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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Campus Contagem DIREITO CIVIL I DIREITO DAS OBRIGAÇÕES ROTEIRO PARA AULAS PROFª SIMONE REISSINGER 1º Semestre 2015

Roteiro aula-Dir Civil I (1-2015)

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Roteiro aula direito civil 1

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Campus Contagem

DIREITO CIVIL I

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

ROTEIRO PARA AULAS

PROFª SIMONE REISSINGER

1º Semestre 2015

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PUC MINAS – Campus Contagem DIREITO CIVIL I – 3º Período Profª. Simone Reissinger

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ÍNDICE

1 Prescrição e Decadência ...................................................................... 04 2 Teoria Geral das Obrigações ................................................................ 12 3 Estrutura das Obrigações ..................................................................... 15 4 Fontes das Obrigações ...................................................................... 19 5 Desenvolvimento histórico do Direito das Obrigações ..................... 20 6 Classificação das Obrigações ............................................................... 26 6.1 Quanto ao Objeto .................................................................................. 26 6.1.1 Obrigações de Dar .............................................................................. 27 6.1.2 Obrigações de Fazer ........................................................................... 34 6.1.3 Obrigações de Não Fazer ..................................................................... 37 6.1.4 Obrigações Líquidas e Ilíquidas ............................................................ 38 6.2 Quanto ao Vínculo Jurídico ..................................................................... 40 6.3 Quanto aos Elementos ........................................................................... 41 6.4 Quanto aos Sujeitos ............................................................................... 42 6.5 Quanto ao Objetivo Visado ..................................................................... 42 6.6 Quanto ao Momento de Execução ........................................................... 45 6.7 Quanto às obrigações consideradas reciprocamente ............................... 46 6.8 Quanto aos Sujeitos do pagamento ........................................................ 46 6.9 Obrigações Solidárias ............................................................................. 46 6.10 Quanto ao Objeto do Pagamento .......................................................... 51 6.11 Obrigações Divisíveis e Indivisíveis ........................................................ 54 7 Transmissão das Obrigações ............................................................... 55 7.1 Cessão de Crédito .................................................................................. 55 7.2 Assunção de Dívida ou Cessão de Débito ................................................ 58 7.3 Cessão de Contrato ou Cessão de Posição Contratual ............................... 59 8 Pagamento ............................................................................................ 61 8.1 Quem deve pagar .................................................................................. 61 8.2 Daqueles a quem se deve pagar ............................................................. 62 8.3 Da prova do pagamento ......................................................................... 63 8.4 Do lugar do pagamento ......................................................................... 64 8.5 Do tempo do pagamento........................................................................ 64 9 Pagamentos Especiais .......................................................................... 65 9.1 Pagamento em Consignação ................................................................... 65 9.2 Pagamento com Sub-rogação ................................................................. 66 9.3 Imputação do Pagamento ...................................................................... 67 9.4 Dação em Pagamento ............................................................................ 68

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10 Extinção das Obrigações Sem Pagamento........................................ 69 10.1 Novação .............................................................................................. 69 10.2 Compensação ...................................................................................... 71 10.3 Confusão ............................................................................................. 73 10.4 Remissão ............................................................................................ 73 11 Inadimplemento das Obrigações ...................................................... 74 Referências .............................................................................................. 77

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1 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

O estudo da prescrição e da decadência evidencia a relação existente

entre o decurso do tempo e a modificação no status das relações jurídicas.

A prescrição e a decadência são institutos importantes, na medida em que

propiciam tranquilidade na ordem jurídica (estabilidade social) através da

consolidação de todos os direitos.

O tempo pode ser fator de extinção, aquisição ou modificação de uma

relação jurídica1.

Assim, pode-se exemplificar a extinção da relação jurídica pelo decurso do

tempo nos seguintes casos: relação constituída por prazo determinado (ex.:

contrato de locação); implemento de condição resolutiva (ex.: fim do comodato);

prescrição e decadência.

O decurso de certo lapso temporal no exercício de determinadas

faculdades jurídicas pode gerar a aquisição de direitos, como a usucapião

(prescrição aquisitiva).

O tempo também pode ter força modificativa, como a nossa situação

jurídica individual: incapacidade absoluta, incapacidade relativa e capacidade

plena.

Desta forma, pode-se afirmar que o tempo é um fato jurídico.

1.1 Prescrição aquisitiva e prescrição extintiva

Distinguem-se duas espécies de prescrição – a extintiva e a aquisitiva

(usucapião).

O Código Civil trata as duas espécies separadamente: na parte geral (arts.

189 a 206) está a prescrição extintiva; na parte especial – Do direito das

coisas – está a prescrição aquisitiva como modo de aquisição da propriedade.

1 Relação jurídica é um vínculo, uma ligação tutelada pelo Direito. É uma situação dinâmica entre pessoas, que surge em decorrência de contratos (ex.: empréstimo), atos ilícitos (ex.: acidente de trânsito), casamento, nascimento, etc. Desse vínculo nascem direitos e deveres.

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Chama-se prescrição aquisitiva ou usucapião a aquisição do direito real pelo decurso do tempo, e é instituída em favor daquele que tiver, com ânimo de dono, o exercício de fato das faculdades inerentes ao domínio, ou a outro direito real, relativamente a coisas móveis ou imóveis, por um período prefixado pelo legislador. (PEREIRA, 2010, p. 582).

Assim, a prescrição aquisitiva, que tem como requisitos fundamentais o

tempo e a posse será estudada detalhadamente em outro momento, isto é,

quando se estudar posse e propriedade.

A prescrição extintiva vem regulada no Código Civil a partir da idéia de

pretensão, por influência do direito alemão.

O titular de um direito subjetivo, ao ter esse direito violado por outrem,

passa a ter uma pretensão2 exigível judicialmente (art. 189, CC). Todavia, a

pretensão possui um prazo para ser exigida, o qual ultrapassado levará a sua

extinção pela prescrição.

PRESCRIÇÃO: perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei (art. 189, CC). O seu objeto são os direitos subjetivos (stricto sensu) patrimoniais e disponíveis.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira (2010), para se apurar a prescrição

são necessários dois elementos – o tempo e a inércia do titular. Carlos Roberto

Gonçalves (2010) apresenta como requisitos da prescrição: a violação do direito,

com o nascimento da pretensão; a inércia do titular e o decurso do tempo fixado

em lei.

Há um conhecido brocardo latino para se determinar a prescrição:

dormientibus non sucurrit jus (O direito não socorre os que dormem). Assim, a

prescrição é a sanção para os titulares de direito que se mantêm inertes.

1.2 Pretensões imprescritíveis

Em análise ao Código Civil pode parecer que não há pretensões

imprescritíveis, pois o art. 206 relaciona prazos especiais de prescrição, enquanto

o art. 205 estabelece o prazo geral de 10 anos. Todavia, a doutrina indica várias

2 Pretensão: poder de exigir de outrem, coercitivamente, o cumprimento de um dever jurídico – uma ação ou omissão. É diferente do direito de ação.

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pretensões que não sofrem prescrição. “(...) a prescritibilidade é a regra, a

imprescritibilidade, a exceção.” (PEREIRA, 2010, p. 588).

A prescrição atinge todos os direitos subjetivos patrimoniais de caráter

privado. Portanto, os direitos da personalidade (vida, honra, liberdade,

integridade física ou moral, imagem3, nome, obras literárias, etc) são

imprescritíveis4.

Também são imprescritíveis as pretensões relacionadas ao estado das

pessoas, tais como filiação, à qualidade de cidadania, à condição conjugal; as de

exercício facultativo, em que não existe direito violado, como as destinadas a

extinguir o condomínio (ação de divisão ou de venda da coisa comum); as

referentes aos bens públicos de qualquer natureza; as que protegem o direito de

propriedade (ação reivindicatória).

Se há pretensões imprescritíveis, por outro lado, seus efeitos patrimoniais

não o são. Assim, se é imprescritível a ação de estado, como, por exemplo, o

reconhecimento de filiação, o direito de reclamar a herança prescreve em 10

anos (Súmula 149/STF).

Ações meramente declaratórias são imprescritíveis. Ex.: investigação de

paternidade; declaração de união estável.

1.3 Decadência

DECADÊNCIA (ou caducidade): perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado por lei ou pela vontade das partes.

Direito potestativo é aquele que confere ao seu “titular o poder de influir

ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem

que haja dever correspondente, apenas uma sujeição.” (GONÇALVES, 2010, p.

531).

3 Exemplo: a imagem da ex-modelo publicitária Zofia Burk na caixa de palitos de dente da marca Gina, desde 1975. Contrato de direito de imagem por tempo indeterminado. 4 Ressalte-se que não se deve confundir a imprescritibilidade da lesão do direito da personalidade com a prescrição da pretensão indenizatória (material ou moral) de eventual dano decorrente da violação do direito da personalidade (art. 206, § 3º, V).

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“O fundamento da decadência é não se ter o sujeito utilizado de um poder

de ação, dentro dos limites temporais estabelecidos à sua utilização. É que há

direitos que trazem, em si, o germe da própria destruição.” (PEREIRA, 2010, p.

590).

A decadência é estabelecida em lei ou resulta da vontade das partes,

através de negócio jurídico, fixando-se um lapso de tempo ao fim do qual se

extingue o direito para o titular.

Os prazos prescricionais não podem ser alterados pelas partes. Já os

prazos decadenciais não sofrem tal restrição. Exemplo disso ocorre quando o

vendedor estende o prazo de sua responsabilidade (garantia) pela coisa vendida

(art. 446, CC).

Todos os prazos decadenciais estão na parte especial do Código Civil.

Exemplos: arts. 445, 446, 501, 512, 513, par. único, 516, 539, 550, 1.122,

1.124, 1.481, 1.482, entre outros.

1.4 Prazos prescricionais:

Os prazos prescricionais são aqueles taxativamente discriminados na

parte geral do Código Civil, nos arts. 205 (prazo geral ou comum) e 206

(prazos especiais).

O prazo geral é de 10 anos e abrange qualquer direito para cuja

pretensão a lei não estabeleceu prazo menor. Os prazos especiais variam de 1 a

5 anos.

O prazo prescricional se inicia no momento em que o sujeito pode

manifestar a pretensão jurídica em juízo. Essa regra, entretanto, deve ser

compreendida conjuntamente com a existência de causa impeditiva (art. 197,

CC).

1.4.1 Causas impeditivas e suspensivas da prescrição

O impedimento refere-se ao fato obstativo do começo do prazo

prescricional. Já a suspensão está relacionada ao fato que ocorre após o início do

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prazo prescricional. Na suspensão somam-se os períodos, ou seja, afastada a

causa suspensiva, o lapso prescricional volta a correr pelo tempo restante.

As causas impeditivas e suspensivas se justificam por vários motivos. O

art. 197, CC trata de razões de ordem moral nas relações jurídicas entre

pessoas que cultivam ou devem cultivar vínculo afetivo mais profundo (PEREIRA,

2010)5. Nos três casos o motivo “é a confiança, a amizade, os laços de afeição

que existem entre as partes.” (GONÇALVES, 2010, p. 521).

O art. 198, CC traz uma motivação protetiva às pessoas que se

encontram em situações especiais que as impedem de serem diligentes na

defesa de seus interesses.

A prescrição não corre contra os absolutamente incapazes (quando têm

direito de propor ação), mas o prazo prescricional flui a favor deles (quando

podem ser acionados judicialmente). A prescrição contra o menor se inicia após

completar 16 anos de idade (relativamente incapaz).

O art. 199 ainda traz outros três casos que suspendem a prescrição. Nos

dois primeiros – pendência de condição suspensiva e imposição de termo ainda

não vencido – o direito ainda não se tornou exigível.

O art. 200 também trata da suspensão da prescrição para as ações

fundadas em fato que deva ser apurado no juízo criminal, enquanto pendente o

processo penal. Somente depois da sentença definitiva no processo penal

começa a correr a prescrição cível. Todavia, é importante observar o art. 935, CC

que estabelece a responsabilidade civil independente da criminal.

1.4.2 Interrupção da prescrição

A interrupção da prescrição decorre de ato de exercício ou proteção ao

direito, praticado pelo titular da pretensão, a fim de inutilizar o tempo já

decorrido. Na interrupção o prazo prescricional volta a correr por inteiro a partir

da causa interruptiva (parágrafo único do art. 202, CC).

5 Enunciado 296 – Art. 197. Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união estável. (IV Jornada de Direito Civil – 2006).

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A interrupção da prescrição somente pode ocorrer uma vez (art. 202), a

fim de se evitar interrupções abusivas, prejudicando o devedor.

O art. 202 indica as causas interruptivas, iniciando-se pela citação do

devedor. Todavia, o mencionado dispositivo deve ser interpretado de acordo com

o CPC – arts. 219, § 1º e 263 – pelo qual a prescrição considera-se interrompida

na data da distribuição (onde houver mais de uma vara) ou na data do

despacho. Assim, a prescrição é interrompida pelo ato de citação válida,

operando retroativamente àquelas datas6.

A segunda causa interruptiva é o protesto judicial (art. 202, II). Trata-se

de medida cautelar prevista no art. 867, CPC.

O protesto cambial também é causa interruptiva da prescrição (art. 202,

III).

O art. 202, IV prevê a apresentação do título de crédito em juízo de

inventário ou em concurso de credores (falência, insolvência civil do devedor).

Trata-se de comportamento ativo do credor que demonstra sua intenção em

interromper a prescrição e defender seu direito.

O inciso V traz uma forma abrangente de interrupção: qualquer ato

judicial que constitua em mora o devedor. Neste caso estão inseridas as medidas

cautelares, tais como notificações e interpelações.

O último inciso (art. 202, VI) indica que qualquer ato inequívoco, ainda

que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor

interrompe a prescrição. Neste caso, a interrupção ocorre sem uma manifestação

volitiva do credor, como pagamentos parciais, pedido de prorrogação de prazo

ou de parcelamento, pagamento de juros (GONÇALVES, 2010).

Quanto à interrupção da prescrição, também é importante observar suas

condições subjetivas, ou seja, a legitimidade de quem a promove, bem como da

pessoa contra quem é efetuada (PEREIRA, 2010). Assim, o principal interessado

em promovê-la é o credor ou seu representante, mas qualquer interessado pode

fazê-lo (art. 203, CC), tal como um terceiro que tenha legítimo interesse –

6 Enunciado 416. Art. 202, I. O art. 202, I, do CC deve ser interpretado sistematicamente com o art. 219, § 1º, do CPC, de modo a se entender que o efeito interruptivo da prescrição produzido pelo despacho que ordena a citação é retroativo até a data da propositura da demanda. (V Jornada de Direito Civil-2011).

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herdeiros do prescribente, seus credores e o fiador do devedor (GONÇALVES,

2010).

Os efeitos da prescrição são pessoais. Assim, o art. 204, CC regula que a

interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros, nem aquela

promovida contra um devedor ou seu herdeiro prejudica aos demais

coobrigados. Essa regra admite exceção quanto à obrigação solidária (ativa e

passiva), conforme os §§ 1º e 2º do art. 204, CC.

Além disso, a interrupção contra o devedor principal prejudica o fiador

(art. 204, § 3º), como consequência da regra de que o acessório segue o

principal.

1.5 Principais diferenças entre prescrição e decadência:

a) Todos os prazos prescricionais estão dispostos na parte geral do Código Civil

(art. 205 e 206). Os prazos decadenciais estão dispostos na parte especial do

Código Civil.

b) A prescrição pode ser interrompida ou suspensa nos casos que a lei prevê. A

decadência, regra geral, não se interrompe nem suspende (art. 207, CC), salvo

se a lei dispuser em contrário ou por convenção das partes (ex.: art. 26, § 2°, I e

II do CDC).

c) Em regra, a prescrição só pode ser alegada por quem tenha interesse em que

seja decretada (art. 193, CC) ou de ofício pelo juiz (art. 219, § 5º, CPC –

alterado pela Lei n. 11.280/2006, que também revogou o art. 194, CC, o qual

impedia a alegação ex officio)7.

A decadência pode ser alegada por qualquer pessoa que participe do processo,

inclusive ex officio (art. 210 e 211, CC).

d) A prescrição é passível de renúncia, isto é, o devedor da prestação

inadimplida pode deixar de alegá-la (art. 191, CC). A decadência é irrenunciável,

salvo a convencional (art. 209, CC).

7 Enunciado 295 – Art. 191. A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art. 191 do texto codificado.

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Observações importantes: a. Art. 195 e 208, CC: responsabilização civil dos assistentes de relativamente incapazes e dos representantes legais de pessoas jurídicas, quando não alegarem a prescrição/decadência ou quando derem causa à ela. b. Art. 2.028, CC – aspecto intertemporal. Ex.: reparação civil – art. 206, § 3°, V. Diminuição de 20 anos para 3 anos. Contagem a partir da data em que o NCC entrou em vigor (10/01/2003). c. Art. 190, CC: exceção = defesa. Ex.: compensação com dívida prescrita, por parte do devedor.

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2 TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

2.1 Acepções da palavra obrigação

A palavra obrigação recebe vários sentidos. De forma ampla é entendida

como uma “espécie de vínculo ou de sujeição da pessoa, seja no campo

religioso, moral ou jurídico.” (GONÇALVES, 2010, p. 17).

A sua origem está no verbo latino obligare (ligar, atar, amarrar) ou no

substantivo obligatio (ob + ligatio), que possui a idéia de vinculação, de

cerceamento da liberdade de ação (do devedor) em benefício de pessoa

determinada ou determinável (o credor) (PEREIRA, 2010).

Desta forma, o sentido comum da palavra obrigação é dever,

compromisso, encargo, dívida, ou seja, “a submissão a uma regra de conduta,

cuja autoridade é reconhecida ou forçosamente se impõe.” (GONÇALVES, 2010,

p. 17).

A obrigação, portanto, pode ser entendida em sentido amplo (lato sensu),

denominando uma série de deveres (comportamentos) exigidos em sociedade,

seja em face do direito e de outros complexos normativos (religião, moral,

cortesia, usos sociais, etc). Assim, pode-se falar em deveres jurídicos (ex.: pagar

tributos) e não-jurídicos (ex.: religiosos). No estudo do Direito interessam os

deveres jurídicos.

Os deveres jurídicos, que estão em todos os campos do Direito, podem

ter caráter patrimonial ou não. Os primeiros podem ser traduzidos em dinheiro,

ainda que sua motivação não seja meramente patrimonial (ex.: pagar

empréstimo, indenizar a honra violada, direitos reais). Já os deveres jurídicos

não patrimoniais são aqueles concernentes à pessoa humana, como por

exemplo, o dever de fidelidade entre os cônjuges, o de não matar, aqueles

relacionados aos direitos da personalidade, entre outros.

O direito das obrigações (direito de crédito ou direito pessoal) é uma

espécie de dever jurídico patrimonial, compreendendo um vínculo especial entre

pessoas determinadas (credor e devedor), dando a uma delas o poder de exigir

da outra uma prestação de natureza patrimonial.

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2.2 Conceito de obrigação

Um dos conceitos mais citados pelos doutrinadores é o de Jefferson

Daibert:

A obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio. (DAIBERT, Jefferson apud RIZZARDO, 2009, p. 4). (grifamos)

A análise do conceito acima identificará os elementos estruturantes da

relação obrigacional, bem como algumas de suas características.

a) Relação jurídica: a obrigação é uma relação jurídica, ou seja, resulta

de um vínculo jurídico entre o credor e o devedor, previsto no ordenamento

jurídico, portanto, protegido, pois se o devedor não cumprir com a prestação, o

credor pode exigi-la judicialmente. Por outro lado, há determinados deveres não

jurídicos que se parecem com uma relação obrigacional, mas não tem a mesma

proteção, como por exemplo, o dever de gratidão ou cortesia.

b) Caráter transitório: as obrigações se extinguem pelo cumprimento ou

por outros meios. Além disso, a obrigação não ultrapassa o patrimônio do

devedor ou do responsável (fiador, avalista). Já os direitos reais, outra forma de

dever jurídico patrimonial, cuja relação jurídica se forma entre o seu titular e

uma coisa (ex.: direito de propriedade), são perpétuos, pois não se extinguem

pelo não uso, apenas pelos casos expressos em lei (desapropriação, usucapião

em favor de terceiro, etc.).

c) Objeto: a relação obrigacional tem como objeto uma prestação

pessoal do devedor, que consiste em dar, fazer ou não fazer. Assim, somente

a pessoa vinculada está adstrita ao cumprimento da prestação. Pode-se dizer,

inclusive, que o direito obrigacional é relativo, uma vez que se dirige contra

pessoa determinada, sendo exigido apenas desta.

d) Natureza pessoal: a prestação é pessoal, pois constitui uma relação de

pessoa a pessoa, tendo como elementos os sujeitos ativo (credor) e passivo

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(devedor) e a prestação. No direito obrigacional o devedor é determinado ou

determinável. Diferentemente, os direitos reais incidem sobre uma coisa e são

absolutos, isto é, oponíveis erga omnes. A consequência deste poder direto e

imediato é a abstenção coletiva (sujeito passivo universal: todos os membros da

sociedade) em relação ao direito real, respeitando o titular.

e) Prestação econômica: o objeto da obrigação deve necessariamente ter

um conteúdo econômico ou ser suscetível de uma avaliação patrimonial. Não se

deve confundir o interesse (ou causa) da prestação com a prestação em si. A

reparação do dano moral tem interesse não patrimonial, mas a prestação será

patrimonial. A patrimonialidade é que distingue a obrigação em sentido estrito

dos demais deveres jurídicos.

f) Garantia do adimplemento: o patrimônio do devedor é que garante o

cumprimento da obrigação, uma vez que, se ele não realizar espontaneamente a

prestação, o credor poderá exigi-la judicialmente, valendo-se dos seus bens

como forma de satisfação do crédito (art. 391, CC e 591, CPC).

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3 ESTRUTURA DAS OBRIGAÇÕES

A relação obrigacional é estruturada ou constituída por três elementos:

subjetivo, objetivo e o vínculo jurídico.

a) Subjetivo: credor e devedor

b) Objetivo: prestação pessoal do devedor (dar, fazer ou não fazer)

c) Relação jurídica ou vínculo jurídico: vínculo que liga os sujeitos de

direito ao objeto.

Há entendimento no sentido de que a relação obrigacional é uma relação

de coordenação entre credor e devedor, e não uma relação de sujeição. O credor

tem o poder de exigir a prestação, pois pretende o adimplemento. Já o devedor,

tem a necessidade jurídica de cumprir a prestação para adquirir a sua

“liberdade”. Assim, um coopera com o outro para a satisfação de ambos.

3.1 Elemento subjetivo: credor (accipiens) e devedor (solvens)

O credor é o sujeito ativo da obrigação e o devedor é o sujeito passivo.

Qualquer pessoa pode ocupar a qualidade de credor ou de devedor obrigacional:

maior, menor, capaz, incapaz (representada ou assistida), nacional, estrangeira,

pessoa jurídica civil ou empresarial, de direito público ou privado, etc.

Os sujeitos devem ser determinados ou determináveis, mas nunca

absolutamente indetermináveis. Assim, às vezes, pode faltar a individualização

do credor/devedor no momento em que a relação é constituída, mas

posteriormente, para seu cumprimento, o sujeito é determinado. São exemplos

dessa situação: o título de crédito ao portador (credor); obrigação propter rem

ou ambulatória (devedor).

Pode ocorrer alteração dos sujeitos ativo e passivo, através da

transmissão da obrigação, salvo se for convencionado o contrário.

Conforme a posição dos sujeitos na relação obrigacional pode-se

classificar a obrigação em simples ou complexa. Na primeira, cada um dos

sujeitos ocupa apenas a posição de credor e devedor, como num ato ilícito

(acidente automobilístico). O causador do dano será apenas devedor e a vítima

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será apenas credora. Já na obrigação complexa, os sujeitos podem ocupar, ao

mesmo tempo, a posição de credor e devedor, como num contrato bilateral, tal

como a compra e venda. O comprador é devedor do dinheiro e, ao mesmo

tempo, credor da coisa adquirida; o vendedor é devedor de entregar a coisa e,

simultaneamente, credor do dinheiro.

3.2 Elemento objetivo: objeto – prestação devida

O objeto da obrigação é uma prestação pessoal econômica, consistente

em dar, fazer ou não fazer.

O objeto obrigacional segue os mesmos requisitos de validade do objeto

do negócio jurídico (art. 104, II, CC), isto é, deve ser possível, lícito,

determinado ou determinável. Além desses, possui um requisito especial, que é a

patrimonialidade, ou seja, o objeto da obrigação deve ser suscetível de avaliação

econômica.

a) Objeto possível: a possibilidade do objeto está relacionada à viabilidade

de sua prestação. A impossibilidade do objeto leva à nulidade do negócio (art.

166, II, CC). Assim, o objeto deve situar-se dentro dos limites da capacidade

humana (possibilidade física ou material), da permissão legal e da comercialidade

dos bens (possibilidade legal e jurídica) (RIZZARDO, 2009). Estipulações com

objeto impossível não obrigam o devedor.

Cumpre ressaltar que a impossibilidade deve ser real e absoluta para

desonerar o devedor. Não o desonera a mera dificuldade ou a impossibilidade

relativa, circunscrita apenas ao devedor. Não é impossível a obrigação pela

incapacidade ou insuficiência patrimonial.

b) Objeto lícito: é aquele que não atenta contra a lei, a moral, os bons

costumes e a ordem pública. Serão ilícitos os objetos de contrato que objetive

usura, contrabando, concubinato, comercialização de órgãos humanos para

transplantes. Não é necessária lei tipificando o objeto como criminoso ou

desonesto. A obrigação que tem objeto ilícito é nula (art. 166, II, CC).

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c) Objeto determinado ou determinável: o objeto da obrigação deve ser

individualizado quando da sua constituição (determinado) ou passível de

individualização posterior (determinável), quando o devedor for cumprir a

obrigação. Desta forma, admite-se a venda de coisa incerta, indicada apenas

pelo gênero e quantidade (art. 243, CC), bem como a venda alternativa (art.

252, CC).

d) Objeto economicamente apreciável: o objeto da obrigação deve ser

suscetível de avaliação pecuniária, pois caso contrário não interessa ao mundo

jurídico. Deve-se diferenciar o objeto da obrigação (sempre de caráter

patrimonial) e o interesse (origem, fonte, causa) do credor, o qual pode não ser

patrimonial. O exemplo clássico dessa diferenciação é a obrigação de indenizar

por dano moral pela honra atingida.

3.3 Vínculo jurídico: essência da relação obrigacional

A essência da obrigação reside no vínculo jurídico, isto é, no liame entre o

credor e o devedor e que confere ao primeiro o direito de exigir do segundo o

cumprimento da prestação.

O vínculo jurídico é composto de dois elementos – débito (elemento

pessoal – dar, fazer, não fazer) e responsabilidade (elemento patrimonial -

garantia).

Pelo vínculo do débito (schuld) a lei sugere um comportamento ao

devedor, “como um dever ínsito em sua consciência, no sentido de satisfazer

pontualmente a obrigação, honrando seus compromissos.” (GONÇALVES, 2010,

p. 45). Trata-se da relação de direito material, ou seja, do direito subjetivo.

Através do vínculo da responsabilidade (haftung), o credor não

satisfeito tem direito de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação,

submetendo à execução os bens do devedor (garantia). Trata-se da pretensão

judicial do credor de exigir a garantia da obrigação, ou seja, o patrimônio do

devedor (art. 391, CC e 591, CPC).

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Assim, em regra, na relação obrigacional, débito e responsabilidade vêm

sempre juntos.

Por outro lado, é possível uma relação jurídica sem o vínculo da

responsabilidade, como no caso da dívida prescrita (existe apenas o vínculo do

débito entre os sujeitos), ou sem o débito, como aquela formada apenas pelo

vínculo da responsabilidade, quando um dos sujeitos apenas tem a função de

garantir, com o seu patrimônio, o cumprimento da obrigação, caso o devedor

não o faça. Trata-se da relação formada entre o credor e o garantidor, tal como

o fiador, o avalista, etc. Nesta há uma relação de responsabilidade sem débito.

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4 FONTES DAS OBRIGAÇÕES

Fontes, no sentido jurídico, significa a causa ou origem dos institutos, isto

é, todo fato jurídico que origina uma obrigação.

De acordo com as Instituições de Justiniano (Gaio) as fontes das

obrigações eram o contrato (todo ato jurídico lícito) e o delito (atos ilícitos).

Já no Período Bizantino eram consideradas fontes das obrigações o

contrato (acordo de vontades), o delito (ato ilícito doloso), o quase-contrato

(atos lícitos não contratuais, ex.: gestão de negócios); e o quase-delito (atos não

delituais, equiparados aos delitos na prática)8.

No Direito Medieval as fontes eram o contrato, quase-contrato, delito

(ilícito doloso), quase-delito (ilícito culposo - negligência, imprudência, imperícia).

As teorias modernas refutam o quase-contrato e o quase-delito. Assim,

alguns doutrinadores vão dizer que apenas o contrato e a lei são fontes de

obrigações. Por outro lado, há entendimento de que compõem as fontes das

obrigações os atos jurídicos (contratos e atos unilaterais), atos ilícitos,

enriquecimento sem causa e lei.

O Prof. César Fiuza leciona que, no primeiro momento, as fontes de

obrigações são a vontade e a lei. Mas há, também, o fato derivado da

necessidade, movido pela vontade, sobre o qual incide a norma jurídica.

Portanto, a obrigação nasce do ato humano e da lei.

Pode-se concluir que a lei é fonte imediata e mediata das obrigações.

Assim, no exemplo da obrigação alimentar, a lei é fonte imediata, isto é, direta

da obrigação. Já nos contratos, atos unilaterais de vontade e ato ilícito, a lei é

fonte mediata, ou seja, indireta, pois aqui a lei dá respaldo para o ato ou fato

jurídico gerar os efeitos obrigacionais.

O CC/2002 adotou como fontes os contratos, atos unilaterais de vontade e

atos ilícitos. Mas não esgota a enumeração das fontes das obrigações. Ex.:

obrigação alimentar (interesse de natureza superior).

8 O critério de distinção entre essas fontes era a vontade, intenção. Assim, o delito era intencional; o quase-contrato era sem consenso prévio e o quase-delito era involuntário (ex.: objeto que cai da fachada do prédio).

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5 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

O desenvolvimento histórico do Direito das Obrigações pode ser dividido

em dois momentos. O primeiro em que a garantia do credor estava na própria

pessoa do devedor e, o segundo, em que essa garantia se desloca para o

patrimônio do devedor.

5.1 - Da despatrimonialização à patrimonialização: desloca a garantia da

obrigação da pessoa do devedor para seu patrimônio.

Pode-se iniciar por uma fase pré-romana, em que ainda não é possível

visualizar o direito obrigacional, pois os diversos grupos eram muito hostis e por

isso não se relacionavam. Persistia a ideia de força. Ex.: direito de propriedade

que o dono dispunha sobre a coisa.

No Direito Romano a ideia de força se transferiu para o Direito das

Obrigações. Nesta fase o direito obrigacional encontra-se bem estruturado,

distinguindo direito de crédito e direito real (relação do sujeito com uma coisa -

posse, propriedade).

Mas no início o devedor respondia com seu próprio corpo pelo

cumprimento da obrigação (idéia de força, de poder sobre a coisa). Assim, o

devedor inadimplente era tratado como coisa para o credor (escravo). O corpo

do devedor inadimplente era objeto de propriedade do credor.

Assim, o credor aprisionava o devedor inadimplente (manus injectio –

ação para lançar mão do devedor; perda da liberdade), podendo vendê-lo ou

fazê-lo seu escravo. Em algumas regiões do Império Romano era permitido até

matá-lo e, se fossem vários credores, retalhar o corpo do devedor em tantos

pedaços quantos fossem os débitos. Por esse motivo, nesta época não se

transferia a obrigação, que tinha caráter estritamente pessoal.

Posteriormente, surge a Lex Poetelia Papiria (312 ou 326 a.C.), que

começa a pôr fim a execução com caráter pessoal, que já não era mais tão

adotada (VENOSA, 2009). O credor podia ficar com o devedor preso a serviço do

credor até a satisfação do crédito. Havia a possibilidade do devedor se livrar

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solto, jurando possuir bens suficientes para saldar a dívida. Essa lei significou um

grande passo para a adoção do sistema de responsabilidade patrimonial.

Importante também foi a Constituição imperial de Antonino Pio (138 a 161

d.C.), que instituiu a execução pelo pignus in causa iudicati captum

(penhora realizada em razão do julgamento). A partir desse momento, a

execução que tinha cunho eminentemente privado (como uma espécie de

vingança do credor contra o devedor inadimplente) passa a ser estatal.

Essa nova forma de execução foi precursora da moderna execução. Por

meio dessa, os bens do devedor eram penhorados, de forma proporcional à

dívida, e o juiz (pretor) mandava vendê-los e realizar o pagamento ao credor. Já

se admitia a gradação dos bens a serem penhorados (móveis – escravos,

dinheiro –, imóveis e créditos), bem como a ordem de privilégio entre os

credores. Desta forma, o Estado estava presente em todas as fases da execução

da dívida.

O direito obrigacional evolui de acordo com a história da expansão da

economia no mundo. Assim, evoluiu do individualismo econômico, característico

da época romana e retomado no século XIX pelo Código Civil de Napoleão9, para

o campo social, influenciado pelas Encíclicas e pelos movimentos sociais, bem

como para o dirigismo contratual10, com a predominância do princípio da ordem

econômica.

5.2 - Da patrimonialização à despatrimonialização

Como se viu, a estrutura do Direito das Obrigações no Direito Romano era

bem definida: credor, devedor e objeto (prestação). Assim, desde o período pré-

clássico até fins do século XX, o conceito de obrigação manteve-se intacto aos

olhos dos juristas, que viam a obrigação como vínculo jurídico que forçava o

devedor a realizar uma prestação de conteúdo econômico em favor do credor.

9 Código Civil de Napoleão (1804) - índole liberal, inspirado em ideais liberalistas da Revolução Francesa. Impulsionou o princípio do "pacta sunt servanda"; total ausência do Estado. 10 Intervenção do Estado com a função de fiscalizar a sociedade e dirigi-la economicamente (século XX). Atualmente o Estado deve fiscalizar a atividade privada e orientar os rumos econômicos do país, mas sem exageros. A intervenção estatal deve se basear no interesse público, na dignidade humana, caso contrário será arbitrária.

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Dessa forma, no Direito Romano o devedor era visto como coisa e,

portanto, o seu próprio corpo respondia pelo débito (despatrimonialização).

Essa coisificação do devedor imperou durante muito tempo, gerando injustiças, o

que culminou com a edição da Lex Poetelia Papiria, responsável por abolir o

vínculo entre o “devedor-coisa” e seu credor. Percebe-se o desejo romano de

humanizar suas relações obrigacionais. Com a evolução intelectual veio a se

deslocar a responsabilidade do corpo do devedor para seu patrimônio. Esse é o

fenômeno da patrimonialização.

No século XVIII inicia-se na história do Direito um período conhecido pelas

Codificações, pelo princípio da soberania nacional e pelos direitos subjetivos do

cidadão. O costume como principal fonte do Direito perde expressivo espaço

para as legislações escritas.

Os valores do Direito Civil centravam-se nos próprios Códigos Civis. O

Direito Civil bastava-se para a resolução de seus conflitos, não se cogitando de

buscar outras fontes. Havia uma grande dificuldade na linguagem dos Códigos e

das Constituições. Os primeiros tinham normas fechadas, com causas e

consequências habituais. A segunda tinha normas abertas, vagas e fluidas.

Exemplo disso é encontrado no ordenamento jurídico brasileiro: enquanto a CF

passou por seis grandes alterações, o Código Civil de 1916 permaneceu o

mesmo, pois as estruturas conceituais romanas persistiram inalteradas. Outro

ponto que dificulta a aproximação dessas normas é a dicotomia entre Direito

Privado e Direito Público, afirmando a repulsa entre o Direito Civil e a

Constituição.

A individualização, característica do Estado Liberal, permitia ao credor

exigir do devedor o pagamento da dívida, sem preocupar-se (ou o Estado –

intervenção mínima) com as consequências da execução. Deve-se lembrar que

este período foi marcado por guerras e várias pessoas encontravam-se em

estado de miséria do dia para a noite. O que era realmente visado era o

pagamento (patrimonialização), conduzindo, em muitos casos, à perda das

condições básicas da dignidade humana.

Esse individualismo, como por exemplo, a autonomia da vontade, fonte

geradora de obrigações contratuais, muitas vezes se sobrepunha à própria Lei,

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devido à “ausência” do Estado. Neste contexto, nascem no século XVIII pontos

que despertam o interesse de acadêmicos na resolução da questão, até então

tratada muito mais de maneira econômica do que social.

Nesta época surgem idéias para fundamentar a despatrimonialização

do Direito das Obrigações: soberania do povo, separação dos poderes, direito

do homem, direito natural, direitos subjetivos inalienáveis, intervenção mínima,

personalidade, individualização, proporcionalidade de penas, devido processo

legal, igualdade perante a lei, dentre outros tantos que surgiram juntamente com

o liberalismo. Neste sentido, o objetivo é passar da patrimonialização para à

despatrimonialização 11.

Entretanto, nada de concreto ocorreu quanto à despatrimonialização,

no sentido da passagem do foco do Direito das Obrigações do patrimônio para a

pessoa. Mas de grande importância foram os estudos sobre o assunto nessa

época, pois a compreensão de que certos direitos devem ser respeitados e

garantidos permitiu que as relações jurídicas se humanizassem, levando ao

seguinte questionamento, a ser respondido nos séculos seguintes: deveriam os

direitos básicos ser preservados acima de outros direitos, deveres e obrigações?

A Revolução Industrial e a Revolução Russa conscientizaram o mundo da

necessidade de formas de garantias para assegurar ao trabalhador um nível de

vida conforme à obediência do princípio da dignidade humana. Foram as

conquistas dessas revoluções sociais e intelectuais que propiciaram ao legislador

do final do século XX e início do XXI compreender a importância de proteger,

muitas vezes, acima de direitos, deveres e obrigações, aqueles preceitos

fundamentais consagrados pela história.

O positivismo do século XIX perde força para a observação de

conteúdos mínimos de ética e razoabilidade na formulação e aplicação

das leis.

Nota-se, em certos aspectos, a inversão do núcleo do Direito das

Obrigações, do patrimônio para a pessoa do devedor. O maior interesse nesse

momento deixa de ser a execução da dívida. A proteção de uma situação de vida

11 Aqui, o sentido de despatrimonialização do Direito das Obrigações é a preocupação com a pessoa do devedor e não com o simples pagamento da dívida, sem se preocupar com as consequências que este pagamento pode trazer ao devedor.

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que permita exercer a cidadania e mantenha intacta a dignidade humana, passa

a ser prioridade para a sociedade e os governantes. Os valores éticos

penetram nos seculares institutos civis, relativizando o teor

patrimonialista. Exemplos:

• Lei n. 8.009/90 – impenhorabilidade do bem de família; art. 6.º, CF –

direito fundamental social: moradia; • Lei n. 11.101/05 (lei falimentar), que visa proteger a continuação da

empresa em crise – fundamento: a empresa falindo gera desemprego e insegurança econômica. Mostra a preocupação em proteger os empregados, deixando a insolvência de dívidas para o plano secundário do Direito das Obrigações.

• Art. 1.º, III da CF - fundamento da República Brasileira: dignidade da pessoa humana;

• Art. 3.º, I da CF- objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Dessa maneira, o contrato já não se rege, exclusivamente, pela autonomia

da vontade ou pela propriedade individual, mas pelos princípios fundados na

pessoa humana, assim como na possibilidade de sua promoção diante do atual

modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito (art. 421 do Código Civil).

O conceito de obrigação começa a se modificar, preocupando-se com as

circunstâncias econômicas e sociais do devedor, sendo interpretado com valores

tais como a boa-fé (art. 422, do Código Civil).

Conclui-se que a teoria da despatrimonialização defende o

devedor através dos direitos constitucionais, isto é, prima pelo uso do

Direito Civil apenas após garantidos os preceitos básicos do cidadão,

como, por exemplo, assegurar a execução de forma mais humana para o

devedor.

Percebe-se que não há mais aquele abismo entre direito público e privado,

pois ambos são interpretados à luz da Constituição, no chamado Direito Civil

Constitucional. Assim, ao Direito Civil cabe coibir abusos, reequilibrar posições,

estabelecer limites, buscando resguardar a dignidade da pessoa humana, reduzir

as desigualdades e promover a solidariedade, que são fundamento e objetivos

previstos na Constituição Federal.

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O direito civil constitucional tem como fundamento a superação da lógica

patrimonial (proprietária, produtivista, empresarial) pelos valores existenciais da

pessoa humana, que se tornam prioritários no âmbito do direito civil.

5.3 – Posição do Direito das Obrigações no Código Civil

O Direito não vive sem obrigações. O Direito das Obrigações serve a

vários ramos do Direito - Direito de Família (casamento, parentesco, dever

alimentar), Direitos Reais (penhor, hipoteca), Direito das Sucessões, etc.

A importância do direito das obrigações está na vida econômica; no

mundo consumerista; na distribuição e circulação de bens. As relações

obrigacionais estruturam o regime econômico.

O desenvolvimento histórico do Direito das Obrigações e as mudanças

ocorridas podem ser percebidos no posicionamento das normas no Código Civil

antigo e no atual.

Código Civil 1916: encontrava uma sociedade estável, agrária e

conservadora. A Parte Especial do Código assim estava dividida:

1º - Direito de Família: "pai de família" 2º - Direito das Coisas: "proprietário" 3º - Direito das Obrigações.

Código Civil 2002: o livro do Direito das Obrigações foi sistematizado por

Agostinho Alvim. Os princípios e a técnica do Direito Obrigacional influem em

todos os campos do Direito.

O 1º Livro da Parte Especial é o Direito das Obrigações - logo após a Parte

Geral. Houve, inclusive, uma unificação parcial do Direito Privado: teoria geral

das obrigações contém normas de Direito Civil e Comercial.

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ELEMENTOS DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL (ESTRUTURA) 1. SUJEITOS: Credor Devedor 2. OBJETO: prestação pessoal do devedor Modalidades: DAR, FAZER e NÃO FAZER 3. VÍNCULO JURÍDICO: liame que liga os sujeitos ao objeto. Elementos essenciais: débito (schuld) e responsabilidade (haftung)

6 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

6.1 Quanto ao OBJETO (dar, fazer, não fazer)

- positivas: DAR e FAZER (uma prestação, um agir) - negativas: NÃO FAZER - pessoais: FAZER e NÃO FAZER, pois exigem o emprego de recursos

físicos, morais e pessoais do devedor. Ex.: prestação de serviço, mandato. A responsabilidade limita-se à pessoa do devedor. Ex.: prestação de serviço – morte (art. 607); mandato – morte (art. 682, II).

- materiais: DAR, destaque de bem do patrimônio do devedor para se agregar ao do credor. Ex.: transferência de domínio, de posse, restituição.

Não têm limites quanto à responsabilidade; transferem-se aos herdeiros, dentro dos limites da herança.

=> importância da distinção: determinação da responsabilidade do devedor.

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6.1.1 OBRIGAÇÕES DE DAR

Consiste na entrega de alguma coisa ao credor, seja transferindo-lhe a propriedade, a posse ou apenas o uso, ou restituindo-lhe a coisa (o credor recupera a posse ou a detenção da coisa entregue ao devedor – ex.: comodato).

A obrigação de dar se concretiza através da tradição, que é o ato de

entrega ou restituição da coisa. O contrato cria apenas obrigações e direitos,

ou seja, não transfere a propriedade de uma coisa móvel, o que se faz pela

tradição, ou pelo registro para coisa imóvel. Ex. contrato de compra e venda -

art. 481, CC.

A tradição pode ser real (entrega efetiva do material), simbólica

(representada por ato que traduz – ex. chaves do carro), fícta (constituto

possessório ou cláusula constituti - estipulação expressa - ex.: vendedor que se

torna locatário com a venda do imóvel).

Nas obrigações de dar também deve-se observar a regra de que o

acessório segue o principal (art. 233, CC). Assim, na compra de um imóvel, as

benfeitorias também fazem parte da aquisição. As partes podem estipular o

contrário, estabelecendo o que será excluído da obrigação.

RESERVA DE DOMÍNIO – COMPRA E VENDA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA – AUSÊNCIA DE RESSALVA QUANTO AO ACESSÓRIO NÃO ACOMPANHAR O PRINCIPAL – ADMISSIBILIDADE – Os acessórios acompanham o principal em seu destino; o proprietário do principal, salvo exceção legal ou convencional, é o proprietário dos acessórios; os acessórios assumem natureza do principal. À coisa principal por tal modo estão unidos que, dele separadas, esta ficaria incompleta. (2º TACSP – Ap. c/ Rev. 614.841-00/8 – 11ª C. – Rel. Juiz Mendes Gomes – DOESP 19.04.2002)

Para se determinar o que é principal e o que é acessório, deve-se verificar

o art. 92 do Código Civil. Assim, principal é a coisa que tem existência própria e,

acessória, a que depende da existência da principal.

Desta forma, são considerados acessórios os frutos, produtos e

benfeitorias. As pertenças (ex.: mobiliário) não são acessórios (art. 93, CC).

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A obrigação de dar pode ter por objeto coisa certa ou coisa incerta. A

importância nesta divisão se refere ao perecimento (perda ou deterioração) e ao

surgimento de melhoramentos da coisa antes da tradição.

I - OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA

Neste tipo de obrigação a coisa é individualizada, distinguindo-se das

demais por características próprias. Ex.: veículo marca ..., modelo...., ano ....,

cor..., placa ...., chassis ....

Em se tratando de obrigação de dar coisa certa, o credor não está

obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa, nem o devedor, a

entregar outra, ainda que menos valiosa (art. 313).

As normas são diferentes se a obrigação de dar tiver como prestação a

entrega ou a restituição de uma coisa certa. Entretanto, uma regra deve

prevalecer: “res perit domino suo” (raiz no Código de Hamurabi) – em caso de

perda ou deterioração da coisa, por caso fortuito ou força maior, suportará o

prejuízo o seu proprietário.

a) OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DE COISA:

Se a coisa a ser entregue se perder (perecimento total - extravio, furto,

roubo) antes da tradição deve-se observar o art. 234, CC:

- Perda da coisa sem culpa do devedor: resolve-se a obrigação, com

restituição do preço mais correção monetária. Ex.: roubo do carro antes da

tradição. Se ainda não houver pago pelo objeto, simplesmente resolve-se a

obrigação.

- Perda da coisa com culpa do devedor: indenização pelo valor da coisa

mais perdas e danos. Ex.: devedor bate o carro, por imprudência, dando perda

total. Se ainda não houver pago pelo objeto, o credor pode exigir indenização

pelos prejuízos resultantes da não realização do negócio.

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Se a coisa a ser entregue se deteriorar (perecimento parcial) antes da

tradição deve-se observar as seguintes normas:

- Deterioração da coisa sem culpa do devedor: resolve-se a obrigação,

com restituição do preço mais correção monetária ou abatimento proporcional no

preço (art. 235). Ex.: carro levemente amassado por chuva de granizo.

- Deterioração da coisa com culpa do devedor: a obrigação se resolve em

perdas e danos ou o credor pode optar em receber a coisa no estado em que se

encontrar, abatendo-lhe o preço proporcionalmente aos prejuízos (art. 236). Ex.:

carro levemente amassado por imprudência do devedor (motorista).

b) OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR COISA:

A restituição é a devolução da coisa recebida pelo devedor (contratos de

comodato, locação, depósito). Assim, se a coisa a ser restituída se perder

(perecimento total) antes da tradição deve-se observar o seguinte:

- Perda da coisa sem culpa do devedor: a coisa perece para o dono

(credor), que suportará o prejuízo, sem direito à indenização, ressalvando seus

direitos até o dia da perda (art. 238).

- Perda da coisa com culpa do devedor: o devedor responde pelo valor do

objeto mais perdas e danos (art. 239).

APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO – LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO – ARTIGO 607 DO C.P.C – Hipótese de execução para entrega de coisa certa, que foi convertida em perdas e danos,

pela impossibilidade culposa de devolução dos bens, nos termos do artigo 627 do CPC. A execução deve refletir o valor mais aproximado possível dos bens, cuja entrega restou inviabilizada pela UNIÃO, que os leiloou. Em se cuidando de peças de decoração e móveis antigos, trabalhados, e que guarneciam suntuoso palacete em Portugal, devem ter seu valor apurado por profissional tecnicamente especializado, nos moldes do artigo 607, do CPC. O valor da execução, no caso, não pode ser fixado com base em estimativa feita pelo fiscal de tributos que efetuou a apreensão dos bens, que não tem qualificação técnica para

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avaliar antiguidades. Provida a apelação da parte, para determinar o prosseguimento da execução, com a realização da perícia, e prejudicado o exame do recurso da União. (TRF 2ª R. – AC-EEx 1999.51.01.059105-3 – 6ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Couto de Castro – DJU 05.11.2003 – p. 229/230) JCPC.607 JCPC.627

Se a coisa a ser restituída se deteriorar (perecimento parcial) antes da

tradição deve-se observar o seguinte:

- Deterioração da coisa sem culpa do devedor: o credor a recebe no

estado em que se encontrar, sem direito à indenização (art. 240).

- Deterioração da coisa com culpa do devedor: o devedor responde pelo

valor da coisa mais perdas e danos (art. 239). Há doutrinadores que defendem a

possibilidade do credor recebê-la como se encontra e reclamar perdas e danos,

conforme o Enunciado 15 da I Jornada de Direito Civil (2002): Art. 240: as

disposições do art. 236 do novo Código Civil também são aplicáveis à hipótese do

art. 240, in fine.

c) DIREITO AOS MELHORAMENTOS, ACRÉSCIMOS E FRUTOS NAS

OBRIGAÇÕES DE DAR:

É considerado melhoramento a mudança em valor, utilidade,

comodidade, na condição ou no estado físico da coisa. O acréscimo é aquilo

que acrescenta à coisa, aumentando-a.

Na obrigação de entregar coisa certa os melhoramentos e acrescidos

pertencem ao dono (devedor) até a tradição (art. 237, CC). Nesta situação o

devedor pode exigir aumento no preço pelo acréscimo ou a resolução da

obrigação se o credor não aceitar o aumento. Ex.: compra de animal. Na época

da tradição descobre-se que o animal está prenhe.

Já os frutos, conforme parágrafo único do art. 237, se percebidos,

pertencem ao devedor; se pendentes, pertencem ao credor.

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Na obrigação de restituir coisa certa deve-se observar se houve despesa

ou trabalho do devedor (art. 241, CC). Em caso negativo, o lucro é do credor

(dono da coisa) que não terá que indenizar pelo melhoramento ou acréscimo.

Exemplo: “empréstimo de um objeto de ouro. Se durante o empréstimo o ouro

sofrer grande valorização, a vantagem é do credor.” (VENOSA, 2009, p. 67).

Se, por outro lado, houve despesa ou trabalho do devedor, deve-se

observar o art. 242, CC, que remete aos efeitos da posse quanto às benfeitorias

realizadas (art. 1.219, CC).

Assim, se o devedor for considerador possuidor de boa-fé receberá

indenização pelos acréscimos necessários e úteis, bem como poderá exercer

direito de retenção. Quanto aos acréscimos voluptuários terá direito de levantá-

los. Se for considerado possuidor de má-fé, o devedor terá direito, apenas, à

indenização pelos acréscimos necessários, sem direito de retenção (art. 1.220,

CC).

Quanto aos frutos, na obrigação de restituir, também se observa a norma

referente posse. O devedor tem direito aos frutos até cessar a boa-fé (art.

1.214). Se considerado de má-fé, responde por todos os frutos colhidos e

percebidos, mas tem direito às despesas de produção e custeio.

II - OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA

Para alguns autores a obrigação pecuniária é uma espécie particular de

obrigação de dar (GONÇALVES, 2012; VENOSA, 2009), pois se trata da entrega

de dinheiro. O objeto da prestação é dinheiro e não uma coisa.

Nesta forma especial de obrigação de dar alguns conceitos são

importantes.

O primeiro se refere ao princípio do nominalismo, previsto no art. 315,

CC. Segundo esse princípio, o valor a ser pago é a quantidade em moedas

estipulada, e não aquilo que elas poderiam ser convertidas na época do contrato.

Desta forma, a desvalorização ou valorização não é levada em conta no

momento do pagamento. O nominalismo se assenta na premissa de preservação

do valor monetário da moeda, devido à estabilidade e à conservação do poder

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aquisitivo em determinado período de tempo. Assim, nas dívidas pecuniárias não

se admite a atualização do valor nominal, que permanece inalterado, mesmo que

tenha ocorrido desvalorização da moeda, motivo pelo qual o devedor realiza o

pagamento de acordo com o que foi estipulado no início, sem suportar os efeitos

da perda do poder aquisitivo, que é ônus do credor.

Entretanto, o próprio art. 315 abre a possibilidade de disposição em

contrário ao princípio do nominalismo. Trata-se do art. 316, que trata da

cláusula de escala móvel, a qual prevê o reajuste da prestação conforme os

índices de custo de vida (IGPM, INPC, IPC, etc), ou seja, combate os efeitos

maléficos da desvalorização monetária (inflação). O reajuste não pode ter

periodicidade menor que 1 (um) ano12.

Há, ainda, a possibilidade de revisão do valor, prevista no art. 317, com

aplicação da teoria da imprevisão13. Exemplo: maxidesvalorização do Real em

1999 – fato extraordinário e imprevisível que causou onerosidade excessiva para

o devedor, nos contratos da época que tinham a moeda americana como índice

de correção.

O atual Código Civil proíbe a convenção de pagamentos em ouro ou

moeda estrangeira (art. 318), salvo para os casos expressos em lei: contratos e

títulos referentes à importação ou exportação de mercadorias; contratos de

compra e venda de câmbio em geral (Dec. Lei n. 857/69).

Sobre as dívidas de dinheiro também é importante distinguir os termos

curso legal e curso forçado. No Brasil, a única moeda admitida pela lei como

meio de pagamento é o Real, portanto ela não pode ser recusada14, o que

significa dizer que o Real possui curso legal15. Por outro lado, não se pode

falar que o dólar tem curso legal, pois ninguém é obrigado a recebê-lo no país.

12 Conforme Lei n. 10.192, de 14/02/2001 – art. 2º, §1º. 13 Enunciado 17- Art. 317: A interpretação da expressão “motivos imprevisíveis” constante do art. 317 do novo Código Civil deve abarcar tanto causas de desproporção não-previsíveis como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis. (I Jornada de Direito Civil, 2002) 14 A recusa em receber moeda que possui curso legal é contravenção penal: LCP. Art. 43 - Recusar-se a receber pelo seu valor, moeda de curso legal do País: Pena - multa. Exceção: moeda metálica, conforme a Lei n. 8.697/93, através do art. 9º, que determina: “Ninguém será obrigado a receber, em qualquer pagamento, moeda metálica em montante superior a cem vezes o respectivo valor da face.” 15 Conforme art. 1º da Lei n. 9.069/95: Art. 1º A partir de 1º de julho de 1994, a unidade do Sistema Monetário Nacional passa a ser o REAL (Art. 2º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994), que terá curso legal em todo o território nacional.

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Também pode-se afirmar que o Real possui curso forçado, pois os

pagamentos não podem ser efetuados por outro padrão monetário, como dólar

ou euro. Somente pode-se fazer negócios no Brasil com a moeda nacional, ou

seja, o Real.

As despesas com o pagamento e quitação da obrigação são por conta do

devedor (art. 325). Assim, se o local do pagamento é Belo Horizonte e o devedor

mora em Contagem, as despesas de deslocamento são dele. Por outro lado, se

houver aumento por fato do credor, esse não pode ser transferido para o

devedor. Ex.: despesa para emissão de boleto bancário.

Se o pagamento for por medida ou peso, no silêncio das partes sobre a

medida a ser adotada, vale aquela do lugar da execução (art. 326). Ex.:

alqueires mineiro; alqueires paulista.

III - OBRIGAÇÃO DE DAR COISA INCERTA

Neste tipo de obrigação o objeto é determinável, pois há indicação pelo

gênero e pela quantidade (art. 243), não se determinando, no momento de sua

constituição, a qualidade (espécie) da coisa. Há uma indeterminação transitória.

Ex.: a entrega de dez sacas de café.

Assim, a principal característica dessa modalidade de obrigação está na

indeterminação do objeto no início da relação. Normalmente, esse objeto são

coisas que se determinam por peso, número ou medida.

No instante do pagamento a coisa deve estar determinada para que o

devedor possa cumprir a obrigação. Assim, é necessário que se faça o ato de

escolha unilateral, ou seja, a definição do objeto, que se denomina ato de

concentração. É necessária a exteriorização da concentração, seja pela

entrega, pelo depósito em pagamento, pela constituição em mora ou qualquer

outro ato jurídico que importe a cientificação da outra parte.

Após a escolha e exteriorização se tem a definição da coisa, tornando-se

coisa certa, vigorando, a partir de então, as normas a ela atinentes (art. 245,

CC).

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O direito de escolha caberá ao devedor, salvo se houver estipulação em

contrário (art. 244, CC). Se a escolha couber ao credor e ele não a fizer até o

momento do pagamento, o devedor deverá citá-lo para que a faça, sob pena de

perder esse direito, que passará ao devedor (art. 342, CC). Percebe-se, assim,

que o devedor se encontra em situação mais cômoda, porque se libera com uma

das coisas compreendidas no gênero indicado, à sua escolha.

Entretanto, existem limites para a escolha, que se baseia no critério da

qualidade média ou intermediária. Portanto, a escolha deve se basear no meio

termo entre os congêneres da melhor e da pior qualidade (art. 244). Se o

devedor quiser, pode entregar o objeto de melhor qualidade, mas não está

obrigado a isso.

Para as obrigações de dar coisa incerta aplica-se o princípio genus

nunquam perit, ou seja, o gênero não perece. Desta forma, não é possível falar

em perecimento da coisa antes da tradição, nem mesmo por força maior ou caso

fortuito (art. 246, CC).

6.1.2 OBRIGAÇÕES DE FAZER

Consiste em uma atividade ou conduta do devedor. Pode ser a prestação de uma atividade física ou material (ex.: reparo de um equipamento, pintar a casa, levantar um muro) ou uma atividade intelectual, artística ou científica (ex.: escrever um livro).

A obrigação de fazer pode consistir em simples prestação do serviço fático

ou intelectual, na qual importa ao credor, simplesmente, a força ou energia do

devedor. Neste caso o trabalho é aferido pelo tempo, gênero ou qualidade. Ex.:

pintar uma parede.

Pode, ainda, consistir no trabalho determinado pelo produto ou resultado,

isto é, na realização de uma obra, seja intelectual ou material. O interesse do

credor está no produto ou resultado final do trabalho do devedor. Ex.: escrever

um livro; construir uma casa; fotografar um evento.

A obrigação e dar e a obrigação de fazer são positivas. Mas elas são

distintas no interesse do credor e nas consequências do inadimplemento.

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Todavia, pode ocorrer de num mesmo contrato coexistirem as duas espécies

(ex.: empreitada mista).

Obrigação de dar Obrigação de fazer

O interesse do credor concentra-se no objeto da prestação, sendo irrelevantes as características pessoais ou qualidades do devedor.

As características pessoais ou qualidades do devedor são relevantes.

As espécies da obrigação de fazer são:

a) infungível, imaterial ou personalíssima (intuitu personae): exige o

cumprimento pessoal da obrigação (art. 247). A contratação é realizada em

função dos atributos pessoais do devedor. Não se cogita sua substituição por

outra pessoa, preposto ou representante. A infungibilidade pode decorrer da

própria natureza da prestação, ou seja, das qualidades profissionais, artísticas ou

intelectuais do contratado. Não se pode fazer substituir por outro, mesmo que

inexista cláusula expressa neste sentido. Ex.: cirurgia plástica com renomado

cirurgião plástico; espetáculo musical com cantor famoso.

b) Fungível, material ou pessoal: o serviço não depende de qualidades

essenciais do devedor, podendo ser realizado por terceiro (art. 249). Nesse tipo,

o que importa é o resultado, não quem vai fazê-lo. Ex.: conserto de um

eletrodoméstico; procedimento estético realizado por estagiário (site de compra

coletiva).

Nas obrigações de fazer, quando há descumprimento, não é possível exigir

coercitivamente a prestação do devedor, tendo em vista sua liberdade individual.

Assim, deve-se observar as causas do inadimplemento e as sanções previstas na

lei:

i) se a prestação se tornou impossível sem culpa do devedor, a obrigação

se resolve e o credor arcará com as perdas e danos, pois a responsabilidade do

devedor está afastada (art. 248, primeira parte). Ex.: Cantor fica impedido de

chegar ao local da apresentação, por interrupção do único caminho por onde

deveria passar. Ressalte-se que a impossibilidade deve ser total. A mera

dificuldade ou o obstáculos ocasional não exonera o devedor. Se a prestação for

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fungível, em alguns casos é possível sua realização. Ex.: um membro do grupo

musical foi acometido de doença, mas é possível sua substituição. Neste caso

permanece o dever de apresentação;

ii) se a prestação se tornou impossível com culpa do devedor ou ele se

recusa a prestá-la. Nesta situação o credor pode converter a obrigação em

indenização por perdas e danos (art. 248, segunda parte; art. 247). Ex.:

profissional contratado para realização de determinado serviço e não o atende

por desleixo.

Se a prestação é fungível, é permitido ao credor optar pela execução

específica, requerendo que ela seja executada por terceiro, à custa do devedor

faltoso (art. 249).

Se a prestação é infungível, além das perdas e danos, pode o credor pedir

judicialmente (ação cominatória) a fixação de multa diária (astreintes) para

tentar compelir o devedor a realizar a prestação. A multa incide enquanto durar

o atraso no cumprimento da obrigação (art. 461 e §4º, CPC).

APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE COMPRA E VENDA PARTICULAR DE VEÍCULO - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º - POSSIBILIDADE - IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASTRIENTES - POSSIBILIDADE - DANOS MORAIS E COBRANÇA - INADMISSIBILIDADE. Por aplicação do artigo 515, § 3º, CPC, o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento, ou baixar os autos ao juízo de origem para regular marcha processual. A obrigação de fazer de natureza infungível ('intuitu personae'), é aquela prestação que, por sua natureza ou por determinação contratual, somente poderá ser levada a efeito pelo próprio devedor. Caberá ao julgador conceder um prazo razoável para o cumprimento da obrigação e na hipótese de descumprimento, a aplicação da multa. O valor da multa será fixado pela equidade, podendo ser alterada na execução, até se tornar motivadora do cumprimento da obrigação. Para condenação ao pagamento de danos morais, estes devem ser efetivamente comprovados pela parte, diferenciando-se dos meros dissabores do dia-a-dia. (MINAS GERAIS, TJ, 16ª Câmara Cível, AC n. 1.0024.06.975107-1/001, Rel. Des. Nicolau Masselli. Julgado em 21/11/2007. Publicado em 01/02/2008).

No processo relacionado à ementa da decisão acima, o autor vendeu um

veículo para o réu. O comprador assumiu a obrigação de fazer consistente em

proceder a transferência do consórcio do veículo para seu nome, tanto junto à

empresa de Consórcio quanto junto ao Detran, o que não foi realizado.

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6.1.3 OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER

Consiste na abstenção do devedor de uma prática que poderia livremente satisfazer.

Existem vários exemplos de obrigações negativas no próprio ordenamento

jurídico, tais como: art. 1.383 (servidão), art. 13 da lei de locações urbanas

(proíbe cessão, sublocação e empréstimo), art. 640 (depositante não pode

utilizar-se do bem), além das normas do Código Penal, Código de Trânsito, etc.

Entretanto, as obrigações de não fazer também podem se originar em

uma convenção (alienante de estabelecimento comercial a não se estabelecer no

mesmo ramo dentro de determinada região) ou sentença judicial (ex.: abster-se

de prosseguir uma obra embargada).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMÓVEL DE SUPOSTO VALOR HISTÓRICO E CULTURAL - AVERIGUAÇÃO POR AÇÃO DECLARATÓRIA - POSSIBILIDADE - ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DE ATO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PRÉDIO - REQUISITOS DA LIMINAR PRESENTES - POSSIBILIDADE - DECISÃO REFORMADA. - Manejada ação declaratória com o fim de se reconhecer o valor histórico-cultural do imóvel, é prescindível o interesse do Município em promover o tombamento do prédio. - Em se tratando de preservação do patrimônio histórico e cultural, havendo indícios da importância alegada e fundado receio de dano, consistente na comprovada intenção do proprietário de demolir o imóvel, impõe-se determinar obrigação de não fazer consistente na abstenção de praticar qualquer ato tendente a descaracterizar de qualquer forma o prédio, até o deslinde do feito. V.V. (...) (MINAS GERAIS, TJ, 2ª Câmara Cível, AI n. 1.0342.13.004034-4/001, Rel. Des. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA, Julgado em 26/11/2013. Publicado em 09/12/2013)

Não se admite abstenção em que se exija sacrifício excessivo da liberdade

do devedor ou que atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana.

Ex.: abstenção de sair à rua; não casar; não trabalhar, etc.

A inadimplência da obrigação de não fazer se dá no momento em que o

devedor executa o ato ao qual deveria se abster. O credor pode requerer

judicialmente o desfazimento e, no caso de recusa do devedor, mandar desfazê-

la à custa do inadimplente, reclamando, ainda, as perdas e danos que possam

ter resultado (art. 251).

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Pode o credor requerer, apenas, perdas e danos como consequência do

inadimplemento, por ser impossível o desfazimento do ato, ou seja, por não

poderem as partes voltar ao status quo ante. Ex.: divulgação de um segredo

industrial que prometeu não revelar.

Em caso de urgência, o próprio credor pode repor a situação ao estado

primitivo, facilitando a realização do seu direito (art. 251, parágrafo único).

Se a obrigação de não fazer se tornar impossível sem culpa do devedor, a

obrigação se resolve (art. 250). Exemplo: “devedor que se compromete a não

levantar muro, para não tolher a visão do vizinho, e vem a ser intimado pelo

Poder Público a fazê-lo.” (VENOSA, 2009, p. 86).

6.1.4 OBRIGAÇÕES LÍQUIDAS E ILÍQUIDAS

As obrigações de dar, fazer ou não fazer podem ser líquidas ou ilíquidas.

A obrigação líquida é certa quanto à sua existência e determinada

quanto ao seu objeto. Se se tratar de dinheiro, a obrigação líquida é aquela

expressa por uma cifra, por algarismos. Pode ter por objeto a entrega ou

restituição de um bem certo (obrigação de dar coisa certa), como por exemplo,

um veículo, ou a realização de um serviço (pintura de uma casa). Não falta

requisito para a obrigação ser cumprida.

Na obrigação ilíquida o objeto depende de prévia apuração, pois o valor

ou montante apresenta-se incerto. Deve a obrigação ilíquida ser convertida em

obrigação líquida para ser cumprida pelo devedor. Essa conversão se obtém em

juízo pelo processo de liquidação, quando a sentença não fixar o valor da

condenação ou não lhe individualizar o objeto. Também pode se dar pela

transação (acordo entre as partes).

Há certa semelhança entre a obrigação de dar coisa incerta e a obrigação

ilíquida. Entretanto, na primeira, a incerteza nasce com a própria obrigação,

sendo característica inerente à sua existência. Na obrigação ilíquida a incerteza

não é originária, pois o devedor sabe o que deve, faltando apenas apurar o seu

montante.

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O processo judicial de liquidação tem por finalidade apurar o valor devido

ou individualizar o objeto da condenação (art. 475-A, CPC). Ex.: processo

trabalhista ou processo de indenização (obrigação de reparar danos causados em

acidente de veículo – obrigação de dar coisa certa (dinheiro) e ilíquida, pois, a

princípio, não se pode precisar o valor exato).

No Código não há seção específica para tratar das obrigações líquidas e

ilíquidas. Assim, devem ser observadas algumas disposições práticas.

a) O inadimplemento de obrigação positiva (dar e fazer) e líquida, em

seu termo (data fixada para pagamento), acarreta, automaticamente, a mora do

devedor (aplicação de multa, juros de mora) – art. 397.

b) O devedor é obrigado a pagar os juros de mora desde que lhes esteja

fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as

partes, ou seja, desde que o montante do débito tenha se tornado líquido – art.

407.

c) a liquidez das dívidas é requisito da compensação legal, pois somente

se compensam dívidas cujo valor seja certo e determinado, expresso por uma

cifra – art. 369. Ex.: O devedor tem que pagar R$ 100 devido a uma Nota

Promissória. O mesmo devedor tem uma ação de indenização contra o credor da

nota promissória e pretende compensar o valor. Não pode faze-lo, pois ele só

tem o direito de crédito na ação de indenização. Esta ainda não tem valor.

d) A imputação (indicação) de pagamento somente é possível se as

dívidas forem líquidas e vencidas – art. 352.

e) A execução de título extrajudicial só é possível se o título for líquido,

certo e exigível (vencido). Ex.: cheque, nota promissória, duplicata. (art. 586,

CPC)

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6.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO VÍNCULO JURÍDICO

O vínculo jurídico da obrigação é o liame entre o objeto e os sujeitos.

Nesse vínculo encontram-se os elementos essenciais da obrigação – débito e

responsabilidade. Assim, as obrigações podem ser civis ou naturais.

Nas obrigações civis o vínculo é perfeito, ou seja, dotado de débito e

responsabilidade. São protegidas pelo Direito Positivo e, se não cumpridas,

podem ser exigidas em juízo.

Nas obrigações naturais ou imperfeitas falta o poder de garantia ou a

responsabilidade do devedor. O direito do credor fica desprovido da proteção da

ação em juízo. Nessa modalidade, o credor não tem o direito de exigir a

prestação e o devedor não está obrigado a pagar. Em compensação, se este,

voluntariamente, efetua o pagamento, não tem o direito de restituição (art. 882).

Podem ser citadas como exemplo de obrigação natural a dívida de jogo e as

gorjetas.

Desta forma, a distinção localiza-se quanto à exigibilidade do

cumprimento.

Quanto à natureza do vínculo, as obrigações também podem ser reais,

creditícias ou propter rem.

As obrigações reais possuem vínculo real, ou seja, o elo entre o titular

de uma coisa e os não titulares. Assim, o titular tem o direito sobre a coisa

(propriedade, posse, etc.). Os não titulares têm o dever de respeitar os direitos

do proprietário, possuidor.

As obrigações creditícias possuem vínculo obrigacional, isto é, o elo

entre credor e devedor, específicos. O credor tem direito á prestação de dar,

fazer ou não fazer e, o devedor, o dever de realizar a respectiva prestação.

As obrigações propter rem (por causa ou próprio de uma coisa)

surgem em função de um direito real, ou seja, um vínculo do devedor com uma

coisa. Ex.: IPTU – surge pelo fato de ser dono do imóvel; contribuição de

condomínio; IPVA; construção de muro divisório (direito de vizinhança), etc.

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6.3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AOS ELEMENTOS

A estrutura obrigacional compõe-se de certos elementos essenciais,

naturais e acidentais (elementos dos atos jurídicos).

- elementos essenciais: integram a própria essência do ato. Indispensáveis

à sua existência. Ex.: forma escrita para testamento.

- elementos naturais: não fazem parte da essência do ato, mas decorrem

naturalmente dele. Ex.: a entrega da coisa no contrato de compra e venda.

- elementos acidentais: características que o ato pode conter ou não. Ex.:

condição, encargo e o termo.

a) Obrigações puras e simples: são aquelas que não estão sujeitas a

termo ou encargo. Produzem efeitos imediatos, logo que contraídas. Não há

qualquer subordinação para a produção dos seus efeitos. Ex.: compra e venda à

vista.

b) Obrigações condicionais: estão subordinadas a um evento futuro e

incerto (condição – art. 121). Da sua ocorrência depende o nascimento ou a

extinção de um direito.

c) Obrigações a termo (ou a prazo): as partes subordinam os efeitos do

negócio jurídico a um evento futuro e certo. O termo é o dia em que começa ou

se extingue a eficácia do negócio jurídico e pode ser certo (quando se reporta a

determinada data do calendário ou a determinado lapso de tempo) ou incerto

(não se sabe quando ocorrerá).

A inserção do termo no contrato é importante para apuração das

consequências quanto à inexecução da obrigação. Se não estabelecido prazo nos

negócios jurídicos entre vivos, consideram-se exequíveis desde logo, com as

ressalvas do art. 134.

d) Obrigações modais ou com encargo ou onerosa: trata-se de

cláusula acessória que impõe um ônus ao beneficiário de determinada relação

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jurídica. O modo é o encargo imposto àquele em cujo proveito se constitui um

direito por ato de mera liberalidade (doação, testamento).

6.4 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AOS SUJEITOS

A obrigação pode ser classificada quanto à pessoalidade no cumprimento

da obrigação. Neste caso elas podem ser impessoais ou pessoais.

A obrigação impessoal é aquela em que o importante é o objeto e não

os sujeitos. Transmitem-se aos herdeiros do devedor morto, sempre que

possível.

Nas obrigações pessoais ou intuitu personae os sujeitos desempenham

papel principal, não podendo ser transferidas para terceiros.

Também podem ser classificadas quanto à posição dos sujeitos. Na

obrigação simples os sujeitos ocupam apenas uma posição, ou seja, o credor

apenas recebe e o devedor apenas cumpre a prestação. Ex.: indenização

derivada de ato ilícito.

Nas obrigações complexas os sujeitos ocupam posições dúplices.

Assim, os sujeitos ocupam a posição de credor e devedor simultaneamente. Ex.:

contrato de compra e venda.

6.5 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO OBJETIVO VISADO

A obrigação também se classifica quanto ao fim a que se destina, ou seja,

o objetivo visado pelo credor.

Desta forma, a obrigação pode ser de meio, resultado e garantia.

Nas obrigações de meio o devedor promete empregar seus

conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de determinado resultado,

sem, no entanto, se responsabilizar por ele. Ex.: advogado que não se obriga a

vencer a causa, mas sim, a defender bem os interesses do cliente; médico que

não se obriga a curar, mas a tratar bem os enfermos, fazendo uso de seus

conhecimentos científicos.

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AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 14 DO CDC. OBRIGAÇÃO DE MEIO. PROVA DO DANO E DO ATO ILÍCITO. AUSÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. INEXISTÊNCIA. 1) Nos termos do artigo 14 do CDC, a responsabilidade das prestadoras de serviços odontológicos é objetiva. 2) Se do contrato de prestação de serviços odontológicos decorre obrigação de meio, sem dúvida o contratado deverá utilizar de todas as técnicas lícitas para obter o resultado pretendido, que poderá ser ou não alcançado. 3) Ausente a conduta ilícita e a prova do dano não há de se falar em dever de indenizar. (MINAS GERAIS, TJ, 11ª Câmara Cível, AC n. 1.0384.12.001317-0/001, Rel. Des. Marcos Lincoln. Julgado em 20/11/2013. Publicado em 25/11/2013).

Nas obrigações de resultado o devedor dela se exonera somente

quando o fim prometido é alcançado. Caso contrário, é considerado

inadimplente. Ex.: transportador que promete, tacitamente, ao vender o bilhete,

levar o passageiro são e salvo (ou a mercadoria) a seu destino; empreiteiro;

cirurgião plástico (trabalho de natureza estética). O devedor só se desonera da

obrigação mediante prova de algum fato inevitável capaz de romper o nexo de

causalidade: força maior, culpa exclusiva do credor, fato exclusivo de terceiro.

DIREITO CIVIL - INDENIZAÇÃO - TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO - EXTRAVIO DE BAGAGEM - REPARAÇÃO MATERIAL DEVIDA - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - FIXAÇÃO DO QUANTUM - LIVRE ARBÍTRIO DO MAGISTRADO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. O extravio de bagagem, aliado à omissão da empresa em exigir declaração do valor dos bens do passageiro, acarreta prejuízos de ordem material e moral, já que extrapola os limites dos aborrecimentos do cotidiano. A reparação moral deve ser fixada em justa medida, não autorizando adequação quando, depois de sopesados proporcionalidade e razoabilidade, revelar-se adequada às circunstâncias do caso concreto. Primeiro e segundo recursos providos em parte. (MINAS GERAIS, TJ, 12ª Câmara Cível, AC n. 1.0701.11.042288-1/001, Rel. Des. Saldanha da Fonseca. Julgado em 23/10/2013. Publicado em 31/10/2013).

Há duas situações específicas que devem ser tratadas aqui:

a) contrato de transporte. O STJ já decidiu que causas estranhas ao

transporte, equiparadas ao fortuito, como disparos efetuados por terceiro contra

os trens; pedras que são atiradas nas janelas e ferem passageiros; disparos

efetuados no interior de ônibus, durante roubo aos viajantes, não obrigam o

transportador a indenizar pelo não cumprimento da obrigação de resultado.

Entretanto, não pode o transportador alegar culpa de terceiro em acidente de

trânsito, tentando se eximir da sua responsabilidade (art. 735, CC).

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b) Cirurgia plástica malsucedida. Em geral, nesse caso, surge obrigação

indenizatória pelo resultado não alcançado. Entretanto, nem sempre a cirurgia

plástica é obrigação de resultado, podendo ser considerada obrigação de meio

quando se tratar cirurgia para reparação/correção de vítima deformada ou com

queimaduras. Há quem entenda, ainda, que a cirurgia plástica, como qualquer

outro procedimento cirúrgico, tem riscos e dela podem decorrer reações

imprevisíveis em cada organismo. Desta forma, uma cirurgia plástica estética,

como, por exemplo a lipoaspiração, seria uma obrigação de meio.

RESPONSABILIDADE CIVIL - MÉDICO - CIRURGIA PLÁSTICA PARA FINS ESTÉTICOS - ABDOMINOPLASTIA E LIPOASPIRAÇÃO - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO - ABANDONO DO TRATAMENTO DAS CICATRIZES - AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DO MÉDICO E O DANO ESTÉTICO - HOSPITAIS - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. I - O cirurgião plástico estabelece com o paciente um contrato de prestação de serviços, o qual é considerado pela doutrina e jurisprudência dominantes como um contrato de resultado e não de meio. II - No contrato de resultado, embora a responsabilidade permaneça subjetiva, há presunção de culpa do médico pelo resultado insatisfatório da cirurgia, incumbindo ao médico, pois, a prova de fatos excludentes da relação de causalidade entre sua conduta e o resultado insatisfatório da cirurgia. IV - A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos, é subjetiva e, portanto, dependente da culpa do preposto (médico), sendo inaplicável a responsabilidade objetiva prevista no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. (MINAS GERAIS, TJ, 18ª Câmara Cível, AC n. 1.0707.10.003194-7/001, Rel. Des. Mota e Silva. Julgado em 04/09/2012. Publicado em 06/09/2012).

APELAÇÃO CÍVEL- INDENIZATÓRIA - RELAÇÃO DE CONSUMO - REQUISITOS LEGAIS - CIRURGIA REPARADORA - OBRIGAÇÃO DE MEIO - RESPONSABILIDADE DO MÉDICO - FALTA DE PROVA DA CULPA - UTILIZAÇÃO ADEQUADA DAS TÉCNICAS E MÉTODOS - IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL. O cirurgião plástico somente pode ser responsabilizado pelo insucesso da cirurgia reparadora, consubstanciada como obrigação de meio, caso não se utilize das técnicas e dos métodos indicados para o seu procedimento. O médico cirurgião ou o nosocômio não agindo com imperícia, com imprudência ou negligentemente, não se sujeitam a indenizar a paciente não satisfeita com o resultado da cirurgia reparadora, por caracterizar-se como obrigação de meio. (MINAS GERAIS, TJ, 13ª Câmara Cível, AC n. 1.0133.08.042378-2/001, Rel. Des. Newton Teixeira Carvalho. Julgado em 07/11/2013. Publicado em 14/11/2013)

Em geral, a maioria da doutrina e a jurisprudência entendem que a

cirurgia para melhorar aparência física (estética) é de resultado.

As obrigações de garantia visam eliminar um risco que pesa sobre o

credor, ou as suas consequências. É uma subespécie da obrigação de resultado,

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pois o conteúdo da obrigação é a eliminação de um risco, que, por sua vez, é um

acontecimento casual, alheio à vontade do obrigado. A obrigação persiste

mesmo em hipóteses de fortuito ou força maior, dada a sua natureza. Ex.:

obrigação do segurador, do fiador.

DIREITO CIVIL - CONTRATO DE LOCAÇÃO - PAGAMENTO DE ALUGUÉIS - PROVA - INÉRCIA DO LOCATÁRIO - RESCISÃO E DESPEJO - DEFERIMENTO ADEQUADO - FIANÇA - ENTREGA DAS CHAVES. - Demonstrada a locação e não infirmado o inadimplemento denunciado pelo locador, isto é tudo quanto basta para autorizar a rescisão do contrato com retomada do imóvel, além do pagamento de valores devidos a título de aluguéis e encargos correlatos. - Ao fiador locatício, inadimplente o locatário, cabe honrar, porque expressamente contratado, com a obrigação de garantia até a efetiva entrega das chaves. (MINAS GERAIS, TJ, 12ª Câmara Cível, AC n. 1.0024.06.103965-7/003, Rel. Des. Saldanha da Fonseca. Julgado em 30/03/2011. Publicado em 18/04/2011).

O simples fato do devedor assumir o risco representa o adimplemento da

prestação. O afastamento do risco que recai sobre o credor representa um bem

suscetível de aferição econômica, como os prêmios de seguro ou as garantias

bancárias.

6.6 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO MOMENTO DE EXECUÇÃO

A obrigação de execução instantânea ou momentânea é a que se

consuma num só ato, sendo cumprida imediatamente após sua constituição. Ex.:

compra e venda à vista.

Na obrigação de execução diferida o cumprimento também deve ser

realizado em um só ato, mas em momento futuro. Ex.: compra e venda, com

entrega para data futura; ou pagamento a prazo.

A obrigação de execução continuada, periódica ou de trato

sucessivo é cumprida por meio de atos reiterados, como, por exemplo, na

prestação de serviços (fornecimento de energia elétrica) ou na compra e venda

em prestações periódicas (aluguel mensal, conta de água, etc).

Nas obrigações periódicas, as prestações autônomas e consecutivas já

cumpridas não serão atingidas pelo descumprimento das demais prestações

vincendas, pois o adimplemento daquelas possui força extintiva (ex.: contas de

energia elétrica; aluguel mensal, etc).

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6.7 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONSIDERADAS RECIPROCAMENTE

A obrigação principal é aquela que subsiste por si, sem depender de

qualquer outra.

A obrigação acessória tem sua existência subordinada a outra relação

jurídica, isto é, depende da obrigação principal. Ex.: fiança, cláusula penal, juros.

As normas relacionadas à classificação dos bens em principal e acessórias

também se aplicam às obrigações (art. 92). Assim, se a obrigação principal for

considerada inválida, a acessória também será (art. 184, segunda parte).

6.8 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AOS SUJEITOS DO

PAGAMENTO

O termo pagamento deve ser compreendido como cumprimento ou

execução da obrigação.

Nas obrigações em que há apenas um devedor e um credor, não se

aplicam as classificações abaixo. Desta forma, a classificação é importante para

as obrigações que tenham mais de um devedor e/ou credor.

As obrigações fracionárias ou parciais são aquelas em que cada um

responde (devedor) ou tem direito a exigir (credor) a sua parte da dívida. Ex.:

grupo de consórcio.

Nas obrigações conjuntas ou unitárias todos os devedores

respondem, ao mesmo tempo, por toda a dívida. O credor só poderá acionar a

todos ao mesmo tempo. Nelas, também, todos os credores têm o direito de

receber toda a dívida ao mesmo tempo, em conjunto. Só poderão exigi-la em

conjunto e só se libera pagando a todos ao mesmo tempo. Ex.: condomínio.

6.9 OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

Caracterizam-se pela multiplicidade de credores e/ou devedores.

Na obrigação solidária ativa cada credor tem direito à totalidade da

prestação, como se fosse credor único. O credor que recebe o pagamento

responde perante os consortes pelas parcelas de cada um.

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Na obrigação solidária passiva cada devedor está obrigado pela dívida

toda, como se fosse o único devedor. O credor pode exigir de apenas um, de

alguns ou de todos que paguem toda a dívida. Pagando um ou alguns dos

devedores solidários, terão direito de regresso contra os demais, cobrando-lhes a

parte que lhes cabia (obrigação fracionária entre os devedores).

A solidariedade é um agravamento da responsabilidade dos devedores,

que passarão a ser obrigados ao pagamento total, portanto deve ser expressa,

conforme preceitua o art. 265. Ex.: art. 942, parágrafo único.

Devido à importância das obrigações solidárias, é necessária uma atenção

maior ao conjunto de normas que a disciplinam.

a) Solidariedade ativa

Cada credor tem o direito de exigir do devedor comum o cumprimento da

prestação por inteiro. Pago o débito a qualquer um dos co-credores, o devedor

se exonera da obrigação (art. 267).

O devedor não pode pretender pagar ao credor demandante apenas

quantia equivalente à sua quota-parte, mas terá de pagar-lhe a dívida inteira,

pois a relação interna entre os credores é estranha ao devedor.

A solidariedade ativa quase não é aplicada, pois oferece alguns

inconvenientes: o credor que recebe pode tornar-se insolvente; pode não pagar

aos consortes a quota de cada um.

No caso de morte de um dos credores solidários, o art. 270 prevê que os

herdeiros dele não podem, separadamente, exigir a totalidade do crédito. Mas

cada um pode requerer o respectivo quinhão hereditário (a quota-parte da

herança). A totalidade do crédito só poderá ser exigida se houver apenas um

herdeiro ou, havendo mais de um, todos a exigirem em conjunto ou, ainda, se a

prestação for indivisível.

Se a obrigação solidária for convertida em perdas e danos, a solidariedade

não desaparece (art. 271). Assim, cada credor continuará com direito a exigir o

valor total.

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O credor favorecido com pagamento responde perante os demais pelas

quotas que lhes couberem (art. 272). Igual consequência existe para o credor

que remir (perdoar) a dívida parcial ou totalmente do devedor.

Se a obrigação for nula quanto a um dos co-credores, sua parte será

deduzida do todo, ficando tal credor excluído do rateio.

O devedor não pode opor exceção (defesa) pessoal16 que poderia opor a

outros credores, àquele que lhe está cobrando a dívida (art. 273). Ex.: o devedor

não pode alegar em seu benefício e em detrimento do credor que lhe está

cobrando, defeito na representação/assistência de outro credor solidário, pois tal

exceção, sendo pessoal, só a este pode ser oposta.

O julgamento contrário a um dos credores não impede que os outros

credores acionem o devedor e cobrem dele o valor integral da dívida (art. 274).

Ex.: invalidade da obrigação apenas em relação a um credor. O julgamento

favorável, se baseado em exceção objetiva, aproveita a todos os credores. Se

fundada em exceção pessoal, só aproveita ao credor que obteve o julgamento.

b) Solidariedade passiva

Há pluralidade de devedores, cada um deles obrigado ao pagamento de

toda a dívida. O credor tem a faculdade de exigir de qualquer dos devedores o

cumprimento integral da prestação (art. 275).

Se o credor propõe ação contra um dos devedores solidários, não fica

inibido de acionar os outros. Não se trata de renúncia do direito do credor

(parágrafo único do art. 275).

Na obrigação solidária passiva, se um dos devedores falecer, deixando

herdeiros, divide-se o débito e cada um só responde pela quota respectiva, salvo

se a obrigação for indivisível. Os herdeiros reunidos são considerados como um

só devedor solidário em relação aos demais co-devedores. Cada

herdeiro/devedor responde, tão-somente, pela quota correspondente ao seu

quinhão hereditário. Se a obrigação for indivisível, não poderá ser fracionada

16 Exceções pessoais mais comuns: vícios de consentimento, incapacidade jurídica, inadimplemento de condição que lhe seja exclusiva. Exceções objetivas: concernentes ao próprio negócio - objeto ilícito, impossibilidade da prestação, extinção da obrigação.

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entre os herdeiros do devedor solidário. Cada um dos herdeiros será obrigado

pela dívida toda (art. 276).

Se o credor aceitar o pagamento parcial de um dos devedores ou perdoar

a dívida em relação a um dos devedores solidários, os demais permanecem

vinculados ao pagamento, pelo saldo remanescente (art. 277)17.

Na impossibilidade da prestação por dolo ou culpa de um dos devedores,

todos eles respondem solidariamente ao pagamento do valor equivalente. Mas

pelas perdas e danos só responde o devedor que deu causa à impossibilidade da

prestação (art. 279). Ex.: entregar sacas de café. Um dos co-devedores deixa

perecer as sacas.

O devedor que for demandado poderá opor exceções pessoais e as

comuns (objetivas) a todos os devedores. Não pode opor as exceções pessoais

que beneficiam outro devedor (art. 281).

O credor pode abrir mão da solidariedade (art. 282)18. Não há remissão

(perdão) da dívida neste caso. A renúncia pode ser absoluta, que se refere a

todos os coobrigados. Neste caso, cada coobrigado passará a dever somente sua

quota (obrigação fracionária). A renúncia relativa é operada em proveito de um

ou de alguns devedores. Os não exonerados permanecem na mesma situação de

devedores solidários, mas se o credor acioná-los terá que abater do débito a

parte correspondente aos devedores cuja obrigação deixou de ser solidária.

O devedor solidário que paga integralmente a dívida terá ação regressiva

contra os demais para haver a quota-parte de cada um (art. 283). Presume-se

que as quotas-parte são iguais. Se um dos co-devedores for insolvente, a sua

quota-parte será dividida entre todos os devedores, para que aquele que pagou

integralmente não suporte sozinho esse prejuízo.

17 Enunciado 348 – Arts. 275/282: O pagamento parcial não implica, por si só, renúncia à solidariedade, a qual deve derivar dos termos expressos da quitação ou, inequivocamente, das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor. (IV Jornada de Direito Civil, 2004) 18 Enunciado 349 – Art. 282: Com a renúncia à solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários, o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida, permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores, abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia. (IV Jornada de Direito Civil, 2004)

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c) Obrigação subsidiária

Trata-se de uma forma especial de solidariedade, com benefício ou

preferência de execução de bens de um dos obrigados. Uma das pessoas tem o

débito originário e a outra tem apenas a responsabilidade por esse débito. Por

isso existe uma preferência na ordem de execução: no mesmo processo,

primeiro são demandados os bens do devedor; não sendo encontrados bens do

devedor ou não sendo eles suficientes, inicia-se a execução de bens do

responsável, em caráter subsidiário, por toda a dívida. Ex.: os sócios pela

sociedade empresária (art. 46, V; 997, VIII); art. 827 e 828, I – fiança.

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6.10 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AO OBJETO DO PAGAMENTO

As obrigações alternativas ou disjuntivas são aquelas que

compreendem objeto múltiplo e extinguem-se com a prestação de apenas um. A

alternativa pode estabelecer-se entre duas ou mais coisas, entre dois ou mais

fatos, ou até entre uma coisa e um fato. Ex.: seguradora – em caso de sinistro,

pagar o valor do carro ao segurado ou mandar reparar o veículo danificado.

A obrigação é considerada única, mas com várias prestações, realizando-

se, pela escolha, com força retroativa, a concentração numa delas e a

consequente exigibilidade.

A obrigação alternativa não se confunde com a obrigação de dar coisa

incerta.

O direito de escolha na obrigação alternativa se rege pelo art. 252, ou

seja, primeiro cabe às partes definirem. Não havendo definição, a escolha caberá

ao devedor.

Mesmo havendo mais de uma prestação possível para cumprimento da

obrigação, o devedor não pode obrigar o credor a receber parte em uma e parte

em outra, ou seja, o pagamento é indivisível (art. 252, §1º).

Não cabe aqui o princípio da “qualidade média”, pois o devedor/credor

deve optar entre aquelas prestações que estão dentro do círculo previsto pelas

próprias partes.

No caso de impossibilidade das prestações, devem ser observadas as

disposições legais:

a) Art. 253 – Obrigação alternativa com duas prestações e

impossibilidade originária ou superveniente de uma delas, por motivo não

imputável a nenhuma das partes (fato alheio). Neste caso, se a impossibilidade

for material (ex. não se fabrica mais determinado produto; imóvel

desapropriado) a obrigação concentra-se automaticamente na prestação

remanescente. Se a impossibilidade for jurídica (ex. objeto ilícito) a obrigação

torna-se nula, sendo inexigíveis todas as prestações.

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b) Art. 254 – Obrigação alternativa com direito de escolha do devedor e

impossibilidade de todas as prestações, com culpa do devedor. O devedor fica

obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e

danos que o caso determinar. Motivo: quando pereceu o primeiro objeto,

concentrou-se o débito no último.

c) Art. 255, 1ª parte – Obrigação alternativa com direito de escolha do

credor e impossibilidade de uma das prestações, com culpa do devedor. O

credor tem o direito de exigir a prestação remanescente ou o valor daquela que

pereceu mais perdas e danos. Ele poderia ter a intenção de escolher exatamente

a que pereceu.

d) Art. 255, 2ª parte – Obrigação alternativa com direito de escolha do

credor e impossibilidade de todas as prestações, com culpa do devedor. O

credor poderá reclamar o valor de qualquer das duas, mais perdas e danos.

Motivo: o credor tinha a legítima expectativa de eleger quaisquer das prestações.

e) Art. 256 – Obrigação alternativa e impossibilidade de todas as

prestações, sem culpa do devedor. Extingue-se a obrigação, por falta de objeto,

sem ônus para as partes.

A obrigação facultativa é uma espécie sui generis de obrigação

alternativa. Tem por “objeto apenas uma obrigação principal, mas confere ao

devedor a possibilidade de liberar-se mediante o pagamento de outra prestação

prevista na avença, com caráter subsidiário” (VENOSA, 2009, p. 96). Confere-se

ao devedor substituir a obrigação principal por uma obrigação acessória. Ex.: “há

o compromisso de pagar uma quantia estipulada na compra de um bem, mas

devolve-se o bem” (RIZZARDO, 2009, p. 197). Outro exemplo está no art. 1234,

CC, que trata da recompensa para quem encontra coisa perdida.

Percebe-se, assim, que há uma obrigação simples, em que é devida uma

única prestação, ficando, porém, facultado ao devedor e só a ele, exonerar-se

mediante o cumprimento de prestação diversa e predeterminada. O credor não

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pode pedir outra coisa, mas o devedor pode cumprir a obrigação de forma

diversa daquela pactuada.

A obrigação facultativa pode derivar de convenção especial ou expressa

disposição de lei. Ex.: art. 157, § 2.º (o comprador pode completar o justo preço

em vez de restituir a coisa)19.

Em caso de inadimplemento e execução judicial da obrigação facultativa, o

credor não precisa citar o devedor para exercer sua opção, como nas obrigações

alternativas. O devedor, por outro lado, não precisa de consentimento do credor

para realizar prestação diversa daquela devida.

Sobre a impossibilidade da prestação, pode-se concluir que:

� Perecendo o objeto único da obrigação, sem culpa do devedor, resolve-se o vínculo obrigacional. O credor não pode exigir o objeto acessório.

� Se perecer o objeto acessório, a obrigação continua devida, apenas

desaparecendo a possibilidade do devedor substituir o objeto. � Perecendo o objeto único por culpa do devedor, ele pode realizar a

prestação substitutiva para se desonerar.

Quanto ao objeto, as obrigações também podem ser cumulativas ou

conjuntivas. Há uma pluralidade de prestações e todas devem ser cumpridas,

sem exclusão de qualquer delas, sob pena de inadimplemento. As prestações

devidas estão ligadas pela partícula ou conjunção “e”. Ex.: obrigação de entregar

um veículo modelo Gol e um veículo modelo Palio.

O pagamento pode ser simultâneo ou sucessivo, mas o credor não pode

ser compelido a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se

ajustou (art. 314, CC).

19 Exemplos: 1) Uma pessoa pode vender seu imóvel muito abaixo do preço para pagar um tratamento médico. Ela tem como opções ter o imóvel restituído e a devolução do preço pago (anulação do negócio) ou exigir judicialmente que o comprador pague o preço justo; 2) Uma pessoa que pegue empréstimo no banco com juros muito altos. Ela tem como opções que o banco complemente o valor do empréstimo ou que o banco reduza o valor das parcelas ou ainda suprima as parcelas a vencer.

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6.11 OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

A obrigação indivisível é aquela que se caracteriza pela pluralidade de

credores ou de devedores e tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis

de divisão. Não é possível ao devedor executá-la por partes (art. 258). Ex.:

obrigação de entregar um cavalo Manga Larga Marchador por dois devedores.

A obrigação divisível também se caracteriza pela pluralidade de

credores ou de devedores e tem por objeto uma coisa ou um fato suscetíveis de

divisão. É possível ao devedor executá-la por partes. Ex.: obrigação de entregar

1 tonelada de arroz por dois devedores.

Para essas obrigações devem-se observar as normas sobre bens divisíveis

(art. 87 e 88).

Não se deve confundir obrigação solidária e obrigação indivisível. Nas

obrigações solidárias o devedor solidário pode ser compelido a pagar, sozinho, a

dívida inteira, por ser devedor do todo. Nas obrigações indivisíveis, o co-devedor

só deve a sua quota-parte. Pode ser compelido ao pagamento da totalidade do

objeto somente porque é impossível dividi-lo. A solidariedade recai sobre as

pessoas (subjetiva). A indivisibilidade resulta da natureza da coisa (objeto da

prestação).

O interesse jurídico na classificação da obrigação divisível/indivisível está

na necessidade de se fracionar o objeto da prestação para ser distribuído entre

os credores ou para que cada um dos devedores possa prestar uma parte desse

objeto.

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7 TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

7.1 CESSÃO DE CRÉDITO

O crédito integra o patrimônio (conjunto de bens) do credor, portanto,

possui um valor de comércio. Desta forma, como qualquer outro bem, o crédito

pode ser transferido para terceiro.

A cessão é a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um

direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e

bens, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição

jurídica idêntica à do antecessor, que figura como cedente.

A cessão de crédito é uma alienação de bem imaterial (crédito). É um

negócio jurídico bilateral pelo qual o credor transfere a um terceiro seu direito.

Nesse negócio as partes são denominadas: cedente (aquele que aliena o direito),

cessionário (aquele que adquire) e cedido (o devedor).

Através da cessão de crédito há uma modificação do sujeito ativo, pois

outro credor assume a posição negocial. Ex.: desconto bancário – o comerciante

transfere seus créditos a uma instituição financeira.

O devedor ou cedido não participa necessariamente da cessão, que pode

ser realizada sem a sua anuência, mas deve ser comunicado para que possa

cumprir a obrigação ao legítimo detentor do crédito. Qualquer dos

intervenientes, cedente ou cessionário, pode notificar o devedor, judicial ou

extrajudicialmente. Se o devedor, ignorando a cessão, pagar ao credor primitivo,

o pagamento considera-se bem feito, em consideração à boa-fé do devedor, que

se fica desonerado (arts. 290, 292).

A cessão depende apenas do acordo de vontades entre cedente e

cessionário, o que lhe dá feição nitidamente contratual. A única exigência é a

entrega do título, se for da natureza, como nos títulos de crédito (ex. nota

promissória, cheque, duplicata).

Alguns créditos não podem ser cedidos por serem inalienáveis por

natureza, por lei ou por convenção com o devedor (art. 286, CC), tal como

ocorre com o crédito decorrente de pensão alimentícia ou de salários. Também

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não pode ser objeto de cessão o crédito penhorado, pois deixa de fazer parte do

patrimônio do credor, uma vez que se torna indisponível (art. 298).

A cessão de crédito pode ocorrer a título gratuito ou oneroso, sendo mais

comum esta última, assemelhando-se a uma “venda”.

Os acessórios (cláusula penal, juros, direito de garantia) acompanham o

crédito na cessão, salvo se as partes convencionarem em contrário (art. 287).

Pode existir cessão parcial do crédito.

Como a cessão importa a alienação, o cedente tem que ser capaz e

legitimado a praticar atos de alienação. Deve ser o titular do crédito para dele

dispor. O cessionário também deve ser capaz, pois está adquirindo um direito e

deve ter condições para tomar o lugar do cedente.

As espécies de cessão de crédito são:

a) Convencional: resulta da declaração de vontade entre cedente e

cessionário. Pode ser realizada a título gratuito ou oneroso. Nas cessões a título

oneroso o cedente garante a existência e a titularidade do crédito no momento

da transferência (cessão pro soluto). Nas cessões a título gratuito só é

responsável se houver procedido de má-fé (art. 295).

b) Legal: ocorre nos casos de sub-rogação legal, especificados no art.

346, pois o sub-rogado adquire os direitos do credor primitivo; sub-rogação

pessoal (ex.: devedor de obrigação solidária que satisfez a dívida por inteiro,

sub-rogando-se no crédito – art. 283); fiador que pagou integralmente a divida;

contrato de seguro, quando a companhia seguradora paga a indenização do

dano decorrente de ato ilícito causado por terceiro.

c) Judicial: quando a transmissão do crédito é determinada pelo juiz,

como por exemplo: nas partilhas, quando um crédito do “de cujus” é atribuído a

um herdeiro; na execução em que existe penhora de um crédito que é

adjudicado ao credor exequente ou arrematado por terceiro.

Em regra não há forma especial para a cessão de crédito ter validade

entre as partes, salvo se a escritura pública for da natureza do ato, como na

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cessão de crédito hipotecário ou de direitos hereditários. Entretanto, para ter

validade contra terceiros, o art. 288 exige o instrumento público ou particular

revestido pelas solenidades do § 1º do art. 654 do CC: indicação do lugar onde

foi passado, qualificação do cedente e do cessionário, a data e o objetivo da

cessão com a designação e a extensão dos direitos cedidos e ser registrado no

cartório de títulos e documentos (art. 221, CC e Lei n. 6.015/73, art. 129, § 9º).

A cessão legal e a judicial não se subordinam às mencionadas exigências

formais. A cessão de título de crédito é feita mediante endosso.

O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem,

bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão,

tinha contra o cedente (art. 294). Se o devedor, notificado da cessão, não opõe,

nesse momento, as exceções pessoais que tiver contra o cedente, não poderá

mais arguir contra o cessionário as exceções que eram cabíveis contra o

primeiro, como pagamento da dívida, compensação, etc. Pode alegar a qualquer

tempo, contra o cedente e o cessionário, os vícios que, por sua natureza, afetam

diretamente o título ou ato, tornando-o nulo ou anulável, como incapacidade do

agente, erro, dolo, etc.

Se o devedor não foi notificado, poderá opor ao cessionário as exceções

que tinha contra o cedente antes da transferência. A exceção mais comum é a

exceptio non adimpleti contractus (art. 476): se o credor cedente, em contrato

bilateral, não cumprir sua obrigação antes de ceder o crédito, o dever de cumpri-

la transmite-se ao cessionário, de modo que pode o devedor recusar-se a efetuar

o pagamento se este não satisfaz a prestação que lhe incumbe, opondo ao

cessionário a exceção de contrato não cumprido.

O cedente responde apenas pela existência do crédito, ou seja, assegura a

titularidade e a validade ou consistência do direito adquirido, não se

responsabilizando pela solvência do devedor, correndo os riscos desta por conta

do cessionário (cessão pro soluto), salvo estipulação em contrário (art. 295).

Se ficar convencionado expressamente (art. 296) que o cedente responde

pela solvência do devedor (cessão pro solvendo), sua responsabilidade limitar-

se-á ao que recebeu do cessionário, com os respectivos juros, mais as despesas

da cessão e as efetuadas com a cobrança (art. 297). Nesta hipótese, o cedente

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assegura a solvência do devedor no momento da cessão, mas é possível que se

estipule garantia da solvência futura.

Quando a transferência se opera por força de lei, o credor originário não

responde pela existência da dívida, nem pela solvência do devedor. Não se pode

exigir do cedente que responda por um efeito para o qual não concorreu.

7.2 ASSUNÇÃO DE DÍVIDA OU CESSÃO DE DÉBITO

É o negócio jurídico bilateral, pelo qual o devedor, com anuência expressa

do credor, transfere a um terceiro, que o substitui, os encargos obrigacionais, de

modo que este assume sua posição na relação obrigacional, responsabilizando-se

pela dívida, que subsiste com os seus acessórios (art. 299). Ex.: venda do fundo

de comércio, em que o adquirente declara assumir o passivo (art. 1.145 e 1.146,

CC); cessão de financiamento para aquisição da casa própria.

Ocorre alteração apenas no pólo passivo, sem perda do conteúdo da

obrigação. Exige concordância do credor para efetivação do negócio, porque a

pessoa do devedor é de suma importância para o credor, não só em relação às

suas qualidades e cumprimento dos deveres, como também no que diz respeito

à idoneidade patrimonial, podendo não lhe convir a substituição do devedor.

A transmissão do débito possui caráter contratual e pode se dar entre o

terceiro (assuntor) e o credor ou entre o terceiro e o devedor.

O objeto da cessão de débito podem ser as dívidas presentes e futuras,

salvo as que devem ser pessoalmente cumpridas pelo devedor (intuitu

personae).

A assunção de dívida pode se dar na forma de expromissão, isto é,

efetiva-se mediante contrato entre o terceiro (expromitente/assuntor) e o credor,

sem a participação ou anuência do devedor. Ex.: o pai que assume a dívida do

filho, independentemente da anuência deste.

Pode, ainda, a assunção de dívida ser na forma de delegação, ou seja,

efetiva-se mediante o acordo entre o terceiro (delegado/assuntor) e o devedor

(delegante), com a concordância do credor (delegatário), nos termos do art. 299.

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A cessão de dívida também pode ser liberatória ou cumulativa. Na

primeira ocorre a integral sucessão no débito, pela substituição do devedor na

relação obrigacional pelo assuntor, ficando exonerado o devedor primitivo,

exceto se o terceiro que assumiu sua dívida era insolvente e o credor o ignorava

(art. 299, segunda parte). Na segunda, o novo devedor ingressa na obrigação ao

lado do devedor primitivo, passando a ser devedor solidário, mediante

declaração expressa nesse sentido20.

Os efeitos advindos da assunção de dívida são:

• Substituição do devedor na relação obrigacional, que permanece a

mesma. Pode haver ou não a liberação do devedor originário.

• O novo devedor não pode, porém, opor ao credor as exceções

pessoais que competiam ao devedor primitivo (art. 302).

• Extinção das garantias especiais originariamente dadas pelo

devedor primitivo ao credor, salvo assentimento expresso daquele (art. 300)21 22.

Se forem garantias dadas por terceiros (fiança, aval e hipoteca) dependem

também da concordância expressa desses.

• Anulada a assunção de dívida, restaura-se a obrigação para o

devedor originário (art. 301)23.

7.3 CESSÃO DE CONTRATO OU CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL

A cessão de contrato não está expressamente disciplinada no Código Civil.

Entretanto, a transmissão pode ser feita com base no art. 425 do CC, pelo

princípio da liberdade contratual, estipulando contratos atípicos.

20 Enunciado 16 - Art. 299: O art. 299 do Código Civil não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor. (I Jornada de Direito Civil, 2002) 21 Enunciado 352 – Art. 300: Salvo expressa concordância dos terceiros, as garantias por eles prestadas se extinguem com a assunção da dívida; já as garantias prestadas pelo devedor primitivo somente serão mantidas se este concordar com a assunção. (IV Jornada de Direito Civil, 2004) 22 Enunciado 422 – Art. 300: (Fica mantido o teor do Enunciado n. 352) A expressão “garantias especiais” constante do art. 300 do CC/2002 refere-se a todas as garantias, quaisquer delas, reais ou fidejussórias, que tenham sido prestadas voluntária e originariamente pelo devedor primitivo ou por terceiro, vale dizer, aquelas que dependeram da vontade do garantidor, devedor ou terceiro para se constituírem. (V Jornada de Direito Civil, 2011) 23 Enunciado 423 – Art. 301: O art. 301 do CC deve ser interpretado de forma a também abranger os negócios jurídicos nulos e a significar a continuidade da relação obrigacional originária em vez de

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Trata-se da faculdade concedida a qualquer dos contratantes de transmitir

a sua própria posição contratual, envolvendo a cessão de direitos e obrigações,

ou seja, créditos e débitos, por isso, pode abranger a cessão de crédito e a

assunção de dívida. Permanece inalterado o conteúdo jurídico do pacto, isto é,

seu objeto. Ex.: contrato de locação; de empreitada.

As partes são cedente, cessionário e cedido. Os requisitos são: a) possível

apenas nos contratos bilaterais (aqueles que acarretam direitos e obrigações

recíprocas); b) necessário o consentimento do cedido. A cessão de contrato é

um negócio jurídico plurilateral.

A cessão de contrato tem como efeito a desvinculação do cedente em

relação ao cedido. O cedente não garante a solvabilidade do cessionário, salvo

estipulação em contrário. Pode ser fixada a solidariedade entre cessionário e

cedente.

“restauração”, porque, envolvendo hipótese de transmissão, aquela relação nunca deixou de existir. (V Jornada de Direito Civil, 2011)

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8 PAGAMENTO

As obrigações também têm um ciclo vital: originam-se de diversas fontes

(lei, contrato, declaração unilateral de vontade, atos ilícitos); desenvolvem-se por

meio de suas várias modalidades (dar, fazer, não fazer) e extinguem-se.

O modo normal de extinção é o cumprimento da obrigação, também

chamado pagamento. Para o Código Civil, pagamento é a execução de qualquer

espécie de obrigação. Este é o principal modo de extinção das obrigações.

Para que o pagamento produza o efeito de extinção da obrigação é

necessária a existência de um vínculo obrigacional; a intenção do devedor de

solvê-lo, pois do contrário pode ser considerada uma doação; o cumprimento da

prestação; as partes – devedor (solvens) e credor (accipiens).

8.1 QUEM DEVE PAGAR (arts. 304 a 307)

O pagamento, em regra, é feito pelo devedor, mas pode ser feito por

qualquer pessoa interessada (art. 304). O terceiro interessado é aquele que tem

interesse jurídico na extinção da dívida, ou seja, quem está vinculado ao

contrato, pois pode ter seu patrimônio afetado caso não ocorra o pagamento.

Ex.: fiador, avalista, sublocatário, herdeiro.

A pessoa interessada que paga se sub-roga nos direitos do credor (art.

346, III). Se o credor se opuser ao recebimento pelo terceiro interessado, ele

pode promover a consignação em pagamento (art. 334).

O terceiro não interessado também pode realizar o pagamento da dívida

(art. 304, parágrafo único), mas os efeitos são diferentes. Ele não tem interesse

jurídico, todavia, pode ter interesse moral, como o pai que paga dívida do filho,

pela qual não poderia ser responsabilizado.

O terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome, tem

direito ao reembolso, mas não se sub-roga nos direitos do credor (art. 305).

Assim, se pagar em nome e à conta do devedor, não terá esse direito. Entende-

se como liberalidade, doação.

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O devedor não está obrigado a reembolsar o terceiro não interessado

quando ele tinha meios para evitar uma ação de cobrança do credor, tais como:

arguição de prescrição e decadência, compensação, novação, etc.

O terceiro não interessado também pode consignar pagamento, desde que

em nome e à conta do devedor. O devedor pode se opor a este pagamento por

razões de ordem moral, religiosa, jurídica. O devedor deve notificar o credor, que

então poderá alegar justo motivo para não receber. Mas esta notificação não

proíbe o credor de receber, apenas retira a legitimidade do terceiro para

consignar.

8.2 DAQUELES A QUEM SE DEVE PAGAR

O destinatário do pagamento é o credor originário ou quem de direito o

represente ou, ainda, quem o substituir na titularidade do direito de crédito (ex.

herdeiro, cessionário, sub-rogado). É o credor na data do cumprimento (art.

308).

O portador da quitação está autorizado a receber o pagamento (art. 311).

Há uma presunção juris tantum (relativa) de que o portador recebeu autorização

do credor para receber o pagamento, salvo eventuais circunstâncias que levem

ao entendimento contrário, como o extravio ou furto do recibo (instrumento de

quitação). Essas circunstâncias serão apreciadas pelo juiz em cada caso

concreto, bom base no critério do “homem médio”.

O pagamento efetuado ao credor putativo é válido, desde que realizado

com boa-fé (art. 309). Credor putativo é aquele que aparenta ser o verdadeiro

credor. Ex.: o síndico de condomínio eleito em assembleia está autorizado a

receber as contribuições dos condôminos, mesmo se depois a assembleia vier a

ser anulada por qualquer vício de forma (RIZZARDO, 2009). Para ser válido

também se exige erro escusável de quem paga. O credor verdadeiro, que não

recebeu o pagamento, deve voltar-se contra o credor putativo, que também

pode ter boa-fé, recebendo indevidamente.

O pagamento realizado ao credor absolutamente incapaz é nulo. Se feito a

relativamente incapaz, o pagamento pode ser confirmado pelo representante

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legal ou pelo próprio credor, se cessada a incapacidade. Se o devedor conhecia a

incapacidade, o pagamento é inválido (art. 310), mas se o devedor desconhecia

a incapacidade (erro escusável ou dolo do credor), o pagamento é válido, desde

que não importe prejuízo ao credor.

O pagamento realizado ao credor que teve o crédito penhorado ou

impugnado não é válido, obrigando o devedor a realizar novo pagamento, desde

que tenha sido intimado da penhora ou da impugnação (art. 312). Entretanto, o

devedor terá direito de regresso em face do credor, referente ao primeiro

pagamento realizado. Nesses casos, o devedor intimado, deve realizar o

pagamento em juízo, deixando à disposição do credor que o penhorou ou do

terceiro que o impugnou.

8.3 DA PROVA DO PAGAMENTO

A prova do pagamento se dá pela quitação. O devedor tem o direito de

exigi-la do credor quando realiza a prestação devida (art. 319)24. Se houver

recusa do credor, o devedor não deve realizar o pagamento diretamente ao

credor, mas sim através de consignação (art. 335, I).

A quitação é a declaração unilateral escrita, emitida pelo credor, de que a

prestação foi efetuada e o devedor fica liberado (recibo). Os seus requisitos

estão no art. 320. O parágrafo único do art. 320 estabelece que a falta de algum

requisito pode ser suprida pelas circunstâncias, as quais deverão ser avaliadas

judicialmente.

A regra que prevalece sobre o pagamento é que ele não presume, salvo

nos casos expressos em lei, que são:

a) Quando a dívida é representada por título de crédito, que se

encontra na posse do devedor (art. 324).

b) Quando o pagamento é feito em quotas sucessivas, existindo

quitação da última (art. 322).

24 Enunciado 318 - Art. 319: A “quitação regular” referida no art. 319 do novo Código Civil engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por quaisquer formas de “comunicação a distância”, assim entendida aquela que permite ajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes.

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c) Quando há quitação do capital, sem reserva dos juros, que se

presumem pagos (art. 323).

8.4 DO LUGAR DO PAGAMENTO

Conforme preceitua o art. 327, o lugar do pagamento pode ser estipulado

pelas partes, por lei, pelas circunstâncias e natureza da obrigação ou no

domicílio do devedor.

A obrigação que estipular como lugar do pagamento o domicílio do

devedor é designada dívida querable ou quesível.

Quando o lugar do pagamento for o domicílio do credor, a dívida é

portable ou portável.

Em regra as dívidas são quesíveis.

8.5 DO TEMPO DO PAGAMENTO

As obrigações a termo devem ser pagas na data, sob pena de

inadimplemento. A falta de pagamento constitui em mora o devedor (dies

interpellat pro homine = o dia do vencimento interpela o homem), conforme art.

397. Entretanto, se não houver prazo assinado é necessário interpelar o devedor

a fim de constituí-lo em mora.

As obrigações condicionais só podem ser exigidas a partir do implemento

da condição, desde que o devedor dele tome ciência (art. 332).

O art. 333 estabelece os casos de antecipação do vencimento: pré-

insolvência, penhora de bens dados em garantia por outro credor, insuficiência

de garantia sem reforço.

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9 PAGAMENTOS ESPECIAIS

As obrigações podem ser extintas por modos de pagamento indireto.

9.1 PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO

Trata-se de meio judicial ou extrajudicial adotado pelo devedor ou terceiro

para se liberar da obrigação, depositando a coisa devida nos casos e formas

legais (art. 334).

Essa forma indireta de pagamento recai apenas sobre obrigação de dar

coisa certa ou incerta (art. 342).

O art. 335 estabelece as hipóteses possíveis para o devedor realizar o

pagamento em consignação:

a) Quando o credor não puder receber o pagamento, tal como a

impossibilidade física, devido a uma acidente ou uma doença que o deixe

enfermo no hospital;

b) Quando o credor, sem justa causa, se recusar a receber o

pagamento ou dar quitação na devida forma. Neste caso o credor é quem fica

em mora (arts. 394, 400). O devedor não é obrigado a consignar, pois a mora do

credor não o afeta. Todavia, poderá fazê-lo para se exonerar da relação

obrigacional. O credor tem justa causa quando o devedor quer pagar valor

menor, fora do tempo, local e modo ajustados (devedor em mora – art. 394);

c) Quando tratar-se de dívida quesível (art. 327) e o credor não for,

nem mandar receber a coisa devida. Trata-se, também, de mora do credor

(accipiendi);

d) Quando o credor for incapaz, desconhecido, declarado ausente ou

residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil. Ex. cheque devolvido e

inserção do nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Se o credor é

incapaz o pagamento deve ser ao seu representante/assistente, mas o devedor

pode não ter segurança sobre sua real qualidade. O credor pode ser

desconhecido, como no caso do credor originário falecer e não ser possível

identificar os seus sucessores. Se o credor foi declarado ausente ele deve ter um

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curador para cuidar dos seus interesses patrimoniais, mas a consignação é

cabível se o juiz não lhe deu poderes de quitação. O credor pode residir em local

incerto, como no caso de ter alterado o endereço e não avisar o devedor. O

credor pode estar em local perigoso ou difícil, como aqueles dominado pelo

crime, uma epidemia ou enchente.

e) Quando há dúvida sobre o legítimo credor. Se existem dois ou mais

credores que comparecem perante o devedor, cada qual se julgando legítimo a

receber o pagamento, o devedor, por prudência, deve fazer a consignação, a fim

de não efetuar o pagamento ao credor errado e ser condenado a novo

pagamento (art. 344). Exemplo: ISS – municípios diferentes; entidades sindicais

– mesma contribuição. Excepcionalmente o credor pode requerer a consignação,

conforme art. 345, quando houver litígio entre os credores para recebimento.

f) Quando houver litígio sobre o objeto do pagamento. O devedor tem

certeza do credor, entretanto o crédito é disputado pelo credor e um terceiro.

Exemplo: crédito penhorado por credores do credor. O devedor tem que ter

ciência do litígio sobre o crédito.

A consignação dar-se-á no local do pagamento, conforme art. 337,

observando-se o art. 327.

9.2 PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

É a transferência da qualidade creditória para aquele que solveu obrigação

de outrem ou emprestou o necessário para isso. Esta pessoa substitui o credor

originário na relação obrigacional, sendo este satisfeito pelo pagamento. Ocorre

a exoneração do credor originário e subsiste o mesmo vínculo entre o sub-

rogado e o devedor. Ex.: seguradora.

O sub-rogado assume o crédito com os mesmos privilégios, ações e

garantias que o antigo credor, sendo certo que o pagamento não gera a extinção

do débito.

O pagamento com sub-rogação possui efeito liberatório para o credor

primitivo e translativo para o novo credor, que ingressa na exata posição do

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primitivo em relação à dívida, haja vista que apenas se verifica uma mutação

subjetiva na obrigação (art. 349).

A sub-rogação pode ser legal ou de pleno direito, prevista no art. 346 e

dá-se nos seguintes casos:

a) Em favor do credor que solve o débito do devedor comum. Ex.:

devedor que possui dois ou mais credores e um deles paga o débito relativo a

outro credor.

b) Em favor do adquirente do imóvel hipotecado, que paga o credor

hipotecário. Ex.: A institui hipoteca sobre seu imóvel. A vende o imóvel

hipotecado para B. B paga dívida de A para livrar o imóvel da hipoteca. A passa

a ser devedor de B. O mesmo pode ocorrer com um terceiro interessado (por

exemplo, o usufrutuário), para não ser privado de direito sobre o imóvel.

c) Terceiro interessado: vinculado juridicamente ao credor e ao devedor.

Ex.: fiador, devedor solidário.

A sub-rogação também pode ser convencional, prevista no art. 347 e

resulta do pagamento do débito por parte do terceiro não interessado.

O sub-rogado corre risco quando o devedor vier a se tornar insolvente,

pois não pode cobrar do antigo credor. Trata-se de pagamento pro soluto

(libera o antigo credor).

9.3 IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO

É a forma de determinação de um pagamento quando o devedor possui

duas ou mais obrigações com um mesmo credor. É aplicada quando o devedor

paga uma quantia insuficiente para a liquidação de todos os débitos, não

especificando a qual delas se destina o valor.

Os requisitos da imputação do pagamento estão no art. 352: dois ou mais

débitos; identidade de credor e devedor quanto às dívidas; dívidas da mesma

natureza; obrigações líquidas e vencidas; o(s) valor(es) pago(s) é (são)

suficiente(s) à extinção de um dos débitos, mas não alcança o montante

necessário para quitar os demais.

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As modalidades de imputação do pagamento são:

a) imputação pelo devedor, designando o débito que deseja saldar

(art. 352);

b) imputação pelo credor, quando o devedor se omite (art. 353);

c) imputação legal, quando ambos não indicam a prestação adimplida

(art. 354 e 355 25).

9.4 DAÇÃO EM PAGAMENTO

É uma modalidade de pagamento indireto em que o credor consente em

receber objeto diverso ao da prestação originariamente pactuada, com efeito

liberatório, extinguindo-se a obrigação anterior (art. 356). A prestação oferecida

em substituição não pode ser dinheiro, pois importa em indenização pela perda

da coisa e não dação em pagamento propriamente dita.

Os requisitos da dação em pagamento são

a) Preexistência de um vínculo obrigacional entre as partes. Caso

contrário, o devedor realiza doação.

b) Anuência do credor;

c) Diversidade entre a prestação devida e a oferecida em substituição.

A coisa oferecida pode ser: bem móvel, imóvel, direito (usufruto), obrigação de

fazer.

25 “Dívidas mais onerosas” são aquelas que revelam encargos elevados sobre o devedor, tais como juros mais elevados.

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10 EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO

10.1 NOVAÇÃO

“A novação constitui na operação jurídica por meio da qual uma obrigação

nova substitui a obrigação originária. O credor e o devedor, ou apenas o credor,

dão por extinta a obrigação e criam outra. A existência dessa nova obrigação é

condição de extinção da anterior.” (VENOSA, 2009, p. 259). Ex.: “Alguém deve

um valor representado por cheque; o devedor entrega duplicata de seu comércio

e extingue-se o débito representado pelo cheque. Passa a existir apenas a

obrigação representada pela duplicata.” (VENOSA, 2009, p. 259).

A ideia principal é a de substituição de uma obrigação, pela intenção das

partes de novar, manifestada mediante acordo, cessando o vínculo anterior com

a aquisição de novo direito de crédito. A garantia da obrigação anterior também

se extingue.

Os requisitos da novação são:

a) existência de obrigação anterior válida. Não se permite a novação de

obrigação nula (art. 367), pois o interesse público afasta a ratificação de um ato

que nem chegou a se formar. É possível novar obrigação natural por obrigação

civil. Ex.: A deve 50 para B, mas a pretensão encontra-se prescrita. Se A emite

novo título de crédito em favor de B, implica novação, pois estará o devedor

renunciando tacitamente à sua invocação.

b) constituição de nova dívida: a obrigação nova deve ser válida. Se for

nula ou anulável, restabelece a obrigação anterior, com todos os seus acessórios.

c) “animus novandi”: é o requisito anímico; elemento subjetivo da

substancial diversidade entre a obrigação primitiva e a substituta. Assim, simples

alterações de natureza acessória, como parcelamento de dívida, aumento do

prazo para pagamento, recálculo da taxa de juros aplicada, não geram novação.

A vontade de novar das partes – expressa ou tácita – deve ser inequívoca (art.

361).

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Se não houver o ânimo de novar, haverá apenas confirmação da

obrigação primitiva. A novação não se presume. Na dúvida, prevalece a sua

inocorrência.

As modalidades de novação são:

a) Novação objetiva: atinge a substância da obrigação (art. 360, I),

mediante a alteração de seu objeto (obrigação de dar coisa certa por obrigação

de fazer) ou de sua natureza (obrigação pura por obrigação condicionada) ou da

própria causa jurídica da obrigação (alguém devia na qualidade de comprador,

convertendo-se em mutuário). As partes continuam as mesmas.

b) Novação subjetiva: há substituição dos sujeitos da relação jurídica,

seja no pólo ativo (art. 360, III) ou no passivo (art. 360, II).

Assim, na novação passiva (art. 362) ocorre a substituição do antigo

devedor por um novo, ficando aquele liberado do novo débito. Pode ocorrer na

forma de expromissão (entre o novo devedor e o credor) ou delegação (entre o

devedor e terceira pessoa que resgata o débito). É a regra geral, dependendo da

aceitação do credor. É pro soluto, ou seja, em caso de insolvência do novo

devedor, não poderá o credor acionar o devedor primitivo, exceto se agiu de má-

fé (art. 363). Mesmo assim, trata-se de um direito de regresso contra o devedor

primitivo e não restabelecimento da obrigação anterior.

Não deve ser confundida com assunção de dívida (art. 299), pois esta é

mera transferência da posição passiva na mesma relação obrigacional.

Na novação ativa há alteração do credor, mediante substituição do antigo

por acordo de vontades, ficando o devedor quite com este. Verifica-se a renúncia

ao crédito para, mediante nova obrigação, assumir outro credor.

Não deve ser confundida com cessão de crédito ou sub-rogação, nas quais

a relação obrigação originária se mantém.

A novação ativa é mais difícil de ocorrer, pois o credor preferirá aqueles

institutos que preservam os privilégios e garantias originários.

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Os efeitos da novação são a extinção de acessórios e garantias da dívida

(art. 364) e a exoneração do fiador quando este não participar da novação (art.

366).

10.2 COMPENSAÇÃO

A compensação verifica-se quando duas pessoas forem, reciprocamente,

credor e devedor uma da outra. O encontro de créditos pode resultar na extinção

total ou parcial do débito (art. 368). É modo extintivo satisfatório de pagamento:

as partes extinguem as obrigações até onde possam se compensar.

a) A compensação legal opera-se automaticamente, independentemente

da oposição de qualquer dos interessados, extinguindo de pleno direito as

dívidas recíprocas, observando-se requisitos objetivos e subjetivos.

Os seus requisitos são a reciprocidade das obrigações (encontro de

direitos opostos, caracterizados pelos mesmos sujeitos), a fungibilidade das

prestações e a liquidez e exigibilidade das dívidas (art. 369).

O art. 371 é uma exceção ao requisito da reciprocidade das obrigações,

pois permite que o fiador (terceiro interessado) possa usar o crédito de seu

afiançado (devedor) para compensar débito com o credor.

A pessoa que se obrigou por terceiro (casos de representação) não pode

compensar essa dívida com a que o credor lhe deve (art. 376). Ex.: A

(representante) deve 100 a B. B deve 100 a C (representado). A relação entre A

e B nada tem haver com a relação entre B e C para fazer a compensação

pretendida por A.

A compensação é uma das exceções que podem ser opostas pelo devedor

ao credor. Entretanto, se o devedor é notificado da cessão de crédito e a ela não

se opõe, não poderá compensar com o cessionário o crédito que tinha com o

cedente (art. 377). Com o silêncio do devedor (cedido) presume-se a renúncia ao

direito de compensar.

Quando há várias dívidas compensáveis, aplicam-se as regras da

imputação do pagamento (art. 379).

O art. 380 proíbe a compensação que resulte em prejuízo de terceiro.

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Exemplo: 1ª. empresa B � empresa A credora devedora 2ª. empresa C � empresa B credora devedora 3ª. empresa A � empresa B credora devedora

b) A compensação convencional deriva de acordo de vontades, recaindo

em situações em que não incide a compensação legal. É possível compensar

obrigações de naturezas diversas (autonomia da vontade).

c) A compensação judicial é determinada pelo juiz quando presentes os

pressupostos legais por iniciativa de uma das partes no transcurso da lide. Ex.:

art. 21, CPC – cada litigante for vencedor e vencido simultaneamente;

reclamação trabalhista.

O art. 373 prevê casos em que a compensação não é possível, tendo em

vista a causa das dívidas.

a) No fato gerador da dívida existe ilicitude, o que contamina sua

validade. Assim, se esta dívida não pode ser cobrada, também não pode ser

compensada. Ex. A se apropria de um bem de B. A deve determinada quantia a

B. A não pode querer compensar a dívida com B devolvendo o bem apropriado

indevidamente.

b) No comodato e no depósito não existe fungibilidade, pois o objeto é

certo e determinado. Assim, o objeto desses contratos não pode servir à

compensação. Quanto aos alimentos, o fundamento é a subsistência do

indivíduo. Ex.: Pai deve alimento ao filho. O filho deve empréstimo ao pai. São

dívidas que não podem ser compensadas.

Penhora do crédito: A paga direto para C.

A 3ª. relação se formou após a penhora, por isso não é possível a compensação entre a 1ª e a 3ª relação, pois se não, haveria prejuízo para C.

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c) Se uma das obrigações for de coisa impenhorável, tendo em vista a

relevância do bem para o devedor. Verifica-se que até o Estado foi afastado da

constrição judicial.

10.3 CONFUSÃO

Consiste na união, na mesma pessoa, das qualidades opostas de credor e

devedor da obrigação, o que a inviabiliza no tocante à sua exigência, porquanto

não há como exigi-la de si própria. A consequência da confusão, portanto, será a

extinção da obrigação (art. 381). Ex.: O pai morre deixando o seu patrimônio,

composto de créditos e débitos, para seu único filho, que também é seu

devedor. Na mesma pessoa (filho único), concentra-se o devedor e o credor.

Outro caso que pode dar-se a confusão patrimonial é o casamento, em

comunhão universal de bens, entre devedor e credor.

Os requisitos da confusão são a unidade da relação obrigacional,

pressupondo a existência de uma mesma obrigação; a identificação na mesma

pessoa das qualidades de credora e devedora; a reunião efetiva de patrimônios.

10.4 REMISSÃO

É espécie do gênero renúncia, consistindo na liberação espontânea do

devedor pelo credor, exonerando-se aquele do cumprimento da obrigação de

pagar o título, ou seja, é o perdão da dívida por parte do credor (art. 385).

Trata-se de negócio jurídico bilateral, pois depende da anuência do

devedor e pode ser total ou parcial.

A remissão pode ser expressa, por documento assinado pelo credor e

devedor, ou tácita, quando o credor restituir voluntariamente o título da

obrigação (art. 386).

A devolução ao devedor do objeto empenhado prova apenas renúncia à

garantia real, não implicando extinção da dívida (art. 387). Há, somente,

conversão do débito, de pignoratício para quirografário.

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11 INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

O inadimplemento é o não cumprimento da obrigação. Trata-se de

exceção, pois a regra é a de que as obrigações devem ser cumpridas pelas

partes.

Se o inadimplemento for culposo (voluntário), o credor pode ajuizar ação

para pleitear o cumprimento forçado da obrigação ou a indenização cabível.

Em caso de inadimplemento fortuito, a inexecução decorre de fato não

imputável ao devedor (involuntário), mas de caso fortuito, força maior ou, ainda,

por causas provocadas por terceiros ou pelo credor. Assim, o devedor não

responde pelos danos causados ao credor (art. 393). Nesses casos deve-se

verificar, para exoneração do devedor, a efetiva impossibilidade objetiva; a

impossibilidade superveniente e que a circunstância que a provocou seja

inevitável e não derive da culpa do devedor nem surja durante sua mora.

O inadimplemento absoluto é aquele em que a obrigação não foi

cumprida nem poderá sê-la de forma útil ao credor. Mesmo que a possibilidade

de cumprimento ainda exista, haverá o inadimplemento absoluto se a prestação

tornou-se inútil ao credor. Ex.: orquestra contratada para tocar em um evento,

que não aparece no dia.

O inadimplemento absoluto pode ser total (refere-se à totalidade do

objeto) ou parcial (a prestação compreende vários objetos e um ou mais não

puderam ser cumpridos).

Pelo inadimplemento absoluto o devedor responde pelas perdas e danos

do credor, mais juros (art. 406)26 27, atualização monetária e honorários de

advogado, nos termos do art. 389. Obtida a condenação do devedor ao

26 Enunciado 20 - Art. 406: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano. (I Jornada de Direito Civil, 2002) 27 Enunciado 164 - Arts. 406, 2.044 e 2.045: Tendo início a mora do devedor ainda na vigência do Código Civil de 1916, são devidos juros de mora de 6% ao ano, até 10 de janeiro de 2003; a partir de 11 de janeiro de 2003 (data de entrada em vigor do novo Código Civil), passa a incidir o art. 406 do Código Civil de 2002. (III Jornada de Direito Civil, 2004)

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pagamento das perdas e danos, e não satisfeito o pagamento, cabe a execução

forçada, recaindo a penhora sobre os bens do devedor (art. 391). As perdas e

danos compreendem o que efetivamente se perdeu e os lucros cessantes (art.

402).

O inadimplemento relativo é a mora do devedor. Ocorre o

cumprimento imperfeito da obrigação, com inobservância do tempo, lugar e

forma convencionados (art. 394). A mora pode derivar de descumprimento de

convenção ou de infração à lei, como na prática de ato ilícito (art. 398).

Se houve apenas mora, sendo ainda proveitoso para o credor o

cumprimento da obrigação, responderá o devedor pelos prejuízos decorrentes do

retardamento, nos termos do art. 395.

Se devido à mora a prestação tornar-se inútil ao credor, haverá

inadimplemento absoluto. O credor poderá enjeitar a prestação e exigir perdas e

danos (art. 395, parágrafo único). Ex.: Atraso do buffet para festa pode

ocasionar o inadimplemento absoluto; mas o atraso no pagamento de uma

parcela do preço, na venda a prazo, gera, apenas, mora.

A mora do devedor (debitoris) ou mora solvendi (mora de pagar)

configura-se com o descumprimento ou cumprimento imperfeito da obrigação

por parte do devedor, por causa a ele imputável. O devedor incorre na mora ex

re sem necessidade de qualquer ação por parte do credor. Acontecimentos que

acarretam a mora ex re: arts. 397, caput e 398. A mora ex persona aplica-se

aos demais casos. Será necessária uma interpelação ou notificação por escrito

para a constituição em mora (art. 397, parágrafo único)28. A interpelação pode

ser judicial ou extrajudicial.

A mora do credor configura-se quando ele se recusa a receber o

pagamento no tempo e lugar indicados no título constitutivo da obrigação. Os

requisitos para sua configuração são o vencimento da obrigação; a oferta da

prestação; a recusa injustificada em receber (art. 335, I – consignação) e a

constituição em mora, mediante a consignação em pagamento (art. 337 e 400).

28 Enunciado 427 – Art. 397, parágrafo único: É válida a notificação extrajudicial promovida em serviço de registro de títulos e documentos de circunscrição judiciária diversa da do domicílio do devedor. (V Jornada de Direito Civil, 2011)

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Ambos, credor e devedor, podem ficar em mora. Quando as moras são

simultâneas, uma elimina a outra pela compensação. Nenhuma das partes pode

exigir perdas e danos. Entretanto, quando as moras são sucessivas, permanecem

os efeitos ocorridos nos períodos em que cada mora ocorreu.

Purgar a mora significa neutralizar os seus efeitos. Isto ocorre

cumprindo-se a obrigação já descumprida e ressarcindo os prejuízos causados à

outra parte. Só é possível se a prestação for proveitosa ao credor. Os modos de

purgação da mora estão previstos no art. 401.

A cessação da mora decorre da extinção da obrigação. Ex.: devedor em

mora por dívidas fiscais. Havendo a anistia das dívidas ocorre a cessação da

mora do devedor.

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REFERÊNCIAS

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. FIÚZA, César. Direito civil : curso completo. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro . V. 2. São Paulo: Saraiva, 2012. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2010. RIZZARDO, Arnaldo. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil . v. 2. São Paulo: Atlas, 2009.