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Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 1 MED RESUMOS 2011 NETTO, Arlindo Ugulino. SEMIOLOGIA DIAGNÓSTICO CLÍNICO DO ABDOME AGUDO (Professor Felipe Rocha e Seminrios – TURMA FAMENE 2007.2) O termo abdome agudo indica qualquer distúrbio não- traumático espontâneo súbito, cuja principal manifestação ocorre na área abdominal, principalmente na forma de dor,e para a qual pode ser necessária uma cirurgia em caráter de urgência. Como existe, com frequência, um distúrbio intra- abdominal subjacente progressivo, o retardo indevido no diagnóstico e tratamento afeta de maneira adversa o resultado. Um abdome agudo deve ser suspeito mesmo quando o paciente apresenta queixas brandas ou atípicas. A história e o exame físico devem sugerir as prováveis etiologias e orientar na escolha dos exames diagnósticos iniciais. Aliás, como veremos ao longo deste capítulo, o exame clínico é primordial no diagnóstico dos diversos tipos de abdome agudo, ao ponto de fazer dos demais exames, em muitos casos, meros procedimentos complementares. O médico deve, então, decidir se há exigência de uma observação no hospital; se são necessários exames adicionais; se a operação precoce está indicada; ou se o tratamento não-operatório seria o mais adequado. TIPOS DE DOR ABDOMINAL A dor é o aspecto mais comum e predominante de um abdome agudo. A cuidadosa consideração da localização, modalidade de estabelecimento e de progressão, e o caráter da dor vão sugerir uma lista preliminar de diagnósticos diferenciais. As principais modalidades de dor são: Dor visceral verdadeira: é provocada por distensão, inflamação ou isquemia, que estimula os neurônios (fibras C) dos receptores ou por envolvimento direito (por exemplo, infiltração maligna). A sensação centralmente percebida, geralmente, é lenta em seu estabelecimento, maciça, difusamente localizada, e protraída. Diferentes estruturas viscerais estão associadas a diferentes níveis sensoriais da coluna vertebral. Devido a isso, a tensão aumentada da parede decorrente da distensão luminal ou a contração vigorosa de um músculo liso produz a dor difusa, profundamente situada, sentida na porção média do epigástrio, área periumbilical e nos flancos. A dor visceral é mais frequentemente percebida na linha média, por causa do suprimento sensorial e lateral para a medula. Dor somática (parietal): decorre devida a irritação direta do peritônio parietal, somaticamente inervado por fibras nervosas C e A-delta, estimuladas por pus, bile, urina ou secreções gastrointestinais, e que levam a dor mais exatamente localizada nos segmentos de T6 a L1. A dor parietal é mais facilmente localizada que a dor visceral, é convencionalmente descrita como ocorrendo em um dos quadrantes abdominais ou na área abdominal epigástrica ou central. Dor referida: indicam sensações nocivas (usualmente cutâneas) percebidas em um sítio distante daquele de um estímulo primário forte. Por exemplo, a dor decorrente da irritação subdiafragmática por ar, líquido peritoneal, sangue ou uma lesão de massa é referida ao ombro por meio do nervo mediado por C4 (frênico). A dor também pode ser referida a partir de lesões supra-diafragmáticas como a pleurisia ou a pneumonia de lobo inferior. Ainda há a dor biliar referida, que é percebida na região escapular direita, mas que ainda pode mimetizar uma angina do peito, quando é percebida no tórax anterior ou área do ombro esquerdo. OBS 1 : Nas vias que levam à percepção da dor visceral referida, ocorre a participação de elementos componentes da cadeia de neurônios, responsável pela sensibilidade somática. No corno posterior da medula, muitas das fibras aferentes viscerais contraem sinapse com neurônios secundários, que recebem, também, neurônios procedentes de zonas superficiais do corpo. Conseqüentemente, a representação cerebral de estímulos vindos das vísceras pode ser interpretada como procedente da superfície, no dermátomo correspondente ao do neurônio somático, que se contactou com o neurônio secundário, comum a ambas as procedências. Em outras palavras, há fibras somáticas e fibras viscerais que carreiam impulsos a neurônios secundários, comuns a ambas, no corno posterior da medula, originando percepção de dor em área que não coincide, exatamente, com aquela de origem dos estímulos.

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MED RESUMOS 2011NETTO, Arlindo Ugulino.SEMIOLOGIA

DIAGNÓSTICO CLÍNICO DO ABDOME AGUDO(Professor Felipe Rocha e Semin�rios – TURMA FAMENE 2007.2)

O termo abdome agudo indica qualquer distúrbio não-traumático espontâneo súbito, cuja principal manifestação ocorre na área abdominal, principalmente na forma de dor, e para a qual pode ser necessária uma cirurgia em caráter de urgência. Como existe, com frequência, um distúrbio intra-abdominal subjacente progressivo, o retardo indevido no diagnóstico e tratamento afeta de maneira adversa o resultado.

Um abdome agudo deve ser suspeito mesmo quando o paciente apresenta queixas brandas ou atípicas. A história e o exame físico devem sugerir as prováveis etiologias e orientar na escolha dos exames diagnósticos iniciais. Aliás, como veremos ao longo deste capítulo, o exame clínico é primordial no diagnóstico dos diversos tipos de abdome agudo, ao ponto de fazer dos demais exames, em muitos casos, meros procedimentos complementares.

O médico deve, então, decidir se há exigência de uma observação no hospital; se são necessários exames adicionais; se a operação precoce está indicada; ou se o tratamento não-operatório seria o mais adequado.

TIPOS DE DOR ABDOMINALA dor é o aspecto mais comum e predominante de um abdome agudo. A cuidadosa consideração da localização,

modalidade de estabelecimento e de progressão, e o caráter da dor vão sugerir uma lista preliminar de diagnósticos diferenciais.

As principais modalidades de dor são: Dor visceral verdadeira: é provocada por distensão, inflamação ou isquemia, que estimula os neurônios (fibras

C) dos receptores ou por envolvimento direito (por exemplo, infiltração maligna). A sensação centralmente percebida, geralmente, é lenta em seu estabelecimento, maciça, difusamente localizada, e protraída. Diferentes estruturas viscerais estão associadas a diferentes níveis sensoriais da coluna vertebral. Devido a isso, a tensão aumentada da parede decorrente da distensão luminal ou a contração vigorosa de um músculo liso produz a dor difusa, profundamente situada, sentida na porção média do epigástrio, área periumbilical e nos flancos. A dor visceral é mais frequentemente percebida na linha média, por causa do suprimento sensorial e lateral para a medula.

Dor somática (parietal): decorre devida a irritação direta do peritônio parietal, somaticamente inervado por fibras nervosas C e A-delta, estimuladas por pus, bile, urina ou secreções gastrointestinais, e que levam a dor mais exatamente localizada nos segmentos de T6 a L1. A dor parietal é mais facilmente localizada que a dor visceral, é convencionalmente descrita como ocorrendo em um dos quadrantes abdominais ou na área abdominal epigástrica ou central.

Dor referida: indicam sensações nocivas (usualmente cutâneas) percebidas em um sítio distante daquele de um estímulo primário forte. Por exemplo, a dor decorrente da irritação subdiafragmática por ar, líquido peritoneal, sangue ou uma lesão de massa é referida ao ombro por meio do nervo mediado por C4 (frênico). A dor também pode ser referida a partir de lesões supra-diafragmáticas como a pleurisia ou a pneumonia de lobo inferior. Ainda há a dor biliar referida, que é percebida na região escapular direita, mas que ainda pode mimetizar uma angina do peito, quando é percebida no tórax anterior ou área do ombro esquerdo.

OBS1: Nas vias que levam à percepção da dor visceral referida, ocorre a participação de elementos componentes da cadeia de neurônios, responsável pela sensibilidade somática. No corno posterior da medula, muitas das fibras aferentes viscerais contraem sinapse com neurônios secundários, que recebem, também, neurônios procedentes de zonas superficiais do corpo. Conseqüentemente, a representação cerebral de estímulos vindos das vísceras pode ser interpretada como procedente da superfície, no dermátomo correspondente ao do neurônio somático, que se contactou com o neurônio secundário, comum a ambas as procedências. Em outras palavras, há fibras somáticase fibras viscerais que carreiam impulsos a neurônios secundários, comuns a ambas, no corno posterior da medula, originando percepção de dor em área que não coincide, exatamente, com aquela de origem dos estímulos.

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TIPOS DE ABDOME AGUDOO abdome agudo é, portanto, toda condição dolorosa desta parte do organismo, em geral de início súbito e que

requer uma decisão rápida, seja ela clínica ou cirúrgica. Constitui um dos problemas mais importantes para o médico não só pela frequência com que ocorre como também pelas dificuldades diagnósticas que pode vir a apresentar.

O conceito de abdome agudo pode ser simplificado como qualquer dor que acometa o abdome de um indivíduo previamente sadio, durando cerca de 6 horas e sendo necessário uma intervenção cirúrgica ou clínica.

O abdome agudo pode ser classificado por meio da sua respectiva fisiopatologia: Abdome agudo inflamatório: a dor apresenta uma característica variável, apresentando uma progressão de

acordo com a causa. Geralmente é associada a náuseas, vômitos, mal-estar geral, febre, sinais de irritação peritoneal (sensibilidade dolorosa à palpação, abdome contraído ou em tábua, ausência da respiração abdominal, etc). As principais causas são: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, doença inflamatória pélvica, diverticulite aguda.

Abdome agudo obstrutivo: a dor tende a ser do tipo cólica e o paciente tende a apresentar um abdome distendido. O que acontece, geralmente, é uma parada de eliminação de gases e fezes. O paciente pode apresentar ainda náuseas e vômitos. As principais causas são: aderências (PO), neoplasia de cólon, volvo de sigmóide, bolo de áscaris, obstrução pilórica, hérnia encarcerada e estrangulada, bridas, corpos estranhos, cálculo biliar, intussuscepção (entrada de uma alça intestinal dentro da outra). No raio-X, as alças intestinais apresentam-se dilatadas.

Abdome agudo perfurativo: é o tipo de abdome agudo que mais causa peritonite. A dor abdominal é de forte intensidade, fazendo com que apareça o abdome em tábua. É caracterizado, principalmente, pelo pneumoperitônio e história anterior de úlcera. As principais causas são: úlcera péptica, câncer gastrointestinal, febre tifóide, amebíase, divertículos de cólons, perfuração do apêndice, perfuração da vesícula biliar.

Abdome agudo vascular (isquêmico): dor abdominal intensa relacionada com história anterior de arteriopatias crônicas, IAM, AVC, claudicação abdominal (dor após a alimentação). O que acontece é uma eliminação de líquido necrótico causada por trombose arterial periférica, embolia arterial ou trombose venosa mesentérica. As principais causas são: trombose da artéria mesentérica, torção do grande omento, torção do pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico.

Abdome agudo hemorrágico: tende a cursar com dor abdominal intensa, síndrome hipovolêmica, sinais de irritação peritoneal. As principais causas são: gravidez ectópica, rotura de aneurisma abdominal, cisto hemorrágico de ovário, rotura de baço, endometriose, necrose tumoral.

Abdome agudo ginecológico: referido por alguns autores como sendo uma modalidade específica da mulher. Contudo, o tema ainda é discutido na literatura tendo em vista que suas principais causas podem ser, facilmente, enquadradas nas demais classificações de abdome agudo.

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ABDOME AGUDO INFLAMAT�RIOAbdome agudo inflamatório é caracterizado pela dor abdominal decorrente da inflamação aguda ou crônica do

peritônio causada por agentes diversos (bacterianos, químicos, físicos), e/ou secundária a uma inflamação prévia de vísceras abdominais (apendicite, pancreatite, colecistite, enterites). Neste caso, há disseminação e implantação de células inflamatórias no peritônio, caracterizando o quadro. O abdome agudo inflamatório representa a causa mais frequente de abdome agudo.

ETIOLOGIAOs principais agentes etiológicos do abdome agudo inflamatório são bactérias aeróbicas e anaeróbias. Contudo,

não há padrão único, mas sim, variável conforme região, causa, flora hospitalar e centros de cuidados intensivos. De um modo geral, as bactérias mais comuns no que diz respeito ao órgão acometido são:

Esôfago: Gram-positivas e cândida; Estômago: Gram-positivas e cândida; Vesícula: enterococos, Gram-negativas, anaeróbios e Clostridium perfringens; Intestino delgado: enterobacteriáceas; Apêndice: Gram-negativas, E.coli e anaeróbios; Cólon e reto: anaeróbios (Bacteroides fragilis, clostridium, cocos anaeróbios) e enterobacteriáceas; Ginecologia: anaeróbios.

As principais causas de abdome agudo inflamatório são: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, doença inflamatória pélvica, diverticulite aguda. Podemos considerar a apendicite aguda como o protótipo deste tipo de abdome e, sobre ela, faremos alguns comentários quando necessário.

QUADRO CLÍNICO E CARACTERÍSTICAS DA DORConsiste no quadro clínico menos dramático, quando comparado a outras causas de abdome agudo. É

caracterizado por uma dor branda e contínua, que se torna intensamente centralizada em uma área bem definida dentro de 1 ou 2 horas. Esta modalidade de início é mais típica de colecistite aguda e pancreatite aguda.

A dor do abdome aguda inflamatório é caracterizada por: Modo de aparecimento e curso. A dor de uma gastroenterite aguda costuma ser auto-limitada, enquanto, em

outras doenças, pode ter caráter progressivo. Considera-se, como uma regra geral, que para a maioria dos pacientes, as dores abdominais fortes, que se apresentam em pessoas que antes estavam bem, com duração de até seis horas, são sugestivas de que o caso exigirá tratamento cirúrgico.

Localização inicial, mudança de local e irradiação. A dor visceral, como regra, localiza-se na linha mediana ou em suas imediações, e estará localizada tanto mais para baixo dessa linha quanto mais distal estiver a lesão no tubo digestivo e em outras vísceras abdominais.

o Na área A da figura 3, correspondente ao epigástrio e imediações, costumam localizar-se as dores da úlceras gástrica e duodenal, das gastrites agudas, das colecistites e pancreatites, das obstruções intestinais altas, da apendicite (fase inicial), dos abscessos subfrênicos, das hepatites agudas e até de afecções supradiafragmáticas, como pneumonias, angina e infarto do miocárdio.

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o Na �rea B da figura 3, correspondente ao mesog�strio e adjac�ncias, localizam-se as dores de afec��es agudas do intestino delgado (infec��es, obstru��o, isquemia, distens�o), da apendicite (fase inicial) e da pancreatite aguda.

o Na �rea C da figura 3, correspondendo ao hipog�strio e zonas lim�trofes, e em todo o baixo ventre, situam-se as dores do intestino grosso (obstru��o, isquemia, distens�o, diverticulite, apendicite), de doen�as ginecol�gicas (salpingite, gravidez ect�pica, afec��es dos ov�rios) e urol�gicas (cistites).

o Quando o perit�nio parietal � atingido por um processo inflamat�rio ou irritativo agudo, a dor abdominal tende a migrar e localizar-se na regi�o correspondente � da les�o e ter irradia��es mais ou menos caracter�sticas (figura 4).

Intensidade e tipo. As dores mais intensas costumam ser provocadas pelas afec��es agudas de car�ter inflamat�rio, isqu�mico ou obstrutivo. Entretanto, uma condi��o estritamente funcional, como o espasmo de uma v�scera oca, pode produzir dor de forte intensidade. A dor “em pontada” ou “em facada” apresenta-se em processos inflamat�rios , que envolvem o perit�nio.

Fatores agravantes e fatores que aliviam. S�o, principalmente, relacionados a posi��es que o doente assume. Pacientes com peritonite movem-se o m�nimo poss�vel, e a deambula��o e a trepida��o (por exemplo, no autom�vel, ao ser transportado ao hospital) pioram a dor. Nas afec��es inflamat�rias do retroperit�nio, como nas pancreatites, o paciente tende a fletir o tronco em rela��o aos membros inferiores ou p�r-se em posi��o de c�coras.

Sinais e sintomas associados. A febre baixa e constante � comum nas condi��es inflamat�rias. A desorienta��o e letargia extrema, combinada a uma febre muito alta (maior que 39�C), ou a febre oscilante ou com calafrios, significa o choque s�ptico eminente. Esta � mais frequente decorrente da peritonite avan�ada, colangite aguda e pielonefrite.

Os sinais sist�micos acompanhantes (taquicardia, taquipn�ia, sudorese, choque) logo suplantam os dist�rbios abdominais, e ressaltam a necessidade de reanima��o e laparotomia imediata. Isso pois a sudorese, palidez, bradicardia, hipotens�o arterial, n�useas e v�mitos s�o sinais de que a dor, efetivamente, tem grande intensidade, mesmo colocando-se � parte os componentes ps�quicos que estejam interferindo no quadro cl�nico.

Al�m destes sintomas que sugerem gravidade, outros inespec�ficos podem acompanhar a dor abdominal. Entre eles, destacam-se: anorexia, n�usea e v�mito, constipa��o e diarr�ia. Estes n�o possuem valor diagn�stico.

DIAGNÓSTICOA história e o exame clínico fornecem o diagn�stico em mais de 90% dos casos de abdome agudo na mulher e

em aproximadamente 98% dos casos no homem (os dois sexos somam cerca de 89% dos casos). Contudo, podemos lan�ar m�o de exames laboratoriais e radiol�gicos complementares para o diagn�stico de muitas condi��es cir�rgicas, para exclus�o das etiologias cl�nicas ordinariamente n�o tratadas por opera��o, e para prepara��o pr�-operat�ria.

Exames adicionais s�o aconselh�veis apenas se eles tiverem a probabilidade de alterar ou melhorar significativamente as decis�es terap�uticas. No uso mais liberal dos exames diagn�sticos est� justificada para os pacientes idosos ou gravemente doentes, nos quais a hist�ria e os achados f�sicos podem ser menos confi�veis e um diagn�stico precoce pode ser vital para garantir um resultado bem sucedido.

Exame clínico.O exame cl�nico � considerado o mais importante e fidedigno (ao ponto de tornar os demais exames

insignificantes). Tanto � que, na maioria dos casos de abdome agudo inflamat�rio, a cirurgia pode ser indicada apenas baseada em par�metros cl�nicos. � importante avaliar os seguintes pontos:

Hist�ria pregressa: ginecol�gica, medicamentosa, familiar, cir�rgica. A hist�ria ginecol�gica � bastante importante: � fundamental questionar sobre o per�odo do ciclo sexual, atraso menstrual, corrimento vaginal (sinal de doen�a inflamat�ria p�lvica). A doen�a inflamat�ria p�lvica � o principal diagn�stico diferencial com a apendicite.

Sintomas: dor abdominal (caracter�sticas), v�mitos, constipa��o, outros sintomas: anorexia, urin�rios. Exame f�sico:

o Geral: sinais sist�micos, febre.o Abd�men: o principal par�metro f�sico para diagn�stico do abdome agudo inflamat�rio � a palpa��o

atrav�s de sinais semiol�gicos especiais como o Blumberg, Rovsing, Murphy, Jobert, Lapinsky (psoas), obturador, Cullen, Grey-Turner, Kehr, Lenander. Contudo, o mais importante achado no exame f�sico � o sinal de defesa abdominal (sinal da contratura muscular involunt�ria).

o Exame reto-vaginal.

Exame físico.O exame cl�nico do paciente deve incluir o exame f�sico geral, o exame do segmento cef�lico e do pesco�o, do

t�rax e do abdome, dos membros e do sistema nervoso. No exame f�sico do abdome, destacamos: Inspeção. Geralmente, apresenta-se como abdome em t�bua. Contudo, a inspe��o � pouco espec�fica para o

abdome agudo inflamat�rio e tem pouco valor diagn�stico.

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Ausculta. A redu��o dos ru�dos ou, mais ainda, sua aboli��o, constituem elemento semiol�gico indicativo de aus�ncia de movimentos das al�as intestinais, sugerindo que o abdome agudo esteja acompanhado de peritonite. Exceto para os padr�es mais extremos, as muitas variantes de ausculta ouvidas em outras condi��es as tornam, em grande parte, in�teis para o diagn�stico espec�fico.

Palpação. Quando o perit�nio parietal for afetado por um processo inflamat�rio ou irritativo, haver� hiperalgesia � palpa��o, na mesma regi�o anat�mica onde se situa o processo patol�gico. Al�m disso, desencadeia-se um fen�meno reflexo, que faz com que haja aumento de tens�o, at� mesmo, rigidez da musculatura, na �rea correspondente. Durante a palpa��o, os seguintes sinais devem ser considerados:

o Sinal de Murphy: o examinador toca o fundo da ves�cula no ponto c�stico e solicita a inspira��o for�ada do paciente. O sinal de Murphy � positivo se o paciente reagir com uma contratura de defesa e interrup��o da inspira��o. Sugere colecistite aguda.

o Manobra da descompressão súbita e Sinal de Blumberg: comprime-se o ponto de McBurney (ponto apendicular), na fossa il�aca direita, at� o m�ximo tolerado, descomprimindo subitamente. Esse sinal � positivo quando ocorre um aumento s�bito da dor ap�s a descompress�o. Sugere, geralmente, apendicite aguda com inflama��o de perit�nio. Inicialmente, esta manobra foi descrita para a fossa il�aca direita nos casos de apendicite aguda supurada; no entanto, ela � positiva em todos os casos de irrita��o peritoneal qualquer que seja a causa. A manobra de provoca��o de dor � descompress�o brusca (DB), feita, cautelosamente, para n�o induzir sofrimento desnecess�rio ao paciente, indicar� peritonite (DB positiva). A localiza��o anat�mica de tais anormalidades indicar� o prov�vel �rg�o comprometido.

o Sinal de defesa abdominal (contratura muscular involuntária): a defesa � avaliada ao se colocar ambas as m�os sobre os m�sculos da parede �ntero-lateral do abdome e deprimindo gentilmente os dedos. A manobra � positiva se houver contratura involunt�ria � palpa��o, denotando dor parietal. � necess�rio, contudo, diferenciar esta contra��o de um espasmo volunt�rio feito pelo paciente. Se o espasmo � volunt�rio, se perceber� que o m�sculo relaxa quando o paciente inspira profundamente pela boca (manobra propedêutica). Entretanto, quando o espasmo involunt�rio � verdadeiro (sinal de contratura muscular involunt�ria), o m�sculo permanecer� tenso e r�gido (“em t�bua”) durante toda a respira��o. Este sinal � sugestivo de peritonite e, portanto, de abdome agudo inflamat�rio.

o Sinal de Rowsing: realiza-se a palpa��o profunda e sucessiva, desde o c�lon descendente (na fossa il�aca esquerda), seguindo a moldura do intestino grosso, levando o ar, em sentido contr�rio ao trajeto do bolo fecal, at� o ap�ndice. Este movimento estimula o deslocamento do ar desde a fossa il�aca esquerda at� a regi�o do ap�ndice. A distens�o do ap�ndice sugere uma apendicite aguda.

o Sinal de Giordano: A produ��o de dor pela punho-percuss�o da regi�o lombar indica doen�a inflamat�ria do retroperit�nio (e/ou afec��o das vias urin�rias).

Percussão. A hipersensibilidade � percuss�o � semelhante � provocar � hipersensibilidade por recha�o. Ambas refletem a irrita��o peritoneal e dor parietal.

OBS2: A associa��o entre o sinal de defesa abdominal involuntária e o sinal de sensibilidade localizada (dor � palpa��o profunda e/ou superficial em topografia espec�fica do abdome) confirma o diagn�stico cl�nico de abdome inflamat�rio agudo. Isso acontece porque a dor parietal � caracter�stica do abdome agudo inflamat�rio (diferentemente da dor visceral).

Exames laboratoriais.Aconselha-se que dois exames devam ser feitos em pacientes que apresentem o quadro de abdome agudo: o

hemograma e a an�lise de rotina da urina. Exame de sangue. O hemograma dar� informa��es sobre a ocorr�ncia de anemia e de suas caracter�sticas,

cuja presen�a n�o s� auxilia a confec��o do diagn�stico, como, tamb�m, fornece ao cirurgi�o elementos para a indica��o de transfus�o de sangue, com vistas a eventual opera��o de urg�ncia. No abdome agudo inflamat�rio, temos os seguintes achados:

Hemograma mostrando leucocitose com neutrofilia acentuada. A leucopenia � comum em peritonites avan�adas.

Hemat�crito aumentado devido � perda de l�quido para 3� espa�o. Ur�ia e Creatinina aumentadas. Estas s�o importantes principalmente quando a hipovolemia � esperada

devido ao choque, v�mito ou diarr�ia copiosa, distens�o abdominal tensa ou retardo de v�rios dias depois do in�cio dos sintomas.

Hemossedimenta��o: Quando aumentado, significa destrui��o tissular; pouco alterada na apendicite Aguda; elevada nos processos inflamat�rios p�lvicos.

A determina��o da amilasemia � dado laboratorial muito �til para o diagn�stico das pancreatites agudas ou das recidivas agudas das pancreatites cr�nicas. A amilasemia aumenta quando h� pancreatites, perfura��es gastroduodenais e obstru��es intestinais. Sua eleva��o no sangue permanece, no m�ximo, por 24 a 48 horas, da� a import�ncia de se fazer a sua determina��o na urina (2 a 5 dias).

Exame do líquido ascítico: A contagem de polimorfonucleares, no l�quido asc�tico de paciente com suspeita de peritonite bacteriana espont�nea, indicar� esse diagn�stico, quando for acima de 250/mm3.

Exame de urina: verificar pi�ria, cistite, pielite e nefrite. A presen�a de hemat�ria revela infec��es urol�gicas (apendicite retrocecal).

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Exames de imagem. Ultra-sonografia. Sendo um exame absolutamente inócuo, sem contra-indicações, de baixo custo, disponível na maioria dos

hospitais e capaz de fornecer, com rapidez, imagens muito úteis para o diagnóstico do abdome agudo, a ultra-sonografia é um aliado indispensável para o clínico. Modelos portáteis de aparelhos de ultra-sonografia permitem que o exame de imagem seja feito em seguida ao exame físico, no próprio leito do paciente, propiciando maior rapidez para a obtenção do diagnóstico. Embora pleno de facilidades, o exame ultra-sonográfico exige muita capacitação do profissional que o faz e o interpreta. O fato do ultrassom ter especificidade e sensibilidade relativamente baixas, pode acusar resultados resultados falso-positivos (por ser pouco específico) e falso-negativos (por ser pouco sensível). Embora a USG seja mais sensível do que específica.A ultrasonografia é o exame particularmente útil para confirmar ou afastar hipóteses diagnósticas levantadas durante o exame clínico de causas de abdômen agudo inflamatório. As apendicites, as colecistites, as diverticulites, a gravidez ectópica e as doenças inflamatórias pélvicas e do trato urinário são diferenciadas com segurança através da USG.A USG, por ser um exame útil para avaliar ovários, trompas e útero, além do apêndice, consegue traçar diagnóstico diferencias de doenças ginecológicas com outras causas de abdome agudo (como a própria apendicite aguda), principalmente quando há dúvidas no exame físico.

Tomografia (TC): A tomografia computadorizada, cada vez mais, vem ganhando importância na elucidação diagnóstica do abdômen agudo. Por ter alta sensibilidade e especificidade (S98% e E97%), é o exame ideal para os casos de clínica duvidosa. Do ponto de vista propedêutico, a TC deve ser solicitada nos casos de exame clínico duvidoso e USG inconclusiva. A tomografia helicoidal permite que o exame do abdômen seja feito em menor tempo do que o faz a tomografia axial.Contudo, ela não é um bom exame para avaliar útero, trompas e ovário, fazendo com que ela seja menos vantajosa do que a videolaparoscopia. Suas vantagens são:

Distingue massas inflamatórias e líquido intraperitoneal, Evidencia ar nas vias biliares ou na veia porta, Detecta gás fora do tubo intestinal ou na sua parede ou na parede vesicular, É útil no diagnóstico da isquemia ou infarto intestinal, revelando gás e espessamento da parede intestinal e por

vezes oclusão vascular e gás na rede venosa mesentérica, Diagnóstico e avaliação da pancreatite aguda, É capaz de examinar toda a cavidade abdominal e pélvica.

Videolaparoscopia: exame fundamental para avaliar melhor os órgãos femininos, principalmente no que diz respeito ao diagnóstico diferencial com endometriose e, especialmente, com doenças inflamatórias pélvicas, caso o USG seja inconclusivo (sendo esta sua principal indicação). Além disso, a videolaparoscopia serve para o tratamento de uma eventual apendicite, o que impõe vantagens a ela com relação à TC. A laparoscopia pode ser útil para separar doenças que têm indicação de tratamento clínico daquelas que devem ser tratadas por meio da cirurgia. Como exemplo, em mulher em idade fértil e peritonite no quadrante inferior direito, permite diferenciaruma apendicite aguda de uma salpingite aguda ou da rotura de folículo ovariano.

OBS3: Nota-se que, depois do exame clínico, podemos optar pela ultrassonografia como primeiro exame complementar a ser solicitado caso seja necessário. Contudo, caso a USG seja inconclusiva, devemos lançar mão da tomografia ou da videolaparoscopia. A videolaparoscopia deve servir como segunda opção para as mulheres (uma vez que ela avalia melhor os órgãos genitais femininos, permitindo diagnósticos diferenciais da doença inflamatória pélvica em casos de exame clínico duvidoso e USG inconclusivo), enquanto que a tomografia serve como melhor segunda opção para os homens, evitando uma laparoscopia desnecessária.

Outros exames menos utilizados para o diagnóstico de abdome agudo inflamatório são: Radiografia: De um modo geral, o exame radiográfico simples do abdome não tem nenhuma importância para o diagnóstico

do abdome agudo inflamatório. Contudo, pela simplicidade e pela facilidade em ser realizado, pode ser solicitado na generalidade dos casos. Além disso, a radiografia simples de abdome é capaz de identificar uma causa comum de abdome agudo inflamatório, que é a presença de cálculo em ureter. As indicações e vantagens da radiografia simples são:

Diagnóstico de doença não suspeitada pelo exame clínico e/ou confirmar diagnóstico clínico; Diagnóstico diferencial entre doenças de tratamentos diferentes (p.ex., pancreatite aguda e úlcera perfurada); Confirmar o diagnóstico de cálculo em ureter; Avaliar os casos de abdome agudo quando o exame clínico é difícil de ser realizado (idoso, traumatismo, criança).

Ressonância nuclear magnética. Não parece oferecer vantagens sobre a TC no abdome agudo. A ressonância magnética, contrastada com gadolínio, é indicada como uma alternativa à tomografia computadorizada, na avaliação e no estadiamento da pancreatite aguda, quando houver intolerância do paciente a contrastes iodados ou insuficiência renal. O emprego da ressonância magnética, no diagnóstico da causa de abdome agudo, restringe-se, praticamente, à avaliação das afecções do pâncreas e das vias biliares e não suplanta os resultados da tomografia computadorizada, a não ser nas condições especificadas acima.

Outros exames. A lavagem peritoneal é útil para o diagnóstico da presença de hemoperitônio, decorrente de rotura de órgãos, da presença de pus ou outros materiais provenientes de rotura ou perfurações de órgãos tubulares. A laparotomia exploradora está indicada na suspeita de rotura de órgãos ou de aneurisma e em outras condições em que o retardo de uma intervenção poderá pôr em grave risco a vida do paciente. A cistografia deve ser feita em caso de suspeita de lesão de bexiga. A colangiografia venosa permite a confirmação do diagnóstico de colecistite aguda em até 2 horas.

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LINHAS GERAIS DE TRATAMENTOEm resumo, o exame cl�nico (principalmente a palpa��o do abdome, quando bem realizada), consiste no procedimento

diagn�stico mais fidedigno diante da suspeita de abdome agudo inflamat�rio, ao ponto de tornar os demais procedimentos insignificantes ou, de fato, meros exames “complementares”.

O tratamento do abdome agudo depende, logicamente, da sua causa de base. A cirurgia, na maioria dos casos, � elei��o (da� o sin�nimo muito utilizado: abdome agudo cir�rgico). A confirma��o diagn�stica atrav�s do exame cl�nico � suficiente para a indica��o cir�rgica.

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ABDOME AGUDO ISQU�MICO (VASCULAR)O abdome agudo isqu�mico (ou vascular) constitui doen�a grave, com mortalidade atingindo 80% na maioria dos estudos.

Tal fato se deve ao diagn�stico quase sempre tardio, e pelo fato de acometer principalmente pacientes idosos, que j� apresentavamv�rias doen�as cr�nicas por si s� graves. Considera-se que, na maioria das vezes, o diagn�stico s� � estabelecido quando o paciente j� se apresenta na fase avan�ada da doen�a (caracterizada pela necrose de al�as intestinais).

A obstru��o aguda das grandes art�rias intestinais � considerada uma cat�strofe abdominal, que resulta na morte da maioria das suas v�timas. Considerada uma doen�a de idosos por sua forte rela��o com a aterosclerose e suas consequ�ncias card�acas, situa��es essas que acometem mais os senis.

Apesar dos avan�os considerados no diagn�stico e conduta cl�nica e cir�rgica dos pacientes com isquemia mesent�rica aguda, a mortalidade e as complica��es tardias como a sindrome do intestino curto permanecem desalentadoramente elevadas.

ETIOLOGIAAs principais causas de abdome agudo isqu�mico s�o:

Embolia da art�ria mesent�rica superior Trombose da art�ria mesent�rica superior Trombose da veia mesent�rica superior Isquemia mesent�rica aguda n�o-oclusiva Colite isqu�mica

Em se tratando de abdome agudo isqu�mico, podemos destacar a isquemia ou oclusão mesentérica aguda como principal causa e que ser� a entidade cl�nica que servir� como prot�tipo deste tipo de abdome agudo.

A Isquemia Mesent�rica Aguda � uma entidade potencialmente fatal cujo diagn�stico exige bastante perspic�cia por parte do m�dico assistente. O desafio de detectar o processo isqu�mico antes que as altera��es irrevers�veis se instalem frequentemente deixa pouco ou nenhum espa�o para atrasos e equ�vocos (BIBLIOMED, 2008).

ETIOPATOGENIA E FISIOPATOLOGIAA fisiopatologia envolve uma les�o isqu�mica inicial (o que leva a les�es precoces na mucosa, torando-se posteriormente

transmurais), perpetuada pelo vasoespasmo reflexo da circula��o mesent�rica e completada pela les�o de reperfus�o. Portanto, o mecanismo b�sico da isquemia intestinal aguda se d� por esta queda abrupta do fluxo sangu�neo mesent�rico

por oclus�o aguda ou por vasoconstric��o prolongada de vasos mesent�ricos.

FATORES DE RISCO PARA ISQUEMIA MESENTÉRICA AGUDA Idade > 50 anos Arritmia card�aca Fibrila��o Atrial IAM recente ICC Anticoncepcional oral (ACO)

Hipercoagulabilidade Queimadura Pancreatite Hemorragia significativa recente ou atual Trombose venosa profunda (TVP)

QUADRO CLÍNICO E CARACTERÍSTICAS DA DORBergan definiu tr�s classifica��es cl�nicas para o abdome agudo isqu�mico: embolia arterial, trombose arterial e

isquemia n�o conclusiva.Embolia aterial Trombose arterial Isquemia não-oclusiva

Dor abdominal difusa e intensa, de in�cio abrupto podendo ser em c�lica ou cont�nua e ser seguida de n�useas ou v�mitos;

Epis�dio de esvaziamento intestinal

Hist�ria de cardiopatia embol�gena (FV)

30% tem hist�ria pregressa de embolia arterial

In�cio insidioso, com dor abdominal vaga, inapet�ncia, n�useas e v�mitos

Pode haver elimina��o de fezes com sangue vis�vel ou oculto

Simula quadro de oclus�o intestinal aguda

Ao exame: Abdome distendido e RHA ou –

Hist�ria prolongada de dor abdominal p�s prandial e perda de peso sugerindo isquemia intestinal cr�nica

Dor ausente ou moderada Fezes sanguinolentas como

sintoma inicial Ao exame: abdome distendido e

pouco doloroso � palpa��o, sugerindo �leo paral�tico

Hist�ria de cardiopatia e uso de digit�licos

P�s-operat�rio de cirurgia card�aca (0,8%)

De um modo geral, o paciente com abdome agudo isqu�mico apresenta, invariavelmente, dor abdominal intensa, difusa, mal-definida e de instalação rápida (diferentemente da dor da apendicite aguda). Esta dor apresenta uma despropor��o intensa quando comparada � cl�nica do paciente. A suspeita diagn�stica � aumentada quando associamos as seguintes condi��es: idade (60 ou mais); cardiopatia grave; arritmia; aterosclerose avan�ada; abdome distendido e doloroso difusamente.

A depender da fase em que se encontra o paciente, a dor pode se apresentar de maneira diferente: Fase precoce: dor em c�lica, espasm�dica e relacionada � alimenta��o. Esta fase pode ser detectada pela arteriografia. Fase tardia: dor intensa, difusa e associa��o � distens�o abdominal e sinais de choque hipovol�mico e/ou s�ptico,

decorrente da necrose de al�as intestinais.

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DIAGNÓSTICO

Exame clínico.O exame clínico é essencial para o diagnóstico do abdome agudo vascular, principalmente através dos seguintes

pontos: História clínica: nela, devemos procurar reconhecer os fatores de risco para isquemia mesentérica aguda (já

listados anteriormente) ou para as demais causas de abdome agudo isquêmico. De um modo geral, devemos questionar a idade (idosos), presença de dor intensa e mal-definida, antecedentes pessoais (infarto agudo, insuficiência cardíaca, uso de ACO, cardiopata crônico).

Exame físico: o Exame físico abdominal: o exame físico do abdome, isolado, é pobre para o diagnóstico de abdome

agudo isquêmico (diferentemente do abdome agudo inflamatório, onde a clínica é soberana), tendo pouco valor diagnóstico. Contudo, a presença de uma história clínica recheada de fatores de risco e relato de dor intensa e mal-definida associados à distensão abdominal difusa à inspeção (sinal completamente diferente do encontrado na apendicite aguda, protótipo do abdome agudo inflamatório), sugere o diagnóstico clínico de abdome agudo isquêmico em estágio avançado (80 a 90% dos pacientes já se apresentam com necrose intestinal). Além da distensão abdominal, é evidente o timpanismo aumentado à percussão do abdome. Se estes aspectos do exame físico estiverem isolados, sem associação aos fatores de risco, talvez não tenham tanto valor semiológico. Caso contrário, isto é, caso haja a associação destes achados físicos a uma história repleta de fatores de risco, o diagnóstico é bastante sugestivo.

o Exame físico geral: alguns sinais sistêmicos podem sugerir a presença de abdome agudo isquêmico, tais como: hipotensão arterial, taquicardia, dispnéia, etc. Portanto, sinais de sepse e/ou de choque são muito comuns na vigência do abdome agudo vascular, mas que raramente acontece no caso de abdome agudo inflamatório ou obstrutivo. De um modo geral, a avaliação destes sinais sistêmicos sugestivos de choque é imprescindível para estabelecer o diagnóstico clínico de abdome agudo vascular.

o Exame proctológico: a presença de sangue ao toque retal é praticamente patognomônico de isquemia mesentérica (ver OBS4). O sangramento é causado pelo desprendimento de mucosa intestinal decorrente da lesão vascular a este órgão. Em curtas palavras, o abdome agudo vascular é a única modalidade de abdome agudo que apresenta sangue ao toque retal.

Personificando um exemplo clínico de abdome agudo vascular teríamos um paciente idoso, com dor abdominal importante, mas difusa e mal-localizada, com distensão abdominal importante e, ao avaliar seus parâmetros hidrodinâmicos, todos se mostram alterados. Muitas vezes, este paciente pode se apresentar em choque hipovolêmico.

Portanto, o choque que acontece precocemente na importância de um abdome agudo estabelece, praticamente, o diagnóstico de abdome agudo vascular.

OBS4: Do ponto de vista diagnóstico, se fosse possível destacar dois pontos do exame físico essenciais para o diagnóstico do abdome agudo vascular, teríamos: (1) a presença de sinais sistêmicos sugestivos de choque; e (2) presença de sangue no toque retal.

Diagnóstico laboratorial.Os exames laboratoriais só são necessários em caso de exame clínico duvidoso. São eles:

Hemograma (leucositose, hematócrito) Amilase sérica (em 50% dos casos) Acidose metabólica (achado precoce e constante) Enzimas de destruição tecidual

Eletrólitos e glicemia (não contribui no diagnóstico) Dosagem de fosfato sérico Dímero-D

Radiografia simples de abdome. Fase incial: diagnóstico de exclusão. Fase tardia:

Distensão e edema de alças Presença de gás na parede intestinal, em ramos da v. porta e na cavidade peritonial

Arteriografia.Consiste no exame padrão-ouro para o diagnóstico da isquemia mesentérica aguda na fase precoce. Deve ser

indicada para todo paciente com suspeita clínica antes da LE. Cada causa de isquemia apresenta achados característicos:

Embolia aterial Trombose arterial Isquemia não-oclusiva Oclusão da AMS e seus ramos Colateral pobre

Porção inicial da artéria mesentérica superior cheia de contraste

Tromboêmbolos

Tronco e ramos da artéria mesentérica superior normais

Múltiplas estenoses Oclusões segmentares Espasmo difuso

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Embora a arteriografia seja o exame ideal para identificar pacientes com isquemia mesentérica aguda na sua fase inicial, a maioria dos pacientes já se encontra na fase avançada da doença. Por esta razão, considera-se que a arteriografia seja um exame de importância irrelevante do ponto de vista diagnóstico do abdome agudo vascular.

LINHAS GERAIS DE TRATAMENTOO tratamento do abdome agudo vascular se baseia em três princípios:

Ressuscitação e tratamento de suporte Correção da causa vascular Ressecção do intestino necrosado

ABDOME AGUDO OBSTRUTIVOO abdome agudo obstrutivo é aquele tipo de condição clínica caracterizada por dor abdominal decorrente de

uma obstrução intestinal, geralmente associada à parada de eliminação de gases e fezes. O sintoma cardinal no abdome agudo obstrutivo é a cólica intestinal, demonstrando o esforço das alças para vencer o obstáculo que está impedindo o trânsito intestinal normal.

EPIDEMIOLOGIA 75% dos casos de obstrução intestinal são causadas por aderências entre alças, provenientes de cirurgias

abdominais prévias; 15% dos pacientes submetidos à laparotomias serão admitidos em serviços de urgência com quadros

obstrutivos. Desses, 3% necessitarão de intervenção cirúrgica para lise das aderências; Aproximadamente, 40% dos pacientes laparotomizados vão apresentar quadro obstrutivo em 10 anos. A principal causa de obstrução no adulto são as bridas e aderências (pós-cirúrgicas), sendo também a principal

causa de obstrução no delgado. As hérnias parietais vêm logo em seguida.

ETIOLOGIA Causas abdominais: Causas extra-abdominais: Obstrução pilórica; Hérnia estrangulada; Bridas; Áscaris; Corpos estranhos; Cálculo biliar; Volvo; Intussuscepção.

Tabes dorsal Compressão da raiz nervosa Fibromialgia

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QUADRO CLÍNICO E CARACTERÍSTICAS DA DORA dor é visceral, localizada em região periumbilical, nas obstruções de delgado, e hipogástrica, nas obstruções de cólon,

intercalada com períodos livres de dor no início da evolução. Os episódios de vômito surgem após a crise de dor, inicialmente reflexos, e são progressivos, na tentativa de aliviar a distensão das alças obstruídas. O peristaltismo está aumentado, exacerbado, e é chamado de peristaltismo de luta.

Este é mais bem caracterizado quando se ausculta o abdome no momento da crise dolorosa e se manifesta por uma cascata de ruídos. Quanto mais alta for a obstrução, mais precoces, frequentes e intensos serão os vômitos, menor a distensão abdominal e mais tardia a parada da eliminação de gases e fezes. Quanto mais baixa a obstrução, maior a distensão abdominal, mais precoce a parada de eliminação de flatos e fezes, e, devido ao supercrescimento bacteriano no segmento obstruído, os vômitos, que são tardios, adquirem aspecto fecalóide.

Febre normalmente não está presente. A desidratação é acentuada pelas perdas provocadas pelo vômito, sendo pior nas obstruções mais altas.

Com o progredir da doença, ocorre o comprometimento da vascularização do segmento obstruído, surgindo irritação do peritônio parietal, manifesta por dor somática, contínua e contratura da parede abdominal, o que geralmente indica sofrimento de alça.

DIAGNÓSTICONa abordagem inicial, mais importante do que diagnosticar a causa da obstrução, é responder a três questões:

se a obstrução é parcial ou completa, se é alta ou baixa e se há necrose ou não.Obstrução alta Obstrução baixa

Causa proximal à válvula íleo-cecal Leucocitose Febre Taquicardia Dor abdominal, geralmente em cólica na região

periumbilical (obstrução de delgado) Obstipação Náuseas Vômitos precoces e frequentes

Causa distal à válvula íleo-cecal Leucocitose Febre Taquicardia Dor abdominal, geralmente em cólica. Dor na região

hipogástrica (obstrução de cólon). Parada de eliminação de gases e fezes Náuseas prolongadas Vômitos mais tardios ou ausentes

Exame clínico.Em resumo, o diagnóstico do abdome agudo obstrutivo é clínico.

História clínica. Durante a anamnese, é importante tomar conhecimento sobre histórico de hérnia, cirurgia prévia, presença de dor em cólica e parada na eliminação de gases, podendo ter vômitos ou não (a depender se a obstrução é alta ou baixa). É necessário avaliar os seguintes fatores de evolução do abdome obstrutivo:

Intensificação das cólicas Distensão abdominal mais acentuada Vômitos de característica fecalóide (obstrução baixa)

Exame físico do abdome:o Inspeção: Abdome distendido: sugere obstrução do intestino delgado; Peristalse visível: sugere obstrução intestinal

avançada e traduz luta intestinal. Portanto, a inspeção é um passo importante para o diagnóstico do abdome agudo obstrutivo, assim como é importante para abdome agudo vascular, mas diferentemente do abdome agudo inflamatório (em que a inspeção é pouco significativa).

o Ausculta: deve sempre ser realizada antes da palpação. Diferentemente das demais modalidades de abdome agudo, a ausculta é essencial para o diagnóstico de abdome agudo obstrutivo.

Ruídos hidroaéreos aumentados nas crises dolorosas se manifesta como uma cascata de ruídos; Ruídos peristálticos sincrônicos: parte média da obstrução do intestino delgado; Ruídos hiperativos (borborigmos) e de timbre metálico podem estar presentes na fase inicial.

o Palpação: deve ser realizada com o paciente em repouso, confortável e em decúbito dorsal. É necessário observar hérnias incisionais e periumbilicais; espasmo involuntário que caracteriza o abdome em tábua; Hipersensibilidade pequena e vaga sugere obstrução não-complicada de vísceras ocas. De um modo geral, a maior importância da palpação na avaliação do abdome agudo obstrutivo se faz no achado de dor à palpação difusa, indicativo de necrose de alça intestinal.

o Percussão: timpanismo acentuado: quando próximo à linha média indica ar aprisionado dentro das alças intestinais distendidas.

Exame proctológico: o toque retal deve ser realizado na maioria dos pacientes com abdome agudo devido à hipersensibilidade difusa ser inespecífica. A ausência de fezes ao toque retal é o sinal propedêutico mais importante que justifica a importância do exame proctológico, indicando ampola retal vazia.

OBS5: Em resumo, o achado de distensão abdominal à inspeção é um sinal semiológico importante para o diagnóstico clínico de abdome agudo obstrutivo; contudo, a ausência deste sinal não exclui a possibilidade do seu diagnóstico. Outro elemento semiológico importante para seu diagnóstico é a peristalse visível (mas o que não é frequentemente possível na prática médica). Contudo, sem dúvida alguma, a ausculta abdominal é o passo propedêutico mais importante para o diagnóstico do abdome agudo obstrutivo, diferentemente das demais modalidades. Através dela, podemos identificar ruídos metálicos e ruídos hidroaéreos aumentados. Contudo, a ausência deste padrão de ausculta também não exclui o diagnóstico de abdome agudo obstrutivo. O timpanismo à percussão também é um aspecto semiológico importante na propedêutica diagnóstica do abdome agudo obstrutivo, justificando a distensão de alças intestinais. Podemos encontrar também o sinal de dor à palpação abdominal difusa, caracterizando necrose de alça intestinal.

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OBS6: Existe mais um elemento que, somado a todos os outros apresentados na OBS5, confirma o diagn�stico de abdome agudo obstrutivo: presen�a de sinais sistêmicos sugestivos de choque, que pode confirmar a presen�a de necrose de al�a intestinal e a repercuss�o hemodin�mica. Este achado tamb�m � comum no abdome agudo vascular. Contudo, enquanto que no abdome agudo obstrutivo h� um tempo de evolu��o mais prolongado para a instala��o da necrose, o vascular � caracterizado pela instala��o r�pida da necrose (de 6 – 12 horas, evoluindo para um quadro mais grave).

Personificando um exemplo cl�nico cl�ssico de abdome obstrutivo, seria aquele paciente com distens�o abdominal, parada na elimina��o de fezes, com ou sem v�mitos, com dor tipo c�lica e toque retal demonstrando aus�ncia de fezes na ampola retal. Todos estes achados estabelecem o diagn�stico cl�nico de abdome agudo obstrutivo.

Exames laboratoriais.Os exames laboratoriais s�o inespec�ficos, prestando-se mais para avaliar as condi��es cl�nicas do paciente,

al�m de orientar a corre��o dos dist�rbios hidroeletrol�ticos e metab�licos. De um modo geral, os objetivos dos exames laboratoriais s�o:

Complementar a impress�o cl�nica; Contribuir para determinada hip�tese diagn�stica; Avaliar o estado geral do doente; Caracterizar a exist�ncia de infec��o; Intensidade de um sangramento; Refletir as repercuss�es sist�micas.

Hemograma: Fornece informa��es sobre ocorr�ncia de anemia e suas caracter�sticas; Fornece evid�ncias da gravidade atual ou potencial de um abdome agudo; Solicitado mais de uma vez, no decorrer do quadro de abdome agudo, para avaliar a evolu��o do processo

patol�gico. Exames de urina:

Pode revelar informa��es �teis; Presen�a de bilirrubina: processo obstrutivo de vias biliares; Hiperbilirrubinemia: urina com cor de ch� que produz espuma quando agitada; Hemat�ria: pode indicar presen�a de c�lculos urin�rios.

Exame de fezes: Sangramento gastrintestinal n�o � comum em abdome agudo; Exame de sangue oculto nas fezes devem ser realizados; Teste positivo: indica les�o de mucosa que pode ser respons�vel pela obstru��o do intestino grosso.

Hiperamilasemia: pode indicar obstru��o intestinal; Outros exames: coagulograma, eletr�litos s�ricos, creatinina;

Exames de imagem.Os exames de imagem devem responder as seguintes perguntas: Existe obstru��o? Qual o n�vel que ocorre?

Qual a etiologia? H� estrangulamento? Radiografia simples do tórax:

Avalia��o pr�-operat�ria; Condi��es supradiafragm�ticas que simulam abdome agudo.

Radiografia simples do abdome: Incid�ncias: Ortost�tica e dec�bito lateral sugerem obstru��o intestinal; As principais altera��es: Distens�o das al�as e presen�a de n�veis hidroa�reos; Aerobilia; Opacidade;

Cole��es abscessos; Presen�a de corpos estranhos. Distens�o gasosa � a regra nas obstru��es e sugere �leo paral�tico, obstru��o intestinal mec�nica e/ou

pseudo-obstru��o. Quanto mais dilatada a al�a mais distal a obstru��o intestinal; Contra-indica��es: Gr�vidas; Pacientes Inst�veis (laparotomia obrigat�ria); Dor inespec�fica e branda.

Radiografia com contraste (exame de trânsito intestinal): N�o faz parte da rotina diagn�stica, pois s� � solicitado apenas em condi��es espec�ficas: em caso de

d�vida diagn�stica. Deve ser feito com contraste hidrossol�vel (com iodo). Na aus�ncia de evidencia cl�nica de perfura��o intestinal, solicitar Enema Baritado para identificar o

n�vel de obstru��o do intestino grosso ou reduzir um v�lvulo de sigm�ide. Tr�nsito intestinal: � poss�vel identificar al�as intestinais dilatadas, com dilui��o e lentid�o da progress�o

do meio de contraste mudan�a abrupta do calibre e do relevo mucoso. Em bridas, observam-se al�as regulares afilando-se progressivamente; Em neoplasias, observam-se contornos irregulares e assim�tricos.

Contra-indica��es: suspeita de perfura��o intestina e estrangulamento de al�a.

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OBS7: De modo especial, devemos destacar a import�ncia da radiografia para o diagn�stico de abdome agudo obstrutivo. Ela chega a configurar o exame mais importante para seu diagn�stico. Por meio deste simples exame, podemos confirmar todos os achados cl�nicos. Sua f�cil disponibilidade eleva ainda mais seu valor proped�utico. Os sinais radiogr�ficos mais importantes para o diagn�stico s�o: n�veis hidroa�reos, distens�o gasosa de al�a, sinal de empilhamento de moedas (decorrente do edema de mucosa intestinal), etc. Estes sinais surgem devido � presen�a de um obst�culo mec�nico � progress�o do bolo fecal em n�vel intestinal (o que nos remete ao fato de que, no �leo paral�tico, estes sinais n�o est�o presentes, estabelecendo o diagn�stico diferencial).OBS8: � importante ressaltar que, em um indiv�duo normal, n�o � comum a presen�a de ar (� radiografia simples) em al�as do intestino delgado. O ar s� deve estar presente no est�mago (bolha g�strica) e no c�lon (devido � presen�a de bact�rias produtoras de gases). A aus�ncia de ar no intestino delgado � explicada pela r�pida passagem deste elemento gasoso deglutido em dire��o ao c�lon gra�as � eficiência do peristaltismo, impossibilitando a sua visualiza��o � radiografia. Portanto, a presen�a de ar no intestino delgado � sin�nimo de algum fator que promova uma resist�ncia ao peristaltismo ou que obstrua a passagem do conte�do intestinal.

Radiografia simples de abdome mostrando volvo de sigm�ide. O c�lon sigm�ide encontra-se dilatado e delimitado por linhas convergentes (paredes) para um ponto �nico (tor��o mesent�rica), com densidade de partes moles na pelve, determinando cl�ssico “padr�o em gr�o de caf�” ou em “U invertido”.

Obstru��o baixa por adenocarcinoma de sigm�ide. Radiografia do abdome em �ntero-posterior, dec�bito dorsal. Observa-se dilata��o acentuada do ceco/ascendente (seta branca) e do transverso (ponta da seta branca). O reto cont�m pequena quantidade de g�s (ponta da seta negra).

Enema opaco mostrando acometimento do c�lon sigm�ide por divert�culos. Nota-se a grande altera��o da anatomia tubular o intestino resultante da presen�a dos divert�culos, inflama��o, espessamento da parede e redu��o do calibre (c�rculo).

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Ultra-sonografia: Para o abdome agudo obstrutivo, a USG tem pouco valor diagn�stico, principalmente devido � presen�a abundante de g�s na via digestiva. As suas principais indica��es s�o:

Na obstru��o intestinal sem grande distens�o; Na suspeita de invagina��o intestinal; Pode contribuir mostrando a imagem de “pseudo rim”.

Tomografia Computadorizada: Melhor qualidade diagn�stica; Aprimorada com uso de contraste oral e venoso; Avalia��o panor�mica de toda cavidade abdominal (outros diagn�sticos); � um bom exame para avalia��o de estrangulamento de al�a (ver OBS9); Util na diferencia��o de oclus�o mec�nica e �leo paral�tico (dilata��o de al�as sem despropor��o). Diferen�a em obstru��o mec�nica e �leo paral�tico: Na mec�nica h� maior dilata��o de al�as,maior

evid�ncia de n�veis hidroa�reos, e “empilhamento de moedas”.

Obstru��o intestinal por bridas: (A) distens�o de al�as do delgado (setas); (B) zona de transi��o de calibre de al�a de �leo distal (local da obstru��o).

OBS9: Embora a TC seja um bom exame para avaliar a presen�a de al�a estrangulada, a melhor forma de identificar esta situa��o (que caracteriza uma condi��o de urg�ncia m�dica) �, de fato, o exame f�sico. Por meio dele, devemos atentar para uma palpa��o dolorosa difusa com defesa abdominal, toque retal com sangue e presen�a de sinais sist�micos de choque. Por esta raz�o, a requisi��o de TC para fins diagn�sticos de estrangulamento de al�a � praticamente invi�vel diante da import�ncia proped�utica do exame f�sico nestas situa��es.

Endoscopia. Quase nunca � solicitada para um paciente com abdome agudo obstrutivo.o Proctossigmoidoscopia: indicada em qualquer paciente com suspeita de obstru��o do intestino grosso,

fezes com sangue macrosc�pico e massa retal;o Colonoscopia: na verdade, s� possui uma import�ncia: pode reduzir um volvo de sigm�ide atrav�s de

descompress�o mec�nica terap�utica. N�o tem, contudo, import�ncia diagn�stica.

Videolaparoscopia. Inicialmente, h� indica��o de laparotomia formal em pacientes com obstru��o intestinal por ader�ncia. Contudo os cirurgi�es devem adquirir novas habilidades laparosc�picas para lidar com essas condi��es intra-abdominais agudas, uma vez que a distens�o de al�as limita a manipula��o das pin�as laparosc�picas, sob o risco de aumentar a morbidade do paciente por perfura��o de al�a. A principal import�ncia da videolaparoscopia � a possibilidade de diferenciar uma obstru��o intestinal simples de uma obstru��o estrangulada, permitindo um melhor planejamento do tipo cir�rgico a ser feito.

LINHAS GERAIS DE TRATAMENTOO tratamento do abdome agudo obstrutivo inicialmente � cl�nico, com descompress�o g�strica atrav�s de sonda

nasog�strica, hidrata��o venosa vigorosa e antibi�tido de largo espectro. Nos casos de obstru��o parcial, ocorre melhora em 75% dos casos em 24h apenas com tratamento cl�nico, indicando-se cirurgia se n�o ocorrer melhora ap�s 48h. Nos casos de obstru��o completa, o tratamento cl�nico prepara o paciente para a cirurgia, que deve ser imediata, principalmente se h� sinais de estrangulamento de al�a.

Independente do grau de obstru��o, o achado de sinais sist�micos sugestivos de choque indica, fortemente, a presen�a de necrose de al�a intestinal, sendo esta uma indica��o absoluta de interven��o cir�rgica.

As medidas de controle pr�-operat�rio s�o: Analg�sicos parenterais para al�vio da dor Sonda nasog�strica em pacientes prov�veis de serem operados e naquele com hemat�mese ou v�mito copioso. Sonda urin�ria em paciente com hipoperfus�o sist�mica Autoriza��o informada para opera��o

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ABDOME AGUDO PERFURATIVOO abdome agudo perfurativo consiste na condi��o dolorosa aguda do abdome secund�ria a perfura��es por

processos de natureza traum�tica, inflamat�ria ou neopl�sica do trato gastrointestinal ou, ent�o, decorrente da ingest�o de corpos estranhos.

ETIOLOGIAO abdome agudo perfurativo � considerado uma das causas mais frequentes de cirurgia abdominal de urg�ncia.

Suas principais causas s�o: �lcera p�ptica (causa mais comum) Neoplasia gastro-intestinal perfurada Febre tif�ide

Ameb�ase Divert�culos do c�lon Perfura��o de v�sceras

FISIOPATOLOGIADe forma resumida, a sua fisiopatologia est� relacionada com a perfura��o visceral decorrente de inflama��o

cr�nica do trato digestivo, de les�o por corpos estranhos ou por les�o neopl�sica. Esta perfura��o causa extravasamento de secre��o e, posteriormente, peritonite qu�mica. Em cerca de 12 horas, a peritonite qu�mica torna-se bacteriana, aparecendo sinais de infec��o.

QUADRO CLÍNICO E CARACTERÍSTICAS DA DORA dor tem início súbito, geralmente dram�tico, j� come�ando de forma intensa e difusa (embora tamb�m

possa ser localizada), rapidamente atingindo seu pico. O seu in�cio s�bito diferencia este quadro doloroso do apresentado pelo abdome agudo inflamat�rio. Geralmente, a dor exprime um car�ter t�o alarmante que faz com que o paciente busque, imediatamente, ajuda m�dica.

Os pacientes costumam saber, precisamente, a hora exata do in�cio do sintoma. O problema adv�m do extravasamento de secre��o contida no trato gastrointestinal para a cavidade peritoneal, o que � traduzido por peritonite.

A dor tipo som�tica � decorrente da irrita��o qu�mica do perit�nio, sendo que, quanto menor o pH, maior a irrita��o. Tanto � que, o exame cl�nico demonstra sil�ncio abdominal e rigidez muscular involunt�ria. A temperatura � normal, e n�usea e v�mito podem estar presentes.

DIAGNÓSTICO

Exame clínico. História clínica: durante a anamnese, � importante questionar sobre: Identifica��o do paciente; Queixa

principal; Manifesta��es cl�nicas mais importantes; Hist�ria pr�via de �lceras p�pticas, neoplasias; Opera�ao Abdominal previa; Uso de medicamentos (especialmente anti-inflamat�rios).

Exame físico:o Inspeção: presen�a de abaulamentos ou retra��es.o Palpação: dor � palpa��o superficial e profunda de todo o abdome, resist�ncia abdominal involunt�ria

(abdome “em t�bua”).o Ausculta: RHA diminu�dos ou ausentes (sil�ncio abdominal).o Percussão: aus�ncia de macicez hep�tica e timpanismo no hipoc�ndrio direito (sinal de Jobert).

OBS10: Do ponto de vista cl�nico, os sinais f�sicos mais importantes para o diagn�stico do abdome agudo perfurativo � o abdome em t�bua � inspe��o e o sinal de Jobert � percuss�o. Contudo, a aus�ncia destes sinais n�o exclui o diagn�stico desta situa��o. De outro ponto de vista, a presen�a do sinal de Jobert n�o � um sinal patognom�nico do abdome agudo perfurativo: podemos encontrar situa��es em que o c�lon distendido invade a regi�o do hipoc�ndrio direito, interpondo-se entre o f�gado e a parede abdominal, simulando um hipertimpanismo nesta regi�o (e, desta forma, ao inv�s de sugerir o diagn�stico de abdome agudo perfurativo, remete � suspeita de abdome agudo obstrutivo). OBS11: Portanto, o sinal de Jobert n�o � espec�fico para abdome agudo perfurativo. Diferentemente do achado de abdome em t�bua � inspe��o – logicamente, se este achado estiver associado ao quadro doloroso, de origem s�bita e intensa.

Exames de imagem. Radiografia simples de abdômen e tórax. Pode ser considerado o exame complementar � cl�nica mais

importante para diagn�stico de abdome agudo perfurativo. Ele revela pneumoperit�nio, sendo o exame de imagem de escolha.

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Radiografia de tórax mostrando pneumoperitônio facilmente identificado em cúpula diafragmática direita e, em menor proporção, na esquerda.

Ultrassonografia: pode ser dificultado devido à presença de ar na cavidade abdominal.

Tomografia: pode não ser mais importante que a radiografia de abdome no caso de abdome agudo perfurativo.

Exame laboratorial.Os exames laboratoriais de nada valem para confirmar o diagnóstico de abdome agudo perfurativo, uma vez que

a maioria dos exames são pouco específicos. De qualquer forma, dispomos: Leucograma Dosagem de uréia Creatinina Eletrólitos Gasometria arterial Bilirrubina

Transaminases Amilase Coagulograma Contagem de plaquetas Exame de urina.

TRATAMENTOAs perfurações viscerais costumam ser divididas em altas (gastroduodenal e delgado proximal), e baixas

(delgado distal e cólon). Para todas elas, de uma forma geral, o tratamento é cirúrgico, através da rafia (síntese) simples da perfuração ou da ressecção da víscera (realizando anastomose primaria ou estomia, logo depois).

O retardo no tratamento, a idade avançada e as doenças sistêmicas associadas contribuem para a maioria das mortes. Portanto, o prognóstico é tanto pior quanto maior o tempo de perfuração.

ABDOME AGUDO HEMORR�GICOO abdome agudo hemorrágico é caracterizado pela dor decorrente da ruptura de vísceras abdominais. A ruptura

espontânea de vísceras parenquimatosas e a ruptura vascular não são situações comuns, sendo o abdome agudohemorrágico mais frequentemente associado ao trauma, pós-operatório e complicações pós-procedimentos (biópsias hepáticas, por exemplo).

ETIOLOGIA Gravidez ectópica rota; Ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas (baço, fígado, etc.); Ruptura vascular espontânea (ruptura de aneurisma de aorta abdominal); Cisto ovariano hemorrágico; Necrose tumoral; Endometriose; Pós-operatório.

QUADRO CLÍNICO E CARACTERÍSTICAS DA DORNos quadros de abdome agudo hemorrágico, além da dor súbita, chama a atenção o rápido comprometimento

hemodinâmico, com palidez intensa e hipovolemia acentuada. Apesar da forte dor, não se encontra contratura muscular no hemoperitônio. Os exames mostram queda progressiva dos níveis hematimétricos.

A ruptura de aneurisma de aorta abdominal acomete geralmente pacientes idosos do sexo masculino, população na qual a incidência do aneurisma é maior. A aterosclerose é a causa principal, mas trauma, infecção (sífilis) e arterites são causas possíveis. A sede mais comum do aneurisma é a aorta abdominal, estando quase todos abaixo das artérias renais. O risco de ruptura aumenta com o tamanho do aneurisma, sendo baixo nos inferiores a 5 cm (50% dos aneurismas que atingem 6 cm se rompem em 1 ano).

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A apresenta��o cl�ssica � a dor abdominal difusa, intensa, associada a hipotens�o e massa abdominal puls�til. Antes da ruptura, o aneurisma passa por um processo de distens�o aguda (dito expans�o), o que leva ao estiramento do plexo nervoso perivascular, gerando dor intensa nos flancos ou no dorso.

DIAGNÓSTICOO local mais comum de ruptura � no retroperit�nio, e o hematoma que se forma cont�m a hemorragia por

algumas horas. O diagn�stico do abdome agudo hemorr�gico pode ser confirmado com a associa��o entre os achados clínicos (principalmente, sinais sist�micos, como os sinais de hipovolemia) e a ultrassonografia.

Contudo, diante da suspeita cl�nica, n�o � necess�rio realizar exames, indicando-se laparotomia imediata (“nenhum paciente com aneurisma roto pode sobreviver se n�o for operado”).

LINHAS GERAIS DE TRATAMENTOAntes do tratamento, � sempre importante sempre ponderar a possibilidade de gravidez ect�pica rota na mulher

em idade f�rtil. O tratamento � a cirurgia imediata, mas a arteriografia pode ser terap�utica.A mortalidade p�s-operat�ria atinge 50%, e complica��es comuns s�o insufici�ncia renal aguda, isquemia

col�nica e isquemia de membros inferiores.