Vanderli Custodio Fundamentos 2012

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  • FUNDAMENTOS TERICO-METODOLGICOS DO ENSINO E DA PESQUISA EM GEOGRAFIA Textos Selecionados das Primeiras Publicaes da

    Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB) GEOGRAFIA (1935-1936) e

    BOLETIM DA AGB (1941-1944

    Vanderli Custdio (org.)

  • F981 FUNDAMENTOS terico-metodolgicos do ensino e da pesquisa em Geografia : textos selecionados das primeiras publicaes da Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB) GEOGRAFIA (1935-1936) e BOLETIM DA AGB (1941-1944). / Org. por Vanderli Custdio. So Paulo, SP : AGB, 2012.

    ISBN: 978-85-99907-04-7

    1. Gegrafo. 2. Geografia. 3. Educao. I. Custdio, Vanderli. II..Ttulo.

    CDU 910

    Renata Cristina Grn CRB10/1113

  • Associao dos Gegrafos Brasileiros Diretoria Executiva Nacional

    Gesto 2010 - 2012

    Presidente: Nelson Rego (Porto Alegre) Vice-Presidente: Heitor Oliveira (Recife) 1 Secretrio: Paulo Roberto Raposo Alentejano (Rio de Janeiro) 2 Secretrio: Leandro Evangelista Martins (So Paulo) 1 Tesoureiro: Fernando Conde (Belo Horizonte) 2 Tesoureiro: Silvio Marcio Montenegro Machado (Florianpolis) Coordenador de Publicaes: Claudinei Loureno (Belo Horizonte) Auxiliar de Coordenador de Publicaes: Paulo Csar Scarim (Vitria) Representantes no CONFEA: Lucimar Ftima Siqueira (Porto Alegre)

    Coletivos

    Publicaes Editor de Publicaes Eletrnicas: Hindenburgo Francisco Pires (Rio de Janeiro) Cludio Ubiratan Gonalves (Recife) Charlles da Frana Antunes (Niteri) Comunicao Pedro Henrique Oliveira Gomes (Rio de Janeiro) Daniel Baliu Fiamenghi (So Paulo) Aracdio de Freitas Barbosa Neto (Florianpolis) Cristiano Silva da Rocha Diogenes (Campinas) Leandro Monteiro Dal B (Florianpolis) Articulao dos GTs Renato Emerson Nascimento dos Santos (Rio de Janeiro) Eduardo Maia (Viosa)

  • Secretaria Renata Ferreira da Silveira (Porto Alegre) Evelin Cunha Biondo (Porto Alegre) Tesouraria Rafael Muniz Pacchiega (So Paulo) Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini (So Paulo) Lara Schmitt Caccia (Porto Alegre) Paulo Cabral Lage (Belo Horizonte) Secretaria Administrativa Caio Tedeschi de Amorim

    Correio eletrnico: [email protected] Pgina na internet: http://www.agb.org.br

  • Prefcio

    O livro eletrnico Fundamentos Terico-Metodolgicos do Ensino e da Pesquisa em Geografia, organizado por Vanderli Custdio, professora e pesquisadora das reas de histria do pensamento geogrfico e de ensino da geografia do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo (USP), fruto da convivncia intensamente estabelecida durante mais de doze anos, no mestrado e no doutorado realizado na USP, com grandes estudiosos da histria do pensamento geogrfico brasileiro como: Manoel Fernando Gonalves Seabra, de quem recebeu orientao no mestrado; Antnio Carlos Robert Moraes, que a orientou no doutorado; Perla Brgida Zusman, com quem efetuou estudos sobre a geografia histrica. A geografia histrica brasileira vem se fortalecendo gradativamente com o surgimento de

    importantes trabalhos meta-histricos que tratam das transformaes do pensamento geogrfico e das geografias do pasado. Esses estudos vm contribuindo para a reconstruo da memria da geografia no tempo. Alguns desses estudos historiogrficos esto demonstrando como a histria do pensamento

    geogrfico brasileiro est profundamente articulada com a histria da Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB). o caso desse livro eletrnico que rene uma coletnea importante de vinte e trs artigos e

    textos selecionados, publicados na Revista Geografia de 1935 a 1936 e no Boletim da AGB de 1941 a 1944. O surgimento dessas duas publicaes para divulgao e a difuso do conhecimento geogrfico, em uma poca marcadamente dominada pela quase inacessibilidade s publicaes estrangeiras, constituiu-se em um marco da formao de pensamento geogrfico que, aos poucos, passou a ter meio, expresso e identidade prpria. Essa coletnea de textos nos oferece um pouco das ideias e concepes de pesquisadores que

    contribuiram para a geografia brasileira, como: Agenor Machado, Aroldo de Azevedo, Carlos Amrico Barbosa de Oliveira, Carlos Drumond de Andrade, General Jos Maria Moreira de Guimares, Henri Hauser, Joo Dias da Silveira, Jos de Oliveira Orlandi, Maria da Conceio Vicente de Carvalho, Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig. Atravs desses autores, o espao geogrfico e o territrio brasileiro passaram a ser um importante objeto de fecundas reflexes e estudos cientficos. Os textos sobre ensino e pesquisa na geografia dessa coletnea, nos faz refletir sobre a

    complexa multiplicidade de saberes eclticos que influiu na formao do pensamento geogrfico brasileiro nos anos de 1930 at meados dos anos de 1940.

  • Esses saberes provenientes de uma tradio majoritariamente positivista que exaltava o surgimento de zonas pioneiras e a luta contra natureza, vinculados a diferentes reas do conhecimento (Histria, Direito, Literatura, Jornalismo, Engenharia, Militar, entre outras), ajudaram a promover os fundamentos terico-metodolgicos da geografia moderna brasileira. A preocupao apaixonada com o ensino da geografia foi uma das caractersticas marcantes da

    geografia daquela poca. As sugestes para o aperfeioamento metodolgico do ensino secundrio apresentadas por Aroldo de Azevedo, Jos de Oliveira Orlandi, Maria da Conceio Vicente de Carvalho e Pierre Monbeig refletiam uma compreenso sobre a importncia da geografia na formao de futuros intelectuais, uma vez que esta propiciaria um despertar de uma viso crtica. Entre os vrios artigos disponibilizados sobre metodologias aplicadas ao ensino da geografia,

    cumpre ressaltar o artigo pioneiro O film cinematographico na geographia de Jos de Oliveira Orlandi, publicado em 1936, em que o autor destaca, de forma inovativa, a importncia da realizao de prticas de ensino de geografia com filmes no ambiente escolar como complemento pedaggico de atividades didticas e de aulas. Preparado para ser lanado no XVII Encontro Nacional de Gegrafos de 2012, o livro

    eletrnico de Vanderli Custdio representa a continuidade e o fortalecimento da perspectiva de resgate de estudos histricos sobre a AGB, e sendo uma importante contribuio devido riqueza das contribuies tericas de seus artigos e textos, se tornar uma fonte de referncia obrigatria da histria da geografia brasileira. Esperamos que o lanamento desse livro eletrnico pela AGB, seja o incio promissor de

    iniciativas voltadas construo do futuro da geografia brasileira.

    Hindenburgo Francisco Pires Editor de Publicaes Eletrnicas da AGB

  • FUNDAMENTOS TERICO-METODOLGICOS DO ENSINO E DA PESQUISA EM GEOGRAFIA Textos Selecionados das Primeiras Publicaes da

    Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB) GEOGRAFIA (1935-1936) e

    BOLETIM DA AGB (1941-1944

    Vanderli Custdio (org.)

  • F981 FUNDAMENTOS terico-metodolgicos do ensino e da pesquisa em Geografia : textos selecionados das primeiras publicaes da Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB) GEOGRAFIA (1935-1936) e BOLETIM DA AGB (1941-1944). / Org. por Vanderli Custdio. So Paulo, SP : AGB, 2012.

    ISBN: 978-85-99907-04-7

    1. Gegrafo. 2. Geografia. 3. Educao. I. Custdio, Vanderli. II..Ttulo.

    CDU 910

    Renata Cristina Grn CRB10/1113

  • Associao dos Gegrafos Brasileiros Diretoria Executiva Nacional

    Gesto 2010 - 2012

    Presidente: Nelson Rego (Porto Alegre) Vice-Presidente: Heitor Oliveira (Recife) 1 Secretrio: Paulo Roberto Raposo Alentejano (Rio de Janeiro) 2 Secretrio: Leandro Evangelista Martins (So Paulo) 1 Tesoureiro: Fernando Conde (Belo Horizonte) 2 Tesoureiro: Silvio Marcio Montenegro Machado (Florianpolis) Coordenador de Publicaes: Claudinei Loureno (Belo Horizonte) Auxiliar de Coordenador de Publicaes: Paulo Csar Scarim (Vitria) Representantes no CONFEA: Lucimar Ftima Siqueira (Porto Alegre)

    Coletivos

    Publicaes Editor de Publicaes Eletrnicas: Hindenburgo Francisco Pires (Rio de Janeiro) Cludio Ubiratan Gonalves (Recife) Charlles da Frana Antunes (Niteri) Comunicao Pedro Henrique Oliveira Gomes (Rio de Janeiro) Daniel Baliu Fiamenghi (So Paulo) Aracdio de Freitas Barbosa Neto (Florianpolis) Cristiano Silva da Rocha Diogenes (Campinas) Leandro Monteiro Dal B (Florianpolis) Articulao dos GTs Renato Emerson Nascimento dos Santos (Rio de Janeiro) Eduardo Maia (Viosa)

  • Secretaria Renata Ferreira da Silveira (Porto Alegre) Evelin Cunha Biondo (Porto Alegre) Tesouraria Rafael Muniz Pacchiega (So Paulo) Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini (So Paulo) Lara Schmitt Caccia (Porto Alegre) Paulo Cabral Lage (Belo Horizonte) Secretaria Administrativa Caio Tedeschi de Amorim

    Correio eletrnico: [email protected] Pgina na internet: http://www.agb.org.br

  • Prefcio

    O livro eletrnico Fundamentos Terico-Metodolgicos do Ensino e da Pesquisa em Geografia, organizado por Vanderli Custdio, professora e pesquisadora das reas de histria do pensamento geogrfico e de ensino da geografia do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo (USP), fruto da convivncia intensamente estabelecida durante mais de doze anos, no mestrado e no doutorado realizado na USP, com grandes estudiosos da histria do pensamento geogrfico brasileiro como: Manoel Fernando Gonalves Seabra, de quem recebeu orientao no mestrado; Antnio Carlos Robert Moraes, que a orientou no doutorado; Perla Brgida Zusman, com quem efetuou estudos sobre a geografia histrica. A geografia histrica brasileira vem se fortalecendo gradativamente com o surgimento de

    importantes trabalhos meta-histricos que tratam das transformaes do pensamento geogrfico e das geografias do pasado. Esses estudos vm contribuindo para a reconstruo da memria da geografia no tempo. Alguns desses estudos historiogrficos esto demonstrando como a histria do pensamento

    geogrfico brasileiro est profundamente articulada com a histria da Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB). o caso desse livro eletrnico que rene uma coletnea importante de vinte e trs artigos e

    textos selecionados, publicados na Revista Geografia de 1935 a 1936 e no Boletim da AGB de 1941 a 1944. O surgimento dessas duas publicaes para divulgao e a difuso do conhecimento geogrfico, em uma poca marcadamente dominada pela quase inacessibilidade s publicaes estrangeiras, constituiu-se em um marco da formao de pensamento geogrfico que, aos poucos, passou a ter meio, expresso e identidade prpria. Essa coletnea de textos nos oferece um pouco das ideias e concepes de pesquisadores que

    contribuiram para a geografia brasileira, como: Agenor Machado, Aroldo de Azevedo, Carlos Amrico Barbosa de Oliveira, Carlos Drumond de Andrade, General Jos Maria Moreira de Guimares, Henri Hauser, Joo Dias da Silveira, Jos de Oliveira Orlandi, Maria da Conceio Vicente de Carvalho, Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig. Atravs desses autores, o espao geogrfico e o territrio brasileiro passaram a ser um importante objeto de fecundas reflexes e estudos cientficos. Os textos sobre ensino e pesquisa na geografia dessa coletnea, nos faz refletir sobre a

    complexa multiplicidade de saberes eclticos que influiu na formao do pensamento geogrfico brasileiro nos anos de 1930 at meados dos anos de 1940.

  • Esses saberes provenientes de uma tradio majoritariamente positivista que exaltava o surgimento de zonas pioneiras e a luta contra natureza, vinculados a diferentes reas do conhecimento (Histria, Direito, Literatura, Jornalismo, Engenharia, Militar, entre outras), ajudaram a promover os fundamentos terico-metodolgicos da geografia moderna brasileira. A preocupao apaixonada com o ensino da geografia foi uma das caractersticas marcantes da

    geografia daquela poca. As sugestes para o aperfeioamento metodolgico do ensino secundrio apresentadas por Aroldo de Azevedo, Jos de Oliveira Orlandi, Maria da Conceio Vicente de Carvalho e Pierre Monbeig refletiam uma compreenso sobre a importncia da geografia na formao de futuros intelectuais, uma vez que esta propiciaria um despertar de uma viso crtica. Entre os vrios artigos disponibilizados sobre metodologias aplicadas ao ensino da geografia,

    cumpre ressaltar o artigo pioneiro O film cinematographico na geographia de Jos de Oliveira Orlandi, publicado em 1936, em que o autor destaca, de forma inovativa, a importncia da realizao de prticas de ensino de geografia com filmes no ambiente escolar como complemento pedaggico de atividades didticas e de aulas. Preparado para ser lanado no XVII Encontro Nacional de Gegrafos de 2012, o livro

    eletrnico de Vanderli Custdio representa a continuidade e o fortalecimento da perspectiva de resgate de estudos histricos sobre a AGB, e sendo uma importante contribuio devido riqueza das contribuies tericas de seus artigos e textos, se tornar uma fonte de referncia obrigatria da histria da geografia brasileira. Esperamos que o lanamento desse livro eletrnico pela AGB, seja o incio promissor de

    iniciativas voltadas construo do futuro da geografia brasileira.

    Hindenburgo Francisco Pires Editor de Publicaes Eletrnicas da AGB

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    FUNDAMENTOS TERICO-METODOLGICOS DO

    ENSINO E DA PESQUISA EM GEOGRAFIA

    Textos Selecionados das Primeiras Publicaes da

    Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB)

    GEOGRAFIA (1935-1936) e

    BOLETIM DA AGB (1941-1944)

    Vanderli Custdio (org.)

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  • 2

    APRESENTAO

    Em 1934 foi criado o curso de Geografia-Histria da Universidade de So Paulo

    (USP)1. No mesmo ano, foi fundada a Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB)2,

    editora dos primeiros peridicos cientficos de Geografia no Brasil a revista denominada

    simplesmente Geografia (1935-1936) e o Boletim da Associao dos Gegrafos

    Brasileiros (1941-1944).

    Com os objetivos de levar ao (re) conhecimento das novas geraes3 uma amostra

    da fertilidade da produo pretrita da Geografia realizada no Pas e, assim, estimular

    pesquisas sobre a construo do campo de saber no Brasil, a rea de Geografia do Instituto

    de Estudos Brasileiros (IEB), o Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana, ambos

    da USP e, a prpria AGB vm recuperar alguns artigos dos referidos peridicos. A seleo

    considerou o tratamento direto ou tangenciado dos fundamentos terico-metodolgicos do

    ensino e da pesquisa em Geografia.

    A anlise dos oito nmeros da Geografia e dos cinco nmeros do Boletim

    possibilitou a verificao da constante crtica dos autores contra a Geografia mnemnica

    ministrada no Pas e, a forma como intentavam uma transformao paradigmtica no rumo

    da Geografia Moderna ou Cientfica, realizada na Europa. O caminho seria por intermdio

    do ensino da disciplina em todos os nveis e, por conta disto, mas tambm com vistas ao

    aprimoramento da atividade de pesquisa, que os artigos so prenhes de sugestes terico-

    metodolgicas.

    1 Em So Paulo existiam outras duas Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras com cursos de Geografia-Histria: a So Bento e a Sedes Sapientiae, anos mais tarde incorporadas Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Contudo, ainda no faziam parte do contexto de uma Universidade sinnimo de ensino e pesquisa conjugados. (SEABRA, M.F.G., 2004, p. 20) 2 A AGB foi criada em 17 de setembro de 1934, na casa de Pierre Deffontaines, na Av. Anglica, no.133, pelo gegrafo e seus companheiros Caio Prado Jnior (advogado e escritor), Rubens Borba de Moraes (biblifilo e biblioteconomista) e Luis Flores de Moraes Rego (gelogo e professor da Escola Politcnica). 3 Todos os artigos foram republicados pela prpria AGB, contudo no conforme a organizao aqui proposta, ou seja, com um temrio definido. Por exemplo, o texto O ensino secundrio da Geografia, de autoria de Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e Maria da Conceio Vicente de Carvalho, da revista Geografia, ano I, n. 4, 1935, p.77, foi publicado no Boletim Paulista de Geografia, n.79, de 2003.

  • 3

    Autores como Agenor Machado, Aroldo de Azevedo, C. Barbosa de Oliveira,

    Carlos Drumond de Andrade, General Moreira Guimares, Henri Hauser, Joo Dias da

    Silveira, Jos de Oliveira Orlandi, Maria da Conceio Vicente de Carvalho, Pierre

    Deffontaines e Pierre Monbeig abordam, de forma explcita ou implcita, concepes de

    Geografia, propostas de ensino da disciplina aos nveis considerados atualmente como

    fundamental e mdio; tcnicas, prticas e fontes de investigao do trabalho do gegrafo

    em campo, no laboratrio e em sala de aula.

    O levantamento, seleo e organizao dos artigos prestaram ao reforo da

    importncia do papel dos peridicos cientficos na divulgao do conhecimento, pois

    contm registros das investigaes em andamento e concludas, de modo rpido e alcance

    amplo.

    Deste livro constam a biografia dos autores, o sumrio completo de todas as edies

    da Geografia e do Boletim com os artigos selecionados grifados, alguns comentrios na

    forma de notas e os textos, quase todos na ntegra, inclusive com iconografia4.

    Lembramos que os originais esto acessveis consulta na biblioteca do IEB-USP e

    na sede da AGB, localizada no Prdio da Geografia-Histria, no Campus So Paulo, da

    USP.

    Boa leitura e bons estudos!

    Vanderli Custdio (So Paulo, agosto de 2010)

    4 Reproduzidas por Fernando Dirio Alves dos Santos e Setor de Imagem e Reprografia do IEB-USP.

  • 4

    Sobre os Autores

    AGENOR MACHADO (1894-1974). Engenheiro Civil. Os exmios conhecimentos em cartografia (Geodsia, Aerofotogrametria) o tornaram professor de Topografia. Como um dos chefes de Servio da Diretoria de Obras do Municpio de So Paulo, em meados da dcada de trinta, teria realizado levantamentos aerofotogramtricos para a implantao do Plano de Avenidas de Prestes Maia. Era scio da AGB em 1935, inclusive na reunio do dia 2 de setembro daquele ano, apresentou o trabalho intitulado A aerofotogrametria no levantamento cartogrfico.

    AROLDO DE AZEVEDO (1910-1974). Gegrafo, bacharel em Direito e professor de ensino mdio. Formou-se no Curso de Geografia-Histria da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras (FFCL)5 da USP, onde tambm foi professor. Autor de dezenas de livros didticos de Geografia utilizados por geraes de estudantes brasileiros. Dentre suas obras ressaltam-se os Subrbios Orientais de So Paulo (1945), Vilas e Cidades do Brasil Colonial (1956) e a organizao do clssico A Cidade de So Paulo, em quatro volumes (1958). Era scio da AGB em 1935.

    CARLOS AMRICO BARBOSA DE OLIVEIRA (1887-19--). Engenheiro. Professor da Escola Normal de Artes e Ofcios Wenceslau Brs e da Escola Politcnica do Rio de Janeiro da Universidade Tcnica Federal. Foi um dos iniciadores da Associao Brasileira de Educao, criada em 1924, no Rio de Janeiro, por um conjunto de intelectuais interessados em discutir os problemas da educao em escala nacional. Da Associao, criadora da revista Educao, tambm participaram Delgado de Carvalho e Everardo Backheuser. No texto original h ilustraes do punho de C. Barbosa de Oliveira. CARLOS DRUMOND DE ANDRADE (1902-1987). Escritor. Farmacutico de formao, nunca atuou na rea. Exerceu vrias atividades, por exemplo, em 1926 foi professor de Geografia e Portugus em colgio secundrio de Itabira (MG). Consta como membro da comisso organizadora local do X Congresso Brasileiro de Geografia, realizado no Rio de Janeiro, em 1944, promovido pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, criada em 1883. Aposentou-se como funcionrio pblico do Servio de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (RJ), em 1962. Autor de inmeros livros de poesia, crnicas, contos e ensaios. Destacam-se Brejo das almas (1934), A rosa do povo (1945) e Boitempo I e II (1986). Associou-se a AGB no ano de 1942. GENERAL JOS MARIA MOREIRA GUIMARES (1925-1940). Militar. Durante quinze anos, de 1925 a 1940, presidiu a Sociedade Brasileira de Geografia6. Ex-colega de Euclides da Cunha na Escola Militar, foi oficial destacado do governo brasileiro em vrias misses no estrangeiro. Lecionou matemtica e Filosofia. Foi Maom e membro de inmeras instituies cientficas e culturais, sendo tambm jornalista e correspondente internacional de vrios jornais brasileiros. Era scio da AGB em 1935.

    5 Atual Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas (FFLCH) da USP. 6 Antiga Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

  • 5

    HENRI HAUSER (1866-1946) Historiador. Foi catedrtico da Sorbonne onde se aposentou em 1935. Renomado e influente na estrutura acadmica francesa indicou muitos dos nomes constituintes do primeiro quadro docente da USP e da Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935, por exemplo, Pierre Monbeig. Na UDF ocupou a cadeira de Histria Moderna e Contempornea do Curso de Geografia-Histria; um de seus assistentes, em 1936, era Srgio Buarque de Holanda. Seus ensinamentos de histria econmica influenciaram em muito a obra de Pierre Monbeig, de quem foi incentivador. Duas de suas obras so: Les mthodes allemandes dexpansion conomique (1916) e Les dbuts du capitalisme (1931). JOO DIAS DA SILVEIRA (1913-1973). Gegrafo. Ingressou na FFCL da USP, como professor assistente, em 1937; doutorou-se em 1946 e chegou a catedrtico de Geografia Fsica. Juntamente com Maria da Conceio Vicente de Carvalho e Ary Frana foi companheiro nas excurses de estudo de Pierre Monbeig pelo Estado de So Paulo, quando Monbeig investigava sobre os Pionniers et planteurs de So Paulo (1952). Elaborou estudos sobre demografia e sobre a Serra da Mantiqueira. Em 1957, convidado pelo governo do Estado de So Paulo, passou a dirigir a recm-criada Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Rio Claro, onde foi responsvel pela composio do primeiro quadro docente da Instituio. Scio da AGB em 1935, foi seu secretrio em 1939. JOS DE OLIVEIRA ORLANDI (1892-1980). Jornalista. Trabalhou no Jornal O Estado de So Paulo e foi um dos fundadores do Museu da Aeronutica no Parque Ibirapuera (SP). Foi secretrio da AGB em 1936. MARIA [DA] CONCEIO VICENTE DE CARVALHO (1906-2002). Qumica industrial. Filha do ilustre poltico e escritor santista Vicente de Carvalho, o poeta do mar. Atuou como professora secundria de Geografia. De ouvinte passou a aluna regular do Curso de Geografia-Histria da USP no ano de 1936, onde depois de graduada tambm lecionou por um perodo nos anos quarenta. Foi a primeira a defender tese de doutoramento em Geografia, com o trabalho intitulado Santos e a Geografia Humana do Litoral Paulista, em 23 de novembro de 1944, sob a orientao de Pierre Monbeig. Era scia da AGB em 1935. PIERRE DEFFONTAINES (1894-1978). Gegrafo. Chegou ao Brasil em 1934, com 40 anos, na primeira misso francesa que comporia os quadros docentes da USP. Estudou Direito (1916) e Histria e Geografia (1918). Foi discpulo de Jean Brunhes e professor do Instituto Catlico de Lille. No Brasil assumiu a Ctedra de Geografia Humana em 1934, mesmo ano em que juntamente com o historiador, j formado em Direito, Caio Prado Jnior; o historiador, bibligrafo e biblioteconomista Rubens Borba de Moraes e o gelogo e professor da Escola Politcnica (criada em 1893) Lus Flores de Moraes Rego fundaram a AGB, na casa de Deffontaines, na Avenida Anglica 133, no dia 17 de setembro. Permaneceu na USP por um ano, retornou Frana e regressou ao Brasil, mas para o Rio de Janeiro onde, em 1935, assumiu a Ctedra de Geografia Humana na recm-criada Universidade do Distrito Federal e criou uma nova verso da AGB. Permaneceu no Pas at 1938.

  • 6

    PIERRE MONBEIG (1908-1987). Gegrafo. Chegou ao Brasil no ano de 1935, com 27 anos, como professor de Geografia Fsica e Humana da USP, mas a partir de 1938 concentrou-se somente em Geografia Humana. Muito atuante, contribuiu para a criao do Conselho Nacional de Geografia em 1937 e ficou frente da AGB por onze anos (1946), quando retornou ao pas de origem. H poucos escritos sobre Monbeig, mas os que o conheceram so unnimes em afirmar que era idolatrado por seus alunos. Legou-nos obras de referncia como Pionniers et planteurs de So Paulo (1952) e Aspectos geogrficos do crescimento da cidade de So Paulo (1954).

  • 7

    Sumrio

    Geografia (1935)

    1. Pierre Deffontaines A Associao dos gegrafos brasileiros (Introduo).......................................................p.11 2. Redator da AGB Geografia......................................................................................................................p.14 3. General Moreira Guimares Em torno de uma definio da Geografia.........................................................................p.15 4. Pierre Monbeig Documentao geogrfica brasileira.................................................................................p.18 5. Agenor Machado O levantamento aerofotogramtrico da Cidade de So Paulo.........................................p.20 6. Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo, Maria da Conceio V. de Carvalho O ensino secundrio da Geografia...................................................................................p.24

    7. Pierre Monbeig Reflexes sobre um trabalho intil...................................................................................p.28 8. Pierre Monbeig Geografia Humana. Geografia para a quarta srie secundria. .....................................p.30

  • 8

    Geografia (1936)

    9. J. O.Orlandi Histria da Carthographia do Brasil...............................................................................p.32 10. J. O. Orlandi Cadeira de Geografia .....................................................................................................p.34 11. J. O. Orlandi A methodologia do ensino geographico..........................................................................p.40 12. J. O. Orlandi O film cinematographico na geographia.........................................................................p.42 13. Pierre Monbeig Questo de methodo ........................................................................................................p.44 14. J. O. Orlandi O Brasil na Unio Geographica Internacional................................................................p.49 15. Pierre Deffontaines e C. Barbosa de Oliveira Pequeno Guia do Viajante Activo....................................................................................p.529 16. J. O. Orlandi O arquivo fotogrfico do gegrafo...................................................................................p.58 17. Aroldo de Azevedo O ensino da Geografia no curso secundrio....................................................................p.66 18. Joo Dias da Silveira A excurso no ensino da Geografia..................................................................................p.69

  • 9

    Boletim da Associao dos Gegrafos Brasileiros (1941-1944)

    19. Redator da AGB I. Histrico Primeiro item do Contedo.........................................................................p.75 20. Redator da AGB O Presente Nmero Primeiro item do Contedo...........................................................p.79. 21. Henri Hauser Algumas fontes da Geografia do Brasil ...........................................................................p.81 22. Carlos Drumond de Andrade Resenha. Ensaios de Geografia Lingustica (resenha bibliogrfica) Livro: Comte. Eugnio de Castro. Col. Brasiliana, vol. 201. Cia. Ed. Nacional. So Paulo, 1941 .....p.86 23. Redator da AGB Dez anos de existncia......................................................................................................p.88

  • 10

    Publicao: GEOGRAFIA, publicao trimestral da Associao dos Gegrafos Brasileiros. So Paulo. Ano I, n.1, 1935. 114 p.7 Comisso de Redao: Dr. L. F. de Moraes Rego, Dr. Geraldo Paula Souza8, Dr. Agenor Machado9, Caio Prado Jnior. SUMRIO10 - A Associao dos gegrafos brasileiros (Introduo) Pierre Deffontaines........p.07 - Consideraes preliminares sobre a gnesis e a distribuio dos solos no Estado de S. Paulo Luiz Flores de Moraes Rego.......................................................p.10 - Destribuio da propriedade fundiria rural no Estado de S. Paulo Caio Prado Jnior................................................................................................................p.52 - Contribuies para a histria do povoamento de S. Paulo at fins do sculo XVIII Rubens Borba de Moraes...............................................................................p.69 - A citricultura em S. Paulo Carlos Wright..................................................................p.88 - Formaes estruturaes, particularmente krsticas, do Municpio de Apia (Estado de S. Paulo) Theodoro Knecht.....................................................................p.98 - Concentrao japonesa em S. Paulo Eddy de F. Crissiuma....................................p.110

    7 A numerao de pginas dos volumes 1, 2 e 3 contnua. A partir do volume 4 foi reiniciada. 8 Geraldo Horcio de Paula Souza (-----1951) foi importante mdico sanitarista, precursor da atual Faculdade de Sade Pblica da USP. Por constar da Comisso de Redao do primeiro nmeo da revista Geografia, comumente confundido com um dos fundadores da AGB. No foi. 9 Agenor Machado tambm , erroneamente, considerado um dos fundadores da AGB. 10 Observa-se neste primeiro nmero a nfase no estudo do Estado de So Paulo era o extraordinrio dinamismo econnico incitando decifrao do enigma.

  • 11

    1

    A Associao dos Gegrafos Brasileiros (Introduo)

    Pierre DEFFONTAINES11

    Ao Brasil, entre todas as naes do mundo, cabe uma responsabilidade geogrfica especial; que possue um dos maiores territrios do universo, e um daquelles em que os fenmenos fsicos atingem maior amplido; em nenhuma outra parte a rede hidrogrfica assume aspetos mais grandiosos, em nenhum outro lugar os fatos de geografia humana se sucedem com maior rapidez e intensidade; h verdadeiras exploses de fenmenos humanos, bruscos povoamentos e despovoamentos, desdobramentos quase instantneos de certas exploraes, transformaes rpidas das paisagens. Os fenmenos humanos aparecem aqui frequentemente no seu estado inicial: com efeito o Brasil possue uma das maiores zonas pioneiras do mundo; em muitas regies o homem ainda se encontra nesta fase empolgante em que inicia a luta contra a natureza. Compreende-se o interesse todo especial em acompanhar taes fatos. A importncia dos estudos geogrficos inegvel em tal paz; eles no foram alis descurados conhecem-se as admirveis narrativas de exploraes j publicadas, e contam-se tambm numerosos cientistas que se dedicaram ao reconhecimento geogrfico do Brasil. Mas at agora estes trabalhos tinham permanecido como ftos isolados, no atingiam um grande pblico cultivado; sobretudo no formaram escola, e o Brasil no possue ainda uma turma de gegrafos. este um dos objetivos principaes que deve almejar o ensino da geografia na Universidade de S. Paulo; o gosto do publico j est orientado neste sentido; constatamo-lo amplamente no curso de conferencias que no ano passado realizamos em S. Paulo. portanto de toda oportunidade a ASSOCIAO DOS GEGRAFOS BRASILEIROS, fundada em redor da cadeira de geografia da Universidade de S. Paulo, e que rene estudiosos e amadores da geografia animados da mesma paixo de descobertas e compreenso do seu paiz. A ASSOCIAO se rene todos os quinze dias, aborda em cada uma das suas reunies um problema geogrfico especial, exposto por um dos membros e discutido pelo grupo; organiza tambm excurses para estudar em comum, no terreno, um aspeto ou uma questo geogrfica. As reunies se tem realizado regularmente, j h vrios meses,

    11 Em 1934 Deffontaines chega e praticamente inaugura o curso de Geografia-Histria da recm-criada Universidade de So Paulo, cria a AGB e a revista Geografia, retorna Frana, regressa ao Brasil em 1935, mas desta vez para o Rio de Janeiro onde, vinculado tambm recm-criada Universidade do Distrito Federal (depois Universidade do Brasil e atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), participa do curso de Geografia-Histria e cria uma AGB. At 1945, ano de mudana estatutria na AGB, ficou-se sem saber se haveria uma ou duas Associaes dos Gegrafos Brasileiros.

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    agrupando um numero cada vez maior de aderentes, estabelecendo relaes com especialistas de cincias conexas, sociologia, higiene, etc. Tornando-se desejvel a conservao do fruto deste trabalho comum, foi decidida a publicao duma revista. Tal iniciativa permitir tambm interessar um grande publico pelo conhecimento dos problemas geogrficos locaes e mesmo geraes, entreter uma opinio favorvel a estes estudos. O publico brasileiro compreender certamente o interesse de uma tal iniciativa, encoraja-la- seguido-lhe os passos com ateno e sentindo a necessidade destes estudos para melhor dirigir uma poltica econmica e social. Depois de multiplicada as monografias locaes, o ideal seria chegar ao reagrupamento de todos estes trabalhos com o fim de constituir uma boa sntese geogrfica do Brasil. Assim a ASSOCIAO DOS GEGRAFOS BRASILEIROS e sua revista permitiro conhecer melhor o paiz, bem como quere-lo mais, e sobretudo melhor o servir.

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    Publicao: GEOGRAFIA, publicao trimestral da Associao dos Gegrafos Brasileiros. So Paulo. Ano I, n.2, 1935. 117-219p. Comisso de Redao: Dr. L. F. de Moraes Rego, Prof. Pierre Monbeig12, Dr. Geraldo Paula Souza, Dr. Agenor Machado, Caio Prado Jnior. SUMRIO - Geografia. Redator da revista............................................................................p.115 - Regies e paisagens do Estado de So Paulo Primeiro esboo de diviso regional, Pierre Deffontaines.....................................................................................................p.117 - Notas sobre uma viagem ao Esprito Santo e Baa Geraldo H. de Paula Souza..........................................................................................................................p.170 - Notas sobre parte da Regio da Chapada de Mato Grosso John Lame..................p.195 - Em torno de uma definio da Geografia Gen. Moreira Guimares..............p.206 CRTICAS E NOTAS - A propsito das regies ridas sul-americanas Pierre Monbeig.............................p.208 - O movimento dos glaciares Caio Prado Jnior.......................................................p.212 BOLETIM DA ASSOCIAO DOS GEGRAFOS BRASILEIROS13 - Contribuio para o estudo das influncias tnicas no Estado do Paran Caio Prado Jnior..............................................................................................................p.214.

    12 A partir do segundo nmero de Geografia, Pierre Monbeig autor constante das publicaes da AGB. 13 O n.1, ano 1 do Boletim da Associao dos Gegrafos Brasileiros foi publicado dentro da Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, ano III, n.1, jan./mar., 1941, s pginas 179-188, na seo reservada s entidades integradas. Mas, o Boletim aparece antes, pois consta do segundo nmero da revista Geografia (1935), como uma de suas sees.

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    GEOGRAFIA

    Redator da revista14

    GEOGRAFIA obteve do publico brasileiro uma acolhida inesperada. Isto prova que a lacuna preenchida era deveras sensvel. Sobretudo entre os membros do magistrio secundrio foi grande o sucesso. Recebemos deles grande numero de cartas solicitando informaes e animando-nos a persistir em nossos propsitos. Explica-se. Os professores em geografia do paiz no podiam deixar de sentir a falta de um rgo especializado; as revistas extrangeiras so prticamente inacessveis maioria deles. Faltava-lhes assim toda e qualquer informao regular sobre assuntos geogrficos. Quanto ao grande publico, GEOGRAFIA provou que j existe da parte dele um enorme interesse por assuntos tcnicos desta natureza. Tudo isto nos anima sobremaneira a no poupar esforos afim de melhorar a revista. J neste segundo numero introduzimos duas novas sees. Em Critica e Notas ser feita a revista dos livros e artigos de maior interesse aparecidos no Brasil e no extrangeiro; incluem-se tambm nesta seo outras notas de interesse geogrfico. Acrecentamos tambm o Boletim da Associao dos Gegrafos Brasileiros. Figuraro neste Boletim as comunicaes feitas15 pelos membros nas reunies da Associao, que se realizam duas vezes por ms. Assim o publico (s/p) ficar ao par dos seus trabalhos, podendo acampanha-los e os aproveitar. Estas novas sees aparecem por ra pouco desenvolvidas. No foi ainda possvel organizar convenientemente o material. Mas j nos prximos nmeros elas se tornaro verdadeiramente amplas. E este um compromisso que tomamos para com os leitores. E assim, procurando melhorar e aperfeioar cada vez mais GEOGRAFIA esperamos merecer a confiana e o apoio do publico, que o nico fator com que contamos para levar avante nossos propsitos, to teis cincia e ao nosso paiz. (s/p)

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    14 Autor inominado. 15 Nas atas da AGB h detalhes dessas comunicaes. Nas reunies, abertas a todos, autores de diversas reas apresentavam suas pesquisas que eram comentadas e debatidas. Alguns trabalhos eram recomendados publicao. Constam como participantes, alm dos fundadores da AGB, Alice Piffer Cannabrava, Aroldo de Azevedo, Ary Frana, Claude Lvy-Strauss, E. de Martonne, Franois Perroux, Joo Dias da Silveira, Jos Carlos de Macedo Soares (embaixador), Maria [da] Conceio Vicente de Carvalho, Mrio Travassos, Nelson Werneck Sodr, Roger Bastide, entre muitos outros. (SEABRA, M. F. G. Os primeiros anos da Associaao dos Gegrafos Brasileiros: 1934-1945. In: Revista Terra Livre, n.22: AGB 70 anos: Trajetirias e Contribuies. So Paulo: AGB, ano 20, v. 1, jan./jul., 2004. p.39-51).

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    Em Torno de Uma Definio da Geografia

    General Moreira GUIMARES16

    Escreveu, no Preussische Iahrbuch, de 1923, Eric Obst: E a geografia uma cincia das mais antigas e das mais modernas. E o conceito, ainda que se no considere sem algumas restries no tocante estrutura de to importante disciplina, lembra o que se acha fora de qualquer duvida. No se constitue de fato uma ciencia, mas foi a geografia, e hontem como hoje, a grande preocupao da creatura humana. Porque a terra, no o cu, sem demora impressionou a toda gente. Impressionou e impressiona. Era a me comum. E ainda no outra coisa, voltando inevitavelmente, cada um de ns, ao p de onde emergimos. Sim. No uma cincia, mas carece dos recursos de todas as cincias. A geografia no vale nada mais do que o estudo concreto da terra. A filosofia, e todas as filosofias falemos a linguagem de Aristoteles formam a razo abstrata, a razo teorica em que o empirismo aparece como alicerce mais ou menos inabalvel das construes humanas. E quando essas filosofias tomam corpo, o que logo se leva a bom termo a regenerao da propria filosofia. No ha benemerencia maior para essas mesmas filosofias, ou as cincias. A razo concreta, entretanto, essa o estudo verdadeiramente objetivo da indstria, da humanidade, da terra, numa palavra, quer nos seus pormenores, quer no seu conjunto. E se tudo se ignora, como olhar a terra, e toda a terra? Fazia-se o estudo do slo, atravs do homem ou com as fantasias que criava o rigor da imaginao. Era uma estranha cosmologia, que resultava de psycologia igualmente estranha. Ali, para a cosmologia, faltavam estas quatro cincias a matemtica, a astronomia, a fsica, a qumica. Aqui, para a psycologia, precisava-se da cincia biologica, e assim da sociologia como da cincia moral, a cincia das cincias. Digamos todo o nosso pensamento: enquanto inexistiam as cincias, o estudo da terra de modo natural se havia de fazer, empiricamente, imperfeitamente, independente das outras cincias. Se no existira nem a matemtica, nem a astronomia, nem a fsica, nem a qumica, seria impossvel o estudo cosmologico da terra. E passaria despercebido o aspto biolgico, seja botnico, seja zoolgico, como o aspto sociologico e o aspto moral da geografia, se acaso inexistissem as cincias da vida em suas varias manifestaes. 16 Presidente da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ), criada em 1883, aos moldes das vrias Sociedades criadas na Europa, no mesmo perodo, com o objetivo de financiar viagens exploratrias frica e sia. O objetivo da SGRJ a partir de 1945, denominada de Sociedade Brasileira de Geografia (SBG) era produzir e divulgar conhecimentos sobre o territrio brasileiro. Com tal intuito realizou 10 Congressos nacionais de Geografia entre 1909 e 1944.

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    Da, a geografia, inicialmente, como simples descrio da terra. Nem coisa diferente indica em verdade a etimologia do vacabulo, o qual se deve, no aos gregos, porem aos alexandrinos. O certo que, na Grecia, com Thales, com Erastostenes, com Aristoteles e poderamos citar outros nomes j se vinha fazendo geografia, embora inmeros obstaculos resultantes da imperfeio da tcnica e de todo o saber da memorvel tradio grega, em que se desenvolve antes a inteligncia que o corao e a mesma atividade humana. E se esta com efeito cresceu ou se desenvolve na tradio romana, no h como negar que o corao tambm se desenvolve na chamada tradio afetiva, em que se impe, como no a alcanara na Grecia, o vulto singular do principe eterno dos verdadeiros filsofos, o imortal Aristoteles. No houve, todavia, uma coordenao no desenvolvimento dessas trs energias da alma individual e da alma coletiva. E veio, por isso mesmo, de muito longe a desordem que tanto abala o mundo inteiro desordem assim no campo teorico em meio das ideas, como no campo da pratica, dentro da indstria e da poltica.

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    Publicao: GEOGRAFIA, publicao trimestral da Associao dos Gegrafos Brasileiros. So Paulo. Ano I, n.3, 1935. p.221-302. Comisso de Redao: Dr. L. F. de Moraes Rego, Prof. Pierre Monbeig, Dr. Geraldo Paula Souza, Dr. Agenor Machado, Caio Prado Jnior. SUMRIO - A zona pioneira do Norte-Paran Pierre Monbeig...................................................p.221 - O fator geogrfico na formao e no desenvolvimento da cidade de S. Paulo Caio Prado Jnior17..............................................................................................................p.239 - As feiras de burros de Sorocaba Pierre Deffontaines...............................................p.263 CRTICAS E NOTAS - Tipos de povoamento no estado de So Paulo Caio Prado Jnior...........................p.271 - Novas observapes sobre o loess da China setentrional Caio Prado Jnior......p.273 - A adaptao da raa branca aos climas tropicaes Caio Prado Jnior......................p.275 - Distribuio das zonas de terremotos na superfcie da terra Caio Prado Jnior......p.277 - A cidade de Buenos Aires Caio Prado jnior...........................................................p.280 - Documentao geogrfica brasileira Pierre Monbeig........................................p.282 - Os servios geogrficos em So Paulo Caio Prado Jnior.....................................p.283 - Ponto extremo Norte do Brasil E. L. Bousquet.......................................................p.284 LIVROS - Os indgenas do Nordeste Estevo Pinto, L.S.........................................................p.285 BOLETIM DA ASSOCIAO DOS GEGRAFOS BRASILEIROS - A margem de factos Geogrficos Sul-Americanos Major Mrio Travassos..........p.288 - A indstria salineira no Estado do Rio de Janeiro Caio Prado Jnior....................p.290 NDICE GERAL DE 1935...........................................................................................p.291

    17 Trata-se de um texto bsico sobre a formao da cidade de So Paulo. Neste volume, desperta ateno o fato de o autor, conhecido por suas obras de cunho econmico, tratar de solo, clima e movimentos ssmicos. Importante lembrar que Caio Prado foi atuante secretrio da AGB no primeiro ano de existncia da entidade: suscitou intercmbios culturais e a obteno de muitos associados. IUMATTI, P.; SEABRA, M. F. G.; HEIDEMANN, H. D. (org.). (2008). Caio Prado Jnior e a Associao dos Gegrafos Brasieliros. So Paulo: Edusp, 2008.

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    Documentao Geografica Brasileira

    Pierre MONBEIG Os estudos geogrficos brasileiros encontraro um auxilio precioso nas publicaes e na documentao de Diretoria de Estatstica de Produo Ministrio da Agricultura. Sob a direo do Sr Rafael Xavier, e graas aos esforos do Sr. Cristvo Leite de Castro18, este servio paree tomar uma orientao nova: o Mensrio de Estatstica da Produo, cuja publicao comeou em janeiro do corrente ano, contm estudos documentados que versam sobre alguns dos principais produtos agrcolas do pas e sobre os Estados; os gegrafos encontraro ai fartas informaes que os interessaro. Os diretores do servio compreenderam perfeitamente a utilidade de reunir uma documentao cientfica, fotogrfica e cartogrfica para o melhor conhecimento do solo brasileiro e de suas riquezas, e devemos esperar que esta iniciativa seja encorajada. No em alguns meses que se podero reunir todos os dados necessrios, e se se quer o erro tradicional de comear um belo trabalho com entusiasmo para depois abandon-lo, ser preciso perseverar apesar das dificuldades, e apoiar aqueles que tm coragem e a inteligncia de se porem a tal tarefa.

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    18 A grafia correta Christovam Leite de Castro (1904-2002). Nascido em tradicional e influente famlia mineira, Christovam, aluno prodgio, se formou engenheiro-gegrafo e civil no Rio de Janeiro. Logo ingressou como estatstico no Ministrio da Agricultura, em seo que se tornaria o ncleo do Conselho Nacional de Geografia (CNG), criado em 1937 pelo Estado Novo (1937-1945). Foi secretrio geral do CNG at 1950. O Conselho foi parte integrante do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), criado em 1938. A AGB foi uma das associaes que o integraram. Por curiosidade, Christovam foi responsvel direto pela implantao do Bondinho do Po-de-Acar no Rio de Janeiro. Nota biogrfica. Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 2009.

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    Publicao: GEOGRAFIA, publicao trimestral da Associao dos Gegrafos Brasileiros. So Paulo. Ano I, n.4, 1935. 97p. Comisso de Redao: Dr. L. F. de Moraes Rego, Prof. Pierre Monbeig, Dr. Geraldo Paula Souza, Dr. Agenor Machado, Caio Prado Jnior. SUMRIO - A Serra do Cubato: comparao com um canto das Cevences francesas Emmanuel de Martonne (Prof. De Geografia na Sorbonne)...........................................p. 03 - Guyana Maranhense Clycon de Paiva..........................................................................p.10 - immigrao e Colonisao Astrodildo Rodrigues de Mello.........................................p.25 - A indstria txtil paulista Branca da Cunha Caldeira...................................................p.50 BOLETIM DA ASSOCIAO DOS GEGRAFOS BRASILEIROS - O levantamento aerofotogramtrico da Cidade de So Paulo Agenor Machado.p.67 - Aspectos geolgicos e fisiogrficos gerais do Nordeste do Brasil L. F. de Moraes Rego................................................................................................................p.72 CRTICA E NOTAS - O ensino secundrio da Geografia Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo, Maria da Conceio Vicente de Carvalho, .................................................................p.77 - Os sistemas agrrios nas ilhas britnicas: um novo processo de pesquiza arqueolgica (I)................................................................................................................p.83 - Contribuio para a fsica dos glaciares H. L. .............................................................p.85 - Evoluo da utilizao da terra em Lebano, New Hampshire (E.U.) Caio Prado Jnior..........................................................................................................p.87 - Formaes litorneas no delta do Mississipi E.T.........................................................p.90 - Reflexes sobre um trabalho intil Pierre Monbeig................................................p.92 LIVROS - Contribuio para a geologia do Estado de Goiaz Guilherme B. Hilward...................p.95 - Geografia Humana. Geografia para a quarta srie secundria Pierre Monbeig.p.96

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    O Levantamento Aerofotogramtrico da Cidade de So Paulo19

    Agenor MACHADO

    O valor de uma boa carta topogrfica reconhecido por todas as administraes pblicas. Sabe-se que ela que orienta a delineao de planos econmicos de saneamentos; por ela se conhecem os stios onde se devem criar servios pblicos, tais como escolas, postos de fiscalizao, etc; que se levantam cadastros e se estabelecem muitas medidas protetoras de interesses administrativos, como por exemplo, a devastao das matas, a delimitao das circunscries administrativas, etc. Das cartas topogrficas servem-se tambm o agricultor, o engenheiro de estradas, o gelogo, o juiz, o industrial, o arquelogo, o simples excursionista. O agricultor se interessa, em geral, por uma planta indicando as matas, os rios, os campos e os cultivados.O excursionista se satisfaz com uma carta em 1:200.000. O gelogo, do seu lado, requer um mapa de escala varivel, mas que deva representar com rigor o relevo do solo. O engenheiro de estradas se interessar por uma carta de conjunto, em primeiro lugar, para estudar o traado geral da via de comunicao, e depois por outra em escala maior, onde so indicados com mincias os vales, as gargantas de passagem, os brejos, as diversas sortes de terras, para que ele possa elaborar um projeto realmente econmico, seja do ponto de vista tcnico, seja do ponto de vista financeiro, isto , executando as estradas pelos lugares que maiores possibilidades econmicas oferecem. Para uma sentena conscienciosa, muitas vezes um tribunal necessita de uma planta indicando com preciso os limites de propriedade e as suas respectivas reas, ou ento, de outra que se localize bem um dado lugar com referncia a um ponto conhecido.E, se pensamos que a defesa militar de um pas no pode jamais ter eficincia se o Estado Maior no dispuser de dados exatos sobre a topografia do terreno onde se desenvolver a ao dos temas contra o inimigo, teremos, s por isto, justificado toda e qualquer despesa que os governos destinam ao levantamento do terreno. A aerofotogrametria est, indubitavelmente, destinada a resolver, de maneira tecnicamente perfeita todos os problemas topogrficos. Se ns, gegrafos, conseguimos impor esta verdade s administraes pblicas, a importncia dos modernos processos de levantamento ser incalculvel. Malgrado todas as cartas topogrficas, os mapas de estradas, as plantas de cidades e tantas outras publicaes do carter informativo que vemos nas bibliotecas e nas livrarias, o Mundo ainda uma incgnita topogrfica. Somente 30% da superfcie da Terra so conhecidos dos gegrafos e apenas 3% foram cadastrados com

    19 As cartas do SARA BRASIL, como ficaram conhecidas, so encontradas em variados estados de conservao em algumas biliotecas de So Paulo. Sabe-se que existem na Biblioteca Municipal Mrio de Andrade, umas poucas folhas na bilbioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humans da USP, uma quantidade razovel no Arquivo de Caio Prado Jnior, sob a guarda do IEB da USP. Recomenda-se, s novas geraes, ao menos um contato com tais documentos cartogrficos, que foram muito utilizados nos projetos urbansticos da cidade. (TOLEDO, B. L. de. Prestes Maia e a origem do urbanismo em So Paulo. So Paulo: Empresa das Artes, 2006, p.114).

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    rigor! Estes nmeros demonstram a quantidade enorme de trabalho em perspectiva e, por conseguinte, o valor de um processo nico de levantamento. A aerofotogrametria, que se tem desenvolvido graas sobretudo aos trabalhos de Hugershoff, de Finstewald, de Wild, de Roussilhe, dos irmos Nistri e de outros, j passou do campo experimental em que se tateiam as suas possibilidades, para o campo da topografia prtica. Os trabalhos at hoje executados nos permitem afirmar que esta nova cincia no um processo terico, s dado a homens de gabinete, mas sim um mtodo realmente aproveitvel na prtica de campo. Dentre os trabalhos de aerofotogrametria at hoje realizados, o levantamento do Municpio de So Paulo , seno o mais importante do Mundo, um dos mais caractersticos, conforme vamos verificar pelas notas em seguida.

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    O primeiro levantamento da cidade de S. Paulo foi feito, ao que parece em 1810, pelo capito de engenheiros Rufino Jos Felizardo e Costa. um mapa simples, planimtrico, mencionando as ruas, alguns edifcios importantes e indicando as escarpadas das colinas centrais. Em 1841, foi feita nova planta de S. Paulo por C.A. Bresser. Este trabalho demonstra como pouco aumentou a cidade. As ruas figuradas naquela poca atingem a 103. Hoje ns temos mais de 4000; isto d uma idia da diferena da aldeia provinciana que era para a rica metrpole que hoje. Francisco de Albuquerque e Jules Martin, em 1877, elaboraram um novo mapa da Capital dos Paulistas. o tipo monumental, isto , daquele que indica por perspectiva os monumentos principais, nos lugares em que eles se acham. Este gnero cartogrfico antiquissimo, mas nem por isso saiu fora da moda. Ainda hoje podemos ver nas mais civilizadas capitais europias, mapas monumentais para o uso de turistas e, diga-se a verdade, eles so realmente sugestivos. Em 1881, a Companhia Cantareira de Esgotos executou um mapa detalhado da cidade, com indicao de todas as casas existentes. Foi seu autor Henry B. Joyner. Em 1891, Bonvivini e Dubugras compilaram um novo mapa, porm, no de grande valor. O primeiro levantamento realmente completo da cidade de S. Paulo foi elaborado em 1894; sob a direo do engenheiro Bueno De Andrade. Era na escola 1:1000, com curvas de nvel de metro em metro, abrangia toda a zona urbana e figurava toda a edificao da cidade. Esse precioso trabalho no foi, porm, mantido em dia, de que sorte que, em 1905, dois engenheiros da Comisso Geogrfica e Geolgica Alexandre Cococi e Frutuoso Costa - levantaram de novo a cidade, mas desta vez, na escola de 1:20.000 e sem representao altimtrica do terreno. A planta de 1905 bem cedo se tornou insuficiente. A prefeitura amplia o seu corpo de topgrafos e decide ativar os trabalhos de levantamento. Em 1916, publica a sua primeira planta oficial, em escala de 1:20;000, planimetrica como a de 1905. Os levantamentos foram feitos sob a direo do snr. Luiz Faria e Maia e continuaram, com maior ou menor intensidade, porm at 1929, nenhum mapa novo foi publicado. Em 1928, o representante da Junkers-Flugzeugwerk props Prefeitura de S. Paulo o levantamento aerofotogramtrico do Municpio, mediante condies favorveis de preo e de tempo. Em vez, porm de aceitar a proposta e contratar diretamente com a proponente,

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    a Prefeitura resolveu, aps demorado exame da questo, pr em concorrncia o levantamento. concorrncia se apresentaram trs empresas. Junkers-Flugzeugwerk, de Desau, a Companhia Arienne Franaise, de Suresne e a Societ Anonima Rilevamenti Aerofotogrammetrici, de Roma. A proposta da empresa romana a S. A. R. A. foi considerada a melhor. A 14 de Novembro de 1938 lavrou-se o contrato para o levantamento pelo qual e por acordo feito posteriormente, a empresa teria de entregar Prefeitura o seguinte material: A) 3000 Exemplares impressos de 85 folhas, de 70x47 cms. Na escala de 1:1000 com curvas de nvel de m. em m ., Cobrindo a parte central da cidade, na rea aproximada de 3400 hectares; B) 3000 exemplares de 20 folhas topogrficas, na escala de 1:500 com curvas de nvel equidistante de 5mx., abrangendo a parte principal do Municpio; C) 1000 Exemplares impressos de 49 folhas topogrficas, na escala de 1:20.000, com curvas de nvel equidistantes de 5ms., cobrindo a rea do municpio no atingida pelas anteriores; D) 3000 exemplares impressos de 2 folhas topogrficas, na escala de 1:20.000, com curvas de nvel de 5 em 5ms. Da parte urbana e 1000 exemplares nas mesmas condies, da restante zona rural do Municpio; E) 10 cpias da foto-carta, na escala de 1:5.000, da zona central do municpio; F) 10 cpias da foto-carta, na escala de 1:10.000 abrangendo todo o municpio; G) Estereogramas aplicados em papelo de todo o Municpio, para o exame estereoscopico do terreno; H) 6 estereoscopios; I) Todos os originais desenhos e das foto-cartas, vem como zincos de impresso, as chapas fotogrficas, as cadernetas e as folhas de calculo. A lista transcrita faz supor, como j se disse, que a administrao de S. Paulo a primeira entidade pblica, em todo o mundo, a ter um levantamento realmente completo dos seus domnios. A carta topogrfica na escala de 1:1000 permite a elaborao de planos de conjunto na zona de alta valorizao; e a de 1:5000 suficiente para os trabalhos preliminares de abastecimento de gua, pavimentao estradas, etc. As foto-cartas e os estereogramas auxiliam extraordinariamente o estudo do terreno, sanando qualquer indeciso. E, se a isto tudo, juntarmos os dados analticos dos vrtices de triangulao (de 1 e 2 ordem) e as cotas de preciso determinadas pelo nivelamento geomtrico, teremos todos os elementos para conhecer com a maior exatido o terreno. Com exceo dos exemplares citados na letra d, todo o material acima relacionado j est em poder da prefeitura.

    * * * O processo aerofotogramtrico adotado pela empresa contratante o devido ao seu ilustre diretor tcnico Umberto Nistri inventor do fotocartogarfo NISTRI. O aparelho em questo j foi descrito circunstancialmente pelo seu prprio inventor em publicaes da empresa, dispensando, pois, qualquer informao da nossa parte. O processo Nistri, como todos os outros, repousa a sua realizao em dados precisos do terreno conseguidos pelos mtodos comuns de topografia; isto , a restituio das chapas fotogramtricas depende essencialmente de referencias obtidas pela triangulao e pelo

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    nivelamento. A base do levantamento consta, pois, de uma triangulao de 1 (com redes secundria e terciria) e de vrias linhas de nivelamento geomtrico de preciso. Os trabalhos do levantamento do Municpio de S. Paulo foram executados em 4 anos e meio. O contrato previa a prazo de 2 anos para a entrega de todos os mapas, mas foi constado que, mesmo no se considerando vrios motivos de fora maior, como as chuvas de 1929, Revoluo de 1930, imprevistos na organizao da empresa, etc., ainda assim no seria possvel faz-lo no prazo contratual. Entretanto, pode-se dizer que um servio igual demandar cerca de 3 anos para a sua execuo, o que no muito, pois ningum ousar afirmar que, pelos processos correntes seja possvel conclu-lo em prazo menor. Note-se que o mapa de S. Paulo tem grande parte de servio aos demais, feitos por processo terrestre. Os desenhos tm o mesmo acabamento e se equivalem. O trabalho de impresso idntico, em ambos os casos. A triangulao fundamental tambm no difere em nada da que se faz para o levantamento ordinrio. Tudo isso ressalta ainda mais as vantagens do levantamento aerofotogramtrico, que, cada vez mais, impe como o melhor meio de se conhecer o terreno.

    * * * O prefeito que contratou o levantamento ds. Paulo foi, como se sabe, o engenheiro Jos Pires do Rio, experimentado profissional e atilado administrador. Teve S. Exa. Como colaboradores o diretor de obras, engenheiro Arthur Saboya e os engs. Georges Corbisier e Silvio Cabral Noronha, estes dois ltimos nossos colegas de comisso fiscalizadora.

    * * * A vista do sucesso tcnico do levantamento de S. Paulo, no se pode mais negar as vantagens do processo aplicado a grandes extenses territoriais. Embora aqui o problema apresente novos aspectos e novas dificuldades a superar, fcil provar a sua adaptao. o que faremos noutra comunicao.

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    O Ensino Secundrio da Geografia

    Pierre MONBEIG Aroldo de AZEVEDO

    Maria da Conceio V. de CARVALHO

    Trata-se no momento da reforma do ensino secundrio no Brasil. A Associao dos Gegrafos Brasileiros no quis alheiarse do assunto e, na parta que lhe toca, trazer a sua contribuio reforma. Justifica-se tanto mais esta interveno quanto o ensino da Geografia passa atualmente, em todo mundo, por uma fase de transformaes. Substitui-se o antigo sistema puramente de nomenclatura e mnemnico, por uma compreenso cientfica da matria. E nestas condies dever de todos que se interessam pela Geografia auxiliar os poderes pblicos na difcil tarefa de modernizar seu ensino. Com tal objeto a A. G. B. Constituiu uma comisso composta dos membros Profs. Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e M. Conceio Vicente de Carvalho, que elaborou o projeto de programa que abaixo transcrevemos, acompanhado das respectivas instrues. Este trabalho foi devidamente encaminhado s vrias autoridades do ensino federal, de S. Paulo e do Distrito Federal. Instrues para o ensino da Geografia Os presentes programas de Geografia foram redigidos tendo em vista dois princpios comuns a todas as disciplinas includas no curso secundrio. Antes de tudo, prefervel conhecer bem poucas coisas do que saber mal muitas outras. Em segundo lugar, cumpre ter presente que o ensino secundrio um ensino de cultura geral e no de especialidades; cada educador, qualquer que seja a matria que venha a ensinar, no deve jamais esquecer que sua misso consiste em formar personalidades e no recrutar gegrafos, matemticos ou naturalistas. Os novos programas conservaram as disposies essenciais dos precedentes, embora modificando-os em numerosos pontos.

    Os alunos que entram para a primeira srie do curso secundrio so, em regra, ainda extremamente jovens; no seria possvel ensinar-lhes mais do que noes elementares, princpios fundamentais que lhes devero ser to conhecidos como a tbua de multiplicao, de tal sorte que, nas sries ulteriores, no sinta o professor necessidade de voltar a tais assuntos. Mas torna-se preciso evitar, por todas as maneiras, as abstraes: a geografia geral ministrada a meninos de doze anos deve partir de fatos concretos e que lhes sejam familiares; sempre que possvel, o professor se esforar por comear pela geografia local ou, pelo menos, brasileira, para conduzir o aluno, pouco a pouco, generalizao. O estudo dos continentes, efetuado na segunda srie, ser inspirado em diretrizes anlogas; competir de forma especial a cada educador escolher inteligentemente, entre os vrios assuntos, aqueles que forem mais acessveis compreenso de sua classe. Dever ser

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    evitado todo trabalho mecnico que s se baseie na memria. Isto no significa, porm, que se despreze o conhecimento dos nomes de lugares, de rios, de montanhas, de algumas cifras; no se torna preciso rejeitar toda nomenclatura sob o nico pretexto de que se trata de nomenclatura, mas sim incorpor-la ao ensino de modo inteligente e refletido.

    Os alunos da terceira srie, que j no so mais crianas, podem perfeitamente estudar a geografia de seu prprio pas, desembaraada da multido sufocante e desorientadora das mincias inteis. Convm acentuar que, nesta srie, mais ainda que nas precedentes, necessrio, antes de tudo, descrever e explicar, tendo-se a preocupao de abrir o esprito e no de o sobrecarregar excessivamente. Mas j tempo de encarar um aspecto mais cientfico da Geografia, de fazer compreender aos alunos o que uma cincia e o que a cincia geogrfica. O ano consagrado geografia geral a quarta-srie tornar possvel no somente aumentar os conhecimentos adquiridos nos anteriores, como tambm fazer sentir aos futuros alunos do curso superior que existe uma idia do saber que no exclusivamente escolar, que h razes para o trabalho intelectual ale do desejo de recompensa e do receio da punio; mais ainda: que sempre e em tudo, somente um mtodo rigoroso e claro ao par de um esprito de crtica orientada permitem a obteno de um resultado valioso e compensador. Resta a quinta e ltima srie. J o estudante sonha com a Universidade e, por isso, sente de modo confuso que vai se tornar membro de uma certa comunidade intelectual: alguns meses mais, e ele entrar em contato com todos os problemas que apaixonam a cidade, desejar discuti-los, tornar-se- logo um cidado. Por isso mesmo, a tarefa final do curso de Geografia consistir em lhe transmitir, com serenidade, quais so as questes econmicas, com suas relaes polticas, que se apresentam ao seu pas e ao mundo inteiro. Ainda se trata, no presente caso, de ministrar uma cultura geral e de formar um homem, no sentido completo da palavra. Estudando as principais potencias do mundo, particularmente sob o ponto de vista econmico, mas sem esquecer de examinar o meio fsico, o professor procurar demonstrar exatamente os pontos de vista diferentes debaixo dos quais as naes consideram os grandes problemas econmicos atuais e encerrar o curso com uma exposio precisa da situao do Brasil perante tais potncias. Durante todo o curso, o professor nunca dever esquecer que preciso, antes de tudo, fazer um apelo reflexo e inteligncia, ao esprito crtico, os quais se ho de exercer com rigor lgica e ordem. Somente quem adotar tais diretrizes, poder ser considerado um verdadeiro professor de ensino scecundrio. Mas, ao mesmo tempo, no seria um bom gegrafo o professor que evitasse o curso ex-cathedra; o ensino da Geografia dever ser sempre vivo e descritivo, desde que se trata do ensino daquilo que real, que existe verdadeiramente. Por isso tudo, dever o professor recorrer ou fazer recorrer ao mapa, no como obra artstica, mas como processo de representao dos fatos, do mesmo modo que s projees luminosas, desde que saiba selecionar as gravuras com prudncia e coment-las com cuidado. Enfim, poder ler ou fazer ler textos que, por suas qualidades propriamente literrias, so mais suscetveis de forar a ateno do que simples frases banais (descrio de viagens e, mesmo, romances); as leituras geogrficas figuram j em certos manuais e podem facilitar o trabalho do mestre. Alm disso, o professor dever escolher, dentro do programa, os pontos que considera indispensveis tratar pessoalmente em aula, seja porque sua compreenso lhe aparecer difcil sem esta exposio, seja porque sua importncia exige que sobre os mesmo se insista; outras vezes, ao contrrio, poder recomendar aos

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    alunos que estudem a matria diretamente no livro adotado, mas tendo sempre o cuidado de verificar se o aluno efetivamente leu o livro e compreendeu a lio. Uma aula semanal de exerccios prticos dever ser reservada para a 4. srie. Com efeito, o professor de Geografia necessita de trabalhos prticos tanto como o professor de Qumica precisa de aulas de laboratrio e o de Histria Natural de dissecaes ou exames microscpicos. Os trabalhos prticos consistiro essencialmente em leituras de cartas topogrficas: primeiramente, os alunos procuraro se habituar a ler um mapa como se fossem turistas, isto , limitar-se-o a reconhecer os sinais convencionais e a se orientar; sem seguida, devero saber encontrar no mapa os traos essenciais da geografia fsica (natureza do solo, relevo e suas formas, vegetao) e da geografia humana (habitat, produes, vias de comunicao). Ao mesmo tempo, poder-se- ir familiarizando os alunos com a leitura de boletins meteorolgicos, com a explicao de estatsticas, com a construo e comrcio de grficos. Sempre que possvel, alm disso, o professor organizar uma excurso afim de melhor concretizar o que ensinou. Finalmente e isto nos dois ltimos anos ser conveniente acostumar aos alunos a falar em pblico, encarregando-os de uma exposio oral, em que reuniro um ou dois captulos de livros ou artigos indicados pelo professor. Em tais aulas de exerccios prticos, no convm aprofundar muito porque, em caso contrrio, a maioria dos alunos de desinteressaria rapidamente: por isso mesmo, os programas reservam-nas para a 4. srie, uma vez que os alunos das classes inferiores no tm, em geral, capacidade de ateno e de observao para pratic-las de modo til.No que se refere s classes de principiantes, o manuseio e a confeco de mapas, os comentrios em torno das gravuras do livro ou pequenos exerccios (como procurar a hora de tal cidade sendo dada a sua longitude, comparar a extenso ou a despesa fluvial de quatro ou cinco rios) so os nicos possveis, desde que desejemos que todos os alunos deles tirem proveito. Em sntese: nesses exerccios prticos, como nas aulas propriamente ditas, o professor de Geografia s poder obter resultados slidos e durveis se realizar um ensino prudente, modesto e vivo.

    DISTRIBUIO DA MATRIA ELEMENTOS DE COSMOGRAFIA E DE GEOGRAFIA FISICA, BIOLOGIA E HUMANA

    Primeira Srie

    I Universo, Sistema Solar, Terra, Lua, linhas e crculos da esfera terrestre. Longitude e latitude Dias e noites, Estaes. Orientao. II Estrutura da Terra. Relevo. Costas. Oceanos e Mares. Rios e Lagos. Atmosfera: o clima e as grandes zonas climaticas. III Distribuio dos Vegetais e dos animais sobre a Terra. IV Populao da Terra. Raas. Religies. Graus de civilizao.

    Segunda Srie GEOGRAFIA GERAL DOS CONTINENTES Estudo dos continentes (Amrica, Europa, Asia, Africa, Oceania) Situao geografica. Relevo. Costas. Hidrografia. Climas. Riquezas naturais. Populaes. Divises polticas. Principais centros urbanos, Recursos Econmicos. Dentro de cada continente sero estudados com maior minucia os principais paises, a saber: Estados Unidos, Canad, Argentina, Ilhas Britanicas, Frana, Alemanha, pases da

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    Europa Central, Italia, paises Ibricos, U. R.S. S., Japo, China, India, Egito, Unio Sul-Africana, Australia e Nova Zelandia.

    Terceira Srie GEOGRAFIA GERAL DO BRASIL I Situao geografica. Fronteiras terrestres. Relevo. Costas. Hidrografia. Climas, Riquezas naturais. II Populao. Formao territorial e questes de fronteiras. Governo. Produtos Agrcolas. Criao de gado. Indstrias extrativas. Vias e meios de comunicao e de transporte. Comrcio. III Geografia regional, focalizando as feies fisicas, a evoluo histrica e os problemas econmicos e sociais de cada uma das seguintes regies: Brasil Setentrional. Brasil Norte-Oriental, Brasil Oriental, Brasil Meridional e Brasil Central.

    Quarta srie COSMOGRAFIA E GEOGRAFIA FISICA, BIOLOGICA E HUMANA: I A geografia: historico, conceito e diviso. II Sistema solar. Terra. Coordenadas geografica. Movimentos da Terra. Mecanismo das estaes. III Crosta terrestre: origem e composio. Eras geolgicas. As fprmas do relevo; tectonica e eroso. Ocenas e mares. A agua do mar. Movimentos do mar. Relevo submarino. Rios. Lagos. Atmosfera: temperatura e presso. Meteoros. Clima. IV Geografia humana: conceito e objeto. Raas. Linguas e religies. O homem e o meio: generos de vida e graus de civilizao. Habitaes. Centros urbanos. Centros de povoamento: fronteiras e movimentos da humanindade. O Estado e suas formas. Fins politico-econmicos dos Estados. Mveis polticos das potncias. Politica internacional contemporanea. Culturas alimenticias. Plantas industriais. Criao de animais. Caa e pesca. Exploraes minerais. Utilizao das foras naturais. Vias e meios de comunicao e de transporte. PARTE PRATICA: Leitura de cartas topogrficas. Leitura de cartas meteorolgicas. Explicao de estatsticas e de grficos. Excurses.

    Quinta Srie GEOGRAFIA DOS PRINCIPAIS PAISES: Estudo especial de cada uma das seguintes potencias, nas suas feies fisicas e politicas particulares, salientando em cada uma elas os problemas de natureza social ou econmica que mais lhe caracterizam a vida internacional: Imprio Britanico, Frana e colonias, Blgica e Holanda, Sussa, Alemanha, paises da Europa Central, Itlia, Portugal, U.R.S.S., Japo, China, Estados Unidos, Argentina, e o brasil perante as principais potncias. So Paulo, 15 de novembro de 1935. Pela Associao dos Gegrafos Brasileiros. Pierre Monbeig. Professor da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo. Aroldo de Azevedo. Professor do Colgio Universitrio da Universidade de So Paulo. Maria Conceio Vicente de Carvalho. Professora do Mackenzie College.

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    Reflexes Sobre Um Trabalho Intil

    Pierre MONBEIG20

    A simpatia com que foram acolhidos a formao da Associao dos Gegrafos Brasileiros e o aparecimento de GEOGRAFIA basta para revelar at que ponto se fazia sentir em S. Paulo a necessidade de desenvolver as pesquisas geogrficas. bem sabido que a bibliografia geogrfica paulista no muito longa; no entanto o Brasil um dos campos de trabalho mais apaixonantes para os gegrafos. Devemos por isso saudar alegremente todo ensaio de estudo geogrfico e, se alguma revista publica um trabalho de geografia, estamos dispostos a acolh-lo como um man celeste. Mas a decepo tanto maior quando se constata pela leitura que, longe de fazer avanar o conhecimento cientfico da geografia paulista, os esforos embora sinceros, foram inbeis; que se gastou um tempo precioso e que as pginas que se pretendiam saborear no fazem outra coisa seno transportar-nos para uma poca em que a geografia era uma enumerao seca e aborrecida, poca esta que se julgava para sempre passada. Ora, est a exatamente a desgraa que me sucedeu h pouco tempo, ao descobrir numa livraria uma publicao de um excelente agrupamento cientfico cujo nome justamente considerado (I); o ndice das matrias apresentava esta oferta tentadora: Captulos de Geographia Physica de S. Paulo, e os subttulos eram promissores: Orographia, Hydrographia, Clima. Tudo isto anunciava um estudo completo, um sntese preciosas dos problemas do solo paulista. De certo a vegetao faltava ao apelo, mas eu me rejubilava de encontrar finalmente reunidas e claramente expostas s questes de morfologia, tectnica, dos solos, ainda to pouco estudados.

    Tantas esperanas depressa se desvaneceram. Sem que a menor carta ou o mais pequeno desenho nos oferecesse a possibilidade de acompanhar a exposio, quarenta e uma pginas de enumerao se apresentavam a meus olhos. Todas as categorias de rochas desfilavam em fileiras cerradas, todos os minerais que esconde o subsolo paulista: jaspe, gatas, calcednias, ortose, piroxnio, turmalinas verdes e azuis, xido de titnio e tantos mais, como se um mgico os fizesse subitamente jorrar a meus olhos atnitos. Mais adiante era uma revista dos nomes de todas as serras, com suas altitudes, sem esquecer uma s, como um guia turstico para alpinistas, bem decididos a jamais escalar os cimos anunciados, mas que, de volta cidade, quisessem se impor admirao de seus amigos com todos estes nomes e nmeros. Seguiam docilmente atrs das montanhas, os rios, classificados por bacias fluviais, com seus batalhes completos de afluentes. Todas as ilhas, todos os cabos, todas as baas da costa continuavam este desfile que o clima encerrava. 20 Irnica e ferina crtica de Monbeig Geografia que se fazia no Brasil antes de sua institucionalizao, nos anos trinta. Interessante observar que semelhanters crticas foram realizadas na dcada de 1980, pela Geografia Crtica, Geografia Moderna realizada nos tempos de Pierre Monbeig.

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    Qual o interesse de uma tal recitao? Zero e nada mais. Procurar-se-ia em vo a mais elementar tentativa de explicao dos fatos, o mais modesto esforo de comparao com outros afim de melhor interpret-los. Nada se encontraria, e para dizer a verdade, nem mesmo um fato, porque ser verdadeiramente fato de geografia fsica o simples nome de um curso dgua ou de uma serra? O que o autor nos deu est para a geografia na mesma relao que para a esttica ou a crtica de arte est um artigo que se limitasse a indicar, como estes inspidos guias de museu: direita, uma rvore, no fundo, esquerda, um pequeno co, no centro, um personagem. E ainda o guia nos mostra um quadro, enquanto o artigo em questo no diz palavra sobre paisagens e no nos d nenhum mapa.

    preciso confessar que um tal estado de esprito, revelado pela publicao deste artigo numa revista de real valor, surpreendente no prprio momento em que no mundo inteiro a geografia toma um impulso inesperado, e que no Brasil, particularmente em S. Paulo e no Rio, surgem pesquisadores de grande mrito. Julgar que a recitao dos nomes de todas as baas do litoral, ou como outrora em Frana, de todas as subprefeituras, fazer obra cientfica e geogrfica, isto me faz invencivelmente pensar num mdico de 1935 que tratasse seus doentes pelos processos dos mdicos de Molire, com sangrias e clistis. Apesar disto, contudo, a publicao do trabalho do sr. Freitas no ter sido de todo intil. Constitui uma advertncia muito sria queles que cuidavam que os princpios formulados pelos Humboldt, Suess, Davis e de Martonne (para nos limitar geografia fsica) tinham entrado no domnio pblico. Ainda estamos longe disto, ao que parece; e isto no pode seno animar-nos a intensificar nosso esforo, a nos agrupar para trabalhar no sentido que nos indicaram aqueles mestres.

    (I) Affonso A. de Freitas: Captulos de Geographia Physica de S. Paulo Constituio Geolgica, Mineralgica Orographia Hydrographia Clima). Revista do Instituto Histrico e Geogrphico de S. Paulo, v. XXX 1931-32, pgs. 3 a 42, S. Paulo, 1935. Pierre Monbeig Professor de Geografia na Universidade de s. Paulo

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    Geografia Humana. Geografia Para a Quarta Srie Secundria21

    Pierre MONBEIG

    O desenvolvimento dos estudos geogrficos e os esforos para renovar o ensino secundrio so acompanhados pelo aparecimento de manuais destinados a facilitar o trabalho dos alunos. J os livros do Sr. Delgado de Carvalho tinham marcado uma feliz modificao no ensino da geografia; nosso colega, Dr. Aroldo de Azevedo se inspirou nos mesmos princpios da geografia moderna ao escrever os dois manuais que acaba de publicar. Tanto um como o outro so ilustrados com boas fotografias, cartas e desenhos muito bem escolhidos, e que no so apenas boas ilustraes, mas comentrios vivos do texto. Leituras geogrficas emprestadas s obras clssicas da literatura geogrfica completam as ilustraes. Mas o mrito essencial do Autor ter abandonado completamente as fastidiosas enumeraes, de nomes e algarismos. O que ele pe nas mos do aluno uma geografia racional e cientfica, reservando com justeza um largo espao aos problemas econmicos e polticos, e inspirando-se decididamente em publicaes recentes (s vezes um pouco ousadamente nas pegadas do livro de Horrabin, alis excelente). certo que menos jovens espritos sentiro repugnncia pela nossa disciplina, se tiverem nas suas mos instrumentos de trabalho como estes. Tanto um como outro destes dois livros so sobretudo manuais de geografia humana e econmica. Mas o volume destinado quarta srie secundrio se orienta demasiado neste sentido: no apresentar uma s carta de relevo, nenhum desenho que torne mais vivas as linhas destinadas ao clima, constitui um exagero perigoso. Por exemplo, ser suficiente consagrar algumas linhas imprecisas s mones para iniciar em seguida uma exposio da geografia humana da pennsula Hindu? A paisagem, o quadro no qual se exercem as atividades humanas aparece bem raramente. preciso no cair nos mesmos excessos, mas inversos, dos passados defensores de um determinismo geogrfico estreito. Isto posto parte, o trabalho do Dr. Aroldo de Azevedo prestar muitos esforos para que no lhe sejamos reconhecidos pelo seu esforo. Pierre Monbeig

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    21 Trata-se de um comentrio de Pierre Monbeig sobre dois livros lanados por Aroldo de Azevedo, so eles: 1) AZEVEDO, Aroldo de. Geografia Humana (cursos pr-jurdicos); 2) AZEVEDO, Aroldo de. Geografia Para a Quarta Srie. Vols. XXVI e XXXVIII da Biblioteca Pedaggica Brasileira. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934 e 1935, respectivamente.

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    Publicao: GEOGRAFIA, publicao trimestral da Associao dos Gegrafos Brasileiros. So Paulo. Ano II, n.1, 1936. 69p. Responsveis pela publicao: Prof. Pierre Monbeig (Diretor), J. O. Orlandi (Secretrio) Comisso de Redao: Prof. Luiz Flores de Moraes Rego, Eng. Agenor Machado, Dr. Caio Prado Jnior, Dr. Geraldo H. de Paula Souza. Responsveis pela AGB: Prof. Pierre Deffontaines (Presidente da AGB), Prof. Joo Dias da Silveira (Secretrio). SUMRIO AOS NOSSOS LEITORES........................................................................................p. 02 - O Valle do Tocantins: Araguaya Luiz Flores de Moraes Rego................................p. 03 - Os Guayakis do Paraguay Dr. J. Vellard....................................................................p.16 - Mascates ou pequenos negociantes ambulantes do Brasil Pierre Deffontaines.........p.26 CRTICAS E NOTAS - Mappa do E. de S. Paulo Pierre Monbeig..................................................................p.30 - As rochas gondwanicas do Brasil Theodoro Knecht................................................p.33 - Sobre o clima da poca dos glaciar Joo Dias da Silveira.........................................p.36 - As cheias anuais do Amazonas e as recentes modificaes de seu regime Eduardo dOliveira Frana..........................................................................................................p.39 - Histria da Carthographia do Brasil J. O. Orlandi.............................................p.41 - Cadeira de Geografia. J. O. Orlandi.....................................................................p.43 - A methodologia do ensino geographico J. O. Orlandi.........................................p.49 - O film cinematographico na geographia J. O. Orlandi.......................................p.50 BOLETIM - A Zona do Cacau no sul do Est. da Bahia Pierre Monbeig......................................p.52 LIVROS - A vida numa regio fria Pierre Deffontaines............................................................p.58 - Questo de methodo Pierre Monbeig....................................................................p.67 REVISTAS

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    Histria da Carthographia do Brasil

    J. O. Orlandi

    Sob a denominao de Histria da Cartografia do Brasil iniciamos a explorao de mapas antigos dos primeiros cartgrafos e que se referem de xxxcia ao Brasil. Alis a Cartografia xxxnou maior incremento, tornou-se precisa na Renascena, quando o xxxx dos mares fascinava os povos xxxs. Foi nessa ocasio que o Brasil saiu do plago desconhecido para a imaginao dos cientistas e marinheiros. A sua contribuio histrica formidvel. No menos importante a contribuio geogrfica, etnogrfica que ela nos oferece. Eram os mapas antigos mais um registro de fatos humanos e de acidentes geogrficos do que uma representao fiel da ubicao desses mesmos fatos e acidentes. Vemos os mapas com o estreito de Magalhes desproporcionalmente prximo ao Rio de Prata. O Amazonas alagando mais de um tero da linha E-O do Brasil. Tabas de ndios, tribos onde os indivduos, se movessem, andariam quilometros de uma passada. Em todo caso, com as suas imperfeies, a cartografia antiga nos coloca ao corrente da concepo geogrfica da Renascena e constitui uma documentao incontestavelmente valiosa. Para elucidar a publicao dos nossos mapas daremos, quando possvel, alguns traos biogrficos dos respectivos cartgrafos. Neste nmero reproduzimos um mapa22 do Brasil de Johannes Blaeu, o mais perfeito trabalho de poca. Johannes Blaeu era filho de Guilherme Janszoon Blaeu, tambm chamado de Blaeuw, Blauw e Cesius, discpulo de Ticho Brahe, e que se tornou celebre como matemtico, gegrafo e astrnomo, principalmente pela sua oficina de Amsterd, onde fabricava esferas terrestres e celestes que excediam a quantas se haviam feito, pela sua exatido e beleza. Guilherme foi Cartgrafo oficial de Amsterd e dos paises Baixos (1633). Seu filho Johannes Blaeu formou-se em Direito. Fez grandes viagens principalmente Itlia e fundou em Amsterd uma imprensa e casa editora, que depois fundiu com a de seu pai e continuou com seu irmo Cornlio at a morte deste (1650). Auxiliou o pai na publicao dos primeiros volumes do Theatrum Mundi, editou o terceiro volume depois da morte de Guilherme e publicou belas edies de autores clssicos. Suas obras tm por ttulo Novum ac magnum theatrum civitatum totius Belgii, Amsterdan, 1649; Nouveau Thetre dItalie ou Descripition des villes, palais, glises de cette partie de la terre Amsterdan, 1704; de la Haye, 1724 4 vols.in-fol; Novum theatrum Pedemontii et Sabaudieae, 1726, 4 tomos em 2 vol. Gr. In-fol., trad. franceza de Jacques Bernard; la Haye, 1700, 2 vols. gr. In-fol. Editou trabalhos tipogrficos em cobre e vistas de cidades to exatas quanto pinturescas da Blgica, Itlia, Saboya e Piemonte. Em 1672 incendiou-se a oficina

    22 Mapa no anexado.

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    consumindo-se a maior parte das suas obras em preparo. Seus filhos Joo e Pedro continuaram os mesmos trabalhos na casa que durou de 1682 a 1700. Figuram entre as obras editadas vrias edies de autores clssicos, sobretudo as Orationes de Cicero. A mais notvel de suas obras cartogrficas foi o Atlas Major que ficou inacabado. Morreu em 1763. Pelo mapa que reproduzimos pode se fazer idia da probidade cientifica de Blaeu. Todas as informaes sobre a terra cartografada so baseadas em fontes naturalmente autorisadissimas no tempo e as quais ele tem o cuidado de mencionar. O seu mapa registra a distribuio de algumas tribos indgenas e do nome por que eram conhecidas na poca, ao primeiro contato com os europeus. Essas informaes precrias serviam para orientar ao viajante. J se sabia que o Brasil no era mais uma ilha e o mapa de Blaeu assinala o cerco de gua da terra brasileiro, isto , a comunicao das duas bacias, a do Prata e do S. Francisco. Confuso oriunda talvez do conhecimento das terras alagadas do Chaco que os viajantes pressupunham ligadas ao S. Francisco e no ao Amazonas. J. O. O.

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    Cadeira de Geografia da Faculdade de Philosophia, Sciencias e Letras da Universidade de So Paulo

    J. O. Orlandi

    Excurso ao Morro do Jaragu23

    Logo que o prof. Pierre Deffontaines assumiu a regncia da cadeira de Geografia da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de S. Paulo, deu aos estudos geogrficos um cunho bastante prtico de modo a fazer com que os alunos recebessem, ao par das explicaes tericas, o conhecimento direto e substantivo da matria. Em setembro de 1934 realizou-se, por sua iniciativa, a primeira excurso geogrfica instrutiva ao morro do Jaragu, nos arredores da cidade de S. Paulo. Prestou assistncia ao ilustre professor, o Dr. Luiz Flores de Moraraes Rego autoridade conhecida em assuntos geolgicos e cuja opinio muito respeitada nos meios cientficos. O Estado de So Paulo noticiando o fato assim se exprimiu, em sua edio de 11 de setembro de 1934. A orientao pratica dos estudos geogrficos, tal como a que est imprimindo o ilustre professor, abre uma nova fase, pode-se dizer, aquisio desses conhecimentos. Os alunos, em contacto com a realidade tornam-se presa das prprias observaes. Apegam-se a uma fonte de interesses que s as coisas vividas so capazes de criar. A passagem dos alunos pelas nossas escolas no ser, desse modo, um simples pretexto para a obteno de certificados e diplomas. Dahi o calor excepcional dos estudos prticos, o que alias, j reconhecido por professores inteligentes e dedicados. Entretanto, em geografia permanecemos no terreno do verbalismo e da decorao, embora com variantes, algumas das quais aparentam um fundo objetivo que no tm. Esta excurso de estudos realizada pelo prof. Deffontaines ao Jaragu , pois, digna de registro pelo que ela apresenta de til e de promissor formao cultural, positiva, dos futuros gegrafos e socilogos. Partindo, domingo, por um dos primeiros trens, desta capital, os excursionistas chegaram cedo estao de Taipas. Logo que se puseram a caminho, o professor Deffontaines fez aos alunos um rpido resumo do que fora observado durante a viagem de trem. Em seguida, esboou o programa dos trabalhos. Iniciou-se a caminhada para o Jaragu. Ora uma observao geogrfica, do ponto de vista fsico ou humano, ora um fato geolgico, tudo in loco, era uma lio. Lio rpida, suficiente pa