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Revista jurídica nº 28 Jan./Fev./Mar. 2014 – ANO XXXV publicação periódica

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  • Revistajurdica

    n 28 Jan./Fev./Mar. 2014 ANO XXXV

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  • Revistajurdica

    n 28 Jan./Fev./Mar. 2014 Ano XXXV

    Directores Joo Frazo Francisca Soromenho Gonalo Cardo

    Conselho Cientfi co Carlota Pizarro de Almeida Slvia Alves Eduardo Paz Ferreira Guilherme W. dOliveira

    Martins Miguel Nogueira de Brito Rui Gonalves Pinto

    Fotocomposio AAFDL

    Paginao Ftima Rocha AAFDL

    Impresso e Propriedade Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa

    NDICE

    Artigos Cientfi cos

    A determinao da pena no crime de homiccio qualifi cado ........................... 7 Rui Miguel Lopes da Cruz A responsabilidade por incumprimento do mandatrio ...................................... 15 Renato M. Pires Costume e Lei ...................................... 61 Margarida Baptista Matos Do limite entre o mandato sem representao e o contrato estimatrio ........................ 85 Vitor Finizola Breve refl exo sobre a problemtica de bens com reserva de propriedade a favor do exequente ........................................ 105 Ins Ribeiro

    Crnicas da Atualidade

    Artigo AAFDL ..................................... 129 Andr Carrilho Faculdade de Direito de Lisboa ........... 133 Tiago Seoane

    Prmios Jorge Miranda

    Direito Constitucional em tempos de crise ...................................................... 139 Marco Caldeira O Direito Constitucional em tempos de crise: esboo crtico na perspectiva resgatada de limites constitucionais ao dfi ce e dvida pblica ....................... 161 Joo Freitas MendesISSN 2182-9039

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  • 5ARTIGOS CIENTFICOS

  • 6REVISTA JURDICA AAFDL

  • 7A Determinao da Pena no Crime de Homicdio Qualifi cado

    ARTIGOS CIENTFICOS

    A DETERMINAO DA PENA NO CRIMEDE HOMICDIO QUALIFICADO

    por Rui Miguel Lopes da Cruz[Aluno do Mestrado Cientfi co da FDL]

    O crime de homicdio no nosso ordenamento jurdico exige, a nvel de tutela de bens jurdicos, uma proteco destacada face garantia constitucional que concebida inviolabilidade da vida humana (cfr. artigo 24, n 1 CRP).

    Divide-se em trs grupos: homicdios simples (artigo 131 CP), qualifi cado (artigo 132 CP) e privilegiados em sentido amplo (artigos 133, 134 e 135 CP).

    Seguindo AUGUSTO SILVA DIAS, podemos afi rmar que esta tripartio tem em conta por um lado as situaes de homicdio especialmente censurveis e, por outro, as situaes de homicdios particularmente compreensveis, aumentando assim o leque de opes punitivas para alm da aplicao do tipo previsto no artigo 131 CP: o homicdio simples1.

    Sendo no homicdio qualifi cado visvel um grau de ilicitude mais elevado, tendo em conta a gravidade de culpa (desvalor da atitude) verifi cada atravs das circunstncias em que a morte for produzida, o agente punido com uma pena de doze a vinte cinco anos de priso.

    Ora para que possa um agente ser punido pela prtica do crime de homicdio qualifi cado no basta, por si s, preencher um dos exemplos-padro previstos no n 2 do artigo 132 CP. Necessrio se torna tambm aferir se

    1 AUGUSTO SILVA DIAS, Direito Penal Parte Especial, Crimes contra a vida e a integridade fsica, 3 ed., revista e actualizada, AAFDL, 2011, p. 39.

  • 8REVISTA JURDICA AAFDL

    tal homicdio foi ou no produzido em circunstncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade. No fundo, o preenchimento de um dos exemplos tpicos do n 2 do artigo 132 CP apenas indiciam a prtica de um homicdio qualifi cado, tendo esse indcio que ser confi rmado atravs de uma ponderao fi nal da atitude do agente (a qualifi cao do homicdio qualifi cado assenta num especial tipo de culpa).

    Confi rmado esse indcio, comprovando pois a especial censurabilidade ou perversidade do agente atravs da ponderao fi nal da atitude deste, e provado que esteja em juzo o cometimento do crime naquelas circunstncias o agente ser punido com uma pena que variar entre os doze e os vinte cinco anos.

    Aqui chegados, cumpre questionar qual a medida concreta da pena a aplicar tendo em conta a larga amplitude abstractamente prevista (12 a 25 anos de priso) neste tipo de crime.

    Para obtermos resposta questo colocada importa invocar e depois interpretar correctamente, os artigos 40 e o 71 CP. Assim faremos.

    Nos termos do artigo 71 CP, na fi xao em concreto da medida da pena h que atender culpa do agente e s exigncias de preveno, levando em conta todas as circunstncias que, no fazendo parte do tipo de crime, militam a favor ou contra o agente do crime. J quanto s fi nalidades das penas refere o artigo 40 CP que a aplicao da pena visa a proteco de bens jurdicos e a reintegrao social do agente, mas que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa.

    Recuando verso originria do Cdigo Penal de 1982, a jurisprudncia defendia que na determinao da pena concreta se deveria utilizar, como ponto de partida, a mdia entre os limites mnimo e mximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime e s de seguida se deveria ento considerar as circunstncias que, no fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor ou contra o agente2.

    2 Verbia gratia, Acrdos de 13-07-1983, BMJ n 239, p. 396; de 19-12-1994, BMJn 342, p. 233; de 11-05-1988, processo n 39401 3, Tribuna da Justia, ns 41/42.

  • 9A Determinao da Pena no Crime de Homicdio Qualifi cado

    FIGUEIREDO DIAS viria a se opor a essa interpretao3, sendo que a 1 infl exo na jurisprudncia teria tido j lugar no Acrdo da Relao de Coimbra de 09-11-19834.

    Ainda antes de 1995 comeou a generalizar-se na jurisprudncia no ser correcto partir-se de um ponto mdio dos limites da moldura penal para depois se agravar ou atenuar consoante o peso relativo das respectivas circunstncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinao da medida da pena no depende de critrios aritmticos5, tendo passado a decidir-se expressamente que na fi xao concreta da pena no deve partir-seda mdia entre os limites mnimo e mximo da pena abstracta6. A determinao h-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudncia e equilbrio, dentro dos cnones jurisprudncias e da experincia, no exerccio do que verdadeiramente a arte de julgar.

    Por outro lado, CLAUS ROXIN, defi nindo o papel que cabe culpa na determinao concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade, refere que a pena concreta fi xada entre um limite mnimo (j adequado culpa) e um limite mximo (ainda adequado culpa), limites esses que so determinados em funo da culpa do agente e a intervindo, dentro desses limites, os outros fi ns das penas (as exigncias de preveno geral e da preveno especial)7.

    Com a reviso do Cdigo Penal em 1995, passando a pena a servir fi nalidades exclusivas de preveno, geral e especial, a culpa parece assumir um papel meramente limitador da pena, pois, com a introduo da inovaoconstante do artigo 40 CP, que veio consagrar que a fi nalidade a prosseguir

    3 FIGUEIREDO DIAS, As consequncias jurdicas do crime..., pp. 210-211.4 Acrdo da Relao de Coimbra de 09-11-1983, in Colectnea de jurisprudncia,

    1983, tomo 5, p. 73.5 Vide, Acrdos STJ de 22-02-1989, BMJ, n 384, p. 552; de 22-06-1994, processo

    n 46701, CJ STJ, 1994, tomo 2, p. 255. 6 Vide, Acrdo de 27-02-1991, in AJ, ns 15/16, p. 9 (citado no Acrdo de 15-02-1995,

    CJ STJ 1995, tomo 1, p. 216).7 CLAUS ROXIN, Culpabilidade y Prevencin en Derecho Penal..., pp. 94-113.

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    REVISTA JURDICA AAFDL

    com as penas e medidas de segurana a proteco dos bens jurdicos e a reintegrao do agente na sociedade, passou-se ento a ter em conta os princpios da necessidade, proporcionalidade e adequao como princpios orientadores que devem presidir determinao da pena aplicvel violao de um bem jurdico fundamental.

    Assim, conforme enuncia o n 2 do artigo 40 CP, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

    Em consonncia, o artigo 71, n 1 CP dispe que a determinao da medida da pena, dentro dos limites defi nidos na lei, feita em funo da culpa do agente e das exigncias de preveno, sendo que o n 2 vem exemplifi car algumas das circunstncias agravantes e atenuantes a atender na determinao concreta da pena.

    Para o efeito de determinao da medida concreta ou fi xao do quantum da pena que vai constar da deciso o juiz serve-se, pois, do critrio global contido no ltimo artigo referido, estando vinculado aos critrios de escolha da pena constantes do preceito.

    Na dimenso das fi nalidades da punio e da determinao em concreto da pena, as circunstncias e os critrios do artigo 71 tero a funo de fornecer ao juiz mdulos de vinculao na escolha da medida da pena. Tais elementos e critrios (de dosimetria concreta da pena) devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada fi nalidade de preveno geral, como para defi nir o nvel e a premncia das exigncias de preveno especial, ao mesmo tempo que tambm transmitem indicaes externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

    Acompanhando FIGUEIREDO DIAS de referir que culpa e preveno so dois termos do binmio com auxlio do qual h-de ser construdo o modelo da medida da pena8. A medida da pena h-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurdicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicao.

    8 FIGUEIREDO DIAS, As consequncias jurdicas do crime..., edio de 1993, p. 214.

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    A Determinao da Pena no Crime de Homicdio Qualifi cado

    Na determinao da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71, n 2 CP, atender a todas as circunstncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se noentanto de considerar aquelas que j fazem parte do tipo de crime cometido. Os critrios deste artigo devem ser interpretados e aplicados em correspondncia com o programa assumido no artigo 40, conforme supra referimos e como se diz no Acrdo STJ de 16-01-2008, processo n 4565/07-3, a norma do artigo 40 condensa em trs proposies fundamentais o programa poltico-criminal sobre a funo e os fi ns das penas: a) proteco de bens jurdicos; b) a socializao do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas no o seu fundamento.

    Nesta dimenso das fi nalidades da punio e da determinao em concreto da pena, as circunstncias e critrios do artigo 71 CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada fi nalidade de preveno geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impe maior ou menor contedo de preveno geral conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitrio de afectao de valores), como defi nir o nvel e a premncia das exigncias de preveno especial (as circunstncias pessoais do agente, a idade, a confi sso, o arrependimento), ao mesmo tempo que tambm transmitem indicaes externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

    A concretizao da medida da pena h-de obedecer aos critrios legalmente estabelecidos artigos 40 e 71 CP havendo assim que atender culpa do agente e s exigncias de preveno, bem como a todas as circunstncias que no fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra o arguido.

    Nesta conformidade, h que ter em considerao que a culpa para alm de constituir o suporte axiolgico-normativo da pena, estabelece o limite mximo a que pode chegar a pena concreta, que em caso algum pode ultrapassar a sua medida.

    Paralelamente a ela relevam as necessidades de preveno com um fi m preventivo geral, ligado conteno da criminalidade e defesa geral da sociedade e com um fi m preventivo especial, ligado reinsero social do agente.

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    REVISTA JURDICA AAFDL

    Deve ainda atender-se, como vimos, a quaisquer outras circunstncias que no fazendo parte do tipo sob pena de violao do princpio ne bis in idem deponham contra ou a favor do agente (cfr. artigo 71, n 2, als. a) a f) CP).

    Tais circunstncias no podem ser, contudo, as mesmas que serviram para a qualifi cao do crime porque a tal se ope o principio ne bis in idem. Na senda de MARGARIDA SILVA PEREIRA, a dupla valorao deve efectivamente se afastar, excluindo-se a possibilidade de, no domnio da determinao da pena em concreto, o juiz olhar outra circunstncia qualifi cadora para fi xar a pena9-10. Deve antes, invocar todas as circunstncias que lhe permitam aferir da existncia de uma personalidade censurvel em especial plasmada no facto no fundo construir uma imagem global do facto11 no podendo de novo, luz do artigo 71 CP, atender a circunstncias agravantes.

    O princpio da dupla valorao da culpa deve, pois, impedir que uma (ou mais) qualifi cativa actue como factor de ponderao da medida da pena, uma vez que j foi considerada na prpria qualifi cao do crime.

    De acordo com o artigo 71, n 2 CP, na determinao concreta da pena, no deve ser tomada em considerao as circunstncias que faam j parte do tipo de crime.

    Seguindo FIGUEIREDO DIAS, afi rmamos que no devem ser utilizadas pelo juiz para determinao da medida da pena circunstncias que o legislador j tomou em considerao ao estabelecer a moldura penal do facto no apenas os elementos do tipo de ilcito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinao legal da pena12.

    9 MARGARIDA SILVA PEREIRA, Direito Penal II, Os Homicdios, AAFDL, 2008, p. 77.

    10 Discute-se na Doutrina (esp. alem) se a dupla valorao deve ser ou no admitida. Uns afi rmam que no admissvel a dupla valorao, quer se trate de circunstncias que integram o tipo ou no; outros circunscrevem a proibio da dupla valorao s circunstncias tpicas; por fi m, doutrina h que defende que, face ao funcionamento dos exemplos-padro, que dada a sua natureza obrigam a um recurso a regras de medida da pena autnomas, deve ser possvel a dupla valorao, cfr. MARGARIDA SILVA PEREIRA, idem.

    11 A verifi cao de uma segunda qualifi cativa permite-nos formular um juzo de acrescido grau de culpa no tipo de homicdio qualifi cado.

    12 FIGUEIREDO DIAS, As consequncias jurdicas do crime..., p. 234.

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    A Determinao da Pena no Crime de Homicdio Qualifi cado

    As circunstncias que faam parte do tipo de crime no devem ser tomadas em considerao na medida da pena, bem como constelaes jurdico-penais paralelas aos elementos do tipo13, isto , os factos que consubstanciam um crime de homicdio qualifi cado no podem ser novamente valorados na qualifi cao da culpa para efeitos da medida da pena14.

    Por fi m, a determinao concreta da medida da pena, tendo em conta o princpio da igualdade, ter que ter em considerao critrios jurisprudenciais vigentes e aplicveis a situaes semelhantes, fazendo-se a comparao de cada caso concreto com situaes anlogas equacionadas em outras decises, no se perdendo de vista a especifi cidade do caso em causa15.

    13 Vide, TERESA SERRA, Homicdio Qualifi cado Tipo de culpa e medida da pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pp. 103 e s..

    14 Veja-se a este propsito o Acrdo STJ de 02-02-2010, processo n 108/08.4 PEPDL.L1.S1-5.

    15 Cfr. Acrdo STJ de 29-06-2011, processo n 21/10.5GACUB.E1.S1-3 seco.

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    REVISTA JURDICA AAFDL

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    ARTIGOS CIENTFICOS

    A RESPONSABILIDADE POR IMCUMPRIMENTODO MANDATRIO

    por Renato M. Pires[Aluno do 4 ano de Licenciatura da FDL]

    PALAVRAS-CHAVE

    Contrato de Mandato Responsabilidade Contratual Incumprimento Contratual Incumprimento do Contrato de Mandato Mandatrio.

    RESUMO

    O contrato de mandato representa, hoje, uma ferramenta indispensvel gesto das vrias situaes jurdicas com que nos possamos deparar. Com efeito, o integral cumprimento deste contrato reveste-se de especial importncia, na medida em que muitas das vezes se tratam de atuaes a ser exercidas num curto espao de tempo, ou a mdio prazo. Nesse sentido, cumpre estabelecer com o maior rigor possvel as fronteiras do que e do que no passvel de ser encarado como incumprimento contratual, j que a fi gura em causa pressupe uma vinculao estreita entre o mandante e o mandatrio. De facto, a doutrina e a jurisprudncia no esto ainda totalmente de acordo relativamente a vrios aspetos atinentes a esta problemtica, como o caso, v.g., da admissibilidade do exerccio, pelo mandante, da execuo especfi ca, por forma a poder reagir conta o inadimplemento do mandatrio. Esta, e vrias outras questes relativas responsabilidade por incumprimento do mandatrio, sero por ns abordadas neste artigo.

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    REVISTA JURDICA AAFDL

    ABSTRACT

    The mandate contract represents, today, an indispensable tool to manage the multiple juridical situations that we may face. In fact, the full compliance of this contract has a huge importance, inasmuch as many times we face actions that must be executed in a short or medium term. In this sense, we must establish in the most accurate way possible the boundaries of what can and cannot be considered as a contractual default, since mandatory default liability assumes a narrow bound between the principle and the mandatory. In fact, the doctrine and jurisprudence have not fully agreed on some aspects of this problem, such as, for example, the possibility of the principal to use the specifi c execution device in order to react against the contractual default of the mandatory. This, and many other questions about mandatory default liability, will be approached in this article.

    Introduo

    O presente estudo, realizado no mbito da unidade curricular de Direito dos Contratos II, no segundo semestre do ano letivo de 2012/2013, pretende, de uma forma sinttica e analtica1, analisar, dentro do universo do contrato de mandato (regulado nos artigos 1157 e seguintes do Cdigo Civil2, e estando includo artigo 1155 CC na categoria mais vasta de contratos de prestao de servios, como uma das suas modalidades. Ora, em primeiro lugar, cumpre analisar o contrato ora em estudo em abstrato (defi nio, caractersticas, efeitos, classifi cao, etc.) para, depois, centrar a anlise numa das imensas questes que este contrato nos coloca e que a responsabilidade por incumprimento do mandatrio. Contudo, como o mbito de anlise do nosso estudo se centra num particular foco de responsabilidade (aresponsabilidade por incumprimento contratual, regulada, como veremos,

    1 Salvo questes em que haja, claro, divergncias doutrinrias, altura em que procuraremos, para alm de fazer um estudo relativo aos entendimentos considerados, tomar posio nas mesmas.

    2 A expresso Cdigo Civil ser, doravante, substituda pela abreviatura CC.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    nos artigos 790 e seguintes do CC) consideramos ser importante, antes da anlise da sua aplicao prtica3, a sua considerao geral, para que melhor se compreenda este estudo.

    1. O contrato de mandato

    O mandato defi nido, no artigo 1157 CC, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurdicos por conta da outra. Quanto s partes envolvidas no contrato, a parte que se obriga a praticar atos jurdicos por conta de outra tem o nome de mandatrio, enquanto a parte por conta da qual se praticam esses atos jurdicos tem o nome de mandante4. Apesar de a sua origem histrica no ser, como nos mostra MENEZES LEITO5, consensual, interessante notar que, no domnio do Cdigo de Seabra, o contrato de mandato era, no seu artigo 1318, defi nido da seguinte forma: D-se contrato de mandato ou procuradoria, quando alguma pessoa se encarrega de prestar, ou fazer alguma coisa, por mandado e em nome de outrem. O mandato pode ser verbal ou escrito, o que, como bem nota a propsito MENEZES LEITO6, semelhana do Cdigo Civil francs, o associava necessariamente representao. Alis, o mesmo referido por CUNHA GONALVES que, na poca, at considerava a defi nio legal como defeituosa, propondo que se defi nisse o contrato de mandato como o contrato pelo qual uma pessoa confere a outra o poder, que esta aceita, de a representar num ou em vrios atos jurdicos, praticando estes em exclusivo nome e proveito daquela7. Contudo,

    3 Que diz respeito neste estudo, como parece ser relativamente bvio, s consequncias do no cumprimento das obrigaes a que o mandatrio est vinculado atravs e dependendo dos termos do contrato de mandato em causa.

    4 Sem prejuzo de existirem vrios mandatrios, estando ns a perante a fi gura prevista no artigo 1160 CC da pluralidade de mandatos.

    5 MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. III, Contratos em Especial, 7 ed., 2010, Ed. Almedina, pp. 435 a 437, com uma breve anlise sobre a controvrsia sobre a evoluo histrica do contrato de mandato.

    6 MENEZES LEITO, op. cit., p. 437.7 CUNHA GONALVES, Tratado de Direito Civil em comentrio ao Cdigo Civil

    Portugus, vol. VII, Coimbra Editora, 1934, pp 386 a 388. Alis, este autor e seguindo

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    REVISTA JURDICA AAFDL

    o atual Cdigo Civil (de 1966) abandonou essa perspetiva, dado que veio admitir, nos artigos 1180 e seguintes do CC, casos de mandato sem representao, bem como, no seu artigo 262, estabelece que a atribuio de poderes representativos resulta de um negcio autnomo, que a procurao8.

    No que aos elementos essenciais do contrato de mandato diz respeito,temos dois: em primeiro lugar, elemento essencial do contrato de mandato a assuno, por parte do mandatrio, da obrigao de praticar um ou mais atos jurdicos, o que, como bem nota JANURIO COSTA GOMES9, uma exigncia acrescida ao disposto no antigo Cdigo, j que nele apenas se exigia (artigo 1318) que o mandatrio fi zesse alguma cousa, o que leva autores como PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA10 a conclurem que nessa poca seria possvel a prtica de atos intelectuais ou materiais. Contudo, j no essa a orientao do nosso Cdigo, que apenas admite a prtica de atos jurdicos. Ora, quando se faz referncia a atos jurdicos, estamos a permitir que o mandato recaia, tanto nos atos jurdicos stricto sensu, como nos negcios jurdicos, o que no deve, contudo, obviar a que se permita a realizao de atos materiais: eles podem e como veremos, devem ser realizados, mas apenas, na feliz frmula de JANURIO GOMES11, numa relao de acessoriedade ou dependncia relativamente aos atos jurdicos.

    o entendimento da poca referia o mandato como uma das principais formas de expresso da teoria a representao, e indicando, inclusive, que era o facto de o mandato pressupor a representao que o distinguia de outro negcio, chamado preposio ou mera comisso, onde, a sim, existia um mandato sem representao.

    8 A presuno de gratuidade (prevista no antigo artigo 1331) tambm foi alterada, j que, no domnio do Cdigo de Seabra, se considerava que o mandato se presumia gratuito quando no se tivesse estipulado remunerao, exceto nos casos em que o objeto do mandato dizia respeito a atos realizados por profi sso do mandatrio e, atualmente, no artigo 1158/1 CC, se restringe essa presuno para os casos em que tenha por objeto atos que o mandatrio pratique a ttulo profi ssional.

    9 JANURIO COSTA GOMES, Contrato de Mandato, Ed. AAFDL, reimpresso da edio de 1990 (2007), p. 11.

    10 PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1997.

    11 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 15.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    O segundo elemento essencial do contrato de mandato a atuao do mandatrio por conta do mandante. Como nota MENEZES LEITO, a expresso por conta signifi ca a inteno de atribuir a outrem os efeitos do ato realizado pelo mandatrio, que se projetaro na esfera do mandante12, dizendo-se at, por isso mesmo, que o mandatrio pratica um ato jurdicoalheio. Contudo, essa repercusso dos efeitos jurdicos na esfera do mandante pode ocorrer de duas formas, consoante estejamos perante um mandato com ou sem representao:

    a. No mandato com representao, os atos jurdicos praticados pelo mandatrio em nome do mandante produzem os seus efeitos diretamente na esfera do mandante (artigos 1178 e 258 CC);

    b. No mandato sem representao, os atos jurdicos praticados pelo mandatrio produzem os seus efeitos na sua esfera jurdica (artigo 1180 CC), sendo necessrio um posterior ato de transmisso para que os direitos correspondentes possam ser adquiridos pelo mandante.

    Contudo, e como bem afi rmado por MENEZES LEITO, em ambos os casos existe, no entanto, uma atuao por conta do mandante, j que, quer por via direta, quer por via indireta vem a ser o mandante o destinatrio fi nal dos efeitos dos atos celebrados pelo mandatrio [itlicos nossos].

    J no mbito das suas caractersticas, diremos que o mandato um contrato nominado e tpico, j que possui nomen iuris, bem como um regime legal prprio, respectivamente; , tambm, um contrato, na terminologia de MENEZES LEITO, primordialmente no formal, j que a lei no exige forma especial, embora a procurao seja sujeita a uma forma especial, atentos os artigos 262/2 CC e o 116 do Cdigo do Notariado, o que tem a consequncia de, quando o mandato est ligado procurao artigos 1178 e seguintes se exigir forma especial, no existindo esta exigncia no mandato sem representao (artigo1180 CC)13. No que diz respeito sua gratuidade ou onerosidade, o artigo 1158/1 CC estabelece

    12 MENEZES LEITO, op. cit., p. 439.13 MENEZES LEITO, op. cit., p. 440.

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    REVISTA JURDICA AAFDL

    uma presuno segundo a qual, no tendo o mandato por objeto atos que o mandatrio realize por profi sso, o mandato se presume gratuito, pelo que, na realidade, temos duas presunes: a primeira j foi indicada; a segunda a que, sendo atos profi ssionais, o mandato se presume oneroso. Contudo e convm no esquecer estamos perante presunes ius tantum e, portanto, ilidveis mediante prova em contrrio (artigo 350/2 CC).

    Quanto reciprocidade das prestaes, aderimos posio de MENEZES LEITO14 e JANURIO COSTA GOMES15 segundo a qual o mandato pode ser um contrato sinalagmtico, quando seja oneroso, na medida em que s nessa situao gera obrigaes recprocas para ambas as partes (uma vez que prestao de execuo do mandato artigo 1161, alnea a) CC, corresponde a obrigao do mandante de pagar a retribuio devida artigo 1167, alnea b) CC. O sinalagma ser j imperfeito quando seja gratuito, j que, embora gere obrigaes tanto como o mandante (alneas a), c) e d) do artigo 1167 CC), como para o mandatrio (artigo 1161 CC), a verdade que as obrigaes do mandante no se encontram num nexo de correspetividade com as obrigaes do mandatrio, tendo por fundamento factos acidentais, distintos da obrigao de executar o contrato16.

    Por ltimo, a extenso do mandato: este pode, como resulta da distino feita pelo artigo 1159 CC, ser geral ou especial. Quanto ao mandato geral, e ao contrrio do Cdigo de Seabra (nos seus artigos 1324 e 1325), no dada uma distino legal do seu contedo, j que, quando o artigo 1159 fala em atos de administrao ordinria, estamos ainda no mbito de um conceito doutrinalmente controverso. Contudo, parece estar correto

    MENEZES LEITO quando refere que este mandato correspondente quele que compreende apenas atos que correspondam normal conservao e frutifi cao do patrimnio, excluindo-se os que se traduzam na extino de direitos, envolvam alienao ou onerao de bens ou ainda assuno e

    14 MENEZES LEITO, op. cit., p. 441.15 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 29.16 MENEZES LEITO, op. cit., p. 441.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    obrigaes de relevo17. Sobre o artigo 1159/1 a doutrina discute, a propsito, a sua supletividade ou injuntividade. MENEZES LEITO, ao contrrio da communis opinio18, considera que, para que se possa abranger atos dedisposio, ter que haver um mandato especial simultaneamente conferido com o geral; este deve especifi car os atos que o mandatrio deve praticar (j que no basta, para este autor, que o mandate estipule genericamente essa possibilidade). Contudo, a razo parece estar com a comunnis opinio. Com efeito, no se vislumbram aqui razes de tutela das partes, j que tal poder ter que ser expressamente conferido e por isso do conhecimento do mandatrio, bem como o facto de considerarmos que (tal como PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA) a vontade das partes deve prevalecer19, fundada no princpio geral da autonomia privada, previsto no artigo 405 CC.

    J o mandato especial envolve, para alm dos atos nele referidos, todos os demais que sejam necessrios para a sua execuo (artigo 1159/2 CC). Ou seja, neste caso, temos no s atos principais, que esto expressamente previstos no contrato, como tambm temos outros atos que, embora acessrios prestao principal estipulada entre as partes, so necessrias sua boa execuo, e, por isso, com especial relevncia. Exemplo deste tipo de atos , por exemplo, a prestao de quitao num mandato de compra.

    1.1. O incumprimento das obrigaes

    Antes de iniciar a anlise ao tema da responsabilidade por incumprimento do mandatrio o tema central do nosso estudo para ns importanteque se analise, para ter uma completa compreenso do fenmeno em causa, a dogmtica geral (embora em traos necessariamente sumrios) do incumprimento das obrigaes para que, como se disse supra (em 1) seja mais fcil a sua aplicao prtica ao contrato de mandato.

    17 MENEZES LEITO, op. cit., p. 445.18 Cfr., por exemplo, o que dizem a respeito desta questo PIRES DE LIMA/ANTUNES

    VARELA, op. cit., p. 791; JANURIO COSTA GOMES, O contrato de mandato, tal como referido por MENEZES LEITO, op. cit., p. 446, nota (890).

    19 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., loc. cit..

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    Assim, e seguindo a lio de MENEZES CORDEIRO20, estamos perante uma situao de incumprimento, sempre que o devedor no realize, de acordo com as regras aplicveis, a prestao devida, sendo que possvel distinguir entre o incumprimento stricto sensu, que relativo no-execuo da prestao principal, e o incumprimento lato sensu, que relativo inobservncia de quaisquer elementos atinentes posio do devedor ou do prprio credor, estando especialmente em causa deveres acessrios; pode, ainda, ser defi nido, normativamente, como a no realizao, pelo devedor, da prestao devida, enquanto essa no realizao corresponda violao da norma que lhe era especialmente dirigida e cominava o dever de prestar21. possvel, ainda, distinguir entre as vrias modalidades de incumprimento, que so as seguintes:

    a. Incumprimento da prestao principal ou estrito, onde se incluem as prestaes secundrias; e incumprimento de deveres acessrios, onde se incluem a violao positiva do contrato22;

    b. Incumprimento defi nitivo ou temporrio (mora);c. Incumprimento subjetivo, que se traduz na no concretizao do

    interesse do credor ou objetivo, quando esteja em causa a no realizao da atividade devida.

    As hipteses que mais relevam, neste mbito so, como se antev, as relativas ao no cumprimento stricto sensu, nomeadamente, o incumprimento temporrio, ou mora, o incumprimento defi nitivo, e a impossibilidade, que analisaremos embora sumariamente de seguida.

    20 MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II, Direito das Obrigaes, tomo IV: Cumprimento e no cumprimento; Transmisso; Modifi cao e Extino; Garantias, Almedina, 2010, pp. 103 e ss..

    21 MENEZES CORDEIRO, op. cit., pp. 103 e 105.22 Que representa uma descoberta feita por HERMANN STAUB, e que se reconduz

    fi gura do cumprimento inexato da prestao principal. Cfr, alis, a anlise dogmtica muito bem conseguida sobre esta questo em MENEZES CORDEIRO, op. cit., pp. 189 a 203.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    1.1.1. O incumprimento temporrio (mora); a mora debitoris e a mora creditoris

    Comeando a nossa anlise pela mora do devedor, existe cumprimento retardado (pois que, apesar de ser uma modalidade de incumprimento, pressupe que a obrigao venha a ser, embora tardiamente, cumprida) quando, no momento do vencimento da prestao, esta no seja cumprida. Sendo necessrio que a obrigao subsista, o dever de prestar que cabe ao devedor mantm-se, surgindo, ento, o cumprimento tardio. Para isso , com efeito, necessrio que, em primeiro lugar, a prestao seja ainda possvel, pois que pode suceder que uma prestao s possa ser cumprida no momento contratualmente estabelecido, sendo que, nessa hiptese, a obrigao se extinguir por impossibilidade. Tambm necessrio, para que a obrigao devida subsista, que exista interesse do credor, uma vez que se este perder o interesse na manuteno, a mesma considera-se como impossibilitada (artigo 792/2 CC), com uma aplicao consequente do regime do incumprimento defi nitivo (artigo 808/1 CC)23. Note-se que o interesse do credor deve ser apreciado nos termos do artigo 808/2, ou seja, objetivamente. Para que seja aplicvel o regime da mora, necessrio, para alm da subsistncia da obrigao, que se verifi quem trs requisitos: Em primeiro lugar, que exista exigibilidade da prestao; depois, necessrio que haja sobre a sua existncia certeza. Em terceiro e ltimo lugar, necessrio que a prestao seja lquida, ou seja, tem de ter contedo determinado ou conhecido, j que se considera que a prestao ilquida no seria exequvel24. , no entanto, necessrio que se tenha em ateno que o atraso no cumprimento da prestao pode advir de factos diversos (sendo para tal vital que esse atraso tenha, na sua base, um ato ilcito): assim, a mora ilicitamente provocada pelo devedor diz-se mora debitoris ou solvendi; a provocada pelo credor mora creditoris ou accipiendi, ou pode ainda ser causada por um terceiro.

    23 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 120, sendo que este Autor considera que, apesar de a norma indicada o artigo 808/1 ser relativa mora do devedor, pode ser generalizada. Cfr., a propsito, no local indicado, a nota (251).

    24 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 121.

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    Engane-se quem, no entanto, pense que o facto de a prestao vir ainda a ser realizada exime o seu causador de indemnizar: com efeito, estamos no domnio da responsabilidade contratual e, causando danos para o credor, obriga o devedor inadimplente a indemnizar, com a agravante de se presumir a ilicitude e a culpa do credor (artigo 799/1 CC), apesar de artigo 350/2 CC se tratar de uma presuno ius tantum e, portanto, ilidvel mediante prova do contrrio. Cumpre, tambm, ter em ateno o regime especial previsto para as obrigaes pecunirias, previsto no artigo 806 CC.

    Quanto mora creditoris, j se disse que esta ocorre quando o credor, ilicitamente, provoque o atraso no cumprimento da prestao, manifestao do postulado de que as relaes obrigacionais vinculam ambas as partes, sendo, por isso, necessria a colaborao do credor. Os pressupostos so, como se imagina, idnticos aos que se apontaram para a mora debitoris, com a circunstncia de os papis se inverterem, para alm de se exigir, ainda, que a falta da sua colaborao no se traduza numa extino da obrigao considerada. Havendo, assim, mora do credor, a situao jurdica mantm-se, nascendo diversas obrigaes: em primeiro lugar, este deve indemnizar o devedor nos termos do artigo 816 CC. Depois, a obrigao preexistente altera-se, o que pode suceder por duas vias:

    a. Ou enfraquece o seu direito (artigo 814/1 e 2);b. Ou se intensifi ca o risco que, normalmente, j corria contra o devedor

    (artigo 815/2 CC).

    Para alm destes efeitos, a lei, no artigo 841/1, b) CC, possibilita ainda o devedor a extinguir a obrigao atravs da fi gura da consignao em depsito, com a seguinte ressalva: como esta apenas possvel nas obrigaes de dare (e apenas facultativamente) e, no nas de facere, o devedor deve, numa soluo proposta por CUNHA DE S e seguida por MENEZES CORDEIRO25, fi xar ao credor um prazo razovel para que este

    25 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 130. Tambm os regimes e consequncias que aqui se consideram aplicveis resultam do nosso acolhimento da doutrina deste insigne Autor.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    coopere no cumprimento, sob pena de extino da obrigao, ultrapassado o prazo admonitrio, por aplicao analgica do artigo 803/1.

    1.1.2. O incumprimento definitivo

    Tal como muito bem descreve MENEZES CORDEIRO, o incumprimento defi nitivo traduz uma situao de desistncia, por parte do Direito, em manter em vida o dever de prestar principal, na espectativa que o devedor (ou credor) inadimplente, o cumpra26.

    O incumprimento defi nitivo pode resultar, com efeito, de trs situaes principais, que so a impossibilidade da prestao principal, a perda do interesse na prestao, e, fi nalmente, a ultrapassagem do prazo admonitrio. Consideremo-las individualmente.

    Quando (culposamente!) a prestao principal fi que impossibilitada, esta situao no tem alternativa, levando sua substituio pelo dever de indemnizar. Contudo, quanto s duas outras situaes, elas resultam de um processo complexo, a que MENEZES CORDEIRO d o nome de iter da defi nitividade27. Assim, o credor da prestao pode, nos termos doartigo 808/2 CC, perder o interesse no cumprimento da prestao. Depois, na terceira modalidade, existe um regime relativo fi xao do prazo admonitrio: em primeiro lugar, o artigo 808/1 CC, 2 parte exige que se verifi que o seguinte percurso ou iter para o incumprimento defi nitivo: em primeiro lugar, deve ser fi xado um prazo (quando se trate, obviamente, de uma prestao em que este no esteja defi nido pelas partes). Depois, necessrio, tal como disposto no artigo 805/1, que se interpele o devedor. Esgotado esse prazo, tem lugar, a sim, a interpelao admonitria, em que se deve, de acordo com o artigo 808/1, 2 parte CC, fi xar um prazo razovel. E, s depois de ultrapassado este novo prazo, que nos deparamos com um incumprimento defi nitivo da prestao principal28, numa clara

    26 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 135.27 MENEZES CORDEIRO, op. cit., loc. cit..28 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 136.

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    demonstrao legislativa de dois postulados: em primeiro, o do brocardo latino pacta sunt servanda (segundo o qual os contratos celebrados pelaspartes devem ser cumpridos integralmente); e, depois, o postulado de que o Direito pretende, a todo o custo, evitar situaes de incumprimento defi nitivo, estabelecendo, para tal, um regime moroso e, quanto a ns, talvez demasiado leve para o devedor inadimplente que visa dar parte incumpridora a oportunidade de cumprir, embora tardiamente, a sua prestao. Alis, tal a posio de MENEZES CORDEIRO, que constata o bvio: que estamos perante um calvrio burocrtico29. Note-se, contudo, que se trata de um regime supletivo, podendo as partes, ao abrigo da sua autonomia privada (artigo 405 CC), fi xar ab initio um prazo perentrio, fi ndo o qual o incumprimento se considera defi nitivo. Contudo, como referem os artigos 798 e 804, ambos do Cdigo Civil, quando esse iter cause danos e despesas, estes devem ser indemnizados pelo devedor30.

    Para alm destes mecanismos, tambm cumpre notar que existem, pelo facto de os contratos, muitas vezes, possurem prestaes recprocas, mecanismos especfi cos, tais como a resoluo por incumprimento, tratada no domnio da impossibilidade imputvel ao devedor (artigo 801/2 CC), e a exceptio non adimpleti contractus, prevista e regulada nos artigos 428 e 429 CC.

    1.1.3. A impossibilidade do cumprimento

    Uma vez que o escopo da nossa interveno diz respeito responsabilidade por incumprimento do devedor, apenas nos interessa analisar a relevncia da impossibilidade como fonte de responsabilidade para o devedor, quando a este seja imputvel: artigo 801/1 CC. Tal no deve fazer com que se esquea que esta surge como fator extintivo das obrigaes (artigo 790/1 CC), bem como fator de invalidade do negcio (nulo, nos termos do artigo 280 CC), quando relativa ao prprio negcio jurdico.

    29 MENEZES CORDEIRO, op. cit., loc. cit..30 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 137.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    Dito isto, cumpre analisar o regime do artigo 801/1 CC: segundo este, se a prestao se tornar impossvel, por causa imputvel ao devedor, este responsvel nos mesmos termos em que o seria se no cumprisse culposamente a prestao: ou seja, aplica-se o regime do incumprimento defi nitivo. Isto tem consequncias prticas claramente visveis: uma vez incumprida a prestao, presume-se a culpa do inadimplente e, se estivermos perante uma impossibilidade superveniente, o artigo 801/1 tem aplicao, a menos que o devedor ilidida a presuno do artigo 799/1.

    Por outro lado, se estivermos perante um contrato com prestaes recprocas, o artigo 801/2 permite ao credor dar uso a uma srie de remdios, que so31:

    a. Resolver o contrato;b. Exigir a restituio da prestao que haja efetuado;c. Independentemente da opo escolhida, pedir uma indemnizao

    pelos danos causados.

    A mesma panplia de opes altera-se, contudo, se estivermos perante um incumprimento parcial, altura em que, segundo o artigo 802/1 CC, o credor pode32:

    i. Resolver o contrato;ii. Manter numa expresso do princpio do favor negotti33 o contrato,

    exigindo o remanescente que ainda seja possvel e reduzindo proporcionalmente a sua prpria prestao;

    iii. Em qualquer dos casos, e semelhana da impossibilidade defi nitiva, mantm o direito a uma indemnizao pelos danos sofridos.

    Cumpre, para fi nalizar, referir o facto que o regime da impossibilidade representa um desvio s regras gerais da repartio do risco nas obrigaes, previsto nos artigos 795 e 796 do Cdigo Civil.

    31 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 185.32 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 186.33 Cfr., sobre o princpio do favor negotti, PEDRO PAIS VASCONCELOS, Teoria

    Geral do Direito Civil, Almedina, 2008, pp. 755 e ss..

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    2. As obrigaes do mandatrio para com o mandante, no mbito da relao contratual do mandato

    Vistos os elementos que consideramos ser essenciais melhor compreenso do nosso estudo a anlise do contrato de mandato e do regime geral do incumprimento obrigacional, chegamos altura de analisar o tema a que nos propusemos. Ora, como muito bem ensina MENEZES CORDEIRO, a responsabilidade obrigacional intervm perante a inobservncia do devedor de uma obrigao. Com efeito, a obrigao , hoje, considerada uma relao complexa, que compreende o dever de prestar principal, os deveres secundrios e os deveres acessrios, cujo no cumprimento se traduz (ou pode traduzir) na no execuo defi nitiva ou na impossibilidade do dever de prestar principal. Contudo, a obrigao subsiste, sendo-lhe enxertado o plus da obrigao de indemnizar. Mas essa obrigao de indemnizar ser, sempre (no clculo e na compleio), aferida em relao ao quid contrato, isto , no se reduz ao facto ilcito do incumprimento, mas sim, do contrato considerado ao qual se acrescenta a inexecuo da prestao principal. Da que acompanhemos, claramente MENEZES CORDEIRO, no s na considerao de que a responsabilidade contratual esteja ao servio do valor contrato, como na considerao de que as responsabilidades aquiliana e contratual so completamente distintas, pois que esta, e no aquela, tem como ponto de partida a constituio primria da obrigao. Como da celebrao do contrato resultam, para as partes, deveres especfi cos (e nogerais, como os que so tutelados pela responsabilidade extracontratual dos artigos 483 e seguintes CC), o regime a aplicar aquando do incumprimento destes ser, naturalmente, o da responsabilidade contratual, com a nota de que, quando o artigo 799/1 presume a culpa, est, na realidade, a utilizar o conceito porventura incorretamente transposto da faute napolenica, pelo que, havendo incumprimento contratual, nos deparemos com uma presuno no s de culpa, mas, tambm, de ilicitude34. Assim, necessrio verifi carmos, com recurso s normas constantes no Cdigo Civil, qual

    34 MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus..., II, Direito das Obrigaes, tomo III, pp. 385 a 395.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    o contedo tpico das obrigaes por esta parte assumidas, para que indaguemos sobre os termos da sua responsabilidade (quando que estaremos, ou no, face a incumprimento). Tal constatao implica que nos debrucemos, detalhadamente, sobre as disposies dos artigos 1161 e seguintes do Cdigo Civil, por forma a encontrar e analisar as vrias obrigaes s quais o mandatrio se submete e pelas quais, por incumprimento, ir responder contratualmente, pela via dos artigo 798 e seguintes CC.

    2.1. A obrigao de executar o mandato de acordo com as instrues recebidas (artigo 1161, alnea a), CC)

    Como primeira obrigao do mandatrio, sediada na alnea a) do artigo 1161 CC, temos a obrigao principal do contrato de mandato, que a de praticar os atos integrados no mandato, segundo as instrues do mandante. Tal como acontece na gesto de negcios artigo 465, a) CC o facto de o mandatrio praticar atos jurdicos alheios faz com que este (o mandatrio) deva realiz-los em conformidade com a vontade do mandante35. Esta disposio presta-se a alguns esclarecimentos. Primeiro, e ao contrrio do que acontecia na vigncia do Cdigo de Seabra36, no existe nenhuma bitola segundo a qual possamos avaliar a conduta contratual do mandatrio.Tal no representa, contudo, qualquer bice, j que, como PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA37, MENEZES LEITO38 e JANURIO COSTA GOMES39 bem notam, no h necessidade de reafi rmar um princpio que decorre j das normas gerais dos artigos 799/1 e 487/2 do CC, e que impem ao mandatrio o dever de agir com o padro bonus pater famlia: o diligente pai de famlia, no que s instrues que recebe diz respeito. Como, contudo, estamos perante um contrato gestrio, no sentido em que, apesar de o

    35 MENEZES LEITO, op. cit., p. 452.36 Cfr. o seu artigo 1336, que assim rezava: O mandatrio deve dedicar gerncia de que

    encarregado a diligncia e cuidado de que capaz, para o bom desempenho do mandato; se assim no fi zer, responder pelas perdas e danos a que der causa. (itlico nosso).

    37 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 719. 38 MENEZES LEITO, op. cit., p. 453.39 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 70.

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    mandatrio se obrigar a atuar segundo as instrues do mandante, isso no inclui a predeterminao de situaes inesperadas que possam surgir no seu mbito, necessrio algo mais: exige-se, portanto, uma atuao avisada, diligente e correta do mandatrio, segundo o padro de um bom gestor40. O facto de a diligncia ser aferida em relao ao caso concreto e portanto em abstrato permite incluir uma maior exigncia face ao contrato de mandato individualmente considerado. Assim, por exemplo, e seguindo um entendimento j defendido se bem que em termos necessariamente diferentes, uma vez que era face a um artigo 1336 que consagrava uma avaliao da diligncia em concreto41 atravs da clusula diligncia e cuidado que capaz por CUNHA GONALVES42, quando o desempenho do mandato exija, pela sua natureza, conhecimentos tcnicos ou cientfi cos, deve o mandatrio agir dentro dessa base, respondendo pelos danos causados em caso contrrio.

    2.1.1. O artigo 1162 CC e a sua conexo com o dever principal de agir conforme as instrues do mandante

    Com uma leitura rpida e superfi cial do disposto na alnea a) do artigo 1161 poderia pensar-se que se estaria a exigir um rigor exacerbado ao nvel de conduta do mandatrio. que, em primeiro lugar, no nos devemos esquecer que, ao contrrio do trabalhador subordinado43, o mandatrio tem uma certa margem de autonomia na esfera do principal44. Ora, precisamente nesse contexto que o artigo 1162 vem estabelecer que o mandatrio pode deixar de executar o mandato ou afastar-se das instrues que recebeu, quando seja razovel supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstncias que no foi possvel comunicar-lhe em tempo til. Ora, isto signifi ca que, quando ocorrerem situaes novas que tornem presumvel a modifi cao das intenes do

    40 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., loc. cit..41 A expresso de MENEZES LEITO, op. cit., p. 453.42 CUNHA GONALVES, op. cit., p. 439.43 Cfr. o artigo 11 do Cdigo do Trabalho.44 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 714.

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    mandante, o mandatrio deve tomar essa situao em considerao, e tomar uma de duas atitudes: ou deixa de executar o mandato, ou afasta-se das instrues previamente recebidas, conforme o que se revele mais conforme ao interesse do mandante.

    Contudo, este postulado parece algo curto. Em primeiro lugar, necessrio saber que natureza tem esta imposio da norma contida no artigo 1162; depois, e porque estamos perante um conceito indeterminado, verifi car o que que, na nossa jurisprudncia, se tem considerado como sendo razovel supor.

    Quanto questo de saber que natureza tem esta norma, JANURIO COSTA GOMES45, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA46 e MENEZES LEITO47 consideram que estamos perante uma verdadeira obrigao. E , de facto, esta a melhor posio a adotar. que, se, como se viu supra, exigvel ao mandatrio uma diligncia de um bom gestor no exerccio do mandato, essa mesma exigncia fundamento sufi ciente para reconhecermos uma verdadeira obrigao do mandatrio. Pode, porm, atravs de um argumento literal (j que o artigo 1162 apenas refere que o mandatrio pode afastar-se das instrues ou deixar de executar o mandato), afi rmar-seque estamos perante uma norma permissiva. Contudo, no parece ser esse o caminho correto. Para alm do facto de que, como bem refere OLIVEIRA ASCENSO48,do elemento literal no resulta a interpretao da normajurdica, facilmente demonstrvel que existe uma obrigao e no apenas uma norma permissiva, j que, em nosso entender, a ratio da norma precisamente a de evitar situaes em que a vontade do mandatrio sejacontraposta a uma situao circunstancial que ele no considerou aquando da celebrao do contrato de mandato. Nas felizes palavras de PEDRO DE ALBUQUERQUE, o regime do artigo 1162 foi previsto para tutelar o prprio mandante contra os perigos de o mandato ser executado de acordo

    45 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 72.46 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 797.47 MENEZES LEITO, op. cit., p. 453, nota (901).48 OLIVEIRA ASCENSO, O Direito: Introduo e Teoria Geral, 13 ed., 2010,

    pp. 397 e ss..

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    com as prprias instrues do mandante que no previu determinado tipo de acontecimentos ou contingncias.49 Assumir a norma do artigo 1162 como permissiva, seria um completo retrocesso face diligncia exigida logo no artigo 1161, a) CC, pois que abriria caminho a uma maior desresponsabilizao do mandatrio, que contratualmente se obrigou a agir por conta do mandante (artigo 1157 CC). Ou seja, nos casos em que o mandatrio no cumpra este dever de agir conforme a vontade do agente ir responder por incumprimento contratual, nos termos gerais do artigo 798 CC. Alis, esta considerao nem se pode considerar inovadora, j que, ainda no mbito do Cdigo de Seabra, CUNHA CONALVES50 defendia que, em paralelo com o artigo 238 do Cdigo Comercial de 1888, quando as instrues fossem inexequveis e no houvesse tempo para solicitar ao mandante outras, poderia o mandatrio agir em conformidade com o que lhe parecesse mais vantajoso com o interesse do mandante (isto porque considerava este insigne Autor e em termos bem mais restritos que os atuais que, s na falta das instrues do mandante se exigiria do mandatrio a diligncia do bonus pater famlias).

    Contudo, como se referiu, o artigo 1162 submete a obrigao de deixar de executar o mandato ou afastar-se das instrues recebidas pelo mandante ao requisito de ser razovel supor que o mandante aprovaria a sua conduta (para alm do requisito de no ser possvel essa comunicao em tempo til). JANURIO COSTA GOMES diz, a este propsito, que, nos casos do artigo 1162, se deve utilizar o prprio juzo do presumvel comportamento do mandante, na medida em que, quando seja razovel supor que o mandante alteraria ou ordenaria a sua no execuo, a poder o mandatrio realizar estes atos; quando, porm, seja razovel supor que o mandante nada faria, ento a execuo dever manter-se de acordo com as instrues inicialmente recebidas pelo mandatrio51. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, mais substancialmente, referem algo que, em nosso entender, se afi gura como sendo muito pertinente: que essa razoabilidade

    49 PEDRO DE ALBUQUERQUE, A Representao Voluntria em Direito Civil. (Ensaio de reconstruo dogmtica), Almedina, 2004, p. 926, nota (1455).

    50 CUNHA GONALVES, op. cit., p. 440.51 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 72.

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    ou idoneidade do comportamento do donatrio apreciada livremente pelo julgador na sua vertente objectiva; contudo, o juiz no pode deixar de atender pessoa do mandante, procurando restituir a sua vontade, apesar de no ser lquida a sua adequao ao disposto no artigo 236 CC52. Concordamos, tambm, com PEDRO DE ALBUQUERQUE ao considerar que o regime aqui previsto pressupe a existncia de uma lacuna negocial: de facto, necessrio que se descubra uma rea no prevista contratualmente, face s circunstncias, atravs do mecanismo previsto no artigo 239 CC, de onde a conjugao entre a vontade das partes e a boa-f, mas com prevalncia da segunda, conduz, vontade hipottica objetiva, isto a uma ponderao objetiva das situaes existentes tendo em conta as declaraes de base que as fundamentaram53.

    Alis, isso mesmo visvel nas decises dos nossos tribunais. Veja-se, a propsito, o Acrdo STJ, de 04-12-201254, que, apesar de relativo ao mandato forense tem, quanto a ns, algumas consideraes transversais matria ora em apreo e que devem, por isso, ser consideradas. Este Acrdo, relativo a uma temtica que atualmente est em franca expanso a chamada perda de chance fundamenta o facto de se considerar que o mandatrio forense responde por incumprimento contratual quando fosserazovel alimentar expectativas de xito. Alis, considera-se neste Acrdo e, quanto a ns, bem que a prestao do mandatrio forense se insere nas denominadas obrigaes de meios, nas quais o devedor apenas se obriga a praticar ou desenvolver determinada atuao, comportamento ou diligncia com vista produo do resultado pretendido pelo credor. Comportamento que, por vezes, relativamente a certas classes profi ssionais, se encontra regulamentado por estatutos prprios ou especfi cos. Apesar de no ser diretamente relacionado com o tema ora em apreo mostra-nos uma ideia de fundo, que preside tambm lgica do mandato, e segundo a qual o mandatrio, mesmo na hiptese de, face circunstancialismos no previstos pelo mandante, deve orientar a sua conduta pelo interesse (na

    52 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 797.53 PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit., pp. 926 a 930.54 Acrdo STJ de 04-12-2012, processo n 289/10.7TVLSB.L1.S1, disponvel em

    www.dsji.pt.

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    vertente da vontade hipottica objetiva, como visto supra) do mandante. Da que se considere, neste Acrdo, que, quando o mandatrio forense,segundo as lege artis, tenha motivos para seguir o interesse do seu mandante e que se reportam, obviamente, ao vencimento da causa ou absolvio, conforme estejamos perante autor ou ru responde por incumprimento contratual; a mesma lgica reside no artigo 1162 CC: sempre com base no interesse do mandante, o mandatrio deve adequar as suas condutas face a circunstncias novas e imprevisveis.

    2.2. Obrigaes de informao e comunicao do mandatrio (artigo 1161, alneas b) e c)); o regime do artigo 1163

    Quanto obrigao de informao, a norma da alnea b) do artigo 1161 CC obriga a que o mandatrio, a pedido do mandante, lhe fornea a informaes relativas ao estado da gesto; j a obrigao presente na alnea c) do mesmo artigo obrigao de comunicao, obriga o mandatrio a, assim que execute ou no, fundamentadamente assim o comunicar ao mandante. Em relao primeira disposio, interessante notar numa relao que se deteta logo entre o estabelecido no artigo 1161, alnea c) CC, e o artigo 1162: que este exige que no seja possvel avisar o mandanteem tempo til das circunstncias que o fi zessem alterar ou extinguir o mandato. A contrario sensu, desde logo possvel concluir que, a haver tempo til, essas mesmas circunstancias tambm se devem considerar abrangidas pelo dever de comunicao em causa55. As duas obrigaes so claramente distinguveis, pois que enquanto a obrigao de informao da alnea b) a pedido do mandante, a obrigao de comunicao parte da iniciativa do mandatrio. Como nota JANURIO COSTA GOMES, em caso de incumprimento da obrigao de comunicao por parte do mandatrio o que pode acontecer se este a cumprir sem prontido, ou incompletamente, incorre em responsabilidade necessariamente contratual pelos danos que causar ao mandante por esse atraso ou incompletude, apesar de isso

    55 MENEZES LEITO, op. cit., p. 453.

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    no invalidar a boa execuo do ato gestrio56. Note-se que, contudo, comunicada a execuo nos termos da alnea c) do artigo 1161 CC, o mandante deve pronunciar-se dentro do prazo estabelecido no contrato ou, na sua falta de acordo, segundo os usos (artigo 3 CC) e, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto. E se o mandante no se pronunciar o seu silncio vale como aprovao da conduta: tal o disposto no artigo 1163 CC, numa clara hiptese de relevncia do silncio como declarao negocial (artigo 218 CC).

    Com efeito, o regime previsto no artigo 1163 presta-se a vrios esclarecimentos. Em primeiro lugar, deve entender-se, tal como o fazMENEZES LEITO, que esta aprovao por parte do mandante apenas se coloca no plano das relaes internas, o que quer dizer que no signifi cauma ratifi cao de atos do representante praticados sem poderes57. Depois, tal como bem referido por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, a aceitao da conduta do mandatrio no decorre da caducidade do direito que o mandante tem de reagir contra o no-cumprimento ou cumprimento defeituoso mas, antes, um reconhecimento de incompatibilidade entre um comportamento inativo do mandante com uma recusa expressa de uma prestao inexatamente cumprida58.

    Depois, atente-se distino efetuada pelo artigo 1163, que diferencia entre excesso dos limites do mandato e o desrespeito das instrues do mandante. Quanto a isso, VAZ SERRA59, de resto, citado por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA60 e JANURIO COSTA GOMES61, distingue da seguinte forma as duas fi guras: na hiptese de haver excesso de poderes, o representante pratica atos no abrangidos nos poderes que lhe foram outorgados; existe, diferentemente, abuso de poderes, quando ainda praticando atos dentro dos limites formais dos poderes conferidos, age o representante contra o fi m da representao. Ora, como bem parece ter

    56 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 74.57 MENEZES LEITO, op. cit., p. 454.58 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 799.59 VAZ SERRA, Revista de Legislao e Jurisprudncia, ano 100 (1967-1968), p. 177.60 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., pp. 798-799.61 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 75.

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    sido detetado por JANURIO COSTA GOMES, a defi nio deste regime depender do facto de estarmos, ou no, perante um mandato representativo. Assim, e seguindo a lio deste autor, se o mandato for representativo (cfr. artigos 258 e seguintes CC, aplicveis ex vi do artigo 1178/1 CC), o negcio que seja feito com excesso de poderes de ser ratifi cado pelo mandante para que seja efi caz para si; ora, no caso do artigo 1163, estamos perante uma ratifi cao tcita62. O que este preceito nos leva a concluir que, se o mandante deixar correr o prazo para se pronunciar, no pode responsabilizar o mandatrio em virtude do seu incumprimento contratual.

    J se o mandato for no representativo, a atuao do mandatrio fora dos limites do mandato no vincula o mandante, j que o mandatrio age em nome prprio e assume a titularidade dos direitos, aceitando-os ou no o mandante se quiser63.

    2.3. A obrigao de prestar contas (artigo 1161, alnea d) CC); a obrigao de entregar ao mandante tudo quanto recebeu em execuo ou no exerccio do mandato (artigo 1161, alnea e) CC) e a sua ligao com a obrigao de pagamento de juros do artigo 1164 CC

    Tal como no mbito do Cdigo de Seabra (artigo 1339: O mandatrio obrigado a dar contas exatas da sua gerncia)64, a alnea d) do artigo 1161 obriga a que o mandatrio preste contas (segundo o processo previsto nos artigos 1014 e seguintes do Cdigo de Processo Civil). Tal como PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA65 e MENEZES LEITO66 notam, esta

    62 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 76.63 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., loc. cit.. Note-se que, para este Autor, pode

    ocorrer, quanto aos negcios excedentes, uma gesto de negcios, sendo aplicvel, se preenchidos os respetivos requisitos, o artigo 468 CC.

    64 Cfr., a propsito, CUNHA GONALVES, op. cit., pp. 452 a 455. interessante notar que, entre muitos outros aspetos, se considerava que, quando o mandante, numa base diria, tivesse fi scalizado todas as atividades do mandatrio, no haveria lugar nova prestao de contas.

    65 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., pp. 795-796.66 MENEZES LEITO, op. cit., p. 454.

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    obrigao restringida aos casos em que existam, no mbito da relao contratual do mandato, dbitos e crditos recprocos entre as partes. Isto porque, no mbito deste preceito, prestar contas no tem o signifi cado corrente de fornecer ao mandante conhecimento dos acontecimentos verifi cados durante o mandato: essa obrigao decorre j do disposto nas alneas anteriores (referimo-nos s obrigaes de informao e comunicao, previstas nas alneas b) e c) do artigo 1161 CC, respectivamente).

    Uma nota para referir que, a nvel jurisprudencial, o Acrdo STJ, de 05-07-200767 considerou que a norma presente no artigo 1161, alnea d), pode ser, por conveno celebrada pelas partes, afastada, tendo, assim, carcter supletivo. Isto porque, no Acrdo considerado, a procurao em causa continha uma clusula de dispensa de prestao de contas, declarada unilateralmente pelo mandante, e que foi considerada perfeita com a receo e uso da mesma

    pelo mandatrio.

    Por ltimo, a alnea e) do artigo 1161 obriga o mandatrio a entregar ao mandante tudo quanto recebeu em execuo do mandato, no caso de no o ter gasto normalmente no seu cumprimento. Esta obrigao tem includo, tal como nota JANURIO COSTA GOMES tudo o que, por qualquer motivo consumo, cedncia a terceiro, alienao, perecimento, inutilizao, etc. no tenha sido utilizado na execuo do mandato. Esta disposio importante, porque dela se infere que, em primeiro lugar, se no for cumprida, gera uma obrigao de indemnizar ao mandatrio, nos termos gerais (artigo798 CC) e que, em segundo, tudo quanto foi recebido pelo mandatrio deve ser utilizado dentro do mbito das instrues do mandato, sob pena de, em caso de o mandatrio ter despendido anormal ou imprudentemente, este dever indemnizar o mandante pelos danos sofridos, correspondendo o montante indemnizatrio ao valor da diferena entre aquilo que seriaentregue ao mandante em caso de dispndio normal e aquilo que o mandatrio est em condies de entregar68. A este propsito, ainda relevante notar que a obrigao de entrega tambm engloba as coisas ou valores recebidos de terceiro por execuo do mandato, desde que sejam

    67 Acrdo STJ de 05-07-2007 (JOO CAMILO), processo n 07A1465.68 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 79.

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    consequncia deste, isto , que exista uma relao de causalidade entre a receo das coisas ou valores e a gesto, tal como defende JANURIO COSTA COMES69, o que tem como consequncia que fi ca fora da obrigao de entrega tudo o que com ele no tenha uma relao causal, sendo um exemplo pragmtico o seguinte: A, mandatrio de B, contrata com C. Este, como motivo de reconhecimento das suas especiais capacidades, faz-lhe uma liberalidade. Esta liberalidade est, como se depreende, fora do mbito da alnea e) do artigo 1161, pelo que a sua no entrega no faz o mandatrio incorrer em responsabilidade.

    Cumpre, a este propsito, analisar o artigo 1164 CC, segundo o qual o mandatrio deve pagar ao mandante juros legais correspondentes s quantias recebidas por ou por conta do mandante, a partir do momento em que as devia ter remetido, aplicado segundo as instrues ou entregue. Este preceito abrange, tanto as quantias recebidas destinadas aplicao no mandato como as quantias recebidas por terceiros, no exerccio da gesto. Os juros legais so, hoje, fi xados nos termos do artigo 559/1 CC. Contudo, no pacfi ca, na doutrina e na jurisprudncia, a determinao do momento a partir do qual so devidos juros pelo mandatrio70.

    A nvel doutrinal, MENEZES LEITO considera que, atento o dispostoneste preceito, se consagrou a soluo segundo a qual a partir do momento em que o mandatrio deveria ter dado destino a uma quantia, de acordo com as indicaes do mandante, ele se constitui em mora, pelo que o artigo 805/3, primeira parte CC, no aplicvel, j que, embora a obrigao seja ilquida, essa falta de liquidez imputvel ao devedor, uma vez que este pode apurar em cada momento, pela compensao dos dbitos e crditos, a quantia que deve entregar71. Alis, j ANTUNES VARELA, em

    69 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., loc. cit..70 Mas j no a sua qualifi cao, uma vez que os juros aqui em causa so considerados

    unanimemente como sendo juros moratrios. Cfr., a propsito, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 800: so devidos em consequncia da mora no cumprimento, por parte do mandatrio, da obrigao de entregar, remeter ou aplicar certas quantias em dinheiro; MENEZES LEITO, op. cit., p. 456, nota (911).

    71 MENEZES LEITO, op. cit., p. 456.

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    197072, defendia que a mora se verifi ca logo que o mandatrio interpelado ou se vence o prazo estipulado para a entrega do mandante, com o argumento de que, em primeiro lugar, o preceito alude, na parte fi nal, ao momento em que a obrigao do mandatrio se vence e no, como defendia JOS ALBERTO DOS REIS, ao momento posterior em que o tribunal fi xe o saldo a cargo do obrigado. Para alm disso, diz este Autor, o princpio in iliquidis non fi t mora, presente no artigo 805/3 CC, s se justifi ca quando, no sendo a iliquidez imputvel ao devedor, este falte ou se atrase no seu cumprimento, em virtude do desconhecimento (permitido) do montante da dvida. Contudo, no essa, dada a proximidade das relaes jurdicas que estabelece, a situao do mandatrio, da que, no entender de MENEZES LEITO, seguindo ANTUNES VARELA, o momento a partir do qua se determina a mora do mandatrio o do momento a partir do qual deveria o mandatrio ter dado destino, conforme estabelecido contratualmente.

    J JANURIO COSTA GOMES um entendimento algo diferente, segundo o qual necessrio distinguir duas situaes. A primeira situao aquela em que diz respeito obrigao de pagar ao mandante as quantias que lhe deviam ser entregues ou a ele remetidas. Para este Autor, nesta situao os juros tm natureza de indemnizao moratria, j que o mandatrio est em mora quanto s obrigaes de entrega, no sendo necessria a sua interpelao, uma vez que se trata de uma obrigao com prazo certo (cfr. artigo 805/2, alnea a) CC); ou por fora da alnea e) do artigo 1161 existe um momento certo para o cumprimento da obrigao. Quanto hiptese de o mandatrio no saber com preciso qual a quantia que deve ao mandante, tambm rejeita, na maioria dos casos a aplicabilidade do princpio in iliquidis non fi t mora, j que essa iliquidez ser normalmente imputvel ao mandatrio. Contudo, existe, para este Autor, um segundo grupo de casos, decorrentes do facto de o mandatrio no aplicar as quantias, quando odevia fazer. Nesta situao, para JANURIO COSTA GOMES, a natureza dos juros compensatria, sem que, contudo, o mandatrio possa invocar o facto de o mandante ter sofrido um prejuzo o inferior, com o fundamento

    72 Cfr. Revista de Legislao e Jurisprudncia, ano 102 (1969-1970), pp. 91 a 93.

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    de que, neste ponto, o artigo 1164 estabelece um regime de exceo, aforfait, destinado a sancionar o mandatrio pela reteno das quantias (quer improdutiva quer para desvio para negcios seus). Assim, nestes casos poder, aos juros legais, acrescer uma indemnizao autnoma, resultante da violao do mandato na sua obrigao de aplicao numa determinada data, reconduzindo-se esta indemnizao aos termos gerais (artigos 798 e seguintes do CC)73. Cumpre tomar posio. Quanto a ns, consideramos que a posio defendida por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA e MENEZES LEITO , de facto, a mais correta, j que, do artigo 1664 CC resulta que, tal como bem dizem PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA74, o legislador consagrou caracteristicamente como moratrios [os juros], pois so devidos em consequncia da mora no cumprimento, por parte do mandatrio, da obrigao de entregar, remeter ou aplicar certas quantias em dinheiro.

    3. Casos particulares de responsabilidade do mandatrio: o submandato, a pluralidade de mandatrios, o mandato com representao e o mandato sem representao

    3.1. O substituto e auxiliares do mandatrio

    Tal como previsto no artigo 1165 CC, o mandatrio pode, na execuo do mandato, fazer-se substituir por outrem, ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos quem que o procurador o pode fazer (artigos 264 e seguintes CC). Em primeiro lugar, parece importante distinguir a substituio da utilizao de auxiliares. Existe substituio, quando o mandatrio encarrega outro mandatrio de praticar os mesmos atos jurdicos a que o mandatrio primitivo foi encarregado pelo mandante. Daqui resulta, ento, a celebrao de um subcontrato de mandato, ou seja, um submandato75. A diferena reside no facto de o vnculo estabelecido entre o mandatrio e os auxiliares ser

    73 JANURIO COSTA GOMES, Contrato de Mandato, cit., pp. 81 a 83.74 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado..., cit., p. 800.75 MENEZES LEITO, op. cit., p. 457.

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    uma relao de trabalho subordinado ou uma prestao de servios76. Fazendo uso das regras gerais da procurao, o artigo 264/1 CC diz-nos, com efeito, que o mandatrio s pode fazer-se substituir com a permisso do mandante, salvo se essa permisso resultar da relao contratual ou do contedo do mandato. Note-se que a substituio no envolve a excluso do anterior mandatrio, presumindo-se assim que os substabelecimentos so com reserva, salvo declarao em contrrio: artigo 264/2 CC.

    Uma vez celebrado o submandato, o mandatrio responde pelos atos praticados pelo submandatrio, com a seguinte ressalva, feita pelo artigo 264/3, aplicvel ex vi do artigo 1165: que, havendo autorizao do mandante, o mandatrio apenas responde perante o mandante por atos praticados pelo submandatrio se tiver agido com culpa na escolha ou instrues que haja feito, pelo que estamos no domnio da culpa in elegendo. Contudo, por fora do artigo 799/1, cabe ao mandatrio o nus da prova relativamente ao facto de no ter incorrido em qualquer uma destas situaes, dada a presuno de culpa presente na responsabilidade obrigacional.

    Diferente ser, contudo, a situao da utilizao de auxiliares, j que, seguindo a opinio de MENEZES LEITO, em primeiro lugar, a sua utilizao em princpio permitida dado o disposto no artigo 264/4, aplicvel ex vi do artigo 1165, respondendo o mandatrio nos termos do artigo 800 CC77.

    76 Apesar de haver domnios onde a designao de auxiliares diferente, como o caso do mandato comercial, em que o auxiliar se distingue do gerente por este ter um mandato geral (artigos 248 e 249 do Cdigo Comercial) e o auxiliar ter um mandato circunscrito a algum ou alguns dos ramos do trfego do proponente. Contudo, as fi guras no so idnticas; nem o poderiam ser, pelo facto de o mandato comercial pressupor sempre poderes representativos. Quando estejamos perante um mandato sem representao, na linguagem civil, o contrato comercial em causa o contrato de comisso (artigo 266 do Cdigo Comercial. Cfr., desenvolvidamente, ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Direito Comercial, 3 ed., Almedina, 2012, pp. 630 e ss.; em especial, pp. 649 a 660.

    77 MENEZES LEITO, op. cit., p. 459.

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    3.2. A pluralidade de mandatrios

    A pluralidade de partes na reao de mandatos est especialmenteregulada no nosso Cdigo Civil, sendo que, quanto pluralidade de mandatrios que a que aqui se mostra relevante est regulada no artigo 1160 CC, que refere que, se algum encarregar vrias pessoas para a prtica dos mesmos atos jurdicos, haver tantos mandatos quantas as pessoas designadas, salvo declarao em contrrio. Assim, a regra a do mandato disjunto, isto , o mandato em que cada mandatrio tem o seu prprio dever de executar o contrato, independentemente da situao dos restantes mandatrios. Contudo, o mandante pode, se assim quiser, declarar que se realize um mandato conjunto, no qual os mandatrios adquirem um dever de atuao conjunta na gesto. Note-se, porm, que, no que responsabilidade do mandatrio diz respeito, mesmo na modalidade de mandato conjunto, a regra a da parciariedade, conforme estabelece o artigo 1166 CC, regra que vigora, por maioria de razo78, para os casos de mandato conjunto. Note-se, contudo, que nada obvia a que as partes estabeleam, nos termos gerais do artigo 513 CC, o regime da solidariedade. Esta regra no , alis, inovadora, j que reproduz o artigo 1341, nico, do Cdigo de Seabra.79, e ao contrrio do que acontece no ordenamento jurdico italiano80.

    78 MENEZES LEITO, op. cit., loc. cit..79 Que assim rezava: No caso de inexecuo do mandato, ser a responsabilidade

    repartida, por igual, entre os mandatrios..Cfr., a propsito, CUNHA GONALVES, op. cit., pp. 441-442.

    80 Est, alis, consagrada no artigo 1716 do Codice Civile: Se pi mandatari hanno comunique operato congiuntamente, essi sono obbligati in slido verso il mandante, tal como nos mostram PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., pp. 802-803.

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    3.3. A contraposio entre o mandato com e sem representao

    3.3.1. O mandato com representao

    O mandato com representao est regulado nos artigos 1178 e 1179 CC, onde se dissociam claramente a representao e o mandato. De facto, enquanto a representao requer que, para alm da outorga de poderes representativos, atravs da procurao (artigos 262 e seguintes CC) haja contemplatio domini (artigo 258 CC), ou seja, a invocao do nome do representado, do mandato resulta o dever de praticar actos jurdicos por conta do mandante, o que no envolve necessariamente nem uma nem outra. Porm, tal como notam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, os dois negcios aparecem num grande nmero de casos associados. Assim,a par do mandato, existe a procurao que, uma vez aceita, obriga o mandatrio-procurador a celebrar, em princpio, o ato em nome do mandante.81 Assim, tal como dispe o artigo 1178/2 CC, a outorga de poderes representativos faz constituir o mandatrio no dever de atuar, no apenas por conta, mas tambm em nome do mandante, salvo estipulao em contrrio. Tambm se deve lembrar e f-lo o artigo 1178/1 que os regimes devem ser aplicados conjuntamente nestes casos. Tal como bem nota MENEZES LEITO, vistos isoladamente os negcios em apreo, o mandato apenas constitui o mandatrio no dever de praticar atos jurdicos por conta do mandante, artigo1157 CC enquanto a procurao se reconduz a uma concesso de poderes representativos (artigo 262 CC). Porm, a juno destes dois negcios, faz surgir um dever novo, que o de exercer o mandato em nome do mandante, como se viu. Tambm o facto de serem negcios distintos no invalida o seu regime de extino, previsto no artigo 1179 CC82.

    81 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 823.82 MENEZES LEITO, op. cit., p. 461.

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    3.3.2. O mandato sem representao

    Tal como dispe o artigo 1180, o mandato sem representao aquele que exercido por conta do mandante, mas em nome do mandatrio, isto , sem contemplatio domini, mesmo que o mandatrio tenha recebido poderes representativos ou o mandato seja conhecido dos terceiros que se relacionem com este. Numa palavra, o mandatrio age nomine proprio.

    O que caracteriza esta modalidade de mandato o facto de, em vez de os atos produzirem os seus efeitos na esfera do mandante (artigo 258 CC, aplicvel ex vi do artigo 1178/1 CC) produzirem na esfera do mandatrio. Tal como escreveu PESSOA JORGE, citado por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA83, o alcance da atuao do mandatrio em nome prprio o de fazer projetar sobre a esfera jurdica do agente, para alm dos efeitos caractersticos da situao de parte, os de natureza pessoal: ele quem tem legitimidade para exigir e receber o cumprimento das obrigaes decorrentes do contrato, contra ele que a outra parte se deve dirigir, no s para reclamar os seus crditos, como para fazer valer quaisquer aes pessoais derivadas do contrato nomeadamente respeitante sua validade ou efi ccia. Note-se que, em termos que melhor sero explicitados (nomeadamente, o regime do artigo 1182), isso signifi ca que o mandatrio assume, perante terceiros, todas as obrigaes decorrentes dos contratos celebrados; ou seja, apenas ele o responsvel por estes.

    Porm, no deve esquecer-se que o mandato realizado no interesse do mandante, pelo que no faria qualquer sentido manter as situaes jurdicas do mandatrio indefi nidamente na sua esfera. Com efeito, o artigo 1181 CC estabelece, no seu n1, que o mandatrio obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execuo do mandato. Sobre esta repercusso, na esfera jurdica do mandante, dos negcios jurdicos celebrados entre o mandatrio e terceiros so, em abstrato, adotveis duas teorias: a tese da dupla transferncia, segundo a qual os efeitos se repercutem na esfera do mandatrio, sendo necessrio um negcio autnomo para os

    83 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 825.

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    transmitir para o mandante, e a tese da projeo imediata84, que considera que os efeitos se repercutem diretamente na esfera do mandante, sem terem que passar pelo patrimnio do mandatrio. Para alm destas duas teses principais, existe uma tese intermdia, que sustenta a dupla transferncia no mandato para adquirir e a projeo imediata no mandato para alinear85.

    Quanto ao mandato para adquirir, a lei no oferece margem para dvidas: de facto, ao se afi rmar que o mandatrio, ao agir nomine proprio, adquire os direitos e assume as obrigaes artigo 1180 CC o nosso ordenamento jurdico consagra a tese da dupla transferncia: assim, os efeitos repercutem-se diretamente na esfera do mandatrio, tendo este, depois, a obrigao de os transferir para o mandante.

    O nosso Cdigo Civil apenas consagra expressamente a teoria da dupla transferncia no artigo 1181/1, o que signifi ca que, quando o mandatrio adquira direitos, deve transmiti-los para o mandante. A este propsito, apesar de ser unnime que o Cdigo adotou a tese da dupla transferncia no mbito do mandato para adquirir86, discute-se na qualifi cao como negocial do ato pelo qual o mandatrio procede segunda transferncia, o que radicou no facto de PESSOA JORGE sustentar que o segundo ato transmissivo no poderia ser uma compra e venda ou doao, uma vez que tais contratos seriam forosamente simulados87. Contudo, a doutrinamaioritria, tal como JANURIO COSTA GOMES88 ou MENEZES LEITO89, qualifi ca o segundo ato como negocial.

    84 Defendida por PESSOA JORGE, O mandato sem representao (dissertao de doutoramento) Ed. tica, 1961, pp. 291 e ss., 334 e ss..

    85 MENEZES LEITO, op. cit., p. 462.86 Apesar de ser muito acesa a discusso relativa questo de saber se o mandato para

    alienar: Cfr, detalhadamente, sobre a questo na qual, e centrando-nos apenas na doutrina nacional, se diverge entre considerar que estamos perante uma hiptese de projeo imediata, posio defendida por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., pp. 827 e 828, e JANURIO COSTA GOMES, e a doutrina que, tal como MENEZES LEITO, considera que estamos aqui perante uma hiptese de dupla transferncia fi duciria: MENEZES LEITO, op. cit., pp. 465 a 469.

    87 PESSOA JORGE, op. cit., pp. 320 e ss..88 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 116.89 MENEZES LEITOs, op. cit., pp. 462 e 463, nota (924).

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    Quais sero, ento, as consequncias do incumprimento da obrigao de transmisso dos direitos adquiridos pelo mandatrio? No ordenamento jurdico italiano, o Codice, seu artigo 1706, I, prev a possibilidade de o mandante reivindicar as coisas mveis sujeitas a registo. Contudo, essa soluo , face ao artigo 1180, inadmissvel: se o mandatrio adquire as coisas objeto do mandato, ele e no o mandante o verdadeiro e exclusivo proprietrio delas90. Assim, tal como defendido por MENEZES LEITO e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA91, a ao dever ter carcter carter pessoal, e no real.

    Como passo lgico seguinte, pergunta-se: O artigo 830 CC, ao prever a execuo especfi ca de contratar, no poder ser aplicvel ao mandato sem representao, j que o que o artigo 1181/1 faz estabelecer uma obrigao de transferncia dos direitos adquiridos no contrato, e que feita atravs de um contrato?

    Ao nvel dos nossos tribunais, a jurisprudncia tem entendido, embora no unanimemente, que a resposta a esta questo negativa. De facto, o Acrdo STJ de 11-05-200092 considera, nesse mbito, que ao incumprimento por parte do mandatrio no pode ser aplicvel o artigo 830 CC, j que, no quadro dos mecanismos de integrao do cumprimento contratual tem carcter excecional,pelo que, dado o disposto no artigo 11 CC, no comportariam aplicao analgica. Alis, por considerar que esta norma tem um mbito de aplicao circunscrito ao declarao negocial proveniente de um contrato-promessa, como neste caso no isso que est em causa, no considera possvel essa mesma aplicao.

    Cumpre, tambm, notar que o Ac. RE de 3-6-200493 para alm de manter a opinio segundo a qual a execuo especfi ca no possvel neste caso, refere que apenas restava ao mandante pedir ao tribunal que condenasse o mandatrio no cumprimento do dever omitido de emitir a declarao negocial de transferncia para o mandante dos direitos que adquiriu em execuo do mandato, bem como fosse, ao mesmo, aplicada uma sano pecuniria compulsria adequada,

    90 MENEZES LEITO, op. cit., p. 463.91 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 827.92 Acrdo STJ 11-05-2000 (ABLIO VASCONCELOS), processo n 00B229.93 Acrdo RE 03-06-2004 (BERNARDO DOMINGOS), processo n 621/04-2.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    dado estar em causa uma prestao de facere infungvel no atinente a direitos de personalidade e no susceptvel de ao sub-rogatria.

    A favor da suscetibilidade de execuo especfi ca da obrigao do mandatrio, o Acrdo RL de 02-11-199994 depe que o mandatrio em nome prprio a quem foi vendido um prdio e assim o adquiriu, tornando-se dono dele, tem subsequentemente de o alienar ao mandante atravs de um negcio jurdico. Note-se que esse negcio no uma venda; mas , em todo o caso, um ato de alienao uma modalidade alienatria especfi ca, cuja causa justifi cativa est no cumprimento de uma obrigao advinda do mandato para o mandatrio, nas suas relaes com o mandante, considerando, assim, que seria injustifi cvel que a execuo especfi ca prevista no artigo 830 do Cdigo Civil, se limitasse s obrigaes fundadas em contrato-promessa, j que, a sua razo de ser abrange as obrigaes fundamentadas noutra fonte; em que no havendo uma prvia declaraonegocial, h j uma obrigao de contratar ou emitir uma declarao de vontade

    que pode ser to carecida de execuo como a resultante de contrato-promesa.

    Ao nvel da doutrina, MENEZES LEITO considera que a posio maioritria que rejeita a aplicabilidade do instituto da execuo especfi ca a este caso a mais correta, atravs do argumento, aludido supra, de que esta no pode ter lugar fora dos casos em que seja prevista. Contudo, mitiga a sua posio, ao exigir, quando o mandato sem representao se destine aquisio de bens imveis, a forma escrita, nos termos do artigo410/2 CC, por forma a permitir a extenso analgica do artigo 830 CC95. Contudo, como se afi gura como sendo claro, essa execuo ser impossvel quando haja incumprimento defi nitivo da obrigao, como, v.g., aconteceria se o mandatrio alienasse o bem a um terceiro, altura em que restar ao mandante o direito a uma indemnizao.

    A favor do alargamento da execuo especfi ca a outros deveres de contratar e, no caso especfi co, da execuo especfi ca relativa ao incumprimento do dever de transmisso do mandatrio nomine proprio deps, contudo, MENEZES CORDEIRO96, que e quanto a ns, bem refere que importa

    94 Acrdo RL 02-11-1999 (ROQUE NOGUEIRA), processo n 0044841.95 MENEZES LEITO, op. cit., p. 464.96 MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II, Direito das

    Obrigaes, tomo II, Almedina, 2010, pp. 434 a 437.

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    REVISTA JURDICA AAFDL

    verifi car se o artigo 830 CC , realmente, uma norma de exceo ou se, na verdade, corresponde concretizao de princpios e valores gerais. Ora, (ou parece, quanto a ns) que pacfi co que se trata da segunda hiptese, devendo a interpretao literal ceder a uma interpretao sistemtica e atualista, teleologicamente enformada. O que no impede que esta no se verifi que, claro, em casos em que tal no seja possvel, devido natureza do vnculo contratual em causa97.

    Diferente a questo relativa aos crditos adquiridos pelo mandatrio. Neste caso, o artigo 1181/2 CC confere ao mandante o poder de se substituir ao mandatrio no exerccio dos respetivos direitos. Apesar de JANURIO COSTA GOMES defender que estamos, neste caso, perante uma ao sub-rogatria direta98, parece mais correta a posio defendida tanto por MENEZES LEITO99 como por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA100, segundo a qual estamos perante uma ao direta, atravs da qual ao mandante permitido, em substituio do mandatrio, cobrar diretamente a terceiros os crditos que o mandatrio sobre eles detenha. De facto, como referido por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, apesar de a ao sub-rogatria fazer entrar na esfera do mandatrio como garantia da sua responsabilidade, o n2 do artigo 1181 parece depor noutro sentido: em especialidade face norma do n 1 e semelhana do que previsto no artigo 1184, o preceito parece dizer que, relativamente aos crditos, independentemente da transferncia, o mandante pode exigir para si a entrega da prestao. Para alm disso, pelo facto de ser a ao sub-rogatria (artigos 606 e seguintes CC) exercida no interesse de todos os credores (artigo 609), colocaria o mandante numa situao numa situao injusta, j que os seus crditos estariam sujeitos a rateio na hiptese de insolvncia do mandante101.

    97 Cujas hipteses so tambm consideradas por MENEZES CORDEIRO, Tratado..., cit., tomo II, 2010.

    98 JANURIO COSTA GOMES, op. cit., p. 113. 99 MENEZES LEITO, op. cit., p. 465.100 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., pp. 828-829.101 PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, op. cit., p. 829.

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    A Responsabilidade por Incumprimento do Mandatrio

    Quanto s dvidas contradas pelo mandatrio na execuo do mandato, o artigo 1182 no deixa margem para dvidas, ao adotar claramente a tese da dupla transferncia, na medida em que o mandante, atravs do instituto da assuno de dvidas (artigo 595 e seguintes CC) deve assumi-as ou, no caso de esta hiptese no se verifi car, o mandatrio deve entregar ao mandatrio os meios necessrios para cumprir as obrigaes que este contraiu ou reembols-lo das despesas efetuadas no cumprimento dessas obrigaes. Isto signifi ca que o credor no pode, semelhana do que permitido para o mandante, intentar uma ao direta contra o demandante, o que no o impede de se sub-rogar ao mandatrio, no caso de este no exercer os direitos sobre o mandante (artigos 606 e seguintes CC). necessrio, porm, e como afi rmam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, atentar no seguinte: face ao artigo 1180 CC, o mandatrio o nico responsvel perante terceiros pela execuo do mandato. Contudo, nas relaes internas entre mandante e mandatrio, o mandante quem responsvel, perante o mandatrio, pelas dvidas contradas, sendo que os remdios estabelecidos pelo preceito visam acautelar precisamente essa situao102.

    Tambm o disposto no artigo 1183, inspirado no artigo 269 do nosso Cdigo Comercial, relativo ao contrato de comisso, no levanta dvidas. Assim, pelas regras gerais do artigo 1181, ns 1 e 2,o mandatrio tem o dever de transferir os crditos para o mandante, ou pode este exigir diretamente do terceiro o cumprimento dessa prestao. Contudo, em caso de insolvncia do terceiro, surgia a dvida sobre em qual dos contraentes poderia recair o prejuzo; dvida que est resolvida no artigo 1183: na falta de conveno em contrrio a chamada conveno del credere, prevista no artigo 269, 2 do Cdigo Comercial o risco recai sobre o mandante. Da que, quanto ao risco pelo no cumprimento das obrigaes por parte de terceiro, no haja que fazer distino entre mandato com ou sem representao j que a posio do mandatrio , em princpio, a da irresponsabilidade pelas dv