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. 27 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA A Semiologia Clínica do Abdome continua de- sempenhando importante papel em clínica médica ambulatorial, hospitalar e nas situações de urgên- cia, a despeito do grande progresso na tecnologia que coloca à disposição do médico os exames de imagem, tão valiosos para quem exerce a medici- na à beira do leito. Sua sistemática deve ser rigorosamente segui- da, uma vez que, como dizia Jairo Ramos, o grande criador da clínica médica brasileira, “a Clínica é soberana”. A sistemática apresentada nesses capítulos se- gue fielmente a escola de Jairo Ramos e é a utili- zada na Disciplina de Clínica Médica da Universi- dade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina. ANAMNESE A anamnese deve ser sempre cuidadosa e pre- cisa, dentro dos princípios da relação médico-pa- ciente. Por meio dela, pode-se estabelecer o diag- nóstico em aproximadamente 70% dos casos. Para sua eficiência é fundamental que o médico e o doente se encontrem em posição confortável e de cordialidade, e o diálogo deve ser o mais harmo- nioso possível. SEMIOLOGIA CLÍNICA DO ABDOME INTERROGATÓRIO COMPLEMENTAR Neste item, aborda-se por meio de interrogató- rio os vários sistemas orgânicos, e cada sinal e sin- toma referido pelo paciente deverá ser explorado em sua plenitude. O médico precisa estar atento para o fato de que nossos pacientes, em geral, possuem duas ou mais doenças que podem interferir no diagnóstico. ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES Os antecedentes pessoais e familiares são de gran- de importância, e não devem ser relegados a um se- gundo plano. Freqüentemente, uma doença no pas- sado poderá ser a causa direta ou indireta da atual. Doenças com caráter hereditário poderão ma- nifestar-se em qualquer época da vida. Diabete melito, hipertensão arterial, tabagismo, alcoolismo e hábitos de vida são sempre relevantes tanto para o diagnóstico da doença principal como para o das doenças secundárias. TERAPÊUTICA EM USO Os medicamentos dificilmente são destituídos de efeitos colaterais, os quais poderão ser o moti- Capítulo 2 Antonio Carlos Lopes

03. semiologia clínica do abdome

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A Semiologia Clínica do Abdome continua de-sempenhando importante papel em clínica médicaambulatorial, hospitalar e nas situações de urgên-cia, a despeito do grande progresso na tecnologiaque coloca à disposição do médico os exames deimagem, tão valiosos para quem exerce a medici-na à beira do leito.

Sua sistemática deve ser rigorosamente segui-da, uma vez que, como dizia Jairo Ramos, o grandecriador da clínica médica brasileira, “a Clínica ésoberana”.

A sistemática apresentada nesses capítulos se-gue fielmente a escola de Jairo Ramos e é a utili-zada na Disciplina de Clínica Médica da Universi-dade Federal de São Paulo — Escola Paulista deMedicina.

ANAMNESE

A anamnese deve ser sempre cuidadosa e pre-cisa, dentro dos princípios da relação médico-pa-ciente. Por meio dela, pode-se estabelecer o diag-nóstico em aproximadamente 70% dos casos. Parasua eficiência é fundamental que o médico e odoente se encontrem em posição confortável e decordialidade, e o diálogo deve ser o mais harmo-nioso possível.

SEMIOLOGIA CLÍNICA

DO ABDOME

INTERROGATÓRIO COMPLEMENTAR

Neste item, aborda-se por meio de interrogató-rio os vários sistemas orgânicos, e cada sinal e sin-toma referido pelo paciente deverá ser exploradoem sua plenitude.

O médico precisa estar atento para o fato deque nossos pacientes, em geral, possuem duas oumais doenças que podem interferir no diagnóstico.

ANTECEDENTES PESSOAISE FAMILIARES

Os antecedentes pessoais e familiares são de gran-de importância, e não devem ser relegados a um se-gundo plano. Freqüentemente, uma doença no pas-sado poderá ser a causa direta ou indireta da atual.

Doenças com caráter hereditário poderão ma-nifestar-se em qualquer época da vida. Diabetemelito, hipertensão arterial, tabagismo, alcoolismoe hábitos de vida são sempre relevantes tanto parao diagnóstico da doença principal como para o dasdoenças secundárias.

TERAPÊUTICA EM USO

Os medicamentos dificilmente são destituídosde efeitos colaterais, os quais poderão ser o moti-

Capítulo 2

Antonio Carlos Lopes○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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vo da queixa do doente. O médico sempre deverálevar em consideração as possíveis interações me-dicamentosas.

EXAME CLÍNICO DO ABDOME

CARACTERÍSTICAS DA PAREDE

ANTERIOR DO ABDOME

Antes de entrar no estudo das modificações daforma da parede anterior do abdome, é recomen-dável conhecer o aspecto que a inspeção nos mos-tra quando se trata de uma pessoa normal.

As saliências provocadas pela parte superiordos músculos retos podem simular tumores gástri-cos ou hepáticos. Esse engano na inspeção podeconduzir ao erro de diagnóstico, mormente quan-do a contratura muscular impede uma palpaçãoprofunda eficiente.

A aparência da parede abdominal anterior émuito variável de um indivíduo para outro, mas en-quadra-se facilmente numa descrição geral. Há, noentanto, diferença acentuada nos dois sexos: o abdo-me da mulher e do homem são diferentes entre si.

Os acidentes da superfície da parede abdomi-nal anterior só podem ser notados nos indivíduosmagros ou portadores de moderado tecido celularsubcutâneo. Quando o tecido adiposo atinge umaespessura maior, assume o abdome a forma abau-lada, uniformemente lisa e regular, apenas demar-cada pela presença da cicatriz umbilical, transfor-mada em fenda mais ou menos profunda, e pelassaliências da moldura óssea. Nos homens jovens evigorosos, nota-se que a porção supra-umbilical daparede anterior do abdome se mostra quase plana,deprimida em relação ao rebordo costocondroxifoi-diano. Abaixo do umbigo, ela é mais arredondadae uniforme, um pouco mais saliente. Na porção su-pra-umbilical da linha mediana, nota-se uma de-pressão longitudinal — o sulco mediano — que vaido processo xifóide até a orla umbilical, ou até umpouco mais abaixo. Aí os pêlos são mais abundan-tes e convergentes no sentido axial do corpo. Late-ralmente, essa goteira rasa é delimitada por duaselevações longitudinais suaves que se estendem dorebordo condral para baixo, passam a cicatriz um-bilical e se atenuam nas regiões infra-umbilicais.Nos indivíduos fortes e magros, nota-se que essaselevações não são uniformes de cima até em bai-xo e sim apresentam depressões transversais que ascruzam de um lado a outro. A mais evidente é qua-se sempre a primeira, pouco abaixo da molduracondroóssea. Raramente, à inspeção, pode-se notarque essas depressões transversais são em número de

três acima do umbigo; apenas duas são bem evi-dentes. A goteira mediana corresponde à linhabranca do abdome. As elevações laterais são produ-zidas pelos músculos retos anteriores, com as suasinterseções tendinosas.

Lateralmente, a elevação longitudinal parame-diana é limitada por um sulco menos pronunciadoque o mediano e mais largo. Iniciado logo abaixodo rebordo costal, esse sulco desce verticalmentedois dedos abaixo da cicatriz umbilical, depois seinclina para dentro e para baixo até que as suasextremidades se encontrem na linha mediana, nadepressão transversal da parte inferior do abdome,denominada sulco suprapúbico. Essa é a linha se-milunar que corresponde ao ponto em que as fibrasmais desenvolvidas do músculo grande oblíquo seinserem no seu tendão aponeurótico.

As linhas em que essa transição se dá, nos di-ferentes músculos, não se superpõem no mesmoplano anteroposterior. Abaixo do umbigo, não hámais sulco mediano, pois ele é substituído por umalinha mais pigmentada em que há pêlos em maiorabundância.

Para fora do sulco lateral do abdome, entre asaliência formada pela metade inferior do múscu-lo reto anterior medialmente e a parte muscular dopequeno oblíquo para fora, vemos uma elevaçãomais acentuada quanto menos vigoroso e mais ido-so é o indivíduo. É o relevo supra-inguinal, quecorresponde ao canal inguinal. É a parte menos re-sistente da parede abdominal. Quando o indivíduo,estando em decúbito dorsal, ergue a cabeça ou seesforça para levantar, essa saliência oblonga torna-se ainda mais pronunciada.

Além desses sulcos verticais, vamos notar outrosque cortam o abdome no sentido transversal e queassumem o aspecto de pregas da pele, bem nítidase em forma de linha como as da palma da mão.

Nota-se em primeiro lugar, logo acima da cica-triz umbilical, ou em seu nível, uma prega que vaido bordo externo do músculo reto de um lado aode outro. É a prega de flexão do corpo.

A prega inguinal constitui o limite inferior dasuperfície do abdome. Pode ser considerada comoa dobra de flexão da coxa sobre a parede abdomi-nal anterior. Vai de uma espinha ilíaca a outra, pas-sando logo acima dos órgãos genitais externos. Nasua porção média, é quase sempre recoberta de pê-los. Acima dela, encontra-se a prega supra-inguinalcurva para cima, de raio menor que a anterior, si-tuada cerca de 3cm acima do púbis.

Na parte média do abdome, nota-se a de-pressão conhecida pelo nome de cicatriz umbili-

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cal. Dada a importância cirúrgica desse acidenteda parede abdominal anterior, ele tem sido par-ticularmente estudado pelos anatomistas e cirur-giões. Apenas assinalaremos aqui que ele é cons-tituído por rebordo saliente limitado para dentropor um sulco muito profundo que, por sua vez,constitui o limite externo de uma elevação profun-damente situada — tubérculo umbilical. No cen-tro desse tubérculo ou mamilo, situa-se uma cica-triz branca, aderente — a cicatriz umbilical.Como se vê, o umbigo é sempre uma depressãomais profunda quanto mais avantajado é o teci-do celular subcutâneo do indivíduo. Em geral, nosindivíduos de 1,70m de altura, cuja linha xifopu-biana mede 35cm em média, o umbigo fica 16cmacima do púbis. Portanto, um pouco abaixo docentro do abdome. Em 20 indivíduos magros me-didos, cujas alturas variavam de 1,65m a 1,10m,a umbilical estava praticamente em meio cami-nho do apêndice xifóide ao púbis. No homem, oplano frontal que passa pelas espinhas ilíacas an-teriores e superiores é também tangente à faceanterior da sínfise pubiana.

Nos flancos, o umbigo desce o plano musculardo rebordo costal ao arco da crista ilíaca quase ver-ticalmente. Aí vemos a prega de flexão lateral dotronco quando o indivíduo se inclina para o lado.Não observamos, nessa região, acidentes maiores.

Na mulher, o abdome aparece com menosacidentes de superfície. O tecido celular subcutâ-neo, sempre mais abundante, mascara as saliên-cias e torna menos evidentes os sulcos longitudi-nais. Os sulcos transversais são mais pronuncia-dos, principalmente o supra-inguinal que se apre-senta com raio maior e é mais extenso. Devido àmaior amplitude da bacia e à maior depressão dotórax, o abdome feminino é mais alargado e maissaliente na porção infra-umbilical. O plano fron-tal que passa pelas espinhas ilíacas está em posi-ção anterior ao plano que toca o púbis, devido aofato de a lordose lombar ser mais acentuada; fatoeste que também explica a forma abaulada daporção inferior do abdome. O flanco não é planocomo no homem, mas forma uma depressão poro quadril ser mais evidente por causa do diâme-tro lateral maior da bacia. A prega de flexão doflanco é mais acentuada.

Sendo na criança o tronco muito mais desen-volvido que os membros, o abdome toma um as-pecto preponderante que vai-se atenuando com ocrescimento.

DIVISÃO TOPOGRÁFICA DO ABDOME

Várias são as linhas convencionais usadas pelospropedeutas para a divisão topográfica do abdome,com o fim de melhor localizar os órgãos intra-ab-dominais, as zonas dolorosas e a situação de forma-ções anômalas verificadas à palpação e à percus-são. A Fig. 2.1 representa a divisão que adotamos,seguindo a maioria dos autores. Nesse caso, a divi-são topográfica do abdome é realizada por três li-nhas transversais, três verticais, os rebordos costaise a arcada inguinal. As linhas horizontais são traça-das, umas paralelas às outras, na altura do apên-dice xifóide, extremidade da 10a costela e alturadas espinhas ilíacas anteriores e superiores; as li-nhas verticais são ligeiramente oblíquas de cimapara baixo e de fora para dentro, partindo da ex-tremidade da 10a costela e vindo a atingir as extre-midades direita e esquerda do ramo horizontal dopúbis. O limite inferior é dado pela arcada ilíaca eramo horizontal do púbis.

Usando as linhas anteriormente mencionadas,dividiremos o abdome em três andares distintos:superior, médio e inferior. Cada um desses anda-res poderá ser subdividido em três sub-regiões,uma central e duas periféricas, situadas à direitae à esquerda das duas linhas verticais que, do re-bordo costal, dirigem-se para o ramo horizontaldo púbis. Assim delimitadas teremos as seguintesregiões:1a. Andar superior:

a) epigástrio, b) e c) hipocôndrios, direito e es-querdo, respectivamente;

2a. Andar médio:a) região umbilical, b) e c) regiões laterais ouflancos, direito e esquerdo, respectivamente;

3a. Andar inferior:a) região hipogástrica, b) e c) fossas ilíacas ouregiões inguinais, direita e esquerda, respecti-vamente.

PROPEDÊUTICA DO ABDOME

Inspeção

O exame sistemático do abdome deve ser ini-ciado por uma inspeção bem conduzida, uma vezque essa etapa propedêutica traz ensinamentosmuito úteis. Para uma inspeção abdominal eficienteé necessário que o paciente e o médico se coloquemem posição adequada. O doente deverá estar dei-tado em decúbito dorsal ou em pé, de fronte a uma

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única fonte luminosa. Há casos, entretanto, em quea incidência oblíqua dos raios luminosos favorece avisibilidade; nessas condições, o médico deve orien-tar a posição do paciente de acordo com as neces-sidades de cada caso em particular. O médico secolocará à direita ou à esquerda do paciente, de-vendo também, em certas ocasiões, colocar-se parao lado do segmento cefálico (estando o pacientedeitado), de modo que a parte abdominal, a serinspecionada, fique situada entre o médico e a fon-te luminosa.

Inicia-se a inspeção pelo estudo das alteraçõesda forma do abdome. Esta sofre alterações quedependem do tipo morfológico, portanto enquadra-das dentro da normalidade. Distinguem-se duasformas extremas: o abdome do tipo longilíneo, queé muito longo, achatado no sentido anteroposteriore de pequeno diâmetro transversal, e o abdome dotipo brevilínio, que é curto, com diâmetros antero-posterior e transverso exagerados. Entre esses doistipos extremos é possível verificarmos uma sérieenorme de formas intermediárias. Nesses limites, aforma do abdome não adquire valor patológico.Há, entretanto, alterações da forma que devem ser

conhecidas, pois fogem desses limites e adquiremsignificado patológico; podem ser de dois tipos: al-terações simétricas e alterações assimétricas.

As alterações assimétricas da forma do abdomesão as seguintes:1a. Abdome retraído, pronunciadamente achatado no

sentido anteroposterior, tornando-se visíveis osrelevos dos rebordos costocondrais, das cristas ilí-acas e da sínfise púbica. Encontra-se nos indi-víduos caquéticos, particularmente nos desidra-tados, como em casos de vômitos incoercíveis oude diarréia com pronunciada perda de líquido.

2a. Abdome globoso com distensão uniforme e re-gular. Encontra-se nos indivíduos obesos; nosportadores de grandes ascites; nos casos de for-te meteorismo intestinal, como pode acontecernas estenoses com obstrução; nas paralisias in-testinais; no pneumoperitônio e nos portadoresde grandes tumores abdominais (cisto de ová-rio, por exemplo).

3a. Abdome de batráquio, que se caracteriza peladilatação exagerada dos flancos, trazendo au-mento do diâmetro lateral. Encontra-se emgeral nos indivíduos ascíticos com diminuição

Fig. 2.1 — Linhas convencionais para a divisão topográfica do abdome.

Hipocôndriodireito

Hipocôndrioesquerdo

Epigástrio

Fla

nco

direito

Fla

nco

esq

uerd

o

Região

umbilical

Região

abdominallateral

ou direita

Região

abdominallateral

ou esquerda

Regiãoinguinal oufossa ilíaca

direitas

Região púbicaou

hipogástrica

Regiãoinguinal ou

fossa ilíacaesquerdas

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da tonicidade da musculatura da parede abdo-minal.

4a . Abdome pendular, caracterizado pela queda dohipogástrio sobre a sínfise púbica, vindo a parteinferior do abdome colocar-se em nível maisbaixo que o da sínfise púbica. Nos estados maisavançados, é conhecido com o nome de abdo-me em bisaccia, no qual a parede abdominalanterior chega até a região inguinal, alcançan-do e mesmo recobrindo-a inteiramente.As alterações assimétricas têm sempre significa-

ção patológica. É necessário, entretanto, que a as-simetria seja bem evidente para podermos atribuirvalor semiológico. Em geral, as assimetrias são de-vidas a abaulamentos localizados. Conforme a si-tuação destes, assim será o órgão lesado e a signi-ficação clínica: abaulamentos — consideraremos osabaulamentos devidos à distensão localizada desegmentos do tubo gastrointestinal e descritos coma denominação de meteorismo localizado. O me-teorismo localizado é facilmente diagnosticado pelainspeção auxiliada da percussão, a qual mostra aexistência de som timpânico, que caracteriza otubo gastrointestinal cheio de ar. Conforme a loca-lização do abaulamento, temos uma indicaçãodiagnóstica preciosa que nos orienta de maneira es-quemática para a identificação da parte do tubogastrointestinal que é a sede do meteorismo. Qual-quer que seja a sua situação, o meteorismo locali-zado indica distensão de um segmento do tubogastrointestinal devido ao obstáculo que deverá es-tar situado abaixo da porção dilatada. Exceção aessa regra: a possibilidade de o abaulamento de-pender de formação herniária ou de eventração,ocorrências clínicas de fácil diagnóstico.

De acordo com a localização e a forma doabaulamento, poderemos distinguir as seguintesvariedades de meteorismo localizado:1a. Localização epigástrica, mais evidente à es-

querda da linha mediana devido à distensão doestômago. Nesses casos, a forma do abaula-mento pode reproduzir os contornos gástricos,vendo-se melhor a grande curvatura e menosnitidamente a pequena curvatura, por causa desua posição mais alta e mais profunda.

2a. Localização umbilical pode ou não tornar a ci-catriz umbilical proeminente, havendo achata-mento do epigástrio e das fossas ilíacas; é con-seqüência da distensão de alças do intestinodelgado.

3a. Localização na fossa ilíaca direita, de formaovóide, descendo até a arcada femoral, subin-

do mais ou menos alto em direção ao hipocôn-drio direito; indica a distensão do ceco.

4a. Localização nos flancos, em forma de chouri-ço, orientado no sentido longitudinal devido àdistensão dos colos ascendente e descendente.Essa verificação é possível em indivíduos muitoemagrecidos, mesmo na falta de alterações pa-tológicas, ou em casos em que condições anor-mais tornam esses segmentos cólicos mais su-perficiais.

5a. Localização transversal, podendo estar localiza-do acima ou abaixo da cicatriz umbilical, ori-entando-se de um hipocôndrio a outro, e quepode ainda só ser visível em cada metade doabdome, indicando distensão total do colotransverso, ou de sua metade direita (mais ra-ramente), ou da metade esquerda (mais fre-qüente), devido à localização de obstáculo naflexura esplênica.

6a. Localização na linha mediana, orientado nosentido longitudinal, podendo apresentar ligeirainclinação para a direita ou para a esquerda, eindicando uma distensão do colo pélvico, quan-do muito dilatado. Essas localizações servemapenas para a indicação esquemática do seg-mento intestinal distendido de acordo com asua sede normal. Se houver um obstáculo du-plo, de modo a seqüestrar um segmento intes-tinal, observa-se uma distensão em forma dechouriço mais ou menos volumoso, de localiza-ção variável, em geral perfeitamente palpável,constituindo o que em propedêutica se conhe-ce com o nome de alça de Wahll.

Contrações Peristálticas Visíveis

É freqüente encontrar em certas circunstânciasmovimentos peristálticos visíveis pela simples ins-peção da parede anterior do abdome, aliado ounão a meteorismo localizado. Como para o meteo-rismo, a sede do início dos movimentos peristálti-cos tem importância diagnóstica. Nesses casos, ain-da assume grande valor a direção em que se orien-ta o peristaltismo visível. A importância disso estáno fato de que os movimentos se processam sem-pre no sentido do isoperistaltismo, servem paraidentificar o segmento intestinal que é a sede dascontrações, e, ao mesmo tempo, indicam a locali-zação do obstáculo, marcada pelo ponto em quemorrem as ondas peristálticas. Em condições nor-mais, não se observam as contrações do estômago

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e do colo, sendo possível, em determinadas circuns-tâncias, a apreciação de contrações do intestinodelgado. Assim sendo, tal verificação tem sempresignificação patológica; indica obstrução do trânsitogastrointestinal, que se realizou de maneira lenta eprogressiva. Nessas circunstâncias, as paredes doórgão, devido ao trabalho excessivo, hipertrofiam-se e as suas contrações peristálticas, muito maisamplas, podem ser percebidas sobre a parede doabdome. Quando o peristaltismo se localiza no es-tômago, observa-se a onda peristáltica nascer abai-xo do rebordo costal esquerdo, dirigir-se transver-salmente para a direita e terminar perto do rebor-do costal direito. A extensão da contração no sen-tido axial depende do grau de dilatação do estôma-go. Essa constatação permite ao médico afirmarcom segurança a existência de um obstáculo piló-rico ou duodenal (1a porção) que se opõe ao esva-ziamento gástrico.

Quando o obstáculo está situado no ânguloduodenojejunal, é possível verificarmos ainda, alémda contração do estômago, a existência de peristal-tismo duodenal, que se dirige da direita para a es-querda, descrevendo uma trajetória curva de con-cavidade superior. O peristaltismo visível varia deaspecto conforme seja localizado no intestino del-gado ou no intestino grosso. No intestino delgado,ele assume duas formas bem distintas: a primeira,denominada agitação peristáltica de Kussmaul ouVermina intestinorum, caracteriza-se por movimen-tos rotatórios, acompanhados de fortes ruídos intes-tinais, conhecidos com o nome de borborigmos; asegunda forma é o peristaltismo em degrau, dis-pondo-se as alças em contração de maneira trans-versal, tais como degraus de uma escada.

Quatro são as características fundamentais quesão oferecidas ao clínico para localizar o peristaltis-mo que se observa no intestino delgado, a saber:1a. Localização na região central do abdome;2a. Grande intensidade e vivacidade das ondas;3a. Fenômenos acústicos intensos; e4a. Associação de dores fortes que aparecem e desa-

parecem juntamente com as ondas peristálticas.O peristaltismo do intestino grosso, quando vi-

sível, é constituído por ondas lentas, em geral bemevidentes, muito semelhantes às encontradas noestômago. A verificação da diretriz das ondas peris-tálticas tem grande importância para o diagnósti-co da sede do obstáculo, uma vez que sempre serealiza no sentido do isoperistaltismo. Em caso queparecia não prevalecer essa regra, tratava-se depaciente com inversão visceral completa; o peris-taltismo cólico caminhava da esquerda para a di-

reita, era causado por um obstáculo localizado naflexura esplênica, que se achava no hipocôndriodireito. O peristaltismo cólico é muito evidente noscasos de megacolo, tanto pela grande dilatação dosegmento intestinal como pela hipertrofia da cama-da muscular. Ao lado do meteorismo localizado,que apresenta movimentos peristálticos visíveis,podemos observar uma outra variedade não menosinteressante, que consiste na distensão rígida detodo o segmento dilatado, devido à contração brus-ca de toda a musculatura sem existir peristaltismo.Essa distensão rígida se localiza no estômago ou nointestino em casos de obstáculos que se processammais rápida e completamente, coexistindo com ohipertono da musculatura do segmento dilatado. Averificação de tal estado indica a necessidade deintervenção cirúrgica imediata pela possibilidade dese observar uma ruptura das paredes dos segmen-tos em distensão rígida.

Quando a distensão rígida se localiza no estô-mago, pode ser geral ou parcial. Se geral, reproduza forma do órgão, e, no caso de ser parcial, loca-liza-se, de regra, no antro pilórico.

A distensão rígida do intestino tanto pode serverificada na parte próxima do obstáculo como emregiões mais afastadas. Assim, podemos observar dis-tensão rígida do ceco em casos de obstáculo locali-zado na flexura esplênica. Tanto no estômago comono colo, a distensão rígida indica uma contração te-tânica da musculatura hipertrofiada da parede dosegmento dilatado, sendo acompanhada de doresmais ou menos fortes e é sempre conseqüência deum obstáculo ao livre trânsito de seu conteúdo.

Na alça de Wahll, a dilatação de um segmen-to intestinal é compreendida entre dois obstáculos,como só acontece no vólvulo, pois, devido à obs-trução se processar rapidamente, não há tempopara a hipertrofia da túnica muscular, não se ob-servando contrações peristálticas nem distensão rí-gida. Verifica-se, ao contrário, a atonia com disten-são muito pronunciada. Para o caso particular dovólvulo, a torsão do mesentério, prejudicando a nu-trição do segmento intestinal, ainda concorre paraaumentar a atonia.

Nos casos de meteorismo localizado, há freqüen-temente associação de ruídos hidroaéreos, de variadanatureza, com significação patológica diferente.

Retrações

Contrastando com os abaulamentos localizados,há casos em que se verificam retrações mais ou

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menos pronunciadas de localização variável e cujosignificado semiológico é diferente, conforme a lo-calização. Como para os abaulamentos, as retra-ções podem ser generalizadas ou localizadas. Quan-do generalizadas, encontram-se nos indivíduos ca-quéticos, como acontece nos casos de estenose doesôfago ou do piloro, ou nos pacientes que, poruma causa qualquer, perderam grande quantidadede água. Pode-se ainda verificar retração genera-lizada nos casos de forte espasmo intestinal comona cólica saturnina ou nos casos de contração tôni-ca pronunciada da musculatura da parede anteriordo abdome, que se encontra no tétano, na menin-gite e nas crises tabéticas. As retrações localizadassão eventualidades raras. A mais comum é a de lo-calização epigástrica; é verificada nos indivíduosmagros, com evidente ptose visceral, particular-mente quando ocupam a posição em pé ou o de-cúbito dorsal elevado.

Edema da Parede

Encontra-se edema da parede abdominalcomo expressão de um estado geral e, por isso, semimportância maior para a semiologia abdominal.Quando o edema se limita ao abdome, assume im-portância diagnóstica, indicando com segurança aexistência de processo inflamatório intracavitário. Oedema sintomático pode ser generalizado ou loca-lizado. Seu valor no diagnóstico de processos infla-matórios intraperitoneais é particularmente notávelem pacientes recém-operados e em puérperas.Nesse último caso, a perda momentânea da tonici-dade da parede abdominal, que sobrevém após oparto, impede o aparecimento da contração refle-xa dos músculos abdominais anteriores, que costu-ma aparecer nos casos de peritonite. Desse modo,é regra não se observar contração da musculaturada parede anterior do abdome na peritonite puer-peral, e, assim, o edema, que quase sempre existe,é seguro índice da existência do processo mórbido.O edema se encontra no hipogástrio e nas fossasilíacas porquanto a peritonite é baixa, localizando-se de preferência na pequena bacia. Também nosrecém-operados o edema assume importância pelapossibilidade de não se verificar resistência da pa-rede abdominal.

O edema localizado merece ainda atenção nodiagnóstico de processo inflamatório intraparenqui-matoso, como pode acontecer nos casos de abscessohepático situado perto da superfície do órgão.

Sistema Venoso

Normalmente a inspeção da parede anterior doabdome não demonstra a existência de vasculari-zação, a não ser o tronco da subcutânea abdomi-nal que, com freqüência, é visível. Quando a vas-cularização venosa é muito evidente, assume sig-nificação patológica e indica, em geral, obstáculona circulação venosa profunda. Todas as vezes quea inspeção demonstra turgência venosa, torna-senecessário conhecer a direção em que o sangue cor-re nos troncos venosos dilatados. Para isso, usa-sede uma manobra muito simples. Com o indicadorde uma das mãos, faz-se pressão sobre o vaso quese pretende estudar, com o intuito de separar umsegmento venoso para ser examinado; desliza-se oindicador da outra mão sobre o tronco venoso,exercendo pressão leve, com o objetivo de esvaziá-lo. Após ter conseguido o esvaziamento de determi-nado segmento do vaso, deixamos subitamente deexercer o deslize e observamos se o enchimento seprocessa novamente ou se o vaso continua vazio. Odeslize deve ser experimentado tanto à direitacomo à esquerda do indicador que faz pressão numponto fixo. Assim procedendo, podemos observarem que segmento o vaso permanece vazio ou seenche menos rapidamente, depois de processada amanobra de esvaziamento. A verificação de tais fa-tos demonstra a direção que a corrente sangüíneatem no segmento do vaso estudado. Conhecendo-se a direção normal da corrente sangüínea em cadaum dos vasos dilatados e verificada a direção nocaso particular em estudo, estamos aptos a dizer sea corrente venosa segue direção normal ou se estáinvertida. Três tipos fundamentais de circulaçãosão verificados no abdome: o primeiro tipo, que éo mais conhecido, depende de embaraço da circu-lação na veia porta. Quando se dá o obstáculo, acirculação colateral se efetua por intermédio deanastomoses profundas e superficiais entre o siste-ma porta e os dois grandes sistemas, cava superiore inferior. Para o caso especial de inspeção do ab-dome só interessam particularmente as colateraisvenosas superficiais, localizadas na parede anterior.No obstáculo porta, dilatam-se as veias periumbi-licais constituindo, em sua expressão máxima, de-nominada caput-medusae. Ainda nesse caso verifi-ca-se turgência nas veias supra-umbilicais, quederivam o sangue por intermédio da xifoidianamediana para a mamária interna, que pertence aosistema cava superior. O segundo tipo de circulaçãovenosa colateral no abdome relaciona-se ao obstá-

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culo no território da veia cava inferior. Observam-se ectasias venosas na região infra-umbilical, noterritório da veia epigástrica superficial e nas regi-ões laterais do abdome, no território das veias ab-dominais laterais e, particularmente, na veia to-rácica lateral que é tributária do sistema cava su-perior. Nesse caso, o sangue, em todas as veias, cor-re de baixo para cima; verifica-se na veia subcu-tânea abdominal uma inversão da corrente san-güínea. O terceiro tipo é uma associação dos doisprimeiros. Nos três tipos fundamentais de circula-ção venosa colateral abordados, a dilatação dasveias se torna mais evidente quando o pacienteocupa a posição em pé. Tal fenômeno é mais pro-nunciado nos casos de obstrução da cava inferior.Quando existe circulação venosa tipo porta, é pos-sível que na posição ereta apareça transitoriamenteum obstáculo na veia cava inferior, associando-se osdois tipos fundamentais.

Alterações da Pele

São muito variadas e não são de grande signi-ficado diagnóstico. É justo, entretanto, que sejamassinaladas algumas das mais comuns, como as vi-bices gravídicas, que são estrias de direção variá-vel ocasionadas por rupturas das fibras elásticas doderma e que se verificam nos casos de distensãorápida e pronunciada da pele da parede anteriordo abdome, como acontece na gravidez. Essas es-trias são duradouras e muito características. Forada gravidez ainda podemos verificá-las nos casosde ascite muito pronunciada, de enorme cisto doovário ou na obesidade. Outras alterações da pelepodem ser verificadas, tais como as vibices graví-dicas e os desenhos venosos aracniformes, o desa-parecimento ou diminuição acentuada dos pêlosnos cirróticos, petéquias, máculas, pápulas (febretifóide), roséolas (lues), placas de urticária etc., semum significado diagnóstico fundamental para apropedêutica abdominal, como, por exemplo, nasobstruções por bridas pós-operatória.

A existência de cicatrizes no abdome é relevan-te para o conhecimento de operações anterioresque, muitas vezes, constituem o elemento seguropara um diagnóstico clínico.

Palpação

O tubo gastrointestinal, especialmente o colo,apresenta uma série de características que permi-

tem estabelecer o diagnóstico diferencial com ou-tras formações intra-abdominais passíveis de ex-ploração manual. Essas características dizemrespeito a:1. Consistência;2. Diâmetro;3. Forma;4. Mobilidade;5. Fenômenos acústicos.

Consistência

A consistência dos vários segmentos do tubogastrointestinal é avaliada pelo tato e depende danatureza e da quantidade do conteúdo do intes-tino e do grau de contração da musculatura dassuas paredes. Quanto mais consistente se mostrao órgão à palpação, mais sólidas são as substân-cias encontradas no seu interior: consistência mai-or no caso de fezes pastosas e endurecidas, menorquando está cheio de líquido e gases. Essa regrasofre, no entanto, uma exceção, isto é, quando aalça está muito distendida por gases em conseqü-ência de estenose dupla o segmento assim dilata-do apresenta uma consistência elástica renitente,muito característica, constituindo a chamada alçade Wahll. Nessas condições, até o intestino delga-do pode ser explorado manualmente sob forma dechouriço de consistência elástica. A contração damusculatura lisa do tubo gastrointestinal é o fatorque mais faz variar a sua consistência, fato maisfacilmente perceptível ao nível do colo e menosapreciável no estômago e no intestino delgado. Àsvezes, a contração é tanta que o órgão se apresen-ta duro e fino como um lápis, fato que surpreen-de os principiantes a ponto de duvidarem ser re-almente o intestino que estão palpando. Confor-me o grau da ação muscular tal será o aspectopalpatório da alça em exame. Os dois fatores an-tes considerados, isto é, conteúdo gastrointestinale estado funcional de sua musculatura, interferemconjuntamente para estabelecer o grau de consis-tência do órgão à palpação. Considerados isolada-mente, teremos que o intestino de conteúdo sóli-do será mais consistente que o de conteúdo líqui-do; o grau da consistência aumenta e torna-semaior que no último caso, quando há contraçãodas paredes musculares; porém, a consistênciamáxima será dada pela conjunção dos dois fato-res: contração da parede e conteúdo sólido. De-preende-se do exposto que a consistência dos di-

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versos segmentos gastrointestinais é muito vari-ável, podendo essa variação ser observada no de-correr do exame propedêutico: para um mesmosegmento explorado pode haver notável alteraçãoda consistência que depende dos fatores antes re-feridos; processam-se ativamente, não intervindoo examinador senão pela excitação necessáriarealizada pela palpação.

A mudança de consistência observada duran-te o exame constitui o sinal mais precioso para odiagnóstico diferencial entre o tubo gastrointestinale os órgãos parenquimatosos intra-abdominais.

Diâmetro

Assim como a consistência, o diâmetro variaextraordinariamente de acordo com o estado dastúnicas musculares e com o conteúdo do órgão.Essa variação vai desde o diâmetro de um lápis,intestino vazio e contraído, até as grandes pro-porções de uma alça distendida por gases ou lí-quidos, como se verifica nas porções situadas ajusante de obstáculos ao trânsito intestinal, ou naalça de Wahll.

Forma

Quando explorado manualmente, o intestino émuito variável, o que torna difícil dizer qual a suaforma normal. Assim como para as duas caracterís-ticas anteriormente estudadas, também aqui o con-teúdo e o estado das paredes têm grande influên-cia. Em geral, o segmento intestinal se apresentacomo um cilindro, particularmente quando há con-teúdo fecal e contratura maior ou menor das túni-cas musculares. Se houver relaxamento muscularcompleto e o conteúdo for diminuto e o líquidocom muito pouco ar, o intestino perde a forma ro-liça para se apresentar à palpação, tal como o es-tômago, muito achatado, com as paredes justapos-tas, dando a impressão de degrau em seu contor-no inferior quando realizamos o deslize de cimapara baixo. Para sentir o limite superior, será neces-sário realizar o deslize em sentido inverso, isto é, debaixo para cima, o que nem sempre é possívelquando o intestino está situado muito alto. Os con-tornos do cilindro intestinal são lisos, e trata-se deum esforço inútil tentar perceber as haustraçõescaracterísticas do colo.

Mobilidade

O tubo gastrointestinal pode apresentar quatromodalidades de movimentação: respiratória, ma-nual, de decúbito e espontânea.

Mobilidade Respiratória

Todos os órgãos intra-abdominais estãomais ou menos sujeitos à ação do diafragma,dependendo esta da maior proximidade do mús-culo e da tonicidade aumentada ou diminuídada parede abdominal anterior. Quanto mais pró-ximo estiver o órgão do diafragma, maior será asua mobilidade respiratória; o estômago, o pilo-ro, o colo transverso (quando alto) e os ânguloscólicos são as partes do tubo gastrointestinalmais sujeitas à ação do diafragma e, portanto,as que apresentam mobilidade respiratória maisacentuada. Quando estudamos porções intesti-nais situadas mais abaixo como o ceco e o colosigmóide, verificamos ser nula a sua mobilidaderespiratória.

É útil conhecer essa propriedade, pois ela ser-ve de auxíilio para a exploração manual dessas vís-ceras, particularmente quando pretendemos palparo estômago.

Há órgãos que apresentam mobilidade respira-tória, descendo no sentido axial, na fase da inspi-ração, e subindo na da expiração, sem que se con-siga impedir essa ascensão expiratória. Diremos,então, que não há movimento de expiração fixo eisso indica íntima conexão do órgão explorado como diafragma. Quando se torna possível, a fixaçãoexpiratória indica que as relações com o diafragmasão de contigüidade. Tais características são mui-to úteis à palpação do abdome.

Mobilidade Manual

O tubo gastrointestinal pode ser deslocado desuas posições durante o movimento palpatório,graças aos seus mesos mais ou menos longos. Amobilidade manual será mais pronunciada quantomaior for o meso e vice-versa. É por isso que o colotransverso apresenta grande mobilidade, ao passoque os colos ascendente e descendente, que quasesempre são sésseis, não podem ser deslocados desuas posições.

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Mobilidade de Decúbito

Graças ainda à existência de mesos, o tubogastrointestinal modifica a sua posição de acordocom a atitude do paciente. Essa troca de posição éque explica a discordância observada entre os exa-mes palpatórios, realizados pelo clínico, e as veri-ficações radiológicas. Para o primeiro caso, usa-se,de preferência, o decúbito dorsal, ao passo que osradiologistas preferem a posição em pé, encontran-do o órgão em nível mais baixo, particularmentepara o estômago e colo transverso, porções queapresentam maior mobilidade de decúbito.

Mobilidade Espontânea

Sendo o tubo gastrointestinal um órgão cavo-muscular, dotado de fibras musculares lisas e dis-postas em duas direções diferentes — longitudinale circular — e podendo essas duas túnicas muscu-lares se contraírem ao mesmo tempo ou isolada-mente, é claro que os vários segmentos podemapresentar alterações de posição, de acordo com oestado funcional das paredes. Além desses fatores,outros interferem, como, por exemplo, conteúdointestinal, particularmente o gasoso, parede abdo-minal, estado de contratura ou relaxamento dastúnicas musculares etc.

Fenômenos Acústicos

Uma vez que o tubo gastrointestinal contémgás e ar em quantidades que podem variar, e sendoórgãos contráteis, é possível verificarmos ruídos hi-droaéreos que aparecem espontaneamente ouquando provocados. A consistência e a qualidadedo conteúdo, a existência de gases, a relação entrea quantidade de gases e de líquido e o estado detensão das paredes do órgão são fatores que inter-vêm na gênese dos fenômenos acústicos observadospara o lado do tubo gastrointestinal. Quando oconteúdo é consistente e com pouco líquido, não seobservam fenômenos acústicos que aparecem, en-tretanto, tanto mais evidentes quanto maior for aquantidade de líquido em relação à sólida. A presen-ça de gases é indispensável à produção dos ruídos,trazendo a formação de turbilhões sonoros nas por-ções líquidas, daí a denominação usual de ruídos hi-droaéreos. É necessário também que as paredes in-testinais não estejam em contração espástica.

Os ruídos hidroaéreos aparecem com muitopouca freqüência no intestino delgado, sendo veri-ficáveis na parte cecal do íleo ou na sua parte in-ferior, em casos de enterite. Assim sendo, esses ruí-dos quase só se mostram no território do intestinogrosso e no estômago. Descreveremos, separada-mente, quatro variedades de ruídos que, além deapresentarem características acústicas diferentes,ainda indicam condições físicas variáveis do con-teúdo gastrointestinal e da sua parede muscular.

Ruído Hidroaéreo ou Vascolejo

Esse ruído pode ser produzido por sucussão to-tal ou parcial, conforme as condições físicas presen-tes. Acusticamente, assemelha-se ao que é obtidoquando se agita um recipiente contendo ar e líqui-do. Para consegui-lo pela sucussão total processohipocrático deve o médico abalar o abdome à custade sacudidelas rápidas realizadas por suas mãosaplicadas nas duas cristas ilíacas. Em certos indi-víduos, esse ruído pode ser obtido pelo próprio pa-ciente que, com meneios enérgicos da bacia, pro-voca o deslocamento rápido de líquidos e ar con-tidos na luz intestinal ou gástrica. A sucussão par-cial deve ser feita por meio de choques rápidos so-bre a região em que se pretende obter o ruído, rea-lizados com a polpa dos dedos da mão direita reu-nidos. Na obtenção da sucussão parcial, é necessá-rio não esquecer que o abalo produzido pelos de-dos da mão direita deve ser limitado à região emque se pretende pesquisar o vascolejo, evitando queo choque venha a se propagar por todo o abdome,o que impede a localização da região responsávelpelo ruído. A delimitação do campo de ação é rea-lizada pela mão esquerda, que deve ser colocadaespalmada sobre o abdome de modo que restrinjaa porção gastrointestinal examinada.

Ruído de Patinhação

Esse ruído é semelhante ao que se obtémquando damos palmadas na superfície da água. Apesquisa no homem é realizada pela manobra deGlenard, que consiste em deprimir rapidamente aparede anterior do abdome com a face palmar dostrês dedos medianos da mão. O ruído de patinha-ção se obtém em órgão cavomuscular, com paredesmuito flácidas e que contenha líquido e pouco gás,de modo que a superfície interna da parede aba-

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lada está separada da superfície líquida por um es-paço pequeno. O choque faz com que a parede re-calcada venha bater de encontro à superfície lí-quida, tal como se observa quando damos palma-das na superfície da água.

Gargarejo

O gargarejo é ruído mais freqüentemente ob-servado, seja espontaneamente, seja provocado. Éo mais característico dos ruídos do tubo gastroin-testinal e se obtém quando deslizamos dedos sobreos segmentos gastrointestinais procurando palpá-lospela técnica da palpação profunda e deslizante. Ogargarejo aparece quando as quantidades de líqui-do e ar são moderadas. Onde não há sucussão, porfaltarem as condições físicas necessárias, haverágargarejo. É claro que entre um e outro poderemosobservar toda uma série de ruídos intermediários emal classificados, causados pelo deslocamento degases na luz intestinal.

Borborigmos

É ruído causado pela existência de gases na luzintestinal sem haver concomitantemente líquido.

Para finalizar essa parte, é necessário salientarque as propriedades do tubo gastrointestinal queacabamos de estudar dizem respeito ao indivíduovivo e não podem de modo algum ser controladasno cadáver, em que são muito diferentes as consis-tências, o diâmetro, a forma, a mobilidade, a po-sição etc.; além disso, também faltam as contra-ções das túnicas musculares e varia muito o con-teúdo gasoso, graças às fermentações processadasin loco após a morte.

Percussão

À percussão do abdome obtém-se som timpâ-nico em toda a extensão. A percussão do fígadopode ser realizada para delimitação de dois tiposde áreas de submacicez — a relativa e a absoluta.A obscuridade relativa serve para delimitar a cúpu-la hepática na região em que é coberta pela lingüe-ta pulmonar. A obscuridade absoluta marca o pontode contato do fígado com a parede torácica. Paradelimitação da obtusidade relativa, usamos da per-cussão forte, e da obtusidade absoluta, da percus-

são leve. A lingüeta pulmonar que recobre parte dofígado torna os resultados obtidos, tanto para aobtusidade relativa como para a absoluta, discor-dantes de observador para observador, razão pelaqual não se pode usar da percussão como meio se-guro de delimitação da área hepática. Assim sendo,os resultados da determinação da cúpula hepáticapela percussão são muito aleatórios, devendo-se,nos casos em que necessitamos de maior precisão,usar dos raios X ou do pneumoperitônio.

A percussão do limite inferior do fígado tam-bém fornece resultados muito pouco precisos, e ascausas de erro são aqui mais numerosas do quepara a delimitação do bordo superior. O verdadeirométodo de exploração clínica do bordo inferior dofígado é a palpação.

A percussão da zona da macicez hepática podefornecer indicações úteis. A delimitação das zonasdolorosas é de grande auxílio para o diagnósticodas hepatites, particularmente da hepatite supura-tiva, que vem acompanhada de fortes dores ao sepercutir a região hepática. O ponto mais dolorososerá o da punção diagnóstica, quando indicada. Amacicez hepática pode, em certas eventualidades,desaparecer e ser substituída por zonas de sonori-dade aumentada, até mesmo por timpanismo fran-co, como é o caso do pneumoperitônio. Conformea maneira do desaparecimento da macicez hepáti-ca e a sua sede, tal será a causa que motivou. Ja-iro Ramos teve ocasião de apresentar à Sociedadede Medicina e Cirurgia de São Paulo um estudo so-bre algumas eventualidades de ausência da maci-cez hepática, procurando diagnosticar as causasdesse desaparecimento, conforme o local e o senti-do em que ele se processava. Quatro esquemasfundamentais foram focalizados, os quais serãoapresentados a seguir:1. O timpanismo deve ser ocasionado por pneu-

moperitônio quando se localiza na metade in-terna da área da macicez hepática, entre as li-nhas mediana e mamilar, podendo em seguidaprogredir a toda a região hepática, continu-ando-se para cima com a sonoridade pulmo-nar e para baixo com o timpanismo abdo-minal, e apresentando mutações de forma ede sede conforme as várias posições tomadaspelo paciente.

O fato de o timpanismo se localizar sobrea região hepática tem muita importância parao diagnóstico de úlceras gástricas ou duodenaisperfuradas.

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2. Se a macicez desaparece na parte externa, parafora da linha mamilar, conservando-se subma-cicez hepática entre as linhas mamilar e medi-ana e não havendo mutações de forma e de si-tuação dessa zona timpânica com as posiçõesocupadas pelo paciente, trata-se provavelmen-te de interposição de uma porção do colo trans-verso entre o fígado e o gradeado costal.

Nem sempre é fácil, mesmo radiologica-mente, diferenciar a interposição do colo de umpneumoperitônio. Correia Neto teve oportuni-dade de observar um caso em que o colo inter-posto cheio de gás foi tomado pelo radiologis-ta como pneumoperitônio, tendo a autópsiaevidenciado o erro.

3. Se a macicez hepática desaparece gradualmen-te de baixo para cima, deixando uma peque-na faixa de submacicez entre o timpanismo as-cendente e a sonoridade pulmonar, sem que seobservem alterações com os decúbitos, trata-seprovavelmente de meteorismo abdominal mui-to pronunciado devido à distensão e interposi-ção de alças intestinais entre o fígado e a pa-rede costal. Quando o meteorismo é muito pro-nunciado, toda a zona de macicez pode desa-parecer, porém o desaparecimento se processagradualmente e não abruptamente, como severifica no pneumoperitônio espontâneo, nocaso de úlcera perfurada.

4. Caso a macicez desapareça de maneira progres-siva e gradual em direção descendente, apresen-tando alterações evidentes com as posições, par-ticularmente entre a posição em pé e a de de-cúbito dorsal, a causa deve ser pulmonar (enfi-sema), ou pleural (pneumotórax), e a zona dotimpanismo apresenta a localização delimitada.Dos quatro esquemas fundamentais que estu-

damos, o primeiro e o terceiro são os mais impor-tantes para a distinção entre pneumoperitônio es-pontâneo e meteorismo muito pronunciado. Para odiagnóstico diferencial ter valor nesses casos, é ne-cessário que o exame clínico seja realizado preco-cemente, pois, passadas muitas horas, torna-se di-fícil a distinção; porquanto, tanto em um como emoutro, podemos observar desaparecimento comple-to da macicez hepática. No caso de o exame serrealizado precocemente não é provável que o me-teorismo tome toda a área hepática, observando-sesempre, entre o timpanismo ascendente e a sono-ridade pulmonar, uma zona de macicez.

No pneumoperitônio, ao contrário, é possívelobservarmos seu desaparecimento.

O baço não é percutível e o espaço de Traubeé livre.

Ascite

Denominamos ascite o derrame líquido da ca-vidade peritoneal. O seu diagnóstico tem muitaimportância e, por isso, estudaremos os sinais clí-nicos com minúcias.

Inspeção

A forma do abdome varia conforme a posiçãotomada pelo doente, a quantidade de líquido doderrame e o grau de tonicidade dos músculos daparede anterior do abdome. Quando o líquido émuito abundante, a pele na parede abdominalapresenta-se lisa e brilhante. Encontram-se, nosderrames muito abundantes, víbices tais como asverificadas na gravidez. A cicatriz umbilical apla-na-se e, por vezes, torna-se proeminente fazendohérnia. No decúbito dorsal, a parede é de peque-na tonicidade, o abdome se alarga e a tumefaçãose localiza nos flancos, ocasionando aquela apa-rência característica, denominada abdome de ba-tráquio. Quando a tonicidade é grande, não severifica o alargamento lateral e o abdome se mos-tra proeminente. Na posição em pé, o abdome oué distendido e proeminente, como no último casocitado, ou cai, debruçando-se sobre a região cru-ral. Geralmente, não é possível pela inspeção sim-ples a diferenciação entre o meteorismo e a asci-te. Entretanto, no decúbito dorsal nunca há oalargamento lateral que dá a forma de batráquioao abdome do paciente em caso de meteorismo;na posição em pé, o abaulamento é maior na re-gião epigástrica, e, portanto, justamente o inver-so do derrame líquido, em que o abaulamento émais proeminente na região infra-umbilical. A di-ferenciação com a uronefrose é dada pela unila-teralidade de abaulamento. O diagnóstico dife-rencial com o cisto do ovário é difícil. Com ainspeção, podemos verificar, pelo fenômeno deLitten, a elevação considerável do diafragma, nocaso de ascite.

Palpação

O abdome é tenso, mais ou menos elástico,conforme a intensidade da ascite e a tonicidade daparede. A palpação nos fornece ótimo sinal para aidentificação de um derrame peritoneal (queremosreferir-nos à sensação de onda).

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Sensação de Onda (Técnica de Pesquisa)

Espalma-se uma das mãos em um dos flancos,dão-se piparotes no outro flanco, sentindo-se, en-tão, pequenos choques na palma da mão causadospela mobilização da massa líquida. O choque podeser percebido, às vezes, na ausência de líquido,quando houver gordura exagerada ou edema daparede. Nesse caso, um assistente, com o bordo cu-bital da mão, fazendo uma pressão leve sobre a li-nha mediana, interceptará as vibrações da parededeixando passar aquelas devidas ao líquido ascíti-co. A sensação de onda é também obtida nos tu-mores líquidos do abdome, por isso não serve parao diagnóstico diferencial. Ela deixa de aparecerquando a quantidade de líquido é muito pequenaficando no decúbito dorsal, quando coletado nosflancos ou quando é em quantidade tal que tornemuito grande a tensão.

Sinal de Bard

Chamada flutuação lombossacra. Percurtem-sea região lombar e põem-se as mãos espalmadasnas duas fossas ilíacas estando o paciente em pé.Sente-se, quando houver líquido, onda originadapelos choques de percussão. A palpação, muitasvezes, permite o diagnóstico diferencial com os tu-mores líquidos do abdome, pois, nesse último caso,pode-se quase sempre obter uma delimitação docisto líquido, o que não é possível na ascite. Quan-do houver tumores móveis ou órgão parenquimato-so aumentado de volume e palpável, nadando nolíquido ascítico, poderemos obter rechaço: peque-nos choques sobre o tumor fazem com que estepenetre profundamente e volte novamente em con-tato com a mão. Esse sinal é suficiente para mos-trar, de modo seguro e evidente, a existência de lí-quido na cavidade peritoneal. Tripier descreve o si-nal do útero leve — é a obtenção do rechaço ute-rino pelo toque vaginal — assim como do útero ex-cessivamente móvel. Ainda pelo toque vaginal, con-segue-se perceber a flutuação e o abaulamento dofundo-de-saco de Douglas em posição em pé. Pelotoque retal, obtemos também sinal de flutuação.

Percussão

É o melhor meio de diagnosticar, com seguran-ça, um derrame peritoneal.

O líquido revela-se por um som maciço ou sub-maciço que contrasta com o timpanismo intestinal.O limite de macicez nas diferentes posições é muitocaracterístico quando realizamos a delimitação emvárias posições.

Decúbito Dorsal

Nessa posição, o líquido, sendo coletado naspartes de maior declive, procurará os flancos, asfossas ilíacas e, só quando a tensão for muitogrande, ocupará também a parte mediana do ab-dome. Portanto, se delimitarmos a submacicez lí-quida, teremos um traçado em crescente de con-cavidade para o epigástrio. Os limites do crescen-te não são muito precisos — temos uma verda-deira escala entre o som timpânico umbilical e amacicez do hipogástrio e dos flancos. São semicír-culos que se sucedem em crescendo de submaci-cez — os chamados círculos de Skoda. Essa ma-neira do líquido se dispor é característica e permi-te diagnóstico seguro com o cisto do ovário, quedá uma ferradura de concavidade voltada parasentido oposto, e com os outros tumores líquidosdo abdome, particularmente os cistos do pâncrease as hidronefroses.

Posição em Pé

Nessa posição, vamos ver todo o líquido cole-tar-se na pequena bacia, fossas ilíacas e hipogás-trio, subindo à medida que aumenta. O seu limitesuperior é dado por uma linha horizontal acima daqual obtemos timpanismo epigástrio. Nota-se amesma graduação entre a macicez líquida e o tim-panismo intestinal, já assinalado.

Decúbitos Laterais

Nesse caso, o líquido se coleta todo no lado so-bre o qual o paciente estiver deitado, com o limi-te superior sendo dado por uma linha horizontalcom grau crescente de submacicez.

Posição de Trendelenburg

Nessa posição, havendo derrame volumoso, oespaço de Traube desaparece.

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Tudo isso que acabamos de expor se refere àsascites livres na cavidade peritoneal, muito mó-veis e abundantes. Nas que são pouco móveis,como nos derrames inflamatórios, a mudança dazona de obscuridade não é tão perceptível e, quan-do há aderência, pode não se verificar mudançada forma e da submacicez com os diferentes de-cúbitos. Nas ascites pequenas, o diagnóstico é maisdifícil, por vezes mesmo impossível. Mueller, estu-dando em cadáveres a quantidade mínima de lí-quido capaz de ser revelada em percussão, che-gou às seguintes conclusões: nas crianças, 100mlnão são demonstráveis, 150ml produzem umasubmacicez pouco clara, e 200ml provocam ma-cicez perfeitamente percutível. No adulto,1.000ml não são revelados pela percussão,1.500ml dão uma leve submacicez, e 2.000mldão submacicez evidente nos flancos, que é mó-vel com os decúbitos. A quantidade varia muitocom o estado das alças intestinais: quando muitometeorizadas, a porção de líquido necessária paraser suspeitada é maior.

Para diagnosticar os derrames pequenos, deve-mos procurar submacicez nas partes em declive,isto é, no decúbito dorsal procuramos nos flancos;nos decúbitos laterais, no flanco do mesmo nome;na posição em pé, no hipogástrio; na posição genu-peitoral, a submacicez aparece na região umbilical.Miguel Couto aconselha procurar os derrames pe-quenos no hipogástrio quando o indivíduo está empé e com o tronco em flexão dorsal. É mister esva-ziar-se a bexiga e, na mulher, conhecer o estado doútero. Não basta, para o diagnóstico, a verificaçãoda submacicez, é necessário certificarmo-nos se émóvel e, além disso, se é dada pelo líquido da ca-vidade peritoneal.

Para o diagnóstico diferencial, devemos formu-lar e eliminar as seguintes hipóteses:1. O colo ascendente cheio de fezes pode dar ma-

cicez nos flancos. Nesse caso, além da falta demobilidade, a lavagem intestinal a fará desa-parecer; há, além disso, submacicez nos lom-bos em posição genupeitoral;

2. Alças intestinais vazias contraídas e parede ab-dominal também contraída como se costumaencontrar nas meningites. Nesse caso, o fenô-meno é geralmente transitório, garantindo coma evolução um diagnóstico precioso;

3. Abundância de líquido nas alças intestinais.Nesse caso, temos sinais pseudoascíticos e sub-macicez móvel com os decúbitos, com limite

horizontal. O diagnóstico se fará porque, emtais casos, a mobilidade é menor e o conteúdointestinal pode variar pela contração da alçaintestinal.

4. Mueller e Queirolo descrevem zonas normaisde submacicez, que atribuem à alça intesti-nal em contração e às fezes. Essas zonas sãovariáveis de dia para dia, num mesmo indi-víduo, e variam com as modificações que sãoproduzidas nas paredes intestinais e no seuconteúdo;

5. Parede abdominal edemaciada estando o indi-víduo em decúbito dorsal, sendo o edema deestase.São esses os chamados sinais de pseudoascite

que devemos conhecer para evitar erros. É necessá-rio também lembrar que esses sinais são apenas per-cussórios, não se revelam à palpação e à inspeção.

Ausculta

À ausculta do abdome nota-se os ruídos hi-droaéreos, que poderão apresentar-se com as ca-racterísticas normais ou estarem aumentadas ou di-minuídas.

Nas situações em que o trânsito intestinal en-contra-se aumentado, os ruídos apresentam-setambém aumentados, porém com timbre normal.

Havendo dificuldade ao trânsito (obstrução ousuboclusão intestinal), os ruídos apresentam-se como timbre metálico (semelhante ao ruído de moedasbatendo umas nas outras).

Havendo ílio adinâmico, como ocorre nas pe-ritonites, o ruído apresenta-se diminuído, podendo,inclusive, deixar de existir.

Nos casos de meteorismo localizado, há fre-qüentemente associação de ruídos hidroaéreos denatureza variada, com significados patológicos di-ferentes.

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