T Mestrado usa ENSP Lx 2004 Painel Delphi

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PRIORIDADES DE INVESTIGAO EM SADE MENTAL EM PORTUGAL AS PERSPECTIVAS DE UM PAINEL DELPHIDE PSIQUIATRAS E PEDOPSIQUIATRAS

Fernando Manuel Viegas de Sousa

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Agradecimentos

A realizao deste trabalho contou com o apoio de vrias pessoas s quais gostaria aqui de expressar os meus sinceros agradecimentos.

Ao Prof. Doutor Teodoro Briz pela orientao e disponibilidade em apanhar este projecto a meio-caminho. Ao Prof. Doutor J. G. Sampaio Faria pela orientao inicial deste projecto. Aos meus amigos, Jos Farinha, Cludia Conceio e Susana Maria, pela sua constante disponibilidade para criticarem a minha produo, pelas sugestes e incentivo. Dra. Ceclia Moura da Silva e ao Dr. Pedro Aguiar pelas sugestes em termos de anlise estatstica. Aos meus informadores-chave, Dra. Maria Antnia Frasquilho, Dra. Maria Joo Heitor, e Dr. Joo Sennfelt, por me terem sugerido nomes para integrarem o Painel Dephi. Ao Dr. Daniel Seabra, Dr. Miguel Viseu, Dr. Rui Durval, Dra. Isabel Ribeiro da Costa, Dr. Manuel Guerreiro, e ao Dr. Diogo Sennfelt, por terem aceitado participar no pr-teste da 1 volta deste exerccio Delphi. Aos vrios autores que, mesmo do outro lado do planeta, gentilmente se prontificaram para enviar-me cpias de alguns dos seus trabalhos. s tcnicas do CDI da Escola Nacional de Sade Pblica pela disponibilidade em apoiarem distncia as minhas pesquisas. Ao Fernando e Maria, os meus pais, e restante famlia pelo apoio prestado ao longo de todo este processo. Raquel por apoiar mais esta minha aventura. Por fim, mas no por ltimo, a todos os profissionais de sade que aceitaram o convite para fazerem parte do Painel Delphi. Sem a sua disponibilidade e empenhamento este trabalho nunca teria sido possvel,

a todos muito obrigado.

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Indice

Introduo ....................................................................................................1

CAPTULO I - Enquadramento geral ....................................................... 5 Desafios para o futuro prximo ..................................................................... 8 Investigao em sade: Fundamentos e conceitos ......................................... 11 Algumas dificuldades da investigao em sade............................................. 13 Definio de prioridades em sade............................................................... 16 Prioridades de investigao em sade .......................................................... 19 Particularidades da definio de prioridades em sade mental.......................... 21 A SITUAO PORTUGUESA ................................................................................... 23 A sade mental......................................................................................... 23 A investigao em sade (mental) ............................................................... 26 Recursos ao dispor da I&D em sade ........................................................... 27 Prioridades de I&D em sade ...................................................................... 29 FUNDAMENTAO DO ESTUDO ................................................................................ 30 OBJECTIVOS DO ESTUDO ..................................................................................... 31

CAPTULO II - Metodologia ................................................................. 32 ASPECTOS GERAIS ............................................................................................ 32 TCNICAS DE DESENVOLVIMENTO DE CONSENSO: FUNDAMENTOS ........................................ 32 O PAINEL DELPHI ............................................................................................. 34 Caractersticas e origens ............................................................................ 34 reas e condies de aplicao.................................................................... 35 Composio do Painel ................................................................................ 37 Formato do questionrio............................................................................. 38 A informao de feedback e a sua influncia no consenso................................ 38 Validade e fiabilidade ................................................................................. 40 PARTICIPANTES ................................................................................................ 41 Critrios de incluso .................................................................................. 41 Caractersticas dos participantes.................................................................. 42

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PROCEDIMENTOS .............................................................................................. 43 Aspectos gerais......................................................................................... 43 Aspectos especficos. ................................................................................. 45 1 Volta ................................................................................................ 45 2 Volta ................................................................................................ 46 3 Volta ................................................................................................ 47 Pr-teste.................................................................................................. 48 Nvel de consenso. .................................................................................... 49 TRATAMENTO DOS DADOS. ................................................................................... 49

CAPTULO III - Resultados ............................................................... 50AS APRECIAES DA 2 APRECIAES DA 3 APRECIAES DA 3 APRECIAES DA 3 APRECIAES DA 3 APRECIAES DA 3E

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VOLTA:

CONSENSOS E MUDANAS DE APRECIAO. ..................... 50 PAINEL. ................... 52 PAINEL ......... 54

VOLTA FACE S ESPECIALIDADES DOS ELEMENTOS DO

VOLTA FACE PROVENINCIA GEOGRFICA DOS ELEMENTOS DO VOLTA FACE AO SEXO DOS ELEMENTOS DO

PAINEL ................................. 54 PAINEL.......... 55

VOLTA FACE FORMAO COMPLEMENTAR DOS ELEMENTOS DO

VOLTA FACE SUA SITUAO PERANTE A DOCNCIA NO ENSINO SUPERIOR........ 56

CAPTULO IV - Discusso .................................................................... 58 ASPECTOS GLOBAIS ........................................................................................... 58 TPICOS DE INVESTIGAO COM UM GRAU DE PRIORIDADE MUITO PRIORITRIO QUE NO REUNIRAM CONSENSO......................................................................... 61 TPICOS DE INVESTIGAO COM UMA MEDIANA INFERIOR AO GRAU DE PRIORIDADE PRIORITRIO .. 63 DIFERENAS SIGNIFICATIVAS ENCONTRADAS NAS APRECIAES AOS TPICOS .......................... 63 LIMITES DA INVESTIGAO ................................................................................... 65

Concluses e recomendaes.............................................................. 68 CONFLITOS DE INTERESSE .................................................................................... 71

Referncias ....................................................................................... 72

Anexos .........................................................................................................78

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Anexos

Anexo A. Anexo B. Anexo C. Anexo D. Anexo E. Anexo F. Anexo G. Anexo H. Anexo I.

Informadores-chave Composio do Painel Delphi: Participantes na 1 volta Solicitao de resposta em perodo extraordinrio: Ofcio-tipo Ofcio de apresentao da 1 volta Considerandos gerais: 1 volta Considerandos especficos: 1 volta Questo da 1 volta Questionrio de caracterizao individual: 1 volta Enunciados formulados pelos participantes na 1 Volta: A converso em tpicos para a 2 Volta

Anexo J. Anexo K. Anexo L. Anexo M. Anexo N. Anexo O. Anexo P. Anexo Q. Anexo R. Anexo S. Anexo T. Anexo U.

Ofcio de apresentao da 2 volta Considerandos: 2 volta Lista de tpicos de investigao: 2 volta Fundamentos subjacentes apreciao Lista de tpicos de investigao: 3 volta Considerandos: 3 volta Ofcio de apresentao da 3 volta Feedback dos participantes na 2 volta Fundamentos subjacentes apreciao Pr-teste: Ofcio de apresentao Questionrio de pr-teste Tpicos de investigao: Mudanas de apreciao entre 2 e 3 volta

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Lista de Tabelas

Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 -

Principais causas de anos de vida ajustados incapacidade (DALYs) a nvel mundial na faixa etria dos 15-44 anos, estimativas para 2000 ...................... 7 Principais causas de anos de vida ajustados incapacidade (DALYs) na Regio Europeia (OMS) em todas as idades, estimativas para 2000 ........................... 8 Abordagens metodolgicas para definio de prioridades para investigao em sade..................................................................... 20 Investigadores (ETI) por rea cientfica e tecnolgica de actividade principal, segundo o sector Estado, Ensino Superior e IPsFL, em 1999 ......................... 28 Participao dos peritos nas trs voltas do exerccio Delphi consoante a sua distribuio geogrfica..................................................... 42 Respostas s voltas dentro do prazo inicial e em perodo extraordinrio ......... 44 Distribuio dos tpicos de investigao sob as categorias ........................... 46 Proporo de consensos para cada valor da mediana (%) ............................ 51 Tpicos classificados como prioridades de investigao consensual (3 volta).. 51

Tabela 10 - Tpicos classificados como prioridades de investigao consensual (2 volta).. 52 Tabela 11 - Diferenas significativas nas apreciaes da 3 volta face ao tipo de especialidade ................................................................... 53 Tabela 12 - Diferenas significativas nas apreciaes da 3 volta face zona de provenincia geogrfica dos membros do Painel..................... 54 Tabela 13 - Diferenas significativas nas apreciaes da 3 volta face ao gnero.............. 55 Tabela 14 - Diferenas significativas nas apreciaes da 3 volta face aos diversos nveis de formao complementar .................................... 56 Tabela 15 - Diferenas significativas nas apreciaes da 3 volta face sua situao perante a docncia no ensino superior ........................... 57 Tabela 16 - Tpicos com grau de prioridade muito prioritrio que no reuniram consenso (3 volta)....................................................... 62

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Lista de Figuras

Figura 1 - Definio e propsito da Investigao & Desenvolvimento (I&D) ...................... 12 Figura 2 - Factores envolvidos na definio de prioridades............................................. 16 Figura 3 - Comparao internacional do pessoal total em I&D e investigadores em permilagem da populao activa em 1999 .................................................... 28

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Siglas e Abreviaturas

6PQ DALY DGS ETI EUA FCT I&D IDT INFARMED INSA IPsFL OCT OMS ONG PIB SIDA SNIS SNS UE UNL VIH

6 Programa-Quadro de Investigao da Unio Europeia Disability Adjusted Life Year Direco-Geral de Sade Equivalente a tempo integral Estados Unidos da Amrica Fundao para a Cincia e Tecnologia Investigao e Desenvolvimento Instituto da Droga e da Toxicodependncia Instituto Nacional de Farmcia e do Medicamento Instituto Nacional de Sade Dr. Ricardo Jorge Instituies Privadas sem Fins Lucrativos Observatrio das Cincias e das Tecnologias Organizao Mundial de Sade Organizao No Governamental Produto Interno Bruto Sndroma da Imunodeficincia Adquirida Sistema Nacional de Investigao em Sade Servio Nacional de Sade Unio Europeia Universidade Nova de Lisboa Vrus da Imunodeficincia Humana

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Resumo

Este estudo teve como objectivo identificar prioridades de investigao consensual em sade mental em Portugal. Recorreu-se aplicao da tcnica do Painel Delphi, em trs voltas. Endereou-se convite a 77 mdicos com a especialidade de psiquiatria ou pedopsiquiatria para participarem no estudo, solicitando-lhes que indicassem at quatro tpicos de investigao que na sua opinio deveriam ser considerados como prioritrios. De todos os convites efectuados 37 (48.1%) aceitaram participar na 1 volta deste exerccio. Os 110 tpicos de investigao inicialmente apurados foram por ns organizados em 14 categorias e enviados numa 2 volta para apreciao dos membros do Painel, tendo-lhes sido solicitado que se pronunciassem sobre o grau de prioridade a atribuir a cada um desses tpicos no mbito de uma agenda de investigao em sade mental. A 3 volta, consistiu numa repetio da volta anterior, tendo-se no entanto fornecido aos membros do Painel informao de feedback sobre o posicionamento central e disperso do grupo em cada um dos tpicos de investigao. Face definio de consenso adoptada identificou-se a presena de consenso em 67 tpicos, distribudos por diferentes graus de prioridade. Os requisitos estabelecidos para classificao enquanto prioridade de investigao consensual foram identificados em 18 tpicos. Estes tpicos englobam-se na sua maioria nas categorias da investigao epidemiolgica, organizao e prestao de cuidados e identificao de necessidades. Estes resultados podem suscitar um conjunto de reflexes e medidas para a aco na rea da investigao em psiquiatria ou pedopsiquiatria. Contudo, se adoptarmos uma perspectiva mais geral da sade mental, constatamos que neste campo interagem vrios outros actores para alm de psiquiatras e pedopsiquiatras. Entendemos por isso ser necessrio alargar este tipo de investigao a esses actores como forma de averiguar a convergncia e/ou divergncia de perspectivas e a oportunidade de desenvolver uma agenda de investigao comum. Palavras-chave Consenso; Delphi; pedopsiquiatria; prioridades de investigao; psiquiatra; sade mental.

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Introduo

(...) talking about health without mental health is a little like tuning an instrument and leaving a few discordant notes. Gro Harlem Brundtland, 2001

Historicamente a vulnerabilidade e o sofrimento das pessoas afectadas por um problema de sade mental, foi por uma grande parte da sociedade, muitas vezes ignorado ou incompreendido. No entanto, ao longo do Sc. XX, e de forma mais pronunciada a partir da sua segunda metade, em virtude de vrios avanos cientficos que permitiram um maior conhecimento da etiologia e formas de evoluo desses problemas e ao trabalho desenvolvido por vrios movimentos de defesa dos direitos dos pacientes mentais, p. ex., o movimento para a desinstitucionalizao (Ornelas, 1996), a sade mental comeou progressivamente a ser reconhecida como fazendo parte integrante e indissocivel de um conceito global de sade, incluindo naturalmente a sade fsica. No entanto, no momento em que se assiste a este reconhecimento do papel central da sade mental para a sade e bem-estar em geral, e em que os defensores da sade mental, teriam uma oportunidade para se debruarem sobre formas de consolidar os avanos at ao momento alcanados, tendo em vista a obteno por parte deste campo de uma maior paridade dentro do sistema de sade, coloca-se um novo desafio resultante do previsvel aumento em termos mundiais nos prximos anos do nmero de pessoas afectadas por distrbios neuropsiquitricos estimados recentemente como atingindo presentemente os 450 milhes de pessoas (WHO, 2001a). Esta nova realidade, enquadra-se num contexto mundial caracterizado de um modo geral por um crescimento econmico lento, em que a necessidade de uma maior rentabilizao das verbas afectadas ao sector da sade se tem vindo gradualmente a impor, sendo cada vez mais usual o recurso a vrias abordagens metodolgicas para identificao de prioridades, assentes em diversos critrios, que visam maximizar os recursos disponveis (atravs da afectao de recursos para reas mais carentes e/ou para reas com um maior potencial de melhoria do estado global de sade de uma populao).

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Apesar de no se poder considerar a definio de prioridades em sade como um fenmeno novo um aspecto recente deste processo tm sido as presses exercidas por vrios sectores da sociedade, para que estas decises sejam mais explcitas e democrticas, e para que esses sectores tenham uma voz nesse processo, sobretudo quando determinadas decises podero implicar uma restrio ou cessao da prestao de certos cuidados de sade. A investigao e desenvolvimento (I&D) em sade surge com alguma frequncia citada nestes processos, no s como uma forma atravs da qual se visa um avano do conhecimento sobre uma determinada condio de sade e no delineamento de estratgias para a sua resoluo, mas tambm como um recurso no qual os decisores se podero apoiar para fundamentar algumas das suas opes em termos de prioridades em sade. No entanto a I&D em sade, para alm de se defrontar com o mesmo tipo de restries oramentais colocadas a afectao de recursos para a sade, tambm se tem confrontado com alguns problemas, em parte devido frequente ausncia de definio de prioridades para I&D e em assegurar que os resultados obtidos tenham um maior impacto nos problemas de sade da populao (Global Forum for Health Research, 2002). Quer na rea da definio de prioridades para I&D em sade, quer na rea da definio de prioridades para prestao de cuidados de sade tem vindo a ser sucessivamente afirmado a necessidade de envolver nesses processos representantes de vrias partes interessadas, desde representantes dos profissionais de sade a representantes dos utentes, como forma de que os interesses destas partes e a sua importncia relativa possam ser devidamente consideradas e valorizadas, para que se estimule um dilogo, e se identifiquem reas consensuais que possam eventualmente conduzir ao desenvolvimento de esforos conjuntos que possibilitem um maior impacto na sade das populaes. O trabalho que aqui apresentamos procurou numa primeira fase debruar-se sobre vrios aspectos das questes anteriormente descritas numa perspectiva geral da sade mas com uma ateno especial (e bvia) sobre o campo da sade mental, em termos da forma como estas tm vindo a ser abordadas primeiro numa perspectiva mundial e seguidamente quanto forma como estas se tm traduzido na realidade portuguesa. De referir que esta postura transversal, com uma maior ou menor intensidade, foi mantida ao longo deste trabalho, na medida em que a sua execuo se pautou pelo assumir de um entendimento da sade mental como um campo especfico de uma sade global, e no numa perspectiva dicotmica sade mental versus sade fsica. Tanto quanto do nosso conhecimento, o exerccio que nos propusemos realizar atravs deste trabalho constitui uma primeira tentativa, que reconhecemos desde j como parcelar, de identificao de uma forma sistemtica de prioridades de investigao em sade mental, na medida em que, das vrias partes passveis de serem envolvidas num processo com estas caractersticas, optmos por incluir apenas representantes de duas culturas profissionais. Esta opo teve em considerao a posio central que presentemente estes profissionais detm em

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termos de organizao e prestao de cuidados de sade mental. Esperamos, por isso, que este trabalho possa constituir um primeiro passo para uma auscultao sistemtica destes e de outros actores do campo da sade mental. Apresenta-se, seguidamente, uma breve descrio dos vrios captulos que integram este trabalho. No primeiro captulo, pretendemos situar o problema em anlise neste estudo atravs de uma abordagem geral a vrias das implicaes que os distrbios mentais assumem em termos mundiais. Debruamo-nos seguidamente sobre a situao actual dos recursos ao dispor da sade mental e sobre os desafios que so colocados a este campo da sade, numa perspectiva de sade pblica, face s tendncias de evoluo desta problemtica. Indica-se, seguidamente alguns fundamentos apontados para a necessidade de investigao em sade, e algumas das vrias dimenses em que se pode perspectivar o conceito de investigao em sade. Assinalamse algumas das dificuldades que tm atravessado a rea da I&D em sade, algumas formas de definio de prioridades em sade e o seu reflexo na definio de prioridades de investigao em sade. Enunciam-se algumas abordagens metodolgicas desenvolvidas no mbito da definio de prioridades de investigao em sade, bem como algumas particularidades que esse processo encontra no campo da sade mental. Seguidamente centramos as nossas atenes sobre a situao portuguesa em termos do estado da sade mental e da I&D em sade. Na ltima parte do captulo apresentamos os argumentos em que o presente estudo se apoia e enunciamos os objectivos que nos propusemos alcanar atravs da sua realizao. O segundo captulo, tem incio com a descrio dos pressupostos tericos gerais inerentes utilizao de uma tcnica de desenvolvimento de consenso como o Painel Delphi, assinalando as suas potencialidades e limitaes. Debruamo-nos seguidamente sobre as opes metodolgicas adoptadas em termos da seleco dos participantes e dos procedimentos seguidos desde a fase de pr-teste ao tratamento e anlise dos dados. No terceiro captulo expem-se os resultados obtidos, comeando por indicar o nmero de tpicos de investigao que preencheram o critrio definido para classificao enquanto prioridade de investigao consensual. Analisa-se seguidamente a variao nas apreciaes dos participantes nos vrios itens que foram colocados para sua apreciao em vrias fases da recolha de dados, procedendo-se posteriormente a vrias comparaes ao nvel do resultado obtido na ltima fase de recolha de dados face a vrias caractersticas dos participantes. No quarto captulo tem lugar a discusso dos resultados, num primeiro momento incidindo sobre a forma como se efectuou e conduziu a recolha e tratamento de dados e o impacto desta nos resultados obtidos. Procede-se seguidamente a uma anlise mais detalhada das prioridades de investigao consensual identificadas e a uma comparao com alguns resultados obtidos por outros estudos de ndole de algum modo similar ao presente estudo. Debruamo-nos ainda sobre vrios tpicos de investigao que apesar de lhes ter sido atribudo por muitos participantes um grau de prioridade elevado no conseguiram reunir consenso. Examina-se ainda o sentido das diferenas significativas encontradas em consequncia da

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comparao entre as apreciaes efectuadas pelo Painel, a vrios itens que foram colocados para sua anlise, face a vrias caractersticas dos membros deste Painel. O captulo termina com a explicitao das limitaes que identificmos no presente trabalho. Nas concluses procede-se a uma reflexo sobre os resultados alcanados, face aos objectivos do estudo. Esta baseou-se numa apreciao global do percurso que decorreu entre a fase de identificao de elementos para constituio do Painel at discusso dos resultados. Indicam-se ainda vrias possibilidades de explorao adicional dos resultados obtidos, sugeremse possveis formas de dar continuao ao presente estudo, e encerra-se este trabalho atravs da exposio de algumas consideraes finais em que se tentou perspectivar este estudo face a alguns aspectos da conjuntura actual da I&D em sade em Portugal.

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Captulo I - Enquadramento geral

Embora o nosso conhecimento dos distrbios mentais ou na verdade da sade mental tenha crescido ao longo dos anos, continuam a existir muitas variveis desconhecidas sobre a sua etiologia, a eficcia e efectividade dos tratamentos e estratgias preventivas. No entanto, apesar das causas precisas poderem no ser conhecidas, os factores que a influenciam comeam a ser conhecidos, podendo estes serem biolgicos, psicolgicos, e scio-culturais, ou, de uma forma mais especfica envolverem aspectos relacionados com a gentica, traumatismos fsicos, condies de nutrio, condies habitacionais, ambiente familiar, intoxicaes qumicas, desenvolvimento cognitivo e afectivo, estabilidade social, entre outras influncias (US Department of Health and Human Services, 1999; WHO, 2001a). Como tem vindo progressivamente a ser demonstrado por vrios estudos, os distrbios mentais no so uma caracterstica identificativa de algum grupo em particular, sendo encontrados em pessoas de todos os pases, em zonas urbanas e zonas rurais, ao longo das vrias fases da vida, em homens e mulheres, e entre ricos e pobres (WHO, 2001a). O estigma e discriminao, frequentemente associados percepo de que as pessoas com distrbios mentais so frequentemente violentas e no tratveis, comprometem frequentemente o acesso destas habitao, ao emprego, e a outros aspectos bsicos da vida em sociedade. A agravar este tipo de situao est o facto de os atingidos por este tipo de distrbios hesitarem frequentemente em procurar ajuda profissional, por vrios motivos, desde receios de uma hospitalizao compulsiva, estigmatizao social, aos custos dos tratamentos, indisponibilidade ou inadequao das caractersticas dos servios de sade s necessidades da populao, e em algumas ocasies por um menosprezo do problema (US Department of Health and Human Services, 1999). Isto apesar de existirem, para a maioria das doenas mentais no um tratamento, mas um vasto leque de opes de tratamento, quer de ndole psicossocial, quer de ndole farmacolgica. Os distrbios mentais tm vrios custos no s ao nvel dos prprios afectados, mas tambm ao nvel dos seus familiares ou dos prestadores de cuidados, e da sociedade em geral. A diminuio de produtividade em casa, no emprego, a perturbao da rotina familiar devida a comportamentos disruptivos consequncia da doena, restries vrias vida social, os custos com despesas de sade podem afectar seriamente os pacientes e a situao financeira familiar, podendo conduzir, ou piorar, situaes de pobreza. Parte destes custos so evidentes e mensurveis, enquanto que outra parte mais difcil de quantificar. Nos Estados Unidos da

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Amrica (EUA) uma estimativa efectuada em 1990 aos custos dos distrbios mentais em que foram includos os custos com um leque alargado de servios de sade, os custos dos seguros privados de sade, os custos de uma produtividade reduzida ou perdida devido morbilidade, os custos de morte prematura, custos causados s vtimas de crimes e s despesas do sistema judicial, apontava para que os custos de todos os distrbios mentais tenham correspondido a 148 bilies de dlares, respectivamente 2.5% do PIB dos EUA nesse ano (Rice et al, citados por Commission on Macroeconomics and Health, 2001). Tradicionalmente, o peso dos distrbios mentais tem sido medido essencialmente em termos de incidncia/prevalncia e mortalidade. Embora estes indicadores sejam adequados para doenas agudas que causam morte ou resultam em recuperao plena, o seu uso em doenas crnicas e incapacitantes enfrenta vrias limitaes, particularmente no caso dos distrbios mentais, que so mais frequentemente causa de incapacidade do que de morte prematura. Uma forma mais recente de quantificar o impacto de vrias condies de sade em termos de morte prematura e de incapacidade que provocam atravs do recurso metodologia do Peso Global da Doena (GBD - Global Burden of Disease). Esta metodologia foi desenvolvida atravs de uma parceria entre a Escola de Sade Pblica de Harvard, em colaborao com o Banco Mundial e a Organizao Mundial de Sade (OMS) e introduzida pela primeira vez no relatrio de 1993 do Banco Mundial1. Para alm de apresentar vrios dados e estimativas de mortalidade e morbilidade de vrias doenas e condies de sade, introduziu-se tambm um novo indicador o ano de vida ajustado incapacidade (DALY2

Disability-adjusted life year)

para quantificar o peso da doena (WHO, 2001a). Atravs desta mudana de mtodo, muitas das principais causas de mortalidade (p. ex., doenas transmissveis) permaneceram proeminentes, no entanto o peso de distrbios incapacitantes no-fatais foi reconhecido, nomeadamente os dos distrbios mentais (Commission on Macroeconomics and Health, 2001). As estimativas calculadas para o ano de 1990, indicavam que as perturbaes neuropsiquitricas tero correspondido a 10.5% do total de DALYs no conjunto de todas as doenas e leses (Murray & Lopez, citados por WHO, 2001a). A projeco realizada para o ano 2000 apontava para que este valor fosse corresponder a 12.3% do total de DALYs. De referir que entre as 20 principais causas de DALYs, quando consideradas todas as faixas etrias, trs corresponderam a condies neuropsiquitricas. Quando considerada apenas a faixa etria de 15-44 anos, este nmero sobe para seis (Tabela 1). Quando considerada apenas a Regio Europeia da OMS, estes valores assumem propores superiores. Assim para o ano de 2000 as estimativas calculadas indicavam que este tipo de

1 World Bank (1993). World development report 1993: Investing in health. New York: Oxford University Press. 2

O DALY um indicador de medida do hiato em sade, que combina informaes sobre o impacto da morte prematura com a incapacidade e outros resultados no fatais. Pode-se considerar um DALY como um ano perdido de vida saudvel, e o peso da doena como uma medida do hiato entre o status de sade actual e uma situao ideal na qual todos chegam velhice livres de doenas e incapacidades (WHO, 2001a, p. 25).

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perturbao ao nvel de todas as idades ter correspondido a 15% do total de DALYs (Tabela 2). Para 2020 estima-se que esse valor ir corresponder a 21.4% do total de DALYs (Murray & Lopez, 1996), valor este superior a estimativa mundial para esse ano que se prev situar-se em cerca de 15% de DALYs (Murray & Lopez, citados por WHO, 2001a).

Tabela 1 - Principais causas de anos de vida ajustados incapacidade (DALYs) a nvel mundial na faixa etria dos 15-44 anos, estimativas para 2000* % total DALYs 1 2 3 4 5 6 7 8 9 VIH/SIDA Perturbaes depressivas unipolares Acidentes de viao Tuberculose Perturbaes por consumo de lcool Leses auto-infligidas Anemia ferropnica Esquizofrenia Perturbaes afectivas bipolares 13.0 8.6 4.9 3.9 3.0 2.7 2.6 2.6 2.5 2.3 2.0 1.5 1.5 1.4 1.3 1.3 1.2 1.2 1.2 1.2

10 Violncia 11 Perda de audio na idade adulta 12 Doena pulmonar obstrutiva crnica 13 Doena isqumica cardaca 14 Doenas cerebrovasculares 15 Quedas 16 Complicaes do trabalho de parto 17 Aborto 18 Osteoartrite 19 Guerra 20 Perturbaes de pnico

Fonte: OMS (2001a) citando Murray & Lopez. * As condies neuropsiquitricas e as leses auto-infligidas esto destacadas.

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Tabela 2 -Principais causas de anos de vida ajustados incapacidade (DALYs) na Regio Europeia (OMS) em todas as idades, estimativas para 2000* % total DALYs 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Doena isqumica cardaca Doenas cerebrovasculares Perturbaes depressivas unipolares Perturbaes por consumo de lcool Alzheimer e outras demncias Leses auto-infligidas Acidentes de viao Infeces do tracto respiratrio inferior Perda de audio na idade adulta Cancros da traqueia, brnquios e pulmo Osteoartrite Doena pulmonar obstrutiva crnica Condies perinatais Cirrose heptica Diabetes mellitus 10.1 6.8 6.0 3.4 3.0 2.6 2.5 2.4 2.3 2.2 2.1 2.1 1.9 1.7 1.6

Fonte: Adaptado de Murray, Lopez, Mathers & Stein (2001) * As condies neuropsiquitricas e as leses auto-infligidas esto destacadas.

Desafios para o futuro prximo Ao longo dos sculos, os portadores de distrbios mentais foram tratados de diferentes maneiras. Foi-lhes atribudo um estatuto elevado nas sociedades que acreditavam serem eles os intermedirios junto dos deuses e dos mortos passando pelo seu encerramento em instituies carcerrias (Cordeiro, 1994). Durante a segunda metade do Sc. XX, assistiu-se a uma mudana no paradigma de prestao de cuidados a esta populao. Esta mudana, segundo a OMS, ficou-se a dever, em grande parte, a trs factores:

aos avanos da psicofarmacologia e ao desenvolvimento de novas modalidades de interveno psicossocial; ao movimento a favor dos direitos humanos; a incorporao de componentes sociais e mentais na definio de sade da OMS em 1948.

Essas ocorrncias tcnicas e sociopolticas contriburam para uma mudana de nfase da prestao de cuidados predominantemente em grandes instituies asilares, para cuidados mais abertos e flexveis na comunidade e pelo desenvolvimento de uma ampla variedade de servios em contextos locais, menos restritivos, conhecido frequentemente sob a designao de desinstitucionalizao. No entanto esta transio no tem constitudo um xito sem reservas, e a prestao de cuidados na comunidade ainda enfrenta muitos problemas operacionais. Entre as razes apontadas para a falta de melhores resultados possvel encontrar: a no atribuio aos

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cuidados de base comunitria dos recursos poupados com o encerramento de hospitais psiquitricos; a inadequada preparao dos profissionais de sade para as novas exigncias desta mudana de paradigma; e o facto dos estigmas tradicionalmente associados s perturbaes mentais continuarem fortes, resultando em atitudes negativas da sociedade para com os afectados por este tipo de distrbios (WHO, 2001a). Tendo em considerao o aumento da esperana mdia de vida, e o envelhecimento da populao, a OMS prev que o nmero de pessoas com distrbios mentais possa aumentar nas prximas dcadas (p. ex., ao nvel das demncias e da doena de Alzheimer), prevendo inclusive que uma pessoa em cada quatro venha a ser afectada por um distrbio mental em alguma fase da sua vida (WHO, 2001a). Esta situao coloca os diferentes governos mundiais perante vrios desafios na organizao, financiamento e prestao de cuidados de sade efectivos a esta populao No ano de 2001, com a publicao do relatrio anual da OMS - dedicado sade mental esta problemtica teve uma exposio e divulgao pblica acrescida. Alguns dos dados e estimativas apresentadas neste relatrio muito contriburam para captar as atenes. Assim, a nvel mundial, a OMS estimava em cerca de 450 milhes o nmero de pessoas atingidas por distrbios neuropsiquitricos (WHO, 2001a). Neste valor incluir-se-ia 70 milhes de pessoas com problemas de dependncia alcolica, cerca de 50 milhes com epilepsia, 24 milhes com esquizofrenia, 1 milho de suicdios por ano, e entre 10 a 20 milhes de tentativas de suicdio. Apesar da relevncia que estes nmeros possam deter, em muitas partes do mundo a sade mental no considerada com a mesma importncia do que a sade fsica, sendo largamente ignorada ou negligenciada. Dados recentes, recolhidos pela OMS, sugerem que muitos pases no esto preparados para lidar com o previsvel aumento do nmero de pessoas atingidas por distrbios mentais. Os resultados de um projecto de caracterizao dos recursos ao dispor da sade mental no mundo, iniciado em 2000, sob a designao de Projecto Atlas (WHO, 2001b), tornaram visveis algumas dessas fragilidades nomeadamente quando se constata que dos 185 pases estudados:

41% no tem uma poltica de sade mental (e dos que tm mais de 90% no contemplam as crianas e os adolescentes; 31% no tm uma poltica para combate ao abuso de substncias; 44% dos pases no tem um sistema organizado de recolha de dados epidemiolgicos ou de registo das actividades dos servios de sade mental; 70% da populao mundial tem acesso a menos de um psiquiatra por 100 000 habitantes; 28% no tem um oramento especfico para a sade mental dentro do oramento geral da sade (de notar que entre os pases que referiram ter um oramento separado, 36% atribu-lhe menos de 1% das verbas do oramento da sade); 41% no disponibilizam tratamento para distrbios mentais graves nos cuidados de sade primrios (87% dos pases disponibilizam no entanto cuidados de sade mental a este nvel);

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65% das camas para cuidados de sade mental esto localizada em hospitais psiquitricos; 43.8% da populao mundial tem acesso a menos de um enfermeiro especializado em sade mental por 100 000 habitantes; 68% dos pases tem afectos a contextos de sade mental menos de um psiclogo clnico por 100 000 habitantes; 64% dos pases tem afectos a contextos de sade mental menos de um assistente social por cada 100 000 habitantes; 25% no tem legislao sobre sade mental; 12% dos pases no dispe de ONGs com actividades na rea da sade mental.

A OMS, tendo em considerao a magnitude desta problemtica, o carcter multifacetado da sua etiologia, o estigma e a discriminao generalizada e a diferena de nvel de tratamento que existe em todo o mundo, considera no seu relatrio de 2001 sobre a sade mundial, que uma abordagem de sade pblica ser o mtodo de resposta mais apropriado, sugerindo vrias medidas a adoptar assentes neste tipo de perspectiva, nomeadamente:

formular polticas destinadas a melhorar a sade mental das populaes; assegurar o acesso universal a servios apropriados e econmicos, inclusive servios de promoo e preveno da sade mental; garantir uma proteco e ateno adequada dos direitos humanos dos doentes institucionalizados com perturbaes mentais mais graves; avaliar e monitorizar a sade mental das comunidades, inclusive as populaes vulnerveis, tais como crianas, mulheres e pessoas idosas; promover estilos de vida saudveis e reduzir os factores de risco de perturbaes mentais e comportamentais, tais como ambientes familiares instveis, maus tratos e instabilidade civil; apoiar uma vida familiar estvel, a coeso social e o desenvolvimento humano; fortalecer a investigao sobre as causas das perturbaes mentais e comportamentais, o desenvolvimento de tratamentos eficazes e a monitorizao e avaliao dos sistemas de sade mental (WHO, 2001a).

Ainda no mbito desse relatrio a OMS, tendo em considerao o peso actual dos distrbios mentais e algumas das estimativas que so apresentadas apontando para o seu agravamento num futuro prximo, elaborou um conjunto de recomendaes para a aco3 que entendeu deverem ser prosseguidas quer em termos mundiais quer nacionais para fazer face a esta problemtica. Nessas recomendaes uma das medidas que novamente proposta o reforo do papel da investigao. Entre os vrios desenvolvimentos previsto neste campo est a obteno de dados para apoiar a definio de prioridades, para planear e avaliar intervenes,

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Foram nesse relatrio efectuadas 10 recomendaes, nomeadamente: (1) disponibilizar tratamento nos cuidados primrios; (2) assegurar a disponibilidade de medicamentos psicotrpicos; (3) proporcionar cuidados na comunidade; (4) educar o pblico; (5) envolver as comunidades, as famlias e os utentes; (6) estabelecer polticas, programas e legislao nacionais; (7) formar os recursos humanos; (8) estabelecer parcerias com outro sectores; (9) monitorizar a sade mental na comunidade; (10) apoiar mais a investigao.

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bem como para de um modo geral contribuir para uma maior sensibilizao para esta problemtica.

Investigao em sade: Fundamentos e conceitos A investigao em sade tem conduzido a dois tipos de melhoria: em primeiro lugar, produzir informao que possa levar adopo por parte da populao de comportamentos mais saudveis em vrios aspectos do seu quotidiano; em segundo lugar, produzir informao aplicvel em intervenes tcnicas directas, tais como vacinas, medidas de sade pblica e tratamentos. Dados dos EUA demonstraram que muitos produtos de I&D, tais como as vacinas e tratamentos, produziram poupanas substanciais ao evitarem o aparecimento de casos de doena, reduziram os custos com cuidados de sade e possibilitaram uma maior produtividade (National Institutes of Health, citados por Ad Hoc Committee on Health Research Relating to Future Interventions Options, 1996). Por exemplo, ao nvel da investigao em toxicodependncia foi demonstrado que esta conduziu elaborao de programas de tratamento em que, por cada dlar neles investido estes contriburam com um retorno entre quatro a sete dlares na reduo dos custos dos crimes relacionados com o abuso de substncias e com as despesas do sistema judicial (Ad Hoc Committee on Health Research Relating to Future Interventions Options, 1996). A investigao em sade, no , contudo, uma noo simples nem linear, sendo constituda por um conjunto de processos envolvendo uma multiplicidade de dimenses, de metodologias e de objectivos que, antes de avanarmos mais neste tema, se coloca a necessidade da sua prpria definio. Algumas das definies de investigao em sade que encontrmos, apesar de terem muitos aspectos semelhantes, distinguem-se pela diferena de terminologia utilizada e pela maior ou menor descrio das reas de investigao. A investigao em sade, segundo algumas organizaes, ou grupos de investigadores, pode ser entendida como:(...) uma parte essencial do desenvolvimento nacional da sade (...). Inclui pois a investigao mdica e biomdica relacionada com uma variedade extensa de assuntos mdicos e envolvendo varias cincias da vida tais como a biologia molecular e a biofsica; a investigao clnica, que baseada na observao e tratamento de pacientes ou voluntrios; investigao epidemiolgica, que est relacionada com o estudo e com o controle das doenas e de situaes que so suspeitas de ser prejudiciais sade; e a investigao socio-econmica e comportamental, que investiga as determinantes scio-econmicas, psicolgicas e culturais da sade e da doena tendo em vista a promoo da sade e a preveno da doena. Frequentemente uma combinao multidisciplinar dos tipos de investigao anteriormente referidos necessria para resolver um problema de sade (WHO, 1984, p.28). (...) um processo para gerar conhecimento de forma sistemtica, e para testar hipteses, dentro do domnio das cincias mdicas e naturais bem como as cincias sociais, incluindo a economia e as cincias comportamentais. A informao resultante deste processo pode ser

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utilizado para melhorar a sade dos indivduos ou grupos (Global Forum for Health Research, 2002, p. 103). (...) um processo para obter conhecimento sistemtico e tecnologia que possam ser utilizados para melhorar a sade de indivduos ou grupos. A investigao em sade fornece informao bsica sobre o estado da sade e de doena da populao; procura desenvolver ferramentas para prevenir e curar doenas e mitigar os seus efeitos; e procura formular melhores abordagens aos cuidados de sade para os indivduos e para a comunidade. A informao sobre as necessidades de sade pode consistir em medidas de condies, medies da importncia relativa de vrios factores de risco para a doena, e anlise das fontes de ineficincia nos servios de sade que tem um impacto directo na sade. A investigao em sade comporta diferentes tipos nomeadamente a investigao fundamental cujo propsito primrio o avano do conhecimento, a investigao estratgica cujo propsito primrio e o de aumentar o conhecimento e compreenso de um problema de sade, com a perspectiva eventual de resolver ou reduzir o impacto desse problema, e a investigao de desenvolvimento e avaliao cujo propsito primrio o de resolver problemas especficos relacionados com os cuidados de sade e com a sua disponibilizao (Ad Hoc Committee on Health Research Relating to Future Interventions Options, 1996, p.2).

Tal como perceptvel pela leitura da ltima definio de investigao em sade indicada, alguns autores ou grupos de trabalho, neste caso o Comit Ad Hoc sobre a Investigao em Sade acerca das Opes de Interveno do Futuro4 (Ad Hoc Committee on Health Research Relating to Future Interventions Options), isolaram alguns tipos de investigao que, consoante o seu propsito, pudessem ter uma maior ou menor ambio de mudar a prtica ou de fazer avanar o conhecimento (Figura 1).

Figura 1 - Definio e propsito da Investigao & Desenvolvimento (I&D) Definies PropsitoAvanar o conhecimento Mudar a prtica

Investigao Fundamental Investigao Estratgica Investigao de desenvolvimento e avaliaoFonte: Adaptado de Ad Hoc Committee on Health Research Relating to Future Interventions Options (1996)

Um grupo de trabalho, constitudo sob os auspcios do Instituto Nacional de Sade Mental dos EUA (National Institute of Mental Health - NIMH), com um mandato para elaborar estrat-

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Comit constitudo sobre os auspcios da OMS, que tinha como mandato, entre outros aspectos, abordar as prioridades de I&D, particularmente ao nvel do desenvolvimento de produtos e procedimentos que transformam os resultados de investigao em ferramentas prticas, e as perspectivas de financiamento e mudanas institucionais (em termos nacionais e internacionais) que pudessem potenciar a produtividade das despesas com I&D.

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gias para acelerar o desenvolvimento e utilizao de tratamentos e outras intervenes baseadas na investigao na prtica clnica e nas polticas, isolou tambm alguns tipos de investigao, nomeadamente: a Investigao da Eficcia efficacy research; a Investigao da Efectividade effectiveness research; a Investigao da Prtica practice research; e a Investigao sobre o Sistema de Servios service systems research. Esta terminologia, tal como indicado no relatrio produzido por este grupo, teve origem numa necessidade de organizar a recenso da literatura e a comunicao dentro do prprio grupo de trabalho (US National Advisory Mental Health Councils, 1999). Atravs de uma pesquisa numa base de dados sobre bibliografia em sade, por exemplo a Medline/PubMed da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, ainda possvel encontrar outras designaes tais como: Investigao de Servios de Sade health services research (ver p.ex., Barry, Blow, Dornfeld, & Valenstein, 2002; Essock, 1999; Norquist, 1997); e Investigao de Sistemas de Sade health systems research (ver p.ex., Dutta, 1993; Suwanwela & Dharmkrong-At, 1982; Taylor, 1984). Estas, e outras designaes de investigao em sade, para alm de nos darem uma percepo de qual o seu propsito, de revelarem a abrangncia de reas de investigao em sade, permitem-nos ainda vislumbrar os possveis, e provveis, desentendimentos que a no explicitao do conceito de investigao em sade que se utiliza em determinado contexto, poder gerar entre investigadores, mas tambm nos seus financiadores, e sobretudo no pblico em geral.

Algumas dificuldades da investigao em sade Para o pblico em geral, e mesmo para muitos decisores com responsabilidades ao nvel do financiamento da investigao em sade esta permanece uma rea de especialidade misteriosa povoada por cientistas rodeados de microscpios. Com efeito, a investigao em sade tende somente a emergir para a ribalta pblica quando a comunicao social noticia a descoberta de um novo medicamento, a aplicao de um novo procedimento cirrgico, ou quando algum se encontra gravemente doente e que se espera que a investigao disponibilize uma cura de ltima hora (Global Forum for Health Research, 1999). O que j no to perceptvel pelo pblico so as dificuldades que tm rodeado a investigao em sade, nomeadamente o financiamento deficitrio de algumas reas, a incipiente definio de prioridades, e a incapacidade para assegurar que os resultados da investigao tenham um maior impacto nos problemas de sade da populao (Global Forum for Health Research, 2002). Uma das primeiras ocasies em que estas dificuldades captaram a ateno mundial foi em 1990 aquando da apresentao na 15 Conferncia Nobel do relatrio da Comisso sobre Investigao em Sade para o Desenvolvimento5. Esta Comisso, organizada sob os auspcios de vrios patrocinadores, entre os quais o Centro de Investigao e Desenvolvimento Interna5

Commission on Health Research for Development (1990). Health research: Essential link to equity in development. New York: Oxford University Press.

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cional6, apresentou uma estimativa de que somente cerca de 10% ou menos do financiamento mundial investigao em sade estaria afecto a doenas responsveis por cerca de 90% do peso global da doena, desequilbrio este que ficou desde ento conhecido sob a designao de hiato 10/90. Outro dos desequilbrios assinalados nesse relatrio foi de que a maior parte do financiamento para investigao em sade se situava no campo clnico, biomdico e laboratorial, oscilando estes valores entre os 60% e os 90% (Global Forum for Health Research, 2001; Task Force on Health Research for Development, 1991). Decorridos mais de 10 anos desde a apresentao do relatrio anteriormente referido, e apesar de desde ento o financiamento para investigao ter crescido estimando-se que em 1998 tenham sido gastos mundialmente em I&D cerca de 73.5 bilies de dlares7, comparado com 56 bilies de dlares estimados para o ano de 1992, segundo o Frum Global para a Investigao em Sade8 (adiante designado por Frum Global), o problema da afectao de recursos mantm-se praticamente na mesma, continuando a maior parte do financiamento para investigao em sade a ser canalizado para o campo biomdico, sendo poucos os investimentos nos campos da economia da sade e nas cincias sociais. Este um problema grave porque subentende uma atitude marcadamente economicista permitindo-nos supor que na maior parte dos casos a definio de prioridades de investigao em sade, mais do que ter em conta o peso global da doena, necessariamente dependente, entre outros indicadores, do nmero de pessoas afectadas por essas doenas, est essencialmente preocupada em desenvolver intervenes para as doenas que afectam pessoas que so perspectivadas como potenciais consumidores de produtos ou servios resultantes da sua investigao. Para agravar esta situao mesmo os 10% de fundos afectos a 90% dos problemas de sade mundiais no so utilizados da forma mais eficiente possvel, na medida em que a distribuio de verbas para I&D frequentemente no assenta na identificao de reas prioritrias (Global Forum for Health Research, 2002). Os motivos para este desequilbrio na investigao em sade, segundo o Frum Global, assentam em vrios condicionalismos presentes junto dos responsveis pela afectao de verbas para I&D e da comunidade de investigadores em sade. No seu relatrio anual de 1999,6

O Centro de Investigao e Desenvolvimento Internacional (International Development Research Centre http://web.idrc.ca/) uma instituio pblica criada pelo Parlamento do Canad em 1970 para ajudar os pases em vias de desenvolvimento a utilizar a cincia e a tecnologia na procura de solues prticas e de longo-prazo para os problemas sociais, econmicos e ambientais que estes enfrentam.7

A distribuio deste valor por sector, segundo as estimativas efectuadas, indicam que a parte de financiamento pblico tenha ascendido aos 37 bilies (50%), a indstria farmacutica e as empresas de biotecnologia aos 30.5 bilies (42%), e outras organizaes sem fins lucrativos, privadas ou universitrias os restantes 6 bilies (8%). O Frum Global para a Investigao em Sade (Global Forum for Health Research http://www.globalforumhealth.org/) uma fundao internacional independente, criada em 1998, com sede em Geneva, com o objectivo de ajudar o corrigir o hiato 10/90 na investigao em sade. Assenta a sua estratgia em trs aspectos: (1) um Encontro Anual em que o Frum pretende funcionar como uma catalisador onde os problemas podem ser examinados por vrios decisores polticos e investigadores; (2) estimular a discusso sobre metodologias para ajudar a estabelecer prioridades de investigao em sade; e (3) apoio a redes de investigao num esforo concertado para procurar solues para problemas de sade prioritrios e deste modo atrair novos financiamentos para essas reas (Global Forum for Health Research, 2002).8

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so apontados e descritos vrios desses condicionalismos, nomeadamente: (a) falta de informao, deficiente disseminao, e sobrecarga de informao; (b) enfoque em metas de curto prazo ou em interesses particulares; (c) dificuldade de comunicao entre os investigadores e a imprensa; (d) restries impostas por falta de meios (investigadores, equipamentos e instalaes); (e) falta de financiamento adequado; (f) e falta de colaborao entre o sector pblico e privado (Global Forum for Health Research, 1999). Podemos verificar que no conjunto destes condicionalismos sobressai o papel da informao (ausncia ou inadequao) enquanto bice neste processo. Ora, o problema da informao um problema crucial em vrias reas da investigao em sade, mas de forma mais particular, no que respeita informao para a definio de prioridades de investigao. Nestes termos, alm da necessidade de dados de natureza biomdica sobre o estado de sade da populao de uma determinada regio ou pas, referida a necessidade de informao de outros sectores para alm da sade, informaes estas nem sempre existentes ou disponveis. Em alguns casos a informao apresentada aos decisores descrita numa linguagem excessivamente tcnica, o que pode dificultar uma adequada compreenso da sua importncia. A dificuldade encontrada por alguns investigadores em transmitir de uma forma simples e compreensvel, os resultados do seu trabalho comunicao social, poder tambm em alguns casos determinar a investigao que ir, ou no, ser apoiada. O predominante financiamento de investigao com metas de curto prazo, que podero ser percepcionadas pelos decisores como garantido uma aco rpida e politicamente mais visvel, ir necessariamente limitar o financiamento disponvel para outro tipo de investigao, eventualmente com um impacto mais profundo nessas mesmas condies de sade, mas que s ir ocorrer num mdio e longo prazo. As decises de financiamento so frequentemente ainda influenciadas por factores que incluem as preferncias pessoais dos decisores, de grupos, ou cientistas influentes, e pela tradio de financiamento, decises estas que apesar de poderem parecer pertinentes podero no corresponder s necessidades de sade da populao (Global Forum for Health Research, 1999). Como referimos atrs, a todos estes factores h ainda a juntar factores marcadamente econmicos, pois ao nvel do sector privado os decisores so primeiramente responsveis pela sobrevivncia das suas empresas, pelo que as decises sobre investimento so predominantemente baseadas em perspectivas de lucro que inevitavelmente limitam o investimento em doenas e condies de sade menos prevalentes e com um potencial de mercado mais limitado. O Frum Global considera que nos casos em que nem o sector privado nem o pblico tenham capacidade para trabalharem isoladamente, ambos os sectores devero explorar a possibilidade de estabelecer parcerias na procura de solues para alguns problemas da sade mundial mais urgentes (Global Forum for Health Research, 1999). Desde o relatrio da Comisso sobre Investigao em Sade para o Desenvolvimento foram efectuados vrios esforos para tentar reduzir o impacto do hiato 10/90. Um dos esforos

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dirigidos nesse sentido tem assentado no desenvolvimento de abordagens metodolgicas para definio de prioridades de investigao que possam ter uma maior impacto na sade das populaes. Para Schneider (2001), apesar das prioridades de sade de um pas e as prioridades de investigao em sade em certa medida estarem relacionadas, estas no so uma e a mesma coisa. Reconhecendo esta relao iremos comear por abordar de uma forma genrica a noo de definio de prioridades em sade assim como algumas abordagens possveis para essa definio. Posteriormente analisaremos como que algumas das formas de priorizar em sade se tm reflectido na definio de prioridades para investigao em sade.

Definio de prioridades em sade Historicamente, as decises sobre prioridades em sade resultavam muitas vezes de uma negociao entre a classe mdica e os governos (Abel-Smith, Figueras, Holland, McKee, & Mossialos, 1995). Segundo estes autores existe actualmente uma tendncia para tornar estas decises mais explcitas, abertas e democrticas, especialmente quando estas tenderem a ser controversas, tal como no caso de restringir ou cessar a prestao de certos cuidados de sade. Isto tem vindo a ser feito nomeadamente atravs de um maior envolvimento do pblico, parcialmente para dar uma maior legitimidade a decises polticas e morais difceis. Ainda segundo estes autores, outras duas tendncias emergentes tm sido a tentativa de utilizar os recursos disponveis de forma mais efectiva e de chegar a uma maior explicitao das questes ticas envolvidas num processo de definio de prioridades. A Figura 2 (Abel-Smith, et al,1995) aponta os principais factores envolvidos na definio de prioridades, alertando estes no entanto para a dificuldade de quantificar a influncia de cada um deles no resultado final de um exerccio de definio de prioridades.

Figura 2 - Factores envolvidos na definio de prioridades

Governo

Utentes

Definir Prioridades

Prestadores

Informao: Custos, efeitosFonte: Abel-Smith, Figueras, Holland, McKee, & Mossialos (1995)

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A necessidade de estabelecer prioridades face a um pano de fundo de necessidades de sade e recursos limitados suscitou o interesse por abordagens epidemiolgicas e econmicas, como meios de comparar diferentes programas e intervenes. Abel-Smith, et al (1995) referem e comentam trs abordagens usualmente utilizadas, nomeadamente, o peso da doena, a anlise custo-benefcio e a anlise custo-utilidade. Na discusso sobre cada uma destas abordagens identificam vrias limitaes sua aplicabilidade na definio de prioridades, pois estas implicam com frequncia juzos de valores controversos. A abordagem centrada no peso da doena baseada na opinio de que dever ser atribuda a maior prioridade queles problemas que constituem as maiores ameaas para a sade. Existem, contudo, muitas formas de medir o peso da doena (p.ex., mortalidade, morbilidade, custo financeiro, disponibilidade de tratamento efectivo, ou o seu potencial para aumentar na ausncia de preveno ou tratamento), cada uma produzindo diferentes respostas. O conceito de peso da doena aparece assim como um conceito que pode ser interpretado de mltiplas e variadas formas o que acaba por levar a que esta abordagem tenha um valor muito limitado no estabelecimento de prioridades, apesar de ser muito utilizado na prtica (Abel-Smith, et al, 1995). A abordagem centrada na anlise custo-benefcio procura avaliar, sistematicamente, todos os custos e resultados associados a diferentes alternativas, de modo a determinar qual (ou quais) das alternativas maximiza(m) a diferena ou a razo entre benefcios e custos (Pereira, 1992). Contudo, para Abel-Smith, et al (1995) atribuir-se um valor monetrio aos ganhos reais ou potenciais de um tratamento uma opo controversa porque requer juzos de valor que podero no ser aceitveis para o pblico em geral. Do como exemplo o facto de que o verificar-se que um dado tratamento deixa os incapacitados ainda muito incapacitados para o trabalho poder conduzir noo de que esse tratamento no valer a pena ser financiado, mostrando que os resultados deste tipo de anlise esto inevitavelmente enviesados a favor dos mais saudveis. Finalmente, a abordagem centrada na anlise custo-utilidade constitui um mtodo de avaliao econmica em que as consequncias dos programas de sade so medidas numa unidade fsica combinada com elementos quantitativos. Os resultados da anlise custo-utilidade expressam-se em termos de custo por dia saudvel livre de doena ou por ano de vida ajustado pela qualidade, no implicam a monitorizao dos benefcios e tornam claro que o objectivo da interveno de sade no apenas a maximizao da sobrevivncia mas sobretudo a qualidade de vida para o doente e seus familiares (Pereira, 1992). Para Abel-Smith, et al (1995) o primeiro aspecto limitativo desta abordagem que, devido durao da melhoria ser tomada em considerao, a definio de prioridades dentro ou entre tratamentos estar enviesada contra os mais idosos. Outras crticas apontam o facto de no serem tidos em considerao, nas medidas de qualidade de vida, vrios factores, como por exemplo: a co-morbilidade que podem influenciar a capacidade de recuperao de um paciente; e o facto das medidas de qualidade de

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vida, quando utilizadas para estabelecer prioridades entre vrios tratamentos, serem de aplicao difcil pois as comparaes no so feitas de acordo com definies estritas. Ainda no mbito desta problemtica, segundo Callahan (1994) a definio de prioridades pode ser compreendida de trs formas possveis que se situam ao longo de um continuum, nem sempre claramente delineado. A primeira forma definida por este autor como revestindo-se de um sentido informal no qual os decisores polticos decidem de uma forma pouco elaborada privilegiar, durante um certo perodo de tempo, uma estratgia poltica em detrimento de outra. Esta abordagem pode assim caracterizar-se pelo facto de serem desenvolvidos poucos, ou nenhuns esforos, para racionalizar essa estratgia atravs de uma comparao explcita com outras formas de atribuir essas verbas. Esta abordagem frequentemente uma resposta a presses e necessidades momentneas e frequentemente transitrias. A segunda forma de definio de prioridades mais formal e estruturada. Assenta numa preocupao de gesto e em necessidades percepcionadas, sendo entendido que dever existir uma ordenao alargada das necessidades e das metas em categorias gerais e subcategorias. Esta ordenao estabelecida de uma forma relativamente no quantitativa usualmente baseada nos valores dos gestores do sistema, nas opinies dos profissionais, em resultado dos compromissos e concesses polticas geradas durante esse processo. A terceira forma de definio de prioridades consiste num esforo deliberado para ordenar numericamente, de uma forma sistemtica e racional, problemas de sade especficos e prioridades de tratamento quer em termos de categorias gerais, quer em subcategorias. A incorporao de ordenaes numricas distingue esta abordagem das duas anteriormente referidas. Ainda segundo Callahan (1994), qualquer abordagem para definio de prioridades ter que encontrar um meio termo entre dois extremos. Um dos extremos tentao omnipresente para adoptar uma abordagem puramente numrica, que procura quantificar variveis que em termos matemticos podero ser consideradas relevantes para a definio de prioridades. O outro extremo assenta no argumento de que a definio de prioridades dever ser essencialmente uma questo de poltica a ser determinada pelos valores e preferncias (racionais ou irracionais) do pblico. A forma de encontrar um meio termo entre uma abordagem assente na pura lgica dos nmeros ou em condicionalismos puramente polticos consistir em levar estas duas perspectivas, de uma forma organizada, a confrontarem as suas posies na base de questes concretas, em vez de princpios gerais. Em termos mais operacionais a procura deste meio termo poder ser potenciada atravs do (1) estmulo do debate pblico sobre os aspectos que suscitam maiores dificuldades de ordenao devido a questes morais e filosficas; e (2) criar um mtodo processual que provoque uma luta dialctica e contnua entre factos/dados por um lado e valores/preferncias por outro. As abordagens at aqui descritas revelam a luta entre factos e valores, sobressaindo a necessidade de desenvolver abordagens que possibilitem a interaco entre estes dois inputs,

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bem como a elaborao de regras para esse confronto, de modo a alcanar um conjunto de prioridades consensuais .

Prioridades de investigao em sade Na atribuio de verbas para investigao esto patentes todos os conflitos de valores assim como as necessidades de compromisso presentes nas decises para financiamento de cuidados de sade. Contudo, segundo Dresser (1998) a definio de prioridades para investigao em sade coloca questes mais complexas do que a definio de prioridades para prestao de cuidados de sade. Algumas dessas questes, so, por exemplo: At que ponto a deciso de afectao de verbas dever ter presente o impacto desse problema de sade na mortalidade humana? Quanto que a letalidade dever contar, quando comparada com os efeitos negativos na qualidade de vida? Dever a idade, gnero, ou etnia das pessoas afectadas por determinadas patologias ser tida em considerao na definio de prioridades? Para alm destas questes esta autora aponta ainda a imprevisibilidade dos benefcios da investigao, em termos da dificuldade de prever, e demonstrar, se o financiamento de um dado estudo ir conduzir a9 ganhos de sade , ao contrrio da deciso de financiar um dado tratamento ou servio de

sade, como um aspecto central neste processo. As metodologias para apoio definio de prioridades em investigao em sade constituem desenvolvimentos relativamente recentes, podendo a primeira abordagem metodolgica ser situada no ano de 1990, associada publicao do relatrio da Comisso sobre Investigao em Sade para o Desenvolvimento (Global Forum for Health Research, 2002). Esta Comisso props na altura um conjunto de estratgias sob a designao de Investigao Nacional Essencial em Sade atravs das quais o potencial da investigao pudesse ser utilizado no sentido de acelerar a obteno de ganhos em sade e ultrapassar as desigualdades de sade existentes no mundo. Para alm desta abordagem metodolgica surgiram entretanto outras trs abordagens (Tabela 3).

A expresso ganhos de sade, foi definida recentemente no relatrio do Director-Geral da Sade Ganhos de sade em Portugal: Ponto da situao, como um enunciado positivo de um desejo, sempre presente, de melhorar o nvel de todos os indicadores de sade, sobretudo daqueles em que, manifestamente, uma populao se distancia mais das que melhores resultados apresentam (Direco-Geral da Sade, 2002, p. 14).

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Tabela 3 - Abordagens metodolgicas para definio de prioridades para investigao em sade Abordagem10 (1) Investigao Nacional Essencial em Sade Autor Comisso sobre Investigao em Sade para o Desenvolvimento Comit Ad Hoc sobre a Investigao em Sade acerca das Opes de Interveno do Futuro Comit de Aconselhamento em Investigao em Sade11 Frum Global para a Investigao em Sade

(2) Processo dos Cinco-Passos

(3) Perfil de Informao Visual em Sade (4) Matriz CombinadaFonte: Global Forum for Health Research (2002)

Estas abordagens metodolgicas foram revistas e debatidas no relatrio anual de 2001/2002 do Frum Global. Apesar de conterem alguns princpios, critrios, e estratgias comuns, estas abordagens apresentam vrias diferenas quanto ao nvel de abrangncia e centralidade que diversos factores devero assumir na identificao de uma prioridade de investigao, nomeadamente, quanto ao papel dos stakeholders12, importncia dada ao peso da doena, aos determinantes, ao custo-efectividade, ao efeito na equidade e justia social, aceitao tica, poltica e social, qualidade cientfica da investigao proposta, sua exequibilidade, entre outros. Numa anlise aos recentes desenvolvimentos registados nos aspectos metodolgicos relacionados com a definio de prioridades de investigao, o Frum Global considera que se verifica uma complementaridade entre as abordagens centradas nas doenas e as abordagens que tendem a estar mais centradas nas determinantes dessas mesmas doenas. Para alm destas duas dimenses, considera ainda que se dever contemplar outras duas, nomeadamente: a investigao ao nvel de metodologias de definio de prioridades; e investigao sobre questes transversais que afectam a sade (p.ex., as polticas de sade, a pobreza, e a educao). O Frum Global considera ainda importante que os processos de definio de prioridades de investigao no contemplem somente o envolvimento dos profissionais de sade mas tambm as comunidades para as quais se espera que o estado de sade venha a ser positivamente influenciado pelas aplicaes de uma dada investigao.

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No original: (1) Essential National Health Research Approach; (2) Five-step Approach; (3) Visual Health Information Profile; (4) Global Forum Combined Approach Matrix.11

Advisory Committee on Health Research (1997). A research policy agenda for science and technology to support health development (Document RPS/ACHR/97.3). Geneva: WHO. Num sentido estrito um stakeholder algum que detm dinheiro ou o direito de posse de algo enquanto se procura determinar o seu proprietrio. No entanto nas ltimas dcadas do sc. XX, no mbito de processos de tomada de deciso a nvel empresarial, mas essencialmente em organizaes sem fins lucrativos o sentido deste termo alargou-se passando a incluir todos aqueles com um interesse sobre as actividades de uma determinada entidade. Em termos empresariais isto incluir no s os interesses dos gerentes, empregados, clientes, mas tambm os interesses dos membros da comunidade onde por exemplo o funcionamento ou instalao de uma empresa poder afectar a economia ou ambiente local [Adaptado a partir de Wikipedia: The free encyclopedia, disponvel em http://en.wikipedia.org/wiki/Stakeholder.html (31.12.2003)].12

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Este apelo para um maior envolvimento das comunidades na definio das prioridades de investigao em sade traduz-se na descrio de um modelo de definio de prioridades, designado modelo de escuta (the listening model) num recente artigo de Lomas, Fulop, Gagnon, & Allen (2003). Este modelo composto por seis fases, designadamente: (1) identificao dos stakeholders a participar na consulta; (2) identificar e juntar os dados necessrios para a consulta; (3) planear e completar esta consulta atravs da solicitao aos stakeholders que identifiquem as questes que com maior probabilidade de se tornarem numa prioridade ao longo dos prximos trs a cinco anos; (4) validar as prioridades identificadas relativamente a outros exerccios similares; (5) traduzir as questes prioritrias em temas de investigao prioritrios; (6) validar os temas de investigao prioritrios com os stakeholders. Segundo estes autores a adopo de um modelo deste tipo visa, ao envolver vrios stakeholders na definio de prioridades de investigao, entre vrios aspectos, facilitar a traduo dessas prioridades em projectos de investigao concretos.

Particularidades da definio de prioridades em sade mental A argumentao que temos vindo a desenvolver permite-nos, desde j, assumir que a definio de prioridades de investigao em sade em geral, e mais particularmente em sade mental, um processo complexo e multifacetado que se reveste de vrias particularidades. Uma dessas particularidades tem uma origem histrica e deriva em parte do prprio conceito de sade mental ser passvel de vrias interpretaes. Com efeito as definies de sade mental tm englobado vrias dimenses desde caractersticas biolgicas at afirmao da sade mental como problemtica essencialmente social e, por outro lado, oscilando entre atitudes que tendem a focalizar a ateno mais sobre os aspectos ligados sade ou sobre os aspectos mais ligados doena. Para Saraceno & Bertolote (2001) a dificuldade em obter um definio consensual de sade mental reside no facto deste conceito ter nascido como herdeiro do Movimento para a Higiene Mental, e que, tal como este movimento, se institucionalizou como um movimento e no como uma disciplina ou um ramo cientfico, como os casos da psicologia ou da psiquiatria. As primeiras referncias ao conceito de sade mental no quadro dos organismos internacionais surge, segundo estes autores, somente a partir de 1948, data da criao da OMS e da Federao Mundial para a Sade Mental. Na definio de sade adoptada pela OMS aquando da sua constituio, i.e., um estado de completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas uma ausncia de doena ou enfermidade encontra-se presente a dimenso mental da sade. Em documentos mais recentes encontrmos vrias definies e entendimentos do conceito de sade mental que a entendem como:(...) uma componente integral da sade atravs da qual cada um usufrui das capacidades cognitivas, afectivas e relacionais. Com uma disposio mental equilibrada cada um poder lidar mais efectivamente com as situaes de stress na vida, trabalhar de uma forma produ-

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tiva e proveitosa, e estar melhor capacitado para dar um contributo positivo comunidade. Os distrbios mentais e cerebrais ao afectarem a sade mental, impedem ou diminuem a possibilidade de cada um usufruir das suas capacidades. Prevenindo e tratando estes distrbios abre o caminho para cada um possa atingir todo o seu potencial (WHO, 2002, p.26). (...) uma designao vasta e abrangente que inclui tanto o conceito de sade mental positiva como o conceito de problemas de sade mental. A sade mental positiva compreende: um sentido positivo de bem estar; recursos individuais incluindo a auto-estima; optimismo; um sentido de controlo (mastery) e de coerncia; a capacidade para iniciar, desenvolver e manter relaes interpessoais satisfatrias; e a capacidade para lidar com adversidades. No mbito dos problemas de sade mental englobam-se a tenso psicolgica habitualmente associada a vrias situaes de vida e eventos problemticos. Integram-se ainda na esfera deste conceito os distrbios e perturbaes mentais comuns (p.ex., depresso, perturbaes ansiosas) e os distrbios mentais graves com perturbaes ao nvel da percepo, crenas, e processos cognitivos (as psicoses), assim como os problemas ligados ao abuso de substncias (ao nvel da dependncia de lcool e drogas), aos distrbios da personalidade, e s doenas orgnicas progressivas do crebro (demncias) [Lavikainen, J., Lahtinen, E., & Lehtinen, V. (Eds.), 2000, pp. 15-16]. (...) pontos num continuum, a sade mental como um desempenho bem sucedido ao nvel do funcionamento mental que resulta em actividades produtivas, relacionamentos satisfatrios com outras pessoas, e na capacidade de adaptao mudana e para lidar com a adversidade. (...) e a doena mental como o termo referente a distrbios mentais diagnosticveis [UE Direco-geral "Sade e Defesa do Consumidor"13, On-line, 30.07.2003].

Em resultado da sua longa histria de luta contra a estigmatizao com o objectivo de atingir a paridade dentro do sistema de sade os defensores da sade mental defendem que esta necessita de mais ateno, colocando frequentemente os decisores perante exigncias contraditrias em que por um lado, estes so pressionados a considerar as solicitaes deste campo, e por outro, tm que as enquadrar face s limitaes oramentais e s presses de outros campos da sade (Mechanic, 1996). Segundo Callahan (1994) num processo de definio de prioridades em sade mental colocam-se quase de imediato duas questes emblemticas que representam uma luta clssica no interior deste campo. Para este autor a primeira questo assume a forma de: Qual dever ser a misso bsica dos servios de sade mental e como tal a sua mais alta prioridade? Dever o avano da sade mental consistir num esforo para ajudar as pessoas a lidar melhor com um vasto leque de fontes de stresse e consequentes distrbios emocionais e cognitivos, tanto ligeiros como moderados, que podem dificultar e diminuir a vivncia a milhes de pessoas? Ou dever ser prioritrio investigar a doena mental, com um enfoque naquelas doenas mais severas que afectam muito menos pessoas, mas que fazem com que viver uma vida com um mnimo de qualidade seja difcil para muitos e quase impossvel para alguns? A segunda

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http://europa.eu.int/comm/health/ph_determinants/life_style/mental_health_en.htm (30.07.2003).

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questo, indissocivel da primeira, coloca-se ao nvel de: como que as prioridades em sade mental devero ser estabelecidas face s outras condies de sade, e quais so as implicaes em termos de poltica de transferir recursos de outros oramentos da sade para a sade mental? Os diversos stakeholders da sade mental encontram-se distribudos no s em termos profissionais (p. ex., psiquiatras, psiclogos, tcnicos de servio social), mas tambm por rea de actuao (p. ex., servios comunitrios, cuidados primrios, e servios hospitalares), por rea de interveno (empresa, famlia, indivduo, comunidade), por populao (p. ex., crianas, adultos, idosos), por rea de patologia ou de preveno, entre vrias outras divises possveis. Parece-nos importante chamar a ateno para esta natural disperso dos stakeholders da sade mental (por vrios grupos profissionais, rea de actuao, populao, etc.) porque ela nos permite compreender a opinio expressa por Mechanic (1994) quando refere que os diferentes grupos, ao lutarem pelas suas prioridades, tendem a desvalorizar desnecessariamente o potencial e as contribuies de vrias iniciativas de outros grupos. Esta situao no favorece geralmente as pretenses de nenhum desses stakeholders pois, segundo este autor, tende a que as suas pretenses sejam encaradas de uma forma mais cptica pelos decisores (que normalmente sabem pouco sobre o campo da sade mental e partilham com o pblico em geral muitos dos esteretipos associados doena mental).

A Situao PortuguesaA partir dos dados disponveis sobre a situao, em termos internacionais, da sade mental, e da investigao nas cincias da sade, de um modo mais particular no campo da sade mental, dificilmente poderamos ter razes para pensar que a situao no contexto portugus, pudesse ser substancialmente diferente. De facto, e como adiante iremos abordar de forma mais detalhada, muitas das dificuldades, anteriormente descritas, encontradas em termos internacionais no campo da sade mental, e na rea da I&D em sade, so tambm referenciadas na pouca documentao, e em alguns casos desactualizada, que encontrmos publicada no nosso pas sobre estas matrias. Apesar destas restries a documentao disponvel permite um vislumbre do que poder ser a real situao da sade mental em Portugal e da investigao que se faz neste campo.

A sade mental A falta de dados para uma correcta caracterizao da sade mental em Portugal inclusivamente reconhecida pela Direco-Geral de Sade (DGS) numa das suas publicaes mais recentes nomeadamente no Relatrio do Director-Geral da Sade Ganhos de Sade em Portugal, em que ao estimar em 30% a prevalncia de perturbaes psiquitricas na populao

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geral, e em 12% a de perturbaes psiquitricas graves, feita a ressalva de que no existem dados nacionais que permitam uma melhor caracterizao do pas no que respeita a sade mental (Direco-Geral da Sade, 2002, p. 132). ainda indicado que se encontrava em preparao o primeiro estudo nacional de morbilidade psiquitrica na comunidade, estudo novamente referido no Plano Nacional de Sade, que abordamos nas pginas seguintes, como uma das medidas a implementar para suprir esta lacuna. Entretanto, numa perspectiva europeia, um recente inqurito do Eurobarmetro (Eurobarmetro - 58.2) veio revelar alguns dados sobre a situao da sade mental, em vrios pases europeus, entre os quais Portugal. Os resultados deste inqurito revelaram que aproximadamente um quarto dos entrevistados evidenciava a presena de problemas de sade mental. A menor proporo de problemas de sade mental foi registada na Finlndia e na Sucia. Por outro lado, os valores mais elevados, e adicionalmente as diferenas mais acentuadas numa comparao entre sexos, foram encontrados em Itlia e Portugal, onde as mulheres apresentaram valores substancialmente mais elevados do que os dos homens. Portugal, foi inclusive o pas onde a taxa de problemas de sade mental junto do sexo feminino (40.7%), se revelou mais elevada, constituindo mais do dobro do registado junto do sexo masculino (17.0%). Numa apreciao mais desagregada, Portugal apresentou tambm valores elevados em muitos dos itens em anlise, nomeadamente quando analisada a distribuio deste tipo de problemas por situao civil, por faixa etria, e situao perante o trabalho. Ao nvel da presena de problemas de sade mental face ao estado civil, em trs das cinco situaes possveis, Portugal registou as percentagens mais elevados da UE na categoria dos casados (29.5%), dos divorciados (45.7%), e dos vivos (56.1%). Ao nvel da sua distribuio por faixa etria os nmeros registados sobressaem como sendo aqueles que assumiram os valores mais elevados na UE nomeadamente na faixa dos 45-64 anos (41.3%) e dos de mais de 65 anos (49.7%). Em termos da sua distribuio quando analisada a situao perante o trabalho, os reformados registaram o valor mais elevado (50.7%,) no mbito dos pases considerados (European Opinion Research Group, 2003). A um nvel de anlise, diferente Mac-Bride & Cano-Vindel (2003) recorrendo a dados do INFARMED (Instituto Nacional de Farmcia e do Medicamento), analisaram a evoluo entre o ano de 1995 e 2001 do consumo e das despesas com tranquilizantes, anti-depressivos, psicotnicos, sedativos, e hipnticos. Dividiram estas categorias de frmacos em dois subgrupos, um em que incluram os sedativos, os hipnticos e os tranquilizantes; e um outro em que foram includos os antidepressivos e os psicotnicos. Em ambas as anlises registaram um crescimento contnuo no consumo destes frmacos. No ano de 2001 o primeiro dos subgrupos referidos foi o que registou um maior consumo com quase 12 milhes de embalagens consumidas comparativamente com os 4 milhes de embalagens do outro subgrupo. No total estas categorias de frmacos registaram entre 1995 e 2001 um crescimento de consumo na ordem dos 4,5 milhes de embalagens. Ao nvel da despesa para o Servio Nacional de Sade (SNS) esta mais

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do que duplicou no perodo em anlise passando dos 33 milhes registados em 1995, para os 77 milhes em 2001. No mbito do Plano Nacional de Sade (Ministrio da Sade, 2003), tornado pblico no incio de 2003, efectuou-se um ponto da situao a vrias determinantes, doenas, condies, e recursos da sade, em vrios campos da sade, inclusive no campo da sade mental. Na altura, a situao da sade mental foi descrita neste Plano como podendo caracterizar-se por: falta de viso abrangente; elevada prevalncia de stress; inadequao dos cuidados disponveis para as crianas e os adolescentes; inadequao dos cuidados disponveis para as pessoas idosas; informao limitada sobre doenas mentais; elevada prevalncia da depresso; suicdio continua a ser um grave problema de sade pblica; necessidade de melhoria da qualidade e do acesso dos cuidados prestados aos doentes mentais.

So apontadas neste Plano vrias intervenes necessrias para enfrentar esta situao. Muitas dessas intervenes encontram-se contextualizadas em programas especficos, ou de um modo transversal em vrias medidas preconizadas no mbito do Plano Nacional de Sade Mental (que conforme indicado nesse documento se encontra em elaborao na DGS). Os programas preconizados so nomeadamente, o Programa Nacional de Luta contra a Depresso, o Programa Nacional para a Perturbao Ps-Stresse Traumtico, o Programa Nacional para a Preveno do Stresse, e o Programa Nacional de Sade Mental da Infncia e Adolescncia. Para alm da necessidade de implementar o primeiro estudo nacional de morbilidade psiquitrica na comunidade, a que j anteriormente nos referimos, faz-se ainda referncia a vrias medidas previstas, ou a decorrer, nomeadamente: um grupo de trabalho (a decorrer na DGS) sobre Sade Mental no Envelhecimento e 3 Idade; o desenvolvimento de um sistema de indicadores de sade; o desenvolvimento de telefones SOS de suicdio e isolamento social; a abertura de mais servios de psiquiatria quer de internamento quer de urgncia; criao de unidades de pedopsiquiatria nos hospitais gerais; expanso e organizao da rea da Psiquiatria de Ligao; e uma articulao com o Instituto da Droga e da Toxicodependncia (IDT) para maior adequao das respostas nos casos de co-morbilidade. De referir que parte destas prioridades j tinham sido assinaladas no relatrio do Director-Geral de Sade. Nesse relatrio consideravam-se ainda como prioridades (...) a implementao de um sistema de informao e comunicao, a melhoria da informao referida nas certides de bito (para uma quantificao mais rigorosa do suicdio) (...) a distribuio, redefinio e valorizao de recursos humanos para a diversidade de cuidados inerentes sade mental bem como formao programada, contnua e actualizada (Direco-Geral da Sade, 2002, pp. 135-136).

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A investigao em sade (mental) O Plano Nacional de Sade debruou-se ainda a situao da I&D nas cincias da sade, que a caracterizada por uma grande diversidade temtica e pela existncia de um nmero significativo de grupos de excelncia, nem sempre com a dimenso mnima desejvel (p. 91). Neste contexto foi considerado desejvel que se procedesse definio de prioridades em termos temticos, sendo entendido como indispensvel:

inventariar os recursos nacionais de I&D em cincias da sade (incluindo uma estimativa dos fluxos financeiros afectos ao sector); identificar as principais lacunas de conhecimento que esto na base da persistncia dos mais importantes problemas de sade; e definir prioridades para os investimentos em I&D epidemiolgica, etiopatognica, clnica ou em servios de sade (incluindo estudos de economia da sade).

Relativamente ao facto de presentemente no existir uma agenda de investigao em sade, considerou-se na altura oportuno relanar um grupo de trabalho como aquele que foi criado para este efeito pelo Despacho n. 4305/2002, de 27 de Fevereiro14 da Secretria de Estado Adjunta do Ministro da Sade. Mais recentemente, em Outubro de 2003, a Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT) e o Instituto Nacional de Sade Dr. Ricardo Jorge (INSA) organizaram um Seminrio que decorreu em Lisboa, sob o tema Falta-nos um sistema nacional de investigao em sade?, cuja finalidade foi justamente a de lanar o debate em torno da situao actual da I&D em sade no nosso pas. Tal como constava no programa deste Seminrio, o objectivo deste encontro, era o de avaliar o interesse e oportunidade de desenvolver em Portugal, um sistema nacional de investigao em sade (na linha das recomendaes da OMS e do Frum Global para a Investigao para a Investigao em sade), como instrumento de superao do actual estado de fragmentao das actividades de I&D no sector da sade, bem como forma de reforar a capacidade e atraco de novos investimentos (INSA/FCT, 2003). Os organizadores esperavam que este Seminrio pudesse contribuir para uma (1) clarificao do conceito de sistema nacional de investigao em sade (SNIS) e das vias pelas quais um tal sistema pode ajudar realizao das orientaes estratgicas para o sector da sade, (2) a obteno de uma perspectiva da situao real da I&D em cincia da sade em Portugal, (3) a adopo de uma metodolo-

O grupo de trabalho constitudo no mbito deste Despacho tinha como objectivo efectuar um levantamento da situao da investigao em Cincias da Sade. Tinha como incumbncia apresentar um relatrio at 31 de Dezembro de 2002 (data em o mandato desse grupo se extinguiria) no qual deveria constar os seguintes pontos: (1) avaliao do panorama da investigao em cincias da sade em Portugal; (2) levantamento da capacidade instalada, no mbito do Ministrio da Sade, para investigao; (3) reconhecimento das reas a desenvolver; (4) avaliao do quadro normativo para a investigao em sade; (5) identificao das limitaes existentes, nomeadamente de ordem legal, organizacional, financeiras e tecnolgicas; e (6) proposta de agenda da investigao em sade e definio do procedimento para a sua reviso. Apesar de termos efectuado algumas diligncias no nos foi possvel localizar este relatrio, nem obter indicaes sobre a sua real concretizao.

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gia apropriada para o estabelecimento de uma agenda para a investigao em sade e (4) a definio de um espao facilitador da efectiva colaborao entre os vrios protagonistas da investigao em sade15.

Recursos ao dispor da I&D em sade Em 1990 a Comisso sobre Investigao em Sade para o Desenvolvimento, recomendava que pelo menos 2% das despesas totais em sade dos pases em vias de desenvolvimento fossem atribudas investigao em sade e ao desenvolvimento de capacidades reais de investigao. No mbito de um programa de monitorizao dos recursos afectos investigao em sade, o Frum Global publicou em 2001 os resultados de um levantamento das verbas atribudas no ano de 1998 I&D em sade em vrios pases desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Apesar de se ter constatado que nenhum dos pases em vias de desenvolvimento analisados neste estudo conseguiu atingir essa meta, constatou-se inclusive que muitos pases desenvolvidos tambm no a conseguiram atingir, entre os quais Portugal. De facto, junto dos pases europeus desenvolvidos, ao nvel do financiamento pblico atribudo I&D em sade, apenas a Irlanda (0.02% o PIB; 0.3% das despesas de sade) e a Grcia (0.04% do PIB; 0.5% das despesas de sade) investiram menos do que Portugal (0.05% do PIB; 0.7% das despesas de sade). A Sucia (0.19% PIB; 2.4% das despesas de sade), a ustria (0.18% PIB; 2.1%, das despesas de sade), e a Finlndia (0.16% PIB; 2.3% das despesas de sade) foram os nicos pases europeus onde se constatou que o financiamento pblico atingiu a meta estipulada pelo Comisso sobre Investigao em Sade para o Desenvolvimento (Global Forum for Health Research, 2001). Em termos da distribuio da despesa com I&D por reas cientfica, dados do ano de 2001, recolhidos no mbito do Inqurito ao Potencial Cientfico e Tecnolgico Nacional (resultados provisrios: Novembro de 2002), do Observatrio das Cincias e das Tecnologias (OCT), revelam que as cincias da sade representaram apenas 10.5% do valor total gasto em actividades de I&D nesse ano em Portugal (que ter correspondido a 0.83% do valor PIB), ficando inclusive em ltimo lugar entre as diferentes reas cientficas relativamente, p. ex., aos 11.1% das cincias agrrias e veterinrias, aos 15.3% das cincias naturais ou aos 25.3% das cincias da engenharia e tecnologias. No Plano Nacional de Sade, onde estes nmeros tambm so

Tommos conhecimento atravs do Secretariado deste Seminrio, no incio de Janeiro do corrente ano, que estava em preparao um documento-sntese com as concluses desta reunio. Apesar de presentemente esse documento no estar ainda disponvel, conseguimos apurar, junto de um dos participantes deste Seminrio, que uma das questes a identificadas foi a necessidade de se criar uma forma de organizao inter-institucional permanente, com capacidade de influncia na definio de prioridades de investigao em sade, organismo este que as fosse monitorizando e actualizando, apoiando-se em critrios que garantissem um equilbrio de oportunidades entre as diversas reas e perspectivas, colocando nomeadamente a componente de investigao psicossocial e comportamental a par da biomdica e laboratorial (Comunicao pessoal: Prof. Doutor Teodoro Briz, Escola Nacional de Sade Pblica UNL, 15.01.2004).

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analisados, esta situao referenciada como podendo ser caracterizada por uma grande disperso de recursos e por um persistente sub-financiamento (p. 92). Ao nvel do pessoal total em I&D e investigadores em p