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EDUCAÇÃO DO CAMPO, DECOLONIZAÇÃO, DIÁLOGOS DE SABERES E
EDUCAÇÃO POPULAR: OS DESAFIOS TEÓRICO-PRÁTICOS NA
FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Ângela Massumi Katuta – Universidade Federal do Paraná/Setor Litoral
Ehrick Eduardo Martins Melzer - Universidade Federal do Paraná/Setor Litoral
Maria Antônia de Souza – Universidade Tuiuti do Paraná e Universidade Estadual de
Ponta Grossa
Resumo:
O painel tem como objetivo discutir os desafios teórico-práticos e teórico-
metodológicos da formação inicial e continuada de educadores do campo e das escolas
localizadas no campo, tendo como foco as teorias da decolonização, o diálogo de
saberes e os fundamentos da educação popular. A metodologia utilizada na elaboração
do trabalho foi a investigação ação que orientou as reflexões oriundas das pesquisas,
ações coletivas e práticas pedagógicas em sala de aula em processos de formação inicial
e continuada dos educadores em pauta. Assim, por meio das mesmas, organizamos o
painel em três partes. Em um primeiro momento, abordamos a formação inicial dos
educadores do campo, a partir das experiências e desafios do curso de licenciatura em
educação do campo na área de ciências naturais da Universidade Federal do
Paraná/Setor litoral (Procampo). Em seguida, abordamos a formação continuada de
educadores das escolas localizadas no campo, a partir das experiências e desafios
levantados nas ações e pesquisas encetadas pelo Núcleo de Pesquisa em Educação do
Campo, Movimentos Sociais e Práticas Pedagógicas (NUPECAMP). Finalizamos o
trabalho evidenciando as contribuições teórico-metodológicas e teórico-práticas da
educação popular e das teorias da decolonização na formação inicial e continuada de
educadores do campo e das escolas localizadas no campo, principalmente no que se
refere à desobediência epistemológica, desde a decolonialidade, e ao caráter
emancipatório de ambos, que têm no diálogo de saberes a sua centralidade, elemento
estratégico para avançar nos desafios colocados na construção da escola do futuro.
Conclui-se que, no que se refere à formação em pauta, o diálogo de saberes, bem como
os encaminhamentos teórico-práticos e teórico-metodológicos propostos na educação
popular e na teoria da decolonização, constituem-se em elementos fundamentais nos
processos formativos pois auxiliam a materializar propostas coletivas e coesas em torno
dos princípios da educação do campo.
Palavras-chave: educação do campo, formação docente, educação popular.
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O DIÁLOGO DE SABERES NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO DA UFPR LITORAL
Ehrick Eduardo Martins Melzer – Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral
Resumo:
O presente trabalho busca discutir sobre o estabelecimento de um diálogo de saberes no
curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Paraná,
Setor Litoral. Como instrumento de análise buscou-se verificar os documentos que
constituem o curso e o Setor Litoral (Projeto Político Pedagógico e Projeto Pedagógico
do Curso), os territórios que o curso atende e as características docentes (como
formação e possibilidade de estudos conjuntos). Dos relatos apresentados compreende-
se que há potencialidades e ações docentes que rumam para o estabelecimento do
diálogo de saberes. Uma dessas ações potencializadoras está na adoção da Agroecologia
como um dos eixos transversais de atuação do curso, junto com a proposta de
itinerância dos educadores que os colocam em contato direto com os territórios dos
discentes que formam o curso. A partir das análises de algumas práticas desenvolvidas
no curso de Licenciatura em Educação do Campo percebe-se um grupo de iniciativas
nas turmas e territórios de atuação do curso que podem potencializar o desenvolvimento
de um diálogo de saberes dentro de uma proposta de educação popular como defendida
por Paulo Freire, envolvendo a dialogia e o respeito pelo ser humano, dentro de
processos educativos que buscam a emancipação e a libertação dos povos do campo
atendidos pelo curso. O desafio está em se fazer conhecer as potencialidades de cada
docente e discente, no estabelecimento de uma rotina de estudo coletivo sobre os
documentos do curso, educação popular e outras vertentes teóricas que apoiam a
Educação do Campo para uma proposta de diálogo de saberes.
Palavras-chave: Educação do campo; Diálogo de saberes; Formação inicial.
1. Introdução
No Brasil, há pelo menos 19 anos, grupos organizados integraram o Movimento
Nacional por uma Educação do Campo. Este movimento encabeçado pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) definiu uma proposta educacional
construída com as populações do campo, denominado, inicialmente, por Educação
Básica do Campo que, após vários debates, passou a ser nominado por Educação do
Campoi.
A partir dessa definição, foram organizados movimentos de luta por políticas
públicas dos mais variados espectros. Esse movimento teve uma significativa vitória
com o estabelecimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). No governo de Luiz
Inácio Lula da Silva houve significativos avanços como o estabelecimento de
documentos oficiais (resoluções e legislações) para a Educação Campo, tornando-a uma
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modalidade educacional reconhecida pelo Ministério da Educação. No governo Dilma
Roussef houve o estabelecimento de políticas educacionais que conformaram o
Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO), dotado de 4 eixos que
perpassam questões como gestão, compra de material didático através do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); instalação e ampliação de
Licenciaturas em Educação do Campo; formação de professores, além de investimentos
estruturais tais como: construção de escolas, aquisição de computadores, instalação de
rede de esgoto, energia elétrica e rede de internet.
O seu eixo 2 (formação inicial e continuada de professores) foi materializado
com o edital PROCAMPO que visou a instalação e manutenção de cursos de
Licenciatura em Educação do Campo em Instituições Públicas de Ensino Superior (IES)
em todo o território nacional.
A partir desse edital são constituídas, de acordo com Molina (2015), 45
Licenciaturas em Educação do Campo em todo o território nacional. No estado do
Paraná houve a instalação de três licenciaturas localizadas nos municípios de
Laranjeiras do Sul, Dois Vizinhos e Matinhos, projetos esses viabilizados a partir de três
instituições, Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Federal do Paraná (UFPR), cada uma com
um projeto pedagógico diferenciado para o atendimento dos povos do campo.
A partir desse edital foi constituída uma proposta de licenciatura dentro de uma
estrutura pedagógica diferenciada, em alternância e itinerância, inovando na proposição
do deslocamento de seus educadores nos diversos territórios de atuação do curso e
eliminando a necessidade de deslocamento para os educandos e, assim, diminuindo a
probabilidade de desistências por questões relacionadas ao estilo de vida, trabalho e
condições materiais.
Assim, este artigo tem como objetivo principal responder a seguinte questão:
“como o diálogo de saberes se desenvolve na Licenciatura em Educação do Campo da
UFPR Litoral?”.
Para responder a esta pergunta desenvolvo uma análise que engendra pelos
seguintes pontos: 1) caracterização do diálogo de saberes no PPC do curso; 2) relatos
dos territórios de atuação do referido curso; 3) iniciativas dos docentes no
estabelecimento do diálogo entre os saberes e 4) desafio dos docentes do curso no
desenvolvimento de uma proposta de educação popular que articule o diálogo de
saberes.
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2. Caracterização do projeto político do curso (ppc) e o diálogo de saberes
O projeto da UFPR no litoral paranaense nasceu em 2005 através de uma
articulação entre três entes federados (União, Estado do Paraná e Município de
Matinhos) para a organização de uma estrutura educativa universitária no Balneário
Caiobá no município de Matinhos. Naquela ocasião, o município cedeu funcionários
para manutenção da estrutura; o estado do Paraná forneceu a estrutura física de uma
colônia de férias e a União proveu com recursos financeiros e humanos para o
desenvolvimento das atividades educacionais no litoral. Em 2008 o projeto UFPR
Litoral tornou-se Setor com um projeto político pedagógico (PPP) próprio, baseado no
resgate e desenvolvimento cultural, social e econômico das populações do litoral
paranaense e Vale do Ribeira.
De acordo com o PPP do Setor Litoral (UFPR, 2008), a proposta educacional se
destaca pela não utilização da estrutura tradicional-pedagógica da UFPR. Esta nova
estrutura buscou inspiração nos movimentos da pedagogia de projetos,
institucionalizando os seguintes espaços pedagógicos:
- PROJETOS DE APRENDIZAGEM (PA)
- FUNDAMENTOS TEÓRICOS PRÁTICOS (FTP)
- INTERAÇÕES CULTURAIS E HUMANISTICAS (ICH)
Os PAs correspondem a projetos desenvolvidos por estudantes do Setor com a
mediação de educadores da instituição. Vale ressaltar que o PA tem um caráter diferente
da extensão e da pesquisa, pois é o discente que propõe objetos de estudo e, posterior
ação com base nas problemáticas de sua realidade concreta. Com o PA, o educando
busca compreender mais sobre uma questão e/ou propor uma forma de ação na sua
realidade de forma a desenvolver sua comunidade.
Os FTPs são um reflexo das vivencias e dos PAs do educandos, correspondem a
carga teórica de cada curso da UFPR Litoral e estão de acordo com os projetos
desenvolvidos pelos docentes e discentes.
As ICHs são espaços horizontais que possibilitam a interação de docentes em
diversos cursos e etapas de formação. Caracteriza-se por um espaço aberto de dialogo e
democrático onde discente e docente constroem coletivamente saberes, baseado no
diálogo e na pesquisa em ação.
Dessa forma, esses três espaços pedagógico encontram-se integrados no PPP em
três fases de formação denominadas: Conhecer e Compreender (CC), Compreender e
Propor (CP) e Propor e Agir (PA). Assim, o educando busca compreender sua realidade
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para desenvolver propostas de ação articuladas com poder público e comunidade para a
transformação de sua realidade.
A partir dessa práxis proporcionada pelo PPP do Setor Litoral, o Curso de
Licenciatura em Educação do Campo busca desenvolver estes eixos pedagógicos dentro
da proposta de Alternância de tempos educativos (Tempo Universidade e Tempo
Comunidade), além da itinerância que se configura no desenvolvimento da estrutura
universitária fora dos muros da universidade, quebrando a lógica do encarceramento
universitário.
Outra fonte pedagógica do curso reside na pedagogia da alternância, como
sugere o trecho:
O Curso de Licenciatura em Educação do Campo por meio da
metodologia da pedagogia da alternância irá assegurar a
organização dos tempos e espaços formativos que se adequem à
realidade do campo, assegurando as estratégias específicas de
atendimento a formação e a flexibilização da organização do
calendário escolar à vida e ao trabalho do campo. (UFPR, 2012, p.
11. Grifos nossos).
A partir desse extrato podemos fazer a leitura de que o curso busca relacionar a
proposta do Setor de metodologia de projetos com a pedagogia da alternânciaii. Porém,
essa articulação se dá em torno dos espaços educativos do Setor Litoral (FTP, ICH e
PA) com os regimes de tempo na Pedagogia da Alternância (Tempo Escola, Tempo
Comunidade), gerando espaços educativos dos FTP, ICH e PA nos espaços
universitários (Tempo Universidade) e a propagação desses espaços na comunidade
(Tempo Comunidade).
A partir dessa compreensão o marco conceitual do curso baseia-se nos seguintes
princípios da educação popular, permeada pelos seguintes fundamentos:
[...] a) saber não é acumular conhecimentos transmitidos, mas
interagir ativamente na construção do conhecimento, aprofundando
a relação entre conhecimento científico e o conhecimento
acumulado na vida dos Sujeitos envolvidos; b) todo aprendizado
parte da prática social concreta, permitindo uma leitura crítica
sobre a mesma e retornando a ela munido de outros níveis de
compreensão, fruto do acesso ao conhecimento científico; c)
aprender-ensinar, passa a ser uma atividade essencialmente
dialógica para a qual educandos e educadores participam de um
mesmo processo interativo, corresponsável, partilhando
conhecimentos, vivências de práticas sociais em diálogo com o
conhecimento socialmente acumulado e que demanda
necessariamente planejamento dialógico e ação investigativa que
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possibilite estabelecer o vínculo entre a prática social e as áreas do
conhecimento (UFPR, 2012, p. 13).
Dessa forma, pode-se depreender que o projeto de educação popular que o curso
se propõe a desenvolver está intimamente ligado com fundamentos do diálogo de
saberes pressupondo uma relação de cooperação entre os saberes das comunidades,
saberes da experiênciaiii
individuais do educando e educador e saberes acadêmico-
científicos, gerando uma relação descolonizadora, ou seja, uma relação de construção de
uma nova compreensão de conhecimento, gerado nas relações dialógicas de cooperação
entre educador (que media) e educando (mediado). Além desses referenciais vale
lembrar que o curso baseia na proposta de educação libertária, dialógica e emancipadora
do ser humano baseada na cosmovisão de Paulo Freire:
O curso baseia-se na proposta de Paulo Freire de resgate do
humano como sujeito de si e de sua própria educação. O pensador
argumenta em defesa da educação, como dinamizadora do
processo de mudança, firmando as bases da aprendizagem:
capacidade de autorreflexão como desenvolvimento da consciência
crítica, que reorganiza as experiências vividas, transformando a
realidade. A aprendizagem modifica o homem que, ao mesmo
tempo em que se renova, mantém a própria identidade (UFPR,
2012, p. 6).
Nesse sentido, compreende-se que uma das características principais do curso é
a dialogia e o respeito ao ser humano buscando na educação uma forma dinamizadora
para transformação de sua realidade (FREIRE, 1987).
Outro ponto importante a se destacar é a compreensão do conceito de diálogo de
saberes. Este conceito é trabalhado em uma linha de estudos identificados como
epistemologias do sul que buscam trazer a discussão de uma relação horizontal entre
saberes do norte global (países colonizadores) com os saberes oriundos do sul global
(países colonizados), subvertendo a relação de dominação que impetrada através dos
processos de colonização. Assim, linhas de estudos como a decolonização buscam nesse
reconhecimento do saberes das comunidades, uma forma de se contrapor a lógica
colonizadora que compreende que só há uma ciência que domina e inferioriza outras
bases de conhecimentos, como destacado no trecho:
Contrastando com o esgotamento intelectual e político do Norte
global, o Sul global, na sua imensa diversidade, assume-se hoje
como um vasto campo de inovação econômica, social, cultural e
política. Valorizar e amplificar os saberes que resistiram com êxito
à intervenção capitalista-colonial é o objetivo das epistemologias
do Sul, investigando as condições de um diálogo horizontal entre
conhecimentos (MENESES, 2014, p. 93).
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A partir dessa abordagem há a intenção de construir um projeto de emancipação
e de educação popular, que busca trazer a importância dos saberes das comunidades e
estabelecer um diálogo com os saberes científicos, majoritariamente de base
eurocêntrica, dentro de um projeto de emancipação e empoderamento pelas práticas
educativas libertadoras (DUMRAUF et all, 2009; DUMRAUF E MENEGAZ, 2013).
3. Os territórios de atuação do curso de licenciatura em educação do campo da
UFPR litoral
Atualmente, o curso encontra-se consolidado com a atuação de 15 educadores
em 4 turmas com realidades completamente distintas. Cada turma tem um grau de
diversidade e particularidade que permeia toda a sua formação. Essas turmas localizam-
se e distribuem-se da seguinte forma:
TABELA 1: DISTRIBUIÇÃO DOS EDUCANDOS
TURMA LOCAL NÚMERO DE EDUCANDOS
CA CERRO AZUL 35
AD ADRIANÓPOLIS 80
LT LITORAL
(MORRETES,
ANTONINA,
PARANAGUÁ,
MATINHOS, ILHAS,
GUARATUBA E
GUARAQUEÇABA).
80
LP Lapa (Escola Latino
Americana de
Agroecologia)
30
TOTAL 225
Fonte: dados organizados pelo autor com base no final de 2015.
De acordo com a tabela 1, nota-se que o curso atende ao todo 9 municípios no
estado, distribuídos pelo Litoral (6 no total), um nos campos gerais (Lapa) e dois no
Vale do Ribeira (Adrianópolis e Cerro Azul). A turma de Cerro Azul atende
trabalhadores da cidade, do campo e da educação do município. A turma de
Adrianópolis, é formada majoritariamente por quilombolas residentes na cidade de
Adrianópolis, Comunidades Caboclas de São Paulo e pelos residentes dos quilombos
que circundam o município. A turma do Litoral é formada por educandos residentes em
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6 dos 7 municípios do litoral paranaense, contendo a maior diversidade de saberes e
trajetórias. E a turma da Lapa foi organizada e ofertada em uma parceria da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) com a Escola Latino Americana de
Agroecologia (ELAA), atendendo os movimentos sociais do campo, funcionando no
Assentamento Contestado, localizado no município da Lapa.
Nessa breve análise, pode-se perceber a grande variedade de sujeitos do campo e
da cidade atendidos, além da variedade de abordagens que são geradas nas mais
diversas realidades. Lembrando que esta variedade é rica para um dialogo de saberes,
porém, também pode-se tornar uma barreira, caso o grupo não trabalhe nesta
perspectiva de retomar os saberes tradicionais das comunidades envolvidas, fazendo
uma relação entre saberes tradicionais e saberes acadêmico-científicos.
4. Iniciativas docentes e sua relação com o diálogo de saberes
Atualmente o curso de Licenciatura em Educação do Campo conta com 15
professores contratados em concurso público específico, formando uma equipe com 5
membros das ciências humanas, 6 membros das ciências da natureza, 4 membros das
ciências agrárias. Um dos pontos positivos desse extenso grupo é a diversidade
acadêmica, de atuação em pesquisa e, por conseguinte, de conhecimentos,
proporcionando uma gama de possibilidades de formação docente para as Ciências da
Natureza. O ponto negativo é que em ciências da natureza, por exemplo, todos os
educadores vieram de outras searas da pesquisa educacional, tendo pouca relação com a
pesquisa na Educação do Campo. A partir disso, o conjunto de educadores em diálogos
na Câmara do curso entenderam a necessidade de alguns processos de atuação e de
formação e, individualmente, cada educador do curso decidiu se faria sua migração na
pesquisa para a Educação do Campo. Conformando, dessa forma, estratégias de ações
coletivas e individuais dentro do curso.
Inicialmente, como estratégia coletiva foi definido que todos os docentes
participariam de reuniões pedagógicas com datas pré-definidas para estudo de
determinadas temáticas de interesse coletivo, trabalho este orientado por uma Comissão
de Formação Docente (CFD). A outra estratégia coletiva foi a adoção da Agroecologia
com a lógica do Agroecossistema como eixo transversal de desenvolvimento do
trabalho docente nas turmas do curso.
Do ponto de vista do diálogo de saberes, a agroecologia contribui para este
debate já que um de seus princípios é o intercâmbio entre conhecimento científico,
técnico e tradicional, como destacado:
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A evolução do conhecimento agroecológico exige que se
estabeleçam canais de diálogo entre os conhecimentos dos
agricultores, dos técnicos e dos cientistas, por meio de processos
participativos (EMBRAPA, 2012, p. 7).
Dessa forma, utilizando a abordagem agroecológica aliada ao ensino de ciências,
gera-se a premissa de que é possível ouvir a comunidade e reconhecer seu saber como
válido, numa postura de respeito e reconhecimento àquele saber sistematizado e
transmitido de geração em geração. Mas, ao mesmo tempo, entende-se que este saber
deve dialogar com o saber construído pelas Ciências, de base europeia para, assim, se
complementarem.
Como estratégias individuais, cada educador definiu seu escopo de estudo e
como se daria sua migração para a temática da Educação do Campo. Atualmente, um
grupo de educadores está trabalhando por meio da relação entre a Agroecologia e as
Ciências da Natureza na Educação do Campo, propostas freirianas para a Educação do
Campo, os Complexos de Estudos e a decolonização como linha de pesquisa mestra
para o estabelecimento de um diálogo entre saberes. Tudo isto em função da relação do
ensino, com a pesquisa e a extensão universitária na prática docente dentro do curso e
em outros espaços do meio acadêmico tais como: grupos de pesquisa, grupos de estudo
e parcerias para a escrita de artigos para eventos e periódicos.
Entre as turmas, algumas iniciativas já foram identificadas como possibilidade
de estabelecimento de diálogo entre saberes. Na turma da Lapa, por exemplo, foi
desenvolvida, dentro dos princípios agroecológicos, uma caminhada descritiva. Trata-se
de uma abordagem utilizada pela agroecologia como forma de reconhecimento dos
saberes tradicionais que a comunidade possui, através do reconhecimento do
agroecossistema e estabelecimento de relações entre as bases de conhecimentos. Assim,
ensina-se química, física e biologia por meio do conhecimento local, o que mostra como
os saberes podem se inter-relacionar. Outra experiência que está sendo desenvolvida na
turma do litoral é o trabalho com o reconhecimento do território, através da abordagem
dos temas científicos por meio da cartografia social, ou seja, pelo reconhecimento do
território, busca-se relacionar o conhecimento tradicional com o acadêmico-científico.
Todas as atividades pedagógicas desses educadores foram desenvolvidas dentro
dos princípios da educação popular, respeitando as vozes dos sujeitos envolvidos no ato
educativo e construindo uma relação horizontal entre educadores e educandos. Dentro
da dialogia e buscando respeitar os saberes, costumes e cultura das comunidades onde
há atuação do curso (FREIRE, 1987).
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Além dessas ações coletivas, há educadores que realizam suas pesquisas nas
comunidades, com a abordagem da Etnopedologia, Etnobotânica e da Agroecologia
como forma de desenvolver a relação entre esses saberes.
5. Desafios para o desenvolvimento de um diálogo de saberes e uma proposta de
educação popular
Nas seções anteriores foram trazidas algumas discussões em relação a diferentes
dimensões que permeiam o curso de licenciatura em educação do campo da UFPR
Litoral. Nesta seção, fazemos um diálogo com essas diferentes perspectivas, mostrando
algumas potencialidades e desafios para o estabelecimento de um efetivo diálogo de
saberes no curso.
Como potencialidades observadas no curso encontra-se a diversidade de
experiências, sujeitos e territórios. Essa diversidade é um potencial para o
estabelecimento de um diálogo de saberes. Há ainda a multiplicidade de formações e
experiências por parte dos docentes do curso. Tudo isto é um ponto positivo para uma
efetiva formação como educadores do campo em ciências da natureza e para a
possibilidade de garantia de uma formação mais ampla e alicerçada na realidade.
Além dessas potencialidades no tocante aos recursos humanos, observa-se que o
projeto do curso de licenciatura em educação do campo tem um desenho diferenciado
dentro da proposta da metodologia de projetos e os espaços pedagógicos das ICH,
FTP‟s e PA‟s, possibilitando autonomia para o educando propor e dialogar com os
saberes que possuem e os acadêmicos. Além disso, a alternância e a itinerância dos
espaços e tempos pedagógicos é outro elemento potencializador para o reconhecimento
da realidade do educando e o dialogo de saberes, possibilitando uma direta relação e
comunicação com os saberes tradicionais que a comunidade detém.
O desafio para o estabelecimento de um efetivo diálogo entre saberes parte da
experiência individual de cada docente e de sua formação, partindo do pressuposto que
as caminhadas teóricas dos docentes são diferenciadas, o que confere uma diversidade
de orientações teóricas e, por enquanto, certa dificuldade em produzir encaminhamentos
conjuntos dentro de uma unidade teórica. Esse desafio está sendo superado com a
adoção da agroecologia como eixo de atuação transversal do curso, porém, ainda há
questões que estão se resolvendo.
Quanto a formação docente que ainda não se efetivou no grupo, compreende-se
que ela possibilita o conhecimento do que cada indivíduo (docente) do curso pode
contribuir teoricamente e que, ao mesmo tempo, gera possibilidades de unidade de
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pensamento com os estudos coletivos a partir de temas comuns ao grupo. Atualmente,
foram feitos somente três momentos de estudos em que se discutiu metodologia de
projetos (no sentido amplo), agroecologia (bases conceituais e epistemológicas) e um
encontro inicial de discussão do PPC.
Outro desafio encontrado é a infinidade de interpretações do PPP do Setor e do
PPC do curso, possibilitada pela flexibilidade teórica que os dois documentos em si
proporcionam, de forma a gerar debates sobre a forma de se conduzir os trabalhos do
curso.
Depreende-se que as formações, as compreensões do projeto e a falta de
momento de estudos coletivos constituem-se em desafios para o estabelecimento de um
diálogo de saberes, apesar das turmas e docentes apresentarem uma diversidade de
saberes, o que é profícuo para o curso.
6. Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi realizar uma primeira discussão sobre as
potencialidades do diálogo de saberes dentro do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo da UFPR Litoral. Partindo-se da questão proposta na introdução, entende-se que
ainda é muito cedo para se afirmar que o curso é capaz ou não de produzir um fecundo
diálogo entre saberes, com as turmas que atende, modificando a forma de pensar e
descolonizar o imaginário do futuro educador do campo.
O que se observa por meio de um exame de documentos, recursos humanos
disponíveis no curso e turmas é que há elementos que auxiliam na materialização do
estabelecimento de um diálogo de saberes. É possível encontrar ações docentes nas
turmas que buscam, por meio do eixo da agroecologia, potencializar estratégias de
relacionamento dos saberes tradicionais das comunidades em que o curso está inserido
com os saberes acadêmico-científicos da formação de educador em Ciências da
Natureza. Porém, existem desafios. Um desses encontra-se do ponto de vista do diálogo
teórico entre os educadores e reconhecimento das trajetórias formativas. Outro desafio
está na compreensão do PPP do setor litoral e PPC do curso, como foi mostrado em
seções anteriores. O PPC do curso tem a diretriz da educação popular e, logo, coloca
como objetivo o estabelecimento de um dialogo de saberes, no reconhecimento dos
saberes locais e o estabelecimento de uma relação horizontal com saberes acadêmico-
científicos.
Logo não se pode afirmar que o curso faz ou não faz um diálogo de saberes. O
que se pode afirmar é que o curso tem as ferramentas (curriculares, humanas e teóricas)
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para estabelecer tal diálogo. No entanto, só será possível saber se as estratégias dos
educadores conduziram a este encaminhamento metodológico por meio da analise de
como os educadores formados pelo curso compreendem a ciência e a sua relação com os
saberes tradicionais evidenciando, por meio das suas representações sociais, se há uma
reprodução de um padrão de educador de Ciências da Natureza colonizado ou se a
formação desenvolvida pelo curso efetiva uma mudança na mentalidade,
descolonizando o imaginário do educador do campo.
7. Referências
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Campo.pdf>. Acesso em: 01 Mar. 2016.
________________________
i De acordo com Munarim (2011) e Caldart (2004), historicamente, o Movimento por uma educação do
campo entendeu que a educação do campo não se dá somente nos espaços educativos formais, mas
também em outros espaços da vida camponesa. Assim, buscou-se a mudança de nomenclatura com o
intuito de abranger a totalidade dos processos de formação e vivencia do camponês.
ii Vale ressaltar que a Pedagogia da Alternância, de acordo com Teixeira et all (2008), é uma proposta
criada na França, por camponeses, e que chegou ao Brasil pela Casa Familiares Rurais (CFR). Esta
proposta teórica não se reduz somente aos espaços e tempos pedagógicos, tendo outras dimensões teóricas
que não serão abordadas neste trabalho.
iii
De acordo com Larrosa (2014) o saber da experiência tem uma característica mais pessoal, sendo
impossível a sua reprodução. O autor defende que o saber da experiência é único e faz parte da caminhada
formativa de cada indivíduo.
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10836ISSN 2177-336X
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ESCOLAS PÚBLICAS, FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E
PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Maria Antônia de Souza – Universidade Tuiuti do Paraná e Universidade Estadual de
Ponta Grossa.
Resumo:
Neste texto serão pontuados os desafios que marcam a construção da Educação do
Campo, com o olhar voltado para a escola pública, sua a identidade político-pedagógica
e formação continuada, por considerar a estreita relação entre elas no fazer educativo
emancipatório. Os procedimentos metodológicos que permitiram tecer as reflexões
presentes neste artigo foram, predominantemente, análise documental e observação.
Análise de documentos produzidos pela sociedade civil, em especial as cartas,
declarações e compromissos firmados durante as Conferências de Educação do Campo.
Também, para tratar da identidade da escola, foram analisados os projetos político-
pedagógicos das escolas. A observação é um dos procedimentos utilizados há mais de
10 anos nas pesquisas em Educação do Campo. São observações sistemáticas realizadas
durante as reuniões e seminários com os professores das escolas públicas de municípios
rurais da Região Metropolitana de Curitiba. Nessas observações, a atenção volta-se para
3 aspectos centrais: 1) conhecimento existente sobre Educação do Campo nos
municípios. 2) políticas educacionais direcionadas às escolas e à formação continuada
de professores. 3) identidade político-pedagógica da escola, analisada por meio dos
comentários que são realizados sobre o projeto político-pedagógico da escola e sobre
aspectos da prática pedagógica, tais como materiais didáticos, temas de estudo, relação
entre os conteúdos e cultura, trabalho nas comunidades de agricultura familiar
camponesa. Este texto está organizado em três partes: A primeira trata da escola pública
como lugar de reprodução e de produção de ideias, relações e conhecimento. A segunda
parte traz reflexões sobre sujeitos, diversidade e especificidades da Educação do
Campo. A terceira parte traz reflexões sobre a formação continuada vivida pelos
professores, com indicação dos principais desafios a serem superados para que a
formação siga os princípios da Educação do Campo.
Palavras-chave: Educação do Campo; Escola Pública; Formação Continuada.
Introdução
A preocupação com as escolas públicas, do ponto de vista das políticas
educacionais e das práticas pedagógicas, tem estado na pauta de movimentos sociais,
Fóruns, Associações de Pesquisas, entre outros. Os anos de 1980 foram profícuos no
debate sobre a escola pública, em particular com as ações do Fórum em Defesa da
Escola Pública. No caso do campo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), nos anos de 1980 criou o Setor de Educação e iniciou estudos sobre a realidade
das escolas públicas dos assentamentos rurais. A partir de trabalhos coletivos, na década
de 1990, elaboraram diversos materiais pedagógicos com o intuito de provocar a
reflexão sobre a escola pública, lançar manifestos, demandas e propostas para a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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construção de uma escola que valorizasse a cultura dos povos do campo, as lutas sociais
e pela reforma agrária. A organização da escola pública do ponto de vista da gestão e da
prática pedagógica, assim como a formação de professores, sempre esteve na pauta de
lutas do MST. Ao final da década de 1990, a partir da Conferência Nacional Por uma
Educação do Campo, os movimentos sociais do campo produziram uma carta de
compromissos para trabalhar a Educação Básica do Campo e a construção de um
projeto popular para o Brasil. Nessa carta explicitaram muitos dos princípios da
Educação do Campo e da identidade da escola pública do campo, que serão destacados
ao longo deste artigo, que tem por objetivo discutir a escola pública, sua identidade
político-pedagógica e os desafios da formação continuada segundo os princípios da
Educação do Campo. Ao fazer isso serão enumerados pontos para reflexão sobre a
formação continuada de professores que têm sido identificados em nossas pesquisas em
instituições escolares de 24 municípios no estado do Paraná.
A pesquisa tem como ponto de partida a origem da Educação do Campo no
Brasil, sua materialidade nos movimentos sociais e seu vínculo com a classe
trabalhadora e com a construção de um projeto popular para o Brasil. Esse ponto de
partida é confrontado com a realidade das escolas públicas que estão no campo que, em
sua maioria, possuem equipes pedagógicas e professores que pouco conhecem do
movimento nacional da Educação do Campo, que desconhecem a diversidade
sociocultural que marca o campo nos municípios onde trabalham e que realizam práticas
pedagógicas aderentes à concepção da educação rural. Concepção esta fundada no
paradigma do capitalismo agrário, no contexto do qual são produzidos materiais
pedagógicos por empresas e grupos econômicos que difundem a ideologia do campo
como lugar do agronegócio, da produção monocultora e que visualizam e afirmam que o
desenvolvimento econômico está no espaço urbano e no crescimento da produção
econômica via aprimoramento do uso da tecnologia e dos recursos naturais.
Assim, o ponto de partida é a prática social e a contradição que marca o
conjunto de relações que se passa na escola pública. Instituição localizada no conjunto
maior de relações culturais, pedagógicas e políticas da sociedade, portanto, pensada a
partir dos seus determinantes internos e externos, bem como da possibilidade de que a
escola possa ser lugar de determinação de relações, novos conteúdos, enfrentamentos
político-pedagógicos, enfim, lugar “voltado para processos de transformação social”.
Embora existam profissionais que não tiveram formação em Educação do Campo,
verifica-se significativa disposição dos professores em repensar a prática pedagógica e
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10838ISSN 2177-336X
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questionar projetos e materiais pedagógicos que chegam via empresas diretamente às
secretarias municipais ou via convênios entre empresas e o poder executivo municipal.
Neste texto serão pontuados os desafios que marcam a construção da Educação
do Campo, com o olhar voltado para a escola pública, a prática pedagógica e formação
continuada, por considerar a estreita relação entre elas no fazer educativo
emancipatório. Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa foram análise
de documentos produzidos pela sociedade civil, em especial as cartas, declarações e
compromissos firmados durante as conferências de Educação do Campo e, para tratar da
identidade das escolas, análise de seus projetos político-pedagógico. Ainda, a
observação sistemática das reuniões e seminários com os professores das escolas
públicas de municípios rurais da Região Metropolitana de Curitiba é técnica utilizada na
investigação. Nas observações a atenção volta-se para 3 aspectos: 1) conhecimento
existente sobre Educação do Campo nos municípios; 2) políticas educacionais
direcionadas às escolas e à formação continuada de professores; 3) identidade político-
pedagógica da escola, analisada por meio dos comentários que são realizados sobre o
projeto político-pedagógico da instituição e sobre aspectos da prática pedagógica, tais
como materiais didáticos, temas de estudo, relação entre os conteúdos e cultura,
trabalho nas comunidades de agricultura familiar camponesa.
Sobre a escola pública e identidade político-pedagógica
A escola pública, como historicamente constituída no Brasil, é a que
predominantemente atende aos camponeses e filhos de camponeses, bem como os
trabalhadores da agricultura familiar, também moradores do campo. Trata-se de
instituição pública, vinculada administrativamente aos Estados e/ou Municípios, em
meio a algumas instituições federais. Em primeiro lugar, quando analisamos a escola
pública, há clareza de que ela pertence à gestão municipal ou à estadual, sob as
determinações da LDB 9394/96 e das diretrizes e normativas nacionais e estaduais. A
escola é pública, em que pese as pesquisas evidenciarem que, em muitas localidades, a
coisa pública tem sido tratada como se fosse coisa privada. São equipes pedagógicas
vinculadas aos interesses do poder executivo local que, predominantemente, não
reconhecem e não dialogam com as comunidades e povos do campo, com os seus
saberes de experiência de trabalho, de cultura e de política. A relação clientelista é
muito forte nos munícipios que possuem pequenos núcleos urbanos e amplas extensões
territoriais, com grandes propriedades rurais.
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10839ISSN 2177-336X
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A escola pública que está no campo e que tem vínculo, que reconhece os povos
do campo, que exercita a gestão democrática de fato, que prima pela participação, pelo
trabalho coletivo e pela formação escolar, humana, em perspectiva transformadora,
possui aderência aos princípios da Educação do Campo. A escola pública que está no
campo e que nega as relações desiguais que se passam no território da agricultura
familiar e camponesa não possui identidade político-pedagógica com a Educação do
Campo. Reconhecer essa instituição escolar como descolada dos princípios da Educação
do Campo, porém, que recebe os alunos do campo, é fundamental para realizar
provocações, problematizações, estudos e projetos que possam aproximar essa escola
dos princípios construídos nos e pelos movimentos sociais dos povos do campo.
A escola do campo, para ter identidade do campo, necessita primar pelos
compromissos expressos durante a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do
Campo. Alguns desses compromissos são: 1) “A escola, ao assumir a caminhada do
povo do campo, ajuda a interpretar os processos educativos que acontecem fora dela e
contribui para a inserção de educadoras e educadores e educandas e educandos na
transformação da sociedade”. 2) “A escola é um dos espaços para antecipar, pela
vivência e pela correção fraterna, as relações humanas que cultivem a cooperação, a
solidariedade, o sentido de justiça, o zelo pela natureza...”. 3) “A escola é um espaço
privilegiado para manter viva a memória dos povos, valorizando saberes, e promovendo
a expressão cultural onde ela está inserida”. 4) “A escola é o espaço onde a comunidade
deve exigir, lutar, gerir e fiscalizar as políticas educacionais”. 5. “ Escola que forma as
educadoras/educadores deve assumir a identidade do campo e ajudar a construir a
referência de uma nova pedagogia”. Por esses compromissos que explicitam aspectos da
identidade da escola pública do campo fica visível a participação da comunidade e o
reconhecimento dos povos do campo com os seus saberes de experiência, como
princípios basilares da Educação do Campo.
A realização desses compromissos exige o enfrentamento de práticas e políticas
educacionais enraizadas na sociedade brasileira. Nas reuniões e seminários com os
professores de escolas públicas municipais, bem como com secretários municipais,
constata-se as seguintes afirmações: 1) “As famílias não querem a escola no campo, elas
querem que as crianças estudem na escola da cidade, pois a consideram melhor”. Com
essa informação, gestores justificam o fechamento de escolas isoladas. Mas, a
problematização a ser feita é: Por que as famílias consideram a escola da cidade
melhor? O que se passa na escola que está próxima à casa dos alunos, nesses casos? O
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que se observa é que há uma prática pedagógica frágil, com professores, às vezes, sem
formação em Educação Superior, muitas faltas dos professores, materiais didáticos
defasados etc. Ou seja, as famílias indicam que querem uma escola melhor. Se essa
escola estiver no campo, perto das comunidades, com qualidade de excelência, as
famílias terão outra avaliação da escola. 2) “Não vejo como não fechar a escola rural,
pois as famílias estão indo embora do campo. O campo está ficando um „verde só‟”.
Essa afirmação feita por um gestor municipal, em localidade de expressivo avanço da
produção canavieira, chama a atenção para a necessidade de discutir o projeto de campo
que se deseja para o Brasil. 3) “A única saída para não fechar todas as escolas tem sido
a nucleação e a multisseriação, em especial multisseriação na educação infantil”. O
fechamento de escolas leva ao processo de nucleação de escolas, reunião de mais alunos
e mais professores em uma instituição maior e localizada em meio a várias comunidades
rurais. Entretanto, é necessário o transporte escolar para levar os alunos das suas
comunidades até a escola. Em muitas localidades, são horas no transporte escolar até
chegar à escola. 4) “Aqui não temos educação do campo, não há MST e nem
movimento social”. Essa afirmação tem sido feita por muitos professores e gestores que
trabalham em municípios com frágil organização política por parte dos trabalhadores.
Entretanto, algumas equipes pedagógicas, a exemplo do município de Tijucas do Sul e
da Lapa, no estado do Paraná, têm feito importantes estudos com as comunidades do
campo, evidenciando a característica rural, aspectos socioculturais diversos,
identificação de comunidades tradicionais, entre outras. Dessas observações vem uma
certeza: é necessário mudar a escola pública e a prática de relação com as crianças e
comunidades do campo, muitas vezes ignoradas em sua diversidade, relação de trabalho
com a terra, cultura e organização política. Esse é um desafio, ou seja, ver a escola no
movimento maior da sociedade e reconhecer saberes da experiência entre povos que
secularmente trabalham na e com a terra. Outro desafio refere-se à necessidade de
problematizar o campo da Educação do Campo. Afinal, que projeto de campo está em
vigência no país? Quais impactos um projeto de ampliação do agronegócio pode trazer
em termos sociais e educacionais?
Assim, repensar a escola pública no/do campo significa colocar as matrizes
pedagógicas da Educação do Campo em lugar central nas práticas e políticas
educacionais. Arroyo (2010) menciona algumas matrizes pedagógicas, a saber: terra,
trabalho, movimentos sociais, cultura entre outras. Trata-se de analisar o território, os
sujeitos e suas práticas, com a intencionalidade de transformação da realidade.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10841ISSN 2177-336X
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A construção da identidade político-pedagógica da escola do campo tem que
obedecer ao disposto no Decreto presidencial sob nº 7.352 de 4 de novembro de 2010,
sobre a política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária – PRONERA.
O referido Decreto, em seu artigo 2º, dispõe sobre os princípios da Educação do
Campo:
Art. 2o São princípios da Educação do Campo:
I - Respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais,
culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e
de raça e etnia;
II - Incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos
específicos para as escolas do campo, estimulando o desenvolvimento
das unidades escolares como espaços públicos de investigação e
articulação de experiências e estudos direcionados para o
desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente
sustentável, em articulação com o mundo do trabalho;
III - Desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da
educação para o atendimento da especificidade das escolas do campo,
considerando-se as condições concretas da produção e reprodução
social da vida no campo;
IV - Valorização da identidade da escola do campo por meio de
projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias
adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como
flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do
calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
e
V - Controle social da qualidade da educação escolar, mediante a
efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do
campo.
Esses princípios têm que ser analisados à luz do que está posto nos documentos
originários das Conferências Nacionais de Educação do Campo, a de 1998 e a de 2004.
Em particular, na Conferência realizada em 1998 foram definidos os seguintes
compromissos e desafios da Educação do Campo: Vincular as práticas de Educação
Básica do Campo com o processo de construção de um projeto popular de
desenvolvimento nacional. Propor e viver novos valores culturais. Valorizar as culturas
do campo. Fazer mobilizações em vista da conquista de políticas públicas pelo direito à
Educação Básica do Campo. Lutar para que todo o povo tenha acesso à educação.
Formar educadoras e educadores do campo. Produzir uma proposta de Educação Básica
do Campo. Envolver as comunidades neste processo. Acreditar na nossa capacidade de
construir o novo. Implementar as propostas de ação desta Conferência.
Pelo que se verifica, os princípios basilares são: reconhecimento da diversidade
que marca o campo, os sujeitos do campo; formulação de projetos político-pedagógicos
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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com a participação das comunidades e reconhecimento dos saberes dos povos do
campo; políticas de formação continuada que considere as especificidades do campo,
dos povos do campo e participação efetiva das comunidades. O que muda em relação às
instituições tradicionais? Muda a relação com as comunidades, com o território
camponês e a intencionalidade política, que se vincula a uma concepção transformadora
de sociedade e de educação. Sem isso, a escola que está no campo ainda não terá
identidade do campo.
Sujeitos, diversidade e povos do campo
A pergunta primeira em relação à escola e Educação do Campo relaciona-se com
os povos do campo. Quem são eles? Qual é o sentido da diversidade? A II Conferência
Nacional Por Uma Educação do Campo de 2004, em sua declaração final, demanda
respeito pela especificidade da Educação do Campo e à diversidade dos seus sujeitos,
assim os define:
O campo tem sua especificidade. Não somente pela histórica
precarização das escolas rurais, mas pelas especificidades de uma
realidade social, política, econômica, cultural e organizativa,
complexa que incorpora diferentes espaços, formas e sujeitos. Além
disso, os povos do campo também são diversos nos pertencimentos
étnicos, raciais: povos indígenas, quilombolas...; Toda essa
diversidade de coletivos humanos apresenta formas específicas de
produção de saberes, conhecimentos, ciência, tecnologias, valores,
culturas... A educação desses diferentes grupos tem especificidades
que devem ser respeitadas e incorporadas nas políticas públicas e no
projeto político-pedagógico da Educação do Campo, como por
exemplo, a pedagogia da alternância. (CONFERÊNCIA ..., 2004.
Grifo nosso)
Os povos são diversos em seus pertencimentos, mas guardam histórias e relações
de trabalho, bem como processos de exclusão social, semelhantes. São povos que
possuem em comum uma trajetória de luta, perdas, conquistas, organização política,
experiências socioculturais e identidades. Seus saberes possuem estreita relação com a
natureza, com o tempo, com os movimentos planetários. São conhecimentos produzidos
ao longo de vidas, de gerações. Reconhecer povos e saberes, condições e histórias,
requer atitude investigativa. Atitude essa que pode estar nos materiais didáticos, nos
processos formativos de professores, na prática pedagógica e na gestão democrática na
escola.
A Resolução sob nº 2 de abril de 2008, da Câmara de Educação Básica, do
Conselho Nacional de Educação, no artigo 2º, denomina de populações rurais que
devem ser reconhecidas nas suas variadas formas de produção da vida. Menciona
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10843ISSN 2177-336X
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agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e
acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros. Essa resolução
tem sua origem vinculada com o debate gerado no movimento nacional de Educação do
Campo. Dá ênfase às formas de produção da vida no campo, mediante análise do
trabalho.
Um desafio que tem marcado o avanço da Educação do Campo por dentro das
instituições escolares está relacionado à identificação e reconhecimento das
comunidades de agricultores familiares camponeses que vivem no campo. A maior parte
dos municípios, embora marcada por ruralidades, não debate o lugar do rural na unidade
territorial. A maior parte dos núcleos urbanos é pequena e localizada em territórios de
ampla extensão, porém, mesmo assim, as ruralidades ainda não são devidamente
reconhecidas e, com isso, os povos do campo ficam à margem nos estudos escolares.
Nas pesquisas que desenvolvemos em 24 municípios, enfatizamos a realização de um
mapeamento das comunidades rurais existentes neles, das práticas culturais e das formas
de produção na agricultura, por parte dos professores e das equipes pedagógicas. Mas,
essa tarefa requer, também, incentivo por parte dos gestores locais, seja nos processos
formativos, seja na ênfase e na relação entre as várias secretarias municipais para a
valorização do campo. Existem municípios que possuem de 40 a 80 comunidades rurais,
entretanto, elas são desconhecidas de professores e de equipes pedagógicas. Importante
dizer que existem iniciativas de equipes pedagógicas voltadas para identificação e
trabalho conjunto com as comunidades. Essa realidade é marcante em municípios que
possuem atuação do MST e de outros movimentos sociais do campo. Ou seja, nessas
localidades a Educação do Campo pode avançar via escola pública, mas, para isso, é
fundamental que os processos formativos de professores considerem os princípios da
Educação do Campo.
Alguns entraves para o reconhecimento dos povos do campo, dos saberes da
experiência e do mundo do trabalho no campo são: 1) avanço das atividades do
agronegócio que esvaziam o campo do ponto de vista social; 2) fechamento e nucleação
de escolas, que distancia as comunidades da instituição escolar; 3) vínculo de trabalho
temporário dos professores, o que dificulta o envolvimento e a identidade com a escola
e com as comunidades; 4) materiais didáticos que dificultam a relação dos conteúdos
previstos para a Educação Básica com as experiências vividas e conhecidas das crianças
e jovens do campo; 5) regulação da educação por meio de prazos para elaboração e
entrega dos projetos político-pedagógicos que fragilizam o processo de participação e a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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gestão democrática; 6) regulação da prática pedagógica por meio das avaliações
nacionais que, muitas vezes geram iniciativas preparatórias para as provas nacionais,
com a preocupação voltada para o índice de desenvolvimento da educação básica
(IDEB), em detrimento da organização coletiva do trabalho pedagógico e da
aprendizagem dos educandos/as.
Os documentos produzidos na sociedade civil e as diretrizes nacionais da
Educação do Campo, de 2002 e de 2008, dispõem sobre os sujeitos do campo e sobre a
necessidade de reconhecimento da diversidade e dos saberes dos povos do campo.
Povos tradicionais, em geral, têm práticas sustentáveis de agricultura. Têm
conhecimento empírico do tempo e da germinação das plantas. Resistem aos processos
de depredação do solo, da vegetação, dos rios e de expropriação e expulsão da terra,
mantendo um modo de vida assentado no trabalho com a terra. Essas práticas ainda não
são suficientemente reconhecidas e problematizadas na escola, porém, o caminho está
em construção. Muitas mediações têm sido construídas no Brasil de Norte a Sul, muitos
coletivos têm problematizado o campo, a educação, a escola, as políticas públicas e o
projeto popular de desenvolvimento para o Brasil. Processos de formação continuada
são fundamentais para a construção da Educação do Campo, em particular nos
municípios que não possuem expressiva atuação dos movimentos sociais do campo.
Mas, é fundamental indagar como têm se efetivado a formação continuada de
professores.
Que formação continuada tem predominado para os professores do campo?
Constata-se nas observações realizadas nos municípios de abrangência da
pesquisa, no estado do Paraná, que a formação continuada de professores tem sido feita
predominantemente na modalidade à distância, e por instituições particulares de ensino.
Predominam os cursos de pós-graduação lato sensu como principal forma de
atualização, ao lado de semanas pedagógicas e cursos realizados pelo SEBRAE (Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Ou seja, os desafios são imensos
no que se refere à formação dos professores, seja a inicial, onde a maioria não estuda o
campo que marca o território brasileiro e nem faz estágios em escolas públicas no/do
campo, seja a continuada, que ainda está descolada dos princípios da Educação do
Campo.
A formação continuada de professores que valoriza a identidade dos povos do
campo tem sido um desafio central na construção da escola pública. A declaração
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produzida durante a II Conferência Nacional Por Educação do Campo mencionou a
formação dos educadores e educadoras, como segue:
- Formação profissional e política de educadores e educadoras do
próprio campo, gratuitamente;
- Formação no trabalho que tenha por base a realidade do campo e o
projeto político-pedagógico da Educação do Campo;
- Incentivos profissionais e concurso diferenciado para educadores e
educadoras que trabalham nas escolas do campo;
- Definição do perfil profissional do educador e da educadora do
campo;
- Garantia do piso salarial profissional nacional e de plano de carreira;
- Formas de organização do trabalho que qualifiquem a atuação dos
profissionais da Educação do Campo;
- Garantia da constituição de redes: de escolas, educadores e
educadoras e de organizações sociais de trabalhadoras e trabalhadores
do campo, para construção e reconstrução permanente do projeto
político-pedagógico das escolas do campo, vinculando essas redes a
políticas de formação profissional de educadores e educadoras.
A efetivação dessa concepção de formação continuada ainda está por ser
construída na maior parte do Brasil, em que pese existirem cursos de especialização, por
exemplo, no contexto do PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária). Mas, eles são poucos diante do desconhecimento dos professores sobre a
Educação do Campo, como concepção educacional construída nos movimentos sociais.
Gratuidade, formação no próprio local de trabalho, incentivos profissionais e
concursos diferenciados são algumas das demandas que, quando atendidas poderão
fortalecer a concepção da Educação do Campo. A efetivação dessas demandas está
longe de ser atendida, em que pese a relevância dos cursos de Pedagogia da Terra e de
Licenciatura em Educação do Campo. Muitos desafios permeiam a política local, na
esfera municipal e na estadual. A maior parte das 70.000 escolas existentes no campo é
vinculada à esfera municipal que, por sua vez, é a unidade que mais enfrenta dificuldade
para discutir a realidade dos povos do campo e da educação, em função de relações
clientelistas e econômicas que reforçam o avanço das atividades monocultoras e do
agronegócio.
Existem muitos problemas relacionados aos planos de carreira, sendo um deles a
definição se o início da carreira do magistério deve se dar com a formação em Ensino
Médio, Magistério ou com a Educação Superior. Também, salários podem ser
diferenciados quando os professores demonstram ter cursos de especialização em
Educação do Campo. Isso tem levado muitas instituições, que não são universidades, a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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ofertar cursos de especialização em Educação do Campo, sem sequer saber do que se
trata. Os próprios professores depois de cursarem tais especializações começam a
avaliar que perderam tempo e dinheiro. Ou seja, cria-se uma indústria da especialização,
visando ofertar formação continuada que, no fundo, deturpa o que é a Educação do
Campo tal como construída nos movimentos sociais.
Os professores atribuem grande importância ao Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa – PACTO - quando se fala em formação continuada nos
municípios. É um dos momentos em que os professores se reúnem para discutir práticas
pedagógicas, conteúdos, metodologias etc. Sobre Educação do Campo há uma
modalidade, no PACTO, mas que, em alguns casos, é desenvolvido em 2h ou 4h de
trabalho.
Um grande desafio para o processo de formação continuada é a organização de
trabalhos e estudos coletivos diretamente nas escolas localizadas no campo. Para que
isso ocorra é necessária política educacional de valorização do profissional e de
efetivação de relações permanentes de trabalho. Também, é fundamental disposição por
parte dos professores para o estudo, leitura, interpretação e produção de textos. São dois
fatores que não podem estar dissociados: política e prática educacional.
Nos municípios que realizamos trabalhos de campo, a maior parte dos professores
fez formação continuada a distância e relata não ter estudado a Educação do Campo. Os
que fizeram cursos em Educação do Campo, ofertado por institutos particulares, alegam
não ter sido suficiente o conjunto de estudos e nem os materiais acessados. Os
professores indicam necessidades de estudos para compreender a Educação do Campo e
modificar práticas pedagógicas, ter outra relação com o material didático-pedagógico,
bem como outra avaliação sobre materiais que chegam via SENAR (Serviço Nacional
de Aprendizagem Rural) e SEBRAE, por exemplo.
Considerações finais
Ao final deste texto é fundamental indicar três aspectos conclusivos das
pesquisas realizadas com as escolas públicas municipais no estado do Paraná. O
primeiro aspecto relaciona-se à identidade da escola pública. A maior parte das escolas
ainda segue a rotina da escola rural, com projeto político pedagógico feito por um
profissional da escola, sem relação com as comunidades. Ainda, os projetos político-
pedagógicos são desconhecidos da maior parte dos professores das escolas. A realidade
das comunidades de povos do campo ainda é desconhecida por parte das equipes
pedagógicas. Quando se indaga sobre quantas comunidades rurais existem na localidade
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onde está a escola, a grande maioria afirma não saber. O plano diretor geralmente não
traz essa informação, nem mesmo os projetos político-pedagógicos das escolas. O
segundo aspecto relaciona-se à diversidade, aos sujeitos do campo. Em que pese os
quase 20 anos de Educação do Campo no Brasil, a diversidade de sujeitos e de práticas
não são conhecidas nas escolas. A escola vive predominantemente a rotina de estudos e
práticas fundadas na educação bancária, nos termos de Freire. Terceiro, os processos de
formação continuada poderiam auxiliar na compreensão e ampliação da participação das
comunidades na gestão escolar, entretanto, constata-se que a maior parte dos cursos
ofertados como formação continuada é realizado para fins de ascensão de nível,
segundo os planos de carreira dos municípios.
São muitos os desafios, mas um aspecto é fundamental de ser mencionado. Os
professores têm disposição para conhecer mais, porém, precisam do incentivo via
política educacional. Políticas e práticas educacionais estão imbricadas. Elas atendem a
um projeto de educação e de sociedade. Será o projeto conservador ou transformador.
Não há meio termo.
Referências
ARROYO, M. G. As matrizes pedagógicas da Educação do Campo na perspectiva da
luta de classes. In: MIRANDA, S. G.; SCHWENDLER, S. F. Educação do Campo em
movimento: teoria e prática cotidiana. V. I. Curitiba: Editora da UFPR, 2010. p. 35-54.
BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de
Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -
PRONERA. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 nov. 2010a.
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EDUCAÇÃO POPULAR, PENSAMENTO DECOLONIAL E FORMAÇÃO
INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Ângela Massumi Katuta – Universidade Federal do Paraná/Setor Litoral
Resumo:
O presente trabalho de caráter exploratório tem como referência investigações-ações
realizadas ao longo de aproximadamente 7 anos, junto aos educadores de escolas
localizadas no campo e de licenciaturas do campo. A partir das mesmas, reflito sobre as
contribuições possíveis da educação popular e do pensamento decolonial aos desafios
epistemológicos e teórico-práticos da formação inicial e continuada dos educandos das
licenciaturas do campo e dos educadores cujas escolas estão localizadas no campo. Para
tanto, retomo rapidamente o histórico e os princípios da educação popular,
posteriormente, discuto os pressupostos epistemológicos ligados ao pensamento
decolonial, demonstrando seus vínculos com aqueles da educação popular e do campo,
sobretudo no que se refere à desobediência epistemológica e ao caráter emancipatório
de ambos. Em seguida, a partir de estudos e reflexões anteriores sobre a formação
inicial e continuada de educadores do campo e daqueles que trabalham em escolas
localizadas no campo, abordo a fundamentalidade do diálogo de saberes nestes
processos formativos, dadas as especificidades da educação do campo, e suas relações
intrínsecas com o pensamento decolonial e com a educação popular que podem e já tem
auxiliado no pensar e na materialização de propostas educacionais de formação inicial e
continuada de professores que fortalecem a aderência aos princípios da educação do
campo. A partir destas primeiras aproximações, conclui-se que a educação popular e o
pensamento decolonial, em função de seus aportes teórico-práticos, teórico-
metodológicos e epistemológicos constituem campo profícuo para elaboração de
estratégias de enfrentamento dos desafios ligados à formação inicial e continuada de
educadores do campo e daqueles cujas escolas estão localizadas no campo. Por sua vez,
as transformações educacionais encetadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) em contraposição à educação rural, evidenciam que a emancipação
está umbilicalmente ligada à desobediência epistemológica.
Palavras-chave: Educação popular; Pensamento decolonial; Educação do campo.
Educação popular e pensamento decolonial: desobediência epistemológica e
emancipação
A educação popular tem suas origens junto a grupos, organizações e
movimentos sociais e, segundo Mejia (2013), se constituiu coletiva e, às vezes,
silenciosamente desde “El Sur y desde abajo”, a partir de um acumulo histórico de
experiências em vários países da América Latina como forma de “[...] resistência ou de
construção alternativa de poder e contra a hegemonia das formas dominantes na
sociedade. Por isso, é importante reconhecer na Educação Popular não uma prática de
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agora ou dos últimos quarenta anos, mas uma dinâmica que, nos últimos duzentos anos,
tem estado presente na teia social da América Latina.” (MEJIA, 2005, p. 206).
O autor afirma que no final do século XVIII já havia práticas e referências à
educação popular: nas lutas por independência, sendo Simón Rodriguez (educador,
ensaísta, escritor e filósofo venezuelano) e José Marti (político, pensador, jornalista,
filósofo e poeta cubano) seus expoentes; nas tentativas de construção de universidades
populares na primeira metade do século XX, sendo as mais notáveis as do Peru, El
Salvador e México; na construção de escolas voltadas ao ensino dos conhecimentos
aymara e quéchua, sendo a escola Ayllu de Warisata na Bolívia uma das experiências
mais representativas; na construção de projetos educativos a serviço de grupos
desprotegidos. Verifica-se que emancipação e justiça social constituem-se em
denominadores comuns de tais iniciativas e que se mantém nos dias atuais nas diversas
experiências de educação popular.
Nos anos 1960 tomam força uma serie de processos criativos denominados e
identificados novamente como educação popular, sendo Paulo Freire um dos
exponentes neste movimento que foi cessado, interditado e/ou cerceado pelas ditaduras
latino-americanas em função de seu caráter emancipatório e político que visavam a
justiça social.
O mesmo autor (Mejia, 2013) afirma que a época de maior desenvolvimento e
auge da educação popular em termos teórico-práticos coincide com construções
conceituais e práticas que se materializaram como forma de critica à colonialidade e à
cultura hegemônica, dentre as quais podem ser citadas: teoria da dependência, teologia
da libertação, comunicação popular, teatro do oprimido, pedagogia do oprimido,
filosofia da libertação, a investigação-ação participante, sociologia social latino-
americana e outras.
Para Mejia (2013, p. 371-372):
[...] a lo largo de treinta años se da la edificación de un pensamiento próprio
que busca diferenciarse de las formas eurocêntricas y de las miradas de uma
lectura de América desde afuera, que no se lee internamente, generando
líneas de acción que constituyen con la educación popular los gérmenes de
um pensamiento próprio que organiza y da sentido a estas realidades.
Tais experiências e pensamentos preencheram a educação popular de
conteúdos, significados, objetivos e princípios ligados à transformação, emancipação e
justiça social que se contrapõem às desigualdades e aos controles de classe, gênero,
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etnia, raça, opção sexual, idade, condições físicas etc (Mejia, 2013) instalados com o
processo de colonização.
Constituem-se em princípios (decálogo) da educação popular (MEJIA, 2013, p.
372-375):
1- Tem como ponto de partida a realidade e sua leitura crítica a fim de
reconhecer os interesses presentes na atuação e produção dos diferentes atores;
2- Supõe uma opção básica de transformação das condições que produzem a
injustiça, a exploração, a dominação e a exclusão social;
3- Exige uma opção ético-política sobre, desde e para os interesses dos grupos
excluídos e dominados, para a sobrevivência da mãe terra (madre tierra);
4- Constrói o empoderamento de excluídos e desiguais, proporcionando sua
organização para tornar a sociedade mais igualitária e que reconheça as diferenças;
5- Constrói mediações educativas com uma proposta pedagógica baseada em
processos de negociação cultural, confrontação e diálogo de saberes;
6- Considera a cultura dos participantes como o cenário no qual ocorrem as
dinâmicas de intraculturalidade, interculturalidade e transculturalidade dos diferentes
grupos humanos;
7- Propicia processos de autoafirmação e construção de subjetividades críticas;
8- Se compreende como um processo, um saber prático-teórico que se constrói
nas resistências e na busca de alternativas nas diferentes dinâmicas de controle
societário;
9- Gera processos de produção de conhecimentos, saberes e de vida voltados à
emancipação humana e social;
10- Reconhece dimensões diferentes na produção de conhecimentos e saberes
de acordo com as particularidades dos atores e das lutas nas quais se inscrevem.
Importante destacar que a educação popular se caracteriza pela diversidade de
repertório e propostas metodológicas sendo coerente com “[...] su propuesta pedagógica
de negociación cultural y diálogo y confrontación de saberes, convirtiendo sus
herramientas en dispositivos de saber y poder.” (Mejia, 2013, p. 376). Observa-se que o
diálogo é central no processo e, não por acaso, a dimensão da comunicação popular
constitui-se também em instrumento fundamental em sua materialização, tornando-se
foco de pesquisa e atuações na área de comunicação.
A partir da leitura das obras de alguns decolonialistas e educadores populares,
considerando também suas atuações, é possível dizer que, não só, mas, também, o
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conjunto de experiências, debates, reflexões e produções no âmbito da educação popular
(na educação formal, não formal e informal) influenciou na formação do pensamento
decolonial. Ambos constituíram-se em função das mesmas condições de injustiça e
desigualdade social no contexto do processo de colonização dos países latino
americanos.
O pensamento decolonial tem origem ou emergiu a partir do Grupo
Modernidade/Colonialidade (M/C), estruturado em seminários, diálogos e publicações
organizados a partir de 1998 em um evento da CLACSO (Consejo Latinoamericano de
Ciencias Sociales) na Universidade Central de Venezuela que reuniu, pela primeira vez,
Edgardo Lander (Sociólogo venezuelano da Universidade Central de Venezuela),
Arturo Escobar (antropólogo colombiano da Universidade da Carolina do Norte),
Walter Mignolo (Semiólogo argentino da Universidade de Duke), Enrique Dussel
(filósofo argentino radicado no México), Aníbal Quijano (sociólogo peruano da
Universidade Ricardo Palma em Lima) e Fernando Coronil (antropólogo e historiador
venezuelano da Universidade de Michigan) que compunham, juntamente com outros
sujeitos, o pensamento crítico latino-americano do século XX. Desde então, muitos
outros estudiosos se juntaram ao grupo.
Arturo Escobar considera o grupo M/C como um programa de investigação
cuja genealogia de pensamento do grupo inclui:
[a] Teologia da Libertação desde os sessenta e setenta; os debates na filosofia
e ciência social latino-americana sobre noções como filosofia da libertação e
uma ciência social autônoma (por ex., Enrique Dussel, Rodolfo Kusch,
Orlando Fals Borda, Pablo Gonzáles Casanova, Darcy Ribeiro); a teoria da
dependência; os debates na América Latina sobre a modernidade e pós-
modernidade dos oitenta, seguidos pelas discussões sobre hibridismo na
antropologia, comunicação nos estudos culturais nos noventa; e, nos Estados
Unidos, o grupo latino-americano de estudos subalternos. O grupo
modernidade/colonialidade encontrou inspiração em um amplo número de
fontes, desde as teorias críticas europeias e norte-americanas da modernidade
até o grupo sul-asiático de estudos subalternos, a teoria feminista chicana, a
teoria pós-colonial e a filosofia africana; assim mesmo, muitos de seus
membros operaram em uma perspectiva modificada de sistema-mundo. Sua
principal força orientadora, no entanto, é uma reflexão continuada sobre a
realidade cultural e política latino-americana, incluindo o conhecimento
subalternizado dos grupos explorados e oprimidos. (Escobar, 2003, p. 53
apud BALLESTRIN, 2013, p. 99).
Ao pensamento decolonial soma-se muitas outras vozes do “centro e da
periferia” da produção do conhecimento que se organizaram em torno da
descolonização epistemológica, debatendo e evidenciando as relações entre saber e
poder eurocentrados na modernidade colonial com a consequente (re)fundação de outras
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epistemologias (epistemologias do sul) que questionam “[...] o universalismo
etnocêntrico, o eurocentrismo teórico, o nacionalismo metodológico, o positivismo
epistemológico e o neoliberalismo científico contidos no mainstream das ciências
sociais.” (BALLESTRIN, p. 109)
Mignolo (2008, p. 291) afirma ser inerente ao pensamento decolonial a
desobediência epistêmica pois “Uma das realizações da razão imperial [moderna e
colonial] foi a de afirmar-se como uma identidade superior ao construir constructos
inferiores (raciais, nacionais, religiosos, sexuais, de gênero), e de expeli-los para fora da
esfera normativa do „real‟.”, a partir dos modus operandi descritos no parágrafo que
segue:
1. A civilização moderna autodescreve-se como mais desenvolvida e superior
(o que significa sustentar inconscientemente uma posição eurocêntrica). 2. A
superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos, bárbaros, rudes, como
exigência moral. 3. O caminho de tal processo educativo de desenvolvimento
deve ser aquele seguido pela Europa (e, de fato, um desenvolvimento
unilinear e à europeia o que determina, novamente de modo inconsciente, a
“falácia desenvolvimentista”). 4. Como o bárbaro se opõe ao processo
civilizador, a práxis moderna deve exercer em último caso a violência, se
necessário for, para destruir os obstáculos dessa modernização (a guerra justa
colonial). 5. Esta dominação produz vitimas (de muitas e variadas maneiras),
violência que é interpretada como um ato inevitável, e com o sentido quase-
ritual de sacrifício; o herói civilizador reveste as suas próprias vitimas da
condição de serem holocaustos de um sacrifício salvador (o índio colonizado,
o escravo africano, a mulher, a destruição ecológica, etecetera). 6. Para o
moderno, o bárbaro tem uma “culpa” (por opor-se ao processo civilizador)
que permite a “Modernidade” apresentar-se não apenas como inocente mas
como “emancipadora” dessa “culpa” de suas próprias vitimas. 7. Por último,
e pelo caráter “civilizatório” da “Modernidade”, interpretam-se como
inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios (os custos) da “modernização” dos
outros povos “atrasados” (imaturos), das outras raças escravizáveis, do outro
sexo por ser frágil, etecetera (Dussel, 2000, p. 49 apud BALLESTRIN, 2013,
p. 102).
Dessa maneira, os expelidos, passam a não ter existência social, dado que
carecem de registros e legitimidade para que os enunciem a partir de seus lugares
sociais e modos de existência e, quando e, se passam à existência, ao serem registrados
pela razão hegemônica moderna (branca, masculina, heterossexual, europeia, cristã,
entre outros) são caracterizados como inferiores, bárbaros, primitivos, não civilizados e,
não raro, são criminalizados. Assim, aos inferiorizados pela razão imperial, colonial e
moderna restam basicamente dois destinos: Não existir ou existir na inferioridade.
As verdades científicas da modernidade se constituíram a partir da lógica
rapidamente esboçada nos parágrafos anteriores, bem como os universalismos, as
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homogeneizações, o poder colonial com sua razão instrumental, os conhecimentos
escolares eurocentrados, todos funcionando a partir da “hybris del punto cero” (hibris
do ponto zero) - noção elaborada por Santiago Castro-Gómez (filósofo Colombiano)
para denunciar o ponto de partida da observação da razão moderna, supostamente
neutro e absoluto, no qual a linguagem científica é considerada como a mais perfeita das
linguagens humanas pois supõe-se que reflete a estrutura universal da razão.
O sujeito epistêmico da modernidade não tem sexualidade, gênero, etnia, raça,
classe, espiritualidade, língua, nenhuma característica que o determine. Assim, tornado
neutro, sem localização epistêmica, produz um discurso centrado em si e, supostamente
sem determinações. Esta epistemologia da neutralidade axiológica e da objetividade
empírica foi assumida pelas ciências humanas a partir do século XIX, transformando-se
no discurso legítimo e verdadeiro sobre o mundo, deslegitimando todas as outras formas
de conhecimento. (Grosfoguel, 2007, p. 64-65 apud BALLESTRIN, 2013, p. 104).
Por isso nos lembra Mignolo, retomando Quijano (1990): “[...] Es la
instrumentalización de la razón por el poder colonial, en primer lugar, lo que produjo
paradigmas distorsionados de conocimiento y malogró las promesas liberadoras de la
modernidad. La alternativa en consecuencia es clara: la destrucción de la colonialidad
del poder mundial.” (Quijano, 1990/1992 apud MIGNOLO, 2008, p. 288)
Considerando o exposto, no tocante à educação popular e ao pensamento
decolonial, é possível afirmar que, para ambos, a desobediência epistemológica está no
âmago da emancipação dos sujeitos e da justiça social. Para Mignolo (2008 apud
BALLESTRIN, 2013), a genealogia do pensamento decolonial incorpora as reflexões
dos movimentos sociais. De minha parte, compreendo que a educação popular para
além de incorporá-las, expressa as aprendizagens, construções e reelaborações
acumuladas com e pelos movimentos nas teias sociais da América Latina. “A
genealogia do pensamento decolonial é planetária e não se limita a indivíduos, mas
incorpora nos movimentos sociais (o qual nos remete aos movimentos sociais indígenas
e afros).” (Mignolo, 2008, p. 258 apud BALLESTRIN, 2013, p. 106).
No item que segue, abordamos a centralidade do diálogo de saberes nos
processos formativos (formação inicial e continuada) de educadores do campo e das
escolas localizadas no campo, evidenciando o quanto posturas epistemológicas ligadas
ao pensamento decolonial e à educação popular auxiliam a transformar os conteúdos e a
forma escolar, criando respostas aos desafios teórico-práticos colocados historicamente
para a formação de educadores.
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Uma de nossas referências serão os trabalhos, debates, reflexões e proposições
produzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e por aqueles
que com ele somam e dialogam, pois constituem no Brasil, os avanços mais
significativos de transformação da escola em uma perspectiva emancipatória, popular e
revolucionária. O MST tem estabelecido ao longo de pelo menos 30 anos, os desafios,
tem construído demandas e também alternativas-respostas para a transformação das
escolas de acampamentos e assentamentos, portanto, também tem interrogado, militado
e dialogado fortemente com a formação inicial e continuada de educadores do campo e
daqueles que trabalham em escolas do campo.
Diálogo de saberes ancorados na educação popular e no pensamento decolonial na
formação inicial e continuada de educadores para as escolas do campo
Ao longo de aproximadamente 30 anos, mais ou menos o período de
fortalecimento e redefinição da educação popular no país, educadores do MST e de uma
série de outras instituições tem se debruçado sobre a construção de processos educativos
e de escolas que trabalhem com objetivos emancipatórios e populares visando
materializar “[...] uma sociedade de trabalhadores livremente associados, onde o
trabalho como valor de uso seja direito fundamental de todas as pessoas [...]”
(CALDART, 2014, p. 3). Para tanto, compreendem que, a despeito do foco da
transformação social estar centrado nas relações sociais de produção, a escola pode
auxiliar neste processo pois ao desalienar as novas gerações prepara lutadores pelas
causas das transformações radicais e, ao mesmo tempo, pode desencadear ensaios sobre
como poderá ser a escola de uma sociedade dos trabalhadores. (CALDART, 2014, p. 3).
Para a construção dessa escola do futuro a mudança da sua forma é
fundamental, o que implica a contraposição de outras epistemologias e ontologias, ou
seja, a desobediência epistêmica pois, a instituição escolar que temos em todos os níveis
de ensino, fundada na razão moderna colonial (“hybris del punto cero”) constituiu-se
nos e sobre os diversos territórios colonizados tendo como base a negação das
identidades, práticas e conhecimentos socioterritoriais dos sujeitos e suas comunidades,
operando assim no fortalecimento de relações sociais altamente hierarquizadas em seu
interior e privilegiando abordagens descontextualizadas e absolutizantes dos
conhecimentos-conteúdos, fazendo muitos acreditarem em sua neutralidade e
universalidade. A forma escolar diz respeito às relações sociais que acontecem na
escola, incluindo o trabalho com os conteúdos que possui relação orgânica com a
dinâmica da vida e das lutas sociais (CALDART, 2011, p. 151).
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Assim, o Setor de Educação do MST, instituições e pesquisadores que o
apoiam e com ele vivenciam processos altamente educativos, em seus fóruns,
congressos e encontros procura constantemente debater e recriar a forma escolar nas
escolas dos assentamentos e acampamentos, demandando transformações e colocando
novos desafios para os educadores que nela trabalham e também para as licenciaturas
nos quais são formados que, diga-se de passagem, operam hegemonicamente na
perspectiva da razão moderna colonial. Verifica-se que desobediência epistemológica,
desde a teoria da decolonização, e caráter emancipatório constituem-se em
características inerentes à educação do campo no interior do movimento. São
praticamente 3 décadas de maciços investimentos teórico-práticos, lutas e militância
neste processo que resultam em um dos debates, proposições, políticas, materializações
educacionais emancipatórios e populares mais profícuos e de maior densidade que
temos atualmente no Brasil.
Ao questionar a formação docente junto às várias instâncias governamentais,
demandando por uma educação do e no campo, em todos os níveis de ensino, o MST foi
o protagonista principal na articulação, diálogo e criação, com instâncias do Estado, dos
instrumentos jurídicos, políticas, diretrizes, programas de formação, de elaboração de
materiais didáticos (Programa Nacional de Livro Didático Campo), entre outros. O
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo) foi um dos resultantes de intensas lutas, negociações e trabalhos, e tem
como objetivo promover a formação superior dos professores em exercício na rede
pública das escolas do campo ou que atuam em experiências alternativas na área, a fim
de evitar a nucleação de escolas extracampo ou, em outras palavras, o fechamento das
escolas do campo ampliando assim a possibilidade de resistência e permanência no
campo.
Podemos entender o referido programa, como expressão de demandas dos
povos do campo não atendidas pela maior parte dos cursos de formação de professores,
e que sequer colocam em pauta a educação do campo como “tema a ser estudado” na
formação inicial. A ausência/inexistência/apagamento da educação do campo na pauta
formativa nas licenciaturas existentes no país ainda, infelizmente, constitui-se como
realidade na maior parte delas, o que evidencia a importância do Procampo para as
escolas dos povos do campo. Nestas ausências fica evidente a postura
desenvolvimentista moderna colonial capitalista das instituições e da maioria dos
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programas educacionais: os povos do campo são vistos como grupos sociais atrasados,
que precisam se modernizar.
Neste sentido, a escola em todos os seus níveis com seu ideário
desenvolvimentista neoliberal, focada cada vez mais no mundo do emprego, com seus
materiais voltados para educandos de cidades médias, grandes e capitais, com suas
relações hierarquizadas, operadas por uma rígida divisão intelectual do trabalho entre os
que pensam e os que executam acaba sendo instrumento de um conjunto de violências
que auxiliam na reprodução da ordem vigente.
Obviamente que há exceções a essa tendência, a maior parte delas associada a
militantes da educação do campo que, por meio de atos de desobediência
epistemológica, propõem ações voltadas à educação emancipatória, seja propondo
projetos de ensino, pesquisa e extensão voltados ao fortalecimento dos movimentos
sociais do campo e das relações entre instituições educacionais e os povos do campo, ou
por meio da criação de disciplinas focadas: na educação do campo que pautam as
opções societárias dos povos do campo, na produção agroecológica e agroflorestal, nos
modos de vida destes sujeitos, não raro trazendo-os para dentro dos muros das
instituições educacionais para com eles, debater, fortalecer movimentos voltados à
transformação da forma escolar. Efetivos atos de desobediência epistêmica e de
emancipação que vão adensando os movimentos ligados à educação popular.
Além do avanço inegável no tocante ao fortalecimento da educação do campo
desde os primeiros estudos, projetos pilotos e editais, estes últimos lançados a partir de
2008, o Procampo instalou grandes desafios políticos, administrativos e educativos não
apenas para as Universidades que o acessaram (dirigentes, educadores do curso,
técnicos administrativos e educandos) mas para a educação brasileira e latino
americana. O programa põe em evidência e forja à conscientização e transformação as
Instituições de Ensino Superior (IES), por conta das presenças dos sujeitos do campo
em espaços historicamente a eles interditados. Tais presenças explicitam e visibilizam o
fato de que o campo brasileiro é muito mais diverso, rico e complexo do que se imagina
e do que consta nos materiais didáticos e que necessita ser pautado na agenda do país,
dado o histórico de ausências de políticas e programas públicos voltados aos povos que
produzem alimentos e que, em função dos seus modos de vida, tem na diversidade a sua
condição de existência.
Muitos cursos de licenciatura do Procampo tiveram origem a partir do diálogo,
da militância, da resistência e do trabalho coletivo altamente educativo do conjunto dos
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professores universitários com os movimentos sociais do campo, muitos sendo inclusive
intelectuais orgânicos dos mesmos. A despeito disso, muitas outras IES que acessaram
os editais não tinham ou tem disposição para o necessário, fundamental e educativo
diálogo com os povos e movimentos sociais do campo, o que tem resultado em pouca
ou nenhuma alteração de forma e conteúdo nas licenciaturas do Procampo destas
instituições, resultando em uma formação que não se distingue das outras licenciaturas.
Observe-se que, inclusive na proposição e funcionamento do curso, sobretudo pela falta
de experiência institucional e formativa, é fundamental o diálogo entre coordenação de
curso, educadores e os povos e movimentos sociais do campo. Se tal esforço é realizado
todos acabam coletivamente aprendendo e se envolvendo na construção da escola do
futuro.
Pode-se afirmar portanto que, a despeito da ampliação dos programas de
licenciaturas, especializações, mestrados e doutorados (linhas de pesquisa e programas
específicos) em educação do campo ainda temos muitos desafios ligados à formação
inicial e continuada de educadores do campo e das escolas localizadas no campo. Não
devemos nos esquecer que nosso país tem dimensões continentais, que ele é muito
menos urbano do que dizem os indicadores do IBGE e também que as políticas públicas
e programas voltados à educação do campo são poucos, considerando a dimensão do
país e a diversidade dos povos do campo, e bem recentes na história da educação
brasileira.
Em nossos processos de investigação-ação temos verificado que muitas ou a
quase totalidade das demandas originárias dos povos do campo ainda não foram e, ao
que parece, não serão atendidas pelos cursos de formação inicial e continuada de
professores em um horizonte de curto e médio prazo, haja vista a crescente demanda
desta última que, não raro, tem tido caráter compensatório, ou seja, procura atender
demandas formativas que eram para terem sido trabalhadas na formação inicial.
Em trabalhos anteriores (KATUTA 2014a, 2014b, 2015) verificamos que
poucos educadores em serviço e em formação inicial conhecem e/ou compreendem os
princípios originários e a relevância da educação do campo em termos de emancipação
e justiça social. Muitos, apesar de lecionarem em escolas localizadas no campo, não
compreendem as suas especificidades, e aqueles que as compreendem carecem de
referenciais e estratégias políticas e teórico-metodológicas ligadas à educação popular e
do campo para alterarem a forma e os conteúdos escolares.
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A escola brasileira se popularizou mas não se fez povo. Provam isso alguns
educadores que realizam enormes esforços individualmente ou em pequenos grupos
fragilizados, juntamente com as comunidades do campo para alterarem a forma escola e
são sabotados e/ou interditados nas diferentes instâncias hierárquicas. Tais constatações
evidenciam processos de fragilização, violência e coerção dos educadores
compromissados com as escolas localizadas no campo que, em geral, acabam por serem
fechadas. Mais do que nunca, a desobediência epistemológica exercitada pelos
estudiosos da decolonialidade e da educação popular precisa ser exercitada, é o que
demonstram as escolas do MST.
Como materialização da desobediência epistemológica, (re)criação e
fortalecimento de experiências populares, em contraponto a boa parte das escolas
localizadas no campo, ainda assentadas no paradigma da educação rural, o MST em sua
[...] luta por escolas [...] força a educação escolar a aberturas epistemológicas
mais amplas, pois, a partir da práxis do movimento, se coloca em xeque o
conhecimento eurocentrado, fixado nas bases cientificistas ocidentais, que
desconsidera os saberes dos povos originários. É este tipo de conhecimento
que passa a ser objeto de crítica, no sentido de questionar suas bases e
radicalizar o fazer dos movimentos, suficientemente, para ampliar a ideia de
Diversidades, posicionando-se frente às restrições ao aparecimento dessas
Diversidades no âmbito educacional, pois a Diferença ou a Diversidade
revela toda uma gama de possibilidade existencial que afirma os modos
simbólico e material de produção e reprodução da Vida. (LOPES, 2014, s.p.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo como base a problematização ora apresentada, verificamos
aproximações, bandeiras de lutas e modus operandi convergentes na educação do
campo proposta pelo MST e os fundamentos teórico-práticos, teórico-metodológicos e
epistemológicos da educação popular e do pensamento decolonial. Até porque todos
eles nasceram nos territórios, processos e movimentos de espoliação, de expropriação,
de exclusão e de lutas.
Importante destacar que a proposição do Movimento, além de apresentar
demandas formativas para os cursos de formação de professores nos seus diversos
níveis, auxiliando na construção da educação do campo em todos os níveis de ensino,
inclusive no superior, tendo como fundamento as suas concepções originárias, também
colabora com a formação inicial e continuada dos educadores do campo e das escolas
localizadas no campo na medida em que, por meio do seu Setor de Educação e outras
instâncias, se constitui em importante parceiro de debates e de colaboração nestes
processos.
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A partir das reflexões realizadas pode-se afirmar que a educação popular e o
pensamento decolonial, em função de seus aportes teórico-práticos, teórico-
metodológicos e epistemológicos constituem campo profícuo e fundamental para a
elaboração de estratégias de enfrentamento dos desafios ligados à formação inicial e
continuada de educadores do campo e daqueles cujas escolas estão localizadas no
campo. Por sua vez, as transformações educacionais encetadas pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em contraposição à educação rural, evidenciam
que processos emancipatórios estão umbilicalmente ligados a constantes exercícios e
estratégias de desobediência epistemológica. As licenciaturas do campo e os cursos de
formação continuada para educadores do campo e para aqueles que lecionam em escolas
localizadas no campo teriam muito a se beneficiar em termos de processos de
transformação educacional em possíveis aproximações com o pensamento decolonial, a
educação popular e a educação do campo desde as bases do MST, pois estes
constituem-se em efetivos movimentos de descolonização do saber poder:
Referências
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10860ISSN 2177-336X