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COOLHUNTING: A DESCONSTRUÇÃO DO MITO BY ANA CAROLINA CAMPOS WWW.TRENDSOBSERVER.COM Trends Observer

Coolhunting: A Desconstrução do Mito

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AnA CArolinA CAmpos mar. 2014sócia-diretora da La rock

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CoolHunting: a desConstrução do mito

1. Introdução 2

2. O Mito 2

3. A Construção do Mito 3

4. A Desconstrução do Mito 3

5. Metodologia – CoolHunting 4

6. Conclusões 5

7. Referências 6

1. Introdução

A prática do CoolHunting, enquanto processo de pesquisa

de Tendências, ainda é pouco compreendida em relação ao seu

real significado. Criou-se um mito no que diz respeito ao pro-

cesso e à figura do CoolHunter (aquele que observa e identifica

manifestações de Tendências), resumindo-o a um profissional

que viaja muito, sempre com uma câmara fotográfica e um blo-

co de anotações. Por suposto, o Coolhunter procura constante-

mente o que é cool, baseado apenas na curiosidade e na intuição,

características estas que são necessárias, mas que constituem

apenas parte do processo.

Para que um CoolHunter possa desenvolver o seu trabalho

com coerência e consistência, torna-se necessário uma metod-

ologia precisa, visto que a prática de CoolHunting acontece

em um sistema altamente complexo de nichos de mercado e de

pesquisa exploratória, lidando principalmente com dados qual-

itativos. Coolhunting não se trata de observação e de imitação,

mas sim de observação e de interpretação. Portanto, somente

através de uma metodologia estruturada e específica, o profis-

sional estará apto para reconhecer padrões e identificar sinais.

Ao longo deste artigo, teremos a oportunidade de eluci-

dar conceitos relacionados com o mito, bem como o processo

de construção e de desconstrução do mito em relação à prática

do CoolHunting.

2. O Mito

No sentido em que se gerou um mito à volta da figura e

da atividade do Coolhunter, para iniciar a abordagem ao tema

definiremos o conceito: uma “narrativa fabulosa de origem pop-

ular; coisa inacreditável; utopia; representação de uma coisa

inteiramente irreal; lenda” (Dicionário da Língua Portuguesa,

1999). Ainda no campo das definições, “etimologicamente,

mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo

mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do

verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar)”

(CHAUI, 1999: 28).

Tendo como base tal conceituação, é possível afirmar

que o CoolHunting pode ser caracterizado como uma narrativa

mítica, dado seu objetivo de narrar, anunciar, nomear e designar

aquilo que é cool, novo e fresco, em determinado espaço, tem-

po e grupo, identificando comportamentos, produtos, serviços

e estilos de vida que ainda não se tornaram populares.

A partir desta definição, começamos a compreender a

associação do mito à prática do CoolHunting, ou seja, como

uma representação do irreal, ainda vista por muitos como algo

somente intuitivo, tendo a câmara fotográfica como o símbolo

maior de representação da figura mítica, sendo que todo mito

possui sua simbologia própria.

3. A Construção do Mito

Para compreender o processo de construção do mito e

relacioná-lo com a mitificação do CoolHunting, abordaremos as

definições do conceito sob a ótica de Roland Barthes e John Fiske.

Para Barthes (1988), o mito não pode ser um objeto, ideia

ou conceito, mas sim uma forma, ou seja, um modo de signifi-

cação. O autor afirma que o mito tem como função deformar,

ou seja, consiste em uma inflexão e não em uma mentira, ou

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até mesmo em uma confissão. Para Fiske (1998), o conceito de

mito normalmente se refere a ideias falsas. Ele acredita que o

mito consiste na compreensão de um dado aspeto da realidade e

defende que os mitos acabam obscurecendo as origens, univer-

salizando-as e fazendo-as parecer imutáveis e justas.

O mito do CoolHunting, objeto deste estudo, vai ao en-

contro da definição de Barthes, pois o imaginário que se criou

em torno da figura do CoolHunter não está totalmente errado,

de fato este profissional utiliza a câmara fotográfica, bloco de

anotações, curiosidade e capacidade intuitiva para desenvolver

seu trabalho. Porém, trata-se de uma deformação na forma como

a figura do CoolHunter e o processo de CoolHunting são vistos,

tomando a parte como o todo, ou seja, focando-se apenas nas fer-

ramentas de trabalho, habilidades e competências, sem levar em

conta a importância de conhecer e saber aplicar a metodologia

necessária para o sucesso do resultado final.

Contudo, partindo da premissa da narrativa e da repre-

sentação de algo pouco realista, está constituído o mito do Cool-

Hunting diante do imaginário coletivo, resumindo a prática à

fotografia, à curiosidade, à intuição, à busca de novidades e à

moda, não proporcionando à metodologia o destaque necessário.

A construção de mitos ocorre desde a Antiguidade e mui-

tas vezes está relacionada com uma narrativa fantasiosa do real.

Logo, o mito configura-se como uma representação da reali-

dade, oriunda do imaginário coletivo, que por sua vez é con-

stituído por símbolos, conceitos e ideias de um determinado

grupo. Assim, o mito é propagado a partir da narrativa, consti-

tuindo elementos simbólicos para explicar a realidade, ou seja,

símbolos que representam referenciais imaginários. Mas a partir

do momento que estas representações da realidade transcendem

o mundo real, adquirem a força de um mito e se tornam ícones.

Para rematar esta questão, apresentamos a definição do imag-

inário baseada em G. Durand:

O conjunto das imagens não gratuitas e das relações de

imagens que constituem o capital inconsciente e pensado do ser

humano. Este capital é formado pelo domínio do arquetipal – ou

das invariâncias e universais do comportamento do gênero hu-

mano – e pelo domínio do idiográfico, ou das variações e mod-

ulações do comportamento do homem localizado em contextos

específicos e no interior de unidades grupais (Durand apud Teix-

eira Coelho, 1997: 212).

4. A Desconstrução do Mito

Tendo conhecimento do mito criado em torno do Cool-

Hunting, torna-se agora necessária uma reflexão acerca desta

figura, bem como a sua relação com o “imaginário coletivo” por

oposição à “realidade”, para que seja possível desconstruir o mito

e esclarecer o trabalho do CoolHunter.

A prática do CoolHunting consiste fundamentalmente na

compreensão do comportamento de consumo por meio de uma

imersão no contexto social, utilizando-se técnicas da sociologia

e da antropologia. O CoolHunter, no seu campo de atuação, está

direcionado para a busca de ideias e de conceitos novos, result-

antes da observação e da análise do quotidiano. Uma visão pan-

orâmica, mas dedicada aos aspetos que podem ter maior influên-

cia sobre as evoluções das motivações de consumo, também faz

parte dos precedentes da pesquisa de Tendências.

Para muitos, o CoolHunting pode ser encarado como uma

“prática adivinhatória”, mas esta não é a realidade, pois não se

trata de futurologia.

O processo envolve curiosidade, essencial para o início da

investigação e a exploração dos dados; experiência intuitiva, que

consiste na intuição fundamentada, ou seja, é preciso ter obje-

tivo e um foco muito bem delineados em relação àquilo que se

procura; capacidade de observação, imprescindível para treinar

os sentidos e manter uma visão constante e crítica do processo;

somadas à utilização da metodologia apropriada.

Factos concretos, fotos e informações isoladas também não

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constituem input suficiente para as etapas seguintes do processo

de pesquisa de Tendências: a análise e a aplicação. O resultado do

material recolhido em campo deve apresentar coerência entre os

sinais encontrados e pertinência em relação aos objetivos defini-

dos. Por fim, em determinadas situações a observação não reside

sobre o objeto observado, mas sim o motivo pelo qual este objeto

pode ser definido como cool. Aqui, estamos a falar do significa-

do, ou seja, da correta interpretação dos sinais emitidos pelos

indivíduos como manifestações socioculturais das tendências e

da evolução da experiência de consumo.

O resultado final do trabalho do CoolHunter, consiste na

entrega de matéria-prima para o delineamento de novos concei-

tos, estratégias, ideias de negócios, produtos ou serviços.

5. Metodologia – CoolHunting

O enfoque metodológico da prática do CoolHunting é dif-

erente dos utilizados em pesquisas de mercado tradicionais, pois

está relacionado a um trabalho contínuo de monitoramento das

mudanças de mentalidades e de comportamento do consumidor.

Ao iniciar a sua pesquisa, o profissional precisa de um

briefing claro e de objetivos definidos, para então poder inves-

tigar os gostos e as motivações de determinado(s) grupo(s) de

consumidores. Logo, a metodologia necessária para a prática do

CoolHunting vai para além do ato de fotografar e de anotar, pois

trata-se de um processo em que o CoolHunter se encontra na

intermediação cultural, o que torna necessário ter a habilidade

de perceber aquilo que é distintivo e novo. Mas para que algo

possa ser categorizado como “novo”, implica saber intercetar e

distinguir, ou seja, perceber aquilo que é distintivo e fresco di-

ante do cenário em que se encontra. Algo pode ser considerado

novo em determinado contexto e não ser em outro. Portanto, é

imprescindível que um CoolHunter aprimore a sua capacidade

de ler os sinais presentes no tecido social.

O profissional ligado à área da pesquisa de Tendências ne-

cessita obrigatoriamente de um background conceptual para at-

uar de forma segura e confiante junto às áreas que irá percorrer

em busca de seus objetivos.

Antecipar o futuro faz parte do processo, mas sem deixar

de lado a importância de conhecer o passado e de entender o pre-

sente. Portanto, a atualização constante e contínua faz parte do

conjunto de atributos deste profissional. Abaixo, seguem algu-

mas sugestões onde é possível encontrar novidades e manter-se

atualizado em relação ao que acontece ao redor:

- artes e exposições

- comportamentos

- sociedade

- jornais / revistas

- livros

- design / arquitetura

- jovens / trendsetters

- hobbies

- música e cultura pop

- cinema / filmes

- cultura / história

Alguns lugares também são de grande importância para

o processo de rastreamento de Tendências, como Londres,

Nova Iorque e Tóquio. Grandes centros urbanos, ou seja, ci-

dades onde tudo acontece e é possível perceber sinais frescos de

manifestações culturais e da sociedade, além de crenças e ori-

entações, resultando num mix inspirador. Mas além do global,

o CoolHunter não deve esquecer de olhar constante e perma-

nentemente para o local. A pesquisa regional, baseada no estudo

da identidade cultural, procura o aproveitamento dos talentos

locais, diferenciação e exclusividade, constituindo excelentes

pólos para a pesquisa de Tendências.

Outro fator importante ao identificar uma tendência, tra-

ta-se de demonstrar a sua rastreabilidade, ou seja, todo o proces-

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so de observação, as pistas coletadas e a construção do raciocínio

durante a fase de investigação, através de imagens e highlights de

informações. Com todas as evidências reunidas, torna-se então

possível descodificar e contextualizar a informação.

Contudo, para além de toda fundamentação necessária,

um CoolHunter precisa de se despir de qualquer preconcei-

to, evitar subjetividades e configurar-se na forma mais neutra

possível ao inserir-se no território de pesquisa. Isto porque a

sugestão de respostas deve ser evitado, a fim de que os dados

coletados não sejam contaminados. Parte-se da premissa que o

pesquisador quando inserido em determinado contexto, deve

observar e escutar sem julgamentos, deixando a análise para a

etapa seguinte. Muito importante também, é não aceitar tudo

como óbvio, questionar e procurar descobrir pistas disruptivas.

6. Conclusões

O CoolHunting começou a ser difundido e reconhecido

como prática de observação, identificação e análise de tendên-

cias, a partir do da publicação do artigo “The Coolhunt” em

1997, escrito por Malcom Gladwell, pela The New Yorker.

Logo, como toda atividade recente, entende-se que o acultur-

amento da população em relação à prática aconteça aos poucos,

de forma a que o processo de difusão das ferramentas, técnicas

e competências necessárias a um Investigador Social sejam com-

preendidos e assimilados.

De um modo geral, a grande massa ainda compreende

muito pouco sobre a prática do CoolHunting, visto que a sua

origem e os reais objetivos foram ignorados diante de infor-

mações incompletas, publicadas em grande parte pelos meios

de comunicação. Tais veículos e outros disseminadores de in-

formação acabam por vezes propagando conteúdo sem o cuidado

necessário de consulta das fontes seguras e qualificadas, no intu-

ito de introduzir o assunto ao grande público.

Além disso, também contamos com o fator “desconheci-

mento”, ou seja, indivíduos que se auto- intitulam “CoolHunt-

ers” sem terem a experiência e o conhecimento necessários

para a prática da atividade. Esta cenário demonstra a procura no

mercado por profissionais devidamente capacitados, que possam

aplicar o CoolHunting de forma qualificada e fundamentada.

É certo que ao longo da experiência e atuação no âmbito

profissional, cada CoolHunter construirá a sua forma de tra-

balhar. Porém, as premissas da metodologia aplicada deverão

estar alinhadas ao cerne das práticas comumente aplicadas no

meio.

Por fim, é necessário frisar que a prática do CoolHunting

não está somente relacionada com o mundo “fashion”. Portanto,

cada vez mais, tal atividade tem se voltado para outros segmen-

tos que visam alinhar os seus produtos e serviços às expectativas

dos consumidores; procurar alternativas diante de ciclos de vida

de produto cada vez menores; obter vantagem competitiva em

mercados altamente competitivos e fragmentados. As empresas

hoje, mais do que nunca, precisam de se antecipar aos compor-

tamentos dos consumidores, de forma a estabelecer e a manter

uma sintonia nos comportamentos socioculturais e de consumo.

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7. Referências

BARTHES, Roland. “Mito Hoje” in Mitologias. Lisboa:

Edições 70, 1988/1957.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12ª Ed. São Paulo:

Ática, 1999.

COELHO, Teixeira. Guerras culturais: arte e política no

novecentos tardio. São Paulo, Iluminuras, 2000.

FISKE, John. Mitos, Sonhos e Mistérios. Lisboa: Edições

70, 1998/1957.

GLADWELL, Malcom. “The Coolhunt”. The New York-

er, 1997.

Dicionário da Língua Portuguesa (1999) Lisboa: Flumin-

ense, Empresa Literária. ISBN 972-555-001-3

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Ana Carolina CamposFormação em Business Administration (MBA) na

Fundação Getulio Vargas. Bacharel em Publicidade e

Propaganda pela Universidade do Sul de Santa Catarina.

Diversos cursos nas áreas de Branding e Tendências.

Trendhunter e sócia-diretora da La Rock.