Upload
diego-cervelin
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
1/10
1
Latusa digital ano 4 N 27 maro de 2007
Pontuaes sobre o trauma em Freud e em Lacan
Sandra Maria Costa Viola*
Tomo o Projeto para uma psicologia cientfica como ponto de partida para
este trabalho. Freud teoriza o aparelho psquico fundamentado em sua
formao de neurologista, assentando seu funcionamento em bases fisio-
biolgicas e em alguns princpios (inrcia, constncia), uma energtica e um
ponto de vista econmico. Sem nos determos no texto, recortaremos
apenas o ponto que nos interessa: algumas pontuaes sobre o trauma.
Freud constri um aparelho de defesa contra o que chega como excesso de
excitao exgena e o que se produz como excitao endgena. Se a
defesa, constituda aqui pelas vias neuronais, no for possvel, um quantum
de excitao resta sem possibilidade de ligao e/ou de escoamento.
No texto, ele afirma que o objeto (de satisfao) surge durante o estado de
urgncia, quando a imagem deixada pela experincia fundamental de
satisfao de novo libidinizada. O trabalho psquico buscar a imagem
que restou da experincia primeira e reencontr-la, no plano da percepo,
como objeto real. Como h um neurnio que no se reencontra, no haver
o reencontro do mesmo objeto. Trata-se, para Freud, de um objeto perdido,
de um ponto de estranhamento, o que aponta, desde ento, para um
desencontro entre o ser humano e o objeto de satisfao.
Podemos pensar que o quantum que resta, experimentado como trauma,
o que surge do desencontro do objeto na segunda experincia de
satisfao.
*Aderente da Escola Brasileira de Psicanlise (EBP).
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
2/10
2
Importante ressaltar que, no mesmo texto, ele postula o estado de
desamparo originrio em que a criana se encontra frente ao mundo
externo e interno, estado de dependncia que ele nomeia de Hiflosikheit.
Tal posio exige que o semelhante (um adulto) intervenha com uma ao
especfica para que a criana possa sobreviver.
Quando a pessoa prestativa efetuou o trabalho da ao especficano mundo externo para o desamparado, este ltimo se encontranuma posio, por meio de dispositivos reflexos, de cumpririmediatamente no interior de seu corpo a atividade necessria paraeliminar o estmulo endgeno. A totalidade deste processorepresenta, ento, uma experincia de satisfao.1
J nos Estudos sobre a histeria, este quantum excessivo de excitao
aparece ligado ao fator sexual, entendido como uma agresso dos pais ou
substitutos contra os filhos, agresso de carter incestuoso. No tendo
recursos para reagir ao acontecimento, a criana ocupa a posio de objeto
de abuso do outro. Como no Projeto, a fora das experincias traumticas
advm do fato de produzirem excitaes to excessivas que o aparelho
psquico no consegue process-las, desestabilizando o princpio de
constncia. O resultado da experincia o sintoma histrico no qual a idia
recalcada e o afeto de angstia convertido. Este o momento em queFreud constri a sua teoria da seduo, sua neurtica.
A teraputica proposta alinhava-se ao mtodo catrtico. Freud e seu amigo
Breuer entendiam que seria necessrio lembrar o que teria sido esquecido
dessas experincias pela via da hipnose e da catarse.
Verificamos, pois, inicialmente, para nossa surpresa, que cada
sintoma histrico individual desaparecia imediata epermanentemente quando conseguamos evocar, nitidamente, alembrana do fato que o provocou e despertar a emoo que oacompanhava e quando opaciente havia descrito aquele fato
1FREUD, S. Projeto para uma psicologia cientfica. Em: Obras Completas. Rio de Janeiro:Imago, 1969, vol I,p. 422.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
3/10
3
com os maiores detalhes possveis e o traduzira empalavras.2
Face aos insucessos e insuficincias desse mtodo que deixava de fora os
impasses da transferncia e da resistncia, como atesta o tratamento deAna O., Freud inventa um novo modo de tratamento: a psicanlise.
Em 1906, em Meus pontos de vista sobre o papel da sexualidade na
etiologia das neuroses reformula o que pensava no final do sculo XIX
como etiologia do trauma. Abdicando de suas construes anteriores, diz
que superestimou acontecimentos que no mais lhe pareciam to precisos.
O elemento traumtico, ou seja, o fato, o carter acidental, perde sua
relevncia e a teoria da seduo d lugar teoria da fantasia. Em outras
palavras, a contingncia do trauma d lugar ao trauma como contingncia.
Desse modo, o importante passa a ser as fantasias que se colocam entre as
impresses infantis e o sintoma.
Esclarecido este ponto, o elemento traumtico nas experinciassexuais da infncia perde sua importncia e o que restou foi acompreenso de que atividade sexual infantil quer espontnea,quer provocada, determina a direo que mais tarde ser tomadapela vida sexual depois da maturidade.3
Temos assim a srie trauma, fantasia e sintoma. E mais: a partir dessa
inovao, a criana aparece implicada, a nfase deixando de ser colocada
apenas em um outro que dela teria abusado. Implicada porque a partir do
auto-erotismo e de suas fantasias sexuais que se constituir o traumtico.
Ao encontrar nos sonhos o ponto opaco chamado por ele de umbigo do
sonho, Freud traz ao mundo uma inovao sem tamanho. Em A
interpretao dos sonhos (1900), a relao do homem com o inconsciente,
com a linguagem, j est assentada de forma a fazer ruptura com qualquer
2FREUD, S. Estudos sobre a histeria, op. cit., vol II, p. 47.
3FREUD, S. Meus pontos de vista sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses,op cit.,vol. VIII, p. 56.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
4/10
4
outra cincia da linguagem, com qualquer outro campo do saber. O trabalho
precioso de condensao e de deslocamento esmiuado por Freud nesse
texto , ainda, da ordem da criao potica.
O sonho da Injeo de Irm, do qual Freud faz uma anlise exaustiva, tomado por ele como o sonho inaugural, um sonho modelo.
Relembro: em 24 de julho de 1895, noite do sonho, Freud est em
Bellevue. Otto, ou Oscar Rie, lhe traz a notcia: Irma no anda bem. Freud
se assusta, escrevendo nessa noite o que ocorrera com Emma Ekstein.
Irma se tratara com ele e se queixara de muitas dores de estmago, de
sensao de nusea e repulsa. Como resultado do tratamento, ficara livre
dos sintomas histricos, mas no perdera os somticos. Freud a encaminhaa Fliess, seu mais importante interlocutor. Ao operar seu nariz, Fliess
esquece ali cinqenta cm de gaze, o que causou graves danos a paciente e
levou-a a outras intervenes. Na mesma noite, Irma aparece no sonho de
Freud. Notemos que no o resto diurno sem importncia que
desencadeia o sonho, mas, justamente, o corte que a notcia faz na
seqncia do dia de Freud, corte em seus pensamentos, produzido naquilo
que, mais tarde, Lacan, seguindo Aristteles, chamar de automaton.
H uma festa, uma ciranda de imagens. Otto, Leopold, Dr. M., Irma, sua
amiga, Martha e ele. Freud repreende Irma por no ter aceitado o
tratamento que ele lhe propusera. Diz que, se ela sente dores, a culpa
dela. Mas a queixa de Irm o leva a pensar se ele teria deixado escapar
alguma causa orgnica. Na janela, lhe pede para abrir a boca: v ento
estruturas crespas, crostas acinzentadas, o branco da garganta de Irm,
pedaos do corpo que ele associa ao nariz e a Fliess.
Em 1900, Freud afirma que o sonho uma realizao do desejo. Mas deque desejo? O desejo inconsciente no cognoscvel; o que se pode
conhecer dele o revestimento fantasmtico. A frmula freudiana que o
sonho uma fantasia em que o desejo realizado.4
4RUDGE, A. O trabalho do sonho.Em: Psych, n 6. So Paulo, 2006, p. 3.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
5/10
5
A fonte do sonho no aqui o retorno de um desejo sexual infantil que
insiste para se realizar, e sim aquilo que da ordem da contingncia (as
palavras de Otto na vspera) na medida em que, para o sujeito Freud, elas
fazem corte na linguagem. Corte que faz furo no simblico, na cadeia de
pensamentos de Freud. Irma, figura condensada no sonho (e que oprprio sujeito Freud), aparece para que o desamparo (Hiflosikheit),
causado no sonhador pelas palavras de Otto, possa ser elaborado e o
princpio do prazer seja restabelecido.
O sonho evoca o ponto em que Freud se divide em relao ao seu desejo de
se separar de Fliess e criar sua teoria. A transferncia apresenta sua face de
resistncia: Freud ainda quer salvar Fliess, aquele em quem tanto confiava,
quer, afinal, se salvar em Fliess.
Poderamos demonstrar quais elaboraes do sonho levariam deduo da
realizao do desejo; de forma alguma, contradiramos Freud. Com
Trimetilamina, a palavra nascida em negrito, Freud enseja a marcha do seu
desejo de psicanlise. Mas d um passo a mais: frente ao branco da
garganta de Irma e da angstia produzida, podemos dizer que
Trimetilamina o novo, a idia nova surgida s margens do umbigo do
sonho, l onde cessam as associaes, l onde Freud elabora o que foi
traumtico o furo produzido pelas palavras de Otto. O que nos autoriza adizer que, j aqui, o traumtico o que fura a cadeia associativa, aquilo
que o trabalho de condensao e deslocamento no d conta.
Em Alm do princpio do prazer (1920), texto em que trabalha as
neuroses traumticas, no sexuais, Freud postula esta outra funo do
sonho que no a de realizar o desejo. Ele observa a repetio de sonhos
traumticos e o acordar angustiado. As brincadeiras infantis no lhe
parecem fontes de prazer, mas de angstia, de desprazer e, apesar disso,
so compulsivamente repetidas pelas crianas. O exemplo princeps o
Fort-Da, que seu neto repete. Freud se pergunta, ento, como relacionar
essa compulso de repetir o que produz desprazer ao princpio do prazer:
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
6/10
6
[...] existe realmente, na mente, uma compulso repetio...resta inexplicado, o bastante para justificar a hiptese de umacompulso repetio, algo que parece mais primitivo, maiselementar e mais pulsional do que o princpio do prazer que eladomina. Mas se uma compulso repetio opera realmente namente, ficaramos satisfeitos em conhecer algo sobre ela, aprendera que funo corresponde, sob que condies pode surgir e qual
sua relao com o princpio do prazer, ao qual, afinal de contas, atagora atribumos dominncia sobre o curso dos processos deexcitao da vida mental.5
Como descrevera no Projeto, Freud sublinha que o fator capital que torna
um acontecimento traumtico a surpresa, quando no h sinal de perigo,
quando a angstia no sinaliza o perigo, ou seja, quando o ser humano
estaria num total estado de desamparo, como na poca de seu nascimento.
Em Alm do princpio do prazer, a funo do sonho, a da repetio,
delimitar bordas daquilo se constitui como inominvel, ponto opaco, ncleo
traumtico, tal como podemos dizer, a funo de Trimetilamina.
Lembramos que em Inibio, sintoma e angstia (1924), ele volta ao
tema do trauma no sexual, tomando o nascimento como primeiro trauma e
modelo dos posteriores. As causas da angstia traumtica so explicadas
economicamente. Numa situao traumtica, diz ele, o aparelho invadido
por grande quantidade de energia, o que experimentado subjetivamentecomo angstia. Freud inclui na constelao de sentimentos ligados
experincia traumtica, a sensao de impotncia, que nos remete ao
desamparo proposto em 1895. Trauma e angstia se ligam em 1924, ao
formular sua teoria da angstia.
O indivduo ter alcanado importante progresso em suacapacidade de autopreservao se puder prever e esperar uma
situao traumtica dessa espcie que acarrete desamparo, em vezde simplesmente que ela acontea. Intitulemos uma situao quecontenha o determinante da tal expectativa de uma situao deperigo. nesta situao que o sinal de angstia emitido. O sinalanuncia: estou esperando que uma situao de desamparosobrevenha ou a presente situao me faz lembrar uma dasexperincias traumticas que tive antes. Portanto, preverei o
5FREUD, S. Alm do princpio do prazer, op. cit, vol. XVIII, p. 37.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
7/10
7
trauma e me comportarei como se ele j tivesse chegado, enquantoainda houver tempo para p-lo de lado. A angstia, porconseguinte, , por um lado, uma expectativa de um trauma e, poroutro, uma repetio dele em forma atenuada.6
Lembremos das postulaes de Rank sobre o nascimento como origem do
trauma. Freud deixa claro, no entanto, que esta hiptese s poderia ser
verdadeira se concebssemos esse momento como mtico, paradigmtico,
no qual se inscrevem sujeito e mundo. No haveria nenhuma anterioridade
traumtica e sim uma operao que produz o trauma, o encontro da criana
com o mundo que no ainda mundo, do qual o choro a marca.
Em A tica da paixo, Marcus Andr Vieira, retomando o artigo de Freud,
afirma que este recusa qualquer possibilidade de ab-reao do traumacomo postulado, no incio de sua obra, pois o trauma estrutural e nada
pode apagar a perda fundamental, sendo ela prpria o que constitui o
aparelho psquico. Desse modo, o caos inicial que surge junto com o sujeito
jamais ser apagado, ser sempre trazido pelo movimento da pulso de
morte. Importante ressaltar que aangstia o que sinaliza o perigo que
evoca o trauma no aparelho psquico, j que ela reproduz o desamparo.
Instaura-se, assim, esta srie: angstia perigo desamparo trauma.
A angstia se mantm assim articulada ao perigo. Situao deperigo toda aquela que evoca a possibilidade de dissoluomiticamente situada em um momento de desamparofundamental.7
No Seminrio, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanlise,
Lacan retoma o estudo da repetio, do trauma e suas interpolaes com o
real, que no tem mais o sentido de realidade. No captulo Da rede dos
significantes, retorna teoria freudiana dos sonhos e traz, novamente, osonho do filho morto, situando o lugar do sujeito entre a trama significante
e o trauma, cujo ltimo recobrimento a fantasia.
6FREUD, S. Inibies, sintoma e angstia, op. cit. vol. XX, p.191.
7VIEIRA, M. A.A tica da paixo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
8/10
8
Retifica a idia da repetio como reproduo e mesmo como
rememorao, dando a ela outro estatuto, uma relao mais prxima com o
real: o que se repete o encontro faltoso com o objeto, um ponto
inassimilvel fora das malhas do princpio do prazer. Discrimina assim os
conceitos de repetio e de transferncia:
Assim no h como confundir a repetio nem com o retornodos signos, nem com a reproduo, ou a modulao pelaconduta de uma espcie de rememorao agida. A repetio algo que, em sua verdadeira natureza, est sempre velado naanlise, por causa da identificao da repetio com atransferncia na conceitualizao dos analistas.8
nas entrelinhas da cadeia significante que a repetio insiste de modo
inassimilvel, quer dizer, o real se produz no automatonda cadeia, como
que por acaso. O real concebido como aquilo que retorna sempre ao
mesmo lugar e o trauma, o real traumtico, como algo a ser tamponado
pela homeostase que norteia o funcionamento do princpio do prazer. Como
Freud, em Alm do princpio do prazer, Lacan considera o alm como a
incidncia da pulso de morte, chamando de real ao que escapa ao sentido,
s significaes que se produzem (S1-S2...).
Concluamos que o sistema de realidade, por mais que sedesenvolva, deixa prisioneira das redes do princpio do prazer umaparte essencial do que , no entanto, e muito bem, da ordem doreal.9
Retomando o sonho Pai no vs que estou queimando, afirma que o
encontro faltoso se deu entre o sonho e o despertar, o sonho visando o no
despertar. Tese pouco favorvel a que o sonho seja realizao de desejo,
ainda que a frase do filho pudesse ser pensada como o desejo do pai de queseu filho ainda estivesse vivo. Lacan afirma que o que desperta o pai a
pulso. Diz que, na verdade, o que nos desperta outra realidade que no,
8LACAN, J. O Seminrio, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanlise (1964).Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 55.
9 Idem, p. 52.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
9/10
9
por exemplo, a realidade do fogo queimando a mortalha, mas sim a
realidade que no se representa, o lugar tenente da representao
(Vorstellungreprsentanz). O que se repete o encontro faltoso, o mau
encontro, aqui entre o filho morto e o pai, um pai que perde o filho e seu
lugar de pai. Referindo-se ao Pai no vs, diz Lacan.
Esta frase, ela prpria, uma tocha ela sozinha pe fogo ondecai e no vemos o que queima, pois a chama nos cega sobre ofato de que o fogo pega no Unterlegt, no Untertragenno real.10
Os sonhos traumticos desvelam justamente o que em viglia, o sujeito no
quer saber. Soller lembra que Freud j nos dizia que um encontro s pode
ser traumtico se interiorizado pelo sujeito, no bastando que alguma coisacaia sobre a sua cabea para que o horror se instale. No entanto, claro
que a segurana da ocorrncia do trauma decorrente da interiorizao,
muitas vezes, tem o peso da repetio do mais de gozar, na tentativa de
recuperao de um gozo.
ric Laurent em O avesso do trauma, em sua interessante leitura, diz que
o que traumatiza o sujeito propriamente a linguagem naquilo que ela tem
de real. Chama a ateno para o fato de que, em nossa poca, h uma
generalizao do trauma, pois tudo o que transborda ao programado lido
como traumtico. Lembra a leitura lacaniana da tese de Freud: viemos ao
mundo com um parasita, o inconsciente. Ou seja, vivemos com um
estranho, a linguagem, diante do que o sujeito produz um sintoma,
constitudo por uma envoltura formal, linguageira, e um ncleo estranho
que no chega ao simblico. Esse ponto de real, impossvel de absoro no
simblico, a angstia traumtica que exige a produo de sentido.
Prope, porm, que se compreenda o traumatismo do real de outramaneira: h simblico no real, ou seja, nascemos imersos num banho de
linguagem apreendida como parasita fora do sentido. Mais perto de
Wittgenstein e de sua pragmtica, Laurent afirma que no aprendemos
nada com o Outro, e sim, com nossos pequenos outros. Nessa perspectiva,
10Idem, p. 61.
7/23/2019 VIOLA, Sandra Maria Costa - Pontuaes Sobre o Trauma Em Freud e Em Lacan
10/10
10
cada um ter que inventar seu grande Outro a partir da estranheza da
linguagem, ou se quisermos, a partir da linguagem como trauma original.
Inventa-se o Outro da linguagem superando a angstia da perdada me causada pela me. Mais profundamente ainda, a imersona linguagem traumtica porque comporta em seu centro umano relao.11
O lao do sujeito com O Outro tem, assim, mais sentido de inveno,
enquanto o sentido do sintoma reduzido e apreendido como contingencial.
O analista pode ser pensado como um bom trauma, porque pe o sujeito a
falar. A anlise passa a ser pensada no como o relato que convm, a
metfora que faltava, mas como uma instalao precria. Desse modo, o
trauma deve ser entendido pelo seu direito e pelo seu avesso: real no
simblico e simblico no real.
11LAURENT, . El revs del trauma. Em: Virtulia,n 6. Revista digital da EOL, junho-julhode 2002. http://www.eol.org.ar/virtualia.