem acompanhar o mesmo ritmo de
crescimento, muito menos super-la em seu dinamismo econmico.
No obstante, esse crescimento macrocfalo da metrpole uma
caracterstica marcante do perodo colonial em quase todos os pases do novo
mundo. Ao final do sculo XVI, Salvador j possua 8.000 habitantes. Em meados do
sculo XVII, a populao de Salvador alcanava 10.000 habitantes, em fins desse
mesmo sculo, 20.000 habitantes, e em meados do sculo XVIII j alcanava 40.000
habitantes, assim a populao dobrava de cinqenta em cinqenta anos. O sculo
XVIII representa o alargamento da zona de influncia da cidade.
A organizao poltica, administrativa e econmica centralizada, coincidia com
os interesses da metrpole. Os senhores de engenho, organizavam,
economicamente, as imensas extenses de terras que lhes eram atribudas,
acumulando o poder local e estabelecendo uma poltica voltada para seus prprios
interesses. Mesmo aps a instaurao de um governo geral em 1549, ligado
diretamente Coroa portuguesa, o Estado permaneceu ausente. Todavia, essa
postura de benevolncia para com os senhores de engenho, vai mudando,
paulatinamente, na segunda metade do sculo XVII. que uma nova classe de
mercadores, a maioria de origem portuguesa se instala na Provncia e passa a
comandar a comercializao agrcola.
Muita coisa se altera, principalmente, uma nova poltica se estabelece,
criando um plano de urbanizao que passou a controlar a fundao de vilas e
povoados, bem como o controle efetivo sobre todas as populaes do pas passa a
ser efetivamente fiscalizado pela administrao. Assim, durante trs sculos,
Salvador foi a aglomerao urbana mais importante e mais populosa do Brasil, e seu
porto, o principal do pas.
39
Uma cidade rica, de contraste, devido sua multiplicidade de estilos, de raa e
tambm por sua morfologia urbana. Como a histria econmica regional favoreceu
Salvador com este acumulo de funes, a histria urbana conduziu concentrao
de quase todas estas funes nos distritos centrais. O que favoreceu esta
concentrao foi a proximidade do porto, da estao ferroviria e a atrao que
exerceu sobre as atividades comerciais e administrativas. Salvador aparece como
centro, em relao ao estado. Toda a histria econmica regional proporciona a
Salvador uma concentrao de funes e recursos, sempre e cada vez mais forte
em relao ao resto do Estado.
Assim conclui Santos (1959), Salvador uma criao da economia
especulativa, a metrpole de uma economia agrcola comercial antiga que ainda
hoje subsiste; a cidade conserva as funes que lhe deram um papel regional e
embora penetrada pelas novas formas de vida, devidas sua participao aos
modos de vida do mundo industrial, mostra ainda, na paisagem, aspectos materiais
de outros perodos.
1.3 MODERNIZAES TCNICAS NO RECNCAVO
Os ncleos iniciais de povoamento desenvolveram uma certa organizao da
rede urbana no Recncavo. A ferrovia veio sobrepor a rede j existente, sem
qualquer interligao, de modo que seu trnsito contribuiu integralmente na
valorizao dos respectivos portos iniciais, onde as mercadorias sofriam transbordo
antes de chegarem a Salvador. As linhas de trem fortalece um arcabouo urbano
hierarquizado, sob o comando de Salvador, como meio de transportes de viagens
mais rpidas e rentveis, representando assim o progresso.
Pouco a pouco, as viagens feitas por meio de vapores foram sendo
substitudas pelas viagens realizadas pelos trens. Em 1880 constri-se a estrada de
ferro de Santo Amaro, a estrada de ferro Central da Bahia, em 1868 e em 1875 a
estrada de ferro de Nazar, est ultima alcanando o planalto de Santo Antnio de
Jesus, percorrendo o vale do Rio Jequiri at Amargosa. O Tram Road partindo de
40
Nazar percorria sete lguas at Santo Antnio de Jesus com uma viagem de
aproximadamente 50 minutos, saindo s sete horas e retornando s 11horas da
manh.
Com a instalao da ferrovia houve uma certa mudana na organizao
urbana do Recncavo, fazendo com que novos centros passassem a se integrar
cadeia produtiva, transportando alm do acar, o fumo, a farinha, o caf e vrios
outros produtos. assim que Santo Antnio de Jesus comea a comandar as
relaes comerciais, passando a frente de Nazar. Na verdade, Santo Antnio de
Jesus cresceu com a ferrovia e com a proximidade do porto em Nazar.
Com uma posio geogrfica privilegiada, j que em um entroncamento de
estradas que serviam ao Serto para se ligar ao porto, fez com que as feiras livres
de cidades passassem a comercializar um maior volume de produtos, contribuindo
rapidamente, assim para que sua produo escoasse com facilidade. Por volta da
segunda metade do sculo XIX Santo Antnio de Jesus exerce uma influncia maior
sobre a sua regio, se destacando pelas funes de compra e venda de
mercadorias.
Naturalmente, o fato de estar em conexo com os portos, entre o transporte
fluvial e sobre pontos de ligao da ferrovia com outras reas, faz com que
ocupasse uma hierarquia em relao aos demais centros. O que vai reforar essa
posio com o desenvolvimento do sistema de transportes. A introduo das
estradas de ferro deve-se grande revoluo no setor de transportes neste perodo,
o que daria grande impulso ao desenvolvimento das redes urbanas.
Em decorrncia do intenso comrcio de produtos nas terras altas do planalto,
os trilhos da ferrovia alcana Amargosa em 1892 ligando-a ao porto de Nazar. Em
1890, Santos (1963) registra que Amargosa comercializava 200.000 sacas de caf,
desempenhando a funo de capital regional, fato esse favorecido pela sua
localizao geogrfica entre o tabuleiro e o Serto. Assim, todos os produtos da
regio, e tambm os que vinham no lombo dos animais do Serto, eram
comercializados naquela praa. Mais tarde a ferrovia chega at o planalto de Jequi.
41
Esta modernizao no sistema de transporte favoreceu ainda mais os portos,
j que as linhas frreas estavam ligadas diretamente s cidades porturias.
Entretanto, a construo da ferrovia ligando Cachoeira a Feira de Santana, fez com
que Santo Amaro, que antes era reconhecido como porto fumageiro, no comeo do
sculo XX perdesse todas as chances de continuar a desempenhar tais funes, j
que a zona e as localidades fumageiras passaram a usar a ferrovia Cachoeira-Feira
de Santana.
Santo Amaro passa a ser exclusivamente um porto da zona canavieira. A
justificativa para a construo de ferrovia advm do fato do grande movimento
comercial criado entre Cachoeira e o planalto da Chapada, aps a descoberta das
minas de diamante. O volume de produo que vinha da Chapada era
comercializado na grande feira, atraindo compradores e vendedores de todas as
partes em Feira de Santana, Santos (1959).
No perodo colonial era comum situar as cidades ao longo dos rios, j que
estes serviam circulao. Na medida que o sistema de transporte se moderniza,
estas antigas cidades perdem sua funo principal, o que muitas vezes seguida
pela sua completa estagnao. Desde o perodo colonial, o Recncavo cresceu
acompanhando o ciclo econmico das atividades canavieira e fumageira. Pode-se
dizer que a sua rede urbana se formou para atender aos interesses da economia
agrcola voltada para exportao.
As poucas atividades manufatureiras que se desenvolveram nestes centros
so o acar produzido inicialmente nos engenhos e depois nas usinas e o fumo que
passa a ser comercializado em corda. Toda a riqueza extrada das terras do
Recncavo tem como destino Salvador, cidade essencialmente comercial que,
atravs do seu porto enviava tudo que produzia para a Metrpole. Da mesma forma,
era o Recncavo que fornecia produtos de subsistncia para a populao de
Salvador, mesmo assim, durante o perodo colonial havia uma escassez desses
produtos pelo fato da agricultura ser voltada exclusivamente para exportao.
42
Excluda a cana-de-acar e o fumo, a produo agrcola da regio
aucareira era mnima. Os engenhos eram auto-suficientes, na medida em que
utilizavam seus escravos para a produo dos alimentos consumidos, principalmente
a mandioca, feijo e milho, algumas frutas tropicais e galinceos. O restante da
populao agrcola fazia uso da uma agricultura de subsistncia, com pequenos
excedentes comerciveis de carter eventual. A atividade pesqueira era tambm
muito pequena, destinando-se quase exclusivamente ao consumo dos pescadores.
Como resultado desse quadro, decorrente da atrao que o acar exercia
sobre os fatores disponveis, a populao urbana, ainda que pequena, viveu sempre
em uma contnua crise de escassez de alimentos.
Na verdade, os ncleos urbanos surgem como ponto de partida para a
ocupao e desenvolvimento de atividades econmicas. A estrutura colonial
mantinha elementos contrrios ao desenvolvimento urbano, porque o ambiente
socioeconmico tendia para o domnio dos latifndios auto-suficientes, com
indstrias caseiras que prejudicavam as correntes de comrcio e as funes
urbanas, o caso dos engenhos, que tinham uma vida prpria e ponto de partida
para povoamentos. Isso marca a baixa densidade e disperso das reas habitadas
dos ncleos urbanos neste perodo.
As nicas atividades urbanas estimuladas pela economia canavieira eram as
de transporte do acar. Na verdade, havia a necessidade da criao de gado, tanto
para o transporte como para a movimentao da moenda. A incompatibilidade da
criao do gado pelo pisoteio depredando os canaviais, fez com que a marcha da
pecuria adentrasse o serto. No que pese a utilizao da mo-de-obra escrava,
essas atividades no geravam renda pessoal na magnitude necessria para o
estmulo do mercado urbano.
As cidades surgem como portos intermedirios no transporte do acar dos
engenhos aos portos de exportao, por isso a preferncia margem dos cursos de
gua que fluem pelas plancies litorneas. Apesar das proibies de Portugal, a
partir de 1785 deve-se considerar que existia uma certa incapacidade tcnica por
43
parte dos portugueses em decorrncia do fato de Portugal tambm no se
industrializar, mantendo uma dependncia em relao Inglaterra. Apesar disso, as
cidades do Recncavo j abrigavam certo nmero de artesos e oficinas de vrios
ofcios.
Portanto, a evoluo de muitas cidades neste perodo no Recncavo s pode
ser entendida atravs do estudo da circulao por via fluvial inicialmente, e mais
tarde, com a conexo da via fluvial com a estrada de ferro interligando os portos.
Observa-se a influncia da ferrovia no quadro urbano sob os seguintes aspectos:
fator de concentrao das atividades porturias; causa de decadncia de localidades
situadas ao longo das antigas linhas de transportes que foram abandonadas o
caso de Santo Amaro, Nazar e valorizao de cidades atingidas pelas linhas de
ferro como o caso de Santo Antnio de Jesus. E como fator de ocupao das
terras para o interior, ampliando a rea produtiva. Uma das caractersticas do
traado das ferrovias a sua disposio em linhas transversais ao litoral, cada linha
procurando um porto.
Estabelece-se assim uma rede de cidades, pontos fixos sobre o territrio,
onde os negcios so realizados ainda que periodicamente como o caso das
feiras realizadas semanalmente. Estes pontos comerciais concentram outras
atividades vinculadas aos negcios, fazendo com que se estabelea uma certa
articulao entre os ncleos de povoamento, diferentes da produo propriamente
dita, tais como o comrcio, servios, lazer, cultura, poltica, capaz de atrair um
grande contingente de pessoas consumidoras.
Para Lobato (1989) a rede urbana o meio pelo qual a produo, circulao e
consumo se realizam efetivamente. Ela se estabelece articulada, tal qual se
apresenta hoje, com o surgimento do sistema capitalista, mais precisamente com o
processo de industrializao que paulatinamente articulou todos os espaos sobre o
globo, estabelecendo um mercado mundial. No Brasil, durante o perodo colonial as
cidades como Salvador e sua regio refletem essa posio.
44
A colnia funcionava como entreposto com a nica finalidade de produzir produtos primrios como: explorao florestal, agricultura, minerao e pesca para a metrpole. Tudo girava em torno destas atividades, se sobressaindo a especializao na produo de gneros agrcolas, como a cana-de-acar e o fumo, gerando dependncia econmica e poltica j que o poder de deciso estava longe dos centros produtores.
Mesmo assim, os pontos de produo passam a originar ncleos de povoamento interligados, criando uma rede de cidades cujos centros passam a comercializar produtos rurais exportveis, enquanto que o mercado interno passa a ser distribuidor de bens e servios. Mas o nvel de demanda e a pequena mobilidade espacial da maior parte da populao vo determinar certas caractersticas na rede de localidades centrais.
Enquanto so distribuidores de mercadorias, so localidades centrais. Mas o
que mais aparece so os centros menores - centros locais de zonas com baixa
capacidade de oferta de bens e servios, justamente pelo nvel de demanda e
limitada mobilidade espacial. O fato de ter um grande nmero de pessoas no
absorvidas no mercado formal, conduz criao de atividades tercirias e de
produo, que vo garantir a sobrevivncia da grande maioria da populao.
Isso explica o aparecimento dos mercados peridicos ou mercados temporrios, as feiras. Ora, j que a populao no pode consumir os produtos ofertados nos grandes centros, passam a consumir os produtos e servios ofertados nas feiras. No momento em que se realizam as feiras, esses ncleos urbanos se transformam em localidades centrais, atraindo um grande nmero de pessoas .
No obstante, como o espao aqui se organiza e se reorganiza dentro de um
contexto global, em funo de interesses distantes, as modernizaes so
extremamente seletivas, no se difundem homogeneamente atravs do espao
operacional, o que vai alterar a importncia de cada lugar. Como reflexo disso, as
enormes disparidades de renda que caracterizam os pases subdesenvolvidos tm
tambm conseqncias espaciais, Santos (2003). O potencial de consumo individual
varia muito sobre o espao. Esta seletividade espacial manifestada tanto no plano
econmico como social, detm a chave da elaborao de uma teoria do espao e
mais precisamente do espao urbano.
45
A teoria de Milton Santos dos dois circuitos da economia urbana tem
demonstrado que a produo que requer um alto nvel tecnolgico, tende a se
concentrar em pontos especficos, corresponde ao circuito superior, enquanto que o
circuito inferior, diz respeito s atividades em pequena escala, especialmente
destinadas populao pobre. Desta forma, so criados nas cidades dois circuitos
econmicos: o circuito superior e o circuito inferior, responsveis no apenas pelo
processo econmico urbano, mas tambm pelo processo de organizao espacial.
Para entender melhor, considera-se que circuito superior constitudo por
bancos, comrcio e indstrias voltadas para a exportao, pela indstria moderna
vinculada ao mercado interno, pelos servios modernos e empresas atacadistas e de
transportes. Possui uma clientela formada pelas classes ricas e em parte pela classe
mdia.
O circuito inferior constitudo por atividades que no utilizam capital de
modo intenso, como as atividades altamente capitalizadas do circuito superior.
Possui uma organizao tradicional ou primitiva, como: artesanato, fabricao de
bens, comrcio e servios basicamente destinados populao mais pobre.
O circuito superior resultado direto da modernizao tecnolgica, e mantm
relaes tanto em escala nacional como internacional. Cada circuito forma um
sistema, isto , um subsistema dentro do sistema urbano, Santos (1971).
Os dois circuitos da economia, portanto, interferem na rede de localidades
centrais, estruturando-a de modo que cada centro atue nos dois circuitos. Mas essa
interferncia se faz atravs de mecanismos bsicos de estruturao da hierarquia
urbana. Para melhor entendimento, necessrio que considere trs nveis
hierrquicos de centros: a metrpole, a cidade intermediria e a cidade local.
Avaliando o mecanismo de funcionamento dos mercados peridicos ou
temporrios, alguns tericos apontam para a existncia destes centros de mercados,
precedentes ao capitalismo, que promovia uma reestruturao espacial limitada
46
como resultado de seu alcance limitado a uma escala local. A pequena diviso
territorial, bem como o volume de trocas sociais do trabalho, tambm contribuiu para
as restries espaciais desses centros econmicos na fase pr-capitalista.
Todavia, dentro do sistema capitalista o acmulo do capital, logo, a sua
reproduo, est edificada na construo da mais valia, via expropriao do
trabalhador que tem na sua fora-de-trabalho o instrumento para sobreviver.
justamente na compra da fora de trabalho para produzir bens que o capital se
produz, pois, inserido na mercadoria produzida est o valor da fora de trabalho
acrescido de algo mais. Ao negociar o produto final o capitalista produz a mais
valia, sendo assim a circulao de mercadorias a materializao da (re) produo
do capital por meio da explorao do trabalhador. Eis aqui um dos paradigmas do
capitalismo, explorao do homem pelo homem.
A cidade palco desse processo de (re)produo do capital, ela representa a
conexo de uma rede de circulao de bens e servios. Cria-se desta forma uma
rede de localidades movida pelo circuito superior e pelo circuito inferior, de acordo
com suas especificidades, apresenta dinamismo diferenciado dentro da rede,
originando assim uma hierarquia de localidades centrais.
A acumulao de capital resulta na reproduo das classes sociais na medida
em que estas apresentam consumos diferenciados dos bens e servios oferecidos
nas cidades. A hierarquia das localidades centrais assume assim, uma grande
complexidade devido aos diferentes arranjos espaciais resultantes de todo esse
processo. O fato de existir uma massa de pessoas com salrios baixos ou vivendo
de atividades ocasionais, e outras com rendas muito elevadas, cria uma sociedade
urbana com uma diviso entre aqueles que podem ter acesso permanente aos bens
e servios oferecidos e aqueles que tendo as mesmas necessidades, no podem
consumir esses bens e servios.
Essas diferenas so causa e o efeito da existnci