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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017 Regência: VASCO PEREIRA DA SILVA Índice Nascimento Traumático do Direito Administrativo .................................................................... 3 Evolução da Justiça Administrativa ......................................................................................... 4 Nova Ciência do Direito Administrativo .................................................................................. 8 Comparação Sistema Francês vs. Inglês ...................................................................................... 9 Direito Administrativo e funções do Estado .............................................................................. 15 Direito Administrativo: definições e critérios ........................................................................... 16 “Todos Diferentes, Todos Iguais” – os Particulares e Administração....................................... 19 Discussões teóricas sobre os direitos dos particulares ......................................................... 19 Escola Negacionista ............................................................................................................. 19 Escola Subjetivista ............................................................................................................... 20 Construção Trinitária ........................................................................................................... 20 Construção Unitária ............................................................................................................ 21 CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA ............................................ 27 Organização Administrativa ................................................................................................... 27 Conceitos da Administração................................................................................................... 29 Divisão Administrativa Portuguesa........................................................................................ 35

Índice - AAFDL

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

Regência: VASCO PEREIRA DA SILVA

Índice Nascimento Traumático do Direito Administrativo .................................................................... 3

Evolução da Justiça Administrativa ......................................................................................... 4

Nova Ciência do Direito Administrativo .................................................................................. 8

Comparação Sistema Francês vs. Inglês ...................................................................................... 9

Direito Administrativo e funções do Estado .............................................................................. 15

Direito Administrativo: definições e critérios ........................................................................... 16

“Todos Diferentes, Todos Iguais” – os Particulares e Administração ....................................... 19

Discussões teóricas sobre os direitos dos particulares ......................................................... 19

Escola Negacionista ............................................................................................................. 19

Escola Subjetivista ............................................................................................................... 20

Construção Trinitária ........................................................................................................... 20

Construção Unitária ............................................................................................................ 21

CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA ............................................ 27

Organização Administrativa ................................................................................................... 27

Conceitos da Administração ................................................................................................... 29

Divisão Administrativa Portuguesa ........................................................................................ 35

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Nascimento Traumático do Direito Administrativo “Vamos sentar o Direito Administrativo no divã da psicanálise e compreender as condicionantes que tem

devido ao nascimento traumático”

A figura da Administração acompanha todas as figuras históricas do Estado, mas falamos de

Administração e não de Direito Administrativo que só surge no seguimento da Revolução

Francesa (1789)

• Afirmação da separação de poderes

• Âmbito do constitucionalismo moderno

1º Trauma – surge pela via jurisprudencial da atuação do Conselho de Estado1 (França).

• Após a revolução francesa (séc. XVIII), os tribunais comuns ficam proibidos de

“perturbar” a Administração Pública

o Revolucionários clamam estar a fazer uma separação de poderes2, mas, estão a

fomentar a promiscuidade entre administração e justiça – a administração

autoanalisa-se, pervertendo a separação de poderes: processo de introspeção

administrativa (Maurice Hauriou)

o Contencioso administrativo não era administrativo e havia uma justiça privativa

para a Administração.

▪ Debbash: confusão total em que o órgão decisor julgava os atos que

tinha praticado

▪ Mesmo com a criação do conselho de estado continua a ser a

Administração a julgar-se a si mesma

• Consequências: demora até o Direito Administrativo ser uma realidade – apenas no

início do séc. XX e em Portugal só a partir de 1976

o Em Portugal, só a partir de 2004 é que os tribunais administrativos passam a ter

poder de ordenar e condenar a Administração – como é recente, ainda é pouco

utilizado

2º Trauma – surge como Direito produzido pelo contencioso privativo da Administração,

salvaguardando os interesses da Administração.3

• Resulta da sentença de Agnès Blanco, em 1873 – “o triste começo” do Direito

Administrativo – reconhece-se a autonomia do Direito Administrativo e necessidade de

criar-se um ramo do Direito distinto do civil

o Vagão de uma empresa pública de trabalho atropela uma criança de 5 anos em

Bordéus.

1 Direito Administrativo não foi decretado por via legislativa e surgiu como uma resposta a necessidades históricas – mantiveram-se os Parlamentos (Tribunais compostos por nobreza) em que os revolucionários não confiavam (já se opunham ao rei, ir-se-iam opor a esta nova ordem social com as suas ideias de classe dominante) pois não iriam reconhecer os direitos de todos os cidadãos. Por isso criam uma nova estrutura em que coloca os litígios da Administração com civis

➢ Surge primeiro o direito processual/adjetivo e da jurisprudência, cria-se o direito material/substantivo – com as sucessivas decisões surge um corpo de regras sólidas que se autonomiza

2 Devido à conceção de Montesquieu de que o poder judicial “ julga os diferendos dos particulares” 3 Protege a Administração. Maurice Hauriou: salvaguarda a lógica do poder administrativo; Otto Bachof: salvaguarda a Administração Agressiva (aquela que quando atua é para exercer a força física sobre os particulares)

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o Pais recorrem ao tribunal que se declara incompetente para julgar pois tratava-

se de uma entidade pública e o “Código de Napoleão” apenas se aplicava para

pessoas iguais (civil)

o O presidente da câmara (primeira instância do contencioso administrativo) diz

mesmo que não há direito aplicável pois não está em causa uma decisão

voluntária da administração e sum uma operação material

o Conselho de Estado acaba por reconhecer que o caso tem de ser julgado num

tribunal administrativo, no entanto não há norma (pois tinham que ter as regras

e princípios próprios que se aplicavam só à Administração)

▪ É preciso criar legislação especial para proteger a Administração Pública

de forma a esta não estar sujeita à responsabilidade civil igual à dos

particulares

▪ Direito Administrativo nasce para negar uma indemnização a uma

criança

➔ Conceção autoritária da Administração que inspira as

“catedrais” do Direito Administrativo: desde Otto Mayer

(Alemanha), Maurice Hauriou (França) a Marcello Caetano

(Portugal)

➔ Construções jurídicas alicerçadas na ideia do poder

administrativo em que o particular não tem direitos perante a

administração – tem direito apenas ao cumprimento da lei; este

direito à legalidade é um falso direito; é Direito a que se cumpra

a ordem jurídica4 (o particular não tinha direitos subjetivos

perante a administração)

• Até 2004 em Portugal, se PM atropelasse uma criança, um juiz administrativo não saberia

sentenciar pois dependia sob que prisma se olhava o caso e qual a gestão

o Em 2004 mudam as coisas e em 2005 há uma nova lei de responsabilidade

administrativa mas não está ainda inteiramente resolvida

▪ VPS: entende que se deve unificar todo o regime da responsabilidade civil

▪ MRS: critica a unificação da gestão privada e pública

Evolução da Justiça Administrativa Momentos de evolução do Direito Administrativo

1º momento – séc. XVIII e XIX – Pecado Original

• Promiscuidade do juiz-administrador – justiça privativa para a administração

• Afirmado pelo novo modelo de Estado Liberal de Direito5 e por regimes autoritários (ex:

Alemanha de Bismarck)

o Administração agressiva (Otto Bachof) – realidade centralizada e concentrado

no Governo (o Leviatã que regulava tudo)

4 Jellineck: “direito subjetivo dos indivíduo, no domínio do direito público, consiste exclusivamente na capacidade de fazer mover as normas jurídicas no interesse individual” - objetivo e subjetivo confundem-se e diluem-se um no outro 5Mas não era exclusivo – iniciou-se em França mas nem todos os países adotaram; Reino Unido era o tribunal comum que julgava a Administração – existia sem estar sujeito aos traumas pois o poder judicial era entendido como autónomo dos demais e tanto se aplicava a privados como a entidades públicas

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o Modelo do ato autoritário – definitivo perante os particulares; executório (em

que podia executar-se mesmo contra a vontade dos particulares) e definitivo6

• Contradição dos revolucionários que não gostavam da Administração Pública, mas

davam-lhe liberdade em tudo o que não fosse limitado pela lei

o Administração era limitada apenas à garantia da segurança e ao primado da

força física (através da polícia e das forças armadas)

o VPS: a Administração nunca pode ter liberdade, os seus poderes são os que a lei

estabelece

2º momento – séc. XIX para XX – Batismo

• Jurisdicionalização do contencioso administrativo – subordinação da Administração ao

Direito

• Afirmado pelo modelo do Estado Social7

o Administração prestadora – Estado providência a que chamou a si novas

funções, tendo discricionariedade no quadro da sua atuação; levou ao

crescimento do aparelho administrativo

o Estado de Administração8 –intervenção económica (influência do

keynesianismo)

o Administração tem a possibilidade de escolha quanto à forma de atuação mais

adequada para reagir e tomar uma decisão de natureza administrativa – “passa-

se da farda única do ato administrativo ao moderno pronto a vestir das formas

de atuação da Administração”

o Deixa de haver primazia do ato da Administração e passa a que haja uma escolha

de como agir para satisfazer necessidades coletivas – surgem novas formas de

atuação numa partilha da realidade jurídico-administrativa

o Administração não diz o Direito nem o define, como fim (isso cabe aos

Tribunais); usa o Direito como meio para satisfazer as necessidades coletivas.

Ex: controlador aéreo dizer para avião voar é um ato administrativo, é uma

indicação de caráter técnico, sendo um ato que é um meio para atingir um

resultado que a ordem jurídica atribui àquele comportamento

▪ Ato já não tem nada de definitivo (isso permanece dos traumas) e

atribui bens aos cidadãos deixando de ser executório e sem poder ser

aplicado coativamente. Ex: ter uma bolsa de estudo (Estado não pode

obrigar-te a usar); pedir uma pensão; pedir autorização para contruir.

Se bem que há atos de realização coativa, como os da Polícia.

• Desconcentração e descentralização dos poderes do Governo – passa a ser apenas chefe

de orquestra que verifica se os músicos seguem a partitura// se a Administração segue

a lei (Cassese)

6 Otto Mayer na Alemanha, Marcello Caetano em Portugal, Maurice Hauriou em França, Santi Romano em Itália. 7 Regulava a prestação de trabalho devido à realidade da “miséria operária”. Em pleno fulgor até aos anos 70 em que começaram as crises 8 Ernst Forsthoff

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o Administração Pública passou a ser realizada por múltiplas entidades coletivas

que exercem a função administrativa em rede não podendo o Governo gerir a

sua atuação

• Aproximação dos sistemas administrativos – no Reino Unido surgem os Tribunals (≠

Courts) que são tribunais administrativos com poder de execução de decisões e de

julgamento – promiscuidade da fase inicial tinha surgido no Reino Unido e agora que

França ultrapassava os traumas de infância, o Reino Unido tinha esta senilidade precoce.

Surge depois uma Judicial Review (meio processual para apreciar atos administrativos,

anos 30 e 40 em que se passou a dizer que a última palavra era sempre dos Courts) e

por fim um Administrative Court9

• Em França o “milagre” não se dá tanto pelo facto do Estado se submeter ao Direito mas

sim no facto de uma instituição que nasceu com o objetivo de proteger a administração

do controlo dos tribunais, se ter transformado num verdadeiro tribunal pela sua atuação

(self-made court) – pela atuação do Conselho de Estado

o Dando também origem ao Direito Administrativo cujo fim não é a defesa da

Administração, mas sim dos direitos dos particulares

• Alemanha: reconstrução pós-guerra do Estado de Direito deu origem à

constitucionalização da Justiça Administrativa destinada à proteção plena e efetiva dos

particulares

o Lei fundamental de Bonn – princípio da tutela plena dos direitos dos particulares

– lei perfeita

o Só surge em Portugal com a CRP 1976 – art. 268º/4 como o artigo “mais-que-

perfeito” porque tem mais do que deveria conter na CRP (VPS)

3º momento – finais séc. XX – Crisma

• Transformações no Estado e forte reação contra o Estado Providência

o Surgimento de novos direitos fundamentais (ex: ecologia, informática,

privacidade, património genético)

o Estado pós-social trouxe consigo uma nova geração que inclui novos direitos

substantivos e novos direitos procedimentais e processuais, consagrando

direitos no domínio do Direito Administrativo (ex: direito de audiência, direito

da fundamentação)

o Novo modelo de um Estado regulador: Administração Agressiva (polícia) +

Administração Prestadora (vida económica e social) + Administração

Infraestrutural

▪ Modelo de Estado pós-social em que a Administração surge com novas

infraestruturas – em que a função administrativa é realizada, através de

mecanismos cooperativos e de colaboração, por uma multiplicidade de

pessoas coletivas como a Administração Pública e os particulares

(multilateralidade)

➢ Realidade Multilateral: os sujeitos na relação jurídica passam a

ser todos os afetados pelas decisões (ex: caso na Alemanha do

9 Apenas numa primeira instância há especialização do Tribunal; em Portugal há tribunais administrativos (especializados da base até ao topo) – o grau de especialização varia de país para país

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pescador afetado pela fábrica cuja licença tinha sido dada pela

administração)

▪ Em vez do Estado prestar ele próprio os bens e serviços (a

Administração não atua em todos os domínios), cria as infraestruturas,

regula e legisla o modo de exercício de certo aspeto da função

administrativa

➢ Assume uma dimensão privada

• As constituições dos Estados modernos vão consagrar um novo modelo do contencioso

administrativo10 – plenamente jurisdicionalizado com um verdadeiro juiz (plenos

poderes face à administração) em que o contencioso administrativo está ao serviço dos

direitos dos particulares (já não há só um direito fundamental ao contencioso

administrativo, mas tem como missão tutelar os direitos particulares nas relações

jurídicas administrativas (art. 268º)

• Europeização do Direito Administrativo

o UE passa a ser a principal fonte de Direito Administrativo produzindo conjuntos

de normas que o vêm modificar e uniformizar (ex: contratação pública

europeia)

10 Constitucionalização do Contencioso Administrativo

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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Nova Ciência do Direito Administrativo VPS: O Direito Administrativo dos dias de hoje é Direito Europeu concretizado (tal como nos anos

60/70 se dizia que o Direito Administrativo era Direito Constitucional concretizado)

➢ Vivemos numa dependência europeia – consagra as grandes opções dos seus direitos

fundamentais e de certas áreas do Direito

➢ Europa depende dos Direitos Administrativos internos para se concretizar pois tem

uma estrutura administrativa limitada e só se aplica Direito Europeu através das

Administrações dos Estados membros.

Temos hoje um Direito Administrativo sem fronteiras?

Sim. Durante muito tempo era Direito nacional e não havia preocupações com o exterior que

hoje em dia são prementes.

Que dimensões surgiram e que trouxeram de novo?

1. Direito Comparado: realidade essencial que contribuiu para a transformação do Direito

Administrativo (a partir dos anos 70) – embora já Otto Mayer, muito tempo antes, tinha

considerado o Comparado – era típico do direito privado e só se fez no domínio do

Direito público com o Estado social; para construir um sistema administrativo é

necessário conhecer outro (mas depois de fundado deixa de se prestar atenção e

concentra-se no nacional)

a. Para perceber o Direito Próprio tem que se conhecer o alheio

b. Dimensão comparada abre o Direito Administrativo a outras realidades e a

novas soluções

c. Os tribunais Europeus, através do Comparado olham para as jurisdições de

vários Estados e criam Direito

2. Direito Europeu: deriva da constituição material da UE e integração das normas nos

diversos Estados-membros, através de tratados. Há também normas europeias sobre a

“boa administração” e quanto ao due process of law

3. Direito Global: realidade atual da globalização já surge com uma dimensão jurídica; o

Direito Administrativo espalhou as suas influências de princípios e regras europeias de

resolução de problemas a todo o mundo – realidade global com rede de relações entre

várias entidades11

a. “Shrimps vs. Turtles” – caso foi resolvido como problema de Direito

Administrativo Global (Cassese)

b. Passou a existir uma administração em rede pois muitos casos resultam da

interação de normas de DIP e Administrativo

O Direito Administrativo atual é totalmente diferente do do séc. XIX pelo que hoje a escola

alemã12 fala duma Nova Ciência do Direito Administrativo, de reconstrução do Direito

Administrativo em função nas novas áreas de atuação), assim pode-se reformular as questões e

adaptar as realidades aos problemas de hoje.

➢ VPS: concorda com esta nova corrente mas desgosta do nome

11 DIP estabelecia relações horizontais e verticais entre Estados, mas passou também a aplicar-se a indivíduos particulares 12 Hoffman-Riem; Schmidt-Assman; Vobkuhle

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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Comparação Sistema Francês vs. Inglês O Direito Administrativo tem vários modelos – modos de organização e atuação genérica da

Administração Pública.

Há 2 grandes modelos que se têm vindo a alterar desde o séc. XIX.: Sistema Francês; Sistema

Inglês.

Critérios que orientam a evolução dos modelos13:

1. Existência ou não de ramo de Direito próprio

• França: liberalismo continental na afirmação da Administração cheio de traumas. Poder

político como o Estado todo poderoso por detrás da Administração – que não era

concebível como se podia limitar (Montesquieu teorizou os poderes do Estado).

Com o Estado Social, há uma lógica de uma realidade organizada de acordo com regras

completas, científicas e que esgotam o domínio da realidade.

Nos dias de hoje, observa-se um predomínio legalista no entendimento do Direito

Administrativo (fonte de natureza literalmente legislativa)

• Inglaterra: liberalismo inglês, que resultou numa transição do Absolutismo e por isso

não se falando em separação de poderes e sim divisão de poderes (não implica a

atribuição de poderes a diferentes órgãos). Costume e jurisprudência comum a todos os

sujeitos portanto sem necessidade de Direito Administrativo – Estado e Administração

Pública submetidos ao Direito comum como qualquer cidadão.

Com o Estado Social, passou a ser necessário a existência de leis que regulem o

funcionamento da Administração – regras parcelares num universo em que continua a

existir costume e precedente judicial

Nos dias de hoje, observa-se que a fonte legislativa associa-se às demais (fonte não é

integralmente de natureza legislativa)

• Discussão Dicey/Hauriou – discussão importante no séc. XIX

o VPS: “discussão de marretas” pois a realidade entretanto já se tinha alterado

2. Administração sujeita a autotutela ou heterotutela

Expressões trazidas por autores italianos (Giannini e Santi Romano) e que traduzem a situação

de saber se a Administração pode executar com poder as suas decisões ou não14(se tem o poder

de imposição ou não). O que está em causa é o poder na lei (que não existe sem ser na lei).

A intervenção dos tribunais, ou não, não surge sempre e não surge previamente à decisão da

Administração. Só surge com oposição do particular (estando do lado passivo) ou quando há

litígio – o que não é muito comum pois o particular obedece; ex: polícia manda-me parar e eu

paro; polícia diz para pagar multa e eu pago

• França: só quando há litígio e particular não obedece a Administração pode executar na

medida em que tenha poderes para isso e na medida que seja permitida pelo

ordenamento jurídico (autotutela)

Com o Estado Social, surge o princípio da legalidade.

Na atualidade, há uma grau elevado de autotutela e a Administração polícia alargada a

todos os domínios demonstra essa posição.

13 Caracterizam o Direito Administrativo como nasceu e como se desenvolveu 14 Não tem a ver com execuções prévias e ações executivas – pois a maior parte dos atos administrativos não são suscetíveis de execução coativa nem há privilégios de execução.

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• Inglaterra: quando há litígio e particular não obedece tem que se ir a Tribunal para se

executar15 (heterotutela). Decidiu-se que a Administração deve negociar –

“administration is business”, contrato em que particular intervém na tomada das

medidas administrativas.

Com o Estado Social, adquire uma autotutela com a atuação dos “tribunals” (“agencies”

nos EUA)

Na atualidade, autotutela é limitada e quando uma ordem não é acatada (o que é pouco

provável) e a Administração a quer executar, recorre à heterotutela

3. Existência ou não de Tribunais Administrativos

Inicialmente havia Tribunais Administrativos em França que não eram verdadeiros tribunais e

não havia Tribunais Administrativos no Reino Unido.

No início do séc. XX, em Inglaterra surgem “tribunals” e dão-se poderes a algumas entidades

administrativas: promiscuidade juiz-administrador até que surgem os verdadeiros tribunais. Já

em França, os órgãos administrativos começaram a transformar-se em verdadeiros tribunais.

Resultado da evolução é o esbatimento de diferenças em que ambos têm tribunais

administrativos mas de modelo diferente:

• França: ordem de tribunais autónoma e com estrutura de base até ao topo de juízes

administrativos

o Como em Portugal: art. 209º CRP – jurisdição separada que leva a que haja na

primeira instância os tribunais administrativos de círculo, depois os tribunais

centrais administrativos e no topo o Supremo Tribunal Administrativo, ou seja

há uma estrutura que vai da base até ao topo de juízes administrativos.

• Inglaterra: tribunal administrativo é de 1ª instância (Administrative Court está integrado

no High Court16); é especializado na 1ª instância e os recursos vão depois para tribunais

judiciais – não têm ordem autónoma

Organização centralizada e concentrada ou descentralizado e desconcentrado17

➢ VPS: Não é uma verdadeira característica fundamental pois esta dicotomia foi própria

do séc. XVIII, pois a evolução da complexidade administrativa levou a que surgisse

necessariamente uma desagregação (hoje em dia são ambos descentralizados e

desconcentrados, poderão é sê-lo mais ou menos tendo em conta o momento)

o Freitas do Amaral inclui nas características

Diferença de pormenor que não caracteriza os 2 sistemas – só existiu no séc. XVIII e XIX

• França: lógica centralizada e concentrada – tudo se concentrava no Estado

15 VPS discorda de Freitas do Amaral, pois em Inglaterra não se tem de ir a tribunal antes de executar (execução judicial das decisões) pois o particular cumpre voluntariamente as decisões sem ser necessário executá-las 16 O High Court is very very low, é a ordem mais baixa do sistema jurisdicional apesar de se chamar High. O High Court é um tribunal especializado na primeira instância porque depois o recurso das decisões do High Court dá-se para os tribunais judiciais normais, dá-se em ultima análise para o Lord’s Justice que está na House of Lords e que exerce as funções correspondentes ao Supremo Tribunal de Justiça. 17 Centralização – uma única pessoa/entidade jurídica; Concentração – um único órgão de poder decide (centralizado e concentrado: todos os atos são imputáveis a uma única entidade – Estado em que como centro de poder surge o Governo) Descentralização – várias pessoas coletivas; Desconcentração – vários centros de poder

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

11

• Inglaterra: lógica descentralizada e desconcentrada – poder local era inerente ao

sistema britânico e havia vários centros decisórios autónomos

OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS FRANCÊS E BRITÂNICO – DOIS IRMÃOS DESAVINDOS

DE ONDE VIERAM OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS?

A Administração Pública é uma entidade que acompanha qualquer um de nós ao longo da vida e com quem

estabelecemos relações jurídicas desde o momento em que adquirimos personalidade jurídica até ao momento em

que tal cessa.

A doutrina administrativista tem defendido uma consideração polissémica deste amplo conceito de

Administração Pública. Não querendo entrar na discussão dogmática do termo, cabe-nos definir Administração

Pública, que entendemos ser, no mesmo sentido sintético de DIOGO FREITAS DO AMARAL, o “sistema de serviços e

entidades que atuam por forma regular e contínua para cabal satisfação das necessidades coletivas”.

Portanto, tendo isto em conta, aos modos jurídicos de organização, funcionamento e controlo da

Administração, como nos diz DIOGO FREITAS DO AMARAL (ou modos jurídicos de organização e atuação genérica da

Administração Pública, no entender de VASCO PEREIRA DA SILVA), damos o nome de Sistema Administrativo.

Estes entendimentos de Administração Pública e de Sistema Administrativo estiveram a par das

manifestações primordiais do Estado, variando conforme o tempo e o espaço. O estádio embrionário da

Administração Pública assumiu diferentes expressões nos diferentes modelos de “Estado” – desde o Estado Oriental,

Estado Grego, Estado Romano e Estado Medieval.

Com o surgir do Estado em sentido moderno, que desperta na esteira de Jean Bodin no séc. XV, afirma-se

um Sistema Administrativo Tradicional, a que chamamos a fase pré-natal dos Sistemas Administrativos. Nesta fase

pré-natal, avulsamente existem regras de caráter jurídico que são vinculativas para a Administração, no entanto,

ainda não constituem um sistema e têm um caráter precário que facilmente podiam ser afastadas e o monarca podia

delas dispensar.

É depois das fortes contrações sociais da Grande Revolução Inglesa (1688) e da Revolução Francesa (1789),

que se dá à luz verdadeiros sistemas administrativos. E daqui surgem dois irmãos (no mesmo sentido em que Hauriou

lhes chama “duas espécies do mesmo género”) cujas diferenças colidem no início mas que, com o passar do tempo,

são atenuadas num sentido convergente – no Reino Unido surge um modelo de Administração (chamado por Hauriou

de Administração Judiciária; cuja influência se estendeu aos Estados jusculturalmente anglófonos, nomeadamente

aos Estados Unidos da América, e por intermédio destes aos países da América central e do sul) e em França surge

outro modelo de Administração (a Administração Executiva, nos termos de Hauriou; viriam a influenciar todo o Direito

continental).

Post: O QUE CONSTITUI OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS?

Após termos percebido que há dois grandes modelos de Sistemas Administrativos, cabe agora perceber

quais os critérios que orientaram a evolução dos mesmos e o que foi caracterizando a história de vida destes dois

irmãos.

Esses critérios são, a saber: 1) Existência ou não de ramo de Direito próprio, 2) Sujeição da Administração

a uma heterotutela ou uma autotutela, 3) Controlo Jurisdicional da Administração Pública por Tribunais

Administrativos (conforme ensinado por VASCO PEREIRA DA SILVA) e 4) Tipo de Organização Administrativa (aqui

contrário a VASCO PEREIRA DA SILVA, mas, convergente com DIOGO FREITAS DO AMARAL).

Analisemo-los agora.

1. Existência ou não de ramo de Direito próprio

Em França, na sequência de uma revolução de rutura com Estado Absoluto, construiu-se um aparelho

administrativo gigante, obediente e eficaz para impor as novas ideias e implementar as reformas políticas,

económicas e sociais – a Administração Pública “centralizadora e instrumento de mudança”, no dizer de MARCELO

REBELO DE SOUSA, surge como necessidade histórica.

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À luz do art. 16º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, postula-se a separação de

poderes que os revolucionários utilizam como justificação da proibição dos tribunais comuns julgarem a

Administração Pública (devido à conceção de Montesquieu em que o poder judicial julgava “os diferendos dos

particulares”). Com isto, pela via jurisprudencial, a que VASCO PEREIRA DA SILVA chama o “primeiro trauma” do

Direito Administrativo, surge um ramo de Direito próprio e com privilégios próprios (sendo esse o “segundo

trauma”).

Já no Reino Unido, desde o Bill of Rights de 1689, que se consagrou o rule of law (império do Direito) em

que se determinou que o direito comum era aplicável a todos. Este estatuto igualitário entre a Administração Pública

e os particulares era devido, como explica MARCELO REBELO DE SOUSA, ao pouco peso do “Estado estamental” e da

resistência à concentração de poder real. Ora, à luz do exposto, sendo o common law para todos os sujeitos de Direito,

não havia a necessidade de se autonomizar um Direito Administrativo.

Devido a estas diferenças surgiu, à época, uma discussão teórica importante entre Dicey e Hauriou sobre se

um dos sistemas administrativos era superior ao outro. No entanto, a discussão entre o rule of law e o droit

administratif era uma “discussão de marretas”, no dizer de VASCO PEREIRA DA SILVA, pois a realidade no séc. XX já

estava a ser alterada.

O irromper do Estado Social no séc. XX vem afirmar, em França, uma lógica de realidade organizada de

acordo com regras completas, científicas e que esgotam o domínio da realidade em que o Conseil d’État consegue ter

uma tutela jurisdicional efetiva. No Reino Unido, já desde o final do séc. XIX que numerosas leis administrativas foram

surgindo dando poderes de autoridade e regulando, diversos órgãos da Administração.

Nos dias de hoje, esta é uma não-questão pois já há assumidamente um Direito Administrativo nos dois

países. A única diferença considerável é ao nível das fontes, uma vez que em França vemos um predomínio legalista

cuja fonte principal é a legislação e no Reino Unido vemos que a fonte legislativa apenas se associa às demais

(nomeadamente ao costume e ao precedente judicial).

2. Sujeição da Administração a uma heterotutela ou uma autotutela

Estas expressões neutras, trazidas por administrativistas italianos (Giannini e Santi Romano), das quais,

acompanhando VASCO PEREIRA DA SILVA, somos adeptos traduzem a situação da execução das decisões

administrativas.

A questão de se saber se há ou não intervenção do tribunal não surge sempre e não surge previamente à

decisão da Administração. Esta intervenção só surge quando o particular, estando do lado passivo da relação jurídica,

se opõe a uma decisão da Administração.

No caso Francês, havendo um litígio em que o particular não obedece, MARCELO REBELO DE SOUSA clama

que há uma supremacia da Administração Pública ao definir o Direito unilateralmente na relação com os particulares,

isto significa que as suas decisões têm uma força executória própria podendo ser impostas pela coação aos

particulares sem intervenção do poder judicial. Portanto, estamos perante um sistema de autotutela.

Quanto ao Reino Unido, havendo litígio, a Administração Pública só pode executar as decisões que atingem

os particulares mediante a permissão dos tribunais, ou seja, o tribunal torna-as em sentenças imperativas mediante

o due process of law, impondo o respeito pela decisão da Administração. Assim, verificamos que temos presente um

sistema de heterotutela.

Estas eram as realidades antes do Estado Social que, em França, temperou com o princípio da legalidade

uma Administração que mesmo na atualidade ainda tem um elevado grau de autotutela, embora agindo na medida

em que tenha poderes para isso e mediante permissão do ordenamento jurídico.

Ao Reino Unido, o Estado Social trouxe os traumas do Direito Administrativo continental criando-se os

Administrative Tribunals (que explicaremos melhor infra) com o poder de execução de decisões e de julgamento. Esta

“senilidade precoce”, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, do Direito Administrativo britânico hoje está

ultrapassada e a autotutela é muito limitada sendo que a Administração recorre à heterotutela para executar as

decisões que os particulares não acatam voluntariamente – que, no ensinamento do professor acima referido, é algo

muito pouco comum pois o particular, em regra geral, obedece às decisões.

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3. Controlo Jurisdicional da Administração Pública por Tribunais Administrativos

Quando nos questionamos sobre a existência de verdadeiros Tribunais Administrativos, que é uma situação

relativamente recente na vida destes dois modelos irmãos, questionamos, no fundo, qual era o controlo jurisdicional

da Administração. Intrinsecamente ligada a esta questão apraz-nos também analisar qual a situação relativa às

garantias jurídicas dos particulares.

Em França, no período contemporâneo ao “triste começo” do Direito Administrativo (associado ao caso de

Agnès Blanco, de 1873), esse mesmo ramo do Direito consagra o estatuto do poder e favorece a Administração face

aos particulares. Considerado o segundo grande trauma do Direito Administrativo, segundo VASCO PEREIRA DA SILVA,

há um Direito produzido pelo contencioso privativo da Administração que salvaguarda os seus interesses. Este

entendimento do contencioso administrativo leva a que MARCELO REBELO DE SOUSA negue a existência de

verdadeiros Tribunais, classificando os existentes como meros “órgãos de administração reflexiva”.

É nesta lógica de promiscuidade da Administração Agressiva (considerada assim pelos autores clássicos),

que se consagra a situação do juiz-administrador havendo, obviamente, menores garantias para os particulares,

uma vez que a jurisdição da Administração era privativa e tinha sempre em vista a salvaguarda do poder

administrativo.

Já no outro lado do Canal da Mancha, o Reino Unido tem a sua Administração Pública, na lógica do rule of

law, subordinada ao direito comum e, por esse motivo, não possui Tribunais Administrativos estando todos os entes

de Direito sujeitos aos ordinários Courts of Law.

A plena jurisdição dos tribunais comuns ante a Administração Pública tem como consequência direta que

os particulares dispõem de efetivas garantias nas relações jurídicas administrativas.

De novo, o advento do Estado Social no séc. XX traz alguma conciliação e aproximação entre os dois irmãos

desavindos.

Na realidade francesa observa-se a jurisdicionalização do contencioso administrativo, num “batismo” que

suplanta o “pecado original” (ambos termos das lições de VASCO PEREIRA DA SILVA) e a Administração Pública se

subordina ao Direito. Agora considerada como uma Administração Prestadora, esta ultrapassa alguns dos traumas da

infância difícil e a atuação continuada do Conselho de Estado transforma-o num verdadeiro tribunal. O “milagre” do

“self-made court”, assim pensado por VASCO PEREIRA DA SILVA, consiste no facto de uma instituição, criada para

proteger a Administração do controlo dos tribunais, se ter transformado através da sua atuação num verdadeiro

Tribunal.

Em terras Britânicas surgem, por esta altura, os Administrative Tribunals que são novas entidades de órgãos

administrativos independentes, cuja criação junto da Administração Central serviu para decidir-se questões de

Direito Administrativo que a lei compele a resolver por critérios de legalidade estrita, como nos refere DIOGO FREITAS

DO AMARAL. Estas entidades administrativas estavam dotadas com o poder de execução das decisões da

Administração e do julgamento de litígios com esta. Portanto, estando a ser ultrapassada em França a questão da

justiça privativa e a promiscuidade do juiz-administrador, essa realidade surge agora no Reino Unido.

Com o decurso do tempo, o esbatimento entre os dois sistemas administrativo foi-se esbatendo e hoje,

ambos os modelos possuem tribunais administrativos sendo que o princípio fundamental que inspira cada um dos

sistemas é diverso, as soluções que vigoram são diferentes e a técnica jurídica de um e de outro é distinta, como

aponta DIOGO FREITAS DO AMARAL.

A diferença principal prende-se no facto de em França termos uma dualidade de jurisdições, consagrando-

se uma ordem de tribunais administrativos autónoma da ordem de tribunais judiciais, possuindo uma estrutura que

vai da base até ao topo de juízes administrativos (o mesmo se verifica em Portugal, logo pelo art. 209º da CRP, de

onde decorre uma jurisdição separada havendo tribunais administrativos de círculo numa primeira instância, seguida

pelos tribunais centrais administrativos e tendo no tipo o Supremo Tribunal Administrativo). No Reino Unido, temos

a unidade de jurisdições sem uma ordem autónoma em que há um tribunal administrativo (Administrative Court

integrado no High Court) na primeira instância, mas, após a passagem por este tribunal especializado, os recursos

seguem para os tribunais judiciais – e por isto, VASCO PEREIRA DA SILVA comenta que o “high court is very very low”,

pois é a ordem mais baixa do sistema jurisdicional.

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4. Tipo de Organização Administrativa

Quando nos referimos aos tipos de organização administrativa nos dois sistemas invocamos conceitos como

o de Centralização (casos em que há só uma entidade jurídica, por oposição a Descentralização em que há várias) e o

de Concentração (em que há apenas um único órgão de poder que decide, por oposição a Desconcentração em que

há vários centros de poder).

Em França, as autarquias locais eram consideradas meramente com instrumentos do poder central havendo

uma lógica administrativa centralizada e concentrada na grande figura do Estado.

Por sua vez, no Reino Unido, as autarquias locais nunca foram encaradas como sendo instrumentais ao

Governo e sempre se conceberam como entidades independentes, verdadeiros Local Governments com poderes

decisórios autónomos, como explica DIOGO FREITAS DO AMARAL. Daí que, a lógica administrativa britânica é

descentralizada e desconcentrada.

Idos os séc. XVIII e séc. XIX, a realidade francesa perde a total centralização e aceita a autonomia de novos

corpos administrativos ao passo que há um incremento da centralização na realidade britânica.

Hoje em dia, temos duas administrações descentralizadas e desconcentradas, sendo-o mais ou menos

tendo em conta o momento.

VASCO PEREIRA DA SILVA não inclui este critério na caracterização e evolução dos Sistemas Administrativos

pois considera-o uma dicotomia própria e isolada do séc. XVIII/séc. XIX, uma vez que a evolução da complexidade

administrativa levou a que surgisse necessariamente uma desagregação.

Não concordamos com o autor neste ponto e aqui vamos ao encontro de DIOGO FREITAS DO AMARAL, ao

considera-la um critério que caracteriza a evolução dos Sistemas Administrativos por uma exigência de coerência. Se

anteriormente assumimos que a existência ou não de ramo de Direito próprio era um critério que nos orienta no

entendimento desta evolução, tal era, como este antagonismo o é, uma discussão própria de um certo tempo

histórico que, no entanto, releva para o entendimento de como eram pensados e construídos os Sistemas

Administrativos.

PARA ONDE VÃO OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS?

Como já foi possível verificar, até aqui houve uma enorme evolução em vários aspetos nos traços da

personalidade destes dois irmãos.

Nunca nos foi possível exigir uma similitude absoluta entre ambos os modelos, pois, como MARCELO

REBELO DE SOUSA lembra, a Administração Pública varia de Estado para Estado e em função do “tipo e da forma

desse Estado, dos sistemas de governo, eleitorais e de partidos, da família de Direito e, de modo particular, do sistema

administrativo dominante”.

Apesar de nos seus primeiros períodos de vida os dois Sistemas Administrativos eram em tudo diferentes e

em tudo colidiam, o passar do tempo trouxe-nos uma convergência significativa, sobretudo através do progressivo

crescimento da complexidade da Administração em realidades de plenos Estados de Direito.

Nos dias de hoje, como consequência dessa aproximação entre os Sistemas, verificamos uma Europeização

do Direito Administrativo, classificado como tal por VASCO PEREIRA DA SILVA, em que a União Europeia, ao produzir

um determinado conjunto de normas, é a principal fonte de Direito Administrativo para ambos os Estados orientando-

os para a uniformização.

À luz da atualidade internacional, e em jeito de conclusão cabe fazer a pergunta: será que após longos anos

a construírem uma relação de união entre irmãos, o chamado Brexit vai de novo separar os Sistemas Administrativos?

Gostamos de pensar que não.

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Direito Administrativo e funções do Estado Funções do Estado são atividades Estaduais próprias que estão atribuídas a vários órgãos e

realizam tarefas diferenciadas

➢ Conceito que vem da rigidez da separação de poderes do liberalismo político

o Pelo que houve uma tentativa de organização do poder político, à escala das

constituições, com base na trilogia que vinha de Monstesquieu

➢ Hoje em dia já se admite que a divisão de poderes pode implicar que a tarefa seja

exercida por mais que um órgão.

Governo: órgão superior da Administração Pública que tem funções administrativas, mas

também funções legislativas

➢ Demonstra-se a maior flexibilização que tem ocorrido

Função Político-Legislativa18

• Ponto de vista material: tomada de decisões importantes, das grandes opções de uma

comunidade política

• Ponto de vista formal: exercício do poder através do procedimento19

• Ponto de vista orgânico: limitado a certos órgãos com competências diferenciadas (AR,

ALRA, Gov)

Função Administrativa20

• Ponto de vista material: satisfação das necessidades coletivas, que são definidas pela

lei e pela Administração

• Ponto de vista formal: exercício do poder através do procedimento administrativo (em

que no final a decisão é da Administração), regulado pela lei (CPA que corresponde à

realidade formal da Administração Pública)

• Ponto de vista orgânico: atribuída a muitos órgãos no seio de 1) pessoas coletivas do

Estado e 2) pessoas coletivas distintas do Estado21

Função Judicial

• Ponto de vista material: decidem e resolvem litígios; resolve conflitos de Direito que

podem existir num determinado país e são levados a juízo no quadro jurídico dessa

realidade

• Ponto de vista formal: exercício do poder através do processo, que determina o modo

como o litígio será julgado, dando várias garantias aos litigantes22 e seguindo um rito

próprio na produção de atos jurídicos

• Ponto de vista orgânico: Tribunais

18 Terminologia que VPS prefere pois há aspetos idênticos em ambas as funções 19 Giannini: é a forma da função 20 VPS não gosta de “Função Executiva” pois não há uma realização cega pela Administração e esta possui autonomia 21 Administração indireta, autónoma, independente e etc. 22 Igualdade das partes numa lógica equitativa e de equidistância do tribunal

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Direito Administrativo: definições e critérios

Freitas do Amaral: para existir Direito Administrativo a Administração Pública e a atividade

administrativa têm de ser reguladas por normas jurídicas propriamente ditas e, essas normas

jurídicas, têm de ser distintas daquelas que regulam as relações privadas dos cidadãos entre si.

Direito Administrativo é o ramo do direito público cujas normas e princípios regulam a

organização e funcionamento da Administração Pública em sentido amplo, a normal atividade

de gestão pública e, ainda, os termos e limites da sua atividade de gestão privada.

• Tem dupla função: legitimar a intervenção da autoridade pública e proteger a esfera

jurídica dos particulares; permitira realização do interesse público e impedir o

esmagamento dos interesses individuais; organizar a autoridade do poder e defender a

liberdade dos cidadãos.

É a procura permanente da harmonização das exigências da ação administrativa, na

prossecução dos interesses gerais, com as exigências de garantia dos particulares, na defesa

dos seus direitos e interesses legítimos. Permanente harmonização entre a eficácia do Poder e

a liberdade dos cidadãos.

VPS: Direito Administrativo é Direito da função administrativa

➢ Doutrina com poucos adeptos portugueses mas seguidores internacionais como

Cassese, Hoffman-Riem, Schmidt-Assman, Vobkuhle

Critério dos Sujeitos

Não podemos dizer que é o direito da Administração Pública porque não se sabe bem o que é a

Administração Pública23 – que também age ao abrigo do Direito Privado (lógica circular que não

ajuda à definição) – não é a natureza dos poderes exercidos que caracteriza o Direito

Administrativo.

➢ O direito administrativo não é só exercício de Direito – art. 4º Estatuto dos Tribunais

Administrativos e Fiscais admite que pode ser tanto entidades públicas como privadas.

Critério do Interesse

Lógica de se considerar os fins da atividade que está a ser realizada – o que vai de encontro ao

“interesse público”

➢ VPS: em sentido amplo, tudo podia ser do interesse público, pelo que este pode ser um

elemento de caracterização mas não um critério de classificação

Há reserva24 de Administração? Por matéria e importância?

VPS: Não faz sentido criar-se esse conceito pois as fronteiras são cada vez menos relevantes.

Critério da Função Lógica da atividade administrativa, independentemente de quem a realiza – não se olha apenas

para o Estado, admite-se que pode ser atos do particular.

23 Embora se admita que é o conjunto de sujeitos que satisfazem as necessidades coletivas / prosseguem interesse público (bem comum). 24 Conceito que significa uma pertença exclusiva: no sentido de caber unicamente a um ato, função ou órgão decidir ou ocupar-se de determinada matéria.

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Aceção ampla, o que pode significar de que se pode atuar pelo Direito Privado

➢ Alargamento da visão do Direito Administrativo e não se baseia na perspetiva do poder

➢ Não está em causa só o exercício de poderes de autoridade, mas as atividades que visam

realizar o interesse público

➢ Aplica-se quando está em causa o desempenho objetivo da função administrativa25 e

não pela presença subjetiva de uma pessoa coletiva pública.26

Sérvulo Correia sugere uma Visão Estatutária, como variante, em que Direito Administrativo cria

um especial estatuto para a Administração

➢ VPS: isto é o mesmo mas como nova consideração do poder

➢ Freitas do Amaral: não se define em função do sujeito, mas sim em função do objeto (a

função administrativa). É direito comum da função administrativa.

Tem que se procurar soluções amplas que enquadrem fenómenos da atualidade – perspetiva

ampla sobre os fenómenos administrativos

➢ Temos que ter em atenção a configuração atual do Direito Administrativo como lógica

infraestadual e alargamento dos sujeitos públicos (sob indicações que vêm do Direito

Europeu)

➢ Direito Administrativo é o direito da função administrativa e as relações

administrativas podem ser um universo muito amplo – o universo do contencioso (art.

212º/3 CRP) e por correspondente do Direito Administrativo é um universo em que as

relações jurídicas são amplas; mesmo critério do art. 2º CPA

Relações Jurídicas O estabelecer de relações jurídicas corresponde ao que a CRP considera que é e o que

caracteriza o Direito Administrativo.

• Conceito chave do Direito Administrativo e que mais se adequa a um Estado de Direito

Democrático.27

Apesar de Administração poder determinar unilateralmente o comportamento dos particulares,

isso é como os direitos potestativos no direito privado – e com base nas relações jurídicas, a

Administração e os particulares “trocam” entre si as posições relativas de sujeito ativo e

passivo.

• Relações administrativas são complexas pois a Administração tem poder jurídico

estando o particular numa sujeição, mas, o particular tem igualmente direitos subjetivos

simétricos aos correspondentes deveres da Administração.

Doutrina da relação jurídica concilia a perspetiva dos indivíduos com a da Administração,

permitindo a melhor realização do binómio da procura permanente de harmonização.

25 A função administrativa caracteriza-se por satisfazer as necessidades coletivas, que variam. 26 Não se pode utilizar critério dos sujeitos devido à fuga para o Direito Privado do Direito Administrativo, que consagra já normas privadas e tem Administração pública sob forma privada inclusive. 27 Esta teoria equilibra a Administração com o particular recusando os dogmas que vinham dos traumas

duma autoridade da Administração.

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• E melhor se coaduna com a diversificação das formas de atuação da Administração, da

compreensão das posições particulares-Administração, explicação dos efeitos das

atuações administrativas multilaterais da moderna Administração infraestrutural e etc.

• Permite entender os fenómenos jurídico-administrativos da atualidade.

Relação jurídica coexiste com o ato administrativo.

Mas tem vantagem dogmática de possuir âmbito de aplicação maior que o ato

administrativo e permite enquadrar teoricamente os direitos e deveres dos sujeitos

jurídicos.

Cidadãos e autoridades administrativas são, em face da CRP, sujeitos de direito autónomos, em

identidade de posições de base e que se relacionam juridicamente (ver art. 18º, 202º e 266º).

• Relação jurídica encontra fundamento na CRP que trata o indivíduo como sujeito de

direito, titular de direitos fundamentais invocáveis perante órgãos públicos, e as

autoridades administrativas como sujeitos jurídicos que não possuem qualquer posição

pré-estabelecida de supremacia fáctica, mas que atuam de acordo com normas jurídicas

para prosseguir o interesse público com respeito pelo direito dos particulares.

• Também o CPA consagra esta teoria.

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“Todos Diferentes, Todos Iguais” – os Particulares e Administração Não só a Administração, mas também os Particulares podem ser sujeitos de Direito

Administrativo.

➢ Estabelecem relações jurídicas administrativas e a CRP considera que é isso que

caracteriza o Direito Administrativo.

Na infância difícil, os sujeitos de Direito Administrativo eram apenas órgãos do poder.

Hoje em dia, os particulares estabelecem relações jurídicas com a Administração em pé de

igualdade – posição de igual dignidade, estatuto jurídico idêntico entre o particular e a

Administração

• Particular é sujeito de Direitos – resulta da CRP e com o reconhecimento de Direitos

fundamentais a que os poderes públicos estão vinculados e obrigados a respeitar.

o A DPH está na base do poder público, nos termos da CRP, e é algo que limita o

modo de como esse poder deve ser exercido. Do lado da Administração há a

prossecução do interesse público e do lado do Particular há a DPH que

determina a própria noção de interesse público e que determina todo o poder.

O estatuto dum particular e da Administração é idêntico e estar numa posição de superioridade

ou de subordinação depende da natureza jurídica em causa – dentro da igualdade dos estatutos

estabelecem-se relações jurídicas com diferentes naturezas.

Poder da Administração é um poder jurídico – atribuído pela lei e correspondente a

tarefa/função que a Administração deve realizar.

• Pode ser a possibilidade da Administração atuar unilateralmente (ato administrativo ou

regulamento, maioria das atuações) – realidade semelhante aos direitos potestativos28

no direito privado em que há posição de vantagem que corresponde a uma posição

jurídica que permite produzir efeitos na esfera jurídica do particular.

Desde os anos 70 que há uma afirmação do particular como sujeito de direito, não é objeto do

poder mas sim sujeito ao estabelecer relações jurídicas administrativas

Discussões teóricas sobre os direitos dos particulares

Escola Negacionista Noção clássica e histórica (advinda dos traumas) – La Ferrière, Otto Mayer, Santi Romano,

Hauriou

Nega-se direitos subjetivos aos particulares – a Administração era um poder que impunha a sua

vontade aos particulares, que eram o objeto do poder Foi contrariado pela ideia de Estado de Direito mas tem reminiscências quando a CRP ainda fala

em “administrados”

28 VPS: Não há nenhum outro poder exorbitante, não há nenhum poder de execução automática das decisões contra a vontade do particular e esses poderes, que são também poderes legais, só existem nos casos em que a lei expressamente o preveja e só existem quando possam existir.

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• Teoria Francesa (Hauriou): lógica de um contencioso e de legalidade em que o particular

só poderia defender a lei; não havia Direitos face à Administração e não atuava no

processo como parte

• Teoria Alemã (Otto Mayer): “não faz sentido conceber um poder de vontade do

particular que se contrapõe ao poder público” – particular não goza de posição subjetiva

de vantagem, mas é protegido indiretamente, em termos fácticos, pelo cumprimento da

lei (Reflexo do Direito – reflexo subjetivo do direito objetivo)

Construções de uma Administração autoritária – ato administrativo define o direito do súbdito

Escola Subjetivista Historicamente defendida por Bonnard, Barthélemy e Marcello Caetano.

Defesa do direito à legalidade – particular tem direito a que a Administração cumpra a lei

• Direito não correspondia à esfera jurídica do particular (direito sem sujeitos) e era um

reflexo do direito

o Confusão entre direito objetivo, que a ordem jurídica impõe o cumprimento da

lei (existe independente de mim), e direito subjetivo, que existe na minha esfera

jurídica29.

Construção Trinitária Desenvolvida em Itália, derivada do Contencioso Administrativo. Em Portugal: Freitas do Amaral,

João Caupers, Vieira de Andrade.

Começa por ser uma construção binária e passa a trinitária.

Particular tem sempre posição substantiva de vantagem – podendo tê-la segundo critérios

lógicos que distinguem o conteúdo de realidades jurídicas diferentes

1. Proteção direta perante Direito Subjetivo – lei diz expressamente que protege

particulares e confere direitos subjetivos (cria a norma de proteção à posição subjetiva de

vantagem)

2. Proteção indireta perante Interesses Legítimos – deveres da Administração que

indiretamente protegem o particular. Lei estabelece um dever de atuação da Administração

que protege indiretamente o particular conferindo-lhe uma posição subjetiva que corresponde

a um interesse legítimo.

• Surgiu pelo contencioso administrativo (primeira tentativa de superar os traumas do

Direito Administrativo) e por razões práticas dos tribunais (gerais vs. administrativos)

italianos. Mas desde o séc. XIX que tem sido muito criticada e hoje em dia já não existe.

• Dava a entender que o legislador apenas regulava o poder e que por distração30 criava

as posições subjetivas de vantagem nos particulares (não era intencional)

• Única diferença era o modo de criação do direito subjetivo

o Mas, ao regular-se um dever da administração, que existe no interesse do

particular, corresponde à atribuição de um direito subjetivo – o dever e o direito

são correlatos/correspetivos

29 Henk 30 Mario Nigro

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o Não há diferença quanto à realidade jurídica – os direitos que resultam de uma

norma de dever têm como conteúdo o correlato do dever

• Freitas do Amaral: funcionário público tem direito a subsídio de alimentação; os

candidatos de um concurso público têm apenas interesses legítimos porque apenas se

diz como a Administração deve agir (pela lei, protegendo indiretamente os particulares)

e só o que ganha é que tem direitos subjetivos.

o VPS: ao regular-se os deveres da Administração, cada dever corresponde a um

direito do particular (direito a que a sua candidatura seja analisada

imparcialmente e etc.). O particular tem direitos menores sobre o conteúdo a

que corresponde aquele dever da administração. O vencedor ganha depois

outro direito (ao cargo) de natureza distinta.

o Direitos têm conteúdo diferente mas são ambos direitos – no direito civil quando

se diz que o vendedor tem o dever de entregar a coisa, não se diz que o

comprador tem apenas “interesse legítimo” na entrega da coisa, ele tem direito

a tal

o Bachof: no quadro do EDD, qualquer norma que protege o particular deve se

presumir que atribui direitos – em tal cabe direitos maiores e direitos menores

3. Proteção de Interesses Difusos – a partir dos anos 70, com os novos direitos fundamentais

em que a proteção objetiva seria simultaneamente subjetiva – criados pela CRP; situações em

que o legislador protege objetivamente um bem/interesse jurídico público e por

consequência, subjetivamente, o particular ficava protegido. Ex: Informática, Ambiente31

• Nestas dimensões jurídicas objetivas há sempre uma dimensão jurídica subjetiva – não

é pelo bem ser de todos, mas sim pela possibilidade de todos puderem usufruir dele

(existe permissão normativa para que cada um usufrua)

o Há direitos subjetivos que correspondem a situações que simultaneamente se

protege um bem objetivo e uma realidade subjetiva

VPS: não faz sentido adotar uma construção trinitária

Construção Unitária Defendida pela doutrina espanhola (García Denterría e Tomás Ramón Fernandez) e italiana.

Direitos são todos da mesma natureza embora possam incidir e consubstanciar-se sobre

realidades diferentes.

É tudo posições substantivas de vantagens, satisfazendo interesses individuais,

possuindo idêntica natureza ainda que podendo ter conteúdos diferentes.

Direito de Reação – Aroso de Almeida, Rui Medeiros – particular tem o direito a agir contra

conta uma ofensa

• Particular só tem direito subjetivo a partir do momento em que há uma lesão

• Confunde a relação jurídica substantiva com a relação jurídica processual

31 Carla Amado Gomes: Direito ao ambiente, não se assume o verdadeiro direito, porque corresponde a uma proteção objetiva de uma realidade ambiental e esta realidade ambiental é de todos. E, portanto, não podia ser apropriada por ninguém. E, portanto, corresponderia a uma dimensão de natureza limitadamente subjetiva.

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o Explica os direitos à indemnização, mas não deve confundir-se o direito do

particular que resulta da ordem jurídica (existe independente do processo), com

o direito de ele ir a juízo (estabelece-se no processo)

o Confunde-se o momento em que a Ordem Jurídica, abstratamente, confere

norma jurídica de vantagem com o momento em que essa posição entra na

esfera do particular e com o momento em que o particular se coloca no âmbito

de aplicação dessa norma

Teoria da “Norma de Proteção” – Ottmar Bühler (criador), Bachof, Scmidt-Assman, VPS – a

regulação é para proteger particulares; perspetiva ampla de direitos subjetivos que abrange

todas as posições subjetivas de vantagem.

3 condições para existência de Direito Subjetivo (Bühler)

i. Norma jurídica que crie posição de vantagem

ii. Norma criada e orientada para proteger os direitos dos particulares

iii. Possibilidade do particular ir a tribunal para tutelar o seu direito

Inovadora, sendo contemporânea do período de Otto Mayer (finais séc. XIX), mas limitada por

algumas posições de vantagens ficarem de fora (estrangeiros não tinham direitos).

Direito de dimensão reduzida a que correspondia a primeira geração dos direitos

fundamentais – proteção dos particulares de ações lesivas da sua esfera jurídica.

Foram precisos 50 anos para que uma nova ordem jurídica refizesse esta construção em termos

adequados ao Estado de Direito Democrático.

Otto Bachof no ressurgir do Estado Direito Democrático na Alemanha faz uma reformulação

teórica da “norma de proteção”.

Alargamento da teoria norma de proteção (Bachof)

i. Não é necessária uma norma, basta existir vinculação da Administração Pública – há

direito subjetivo sempre que a Administração tenha poder vinculado (mesmo que

esteja do lado do poder discricionário32) – basta que a norma tenha um ou mais vínculos

jurídicos33 que isso introduz um direito subjetivo dos particulares

➢ Direitos correspondentes a normas de dever, limitados pelas vinculações legais

ii. Norma criada para proteger os direitos de 1ª geração e os de 2ª (sociais e económicos)

– há um direito subjetivo dos particulares não só no dever da Administração não

agredir, mas também no dever de Administração prestar e atuar

➢ VPS: deve presumir-se que da norma que estabelece deveres há

correspondência ao direito do particular (favorável ao particular) – no âmbito

de uma relação jurídica, é correlato da posição de vantagem do particular;

32 Sempre vinculado pelo menos quanto a três aspetos: 1) competência – é sempre a lei que determina qual é o órgão que pode atuar; 2) quanto ao fim – a lei determina sempre o fim do exercício daquele poder (e, portanto se for exercido com um fim diferente do fim legal há ilegalidade porque há uma realidade material

pela qual a não prossecução do fim legal gera a ilegalidade); 3) obrigado aos princípios gerais da ordem jurídica. 33 Há sempre vínculos jurídicos como são hoje os princípios recebidos da CRP e do CPA e que vinculam imediatamente toda a atuação administrativa. Mesmo no poder discricionário há vínculos jurídicos que não podem ser afastados.

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particular goza de posição de vantagem que é delimitada (de forma negativa)

pela norma jurídica34

➢ Particular não tem já só o direito da Administração se abster, como tem o direito

de a condenar se ela violar os seus direitos e tem o direito de ela atuar. Ex: polícia

não tem apenas o dever de proteger os cidadãos, o particular tem direito que a

polícia intervenha para proteger os cidadãos; o mesmo no caso do Ambiente,

Urbanismo, Consumo em que há deveres de atuação – alargamento da figura

dos direitos subjetivos com a Administração prestadora é instrumento

importante na alteração das relações administrativas, pois com o alargamento

das funções aumentou os deveres e vinculações aos particulares, cujos direitos

acompanharam esse crescimento.

iii. Ir a juízo já não é a causa da condição do direito, mas como é a consequência do facto

do particular ter um direito substantivo – a tutela em tribunal é uma consequência do

exercício do direito subjetivo do particular (possibilidade de particular atuar para

proteger a sua posição de vantagem – art. 268º/4 e 5 CRP, acesso à justiça

administrativa)

➢ Abandou-se como condição (após ter alargado as outras duas)

Reconstrução nos anos 70/80 por Schmidt-Assman com as novas categorias de direitos

fundamentais (3ª geração), por influência do Direito Constitucional.

Vindo da CRP, podem conferir direitos no quadro da relação administrativa?

Sim. O legislador pode ser o ordinário como qualquer outro.

➢ VPS: pode ser por qualquer fonte criadora de direito subjetivo (até de Direito Europeu)

Häberle: introduz um “status activus“ do particular / “status processualis” – particular pode

tutelar estes novos direitos fundamentais no quadro da relação constitucional e depois no

quadro da relação administrativa

Particular está investido numa posição (um “status”) em face do poder público que o

protege contra qualquer agressão de qualquer entidade pública ou privada – possui

direito fundamental de proteção contra agressões ilegais.

Há novas interpretações das normas à luz das novas regras e dos novos direitos

fundamentais que alterou a natureza da relação jurídica administrativa.

Nos dias de hoje é tempo de alargar o direito subjetivo no quadro constitucional porque ainda

se tende a considerar que só há direitos no quadro das omissões da Administração (dizem que no

quadro da Administração ela pode fazer o que quiser – direitos fundamentais submetidos a um princípio

do procedimento) – o sentido agora é o de alargar a noção de direito subjetivo no quadro dos

Direitos Fundamentais, utilizando a construção do Direito Administrativo.

VPS: indivíduo é titular de direito subjetivo em relação à Administração sempre que de uma

norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público, mas também a proteção

dos interesses dos particulares, resulte uma situação de vantagem objetiva, concedida de forma

34 Há direito subjetivo quando um particular é credor de um dever da Administração – uma pessoa específica goza do correlativo do dever da Administração.

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intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto

decorrente de um direito fundamental

CRP fala em duas categorias – art. 268º/3, 4, 5 – mas equipara-os tratando-os como situações

jurídico-materiais dos indivíduos, devendo ser reconduzidos à mesma categoria de direitos

subjetivos.

• O que pode variar é o conteúdo do direito, diretamente atribuído pela lei ou resultante

da maior ou menor amplitude do dever a que a Administração está obrigada

relativamente ao particular. A diferença seria quanto a uma maior ou menor amplitude,

pelo que não faz sentido.

• Tem várias categorias e tudo depende da relação jurídico-administrativa estabelecida

entre o particular e a Administração e da interpretação das normas jurídicas aplicáveis

(que atribuem direitos ou deveres).

O direito subjetivo pode ser atribuído mediante disposição constitucional que atribui aos

particulares a possibilidade de fruição individual de um bem jurídico coletivo ou “de todos”.

• Interesses difusos são direitos subjetivos públicos decorrentes da CRP.

Para perceber se tem legitimidade, temos de ver se cabe nas condições da teoria da norma de

proteção.

• Da previsão da norma retira-se um círculo de pessoas que são protegidas pelo direito –

afetação do direito à esfera jurídica do particular que esteja nesse círculo específico de

pessoas cujo direito afeta, estando na sua proximidade.

Post: A “Norma de Proteção” dos Particulares

É inegável que, nos dias de hoje, o particular ante a Administração Pública tenha direitos. Para trás ficam as teorias

negacionistas, dos tempos clássicos do Direito Administrativo autoritário e perpetradas por autores como La Ferrière,

Otto Mayer, Santi Romano e Maurice Hauriou, em que se negava que os particulares tinham direitos subjetivos – os

particulares eram objeto do poder. Também se deixou cair a conceção da escola subjetivista, encabeçada por autores

como Bonnard, Barthélemy e Marcello Caetano, em que o que se defendia era um direito à legalidade, numa confusão

entre o direito objetivo que a Ordem Jurídica impõe e o direito subjetivo que existe na esfera jurídica de cada um.

Acolhemos agora a ideia de identidade entre o estatuto do particular e o da Administração e, dentro dessa igualdade

de estatutos, estabelecem-se relações jurídicas com diferentes naturezas – concordamos com VASCO PEREIRA DA

SILVA quando se afirma que a relação jurídica é a base da dogmática do Direito Administrativo.

O poder jurídico da Administração (atribuído pela lei e correspondente a uma função que esta deve desempenhar,

atendendo ao art. 266º CRP) de atuar unilateralmente, deve ser entendido não como uma demonstração dos poderes

exorbitantes da Administração Pública, mas sim como uma realidade semelhante aos direitos potestativos, instituto

jurídico do Direito Privado, em que há uma posição de vantagem que corresponde a uma posição jurídica que permite

produzir efeitos na esfera do particular, que atua na relação sempre como sujeito de direito, a par do que acontece

na realidade privatista.

Portanto, temos o particular como um sujeito de direito e não um objeto do poder, sendo que os seus direitos

estão expressamente reconhecidos pelas Constituição da República Portuguesa, conforme o disposto nos art. 20º/1

e 268º, entre outros.

No entanto, apesar de se assumir o particular como um sujeito de direito, a doutrina discute se essa posição jurídica

de vantagem deve ser apurada segundo critérios lógicos que distinguem o conteúdo de realidades jurídicas

diferentes, dando origem a uma Construção Trinitária que distingue os Direitos Subjetivos, os Interesses Legítimos e

os Interesses Difusos; ou se, por outro lado, a posição jurídica do particular deve ser entendida de forma ampla em

que os direitos são todos da mesma natureza, embora possam incidir e consubstanciar-se sobre realidades

diferentes, dando origem a uma Construção Unitária.

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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Acompanhando a doutrina espanhola, italiana e alguns autores portugueses, achamos que a razão está com a

Construção Unitária, pois entendemos que é uma má posição de partida, de cariz ainda autoritário e historicamente

perigoso, o considerar os particulares como titulares de um quase-direito em vez de um verdadeiro direito – devemos

entender que as posições substantivas de vantagem, satisfazendo interesses individuais, possuem idêntica natureza,

ainda que possam ter conteúdos diferentes.

Dentro deste entendimento Unitário distinguem-se duas grandes correntes: os autores que defendem o Direito de

Reação, como Aroso de Almeida e Rui Medeiros, e os que defendem a teoria da “Norma de Proteção”, entre os quais

se destacam Ottmar Bühler, Otto Bachof, Schmidt-Assman e Vasco Pereira da Silva. Referindo só que a teoria do

Direito de Reação tem por fundamento a ideia de que o particular tem o direito a agir contra uma ofensa, foquemo-

nos agora na Teoria da “Norma de Proteção”.

Para Bühler, eram três as condições necessárias para que existisse um direito subjetivo:

1) existência de uma norma jurídica que criasse uma posição de vantagem,

2) essa norma era criada e orientada para proteger os direitos dos particulares,

3) os particulares tinham a possibilidade de ir a tribunal tutelar o seu direito.

Este alemão, contemporâneo de Otto Mayer dos finais do séc. XIX, foi inovador com o reconhecimento da posição

de vantagem dos particulares, mas, e como resultado da sua época, esta aceção de direitos era reduzida e limitada –

não se aplicava a estrangeiros, por exemplo, e focava apenas na “primeira geração dos direitos fundamentais”, no

dizer de VASCO PEREIRA DA SILVA, pois apenas protegia os particulares das ações lesivas da Administração à sua

esfera jurídica.

Cerca de cinquenta anos depois, no ressurgir do Estado de Direito Democrático na Alemanha da década de 50, Otto

Bachof empreende uma reformulação teórica da “Norma de Proteção” e reconstrói toda a teoria de forma a que esta

se adaptasse à nova ordem jurídica. Pegando nas condições iniciais de Bühler, Bachof alarga-as para:

1) não é necessária uma norma e basta existir uma vinculação da Administração Pública, ou seja, há um direito

subjetivo sempre que a Administração atue vinculada juridicamente – o que acontece quase sempre, pois, à luz dos

princípios recebidos da CRP e do CPA, a Administração está imediatamente vinculada pelo menos em três aspetos: a

competência, o fim e os princípios gerais da ordem jurídica.

2) a norma não tem de ser primariamente dirigida para proteger os particulares e pode ser o estabelecimento de um

dever da Administração, sendo que o particular é o credor desse dever da Administração no âmbito de uma relação

jurídica, logo, o correlato do dever é um direito subjetivo do particular – o particular “goza de uma posição de

vantagem que é delimitada negativamente pela norma jurídica”, como aponta VASCO PEREIRA DA SILVA.

3) já não se entende o direito de ir a juízo como uma condição de existência de um direito subjetivo e sim como a

consequência do particular ter esse direito subjetivo – o particular pode proteger a sua posição de vantagem,

atendamos ao nº 4 e ao nº 5 do art. 268º CRP.

Este outro alemão, nos tempos de apogeu do Estado Social, concebe a Teoria da “Norma de Proteção”

especialmente pelo desenvolvimento dogmático da 2ª condição, como uma construção jurídica que abarca os

“direitos de primeira e os de segunda geração”, uma vez que se garante ao particular que a Administração tem o

dever de não agredir, mas, também, tem o dever de prestar e atuar (no campo dos direitos sociais e económicos).

Esta Administração prestadora provocou um alargamento das funções/tarefas que era chamada a desempenhar,

aumentando as vinculações e os deveres relativamente aos particulares, logo, o direito dos particulares acompanhou

esse crescimento, como nota VASCO PEREIRA DA SILVA.

Como já pudemos verificar, a doutrina alemã tende a adaptar a Teoria da “Norma de Proteção” sempre que

constitucionalmente se consagram novas categorias de direitos fundamentais. Portanto, por influência do Direito

Constitucional produzido nos anos 70 e 80, Schmidt-Assman incorpora as novas categorias de direitos fundamentais

(como a informática, a proteção genética, o ambiente e etc.), a que VASCO PEREIRA DA SILVA chama de “terceira

geração”. Entende-se agora que o particular está investido numa posição, ou possui um status, em face do poder

público que lhe permite tutelar os novos direitos fundamentais no quadro da relação constitucional e depois no

quadro da relação administrativa.

Desde a década de 80 até aos dias de hoje que a “Norma de Proteção” tem evoluído no sentido de alargar a noção

de direito subjetivo no quadro dos Direitos Fundamentais, utilizando para isso a construção do Direito Administrativo.

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Em Portugal, VASCO PEREIRA DA SILVA tem feito este desenvolvimento da Teoria da “Norma de Proteção”

considerando que o “direito subjetivo pode ser atribuído mediante disposição constitucional que atribui aos

particulares a possibilidade de fruição individual de um bem jurídico coletivo”. Fala, a propósito desse assunto, nos

“direitos subjetivos públicos”, que se reconduzem a interesses difusos decorrentes da CRP, no entender da

Construção Trinitária, e que se consubstanciam como direitos de defesa que decorrem dos direitos fundamentais.

VASCO PEREIRA DA SILVA considera que, na atualidade, um “indivíduo é titular de direito subjetivo em relação à

Administração sempre que de uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público, mas

também a proteção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de vantagem objetiva, concedida de

forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente de um

direito fundamental”.

Portanto, entendemos que a noção de Direito Subjetivo é mais ampla do que a defendida pela Construção Trinitária

(referida supra) e que a maioria da doutrina portuguesa acolhe. Uma explicação para esta acolhimento massivo da

opinio iuris portuguesa pode ser a do elemento literal da própria CRP, que no art. 268º/3, 4 e 5 fala em duas categorias

de posições substantivas de vantagem. No entanto, a própria Constituição equipara-os e trata-os como situações

jurídico-materiais dos indivíduos, conforme VASCO PEREIRA DA SILVA refere, reconduzíveis a um direito subjetivo. A

diferença que os autores da Escola Trinitária veem nesses direitos subjetivos é o apurar meramente da característica

de ser uma atribuição direta da lei ou de ser uma característica dada pela maior ou menor amplitude do dever da

Administração para com o particular, desconsiderando o que VASCO PEREIRA DA SILVA afirma quando aponta as

várias categorias – sendo que tudo depende “da relação jurídico-administrativa estabelecida entre o particular e a

Administração e da interpretação das normas jurídicas aplicáveis”, que tanto podem atribuir direitos como deveres.

Em jeito de conclusão, e tendo presente a noção de direito subjetivo público, cabe perguntar quem é que esta

Teoria da “Norma de Proteção” legitima a apurar um direito (no âmbito do art. 68º CPA) que, no fundo, “é de todos”.

A primeira coisa a fazer para perceber se o particular tem legitimidade no apuramento do tal direito é verificar se a

situação em causa preenche as condições da Teoria e, em seguida, tem de se perceber qual o círculo específico de

pessoas que é protegida pelo direito. É neste último passo que se conclui em relação ao particular poder tutelar um

direito coletivo, uma vez que há essa possibilidade de tutela se houver uma afetação do direito à esfera jurídica esse

particular, que está na sua proximidade. No fundo, é o perceber se, apesar de ser um direito “de todos”, ele também

constitui um direito de cada um.

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CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA Recorde-se que o Direito Administrativo é o direito das relações jurídicas administrativas, e isto significa

que os particulares e a Administração estão numa posição de paridade, numa posição juridicamente

idêntica.

Organização Administrativa A partir dos Sujeitos Públicos, chegamos ao modo como está organizada a Administração e as

regras que a regem – diferentes sujeitos públicos e modos como estão organizados.

Modelo de organização administrativa – família francesa (influenciada desde os anos 70 pela

família germânica). Desde a UE temos uma grande influência do sistema britânico – lógica de

reciprocidade e expansão do Direito Administrativo (dimensão global do Direito Administrativo

nos nossos dias sendo uma realidade permeável)

“Senhora Dona Administração”

Diferença entre escrever com maiúscula ou minúscula:

• Minúscula – sentido objetivo, sentido da função administrativa

• Maiúscula – sentido subjetivo, sentido do organismo de entidades que prosseguem a

função administrativa

Administração em sentido subjetivo

1. existência de Pessoas Coletivas

Sujeitos que resultam da agregação de outros sujeitos no quadro do direito público e que têm

uma organização institucionária – criadas por iniciativa pública35, para assegurar a

prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de

poderes e deveres públicos.

• Entidades públicas e entidades privadas – há muitas entidades que fazem parte da

Administração Pública mas que se constituem e atuam como Direito Privado – ex: CGD

(pública porque está em causa dinheiro do Estado e exerce a função administrativa mas

a sua organização é segundo regras de direito privado), empresas públicas, fundações

públicas: realidades esquizofrénicas mas que têm a ver com as novas formas de

administração

o Mestiçagem de Direito Público e Direito Privado (Mario Chiti) – direito mestiço

em que não há regimes puros.

▪ Lógica introduzida pelo direito anglo-saxónico em que não há pessoas

coletivas públicas – há pessoas coletivas privadas que são públicas pelas

regras a elas associadas do exercício da função administrativa.

o Miscigenação do Direito em que também há entidades privadas de sujeitos, com

origem privada, que, em razão de contrato com a Administração Pública,

desempenham uma função pública – praticam uma realidade de Direito Público

mesmo sendo entidades privadas.

35 Nascem sempre de uma decisão pública e regida pelo direito público. DFA identifica 7 pessoas coletivas públicas (art. 2º/4 CPA): Estado, institutos públicos, empresas públicas na modalidade EPE, associações públicas, entidades administrativas independentes, autarquias locais, regiões autónomas

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▪ Integrados na Administração Pública, pois colaboram com o Estado no

exercício da função – art. 4º Estatuto Tribunais Administrativos e Fiscais

– particulares que praticam funções públicas são julgados em tribunais

administrativos.

▪ Ex: federações e ligas de futebol são entidades constituídas por privados

mas que exercem a função administrativa, já que o desporto é uma das

tarefas que o Estado assumiu enquanto função administrativa; Cruz

Vermelha; Ordem de Malta; Associação de Bombeiros Voluntários

o Se colaboram com o Estado na elaboração da função administrativa (aquelas

que o Estado assumiu como tal) fazem parte da Administração e são regidos

pelo Direito Público.

▪ Cassese: saber o que faz parte da Administração depende do espaço, do

sítio e da situação/realidade em jogo ▪ Aspetos predominantes do regime jurídico de pessoas coletivas públicas:

criação e extinção, capacidade jurídica de direito privado e património

próprio, capacidade de direito público/poderes de autoridade,

autonomia administrativa e financeira, isenções fiscais, sujeição ao

regime da contratação pública, bens do domínio público, regime da

função pública, sujeição a regime administrativo de responsabilidade

civil, sujeição a tutela administrativa, sujeição à fiscalização do Tribunal

de Contas, foro administrativo

2. Órgãos de pessoas coletivas

Entidades que atuam no quadro da ordem jurídica administrativa, em nome das pessoas

coletivas36 - art. 20º/1 CPA atende à noção estrutural de órgão e não à funcional

• Historicamente desvalorizava-se o conceito de pessoa coletiva no Direito Público, pois

são os órgãos que atuam e estabelecem relações uns com os outros e com os particulares

– é quem intervém no domínio do Direito Administrativo.

o CPA – os órgãos são os sujeitos das relações jurídicas porque são eles que atuam

e não as pessoas coletivas37

▪ Diferente de no Direito Privado em que tudo que se passa dentro da

pessoa coletiva é juridicamente irrelevante – no Direito Público, como

os órgãos têm poderes que resultam da lei, o que se passa no seio da

Administração é juridicamente relevante e a lei tudo regula38

• Valorização do conceito de órgão (desde os anos 50): Estabelecem relações com os

indivíduos, com os órgãos de pessoas coletivas diferentes e com diferentes órgãos

dentro da mesma pessoa coletiva.

o Principio da legalidade regula toda a atuação da Administração – regula os

poderes dos órgãos do poder público e torna as relações internas em relações

externas39, em relações jurídicas administrativas.

36 Pois a “pessoa coletiva” é uma ficção jurídica. 37 VPS: os americanos têm uma expressão – órgão é um indivíduo que está com o chapéu da pessoa coletiva, que tem um chapéu posto - se ele tira o chapéu é um indivíduo privado, se põe o chapéu é um órgão do poder público. 38 Põe em causa o dogma da impermeabilidade da pessoa coletiva – pode existir no Direito Privado, mas não existe no Direito Público. 39 Cassese: distinção entre relações externas e internas perdeu sentido.

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• Todos os órgãos estão subordinados à lei e não há hierarquia entre pessoas coletivas

que são realidades autónomas – ex: PM e Presidente de Câmara (única maneira de

impugnar decisão era recorrer a tribunal); Ministro da Educação e FDL (não pode dar

ordens porque quem manda na faculdade são os órgãos da faculdade); PM e Ministros

(juridicamente não pode dar ordens – pode exonerar e demitir, mas não pode dar

ordens – não há hierarquia no Governo)

• No quadro da Administração não havia relações administrativas e sim relações de poder

– alunos submetidos a uma relação especial de poder relativamente ao professor – ou

seja, não se teria de considerar princípio da legalidade nem invocar-se direitos

fundamentais.

o VPS: há diferentes realidades que resultam da lei, que resultam das diferentes

funções e há direitos e deveres que decorrem das relações jurídicas – mas

decorrem direitos e deveres recíprocos havendo legalidade e direitos

fundamentais: regras jurídicas que determinam o modo como a Administração

atua – relação Administrativa.

• À luz da atual doutrina, numa corrente italiana (Cassese e Nigro), o conceito de pessoa

coletiva pode ser dispensado e que se deve criar o conceito de “serviços públicos”,

substituindo quer a noção de órgão, quer a noção de pessoa coletiva pública.

o VPS: gosta das críticas feitas (de por em causa a relação entre os órgãos e as

pessoas coletivas) mas não gosta da conclusão e passar a falar em serviços

introduz confusão40. Adere a uma ideia germânica que o conceito de

personalidade deve ceder perante o conceito de capacidade (o que é relevante

é saber se há capacidade de gozo e de exercício e não quem tem personalidade

jurídica)

3. Serviços

Apenas aparelhos burocráticos que executam vontade dos órgãos – não têm vontade

autónoma nem manifestam uma vontade em nome da pessoa coletiva, são auxiliares na

execução das decisões (dos órgãos).

FA: células que compõem internamente as pessoas coletivas públicas – organizações

humanas criadas no seio de cada pessoa coletiva pública com o fim de desempenhas as

atribuições desta, sob a direção dos respetivos órgãos. Surgem como unidades funcionais

ou unidades de trabalho. Estrutura-se em:

Serviços Principais (desempenham atividades correspondentes às atribuições da

pessoa coletiva onde se inserem)

Serviços Burocráticos: de apoio, executivos, de controlo

Serviços Operacionais: de prestação individual, de polícia, técnicos

Serviços Auxiliares (desempenham atividades instrumentais que visam tornar

possível ou mais eficiente o funcionamento)

Conceitos da Administração

Órgão – art. 20º/1 CPA

40 Entre entidades que tomam decisões e que atuam no quadro da pessoa coletiva e os Serviços (3), que são auxiliares destinados à execução das decisões por parte dos órgãos e que são realidades diferentes.

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Atribuições – fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas coletivas públicas de prosseguir.

Fora das atribuições são atos nulos (art. 161º/2/b CPA)

Competência – conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das

atribuições das pessoas coletivas públicas. Fora da competência são anuláveis (art. 163º/1 CPA).

Sujeita ao princípio da legalidade (art. 36º/1 CPA) de onde decorre:

a) A competência não se presume

b) A competência é imodificável

c) A competência é irrenunciável e inalienável

d) Competência delimita-se em razão da matéria, da hierarquia, do território e do tempo.

Sabemos que se certo ente jurídico é um órgão verificando se tem determinadas

competências41.

Lei especifica as atribuições de cada pessoa coletiva e, noutro plano, a competência de cada

órgão.

➢ Atribuições e competências limitam-se mutuamente – nenhum órgão administrativo

pode prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que pertence por meio de

competências que não são suas nem pode exercer as suas competências fora das

atribuições da pessoa coletiva em que se integra.

Princípios Constitucionais da Organização Administrativa

Resultam 5 princípios do art. 267º CRP:

1. Princípio da desburocratização – deve funcionar de forma eficiente e facilitando a vida

aos particulares

2. Princípio da aproximação dos serviços às populações

3. Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública – devem

ser chamados a intervir no quotidiano da Administração Público podendo participar na

tomada de decisões administrativas

4. Princípio da descentralização

5. Princípio da desconcentração administrativa

41 O exercício da competência administrativa (que a AP está dotada) para decidir em função do interesse público – só pode agir quando a norma lhe permite mas age para ser decisora (poder-dever) FPM: o que caracteriza a norma administrativa é a competência que se reconduz à prossecução dos interesses públicos tendo ela o poder de decidir – ter o poder é ter a competência para decidir e não só poder de agredir.

• O que caracteriza é terem competência jurídico-pública administrativa, no âmbito de um principio da legalidade em que prossegue interesses públicos.

• Competência é o poder e o dever – nessa medida é que deve se encarar a autoridade.

• É ato administrativo porque foi praticado sob competência jurídico-pública Definição de Direito Administrativo: o que interessa saber é se o ato é praticado numa competência jurídico-pública para cumprir interesse comum

• A norma que permite agir (com marcha de urgência) é de Direito Público e para prosseguir o interesse público.

• Não tem que cumprir como qualquer particular pois há norma de Direito Público que lhe dá exceção

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Art. 267º CRP – nunca se confunde centralização/descentralização (unicidade ou

pluralidade de pessoas coletivas) com concentração/desconcentração42 (dentro

duma pessoa coletiva e como se distribuem as competências pelos órgãos).

Hierarquia:

Modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes

com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de

direção e impõe ao subalterno o dever de obediência.

Poder de decisão vertical entre 2 órgãos em que num há poder de direção e o outro tem

dever de obediência; vínculo entre 2 ou mais órgãos administrativos em que superior e

subalterno atuam para a prossecução de atribuições comuns.

• Interna – hierarquia de agentes – existência de serviços que guiam órgãos no exercício

da administração e o que está em causa é o desempenho regular das tarefas; não é

relacional, é orgânica e não tem relevância para os particulares nem outros sujeitos de

direito público.

Organização interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre superiores

e subalternos.

Ex: estrutura da direção-geral (> direções de serviços > divisões e repartições > secções.

Na dependência do Ministro encontra-se o diretor-geral, subalterno do Ministro mas

superior hierárquico de todo o funcionalismo do serviço: Ministro > diretor-geral >

diretores de serviço > chefes de divisão e de repartição > chefes de secção > restante

pessoal)

• Externa – hierarquia de órgãos – não permite organizar serviços (já não está em causa

a divisão do trabalho) mas distribui competências entre órgãos da mesma pessoa

coletiva. Importa destacar que há subalternos que são, eles também, órgãos com

competência externa que se projetam na esfera jurídica de outros sujeitos de Direito.

Poderes do superior hierárquico:

• Poder de direção – não carece de consagração legal expressa e decorre da própria

natureza das funções de superior hierárquico.

o Ordens – comandos individuais e concretos;

o Instruções – comandos gerais e abstratos.

▪ Circulares são as transmitidas por escrito e por igual a todos os

subalternos que só têm eficácia interna não podendo os particulares

invocarem o seu desrespeito no tribunal administrativo);

• Poder de supervisão – faculdade de revogar, anular ou suspender atos do subalterno.

o Avoca a si o poder de resolução do caso

o Consequência de recurso hierárquico perante ele interposto pelo interessado);

• Poder disciplinar – faculdade de punir subalterno.

Muitas vezes também se autonomiza os poderes de inspeção (fiscalizar continuadamente o

comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços); poderes de decidir recursos

(art. 51º e 52º CPA – aprecia casos primariamente decididos pelo subalterno); poder de decidir

42 Desconcentração pode ser originária ou derivada (permite delegação de poderes a outro órgão – ex: Secretários de Estado só podem fazer o que lhes for delegado)

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conflitos de competência; poder de substituição (DFA: não aceita, pois a competência do

superior não abrange a dos subalternos)

Aos poderes do superior vem o correlativo dos deveres do subalterno e os que dizem respeito

à relação de serviço, mais importante é dever de obediência.

➢ Noção no art. 73º/8 LGTFP.

➢ Subalterno é ser racional, moral e juridicamente responsável pelas suas decisões pelo

que a lei lhe confere competência para examinar a legalidade de todos os comandos

hierárquicos.

o O dever se obediência subsiste se a ordem for ilegal?

Orientação moderada pelo art. 271º CRP e art. 177º LGTFP - corrente

hierárquica (tem de cumprir a ordem) vs. corrente legalista (autores que

consideram valor jurídico da nulidade, nos casos mais graves, onde não se

produz efeitos e não há dever de obediência).

Tutela: Conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra

pessoa coletiva (geralmente pública), a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua

atuação.

• Implica pessoa coletiva tutelar e pessoa coletiva tutelada (2 pessoas coletivas diferentes

e não como na hierarquia em que é a mesma).

• Poderes de intervenção na gestão.

• Fim de que a tutelada cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adotadas soluções

convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público

Finalidade de:

• Garantir a legalidade – apura legalidade das decisões

• Apurar o mérito – juízos de mérito das decisões administrativas da entidade, não se

prendem com a legalidade e apura-se a conveniência

o Art. 242º - face às autarquias locais só há tutela da legalidade, mas sobre

institutos públicos há de mérito (art. 41º LQIP).

o Associações públicas não estão protegidas por nenhuma disposição

constitucional pelo que têm ambas.

Tutela tem vários conteúdos – 5 modalidades:

1. Integrativa (a priori ou a posteriori) – autoriza atos ou confere eficácia (aprova)

2. Inspetiva – fiscalização de funcionamento

3. Sancionatória – poder de aplicar sanções por irregularidades que tenham sido

detetadas na entidade tutelada

4. Revogatória – pode fazer cessar os efeitos de um ato

5. Substitutiva – não prevista na lei e só será legítima se CRP vier permiti-la para casos

bem determinados (DFA) – poder de suprir as omissões da entidade tutelada,

praticando, em vez dela e por conta dela, os atos que forem legalmente devidos. Caso

da Administração Indireta, que prossegue fins do Estado. Não os cumprindo, o Estado

assume-os e realiza-os.

Tutela administrativa não se presume e consubstancia-se em poderes de controlo

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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Integração de poderes – sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado,

ou pessoas coletivas, são postos por lei a cargo das próprias pessoas coletivas a que pertencem.

Devolução de poderes – sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou pessoas

coletivas, são postos por lei a cargo de pessoas coletivas públicas de fins singulares.

➢ Movimento de transferência de atribuições: do Estado para outra entidade (devolução

= transmissão ou transferência para outro ponto).

➢ Permite maior eficiência na gestão de todas as atribuições pois descongestiona a gestão

da pessoa coletiva principal, proliferando centros de decisão autónomos.

o Entidades que exercem administração indireta por via da devolução de poderes

estão sujeitas, além da tutela, à superintendência (art. 199º/d CRP)

Superintendência: Poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos

e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua

dependência.

➢ Superintendência: art. 41º Lei Quadro dos Institutos Públicos + art. 42º com a definição

Poder de definir a orientação e atividade a desenvolver pela entidade da Administração

Indireta43 – dá diretivas (define os fins e dá liberdade de meios)

• Poder de dar orientações genéricas (diretivas): para o modo de exercício da função

administrativa que o Estado confiou a tal entidade (controla o exercício de

competências que eram suas).

o Tem um poder de orientação: não tanto quanto um poder de direção,

mas mais que um poder de controlo.

• Poder de nomear e demitir órgãos dirigentes: apuramento de responsabilidades

levando a demissões ou exonerações

• Poder de tutela em sentido restrito: controlo de certos atos o Autorizativa – antes de se praticar um ato que envolva despesas substanciais que

podem comprometer a parte financeira do Estado, tem que se requerer autorização por

parte dum membro do Governo. Permite o controlo sobre esse ato com a autorização

– mas muitas vezes a tutela é meramente ratificativa e a posteriori do ato praticado em

que o Governo verifica se corresponde ou não às orientações que deu àquela empresa

o Sancionatória – instaura inquéritos disciplinares para apurar o modo como as realidades

foram exercidas.

Delegação de Poderes:

43 Pessoas coletivas com património próprio que em primeira linha responde pela atividade daquela entidade em causa.

➢ Como realiza funções do Estado, se houver problema grave de subsistência dessa

entidade, o Estado pode vir a subsidia-la entrando com património público –

intervenção mais ténue do que no âmbito da Administração Central.

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Ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em

determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem

atos administrativos sobre a mesma matéria.

Requisitos:

• Lei de habilitação – lei tem de prever expressamente a faculdade de um órgão delegar

poderes noutro (pois a competência é irrenunciável e inalienável, mas tal não impede a

delegação de poderes – art. 36º CPA) – art. 44º/3 e 4 CPA

• Dois órgãos ou órgão e agente da mesma pessoa coletiva pública

• Tem que ser praticado o ato de delegação

Não se confunde com: transferência legal de competências, concessão, delegação para serviços públicos,

representação, substituição, suplência, delegação de assinatura e delegação tácita

Natureza jurídica da delegação de poderes: doutrina discute; DFA – competência dos

poderes delegados só existe por força do ato de delegação e é o exercício de uma

competência alheia.

➢ Natureza de uma transferência do exercício da competência (e não da titularidade,

obviamente).

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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Divisão Administrativa Portuguesa

A Administração Pública Portuguesa subdivide-se em:

Administração Direta – interesses são prosseguidos pelo conjunto de órgãos e serviços do

Estado. Modelo de hierarquia vertical.

• Poder de Direção: dá ordens (comandos individuais e concretos) e instruções (comandos

gerais e abstratos) – em que o subalterno tem dever de obediência44

• Poder de Supervisão: superior hierárquico pode fazer cessar a vigência de atos, com

fundamento de ilegalidade, de mérito ou de oportunidade.

• Poder Disciplinar: aplica sanções.

Administração Indireta – composta por pessoas coletivas diferentes do Estado com autonomia

financeira, patrimonial, decisória e de gestão; fenómeno de descentralização por razões de

racionalidade e funcionalidade – prosseguem os fins do Estado/atribuições Estaduais, estando a

ele umbilicalmente ligada.

• Não há poder de direção

• Poder de Superintendência: fixa objetivos, metas

Administração Autónoma – tendo personalidade jurídica de Direito Público são autónomas do

Estado e que não prosseguem fins do Estado e sim objetivos próprios. Ex: autarquias locais,

regiões autónomas, ordens profissionais e etc

• Não há poder de direção nem Superintendência

• Poder de Tutela: pela legalidade ou mérito

Administração Independente – são entidades independentes que se coordenam com o Governo

• Entidades independentes exercem poderes que têm a ver com os 3 poderes do Estado –

vem do direito anglo-saxónico e foi adotada através do direito europeu.

o Não separação e sim divisão de poderes.

• Autores responsáveis pelos seus atos com uma gestão independente que não se

integram no Estado (opinião VPS contra Freitas do Amaral) – ex: Procuradoria Geral da

República, Tribunal de Contas, Entidades reguladoras e etc.

44 Embora quanto às circulares internas tenha dever de obediência mas se não cumprir, como são meras ordens e instruções dentro da hierarquia, não são parâmetros de validade dos seus atos. Não seria inválido mas podia originar responsabilidade.

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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o No quadro da sua atuação -> Poder de Coordenação através do Governo

Administração Pública sob a Forma Privada – fuga do Direito Administrativo para o Direito

Privado45.

• Não são criadas pelo Estado mas colaboram com ele no exercício da função

administrativa e têm realidades muito diferenciadas sob vários pontos de vista (capital,

gestão e etc.).

• Parecidas a empresas públicas – Estado detém parcelas de capital e age como acionista

(privado) em função das suas ações, não podendo fixar orientações genéricas nem

nomear e demitir – Empresas Participadas

o Poder de Gestão do Estado

Vários tipos de Administração

Administração direta

Estado/Administração (Pessoa Coletiva)

Prosseguem fins do Estado

Consagrados na CRP

Atribuições (não confundir com competências):

• Abstem-se da violação dos Direitos, Liberdades, e Garantias

• Tem deveres de proteção

• Tem deveres de prestação

Orgãos- Admin. Direta divide-se em:

Central Periférica(Local)

Competências estendem-se a todo Competências têm abrangência

Território nacional limitada (Repartições financeiras)

(Nota:Escolas Secundárias não têm personalidade jurídica-inserem-se no Ministério da

Educação)

Administração Indireta

Fins do Estado prosseguidos por entidades com personalidade jurídica: têm

autonomia jurídica, financeira, patrimonial

45 Maria João Estorninho e VPS admitem esta divisão na Administração Pública

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Sebenta Administrativo (Incompleta) – DNB 2016/2017

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É composta por

Institutos Públicos: Empresas Públicas

• Serviços Personalizados

• Fundações Públicas

• Estabelecimentos Públicos

Têm autonomia administrativa, podem realizar atos administrativos, celebrar contratos

(de D.Privado) e respondem por indemnizações com o seu património. É o Estado que

as cria, que decide as suas competências, etc.

Diferenças entre Institutos Públicos e Empresas Públicas

I.P- Desenvolve atividades indispensáveis para a administração pública, não têm fins

lucrativos (ex: Hospitais)

E.P- desenvolvem atividades económicas, têm fins lucrativos

Serviços Personalizados- serviços que estavam integrados na administração direta

que passaram a ter Personalidade jurídica

Fundações Públicas- está em causa determinado acervo patrimonial, não têm fins

lucrativos

Administração Autónoma- Prosseguem fins próprios que não os do Estado

Regiões Autónomas, Autarquias locais, Associações Públicas, Universidades (estas

últimas classicamente eram consideradas administração indireta)

Os seus orgãos são sempre eleitos e não nomeados