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Formacao e Classes de Palavras - Margarida Basilio

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e nomais lutando por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder

    enfim evoluir a um novo nvel.

  • Margarida Basilio

    FORMAO E CLASSES DE PALAVRASNO PORTUGUS DO BRASIL

  • Copyright 2004 Margarida Basilio

    Todos os direitos desta edio reservados Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

    Diagramao:Gustavo S. Vilas Boas

    Reviso:Luciana Salgado

    Capa:Antonio Kehl

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Basilio, MargaridaFormao e classes de palavras no portugus do Brasil / Margarida Basilio. 3. ed. So Paulo :Contexto, 2011.

    Bibliografia.ISBN 85-7244-271-51. Portugus - Brasil 2. Portugus - Estudo e ensino 3. Portugus - Formao de palavras 4.

    Portugus - Gramtica 5. Portugus - Lexicologia 6. Portugus - Morfologia I. Ttulo.

    04-4784

    CDD-469.014

    ndices para catlogo sistemtico:1. Lexicologia : Portugus : Lingustica 469.0142. Portugus : Lexicologia : Lingustica 469.014

    EDITORA CONTEXTODiretor editorial: Jaime Pinsky

    Rua Acopiara, 199 Alto da Lapa05083-110 So Paulo SP

    PABX: (11) 3832 [email protected]

    www.editoracontexto.com.br

    _____2011_____

    Proibida a reproduo total ou parcial.Os infratores sero processados na forma da lei.

  • SUMRIO

    IntroduoPara que serve o lxico?Dissecando a palavraClasses de palavras e categorias lexicaisDerivao e mudana de classe: padres gerais e motivaesPrincipais processos de mudana de classe: formao de verbosPrincipais processos de mudanas de classe: formao de substantivosPrincipais processos de mudanas de classe: formao de adjetivosPrincipais processos de mudanas de classe: formao de advrbiosSufixao sem mudana de classeAdjetivo ou substantivo?Referncias bibliogrficas

  • PARA QUE SERVE O LXICO?

    LXICO E LNGUA

    As lnguas existem para que possamos falar uns com os outros. O objeto denossa comunicao o mundo, mais precisamente nosso mundo: coisas,pessoas, lugares, idias etc. e suas relaes, sejam essas naturais ou artificiais,concretas ou abstratas, reais ou imaginadas. Naturalmente, necessrioprimeiro identificar as coisas de que queremos falar e, portanto, designarpessoas, lugares, acontecimentos etc. sobre os quais vamos nos expressar.Assim, a lngua ao mesmo tempo um sistema de classificao e um sistema decomunicao.

    O papel do lxico est diretamente ligado a essa dupla funo da lngua. Olxico uma espcie de banco de dados previamente classificados, um depsitode elementos de designao, o qual fornece unidades bsicas para a construodos enunciados. O lxico, portanto, categoriza as coisas sobre as quais queremosnos comunicar, fornecendo unidades de designao, as palavras[1], queutilizamos na construo de enunciados.

    CONSTITUIO E EXPANSO DO LXICO

    Mas um conjunto fechado de unidades de designao no suficiente. Comoestamos sempre (re)produzindo e (re)conhecendo novos seres, objetos erelaes, precisamos de um sistema dinmico, capaz de se expandir medidaque se manifesta a necessidade de novas unidades de designao e construode enunciados. Por exemplo, o lxico fornece unidades de designao para novosobjetos, mecanismos ou condies, tais como computador, xerox e global, etambm, a partir dessas, novas unidades de construo de enunciados, tais comocomputao, computacional, xerocar, xerografar, globalizar, globalizao etc.

    O lxico, portanto, no apenas de um conjunto de palavras. Como sistemadinmico, apresenta estruturas a serem utilizadas em sua expanso. Essasestruturas, os processos de formao de palavras, permitem a formao denovas unidades no lxico como um todo e tambm a aquisio de palavras novaspor parte de cada falante.

    LXICO EXTERNO E LXICO MENTAL

    Quando dizemos que o lxico o conjunto de palavras de uma lnguaestamos focalizando o lxico externo, ou seja, o conjunto de palavras que pode

  • ser verificado nos enunciados dessa lngua ou representado nos dicionrios. Doponto de vista interno, ou mental, o lxico corresponde no apenas s palavrasque um falante conhece mas tambm ao conhecimento de padres gerais deestruturao, que permitem a interpretao ou produo de novas formas.Assim, o lxico interno constitudo por uma lista de formas j feitas e por umconjunto de padres, os processos de formao de palavras, que determinamestruturas e funes tanto de formas j existentes quanto de formas ainda aserem construdas.

    PROCESSOS DE FORMAO DE PALAVRAS

    Sendo a lngua um sistema de comunicao, a expanso do lxico no podese resumir ao aumento do nmero de smbolos que todos teriam que decorar.Isso tornaria o sistema pouco eficiente pois sobrecarregaria a memria, alm deimpedir a comunicao automtica, porque os novos smbolos teriam de serexplicados e decorados.

    Imaginem, por exemplo, se cada conceito novo que surgisse fossecorrespondente a algo como um nmero de telefone: o nmero de sequnciasque poderamos realmente guardar na memria seria mnimo em relao anossas necessidades. Por outro lado, nmeros de telefone no podem serdeduzidos de regras gerais; tm que ser comunicados e decorados, o quesignifica que no poderamos ter no lxico uma expanso imediata.

    O LXICO ECOLOGICAMENTE CORRETO

    Para garantir a mxima eficincia do sistema, portanto, a expanso lexical efetuada sobretudo pelos processos de formao de palavras, que so frmulaspadronizadas de construo de novas palavras a partir de material j existenteno lxico. Por meio desses padres, podemos formar ou captar a estrutura depalavras e, portanto, adquirir palavras que j existiam mas que no conhecamosanteriormente.

    Ou seja, o lxico ecologicamente correto: temos um banco de dados empermanente expanso, mas utilizando sobretudo material j disponvel, o quereduz a dependncia de memria e garante comunicao automtica.

    O esquema geral de reciclagem com o qual conseguimos mais produtividadee eficincia no sistema se resume em utilizarmos fragmentos de material emnovas construes. Mas apenas materiais estruturados, isso , reconhecidos porpadres gerais de estruturao, podem ser utilizados. Podemos pensar nosprocessos de formao de palavras como padres de reciclagem de materiaispara a produo de novas formas.

    Nos exemplos dados anteriormente (computacional, globalizao etc.),vemos que as novas formas so inteiramente feitas de material reciclado. O

  • verbo computar j existia e serviu de base para a formao computador, quedesigna um instrumento; o sufixo -o, tambm j existente, foi usado naconstruo da forma nominalizada computao, que designa a funo do objetodesignado; outro sufixo, -al, forma o adjetivo computacional; e assim por diante.

    LXICO VIRTUAL E LXICO REAL

    Mas, ateno: o potencial de atuao dos processos de formao depalavras no igual formao concreta de novos itens. Essa distino fundamental para o grau de eficincia da lngua como sistema de comunicao.No queremos sobrecarregar o sistema; assim, importante ter um modo deproduzir e analisar formas automaticamente sempre que necessrio, mas igualmente importante que a concretizao s se realize em caso denecessidade, j que novas formas correspondem a mais itens a consumir esforode memria.

    Em consequncia, o lxico mental , em grande parte, virtual. De fato, olxico prov estruturas, por exemplo, para aproveitar qualquer palavra de umaclasse para a formao de uma palava equivalente em outra classe. Assim, todasas palavras de uma classe existiriam virtualmente nas outras classes. Mas svirtualmente, no na realidade. Na realidade, algumas existem, outras no.

    A vantagem podermos acionar o processo sempre que necessrio; assim,no temos que sobrecarregar a memria com um nmero imenso de palavras, oque tornaria o sistema pesado e ineficiente. Portanto, temos um lxico real (oconjunto de palavras da lngua) e um lxico virtual (o conjunto de padres quedeterminam as construes lexicais possveis e sua interpretao)[2].

    EXERCCIOS

    1. D exemplos de unidades de designao de: pessoas lugares objetos entidades imaginrias

    2. O lxico poderia ser um conjunto fechado de unidades?Qual seria o efeito disso para as lnguas?

    3. O lxico contm palavras?

    4. Considere as seguintes formas: protocultura, pr-computacional, ps-globalizao, desracionalizar, pseudodesignao. Voc incluiria essas formas

  • no lxico externo da lngua portuguesa? E no lxico interno? Por qu?

    5. O que so processos de formao de palavras?Qual a importncia deles para o lxico?

    6. Dentre as palavras abaixo, determine as que so unidades de designao de(a) entidades imaginrias; (b) entidades abstratas e (c) objetos concretos:areia tringulo sinceridade imagem metfora economia planta biblioteca - professor centauro aura anjo fada jardim

    7. As formas abaixo estariam todas no lxico? Ou (alguma(s)) deveria(m) serexcluda(s)?

    porta-retrato porta-guardanapo porta-talher porta-moeda porta-tudo - livro de bolso livro de receita livro de cabeceira livrodidtico livro-caixa suco de laranja suco de melo suco demaracuj suco de pssego - dar uma volta dar um beijo dar umgrito dar um susto dar a mo

    8. As formas em 4. e 7. estariam no lxico virtual?

    9. Na dcada de 90, foi muito discutida em jornais a formao imexvel,utilizada por um ministro. Como se explica que possamos automaticamenteinterpretar essa formao? Ela deveria ser considerada uma palavra dalngua?

    10. Mostre, usando como exemplo palaras derivadas e compostas, que o lxicoaproveita, em alto grau, o material nele j existente.

    NOTAS

    [1] Essas unidades so em geral palavras, embora tambm possam ser unidades maiores, englobando mais deuma palavra.

    [2] Para uma anlise mais detalhada da organizao do lxico, v. Basilio (1980, 1987).

  • DISSECANDO A PALAVRA

    comum se definir o lxico como o conjunto de palavras de uma lngua. E,de fato, o lxico de uma lngua se constitui sobretudo de palavras. Mas, o que palavra? H vrios ngulos por que se pode enfocar essa pergunta.

    A PALAVRA GRFICA

    Por exemplo, na frase (1)

    (1) Joo viajou ontem

    ningum teria dificuldade em reconhecer trs palavras. Graficamente,podemos definir palavra como a sequncia de caracteres que aparece entreespaos e/ou pontuao e que corresponde a uma sequncia de sons queformam uma palavra na lngua. A segunda parte da definio necessria,porque no consideramos como palavras do portugus os dados de (2)

    (2) *J vaju one[1]

    que poderiam resultar de um digitador distrado. Essa segunda parte nosleva de volta mesma pergunta: o que uma palavra da lngua?

    PALAVRA E DICIONRIO

    Podemos tambm dizer que palavras da lngua so aquelas que aparecemlistadas nos dicionrios. Isso menos simples do que parece, na medida em queos dicionrios, sendo responsveis pelo registro das ocorrncias quepermanecem na lngua, s podem efetuar esse registro muito tempo depois deas palavras estarem sendo usadas, o que significa que qualquer dicionriosempre estar defasado em relao s palavras da lngua. Por outro lado,tambm por serem registros histricos, os dicionrios arrolam palavras que noseriam consideradas pelos falantes atuais como palavras da lngua. Mas, mesmoadmitindo que os dicionrios registram a maior parte das palavras de umalngua, a resposta no seria satisfatria, porque apenas nos levaria a mais umapergunta: o que os autores dos dicionrios consideram como palavra? Comoveremos, h vrios aspectos a considerar.

  • A PALAVRA ESTRUTURAL

    A morfologia definida tradicionalmente como a parte da gramtica queestuda a forma da palavra: o termo morfologia, etimologicamente, corresponde aestudo da forma. Do ponto de vista da morfologia, a palavra uma construoque se estrutura de uma maneira especfica: seus elementos componentes, ouformativos, apresentam ordem fixa e so rigidamente ligados uns aos outros,no permitindo qualquer mudana de posio ou interferncia de outroselementos. Por exemplo, os dados em (3) so palavras, mas no os de (4)

    (3) guarda-chuva, encaixado, narrao.(4) *guarda-muita-chuva, *encaixonado, *onarra.

    A PALAVRA E SUAS FLEXES

    Uma mesma palavra pode apresentar diferentes formas, por causa daflexo. Por exemplo, em (5)

    (5) pegou - pego - pegariam - pegar

    temos quatro formas do verbo pegar. Observem que qualquer uma dessasformas seria considerada como uma palavra distinta se tomssemos como baseum enunciado:

    (6) a. Joo pegou o embrulho.b. Eu pego o embrulho.c. Eles pegariam o embrulho.d. Joo pegar o embrulho.

    Em (6) cada frase se subdivide em quatro palavras, das quais cada umacorresponde a uma das formas de pegar em (5). Vemos, assim, que um dosenfoques que temos para palavra o de unidades de que se compe oenunciado. O outro enfoque o que considera a palavra como uma unidadeestrutural que congrega diversas formas: o verbo pegar uma palavra ouunidade estrutural que congrega as diferentes formas da conjugao, tais comopego, pegas, pegaria, pegssemos, pegando, pegou etc.

    PALAVRA, VOCBULO E LEXEMA

    Assim, uma outra maneira de enfocar a questo da variao de forma dapalavra pensar na palavra como unidade lexical e como unidade formal. Dentrodesse ngulo, aquilo que denominamos o verbo pegar corresponde palavracomo unidade lexical, um verbo; trata-se, pois, do lexema; j as diferentes

  • formas flexionadas de pegar seriam vocbulos, isto , variaes de forma dapalavra.

    Vocbulos que no apresentam significado lexical no so consideradoscomo lexemas: so os vocbulos gramaticais, tais como preposies, conjunese verbos auxiliares.

    PALAVRA, HOMONMIA E POLISSEMIA

    A palavra normalmente tida como uma unidade de significao.Entretanto, so mais comuns as palavras que tm mais de um significado.Quando os significados de uma palavra so relacionados, damos situao onome de polissemia. Quando os significados no so relacionados, em geral prefervel considerar que se tratam de palavras distintas, ainda que com amesma forma fonolgica. Nesse caso, denominamos a situao de homonmia.

    Assim, por exemplo, em regra da gramtica normativa e regra de etiquetateramos uma situao de polissemia, porque h um significado geral deprescrio, apenas com a diferena do domnio em que se aplica; j o clssicoexemplo de manga como fruta ou parte do vesturio seria considerado comohomonmia.

    Vejamos agora o caso de modelo como coisa ou pessoa em cuja reproduoesttica o artista trabalha ou como coisa ou pessoa que serve de imagem,forma ou padro a ser imitado. Observem que, no caso das artes plsticas, apalavra determina concordncia no masculino ou no feminino, conforme se refiraa homem ou mulher: o modelo/a modelo; j na outra acepo o gnero nico.

    A diferena de comportamento em gnero nos levaria a considerar modelonos dois casos como constituindo uma situao de homonmia. No entanto, arelao de significado sugere a situao de polissemia. Esse caso ilustra,portanto, a dificuldade de decises definitivas nessa rea[2].

    A questo homonmia/polissemia continua sendo discutida tantoteoricamente quanto em termos de casos particulares. Temos, portanto, umproblema permanente em relao ao conceito de palavra.

    PALAVRA FONOLGICA

    A palavra tambm pode ser entendida como uma unidade fonolgica. Porum lado, podemos pensar na palavra como uma sequncia fnica que ocorreentre pausas potenciais. Por outro, na estrutura do portugus as palavrasapresentam um padro acentual baseado em tonicidade e durao. Chamamosde vocbulo fonolgico o lado fonolgico da palavra.

    CLTICOS

  • D-se o nome de clticos a unidades que se agregam a uma palavrafonologicamente, sem fazer parte dela do ponto de vista morfolgico. Emportugus, temos nessa situao os artigos, assim como vrios pronomespessoais: -o, -a, -me, -te, -se etc. Esses pronomes so chamados clticos porqueno apresentam acentuao prpria; so tonos, integrando-se pronncia doverbo, apesar de no fazerem parte dele do ponto de vista morfolgico.

    Os clticos colocam mais uma dificuldade de identificao da palavra, j quefazem parte do vocbulo fonolgico mas no da palavra morfolgica. Pois, comovimos, os elementos que formam uma palavra so rigidamente ligados aosoutros, no admitindo mudana de posio ou interferncia de outro elemento:ora, os clticos podem mudar de posio, como viu-me/me viu, ou admitirelementos interferentes, como em (7)

    (7) a. Chegou o livro.b. Chegou o fantstico livro que Joo comprou.

    em que vemos que possvel intercalar um adjetivo entre o artigo e livropor exemplo.

    LOCUES

    Do ponto de vista fonolgico, as preposies tambm so clticos. Muitasvezes as preposies fazem parte de expresses com valor adverbial. Algumasdessas expresses so: a p, de manh, de repente, de lado, em cima etc.Embora consideradas como sequncias de palavras do ponto de vista grfico,essas expresses, chamadas tradicionalmente de locues, ilustram asdificuldades de identificao da palavra, pois apresentam unidade de significadoe uso e tambm so morfologicamente unificadas, no permitindo elementosinterferentes (*de alguma manh, *a todo p, *a p esquerdo etc.) ou mudanade posio. Desta vez, temos um descompasso entre o aspecto morfolgico e oaspecto grfico.

    A PALAVRA COMO FORMA LIVRE MNIMA

    O linguista Bloomfield define a palavra como forma livre mnima. Forma livre aquela que pode por si s constituir um enunciado, ao contrrio da formapresa, ou afixo, que s pode ocorrer em conjunto com outra, da qual depende.Mas a frase tambm pode ser uma forma livre. A palavra , ento, a forma livremnima, isto , a forma livre que no pode ser subdividida em formas livres,embora possa conter uma forma livre.

    Essa definio interessante, porque distingue palavras de frases,sintagmas e afixos; mas apresenta problemas quando pensamos em palavras

  • compostas: como palavras compostas so definidas como palavras formadas deduas ou mais palavras ou radicais, fica difcil sustentar ao mesmo tempo quepalavras no podem ser subdivididas em formas livres.

    FORMAS DEPENDENTES

    O linguista brasileiro Mattoso Cmara Jr. modificou a definio deBloomfield, acrescentando a noo de forma dependente: aquela que dependede outra para ocorrer, mas no est concretamente soldada forma da qualdepende. De acordo com esse conceito, preposies e conjunes, assim comoartigos e pronomes clticos, seriam formas dependentes. Assim, podemosconsiderar preposies, conjunes e artigos como palavras, redefinindo apalavra como forma no presa mnima, o que abarca tanto formas livres quantoformas dependentes.

    PROBLEMAS REMANESCENTES

    Ainda restam muitos problemas na conceituao de palavra; dentre eles, aquesto das palavras compostas, a classificao das formas que expressam grau,a colocao do Particpio Passado como parte da conjugao verbal ou como umadjetivo derivado do verbo, os nomes ptrios e os nomes de cores, que podemser sistematicamente usados em classes diferentes, a situao de nomesprprios de cidades e instituies, e assim por diante.

    Talvez o problema maior seja o nosso enfoque do que seria uma palavra. Olxico abarca elementos que apresentam diversas facetas: fonolgica, grfica,morfolgica, sinttica, semntica, pragmtica; e nem sempre essas facetas sointeiramente recobertas umas pelas outras. Mas ns sempre ansiamos porcategorias com domnios precisos e no superpostos.

    Por outro lado, pensamos sobretudo na palavra como uma unidade lexical.Ora, a unidade da palavra como elemento lexical tambm no se coadunanecessariamente com a noo gramatical de palavra. importante, pois, quepossamos conviver com a diversidade e com a complexidade. o preo quepagamos por um sistema de comunicao mais flexvel; as estruturas rgidas sosempre mais fceis de descrever, mas muito mais limitadas em sua utilizao[3].

    EXERCCIOS

    1. Por que os dicionrios no contm todas a palavras de uma lngua?D exemplos de palavras que no esto nos dicionrios.

    2. As formaes derivao e beija-flor so palavras estruturais? Justifique.

  • 3. Quais so as palavras grficas nas frases abaixo?a. Quenh quit batendo?b. Quem que est batendo?

    4. D exemplos de vocbulos mrficos correspondentes ao lexema fazer.

    5. Na frase abaixo, quais so os vocbulos? e os lexemas?O professor tinha jogado no lixo as sobras do jantar.

    6. Analise o significado de papel nas frases abaixo e determine se se trata deuma situao de homonmia ou polissemia:

    a. Onde est o papel de carta?b. Eu tentei me inscrever, mas ainda faltavam alguns papis.c. Eu queria embrulhar o presente, mas o papel rasgou.d. Joo vai ficar timo no papel do bandido.

    7. Mostre a diferena entre forma livre mnima, forma livre no mnima e formamnima no livre e d exemplos.

    8. Faa uma frase (a) sem formas dependentes; (b) sem formas presas; (c)com dois clticos.

    9. D exemplos de: um vocbulo fonolgico que corresponda a dois vocbulos formais. uma forma dependente que no corresponda a uma palavra grfica. um vocbulo gramatical que no seja forma dependente.

    10. Qual a diferena entre palavras e locues? Exemplifique.

    NOTAS

    [1] O asterisco antes de uma forma indica que essa forma no legtima ou aceitvel na lngua.

    [2] As duas definies apresentadas foram tiradas do verbete modelo de Houaiss (2002), a que remetemos oleitor, para um contato mais direto com problemas relativos a situaes de homonmia e polissemia.

    [3] Para um exame de diferentes aspectos envolvidos no conceito de palavra, ver, entre outros, Bloomfield(1926), Matthews (1991), Lyons (1968), Di Sciullo &Williams (1987) Anderson (1992), Cmara Jr. (1970),Basilio (1999, 2000), Rosa (2000).

  • CLASSES DE PALAVRAS E CATEGORIAS LEXICAIS

    NOES GERAIS

    Damos tradicionalmente o nome de classes de palavras ou partes dodiscurso a conjuntos abertos de palavras, definidos a partir de propriedades oufunes semnticas e/ou gramaticais. As classes de palavras so de importnciacrucial na descrio de uma lngua porque expressam propriedades gerais daspalavras. Por exemplo, impossvel descrever os mecanismos gramaticais maisbvios, como a concordncia de gnero e nmero do artigo com o substantivo, seno determinarmos o que substantivo e artigo.

    Claro, as palavras podem ser classificadas de vrias maneiras; mesmo nagramtica h vrias classificaes. Por exemplo, classificamos palavras quanto acentuao em tonas ou tnicas, e as tnicas em oxtonas, paroxtonas eproparoxtonas. Mas, o que se convencionou chamar de classes de palavras oucategorias lexicais corresponde a uma classificao especfica, a partir decritrios semnticos ou gramaticais.

    CRITRIOS DE CLASSIFICAO

    A questo dos critrios de classificao das palavras muito discutida:devemos classificar palavras por um nico critrio ou por um conjunto decritrios? E quais seriam os critrios mais adequados?

    Os estruturalistas usam sobretudo o critrio sinttico para definir classes depalavras. Por exemplo, substantivos so definidos por suas propriedadesdistribucionais: ocorrncia como ncleo do sintagma nominal (isto , comoncleo do sujeito, objeto direto e indireto e agente da passiva); ou ocorrnciacom artigo, possessivo, numeral etc. Outras propriedades, tais como adesignao de seres e a concordncia de gnero e nmero, embora tambmcaractersticas do substantivo, no seriam critrios de classificao.

    H tambm propostas estruturalistas de classificao apenas morfolgica declasses de palavras. Nessas propostas, substantivos se caracterizam pela flexode gnero e nmero; verbos apresentam flexo de tempo e modo; e assim pordiante.

    As gramticas escolares muitas vezes definem classes por critrio exclusivaou primordialmente semntico. Nesse caso se enquadra, por exemplo, adefinio do substantivo como palavra que designa seres; ou a definio deverbos como palavras que se referem a aes representadas no tempo.

    Nas abordagens estruturalistas, a utilizao de um nico critrio para as

  • classes imposta pelo princpio de economia: se a descrio pode ser feita porapenas um critrio, qualquer outro critrio redundante e deve, portanto, serevitado. Nas gramticas escolares, a predominncia do critrio semntico estligada herana filosfica da gramtica tradicional. Finalmente, a adoo de umcritrio exclusivamente sinttico para o estabelecimento de classes de palavrasnas abordagens gerativas reflete o fato de se tratar fundamentalmente de umateoria da sintaxe, para a qual h um nico critrio relevante, o sinttico.

    UM CRITRIO OU UM CONJUNTO DE CRITRIOS?

    Deixando de lado as razes particulares de cada abordagem, vamosexaminar com cuidado a questo do(s) critrio(s). Vimos que as classes depalavras so necessrias para a descrio gramatical. Temos, ento, que nosperguntar: o que mais adequado descrio gramatical, classes determinadaspor um critrio nico ou por um conjunto de critrios?

    Por exemplo, a definio semntica do substantivo nos diz como ossubstantivos se comportam na construo dos enunciados? No. Ora, como aposio de ocorrncia das palavras na construo dos enunciados parteessencial da descrio gramatical, uma classificao de palavras que no incluaesse ponto ser forosamente insuficiente. Assim, a menos que se possa deduziro comportamento dos substantivos a partir de sua funo semntica, a definiopor critrios semnticos no ser adequada descrio gramatical.

    J a definio sinttica do substantivo como ncleo do sujeito, objetos eagente da passiva d conta de suas posies estruturais, mas nos deixainteiramente no escuro sobre as propriedades de concordncia do substantivo emrelao ao adjetivo. Do mesmo modo, uma definio sinttica ou semntica doverbo no nos d sequer um vislumbre da necessidade de termos vrias formasverbais expressando categorias de tempo, modo, aspecto e nmero-pessoa.

    Por esses exemplos vemos que, para os propsitos da descrio gramatical,classes de palavras definidas em termos de um critrio nico no constituem amelhor opo.

    Por outro lado, sabemos que, em linhas gerais, o conjunto de palavras quedesignam seres ou entidades coincide com o conjunto de palavras que podemocupar a posio estrutural de ncleo do sujeito e complementos, o qual, por suavez, coincide com o conjunto de palavras que determinam concordncia degnero e nmero. Do mesmo modo, o conjunto de palavras que denotapropriedades para atribu-las ao substantivo a que se refere tambm concordacom esse substantivo em gnero e nmero; e assim por diante. Para levar emconta essa coincidncia, necessrio estabelecer as trs propriedades comodeterminantes da classe. Assim, para efeitos da descrio gramatical, as classesde palavras devem ser definidas simultaneamente por criterios morfolgicos,sintticos e semnticos.

  • A questo do fator semntico na descrio gramatical pode ser maiscomplexa e delicada, mas no podemos negar que seria inconveniente deixar deregistrar como uma generalizao o fato de que as mesmas palavras queapresentam e determinam flexo de gnero e nmero e ocupam a posio dencleo do sintagma nominal so palavras que semanticamente designam seresou entidades abstratas. Do mesmo modo, seria inadequado deixarmos deregistrar que as palavras que acompanham os substantivos e com elesconcordam em gnero e nmero denotam propriedades ou qualidades, pelasquais predicam seres ou proposies . Ou que as palavras que modificam verbosso invariveis; ou que as palavras que apresentam flexo de tempo e modoconcordam em nmero-pessoa com o sujeito e denotam estados, eventos etc.representados no tempo. Em suma, existe uma relao geral bvia entre aspropriedades semnticas e gramaticais das classes de palavras, que deve serregistrada na descrio lingustica.

    PRINCIPAIS CATEGORIAS LEXICAIS: BREVE DEFINIO

    Como elementos pertinentes ao lxico, as classes de palavras tambmpodem ser chamadas de categorias lexicais. As classes de palavras envolvidasem processos de formao de palavras so o substantivo, o adjetivo, o verbo e,de um modo marginal, o advrbio.

    A classe de palavras que denominamos substantivo pode ser definida pelapropriedade semntica de designar seres ou entidades, pela propriedademorfolgica de apresentar e determinar flexo de gnero e nmero e pelapropriedade sinttica de ocupar o ncleo do sujeito e complementos. Do mesmomodo, a classe dos adjetivos definida pelas propriedades de caracterizar ouqualificar, sobretudo os seres designados pelos substantivos; e de concordar emgnero e nmero com o substantivo; os verbos so definidos como a classe depalavras que representa relaes (estados, eventos etc.) no tempo, com afuno de predicao e com flexes de tempo e modo, entre outras. Finalmente,a classe dos advrbios define palavras invariveis com a funo de modificarverbos, adjetivos ou mesmo outros advrbios e enunciados.

    FORMAO E CLASSES DE PALAVRAS

    At agora, enfatizamos a importncia das classes de palavras para adescrio gramatical. Mas as classes de palavras ou categorias lexicais tambmso a base fundamental para a descrio dos processos de formao de palavras.

    Assim, do mesmo modo que no podemos descrever mecanismos gerais deconcordncia sujeito-verbo, por exemplo, sem as classes de palavras, tambmsem elas no podemos descrever processos gerais de formao de palavras, taiscomo a adio de -idade a um adjetivo para formar um substantivo abstrato.

  • Portanto, a definio de classes de palavras deve atender no apenas aosrequisitos da descrio gramatical mas tambm aos requisitos dos processos deformao de palavras.

    Ora, os processos de formao de palavras apresentam tanto funesgramaticais quanto funes semnticas; e seus produtos, as palavras formadasatravs de sua operao, apresentam propriedades morfolgicas, sintticas esemnticas. Assim, a definio das classes de palavras, para atender snecessidades de descrio dos processos de formao de palavras, devecorresponder a uma combinao de propriedades morfolgicas, sintticas esemnticas.

    Por exemplo, quando dizemos que -o se adiciona a verbos para formarsubstantivos, no estamos apenas dizendo que -o se adiciona a palavras queocupam o ncleo do predicado verbal para formar palavras que ocupam o ncleodo sintagma nominal; estamos dizendo tambm que as palavras a que -o seaplica designam eventos e situaes representados no tempo e apresentamflexo de tempo/modo/aspecto e nmero-pessoa; e que as palavras produzidasdesignam eventos e situaes sem a marca de representao no tempo, sem aflexo etc. e com a propriedade de acionar mecanismos de concordncia degnero e nmero[1].

    EXERCCIOS

    1. Dadas as frases abaixo, diga qual a classe de X e qual o critrio declassificao:

    a. O X j chegou.b. Espero que este X no seja muito caro.c. Todos os X que eu vi esto muito desbotados.d. A catstrofe foi anunciada pelo X.e. Por favor, chame aquele X l atrs.f. O X torto caiu.

    2. Verifique em duas gramticas normativas a definio de substantivo eadjetivo e diga quais foram os critrios utilizados.

    3. A descrio gramatical seria possvel sem classes de palavras? Justifique.

    4. Mostre, atravs dos dados abaixo, que a definio apenas sinttica dosubstantivo no suficiente para a descrio gramatical:

    a. *O menina chegaram ontem.b. A menina chegou ontem.

  • 5. Em que circunstncia a definio dos substantivos como palavras quedesignam seres poderia ser adequada descrio gramatical?

    6. Alguns autores definem verbo como a palavra que tem as categorias detempo e modo.Discuta a validade dessa definio, levando em conta exemplos como:

    a. Ser palmeira! Existir num pncaro azulado...b. Que delcia, sair por a sem dar satisfao a ningum.

    7. Mostre que h uma relao sistemtica entre propriedades semnticas esintticas de classes de palavras.

    8. At que ponto podemos dizer que substantivos e adjetivos tm as mesmaspropriedades morfolgicas?

    9. Por que as classes de palavras so importantes para a descrio deprocessos lexicais?

    10. Podemos descrever o processo que forma palavras pelo acrscimo do sufixoo sem mencionar classes de palavras? Explique.

    NOTAS

    [1] Para diferentes vises sobre classes de palavras, ver, entre outros, Basilio (1987), Cmara Jr. (1970), Rosa(2000), Perini (1995) e Monteiro (2002).

  • DERIVAO E MUDANA DE CLASSE:PADRES GERAIS E MOTIVAES

    PADRES LEXICAIS REGULARES

    Sabemos pelas gramticas, e por nossa experincia com o uso da lngua,que possvel formar palavras de uma classe a partir de palavras de outraclasse. Por exemplo, a partir de adjetivos podemos formar substantivos, comoem fatal/fatalidade; de substantivos podemos formar adjetivos, como emfloresta/florestal; etc.

    As gramticas apresentam listas de sufixos correspondentes a processos demudana de classe, com a preocupao de abranger todos os elementoseventualmente utilizados. Aqui, nossa preocupao ser de outra natureza: a dedeterminar os padres gerais que regem os processos de mudana de classe.

    O padro geral correspondente aos processos de mudana de classe naconstituio do lxico em portugus pode ser resumido como se segue:

    (1) As categorias lexicais plenas so: substantivo, adjetivo e verbo.(2) Processos de formao de palavras possibilitam a formao de palavras de qualquer categoria

    lexical plena a partir de palavras de qualquer outra categoria lexical plena.

    Ou seja, o fato de que a partir de uma palavra de uma classe podemosformar uma palavra de uma outra classe parte da estrutura lexical doportugus.

    Naturalmente, ao lado desse fato geral, h tambm fatos particulares, taiscomo a especificao de cada processo e as eventuais restries de operao decada um sobre determinadas bases. Por exemplo, ao lado do fato geral de que apartir de qualquer verbo podemos formar um substantivo correspondente, temoso fato particular de que, se o verbo tiver a estrutura morfolgica X-izar, o sufixo aser utilizado na forma nominalizada ser -o; mas se o verbo tiver a estruturamorfolgica X-ecer, o sufixo a ser utilizado ter que ser -mento. Do mesmomodo, ao lado do fato geral de que qualquer verbo pode ser base para aformao de um adjetivo, h o fato particular de que dificilmente verbos que noso transitivos diretos sero base para adjetivos de estrutura X-vel. E assim pordiante.

    DERIVAO E MUDANA DE CLASSE

    Chamamos de mudana de classe a formao de palavras de uma classe a

  • partir de palavras de outra classe. A mudana de classe se efetuafundamentalmente atravs de processos morfolgicos de derivao. Algunsautores consideram que, de certa maneira, a mudana de classe um doscritrios que definem a derivao em oposio flexo[1].

    O processo de derivao consiste na adio de um afixo (sufixo ou prefixo) auma base ou radical para a formao de uma palavra. A estrutura da formaderivada a estrutura geral da adio de um afixo a uma base ou radical; a base determinada gramatical ou semanticamente pelo afixo. Na sufixao temos aestrutura [[base] sufixo]x, em que o sufixo determina a categoria lexical X dapalavra resultante; na prefixao a estrutura [prefixo[base]]x, e o prefixoespecifica uma alterao semntica na palavra resultante, ficando inalterada aclasse X da base; e na derivao parassinttica temos [prefixo[base]sufixo]x,sendo que o prefixo especifica uma alterao semntica e o sufixo determina acategoria lexical X da palavra resultante.

    POR QUE MUDANA DE CLASSE?

    H dois motivos principais para a mudana de classe, que decorrem da duplafuno do lxico de designar entidades e fornecer elementos bsicos para aconstruo de enunciados. Um deles a necessidade de usar palavras de umaclasse em estruturas gramaticais que exigem palavras de outra; o segundo anecessidade de aproveitar conceitos ocorrentes em palavras de uma classe empalavras de outra classe. O primeiro caso corresponde motivao gramatical, osegundo, motivao semntica.

    Por exemplo, se precisarmos nos referir atividade expressa por um verbo,como em (3)

    (3) Clonaram o macaco.

    mas utilizando uma estrutura que requer um substantivo, como em (4)

    (4) Todos ficaram preocupados com

    podemos usar um processo de sufixao para transformar o verbo emsubstantivo, assim possibilitando o uso do contedo verbal num contextogramatical que s permite substantivos, como em (5)

    (5) Todos ficaram preocupados com a clonagem do macaco.

    Vejamos, por outro lado, o caso dos chamados nomes de agente deverbais, isto , substantivos que designam um ser pela prtica ou exerccio deuma ao ou atividade, especificada pelo verbo. Por exemplo, jogador um

  • indivduo caracterizado pela atividade de jogar; varredor, pela funo de varrer;madrugador, pelo hbito de madrugar, e assim por diante. Esses exemplosilustram a motivao semntica para a mudana de classe: para formar unidadesde designao de seres, usamos o material semntico j contido nos verbos e osufixo formador de nomes de agente. Ora, tanto as propriedades do verbo basequanto as propriedades do sufixo formador j esto previamente no lxico;assim, essas formaes so fceis de produzir, aprender e guardar na memria.

    MOTIVAES NO SO EXCLUSIVAS

    As sees anteriores poderiam dar a falsa impresso de que cada formaderivada com mudana de classe tem a sua prpria motivao.Isso, em geral,no ocorre, o que fcil de entender quando nos lembramos de que as classesde palavras so definidas por um conjunto de propriedades. A motivaogramatical corresponde a necessidades morfolgicas e sintticas; a motivaosemntica corresponde a novas necessidades de denotao. O que maisencontramos so situaes em que um fator predomina sobre o outro, oumudanas que podem ser encaradas tanto do ponto de vista gramatical quantodo ponto de vista semntico.

    De qualquer maneira, sempre que h mudana de classe o produto daderivao uma palavra de classe diferente da classe da palavra base, o quepressupe diferenas tanto gramaticais quanto semnticas.

    QUADROS MAIS COMPLEXOS

    s vezes, a formao de palavras com mudana de classe se coloca numquadro mais complexo. Por exemplo, adjetivos atribuem propriedades apenas asubstantivos. O que fazer, ento, se queremos atribuir uma propriedade a umprocesso verbal? Certamente, no podemos usar adjetivos. Podemos, sim, usaros chamados advrbios de modo para modificar a ao verbal, como abaixo:

    (6) Joo falou francamente.

    Advrbios de modo, no entanto, no qualificam a ao verbal, apenas amodificam. Assim, se realmente quisermos qualificar uma ao verbal, teremosque usar um adjetivo. E, como no podemos usar um adjetivo para modificar overbo, porque a gramtica no permite isto, temos ento que formar umsubstantivo a partir do verbo, como abaixo:

    (7) O presidente declarou (*inacreditvel) que no fora informado da crise de energia.(8) A inacreditvel declarao do presidente de que no fora informado da crise de energia.

  • Nesse caso, impossvel dizer se se trata de motivao semntica ougramatical, j que ambos os aspectos esto necessariamente envolvidos. Anecessidade de adjetivao obedece basicamente a uma motivao expressiva,mas inclui um aspecto semntico, evidenciado na escolha do adjetivo; aimpossibilidade de adjetivao direta da forma verbal um fato sinttico; temos,portanto, a utilizao de uma forma nominalizada pela conjuno de um fatorsemntico com um fator sinttico, sob a interferncia de um fator expressivo.

    MOTIVAO EXPRESSIVA NA MUDANA DE CLASSE

    Vemos, portanto, que a mudana de classe pode tambm envolver um fatorexpressivo, embora esse fator nunca ocorra isoladamente. Alm de quadros maiscomplexos, como o descrito acima, temos alguns processos de derivao em quea mudana de classe se conjuga a um valor expressivo veiculado pelos prprioselementos formadores. Esse o caso de formaes com sufixos como -ice, -agem, -udo, -ento etc., em que uma noo pejorativa se adiciona mudana declasse, conforme exemplificado em (9)

    (9) carioca/carioquice; poltico/politicagem; osso/ossudo; gordura/gordurento; resmungar/resmungo

    Em (9), os sufixos -ice e -agem formam substantivos que designam apropriedade correspondente ao adjetivo base, acrescentando a noo pejorativa.Do mesmo modo, -udo e -ento formam adjetivos a partir de substantivos paraqualificar seres a partir da denotao do substantivo, tambm acrescentando ocarter pejorativo. Os processos correspondentes a esses sufixos, portanto,apresentam motivao expressiva, alm de semntica ou gramatical.

    MOTIVAO TEXTUAL E MOTIVAO SINTTICA

    Muitas vezes, tambm, h situaes em que uma motivao de cartertextual, isto , relacionada a questes da construo do texto, embora semanifeste na estrutura sinttica. O melhor exemplo para esse tipo de situao ,novamente, a formao de substantivos a partir de verbos.

    A utilizao de substantivos derivados de verbos para substituir uma frasepredicada por um verbo essencial na construo de um texto escrito, namedida em que permite representar de modo unificado e atravs de uma nicapalavra toda uma proposio, conforme ilustramos:

    (10) O presidente da empresa mais poderosa do pas declarou que no pouparia esforos e nodescansaria enquanto no conseguisse derrubar o projeto em tramitao na Cmara sobre alimitao do uso de energia de carter poluente. A declarao deixou os ambientalistasenfurecidos.

  • Em (10), a forma nominalizada declarao utilizada para substituir todo operodo anterior, o qual relativamente extenso. Essa uma situao deestrutura textual: a forma nominalizada crucial para a continuidade do tpicona construo do texto. Entretanto, esse elemento se manifesta numa estruturasinttica nominalizada; consequentemente, a utilizao do substantivo tambmobedece a um requisito sinttico.

    MOTIVAES MLTIPLAS

    Em suma, como vimos nas sees anteriores, embora possamos apontaruma motivao sinttica ou semntica de carter mais imediato, a motivaopara a formao de palavras corresponde necessidade de utilizao; e autilizao, claro, envolve no apenas fatores sintticos e semnticos mastambm de outros nveis, como o da estrutura textual e fatores retricos eexpressivos, em diferentes predominncias e combinaes[2].

    EXERCCIOS

    1.Qual o padro mais geral relativo mudana de classe na constituio dolxico?

    2. Mostre que, a partir de uma palavra de qualquer categoria lexical plenapodemos formar outra palavra de outra categoria.

    3. At que ponto podemos dizer que a mudana de classe um critriodefinidor da derivao?

    4. Qual a estrutura geral da derivao? D um exemplo de cada caso,definindo a estrutura.

    5. Quais so os principais motivos para a mudana de classe? Exemplifique.

    6. Mostre, analisando dois exemplos, que as formaes X-dor tm motivaosemntica.

    7. Explique as motivaes envolvidas na nominalizao do verbo na fraseabaixo: A surpreendente reduo dos juros pelo BC fez as bolsas subirem.

    8. Por que a nominalizao importante para a produo do texto escrito? Dum exemplo convincente.

  • 9. Qual a motivao para a nominalizao na frase coloquial abaixo: Noaguento mais esta forao de barra.

    10. D a motivao predominante das nominalizaes nas frases abaixo:a. O diretor decidiu prosseguir. A deciso se revelaria desastrosa.b. A pattica contestao dos fatos s fez piorar a situao do ministro.

    NOTAS

    [1] H, no entanto, muitos processos derivacionais que no mudam a classe das palavras, o que tornaquestionvel essa posio. Dentre esses, toda a derivao prefixal e os formadores de nomes de agente apartir de substantivos.

    [2] Para uma abordagem preliminar das funes na formao de palavras, v. Basilio (1987). Sobre a questo darelevncia do fator semntico na formao de palavras, v. Basilio (1986, 1992).

  • PRINCIPAIS PROCESSOS DE MUDANA DE CLASSE:FORMAO DE VERBOS

    O verbo definido semanticamente como uma palavra que corresponde auma ao ou processo representado no tempo, com a finalidade de predicao.Gramaticalmente, verbos ocupam o ncleo do predicado verbal, apresentamflexo de tempo, modo, aspecto, nmero e pessoa e concordam emnmero/pessoa com o sujeito. Os processos de formao de verbos servem aopropsito de formar predicadores correspondentes a aes e processos[1], osquais apresentaro as caractersticas gramaticais dos verbos.

    FORMAO DE VERBOS A PARTIR DE SUBSTANTIVOS

    A formao de verbos a partir de substantivos tem o objetivo de aproveitar anoo expressa pelo substantivo para designar a ao ou processo a serexpresso pelo verbo. Vejamos os seguintes exemplos:

    (1) a. Joo ps o carimbo no atestado.b. Joo carimbou o atestado.

    (2) a. O empregado arrumou as frutas no caixote.b. O empregado encaixotou as frutas.

    (3) a. A cozinheira ps tempero na salada.b. A cozinheira temperou a salada.

    Em (1), por exemplo, o substantivo carimbo define a ao de carimbar; difcil pensar no significado de carimbar sem pressupor carimbo[2]. Do mesmomodo, o verbo encaixotar corresponde ao de colocar (algo) no caixote; e em(3), temperar corresponde ao processo de dar tempero. Vemos, pois, que osverbos formados a partir dos substantivos correspondem a processos verbaisfundamentalmente relacionados aos substantivos de que derivam.

    Claro, se o verbo carimbar no existisse, o ato de carimbar seria expressopor um outro verbo de ao seguido do complemento carimbo, como em (1)a., eo mesmo pode ser dito dos outros exemplos, (2)a. e (3)a. Isto , a formao doverbo condensa numa forma derivada o que tambm pode ser dito numaexpresso perifrstica.

    PROCESSOS DE FORMAO DE VERBOS A PARTIR DE ADJETIVOS

    Tambm na formao de verbos a partir de adjetivos o verbo incorpora a

  • noo que j existe no adjetivo. Adjetivos denotam propriedades, condies ouestados; verbos denotam o processo de mudana em direo a esses estados,propriedades e condies. Essa a motivao fundamental para a formao deverbos a partir de adjetivos. Vejamos os exemplos abaixo:

    (4) Maria engordou.(5) O cimento vai endurecendo aos poucos.(6) O novo ministro agilizou o sistema.

    Em (4), o verbo denota no tempo a mudana de estado de Maria em direoao estado gorda; em (5), endurecer se refere gradual mudana de estado docimento, de mole para duro; e em (6) o verbo denota a mudana de estado dosistema no que tange agilidade.

    Os exemplos de (4) a (6) mostram dois fatos gerais em relao a verbosformados a partir de adjetivos. O primeiro que o verbo, ao expressar umamudana em direo ao estado especificado pelo adjetivo, pode indicar umprocesso completo ou um processo em curso. Em (4), por exemplo, a mudanade estado j foi efetuada, como o uso do Pretrito Perfeito indica, isto , Maria jengordou. Entretanto, se Maria est gorda ou no depende de quanto ela teriaengordado e de como estava antes de engordar. Ou seja, o verbo engordar serefere mudana em direo ao estado gorda, mas no se pronuncia sobre seessa mudana atingiu um estado pleno ou no. O mesmo acontece comendurecer, que pode ser usado em referncia a algo que se tornar duro ou queapenas se tornar mais duro do que antes[3]. Do mesmo modo, em (6) no seafirma necessariamente que o processo se tornou gil, embora essa seja umainterpretao possvel. A possibilidade das duas interpretaes ou de apenasuma vai depender de questes semnticas e questes do conhecimento domundo; h processos que podem ser graduais e outros que correspondem a umapassagem pontual e momentnea. Por exemplo, engordar pode corresponder aum processo gradual, mas ativar denota sobretudo mudanas momentneas.

    O segundo fato geral que esses verbos denotam sempre a mudana deestado, mas podem enfoc-la ou isoladamente ou como resultado de umelemento causador. Por exemplo, em (4) e (5), apenas a mudana de estado focalizada, de modo que interpretamos Maria e cimento como elementosafetados pela mudana. J em (6) o verbo continua denotando uma mudana deestado, mas o sujeito encarado como agente causador da mudana que recaisobre o objeto.

    MUDANA DE ESTADO EM VERBOS FORMADOS A PARTIR DE SUBSTANTIVOS

    A formao de verbos para indicar mudana de estado feitafundamentalmente a partir de adjetivos, porque so sobretudo os adjetivos quedenotam estados. Entretanto, substantivos tambm podem se referir a estados

  • ou ter significado compatvel com a mudana de estado veiculada pelo verbo.Assim, o substantivo tambm pode ser base da formao de verbo com osignificado de mudana de estado, como nos exemplos abaixo:

    (7) Depois de ter-se fossilizado, a matria orgnica permanece inalterada.(8) A crescente favelizao das encostas preocupa os ambientalistas. Nas frases acima, fssil e

    favela so tomados como estado-alvo do processo de mudana especificado pelo verbo.

    PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAO

    A formao de verbos pode ser feita por sufixao e por derivaoparassinttica. As estruturas mais produtivas de formao de verbos porsufixao so as correspondentes adio de -izar, -ar e -ear a substantivos eadjetivos.

    A formao em -izar mais frequente na formao de verbos a partir deadjetivos; e usada, em especial, na terminologia formal, acadmica e tcnica.Formaes em -izar se concentram na representao de mudana de estado,acompanhada ou no da idia de um agente causador. Alguns exemplos estoem (9)

    (9) a. fertilizar, disponibilizar, agilizar, dolarizar, elitizar, sintetizar, minimizar, conscientizar, relativizaretc.

    J as formaes em -ar, mais frequentes que as X-izar na lngua falada e emcontextos mais informais, embora com presena significativa tambm em outroscontextos, concentram-se na denotao de aes definidas pelo substantivobase, sobretudo como objeto da ao, como vemos em (10)

    (10) numerar, paginar, colar, gritar, beijar, babar, perfumar, aguar,

    mas tambm como instrumento, como em (11)

    (11) martelar, carimbar, telefonar, pincelar, cinzelar, lixar, etc.

    ou como agente virtual, como em (12)

    (12) assessorar, monitorar, agenciar, gerenciar etc.

    ou na representao de aes que provocam mudana de estado, se tiverembase adjetiva, como o que segue:

    (13) legitimar, positivar, ativar, inocentar, isentar.

  • As formaes em -ear so menos frequentes, mas tambm so usadas emnovas construes. Em alguns casos, indicam aspecto iterativo na representaodo ato verbal; em outros, funcionam apenas como alternativas fonolgicas paraas formaes em -ar, conforme exemplificado em (14), em que os dados de a.apresentam aspecto, mas no os de b. :

    (14) a. golpear, costear, baquear, negacear, pentear, passear, bombear.b. faxear, patentear, presentear, laquear, escanear.

    FORMAES PARASSINTTICAS

    Na derivao parassinttica, as estruturas mais produtivas correspondem ssequncias en-Adj-ecer, en-S/Adj-ar, e a-S/Adj-ar.

    Na estrutura en-Adj-ecer, os produtos sempre representam mudana deestado:

    (15) endurecer, enrijecer, envelhecer, enriquecer, empobrecer, enlouquecer.

    Existem tambm formaes em a-S/Adj-ecer, assim como formaes en-S-ecer, como as seguintes:

    (16) a. amanhecer, anoitecer, amadurecer, apodrecer, amortecer.b. entardecer, enraivecer.

    mas os padres correspondentes no so utilizados em formaes novas.Nas formaes parassintticas com -ar, o significado de ao mais forte,

    embora a representao de mudana de estado tambm esteja presente,sobretudo nas formaes de base adjetiva. Formaes en-Adj-ar correspondem amudana de estado; formaes en-S -ar correspondem a processos de locao,em que o substantivo base pode representar ou o elemento recipiente, concreto(gaveta, caixote) ou construdo (pilha, fileira), ou o elemento colocado (palha,sabo etc.), como vemos em (17)

    (17) a. encurvar, encurtar, encompridar, engrossar, engordar.b. empalhar, engavetar, ensaboar, empilhar, enfileirar, emparelhar, enrolar, enfaixar.

    J nas formaes a-S/Adj-ar, todos os casos so de mudana de estado,como vemos em (18), sendo que quando a base substantiva a mudana deestado indica apenas aproximao

    (18) a. alongar, ajuntar, apatetar, alisar, aproximar, ajustar.b. aveludar, atapetar, acetinar, amoldar, abrasileirar, acinzentar.

  • As estruturas arroladas so apenas as mais produtivas na formao de novosverbos; outras combinaes, como vemos em repatriar, esfarelar, deportar etc.,embora possveis, apresentam produtividade marginal[4].

    EXERCCIOS

    1.Quais so as principais caractersticas dos verbos? Mostre essascaractersticas em dois verbos quaisquer.

    2. Por que formamos verbos a partir de substantivos? Ilustre a respostaanalisando as formaes telefonar e perfumar.

    3. Mostre, atravs de exemplos, que verbos formados a partir de adjetivos paradesignar mudana de estado no se pronunciam necessariamente sobre acompletude da mudana.

    4. Dadas as seguintes frases com verbos derivados, verifique se a mudana deestado (a) interna ou tem um causador; e (b) total ou apenas seaproxima do estado-alvo:

    a. Maria emagreceu muito.b. Maria enlouqueceu.c. Maria preferiu cristalizar o acar.

    5. Recolha em textos acadmicos ou nas sees de economia e poltica dejornais cinco frases usando formaes recentes de verbos em X-izar.

    6. Qual a principal diferena semntica entre formaes como as abaixo?a. legitimar, inocentarb. minimizar, suavizar

    7. Dados os verbos abaixo, identifique aqueles em que o substantivo basecorresponde ao objeto da ao:criticar censurar escovar limar gritar beliscar encaixotar

    8. Identifique, nos verbos abaixo, se o substantivo representa um recipiente,concreto.encapar apimentar atapetar engarrafar encaracolar emoldurar

    9. Identifique os processos de formao nos verbos abaixo:afugentar contabilizar secretariar enrijecer engraxar apimentar

  • 10. D exemplos de formaes parassintticas de produtividade baixa.

    NOTAS

    [1] interessante observar que, embora verbos tambm designem estados, os processos de formaoprodutivos correspondem apenas a aes e processos.

    [2] Observe-se, tambm, que o prprio objeto carimbo s existe em funo do ato correspondente.

    [3] A frase (5), por exemplo, poderia ser continuada com algo como mas nunca endurece completamente.

    [4] Para diferentes anlises envolvendo a formao de verbos, ver, entre outros, Guilln (1986), Martins (1991),Basilio e Martins (1996), Rio-Torto (1998b).

  • PRINCIPAIS PROCESSOS DE MUDANA DE CLASSE:FORMAO DE SUBSTANTIVOS

    O substantivo definido semanticamente como uma palavra que designaseres ou entidades. Gramaticalmente, o substantivo constitui o ncleo deestruturas nominais, tais como o sujeito, os objetos direto e indireto e o agenteda passiva, assim como expresses regidas de preposio. Os processos deformao de substantivos servem ao propsito de produzir palavras designadorasde seres ou entidades, ou palavras nucleares de estruturas nominais.Morfologicamente, a formao de um substantivo sempre corresponde formao de uma palavra que apresenta as categorias de gnero e nmero, aqual determina a concordncia de seus modificadores e determinantes (artigo,adjetivos e pronomes).

    FORMAO DE SUBSTANTIVOS A PARTIR DE VERBOS

    A formao de substantivos a partir de verbos tem trs motivaesprincipais: a motivao semntica ou denotativa, que corresponde a utilizar osignificado do verbo para denotar seres e entidades; a motivao gramatical, quecorresponde adaptao do verbo a contextos sintticos que exigem umsubstantivo; e a motivao textual, de concretizao sinttica, que correspondeao uso de um substantivo derivado do verbo para fazer referncia a umaestrutura verbal anteriormente utilizada no texto. Nas prximas sees,estudaremos as trs possibilidades, j mencionadas no cap. 4.

    FUNO DENOTATIVA

    O verbo uma palavra que denota aes, estados etc., mas com a funode predicar. importante observar que, na forma verbal, a denotao no podeser separada da funo predicadora, como vemos nas frases abaixo:

    (1) a. A chuva destruiu o poste de eletricidade.b. *Destruiu o poste de eletricidade.c. *A chuva destruiu.

    (2) a. Elegeremos um novo presidente no prximo ano.b. * Elegeremos no prximo ano.

    Vemos que em (1) o verbo destruir no pode ocorrer sem sujeito; tambm oobjeto tem que ser explicitado. Do mesmo modo, temos que especificar em (2) o

  • agente e o objeto da eleio[1]. Em ambos os casos, obrigatrio situar notempo o que est sendo dito.

    Podemos, ento, constatar que a natureza gramatical do verbo tal quesempre que usamos um verbo temos que especificar as categorias de tempo,modo e nmero-pessoa, assim como sujeito e complementos.

    Mas as noes veiculadas pelos verbos podem nos ser necessrias para acomunicao fora da situao de predicao numa frase particular. Para atendera essa necessidade, a referncia a essas noes deve ser feita atravs depalavras caracterizadas como designadoras, ou seja, os substantivos.

    Portanto, formamos substantivos a partir de verbos para denotar osignificado verbal como uma entidade ou conceito em si, fora da situao depredicao, como em (3) e (4)

    (3) Odeio violncia e destruio.(4) difcil acreditar em eleies.

    Em (3), destruio se refere to somente noo verbal em si,genericamente, sem nenhuma especificao. Em (4), a referncia feita apenasao processo genrico correspondente a eleger. Em ambos eliminado qualquercontexto particular.

    Com o uso do infinitivo, temos uma situao intermediria, em que seeliminam as circunstncias temporais, mas no a relao entre eventos,causadores etc.:

    (5) Odeio destruir.(6) Est difcil eleger algum decente.

    Em (5), mesmo com utilizao do Infinitivo, o verbo continua especificandoum agente para o significado de destruir (no caso, o falante); e a ausncia doobjeto provoca um certo desconforto. Em (6), ainda que indefinidos, o agente e obeneficirio tm que estar presentes; ou seja, apesar de ser introduzido umelemento de indefinio, como o nome Infinitivo indica, permanece o verbo comoelemento fundamentalmente predicador. S a transformao do verbo emsubstantivo d a condio ideal para a designao genrica de eventos e demaisnoes verbais.

    MOTIVAO GRAMATICAL

    A formao de substantivos a partir de verbos surge tambm da motivaogramatical de possibilitar o uso do verbo em estruturas que sintaticamenteexigem um substantivo. Um exemplo bem caracterstico desse tipo de motivao o das nominalizaes[2] em expresses com verbos de suporte [3], conformeilustrado abaixo:

  • (7) a. Maria deu um grito e desmaiou.b. Joo vai fazer uma declarao de voto.c. Maria deu uma sada rpida.d. A diretora fez uma observao interessante.

    Em todos os exemplos de (7), usa-se uma expresso com um verbo desuporte em lugar da forma verbal. A construo perifrstica exige um verbo desuporte e a forma nominalizada do verbo correspondente. Temos, portanto, umrequisito gramatical da estrutura da expresso perifrstica.

    MOTIVAO TEXTUAL

    A formao de substantivos a partir de verbos tambm se faz por motivos deordem textual. A principal instncia desse caso a funo de anfora, quecorresponde ao uso de um substantivo derivado do verbo para fazer referncia auma estrutura verbal anteriormente utilizada no texto. A utilizao de formasnominalizadas para substituir frases predicadas por verbos essencial naconstruo do texto escrito, na medida em que permite representar de modounificado e atravs de uma nica palavra toda uma proposio, conformeexemplificado:

    (8) O presidente eleito decidiu indicar pessoas de sua confiana para as posies-chave do governo.A deciso ter implicaes complexas.

    Em (8), deciso substitui todo o perodo anterior, assim transferindo ainformao para o perodo seguinte; a forma nominalizada crucial para acontinuidade do tpico na construo do texto. A nominalizao do verbo emfuno de anfora, portanto, faz parte da estrutura do texto escrito, emboramanifestada na estrutura gramatical.

    DESVERBALIZAO

    Dado que categorias como tempo, modo e nmero-pessoa, assim comotransitividade, so propriedades fundamentais do verbo e no do substantivo, amudana de classe de verbo para substantivo desfaz a obrigatoriedade deespecificar tempo e modo verbais e explicitar agentes e objetos ou beneficiriosdo processo verbal. Esses ltimos podem vir explicitados, mas por requisitos deinformao, no por requisitos gramaticais, como podemos constatar:

    (9) a. A declarao do delegado de que a polcia no descansaria enquanto no desmantelasse todasas quadrilhas que atuavam na periferia tranquilizou temporariamente os cidados.b. A declarao de que a polcia no descansaria enquanto no desmantelasse todas asquadrilhas que atuavam na periferia tranquilizou temporariamente os cidados.c. A declarao do delegado tranquilizou temporariamente os cidados.d. A declarao tranquilizou temporariamente os cidados.

  • Em (9)b., c. e d. temos que, do ponto de vista gramatical, a formanominalizada pode ocorrer com ou sem meno do sujeito, do objeto ou deambos.

    Ou seja, a nominalizao do verbo nos permite expressar a noo verbal emsi, sem as amarras dos requisitos gramaticais do verbo. Podemos, assim, falar doevento verbal sem situ-lo no tempo, ou sem mencionar o agente, ou semmencionar complementos etc.

    PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAO

    A formao de substantivos a partir de verbos pode ser feita por sufixaoou pelo processo tradicionalmente conhecido como derivao regressiva. Asestruturas mais produtivas para a formao de verbos por sufixao so ascorrespondentes adio dos sufixos -o, -mento, -da e -agem.

    As formaes de estrutura [V-o]N so as mais produtivas, correspondendoa cerca de 60% das formaes regulares em dois estudos recentes. Nos mesmosestudos, as formaes em -mento corresponderam a cerca de 20% dasformaes regulares[4].

    Uma das razes para o uso mais frequente de -o e -mento em oposioaos demais processos o fato de que esses sufixos so semanticamente vazios,enquanto sufixos como -da e -agem apresentam especificaes semnticas querestringem suas possibilidades de combinao com diferentes bases ou radicais.

    Quanto significativa percentagem de utilizao de -o sobre -mento, elase deve, pelo menos em parte, ao fato de formaes novas em -izar forarem aescolha de -o. Alguns exemplos de formas em -o e -mento so dados abaixo,incluindo formas tradicionais e formaes mais recentes:

    (10) a. especificao, realizao, formao, sufixao, significao, derivao.b. dolarizao, talibanizao, tucanizao, mexicanizao, favelizao.

    (11) a. batimento, entendimento, contentamento, impedimento, envolvimento.b. escaneamento, zoneamento, estacionamento, contingenciamento

    Como vemos em (10)b, novos verbos formados com -izar constituem umasignificativa fonte de bases que alimenta a frequncia de uso do sufixo -o.

    As demais estruturas apresentam percentagens relativamente pequenas emanlises de corpus. No entanto, o caso da estrutura [V-da]N de interesse.Formas [V-da]N so via de regra nominalizaes de verbos de movimento,conforme vemos em (12),

    (12) entrada, sada, chegada, partida, vinda, ida etc.

    sendo menos frequentes por causa dessa restrio semntica.

  • Existe, entretanto, uma outra possibilidade para as formas nominalizadasem -da: a formao de expresses perifrsticas. A expresso dar uma [V-da] de grande utilizao como elemento atenuador do verbo na lngua faladacoloquial e a possibilidade de novas formaes muito grande, embora isso noaparea com facilidade em anlises de corpus de escopo mais limitado. Algunsexemplos seguem abaixo:

    (13) a. dar uma entrada/sada/passada/lida/estudada/chegada/olhadab. dar uma temperada no bife, uma lavada no carro, uma historiada no processo, uma analisadana questo, uma vacilada na hora h, uma alavancada na situao etc.

    Assim, se levarmos em conta essa segunda possibilidade, o teor deocorrncia de estruturas nominalizadas [V-da] passa a ser significativo.

    DERIVAO REGRESSIVA

    As formaes por derivao regressiva [V-a]N, [V-o]N, [V-e]N so tambmbastante frequentes[5]. Existe um problema, entretanto, em relao a essasformaes: difcil determinar quais formas devemos considerar como deverbaise, portanto, derivaes regressivas, e quais devemos considerar como bsicas,ou seja, substantivos, de que derivariam os verbos. O problema ilustrado em(14) a (16):

    (14) a. Maria gosta de gritar.b. Maria deu um grito.

    (15) a. Maria encaixou o cubo pequeno no grande.b. Este brinquedo est com um problema de encaixe.

    (16) a. O chefe criticou o trabalho de Pedro.b. O chefe fez uma crtica ao trabalho de Pedro.

    Nas frases de (14) e (16) patente a dificuldade de se determinar adirecionalidade do processo, na medida em que ambas as formas grito e crticapoderiam ser consideradas ou substantivos bsicos de que os verbos derivaramou substantivos formados por derivao regressiva a partir dos verboscorrespondentes[6]. J em (15), as caractersticas morfolgicas anteriores(encaixar formado por derivao parassinttica a partir de caixa) mostram queencaixe derivado do verbo. Alguns exemplos tradicionais e recentes deformaes regressivas so:

    (17) a. badalo, agito, sufoco, apronto, adianto, aguardo.b. desmonte, repasse, desengate, desencaixe, toque, retoque, ataque.c. luta, crtica, censura, procura, escolha, venda, fuga.

    A derivao regressiva com apoio na vogal -a s ocorre em formaes

  • tradicionais, ao contrrio da baseada em -o, utilizada em formaes recentes decarter giritico, como vemos em (17)a. e c. Formaes em -e so tambmprodutivas, sobretudo em verbos prefixados com re- e des-, nos quais aderivao regressiva relativamente comum.

    FORMAO DE NOMES DE AGENTE E INSTRUMENTO

    A formao de substantivos a partir de verbos tambm atende funosemntica de aproveitar a noo do verbo para denotar seres. A formao doschamados nomes de agente tem como produto palavras que designam um serpela prtica ou exerccio de uma ao ou atividade, especificada pelo verbo. Oprocesso de formao tambm se estende nomeao de objetos instrumentais,cuja funo principal definida pelo significado do verbo.

    Os nomes de agente e instrumentais podem ser formados praticamente apartir de qualquer verbo de ao. Essas formaes so utilizadas em larga escalaem sistemas de nomenclatura, como ocupaes profissionais, mecanismosabstratos, substncias ativas etc. Nesse caso, os substantivos designam seresatravs de uma caracterizao genrica:

    (18) a. O cobrador vem sempre na primeira semana do ms.b. O redutor aplicado sobre o total da poupana.c. O tranquilizante no deve ser tomado de estmago vazio.

    Em (18), os trs exemplos mostram caracterizaes genricas: cobrador serefere a quem estiver exercendo a funo, redutor um mecanismo abstrato dereduo e tranquilizante uma substncia nomeada por sua funo.

    Mas a caracterizao tambm pode ser habitual ou mesmo eventual, isto ,podemos caracterizar um ser tambm pelo hbito de alguma atividade ou por terexercido uma atividade num determinado momento, como vemos nos exemplosque seguem:

    (19) a. Madrugadores em geral no gostam de festas.b. O vencedor do concurso pode buscar seu prmio a partir de hoje.c. Os visitantes gostaram muito da cidade, mas ficaram exaustos.

    Em (19)a. os seres referidos por madrugadores so caracterizados por seuhbito de acordar cedo; em (19)b., e c. a caracterizao eventual, a algumque venceu um concurso especfico ou a pessoas que visitaram uma cidade numdeterminado momento.

    ASPECTOS GRAMATICAIS

    Como substantivos, os nomes de agente se comportam como qualquer outro

  • substantivo, embora possam tambm ser usados em algumas circunstnciascomo adjetivos[7]. Entretanto, ao contrrio dos demais substantivos deverbais,os nomes de agente propriamente ditos, que se referem a seres humanos,apresentam, por esse motivo, a propriedade semntico-gramatical de flexo degnero. Assim, todo e qualquer nome de agente determinar a oposiomasculino/feminino em seus modificadores e determinantes a partir do sexo doreferente, conforme exemplificado abaixo:

    (20) a. Meu escritor favorito parou de escrever.b. Esto baixos os ndices de popularidade da governadora do estado.c. As serventes do turno da manh organizaram um protesto.

    Em(20) a. e b., vemos que nomes de agente apresentam flexo de gnero;(20) c. ilustra a situao dos nomes de agente uniformes, que tm a mesmaforma para os dois gneros, mas acionam diferentes mecanismos deconcordncia.

    PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAO

    Os principais processos de formao de nomes de agente e instrumentais apartir de verbos correspondem adio dos sufixos -dor e -nte. Do ponto de vistadas construes j feitas, -dor e -nte so usados indiferentemente em vriasfunes. Do ponto de vista das formaes no portugus contemporneo, noentanto, existem tendncias marcadas para a utilizao de cada um.

    O sufixo -dor utilizado, sobretudo, para a caracterizao genrica deprofisses, cargos e funes; para a caracterizao habitual; para a designaode instrumentais de ordem mecnica, eletrnica ou abstrata e para acaracterizao eventual, conforme exemplificamos em (21)

    (21) a.cobrador, varredor, administrador, maquilador, vendedor, governador.b. madrugador, comprador, jogador, agitador, colecionador, seguidor.c. computador, ventilador, refrigerador, indexador, controlador.d. vencedor, perdedor, ganhador, sorteador, iniciador, portador.

    O sufixo -nte utilizado, sobretudo, para a caracterizao de seres por umaao, atividade ou situao em curso e para a caracterizao de substnciasativas, como vemos em (22)

    (22) a. manifestante, representante, visitante, iniciante, militante, litigante.b. calmante, adoante, solvente, refrigerante, hidratante, amaciante, alvejante.c. sobrevivente, repetente, ouvinte, amante, desistente, crente.

    FORMAO DE SUBSTANTIVOS A PARTIR DE ADJETIVOS

  • Embora adjetivos tambm sejam predicadores, a funo do adjetivo menos central que a do verbo na estrutura do texto. Nesse aspecto, a formaode substantivos a partir de adjetivos se distancia das funes que encontramosna nominalizao deverbal. Vamos encontrar fundamentalmente duas funes naformao de substantivos a partir de adjetivos: a denotativa e a gramatical.

    FUNO DENOTATIVA

    Do mesmo modo que os verbos, os adjetivos denotam qualidades paraatribu-las a substantivos, de modo que a denotao dessas propriedades no sesepara da funo predicadora. Assim, se quisermos fazer referncia a qualidadese propriedades como entidades abstratas, teremos que formar substantivos apartir dos adjetivos, conforme exemplificado:

    (23) a. O texto agora est legvel.b. A legibilidade a primeira qualidade que temos que exigir num texto.

    (24) a. Os alunos mais experientes terminaram logo o trabalho.b. A experincia o melhor indicador de produtividade.

    Em (23)a., legvel predica texto; em (23)b., fala-se sobre a propriedade emsi de ser legvel. O mesmo tipo de distino pode ser verificada entre (24)a. e(24)b.

    Ou seja, como o significado dos adjetivos no pode ser desligado da funode atribuio, devemos formar um substantivo quando queremos nos referir auma propriedade ou qualidade qualquer, em abstrato. essa a motivaosemntica bsica para a formao de substantivos a partir de adjetivos.

    OUTRAS MOTIVAES

    Mas essa no a nica motivao para formarmos substantivos a partir deadjetivos. A transformao de adjetivo em substantivo necessria tambmquando queremos nos referir a alguma qualidade que algum/algo possui, emvez de atribu-la a este algo ou algum. Vejamos, por exemplo, as frases:

    (25) a. Pedro honesto.b. A honestidade de Pedro me tranquiliza.

    Em (25)a., temos o adjetivo honesto predicando Pedro. Em (25)b., estamosnos referindo a uma qualidade de Pedro. Portanto, temos que usar o substantivoderivado do adjetivo.

    Adicionalmente, assim como vimos em relao a verbos, a utilizao dosubstantivo derivado do adjetivo tambm pode ocorrer em funo de anfora, ouseja, para substituir uma estrutura em que o adjetivo funciona como predicador,

  • como vemos:

    (26) ainda possvel que haja novo corte de energia. Essa possibilidade assusta.(27) A possibilidade de se concretizar um corte de energia assusta a todos.

    em que (26) e (27) ilustram dois nveis de compactao.A formao de substantivos a partir de adjetivos tambm motivada por

    processos retricos de enfatizao. Em especial, a predicao pode serenfatizada pela forma nominalizada do adjetivo nas expresses do tipo uma___, que ilustramos em (28):

    (28) a. Isso a uma bobagem.b. Este livro uma preciosidade.c. O que voc est dizendo uma loucura.d. uma indignidade pensar que eu aceitaria tal proposta.

    Finalmente, substantivos derivados de adjetivos tambm podem designarno uma qualidade, mas seres ou entidades que se caracterizem por essaqualidade, como observamos abaixo:

    (29) a. A maldade do ser humano.b. As maldades do ser humano.

    (30) a. A atrocidade da guerra.b. As atrocidades da guerra.

    (31) a. A indignidade da proposta.b. As indignidades da proposta.

    Em a., as referncias so qualidade abstrata correspondente ao adjetivo;em b., designam-se coisas ou fatos caracterizados pelas qualidadescorrespondentes aos adjetivos. Quando substantivos designam algocaracterizado pelo significado do adjetivo, ou seja, uma coisa pela sua qualidadefundamental, passam a ter uma acepo concreta e, portanto, passam a serpluralizveis, como vimos em b.

    PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAO

    A formao de substantivos a partir de adjetivos feita por sufixao. Asestruturas mais produtivas so as correspondentes aos sufixos -idade, -eza e -ice, embora haja muitos outros sufixos formadores, como -ido, -ura, -itude, -ismo etc.

    O sufixo -idade o sufixo mais utilizado para a formao de substantivos apartir de adjetivos na lngua formal. Embora possa ocorrer em qualquer tipo deconstruo, o sufixo -idade se adiciona sobretudo a formas j derivadas. Assim, aformao de substantivos a partir de adjetivos com as estruturas [X-al], [X-vel],

  • [X-tivo],[ X-ico], [X-rio] etc. feita pelo sufixo -idade, como ilustramos em (32)

    (32) a. sinceridade, piedade, maldade, bondade, verdade.f. nacionalidade, fatalidade, racionalidade, liberalidade, vitalidade.g. viabilidade, amabilidade, estabilidade, mobilidade, credibilidade.h. objetividade, atividade, inventividade, criatividade.i. historicidade, cientificidade, especificidade.

    J o sufixo -eza se combina apenas com bases no derivadas, comomostramos:

    (33) beleza, pureza, crueza, dureza, baixeza, riqueza, pobreza, ligeireza.(34) *[[Xal]eza],[[Xvel]eza], [[Xtivo]eza], [[Xrio]eza] etc.

    em que (34) expressa a constatao de que qualquer adjetivo com aestrutura [X-al], [X-vel], [X-tivo] ou[ X-rio]no pode servir de base para umaformao com -eza.

    Embora ambos os sufixos sejam produtivos, o fato de que apenas -idade secombinar com bases de estrutura morfolgica complexa faz com que esse sejaum sufixo muito mais utilizado, pois o nmero de suas bases possveis sempre seexpande, ao contrrio de -eza, que apresenta um nmero bem menor depossibilidades concretas de utilizao, j que s se adiciona a bases primitivas.

    O sufixo -ice tem situao diferente dos demais porque apresenta, junto coma mudana de classe, uma conotao pejorativa. Assim, muitas vezes a escolhado sufixo -ice deriva da semntica correspondente a elementos consideradosnegativos, conforme ilustrado:

    (35) a. chatice, burrice, pieguice, bestice.

    ou coloca uma viso pejorativa em bases neutras, como em (34)

    (36) gramatiquice, literatice, democratice.

    apesar de ter ocorrncia neutra em formas mais antigas da lngua, tais comovelhice, meninice e meiguice[8].

    EXERCCIOS

    1. Identifique, nas frases seguintes, a predominncia da funo denotativa,gramatical ou textual nas formas nominalizadas deverbais:

    a. Todos gostam de comemoraes.c. O ministro comunicou a sua inabalvel deciso de renunciar.d. Joo deu uma lida no texto.

  • 2. Mostre, atravs de um exemplo com suas variaes, que a formanominalizada pode ocorrer com ou sem meno do sujeito, do objeto ou deambos.

    3. Veja uma pgina de jornal (Globo, Folha de So Paulo, JB etc.) e conte aproporo de ocorrncia de formas com o, mento, da e agem.Verifique em quais funes as formas ocorrem.

    4. D dois exemplos de nominalizao em funo de anfora.

    5. D dez exemplos de formaes do tipo dar uma X-da ou fazer uma X-o.

    6. Devemos considerar as formas grito, trabalho, uso e causa como derivaesregressivas? Por qu? Discuta as alternativas.

    7. Qual a diferena entre nomes de agente eventuais e nomes de agentegenricos? D duas frases como exemplo de cada.

    8. H diferena de valor ou emprego entre os sufixos dor e nte? Ou ambosso usados indiferentemente?

    9. Quais so as principais motivaes que temos para formar substantivos apartir de adjetivos?

    10. Podemos dizer que o sufixo idade mais produtivo que os outros? Porqu?

    11. Explique a diferena de emprego de ice e d exemplos.

    12. Assinale abaixo os casos em que o substantivo derivado do adjetivoapresenta uma acepo concreta:

    a. Joo me fez uma grande maldade.b. Maria de uma crueldade inacreditvel.c. A maldade naquela famlia hereditria.d. A carta era um punhado de vulgaridades.

    NOTAS

    [1] No caso de (2), o sujeito est explicitado na desinncia nmero-pessoal.

  • [2] Substantivos deverbais podem tambm ser chamados de nominalizao ou forma nominalizada do verbo.

    [3] Verbos semanticamente esvaziados que formam com o SN objeto uma expresso verbal na qual o verbocontm as propriedades verbais gramaticais e o significado nuclear dado pelo SN.

    [4] Os estudos focalizaram tanto a lngua escrita quanto a lngua falada, em corpora de tamanho equivalente. V.Basilio (1996) e Albino (1993).

    [5] Numa anlise de formas nominalizadas com um corpus de cerca de 500 verbos do portugus, cerca de 1/3das formas nominalizadas eram desse tipo. V. Basilio (1980).

    [6] Observem, alis, que nenhum dos dois casos tem semntica clara no que concerne ao conceito de ao,normalmente utilizado pela gramtica tradicional para definirmos se uma forma regressiva ou no.

    [7] Ver captulo Adjetivo ou substantivo?

    [8] Para diferentes aspectos da formao de substantivos, ver, entre outros, Basilio (1980, 1986, 1987, 1995,1996); Azevedo (1992); Albino (1993), Gunzburger (1979), Miranda (1980); sobre derivao regressiva, v.Basilio (1987), Gamarski (1988), Lobato (1995).

  • PRINCIPAIS PROCESSOS DE MUDANA DE CLASSE:FORMAO DE ADJETIVOS

    Adjetivos denotam qualidades e propriedades em geral, atribuindo-as aossubstantivos a que se referem. Processos de formao de adjetivos servem aopropsito de formar predicadores ou elementos de atribuio de qualidades epropriedades a substantivos[1]. Gramaticalmente, adjetivos derivados funcionamcomo os demais adjetivos, acompanhando o substantivo a que se referem, com oqual concordam em gnero e nmero. Diferentes processos de formaoproduzem adjetivos derivados uniformes, isto , com apenas uma forma para osdois gneros, ou biformes, ou seja, apresentando uma forma para cada gnero.Por exemplo, a adio do sufixo -al a substantivos forma adjetivos uniformes; aadio do sufixo -oso forma adjetivos biformes.

    Podemos distinguir nos adjetivos uma funo denotativa pela qual o adjetivoacrescenta uma propriedade semntica s propriedades do substantivo referido,de tal modo que o conjunto substantivo+adjetivo passa a ser um novodesignador; e uma funo predicativa, em que o adjetivo atribui uma qualidadeao objeto referido pelo substantivo. Por exemplo, em indstria cultural o adjetivocultural acrescenta uma especificao semntica a indstria, de tal modo que aexpresso indstria cultural designa algo distinto do que designado porindstria. J em indstria ultrapassada o adjetivo ultrapassada atribui um juzode valor a alguma indstria em particular ou atividade industrial em geral, semhaver diferena de designao.

    A essa distino semntica entre adjetivos de funo denotativa e de funopredicativa correspondem aspectos sintticos. Normalmente, os adjetivos defuno denotativa no podem ser intensificados, ou seja, no so usados nosuperlativo ou com expresses adverbiais de intensificao; e no so usadoscom verbos que indicam avaliao, tais como julgar, achar, considerar etc., comovemos:

    (1) *A indstria extremamente cultural est se desenvolvendo.(2) Muitos consideram a indstria ultrapassada.(3) *Muitos consideram a indstria cultural.

    Em (2) e (3) vemos que o adjetivo ultrapassada, mas no cultural, pode serusado com o verbo considerar; em (1) verificamos que, como modificador deindstria, cultural tambm no pode ser usado com extremamente.

  • FORMAO DE ADJETIVOS A PARTIR DE SUBSTANTIVOS

    Formamos adjetivos a partir de substantivos para que o material semnticocontido nos substantivos possa ser usado como instrumento de atribuio depropriedades. Vejamos os exemplos:

    (4) A indstria cultural mostrou sinais de recuperao.(5) Este negcio vantajoso.

    Em (4), a partir de cultura formamos cultural, usado para atribuir indstriaa propriedade de produzir bens relativos cultura; em (5) vantagem a base devantajoso, utilizado para atribuir a propriedade de apresentar vantagem a umnegcio especfico, sinalizado pelo demonstrativo. No primeiro exemplo, a funo denotativa; no segundo, predicativa.

    O processo formador do adjetivo pode adicionar elementos semnticos aosdo substantivo base, como acontece em (5), em que a noo provido de veiculada pelo sufixo -oso; ou pode ser semanticamente vazio, como em (4), emque -al, ao formar o adjetivo cultural, apenas coloca cultura como base de umarelao de pertinncia[2].

    PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAO

    Nos principais processos de formao de adjetivos a partir de substantivos importante distinguir os processos semanticamente vazios, mas produtivos emseu conjunto, daqueles que trazem noes adicionais. Dentre os semanticamentevazios, os mais usados so os correspondentes adio dos sufixos -al, -ico e -rio. Dos que carreiam noes adicionais, os sufixos -oso, -udo e -ado do anoo de provimento; -s, -ense e -ano do noo de origem.

    O sufixo -al se adiciona sobretudo a substantivos de origem latina, primitivosou derivados. O teor de utilizao de -al significativo tanto na lngua formalquanto na lngua coloquial. Usado com bases que contenham /l, muitas vezes -alassume o alomorfe -ar,[3] como:

    (6) a. individual, industrial, caricatural, central, hexagonal, adicional.b. familiar, similar, disciplinar, linear, angular, crepuscular, polar.

    O sufixo -ico se adiciona a radicais gregos, constituindo-se num caso peculiarna medida em que opera basicamente sobre formas presas, sobretudocompostas, embora tambm possa se adicionar a bases livres no derivadas. caracterstico da lngua culta, sobretudo formal e acadmica. Alguns exemplostradicionais e de formao recente so dados em (7), em que a. contmformaes a partir de radicais:

  • (7) a. psquico, anrquico, esttico, lgico, enrgico, eltrico.b. simblico, patritico, potico, histrico, alcolico, cnico, lrico.c. genmico, ecolgico, talibnico.

    O sufixo -oso se adiciona a substantivos latinos primitivos ou derivados eacrescenta a idia de posse ou provimento em relao ao significado da base.Alguns exemplos:

    (8) valoroso, montanhoso, perigoso, preguioso, oleoso, rochoso, brilhoso.

    Os sufixos -s e -ense formam adjetivos ptrios e correlatos, adicionando-se,portanto, a nomes prprios de locais ou nomes comuns de tipos de locais,conforme ilustramos:

    (9) a. campons, montanhs, japons, portugus, francs, javans.b. fluminense, angrense, cearense, amazonense, paraense.

    O sufixo -ano tambm forma adjetivos ptrios e correlatos alm de indicaroutros tipos de origem, como autoria, ou mesmo outros tipos de pertinncia.Vejam os exemplos:

    (10) a. serrano, tijucano, suburbano, peruano, boliviano, americano.b. saussureano, kantiano, hegeliano, laboviano.

    O sufixo -rio forma adjetivos de base latina a partir de bases presas eformas livres primitivas ou derivadas. utilizado sobretudo numa linguagem maisformal. Alguns exemplos:

    (11) universitrio, monetrio, bancrio, inflacionrio, autoritrio, prioritrio.

    FORMAO DE ADJETIVOS A PARTIR DE VERBOS

    Tanto o verbo quanto o adjetivo so predicadores, mas o verbo denotaeventos e relaes representados no tempo enquanto o adjetivo denotaqualidades e propriedades tidas como estveis. Formamos adjetivos a partir deverbos sobretudo para usar a noo verbal de evento ou seu efeito para aatribuio de propriedades a substantivos. Vejamos os seguintes exemplos:

    (12) a. O vestido rasgou.b. O vestido rasgado.

    (13) a. Aquele filme me emocionou muito.b. Certos filmes so emocionantes.

    Em (12)a., rasgou constitui o predicado, representando no tempo um evento

  • que afeta vestido; em (12)b., rasgado indica uma propriedade que identificavestido. Em (13)a., emocionou se refere a um evento especfico de causao desentimento ao falante por um filme especfico num dado momento no passado;em (13)b., fala-se da propriedade genrica de certos filmes de causar emoes.

    MOTIVAO GRAMATICAL

    Mas a formao de adjetivos a partir de verbos tambm pode ter funogramatical. Nesse ponto, a construo mais importante o Particpio Passado,formado a partir do verbo para a expresso da voz passiva, cujo mecanismorequer, do ponto de vista estrutural, a conjuno do verbo auxiliar com a formaadjetivada do verbo semanticamente pleno, a qual concorda em gnero enmero com o sujeito, como vemos em (14) a (16)

    (14) A roupa foi lavada s pressas.(15) Os livros foram vendidos ontem.(16) As fotografias j tinham sido recolhidas na parte da manh.

    Como a forma do particpio passado necessria para a formao cannicada passiva, podemos dizer que h uma motivao gramatical na formao deadjetivos de verbais[4]. Isso, entretanto, no impede a utilizao de adjetivosdeverbais em -do independentemente dessa motivao gramatical, comopodemos ver a seguir:

    (17) Ele quer casa, comida e roupa lavada.(18) Maria ficou emocionada/cansada/esgotada/assustada/deprimida.(19) Pode tirar da lista os livros esgotados/manchados/descosidos/rasgados.(20) Joo atrevido/ousado/educado/organizado/viajado.

    Em (17) a (20), vemos que a formao de adjetivos correspondentes aParticpios Passados vai alm da utilizao da voz passiva, tanto porque seestende a verbos que no tm voz passiva quanto porque, mesmo nos que atm, a utilizao no necessariamente de motivao gramatical.

    PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAO

    Os principais processos de formao de adjetivos a partir de verboscorrespondem adio dos sufixos -nte, -(t)ivo, -(t)rio, -vel e -do.

    O sufixo -nte, que fazia parte da flexo verbal no latim, correspondendo aoParticpio Presente, passou a ser no portugus atual tanto um formador denomes de agente como um sufixo produtivo formador de adjetivos[5].Como formador de adjetivos, o sufixo -nte se adiciona, sobretudo, a verbos (a)de causao de sentimento; (b) de movimento ou reao fisiolgica; e (c)

  • indicadores de estado, conforme exemplificado:

    (21) a. comovente, fascinante, edificante, neurotizante, deprimente, instigante.b. rastejante, bruxuleante, ofegante, arquejante, resfolegante.c. diferente, ocorrente, coincidente, aparente, distante, condizente [6].

    Os sufixos -tivo e -trio se adicionam sobretudo a verbos de ao com afinalidade de qualificarem substantivos atravs da noo veiculada pelo verbobase, conforme exemplificado:

    (22) a. teor repetitivo, efeito predicativo, sentena declarativa, partcula interrogativa.b. manobras protelatrias, atitudes reivindicatrias, instncia decisria, perodo pr-operatrio.

    O sufixo -vel se adiciona a verbos, sobretudo transitivos, para formaradjetivos que qualificam substantivos como possveis pacientes ou afetados peloprocesso representado pelo verbo. Assim, por exemplo, a partir do verbonegociar se forma o adjetivo negocivel, que pode ser usado para qualificar umsubstantivo qualquer como representando algo que pode ser paciente ou afetadopelo ato ou processo de negociar, ou seja, algo que possa ser negociado. Mas -vel tambm pode se adicionar a verbos no necessariamente transitivos. Quandousado com verbos mediais, o adjetivo produzido mantm a semntica dequalificar o substantivo referido como objeto potencial de afetao pelo processoverbal. Alguns exemplos esto em (23)

    (23) a. roupa lavvel, problema contornvel, doena curvel.b. alimentos perecveis, substncias inflamveis, metais oxidveis.

    Adjetivos deverbais formados com o sufixo -vel apresentam umapeculiaridade de uso. Tais adjetivos so usados frequentemente com o prefixonegativo, porque a negao da potencialidade do ato verbal, realizada atravsdo adjetivo em -vel negado pelo prefixo, constitui um mecanismo enftico,conforme vemos em (24)

    (24) filme imperdvel, aula interminvel, pessoa incansvel, compromissos inadiveis, coisasimpensveis[7].

    O sufixo -do se adiciona virtualmente a qualquer verbo para a formao doParticpio Passado que, na forma varivel, pode ser utilizado quer na formao davoz passiva, como vimos em (14) a (16), quer na adjetivao pura e simples,como nos exemplos (17) a (20).

    VESTGIOS CATEGORIAIS EM ADJETIVOS FORMADOS DE VERBOS

  • Os adjetivos form