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7/24/2019 Revista Doctor Plinio 202_201501 http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-202201501 1/36 Publicação Mensal Ano XVIII - Nº 202 Janeiro de 201  Fidelidade à estrela

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Publicação Mensal Ano XVIII - Nº 202 Janeiro de 201

 Fidelidade à estrela

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N   O Anjo das Escolas

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São Tomás de AquinoMuseu de Arte de Lima, Peru

os últimos dias de sua vida, estando hos-  pedado em uma Cartuxa, São Tomás de

 Aquino fez um comentário ao “Cântico dos Cânti-cos”, Livro da Bíblia que canta o amor divino. Ele, que era o Anjo das Escolas, morreu ensi-

nando a perfeição do amor de Deus a esses religio- sos, almas puríssimas, todas feitas para o amor de Deus, cuja função não é tanto de meditar sobre aciência quanto sobre a caridade, suscitadas para

 se separarem de tudo no mundo e viverem apenas  pensando no divino amor.

Que bela cena: as últimas palavras de São Tomásde Aquino engrandecendo o amor de Deus, e aque-les monges reverentes, bebendo aquelas palavras co-mo se cada um sorvesse uma gota descida do Céu! Assim se fechou, no extremo da contemplação e

do isolamento de todas as coisas do mundo, a vidadesse grande Doutor da Igreja.

(Extraído de conferência de 6/3/1967)

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As matérias extraídas

de exposições verbais de Dr. Plinio

— designadas por “conferências” —

são adaptadas para a linguagem

escrita, sem revisão do autor 

Publicação Mensal Ano XVIII - Nº 202 Janeiro de 2015

 Fidelidade à estrela

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Dr. PlinioDr. PlinioRevista mensal de cultura católica, de

propriedade da Editora Retornarei Ltda.

CNPJ - 02.389.379/0001-07

 INSC. - 115.227.674.110

 

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Conselho Consultivo:

 Antonio Rodrigues Ferreira

Carlos Augusto G. Picanço Jorge Eduardo G. Koury

Redação e Administração: Rua Santo Egídio, 418

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E-mail: [email protected]

Impressão e acabamento: Pavagraf Editora Gráfica Ltda.Rua Barão do Serro Largo, 296

03335-000 S. Paulo - SPTel: (11) 2606-2409

SumárioSumárioAno XVIII - Nº 202 Janeiro de 2015

Preços da

assinatura anual

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 122,00Colaborador  . . . . . . . . . . R$ 170,00

 Propulsor  . . . . . . . . . . . . . R$ 395,00Grande Propulsor  . . . . . . R$ 620,00

 Exemplar avulso . . . . . . . R$ 17,00

 Serviço de Atendimento

 ao Assinante

Tel./Fax: (11) 2236-1027 

EDITORIAL 

4  Fidelidade à estrela 

DONA  LUCILIA  

6  Bondade, doçura e respeito aveludados 

S AGRADO CORAÇÃO DE JESUS 

10 Grandeza infinita 

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO 

14  Inocência e senso do combate 

DE M ARIA  NUNQUAM SATIS 

18  Mãe de Deus e dos homens 

 A SOCIEDADE  ANALISADA  POR DR. PLINIO 

22 Teoria do progresso - I  

C ALENDÁRIO DOS S ANTOS 

26 Santos de Janeiro

H AGIOGRAFIA  

28 Santa Genoveva 

 A PÓSTOLO DO PULCHRUM 

32 O belo e o prático - I  

ÚLTIMA  PÁGINA  

36 Ternura da Mãe de Deus

Na capa, “A visãodos Magos”Museu Estadual deBerlim, Alemanha Foto: Reprodução

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E d  i  t  o r i  a  l 

4

egundo uma bela tradição, baseada na exegese de algumas passagens da Escritura Sagrada1,

os Magos guiados pela estrela até Belém eram reis, possivelmente provenientes de pequenos

e longínquos reinos.Para Dr. Plinio2, os três Reis Magos tinham como missão predispor seus respectivos reinos para a

aceitação da Boa-Nova levada pelos Apóstolos ou por seus sucessores, cuja pregação encontraria re-

ceptividade da parte da população previamente preparada por seus monarcas.Para isso — dizia Dr. Plinio —, o Menino-Deus deve ter tornado presente aos Reis Magos, por

meio de graças místicas, algo de tudo quanto a Igreja e a Cristandade trariam de belo para a humani-dade no decorrer dos séculos, com a promessa de que nas regiões por eles governadas isso se realiza-ria, se aqueles povos fossem fiéis.

Baltasar, Gaspar e Melchior eram, por certo, almas escolhidas e muito propensas ao maravilhoso,a ponto de se deixarem conduzir por uma estrela. Por isso suas pessoas aparecem nimbadas de uma

atmosfera extraordinária, irradiando esse maravilhoso para o qual devem ter preparado seus peque-

nos reinos.Sem dúvida, os Reis Magos foram objeto das orações de Nossa Senhora e de São José junto ao Di-

 vino Infante para o cumprimento de sua bela missão que, na opinião de Dr. Plinio3, ultrapassou os li-

mites do tempo e do espaço, estendendo-se a toda a História.

 Procedentes de diversas raças, prefiguravam eles todos os povos que viriam adorar o Salvador.Por essa razão, os episódios históricos por eles vividos — a visão da estrela no Oriente; o encontro

com Herodes; a insegurança deste rei iníquo e, com ele, de toda a cidade de Jerusalém; a alegria aoreavistarem a estrela; a adoração feita ao Menino, junto a Maria, sua Mãe; a oferenda de ouro, in-

censo e mirra; o aviso recebido, em sonho, para voltarem por outro caminho4 — estavam envoltos

em aspectos simbólicos que indicavam terem os Magos recebido de Deus uma autêntica e misterio-sa delegação: representar as nações que, no futuro, se abririam à influência da Santa Igreja Católica.

Delegação semelhante encontramos junto à Cruz, onde Nossa Senhora, São João e Santa MariaMadalena representavam todos os católicos que ao longo da História permaneceriam fiéis aos pés do

Crucificado.

Essa ideia deve dar muito alento àqueles que, nas horas difíceis da Igreja ou da Civilização Cristã,padecem incompreensões, humilhações, perseguições, e que, embora pouco numerosos, procuram

representar em seus respectivos ambientes, a pureza, a ortodoxia, a intrepidez, o espírito de iniciati-

 va, no momento em que tudo pareceria falar em recuo, em transigência, em fuga. Esses, por sua fi-delidade, além de alegrar o Menino Jesus em sua pobre manjedoura ou consolar o Redentor em seus

padecimentos no alto da Cruz, representam de algum modo os católicos fiéis do passado e os que o

serão no futuro.Há, portanto, uma espécie de reversibilidade por cima do tempo e do espaço, por onde essas vá-

rias ações se fundem numa cena única e grandiosa.

 Fidelidade à estrela

 S

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DECLARAÇÃO:  Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e

 de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou

 na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm

 outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.

 Adoração dos MagosGalleria degli Uffizi,

Florença, Itália

Peçamos aos Reis Magos que orem por nós para que tenhamos uma das muitas formas de cora-

gem que poderão nos ser pedidas: a de estarmos sós como eles estavam no mundo pagão, à espera

da estrela, isto é, da hora de Deus para cumprir com toda retidão, constância e pontualidade a von-

tade divina.Para eles, a hora consoladora foi aquela em que contemplaram o Divino Infante nos braços de

Maria Santíssima.Também para nós chegará um momento muito preciso em que uma estrela nos dirá que a hora

esperada chegou!Não será, provavelmente, uma estrela exterior, mas uma voz interior, à qual devemos estar aten-

tos e dóceis, a fim de nos prepararmos para, nessa hora, sermos modelos de exatidão e fidelidade

como os Reis Magos.

1) Cf. Sl 72, 10-11; Is 60, 3.2) Cf. Conferência de 22/12/1989.

3) Cf. Conferência de 5/1/1964.4) Cf. Mt 2, 1-12.

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N  

 Bondade,doçura erespeito

aveludados

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DONA LUCILIA

Por um particulardiscernimento dos espíritos,Dona Lucilia compreendiao lado por onde as pessoas

seriam boas e o sofrimento decada uma, e as ajudava com

muito afeto, acompanhado deuma disponibilidade prévia

de perdoar.

o centro e no ápice da afetividade de ma-mãe, da bondade e de todo seu modo deser, havia a devoção dela ao Sagrado Co-

ração de Jesus e, naturalmente, a Nossa Senhoratambém. Muitas e muitas vezes me impressionou vê-la rezar diante da imagem do Sagrado Coraçãode Jesus que havia em seu oratório, e considerar arelação existente entre ela e aquela imagem.   M

   á  r   i  o   S   h   i  n  o   d  a

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Transparência do divino no humanoNotava-se que a alma de Dona Lucilia era ansiosa de

encontrar aquele termo do afeto dela. Quer dizer, ma-mãe era configurada de tal maneira pela graça e por algoda natureza, que se ela não conhecesse o Sagrado Cora-ção de Jesus, ela O procuraria. E encontrando-O, ela Oidentificaria como sendo aquilo que procurou. E aquilotomaria a alma dela inteiramente, como tendo sido cria-da para isso. Suposto, é claro, que ela fosse sempre fiel.

 Assim, ela era, sob vários aspectos, o espelho do Sa-grado Coração de Jesus para mim. E encontrava nela oque eu adorava n’Ele, o que estava na Igreja do SagradoCoração de Jesus e que eu via estar na Igreja Católica.

Muito cedo, graças a Nossa Senhora, meus olhos seabriram para a Santa Igreja, e com grande entusiasmo.Portanto, o elemento determinante foi a minha fé naIgreja Católica. O amor de filho tinha entrado muito, e

continuou sempre, mas o determinante foi isto: a Igrejaé infalível, santa, verdadeira e ensina que isso deve serassim. Logo, a respeito de tudo quanto me leva a crerque isso é assim, tenho aquela certeza necessária pelofato de ver na Igreja Católica.

Nessa adoração a Nosso Senhor e nessa veneraçãoa Nossa Senhora, o objeto de nossa sensibilidade, denossa afetividade fica elevado a alguma coisa que nãoestá fora do âmbito humano. Ele é o Homem-Deus e,na unidade de Pessoa d’Ele, possuía duas naturezas: ahumana e a divina. E nós conhecemos a natureza di- vina, em larga medida, através da humana. De manei-

ra que não estava desterrado do humano, como, porexemplo, se estou olhando para o Sol através de um vitral, não me encontro desterrado de dentro da cate-dral. Eu estou vendo o Sol através do vitral.

Essa transparência do divino no humano eleva edesperta na afetividade humana possibilidades e mo-dalidades que ela não teria se não fosse isso.

 Lumen sobrenatural 

De maneira que ao amar seres de uma tão alta cate-goria, algo de muito elevado se desperta em nós e pas-

sa a viver em nossas almas. Começamos a pedir coisasque antigamente não pedíamos antes de darmos essepasso. E, portanto, a procurar também nos outros, noconvívio comum, algo do que vimos n’Ele, n’Ela e naIgreja Católica.

Surge aí uma coisa sobre a qual fico incerto, indeci-so, mas que mais ou menos pode apresentar-se do se-guinte modo: quem viu Nosso Senhor e Nossa Senho-ra assim, de algum modo ganhou um discernimentodos espíritos, ao menos para certo efeito. Porque nãoé possível considerar o Redentor sem ser pelo sobre-

natural. Transparecendo através da natureza humana, é verdade, mas é o sobrenatural que aparece. E em MariaSantíssima, analogamente, a mesma coisa.

O resultado é que, na Terra, esse certo discernimen-to dos espíritos — ora discreto, ora saliente, conformeos desígnios da Providência, mas sempre intenso — le- va certamente ao desejo de que outros com quem convi- vamos participem desse modo de amar a Nosso Senhore a Nossa Senhora, para efeito de podermos ter uma so-ciedade. Porque não se tem uma sociedade verdadeira anão ser assim. Uma vez que se conheceu esse padrão, te-mos o desejo de encontrá-lo nos outros e nos pomos in-conscientemente à procura; e essa procura, ao cabo dealgum tempo, passa a ser consciente.

Entra, então, uma distinção entre afeto e afeto, que éuma bifurcação: de um lado, procurar nos outros o queme distrai, me diverte, ou então os outros me transfor-

marem num padrão para eles, mas não enquanto ligado

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DONA LUCILIA

ao Padrão dos padrões, e sim enquanto um homem emquem acharam graça e de quem gostaram. Isso não tornaessas pessoas apetecíveis a mim, pois conheci outro valormuito maior, não tem comparação!

Outro afeto é aquele que nasce quando percebemos— mais em uns, menos em outros — o que seriam setambém eles se deixassem tocar pelo mesmo amor. En-tão começamos a querê-los bem não pelo que são, maspelo que poderiam ser.

De maneira que, por amor a eles, mas principalmen-te por amor a esse lumen sobrenatural que se acende ne-les, suportamos qualquer coisa, com paciência. E os ama-mos com um amor, o qual é uma participação do amorque se tem ao foco desse lumen, que é Nosso Senhor Je-sus Cristo, e ao canal necessário desse lumen por vontadede Deus, Nossa Senhora.

 Luta de amor Por causa disso, toda a nossa vida afetiva toma um ca-

ráter de salvação religiosa para efeito de conseguir queo outro se eleve, e nada mais do que isso. Donde o nos-so convívio acaba sendo, em última análise, um contínuoconvite para que o outro seja melhor.

Entretanto, isso não é uma coisa impessoal. Queremosbem a determinadas pessoas por causa da possibilidadeque elas têm de se assemelharem de tal maneira ao DivinoSalvador. São “rascunhos” de Nosso Senhor Jesus Cristoque amamos na medida em que o rascunho é melhorável,

adaptável e que pode chegar a um certo resultado.Pode acontecer encontrarmos uma pessoa que odeieisso. Há graus de ódio em que, embora não se possa di-

zer propriamente que a pessoa esteja condenada, segun-do as vias normais da graça ela estaria perdida. E nelanada disso reluz. Aí nasce a incompatibilidade e a bata-lha inexorável — também levada por esse amor — contraquem está perdendo almas. Não só, nem principalmen-te, no sentido de que a pessoa está levando almas para asdores infinitas do Inferno, mas porque ela está extinguin-do aquela luz na alma de outro. É uma espécie de deicí-dio que é feito. E esse “deicídio” leva-nos, então, à luta.

E daí esta luta ser, de algum modo, dulcíssima, porqueé uma luta de amor. Porque mesmo quando ataca aque-le que está se diferenciando, ela tem por efeito aproxi-má-lo. Investe contra o mal que está nele como o médicoataca o câncer que se encontra dentro do doente. Querdizer, é para salvar o enfermo. E, debruçado sobre o do-ente, perguntando: “Você não sara?!” É este o sentidodo combate.

O mais entranhado e generoso grau de amor 

Há, às vezes, almas que fazem Nossa Senhora espe-rar. No Purgatório terá de haver acerto de contas sobreisso, mas para efeito da salvação Ela tolera, muitas vezes,a demora dessas almas. E quer que as resgatemos, obte-nhamos-lhes o perdão, esperando, também nós, por elas.E se eu espero vinte anos que alguém se emende, estouajudando-o a conseguir a emenda.

Daí nasce um afeto feito de alegria e de esperança,que contém em si um grau de amizade, de paciência, de

perdão e, muito mais do que isso, um grau de intercom-preensão, desde que a pessoa me compreenda também.Ela representa um aspecto de Nosso Senhor, e eu outro.

É Jesus Se amando a Si próprio nos seus váriosaspectos, no interior de nossas almas.

Uma pessoa que chegasse a amar os váriosaspectos de si própria, refletidos em seres dis-tintos, possuiria o grau mais entranhado e maisgeneroso de amor que há. Por exemplo, umpai que tem muitos filhos: ele se sente retra-tado por cada um deles em sua personalidade,de algum modo. Vendo-os em torno da mesa,

comendo com ele, ele tem um amor a esses fi-lhos que não pode ser descrito adequadamen-te nos graus diversos, pela linguagem comum.Eu nem sei se a linguagem sabe descrever is-so. Porque as expressões muito legítimas, mui-to boas, no fundo não querem dizer isto intei-ramente. E quando não está dito isto inteira-mente, não está dito quase nada.

Por exemplo, “meus filhos queridos” é umaexpressão boa. Mas pode designar tanta outracoisa inferior a isso de que estamos falando!“A tentação”, por Nikolay Shilder - Galeria Tretyakov, Moscou, Rússia

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

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Então, só mesmo formas de convívio de alma que se ci-fram nos imponderáveis, mas que são o mais real da vi-da, exprimem isso.

Tenho pena das pessoas que não têm isso dentro daalma porque esta é um deserto na vida, uma tristeza,

uma axiologia quebrada, da qual nem sei o que dizer. Eque deve constituir horas de furor, de depressão, de sus-cetibilidades, enfim, equívocos e erros de todo tamanho,e que tiram o sossego da alma completamente.

Discernimento dos espíritos

Mamãe teve muitas decepções. E esperou até o fim da vida dela, mas sempre com paz, porque estava presenteessa noção religiosa por detrás.

O que havia de característico no afeto de Dona Lu-cilia era algo de nativo, de superacrescentado pela gra-

ça e modelado pela vida. No trato com as pessoas, elamanifestava uma compreensão muito profunda daquelecom quem ela tratava. Era um discernimento dos es-píritos pelo qual ela compreendia perfeitamente olado por onde a pessoa seria boa, e amava muito.

Depois, de outro lado, ela compreendia muitoo por onde a pessoa sofria. Ainda que não pare-cesse uma pessoa sofredora, esse conhecimentodo sofrimento dos outros era muito profundonela, com um reservatório indefinido de dispo-sições de alma aplicadas a cada sofrimento. E

 já de antemão acompanhado do perdão eventualmentenecessário e ao longo de um caminho por onde não sesabe até onde ia.

Por detrás disso havia qualquer coisa de aveludado naalma dela; uma bondade e uma doçura aveludadas. Aomenos era minha impressão.

Então, uma pergunta qualquer: “Você quer água, meufilho?” Conforme a ocasião em que fosse dita, pode-ria trazer isso. E o timbre, a inflexão de voz, a imposta-ção do olhar, a maneira do trato, etc., tinha isso às gro-sas. Acompanhado de uma coisa curiosa que é o seguin-te: um respeito por todo mundo. Qualquer um que reta-mente quisesse olhá-la e analisá-la, se sentiria respeita-do. Eu nunca a vi faltar com o respeito à criatura mais in-significante como à mais extraordinária.

Era, também, por sua vez, um respeito afetuoso, umrespeito aveludado, que implicava num contentamento

em que o outro tivesse tal coisa para se respeitar. A ale-gria de respeitar, de homenagear, ou de ter compaixãoporque o outro não tinha nada, não era nada, tudo isso ti-nha uma espécie de “veludo” especial na alma delaque eu não encontro outra expressão para desig-nar, e que a tornava imensamente atraentepara mim. v

 (Extraído de conferência

 de 30/4/1987)

Um Natal em família - Museu Metropolitanode Arte, Nova Iorque, EUA

   R  e  p  r  o   d

  u  ç   ã  o

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Grandeza infinita

D

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

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 Ao adorar o Homem-Deus, Dr. Plinio buscava explicitaro cume de suas perfeições infinitas, cujos maravilhosos

aspectos, aparentemente antagônicos — compaixão, cólera,serenidade, seriedade, perdão, gáudio, tristeza — deveriam

enfeixar-se em um ponto supremo.

urante toda a vida, na contemplação de NossoSenhor Jesus Cristo, o ponto mais alto da minhaadmiração é considerar como Ele é perfeitíssi-

mo debaixo de todos os pontos de vista. E procurar na per-sonalidade d’Ele o ponto supremo, no qual todas as virtu-des convergem para uma que é um sol de todas as outras.

Catedral de León, Espanha

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Píncaro de todaa Criação

Como é esse pon-to? Se pudéssemos ver isso n’Ele, comoO consideraríamos?

Imaginem umacatedral compostade numerosas ogi- vas que se sucedemumas às outras, des-de a porta principalaté o presbitério, e— existe isso em cer-tas catedrais — háuma ogiva mais al-

ta que abarca todasas outras. Qual é, emNosso Senhor, essaogiva suprema?

Gosto de figurarque é uma grande-za a qual contém to-dos os abismos de perfeição d’Ele. Por exemplo, anali-sando toda a Criação, considerar aquilo que podemoschamar o ponto alfa de todo o criado, o ponto mais al-to que, em última análise, é Ele mesmo, porque é o Ho-mem-Deus. Enquanto Deus, Ele está infinitamente aci-

ma dos seres criados, mas enquanto Homem é o píncarode toda a Criação.Outro aspecto: uma seriedade infinita, olhando todas

as coisas pelos seus mais altos e mais profundos aspectos,pela ordenação que as coisas têm entre si, e amando-asenquanto tais, porque são e devem ser assim.

Depois, uma serenidade insondável, que absoluta-mente não é indiferença para com os outros. Pelo con-trário, um amor a cada ser, sobretudo às criaturas huma-nas, um amor transcendente do qual não podemos nemter uma ideia!

Se o olhar d’Ele pousasse sobre uma multidão com

dez milhões de pessoas, e nós pudéssemos acompanharesse olhar enquanto incidindo sobre uma delas, ficaría-mos conhecendo como ela é, como é o amor d’Ele pa-ra com ela, qual o gáudio que Ele tem se essa pessoa forfiel, e a tristeza se for infiel. Que amor, que alegria e quetristeza!

É um olhar cheio de serenidade e de seriedade, com-preendendo o que vale cada criatura humana, dispostoa fazer-lhe todo o bem possível, e amando-a totalmente.De maneira que essa pessoa, se salvando, é para NossoSenhor um estremecimento de alegria.

   S   é  r  g   i  o   H  o

   l   l  m  a  n  n

Mas se ela se perde, é uma iracúndia sublime! Astempestades do mar mais terríveis não são senão brin-cadeira em comparação com isso. E quando Ele expul-sa alguém para o Inferno, então ficamos pasmos dohorror que Jesus tem àquela criatura que até o fim não

quis atender o chamado d’Ele, e que por causa disso seprecipita no Inferno. Não podemos ter ideia do que é acólera se não pensamos na cólera divina de Nosso Se-nhor Jesus Cristo.

Grandeza fulgurante de Nosso Senhor 

 Ao mesmo tempo em que n’Ele existe esse amor e es-sa cólera, há uma compaixão enorme, porque Nosso Se-nhor sabe perfeitamente que todos nós, homens, fomospostos nesta vida para sofrer, somos filhos de Adão e Evae, portanto, herdamos o pecado original, temos defeitos

e estamos na Terra para purgá-los e expiá-los, sermos fi-éis e irmos para o Céu.Jesus manda as provações, as dificuldades, as tormen-

tas, e Ele mesmo prepara para nós a solução, arranja um jeito de, suportando-as e vencendo-as, acabarmos sendofiéis.

Considerar que tudo isso em relação a todos os ho-mens, desde o primeiro até ao último, cabe naquela men-te e naquele Coração, nos dá uma ideia da grandezad’Ele. Perto da qual, o que adianta dizer que fulano éum grande homem? Ninguém é grande, todo o mundo é

Pórtico do Juízo Final - Cadedral Notre-Dame de Paris, França

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SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

   E  n  r   i  q  u  e   C  o  r   d  e  r  o   (   C   C   3 .   0

   )

São Fernando III recebeos embaixadores doRei MohamadReal Academia de Belas

 Artes, Madri, Espanha

pequeno, insignificante diante da grandeza fulgurante deNosso Senhor.

 A consolação d’Ele quando via — porque conheciao futuro — os cruzados montarem a cavalo e irem atéa Terra Santa para libertar Jerusalém! Que alegria! Ele via São Fernando tomar Sevilha, e pouco depois Isabele Fernando conquistarem Granada, e o reino maometa-no acabar. Nosso Senhor exultou de alegria pensando nogrande São Fernando, que vingaria a glória d’Ele. Tudoisso são grandezas fulgurantes.

Mas, ao mesmo tempo, lembrando o bom pastor quetem pena de sua ovelha, tira-a do carrascal, leva-a sobreos ombros e a cura. E o pai do filho pródigo que perdoa,etc. Há uma pluralidade tão grande de aspectos, que fi-camos sem ter o que dizer.

Eis a grandeza, a majestade de Nosso Senhor, fazendocom que queiramos muito a invocação que está na La-

dainha do Coração de Jesus: Coração de Jesus, de majes-tade infinita, tende compaixão de nós!

 Majestade do abandono

Este é também o divino equilíbrio que há no Coraçãode Jesus. Por exemplo, a serenidade, a calma e a visão ge-ral das coisas que Ele conservou durante sua Paixão.

 A agonia no Horto é uma perfeição de equilíbrio e demajestade. Ali Nosso Senhor entra diretamente em coló-quio com o Padre Eterno e tratando de todos os destinosdo mundo, vertendo gotas de seu Sangue. E, depois, amajestade do abandono! Quer dizer, tão grande que ne-nhum homem conseguiu ficar junto d’Ele.

Portanto, a soledade, a tristeza, mas tudo tão equi-librado, tão extraordinário, que se a pessoa tomasse otrabalho de raciocinar um pouco sobre isso, sairia maisequilibrada e menos nervosa.

Uma pessoa que conhecesse o grande São Fernan-do — o qual conquistou terras sem conta aos mouros eque, de fato, foi quem os expulsou da Espanha — e tra-tasse com ele, seria impossível falar com o Santo sem terdiante dos olhos continuamente a ideia: esse expulsou osmouros. E na hora em que ele pedisse água para beber,talvez se pusesse de joelhos por causa dessa ideia, indis-

sociável da noção da mouraria enxotada da Espanha, eda coragem do grande São Fernando. Ao menos eu não saberia olhar para ele sem ter isso

em mente. Assim também, se eu conhecesse São Tomás de Aqui-

no — o Doutor que é como um sol da Igreja Católica —,como me seria possível vê-lo passar por uma estrada, ain-da que distante, montado a cavalo e meditando sobre um

Nosso Senhor

exultou de alegria

pensando no grande

São Fernando,

que vingaria a glória

d’Ele. Tudo isso

são grandezas

fulgurantes.

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   G  u  s   t  a  v  o   K  r  a   l   j

G u s t a v o  K  r a l  j Nossa Senhora a pouca distância

dele. E um pouco mais adian-te Nosso Senhor, que sem

ser filho dele segundo acarne, mas sim segun-do a lei, sorriu pa-ra ele e disse: “Meupai!”

Só de vermos es-sa cena teríamos

uma felicidade pró-pria para encher a

eternidade.Tenho a impressão de

que, diante de Nosso Se-nhor e de Nossa Senhora, o te-

ma é tão grande que a graça penetra-

ria em torrentes dentro de nós para,por assim dizer, pensar em nós e pornós a respeito desses temas, porque

não somos dignos, nem estamos à altura de cogitar con- venientemente sobre isso. v

 (Extraído de conferências

 de 12/1/1992 e 31/1/1993)

ponto de Filosofia, e não imaginarque dentro daquela cabeça es-tava nascendo um sol? Solde inteligência, de sabe-doria, de santidade. Eo que vale mais doque tudo é a santida-de, evidentemente.

 Antegozodo Céu

Diante de Nossa Se-nhora também pensaría-mos tudo isto, mas com umaparticularidade.

Imaginar, por exemplo, Nossa Se-

nhora, que foi virgem antes, durante edepois do parto. Durante o nascimentode Nosso Senhor Ela se conservou vir-gem; como esse mistério se deu?!

Outro episódio da vida de Maria Santíssima: quandoEla notou a perplexidade de São José, viu seu esposo pas-sar por aquele sofrimento sem nome, e percebeu a santi-dade dele que não duvidou d’Ela em nenhum momento.O demônio com certeza queria que ele duvidasse de Nos-sa Senhora; São José não duvidou em nenhum instante,mas resolveu retirar-se. E a tristeza com que ele se aco-modou sobre a cama para dormir, antes de partir pela es-

trada para o desconhecido, porque era o homem que esta- va colocado na maior perplexidade que houve na História.Quem sabe se Ela o olhou dormindo em paz, mas afo-

gado na dor? E se Ela de repente notou — quando já eraquase madrugada, perto da hora de ele se levantar e par-tir, no último sonho noturno — a fisionomia de São Josése iluminar como um sol, e percebeu que na última horaDeus teve pena dele e revelou-lhe o que havia?

Ele no sonho viu o Anjo, não acordou logo, mas pou-co depois um vulcão de alegria estourou dentro dele.São José ficou junto à porta do quarto de Nossa Senhoraprostrado, à espera do momento em que Ela saísse, os-

culou o chão e os pés d’Ela, e a Virgem Santíssima en-tendeu tudo e nunca falaram sobre nada. É uma coisapara lá de sublime!

Conversar sobre temas desses é antegozar o Céu.Imaginem a hora em que cheguemos ao Paraíso e veja-mos, de repente, São José com aquele bastão e aqueleslírios, cercado de uma coorte intérmina de Anjos, mascom uma alegria enorme no olhar porque estava vendo

O sonho de São JoséMuseu de Artes de Lima, Peru

São José - Museu de Artes de Lima, Peru

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 Inocência e sensodo combate

 A

14

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO

Família de Giovanni Vincenzo Imperiale - Museu do Palazzo Bianco, Gênova, Itália

Com base na experiência pessoal e na observação darealidade, Dr. Plinio descreve e analisa as relações

existentes entre o instinto de sociabilidade, o senso

da alteridade, a solidão, o subjetivismo e suasimplicações na preservação da inocência.

sociabilidade se desenvolve perfeitamente, comotudo o que existe, na medida em que haja boascondições de vida em sociedade. Então o instin-

to de sociabilidade tem elementos para se exercer. Natu-ralmente, quando existe apenas o que lhe é oposto e nãoo que lhe é propício, esse instinto se atrofia e se desvia.

   A  r  q  u   i  v  o   R  e  v   i  s   t  a

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  15

   G  u  s   t  a  v  o   K  r  a   l   j

“Retrato de uma criança” - MuseuMetropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA

 Senso da alteridade Ao longo do processo revolucionário, o instinto de so-

ciabilidade padeceu de um desvio profundo, que a meu verprovém de uma deformação, uma deturpação progressivada ideia da alteridade. Na normalidade, as alteridades estãopostas de um modo sadio, reto, por assim dizer espontâneo,apesar dos defeitos que o pecado original coloca em tudo.

Um caçador no Tirol ou um cantador de trovas baia-nas não se põe o problema sobre se ele é um indivíduodistinto em relação a outro. Quer dizer, tudo se colocapara ele espontaneamente direito, assim como diante deum homem com a vista correta todos os objetos se apre-sentam normais, e não se põem problemas oftalmológi-cos. O homem com vistas boas acha aquilo espontâneo:abriu os olhos e viu, está acabado.

 Assim é a alteridade em relação ao instinto de socia-bilidade.

 Antigamente esse instinto era enormemente favoreci-do pela existência das sociedades intermediárias, entre oindivíduo e a sociedade geral, de maneira que a pessoatinha uma sucessão de distâncias variadas em torno desi. Muito próxima, a família pujante, numerosa, com ummundo de filhos, com parentela; o que não se dava sónas casas nobres ou burguesas, mas no povinho também.Então, o homem tinha aquele ambiente que o cercava econstituía uma atmosfera para ele. Quando a família énumerosa, ela forma uma sociedadezinha de um grandeempuxe e de uma grande vitalidade.

O indivíduo tem perto de si um bando de irmãs e ir-

mãos que são, ao mesmo tempo, quase ele mesmo olhan-do para si próprio, mas já não são ele mesmo. De manei-ra que, de um lado, entre ele e cada irmão há um abis-mo e, de outro, como que — sublinho a expressão “comoque” — não há alteridade.

Segue-se o círculo da parentela no qual esse fenôme-no se dilui, mas ainda existe. Depois, também compon-do isso, círculos de pessoas agregadas à família que nãosão apenas os amigos desses ou daqueles familiares, masda família inteira, fazendo no âmbito familiar mais oumenos o papel do estrangeiro residente e semiadaptadonum país: ele enriquece o país pela sua presença e se en-

riquece com o que o país lhe proporciona. Não são, por-tanto, indivíduos desgarrados, mas membros daquele clã.O senso da alteridade é convidado, assim, a dar suces-

sivos passos e se torna robusto, porque está apoiado nes-sas distâncias que separam o homem dos vários círculosem meio aos quais ele vive.

 Senso da realidade objetiva

Ligado a este senso harmonioso e bem construídoda alteridade, existe outro: o senso da realidade objeti-

 va, externa ao sujeito. Isto é, a noção clara e verdadeirada existência do mundo externo com todas as gamas in-termediárias que o compõem, desde o prosaico até o ad-mirável, compreendendo que a realidade é esta e que sópensamos e agimos adequadamente em função da verda-de. São os corolários da inocência.

Contudo, a inocência faz o homem desejar uma vi-da que vai muito além dessa realidade que ele, ao mes-mo tempo, ama e sente-se exilado dentro dela. E quan-to mais ele percebe que ama, mas não cabe dentro darealidade, tanto mais sente sua superioridade em rela-ção àqueles que estão inteiramente satisfeitos dentro domundo. Então o indivíduo chega à conclusão de que anota distintiva de seu talento e de sua superioridade é es-sa inconformidade com a realidade.

No primeiro voo, ele procura algumas coisas da reali-dade que lhe parecem mais belas, e logo depois começa a

imaginar uma realidade na qual só exista o mais belo. Esem negar filosoficamente a realidade, é levado a optarpor uma de duas vias.

Uma é a do simbolismo e da Fé, que conduz ao me-tafísico e ao sobrenatural. Esta via satisfaz inteiramen-te os anelos da inocência e permite-lhe — pela esperançae pela interpretação, seleção e ordenação da realidade,

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O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO

O inocente é um homemtão feliz quanto se pode ser

nesta Terra; e é infeliz porqueestá num vale de lágrimas.

   A  n   d  r  e  a  s   T  o  e  r   l   (   C   C   3 .   0

   )

Estátua de Carlos Magno - Aachen, Alemanha

compondo, assim, objetivamente uma realidade que nãoexiste — voar mais alto e satisfazer o que tem de maisnobre. Este é o caminho acertado pedido pela inocência.

 A alma chegaria, assim, a Deus por meio de vários graus,dos quais alguns já não são os seres existentes, mas os quepoderiam existir. Isso não constitui uma negação da realida-de, mas uma complementação do real com algo de criativo.Não é uma revolta contra a realidade, mas alimenta as nos-sas esperanças de chegar à realidade que nos aguarda dooutro lado do rio da morte, e para a qual tendemos.

Desejo de ser adorado

 A outra via pela qual o homem é convidado a optar es-tá ligada ao problema da solidão e do subjetivismo.

Tomemos, por exemplo, um rapaz, filho único, obri-gado a conviver em ambientes onde ele não se encai-

 xa, a não ser com muita dificuldade. Ele tema necessidade de, em certas horas, imaginarum ambiente que não existe, sob pena de nãoaguentar. Ele não se pergunta se imaginar al-go irrealizável é legítimo, mas apenas constataque é necessário.

Diante de uma ordem natural tão avessa aele, sente-se no direito de fabricar outra imagi-nária na qual ele caiba. Não conseguindo cons-truir uma circunstância extrínseca inteiramen-te como ele quer, e tendo uma necessidade pre-mente de viver nisso que não lhe foi dado como

seu hábitat próprio, o rapaz fica diante de umdilema: ou imagina ou perece. E acaba por em-barcar no irreal e adultera o senso da realidade.

 A partir daí, abrem-se novamente diante de-le dois caminhos:

Não se resigna com a solidão e procura rea-lizar o sonho, jogando-se nas aventuras amoro-sas ou financeiras. Neste caminho, ele despre-za o subjetivo e pensa ter-se lançado numa rea-lidade objetiva. De fato, pelo contrário, procu-rou transformar a realidade, forçá-la, violentá--la para ser conforme a um sonho irreal que es-

tava em sua cabeça. Às vezes dá num tipo de pessoa a qual, ven-do que essas tendências poderiam nascer nela,esmaga-as com horror, se trivializa e fica umaespécie de positivista. Em nossos dias, a evasãomais cômoda para isso é dentro da mecânica.Tenho a impressão de que muita mania de la- var e conservar automóvel corresponde a umaevasão para esse terreno.

O outro caminho é a pura interiorização.O sujeito sonha com uma felicidade que, na

maioria das vezes, não seria conquistada por glórias emface de outros, mas tendo um tipo humano que ele gosta-ria de possuir e, como tal, compreendido e adorado.

Desponsório entre o sonho e a realidade

Encontramos um modelo da posição equilibrada, ver-dadeira, em Carlos Magno. Ele concebeu um alto ideal,batalhou como uma fera para realizá-lo, recrutou quem

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   S   h  a   k   k  o   (   C   C   3 .   0

   )

São Luís Gonzaga

com ele lutasse para concretizá-lo, caminhou até o fimfiel a esse ideal, e morreu deixando-o realizado.

Já na concepção do ideal, o futuro está delineado. Ha- verá dificuldades, tentações, acontecerá de tudo, mas eleanda. E se ao invés de ele viver o quanto viveu, durasseduzentos anos e morresse, portanto, cento e tantos anosdepois, tudo quanto ele tives-se inicialmente na cabeça seapresentaria continuamentecomo tendo frutificado, de-senvolvido e aprimorado. Osonho estaria sempre a jardasalém da realidade obtida.

Havia uma espécie de des-ponsório entre o sonho e a re-alidade. Ele sonhava o realizá- vel e realizava o que sonhou.

Formar o homem assim étirá-lo do pantanal do positi- vismo e da mera imaginação,do divórcio com a realidade.

Não se trata de um mun-do dos sonhos, mas do mun-do visto aos olhos da inocên-cia e da Fé. Este seria o sonhoda alma inocente.

Por exemplo, Santa Môni-ca com Santo Agostinho. Elaqueria converter o filho, mas

tudo me leva a supor que San-ta Mônica possuía uma ideiade quem seria o filho de-la. Daí aquele pranto antes eaquela alegria depois da conversão. Ela sabia que a mis-são dela não era derrotar hereges. Santa Mônica precisa- va ter Santo Agostinho, depois este faria o caminho parao qual ela era cabeça de ponte.

O sonho do inocente coloca o homem diante da ver-dade total. Seria mais ou menos como um indivíduo queestivesse em cima de uma pedra sobre a qual bate umraio de luz, e compreendesse o que aquele granito co-

mum tem de sólido. Entretanto, compreende tambémque ele não pode viver indefinidamente sobre aquelegranito, mas deve se elevar naquele raio de luz.

 Inocência e felicidade

Um positivista negaria a condutibilidade daquele raiode luz, e diria: “Quem entra nesse raio de luz? Tu, ino-cente, com teus sonhos afundarás!”

O inocente não sabe o que responder, mas continuaa andar, porque ele é levado pelo princípio axiológico

que lhe diz: “Enquanto fores inocente, anda, porque os Anjos te ajudam!” Então ele tenta devagar, temperan-temente.

 Aí a solidão, de um problema passa a ser para ele umabênção, um calvário no qual ele sente forças para subirmais e mais pelo raio de luz.

Quando o indivíduo pecaem algo contra a inocência,duvida dela porque ela de-safia demais o senso dos de-mais, e isso o deixa inseguro.Dou muita importância a isso:há um determinado momen-to em que o inocente é tenta-do a duvidar de sua inocência,pensando que ela é o pior dossonhos porque — imagina ele

— quanto mais virtuoso, tan-to mais quimérico.Para manter-se inocente, a

pessoa precisa ter muito sen-so do combate, muita hones-tidade.

Se ele mantém essa batalhada inocência, internamente éum homem feliz? A respostaé: sim e não. Ele é um homemtão feliz quanto se pode sernesta Terra; e é infeliz porque

está num vale de lágrimas.Se a felicidade está em nãosofrer nada, então ele não éfeliz. Se a felicidade é ter gáu-

dios sérios, sólidos, verdadeiros, substanciosos, emboracom sofrimentos, ele então é um homem feliz. Dependeda tônica que ele ponha na questão.

Ele precisa quase que diariamente voltar a esse pon-to, pensar nisso para não ceder, de tal maneira o mundomente dizendo que felizes são os que vivem no pecado, eo inocente é o errado, o torto, o infeliz.

Diante das pessoas entregues ao pecado, o inocen-

te se sente completamente recusável e recusado, maisou menos como alguém que tivesse nascido com a ca-beça virada para trás se sentiria diante do comum doshomens.

 Aí muitos fraquejam! É a batalha neste vale de lágri-mas. A Igreja é militante, e para isso existe a piedade, ossacramentos, etc. O inocente, no fundo, é um homemmais feliz do que todos os outros. v

 (Extraído de conferência

 de 4/1/1984)

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 Mãe de Deus edos homens

 A

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DE MARIA NUNQUAM SATIS

Pináculo de tudo quantopossa haver de meramentecriado, Nossa Senhora é aRainha do Céu e da Terra,dos Anjos e dos homens,Medianeira universal de

todas as graças. Esses títulose as inúmeras invocaçõesque existem ou existirão atéo fim do mundo para cultuarMaria Santíssima são umadecorrência da MaternidadeDivina.

importância, para a piedade católi-ca, da Festa da Maternidade Divina daBem-aventurada Virgem Maria está em

que todas as graças extraordinárias que NossaSenhora recebeu — e que fizeram d’Ela umacriatura única em todo o universo e na econo-mia da salvação —, têm como ponto de partidae razão de ser o fato de Ela ser Mãe de NossoSenhor Jesus Cristo e, portanto, Mãe de Deus.

Nossa Senhora do Sagrado CoraçãoIgreja de Santa Maria, Ontário, Canadá

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Como os pequenos orifíciosexistentes nas areias das praias...

 A propósito desse tema, é interessanteressaltar o modo pelo qual se estabelece ahierarquia na obra de Deus, como todas ascoisas feitas por Ele são matizadas, e comoisso é contrarrevolucionário.

O espírito revolucionário é a favor dassimplificações. Pelo contrário, o espíritocontrarrevolucionário ama o matiz, e quan-do vê uma coisa meio difícil de compreendere até meio antitética, ama aquilo porque com-preende que naquela aparente antítese há, nofundo, uma verdade muito bonita que acabarápor encontrar. É uma realidade que, desdepequeno, habituei-me a ver na Igreja.

Tive uma surpresa quando co-mecei a ver coisas aparentemen-te esquisitas na Igreja, e eu fica- va meio enovelado com aquilo,mas depois aprofundava a aná-lise do assunto e percebia quequanto mais esquisito, tantomais bonita era sua explicação.

Habituei-me, assim, à ideia deque toda objeção que se pode fazer àIgreja é como aqueles furinhos que há napraia. Vê-se um furinho insignificante do qual es-

tão saindo borbulhazinhas. Mete-se o dedo ali, e de den-tro sai um caramujo. Assim também na Igreja: tudo quanto se nos afigura

como esquisito, meio incompreensível, antitético, con-traditório, desde que saibamos buscar e esperar a expli-cação, quando de fato Nossa Senhora nos der a enten-der aquilo, ali encontraremos uma pérola, uma verdadei-ra maravilha.

É próprio da Igreja que, numa coisa eriçada de con-tradições, se encontre sempre uma harmonia profundaresultante de uma verdade.

 A união hipostática foi feita com umacriatura humana e não angélicaPara um espírito cartesiano, o que pode parecer mais

absurdo do que a figura da Mãe de Deus?Pensemos em um indivíduo a quem nunca se expôs a

Doutrina Católica e que toma conhecimento de que aIgreja, ao mesmo tempo em que ensina ser Deus eter-no e puro espírito, afirma que Ele tem uma Mãe. Comoé possível um ente espiritual ter essa Mãe material e car-nal que, sendo temporal, gera um Ser eterno?

  M e r g a t r o

  i d  (  C C

  3. 0  )

São contradições que, pa-ra um espírito protestante,

correspondem a um verda-deiro absurdo. Ora, tratando-

-se da Santa Igreja Católica, nuncahá absurdo. Existe, isto sim, uma har-

monia profundíssima e superior presa a um

princípio extraordinário. A questão está em esperar pa-ra compreender.Consideremos que Deus eterno, perfeito, criou os an-

 jos e, abaixo deles, os homens. Contudo, Ele não estabe-leceu com um anjo a união hipostática, e sim com a na-tureza humana.

Também isso pareceria uma contradição: a superiordignidade dos anjos pediria que a união hipostática fossefeita com eles e, principalmente, com o mais alto, o me-lhor dentre eles. Ora, Deus estabelece a união hipostá-tica com uma natureza inferior à angélica, e opera umamaravilha maior do que se a estabelecesse com o maior

dos anjos.Porque feita a união hipostática com um anjo,Deus dignificaria somente a natureza espiritual. Po-rém, ao realizá-la com uma criatura humana, Ele dig-nifica os anjos — porque o homem, enquanto tendoalma, é participante da dignidade espiritual dos an- jos — bem como todo o reino material, pois o ser hu-mano é também composto de matéria. Portanto, é to-do o cosmo que se dignifica com essa aparente incon-gruência de Deus Se unir hipostaticamente a uma na-tureza in ferior.

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DE MARIA NUNQUAM SATIS

“O caminho da salvação” - Igreja de Santa Maria Novella, Florença, Itália

Um desequilíbrio na consideraçãoda maternidade divina

Decorre daí uma disposição hierárquica admirável,toda ela matizada também. No ápice, Nosso Senhor Je-sus Cristo, Homem-Deus. Depois, uma criatura humanaque é o pináculo de tudo quanto pode existir de mera-mente criado: Maria Santíssima.

Ela, como Mãe de Deus, está posta como Rainha doCéu e da Terra, dos Anjos e dos homens, investida detodas as outras qualidades, graças e títulos, inclusive deMedianeira Universal de todas as graças, por causa de

sua Maternidade Divina. Assim, essa festa atrai a nossa atenção e a nossa pie-dade sobre aquilo que, de algum modo, é a própria raizda devoção mariana: a Maternidade Divina de Nossa Se-nhora.

Isso é tão verdadeiro, tão ortodoxo! Entretanto, veja-mos onde pode entrar um desequilíbrio na consideraçãodessa verdade.

Há uns vinte anos, eu quis fundar uma congregaçãomariana em um bairro de São Paulo e convidei para issoalgumas pessoas conhecidas naquele lugar, sem saber já

estarem elas influenciadas por certas tendências contrá-rias à sã doutrina.Depois de confabularem entre si, uma delas me disse:— A Congregação se chamará “Nossa Senhora Mãe

de Deus”.Título doutrinariamente irrepreensível, mas pouco

usual naquela época. Então lhe indaguei:— Mas por que você escolheu esse título que é pou-

co usual?Resposta:— Porque, afinal, só o que importa em Nossa Senhora

é ser Mãe de Deus. Todo o resto não é nada.

 Aqui já entra o desequilíbrio. É o mesmo que dizer: naárvore só o que importa é o tronco. A galharia, as folhas,as flores, os frutos, nada disso tem importância. Aceitara doutrina da Maternidade Divina de Maria, procurandodespojá-la de toda essa maravilhosa complexidade e des-sa variedade de títulos que dela deflui, para ficar só como tronco, já é, por si mesma, uma posição errada. Nota-senisso o bafo do espírito simplificador, protestante, sob opretexto de ir às raízes, rejeitando o restante da galharia.

O espírito católico, ao contrário, leva-nos a venerar imen-samente esse principal título de Nossa Senhora, respeitan-

   M   i  c   h  a  e   l   H  u  r  s   t   (   C   C   3 .   0

   )

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Nossa Senhora e o Menino Jesus. De joelhos, Pedro

de Lardi Lhes é apresentado por São Nicolau - MuseuMetropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA

do-o como ele merece ser respeitado, mas sequiosos de tirardele todas as suas consequências. Portanto, tendo o espíritoaberto e voltado para as mil invocações que existem e se cria-rão, até o fim do mundo, para cultuar a Santíssima Virgem,debaixo desse ou daquele aspecto, oque será sempre uma decorrência daMaternidade Divina d’Ela.

 Mãe dos homens

Há outro ponto muito importan-te para nós nessa invocação. Por serMãe de Deus, Nossa Senhora é tam-bém, por uma série de consequênciase a título especial, Mãe dos homens.

 Acredito que a mais preciosa gra-ça que se pode ter,

em matéria de de- voção a Maria San-tíssima, é a de Elacondescender emestabelecer com ca-da um de nós, porlaços inefáveis, umarelação verdadeira-mente materna.

Isso pode dar-sede mil modos, masem geral Nossa

Senhora se reve-la principalmentenossa Mãe quan-do nos tira de al-gum apuro, de mo-do a seu ampa-ro nos ficar intei-ramente inesque-cível. Ou então,quando nos per-doa alguma fal-ta que particu-

larmente não ti-nha perdão, masque Ela, por umadessas bondades que só as mães têm, passa por nós, per-doa e elimina aquilo, como Nosso Senhor Jesus Cristocurava a lepra, de maneira a não ficar nada.

Realmente, nada ali merecia ser perdoado, não haviaatenuante e não merecia senão a cólera de Deus; masEla, como Mãe, com seu poder soberano e com essa in-dulgência que as mães têm, com um sorriso apaga aqui-lo, elimina, e o passado fica completamente esquecido.

Nossa Senhora nos obtém graças dessas, às vezes deum modo tal que, para a vida inteira, fica marcada a fo-go na alma — um fogo do Céu, não da Terra — essa con- vicção de que poderemos recorrer a Ela mil vezes, em

circunstâncias mil vezes mais in-defensáveis, e Ela sempre nos per-doará de novo, porque abriu paranós uma porta de misericórdia queninguém fechará.

Creio ser disso que vivemos: umcrédito de misericórdia aberto porMaria Santíssima; dessas misericór-dias como poucas vezes terá havi-do. Por essa razão, embora nós nãomerecendo e fazendo de tudo, Elaainda tem mais um sorriso, mais

um perdão, Ela

nos repesca maisuma vez.Vem-me à me-

mória uma passa-gem do Apocalipse:“Eis que pus à tuafrente uma portaaberta que ninguémpoderá fechar, poistens pouca for-ça, mas guardas-te a minha palavra

e não renegaste omeu nome.”1 Cer-ta vez vi uma apli-cação dessas pala-

 vras à devoção aoSagrado Coraçãode Jesus, e achoimensamente legí-tima. Parece-metambém muitolegítimo aplicá-

-las ao Imaculado

e Materno Cora-ção de Maria pa-ra conosco.

Não conheço verdade mais palpável, mais digna denosso amor e de nossa gratidão do que esta. v

 (Extraído de conferência

 de 11/10/1963)

1) Ap 3, 8.

“Eis que pus à tua frenteuma porta aberta que

ninguém poderá fechar,pois tens pouca força, mas

 guardaste a minha palavra enão renegaste o meu nome.”

   G  u  s   t  a  v  o   K  r  a   j   l

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Teoria do progresso - I 

N  

22

A SOCIEDADE ANALISADA POR DR. PLINIO

os flancos do tema da estagnação1, encontra--se uma teoria do progresso. E munidos da

doutrina sobre a estagnação, temos elemen-tos, ao menos os essenciais, mais preciosos, para fazer acrítica de toda a mania de progresso a qual teve, no sé-culo XIX e em parte do XX, um papel semelhante aoda razão, nos séculos XVII e XVIII; quer dizer, tudo eramania de raciocínio, de iluminação, de ilustração.

O homem das cavernas

Se adotarmos a tese, um tanto controvertida, de que ohomem primitivo teria sido mais ou menos o das caver-

Ruínas demonumentos egípcios

   H  o  s  a  m  a   l  e  x   (   C   C   3 .   0

   )

nas, concluímos que grande parte da humanidade pro-grediu. Essa evolução é muito discutível, mas foi como os

homens que elaboraram a teoria do progresso a apresen-taram. Então, vale a pena iniciar por aí para depois anali-sar mais a fundo a questão.

 A humanidade, portanto, teria nascido nas caver-nas ou se mudado para lá; seja como for, vivia no mun-do das cavernas. Tomando o estado inteiramente primiti- vo daquilo e considerando, muitos séculos depois, comoa questão se tinha posto, como o estado evoluíra, notava--se, por exemplo, que na Ásia uma grandíssima parte dahumanidade progredira e já não vivia nesse estado, e simem cidades com uma organização rudimentar em certas

 Alguns mistérios envolvem o progresso e a decadência dos gruposhumanos: a Idade da Pedra foi o ponto de partida de uma ascensãoou o termo de um retrocesso? Como se verifica a ação de Deus

na evolução dos povos pagãos? Qual o papel do sobrenatural noprocesso ascensional de um povo? Estas e outras questões são

abordadas por Dr. Plinio nesta conferência.

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  G  i s  l  i  n g 

  (   C  C   3.

  0  )

   H  e  n  r  y   W  a   l   t  e  r  s   (   C   C   3 .   0

   )

W

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C3

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   J   e   a   n  -   P

   o   l   G   R   A   N   D   M   O   N   T   (   C   C

   3 .   0

   )

matérias, mas uma economia que, tanto quanto os estilosde produção existentes permitiam, tendia a se organizare até mesmo a formar um mercado internacional; nasciauma pequena indústria, que já não era a da pedra lasca-da nem da pedra polida, mas uma indústria mais desen- volvida e, portanto, já existia um rudimento do que seriao progresso tecnológico.

No terreno das artes isso também se definiu muito. Ese tomarmos as grandes civilizações da Antiguidade, no-taremos que elas representam um progresso fascinanteem relação ao pessoal das grutas, da pedra polida e dapedra lascada.

Chineses, egípcios, assírios e persas

Qual foi a força que impeliu para esse progresso? Se naIdade Média recorrermos à tese de que foi a influência de

um fator sobrenatural que causou esse progresso, tal fa-tor está ausente no que diz respeito a esses povos pagãos.Entretanto, algo de muito grande foi realizado que,

em alguns sentidos, parece ter atingido o teto a que o ho-mem pode chegar. Porque, no terreno artístico, quando

se consideram as realizações desses povos, pergunta-sese era de esperar que eles dessem uma coisa melhor. Epoder-se-ia considerar que não era, porque a arte chine-sa, por exemplo, é tão alta, tão desenvolvida, que naque-le gênero e para a mentalidade e o físico do chinês, é difí-cil imaginar algo melhor. Depois, a polidez dos chineses,a gentileza, o relativo tonus pacífico de vida que eles al-cançaram, a organização do Estado, e depois o Impériochinês representam realizações impressionantes.

Quando se vai falar dos egípcios, nem há o que co-mentar, é superior a qualquer louvor.

 A respeito de quase todos esses povos pode-se afirmarque, na linha em que andaram, atingiram um teto o qualé igualável ao maior teto que a humanidade poderia al-cançar.

Por exemplo, pode-se dizer que o estilo francês do sé-culo XVIII é maravilhoso. Se o comparamos com o estilo

assírio, notamos que este é muito mais primitivo. Mas se-ria exagerado sustentar, pura e simplesmente, que o es-tilo assírio está vários degraus abaixo do francês, porqueele tem lados magníficos, realizações esplêndidas. A des-coberta das propriedades do barro, da terracota para fa-

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A SOCIEDADE ANALISADA POR DR. PLINIO

zer aqueles utensílios de barro lustroso que os assírios eos persas fabricavam, é um progresso técnico que faci-litou a arquitetura enormemente, impedindo que o ho-mem ficasse escravo da pedra. O medieval, por exemplo,levou muito tempo para descobrir isso.

 A maior decadência que houve na História

Contudo, creio que não se dá a volta no assunto recor-rendo a dados puramente naturais. Tanto mais que é con-testável que o homem primitivo vivesse habitualmente nascavernas, porque os estudos parecem estar conduzindo ànoção de que todas aquelas decorações muito bonitas quese encontram nas grutas eram pintadas por gente que iapara prestar culto ali, mas não morava nas cavernas. Estaseram uma espécie de capela. Eles comiam nas cavernas,mas não está provado que dormissem ali.

Parece mais razoável admitir que o homem veio à Ter-ra numa situação muito superior, e decaiu até à pedralascada e à pedra polida. E que esses decadentes, de-pois, não se reergueram, sumiram dentro dos mistériosda História.

Nós teríamos que recorrer à versão bíblica, que é a verdadeira e serve de ponto de partida sério para essasconsiderações.

 Adão e Eva decaíram, pelo pecado, e foram punidos.Creio nunca ter havido decadência tão grande quanto adeles, porque passaram de seres humanos em estado deinocência para o estado de pecado. Uma tragédia, com

todas as consequências ligadas a isso…

Entretanto, traziam na memória um número enormede conhecimentos, porque não está dito que lhes foramapagados intencionalmente os conhecimentos que ti-nham no Paraíso terrestre. É preciso lembrar que Adãoconhecia a natureza de todos os animais e, quando estesdesfilaram diante dele, foi dando a cada um o nome cor-respondente à natureza do animal2.

Nossos primeiros pais comunicaram esses conheci-mentos aos seus descendentes, os quais tinham, por isso,uma situação de muito mais conhecimento e progressodo que os povos orientais tiveram quando chegaram aoseu auge. De onde podemos deduzir — como mera hipó-tese — que deve ter havido, mais ou menos desde Adãoe Eva à Torre de Babel, um movimento ao mesmo tempode decadência e de ascensão.

Em alguns pontos eles foram aproveitando o que sa-biam e desenvolvendo para melhorar; e noutros pontos

foram esquecendo o que conheciam, se embrutecendo eescorregando para baixo. Provavelmente, fizeram um du-plo movimento: nas coisas utilitárias, foram aumentandoo conhecimento, e nas não utilitárias, foram esquecendo.O que é muito parecido com o homem contemporâneo,que a partir da Idade Média veio decaindo naquilo quenão era utilitário e subindo naquilo que era utilitário.

 A meu ver, foram decaindo na sabedoria.

 A Torre de Babel e o povoamento da Terra

 A Torre de Babel parece muito ilustrativa nesse senti-

do, porque dá toda a impressão de ter sido uma coisa cal-

O povoamento da Terra,que, sem dúvida, é umacondição de melhoria

para a vida dos homens,foi muito facilitado poruma espécie de bombaatômica demográfica,a qual espalhou gentepelo mundo inteiro apartir de uma crise.

   P  a  u   l   i  n  e   M

   (   C   C   3 .   0

   )

“A Torre de Babel”Real Museu de Belas Artes,

Bruxelas, Bélgica

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culada em função de certa utilidade, não tão grande, por-que se quisessem edificar algo tão alto sem elevador, nãopodiam construir uma coisa útil. Assim, devia ser um edi-fício de uma alturazinha que eles julgavam vertiginosa,e com a qual quiseram afirmar uma grandeza naturalis-ta, que não tomava Deus em consideração. Então veio adispersão e uma decadência que, em ponto pequeno, eraparecida com a do pecado original, sem o ser propria-mente, e sem os efeitos trágicos que este teve.

Mesmo aí houve uma coisa interessante: o povoamen-to da Terra, que, sem dúvida, é uma condição de melho-ria para a vida dos homens, foi muito facilitado por umaespécie de bomba atômica demográfica, a qual espalhougente pelo mundo inteiro a partir de uma crise.

 Alguém dirá: “É uma mera hipótese.” Mas essa hipó-tese tem um grande valor como meio de fazer caminharo raciocínio; e, quando bem cuidada e arquitetada, ela às

 vezes faz voar o pensamento.Respeitabilidade e grandeza do patriarca

Então, é razoável imaginarmos o progresso, deixandode lado as povoações que ficaram à margem dele — asda pedra lascada, da pedra polida, etc. —, e considerar-mos como os demais povos progrediram, como o roma-no, que não se vê, em nenhum momento, saindo de umagruta, e sim vivendo uma vida pastoril, com restos de no-madismo, mas que vão se fixando e começando a criargado, plantar e se proliferar, constituindo assim socieda-

des fixas dotadas indiscutivelmente de uma muito belagrandeza de horizontes e de uma muito poética belezade vida.

O patriarca — por exemplo, do Lácio ou da Héladeprimitivos —, que acorda nos primeiros albores e temdiante de si as tendas dos seus súditos parentes; alguns jáacordaram, outros dormem ainda; o velho patriarca saida sua tenda e toca num chifre de boi vazado o sinal ne-cessário para despertar a todos, que se levantam e come-ça a vida.

Tudo isso tem uma grande beleza! O patriarca temuma respeitabilidade e uma grandeza tais, que a Igreja se

adornou com a pulcritude da reminiscência patriarcal, ecertas altas dignidades eclesiásticas com poder governa-tivo se intitulam “Patriarcas”.

No Ocidente os Patriarcas o são mais por represen-tação do que em realidade: o Patriarca de Lisboa, o Pa-triarca de Veneza, etc. Mas, antigamente, os Patriarcasgozavam de verdadeira jurisdição intermediária entre ado Papa e a do bispo. Era uma espécie de metropolita,um pouco um “papazinho”. Pela dificuldade de comuni-cações com Roma, ele tinha de centralizar muita coisaque, futuramente, iria se concentrar na Cidade Eterna.

Havia, então, o Patriarca de Antioquia, de Jerusalém, de Alexandria, dos Caldeus, e daí para fora, que ainda hojetêm poder efetivo na Igreja.

Tudo isso faz-nos ver a beleza do patriarcado de quenos fala a literatura grega e a latina. Muitos dos grandesheróis da História grega e da romana estavam ainda qua-se no período patriarcal. Os heróis da Guerra de Tróia já

tinham reis, mas estes eram o mais possível parecidoscom patriarcas. O ambiente todo era patriarcal, com Es-tados compostos de tribos governadas por patriarcas. v

(Continua no próximo número) 

(Extraído de conferência de 22/8/1991)

1) Ver Revista Dr. Plinio, n. 201, p. 22-25.2) Cf. Gn 2, 19-20.

   S   é  r  g   i  o   M   i  y  a  z  a   k   i

Dr. Plinio durante umapalestra na década de 1990

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C ALENDÁRIO DOS S ANTOS  ––––

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Santa Ângela Mérici

   B  e  n  o   i   t   L   h  o  e  s

   t   (   C   C   3 .   0

   )

8. Santo Erardo, bispo (†707). Natural da Escócia, pro-pagou o Evangelho em Ratisbona, Alemanha, onde exer-ceu seu ministério episcopal.

9. Beato Antônio Fatáti, bispo (†1484). Governou a dio-cese de Teramo, Itália, e depois a de Ancona, sendo severoconsigo mesmo e bondoso para com os pobres.

10. Beata Ana dos Anjos Monteagudo, virgem (†1686).Religiosa dominicana em Arequipa, Peru, que com o domdo conselho e da profecia promoveu o bem de toda a ci-dade.

11. Batismo do Senhor.

Beata Ana Maria Janer Anglarill, virgem (†1885). Fun-dadora do Instituto das Irmãs da Sagrada Família de Ur-gell. Faleceu em Talarn, Espanha.

12. São Bento Biscop, abade (†c. 690). Das suas pere-grinações a Roma trouxe para a Inglaterra mestres e mui-tos livros. Fundou os mosteiros beneditinos de Monkwear-mouth e Jarrow, dedicados a São Pedro e São Paulo.

13. Santo Hilário de Poitiers,bispo e Doutor da Igreja (†367).

São Remígio, bispo (†c. 530).

Durante mais de 60 anos foi Bis-po de Reims, França. Batizouo rei Clóvis e converteu o povofranco ao Catolicismo.

14. Beato Lázaro Pillai, pai defamília e mártir (†1752). Duran-te a perseguição contra os cristãosno reino de Travancor, foi assas-sinado em Aral Kurusady, Índia,por ter se convertido à Fé Cató-lica.

15. São João Calibita, asce-ta (†séc. V). Segundo a tradição,abandonou a casa paterna, ainda jovem, e foi viver em uma chou-pana, em Constantinopla, Tur-quia, dedicando-se à contempla-ção e penitência.

16. São Marcelo I, Papa (†309).São Dâmaso o define como ver-

1. Solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria. Ver pági- na 18.

São Segismundo Gorazdowski, presbítero (†1920). Ani-mado pelo seu grande amor ao próximo, este sacerdotepolonês fundou em Lviv, Ucrânia, o Instituto das Irmãs deSão José.

2. Santos Basílio Magno (†379) e Gregório Nazianzeno(†c. 389), bispos e Doutores da Igreja.

Beata Maria Ana Soureau-Blondin,  virgem (†1890).Fundadora da Congregação das Irmãs de Santa Ana, emQuebec, Canadá, para educação dos filhos dos campone-ses.

3. Santíssimo Nome de Jesus.Santa Genoveva, virgem (†c. 500). Ver página 28.

4. Solenidade da Epifania do Senhor (no Brasil, trans-ferida do dia 6).

Santa Faraílde, viúva (†c. 745). Obrigada a contrair ma-trimônio com um homem violento, abraçou até à sua ve-lhice uma vida de oração e austeridade, em Bruay-sur--l’Escaut, França.

5. Santa Emiliana,  virgem(†séc. VI). Tia paterna de São

Gregório Magno, falecida emRoma.

6. São João de Ribera, bispo(†1611). Foi por mais de quarentaanos Arcebispo de Valência, Es-panha, e por dois anos também vi-ce-rei. Devoto da Santíssima Eu-caristia e defensor da verdade ca-tólica, educou o povo com sólidosensinamentos.

7. São Raimundo de Penyafort,presbítero (†1275).São Luciano, presbítero e

mártir (†312). Famoso por suadoutrina e eloquência, foi condu-zido perante o tribunal em Nico-média, Turquia, durante a perse-guição de Maximino Daia. Aosinterrogatórios e torturas res-pondia intrépido confessandoser cristão.

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––––––––––––––––– * J ANEIRO *  ––––

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São João Bosco

   F  e   f  e  m  a   k   (   C   C

   3 .   0

   )

dadeiro pastor, hostilizado porapóstatas que recusavam aceitaras penitências que lhes foram im-postas. Morreu no exílio.

17. Santo Antão, abade (†356).São Sulpício, o Piedoso, bispo

(†647). Promovido da corte ré-gia ao episcopado, em Bourges,França, teve como maior preocu-pação o cuidado dos pobres.

18. II Domingo do Tempo Co-mum.

Beato André de Peschiera Gre-go, presbítero (†1485). Religiosodominicano que percorreu a pédurante muito tempo, toda a re-gião dos Alpes italianos, viven-do junto aos pobres e pregando adoutrina católica.

19. São Bassiano, bispo (†409). Lutou junto com San-to Ambrósio de Milão para defender seu povo da heresiaariana, ainda viva na diocese de Lodi, Itália.

20. São Fabiano, Papa e mártir (†250).São Sebastião, mártir (†séc. IV).

21. Santa Inês, virgem e mártir (†séc. III/IV).Santo Epifânio, bispo (†496). Durante a invasão dos

bárbaros, trabalhou pela reconciliação dos povos, pela re-denção dos cativos e reconstrução de Pávia, Itália.

22. São Vicente, diácono e mártir (†304).Santos Francisco Gil de Frederich e Mateus Afonso

de Leziniana, presbíteros e mártires (†1745). Sacerdotesdominicanos mortos a fio de espada em Tonquim, Vie-

tnã, após um período de cárcere, por pregarem o Evan-gelho.

23. Santos Clemente, bispo e Agatângelo, mártires(†séc. IV). Mortos em Ancara, Turquia, durante a perse-guição de Diocleciano.

24. São Francisco de Sales, bispo e Doutor da Igreja(†1622).

Beatos Vicente Lewoniuk e doze companheiros, mártires(†1874). Leigos de Pratulin, Polônia, fuzilados pelas tropas

do czar da Rússia, por se recusa-rem a se separar da Igreja Católica.

25. III Domingo do Tempo Co-mum.

Conversão de São Paulo, Apóstolo.

Beato Antônio Swiadek, pres-bítero e mártir (†1945). Por de-fender a Fé perante os sequazesde doutrinas hostis a toda a dig-nidade humana e cristã, alcançoua coroa imperecível de glória nocampo de concentração de Da-

chau, Alemanha.26. São Timóteo e São Tito,

bispos.Beato Gabriel Maria Allegra,

presbítero (†1976). Franciscano,insigne estudioso e pregador do

Evangelho, compôs a versão de toda a Bíblia para a línguachinesa. Morreu em Hong Kong.

27. Santa Ângela Mérici, virgem (†1540).Beata Rosália du Verdier de la Sorinière, virgem e már-

tir (†1794). Religiosa do mosteiro beneditino da Congre-gação do Calvário, guilhotinada em Angers durante a Re- volução Francesa.

28. São Tomás de Aquino, presbítero e Doutor da Igreja(†1274). Ver página 2.

Beato Julião Maunoir, presbítero (†1683). Jesuíta que,durante 42 anos, dedicou-se às missões populares, tantonas aldeias como nas cidades da Bretanha, França.

29. Santo Afraates, eremita (†c. 378). Nascido próximoa Nínive, no atual Iraque, converteu-se ao Cristianismo e

passou a viver como anacoreta em Edessa, Síria.

30. São Muciano Maria Wiaux, religioso (†1917). Per-tencia à Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs.Consagrou toda a sua vida a trabalhar na educação de jo- vens, em Namur, Bélgica.

31. São João Bosco, presbítero (†1888).Beata Candelária de São José, virgem (†1940). Fundou

em Altagracia de Orituco, Venezuela, a Congregação dasIrmãs Carmelitas da Madre Candelária.

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E

Santa Genoveva

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HAGIOGRAFIA

   M   b  z   t   (   C   C   3 .   0

   )

 Tendo apenas sete anos de idade, Santa Genovevaprometeu, na presença dos bispos São Germano e São

Lupo, guardar a pureza de alma e de corpo. Tal promessaela a cumpriu com toda fidelidade e teve a insigne glóriade, em 451, impedir que os hunos comandados por Átila

invadissem Paris, tornando-se a padroeira dessa cidade.

 sim como um simples lavrador, San-to Isidro, vigiava a capital das Es-

 panhas.São Germano de Auxerre

ia para a Grã-Bretanha pa- ra onde o Papa São Boni- fácio I o estava enviando, a fim de combater a he-

 resia pelagiana. Acom- panhado de São Lupo, Bispo de Troyes, que de- via partilhar sua missão, parou na aldeia de Nan-terre. Enquanto os dois prelados se dirigiam àigreja onde queriam re- zar pelo sucesso de sua viagem, o povo fiel oscircundava com uma piedosa curiosidade.

 Iluminado por uma luz divina, Germa- no discerniu em meio à multidão uma meni- na de sete anos, e foi advertido interiormen-te de que o Senhor a ti- nha escolhido. Pergun-tou aos presentes qual

 era o nome dessa crian-ça e rogou que a trou-Santa Genoveva - Igreja de Saint-Louis-en- l’Ile, Paris, França

m 3 de janeiro comemora--se Santa Genoveva, vir-gem. A respeito dela,

 vamos considerar a seguin-te nota biográfica extraí-da da obra  L’Année Li-turgique, de Dom Gué-ranger1:

Em meio àmultidão,

 São Germanodiscerne umavirtuosamenina...

Genoveva foi célebre no mundo inteiro. Ain- da vivia ela nesta car-

 ne mortal, e o Orien-te já conhecia seu nome e suas virtudes. Do alto de sua coluna, o estilitaSimeão a saudava co- mo sua irmã em perfei-ção no Cristianismo. Acapital da França tinha--lhe sido confiada; uma simples pastora protegia os destinos de Paris, as-

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   C  o  n  v   i  v   i  a   l   9   4   (   C   C   3 .   0

   )

 xessem à sua presença. Assim, fizeram aproxi- marem-se os pais, Seve- ro e Gerúntia. Ambos fi-caram enternecidos com os sinais de ternura com que o bispo cumulava sua filha.

...que faz a  promessa de

manter a purezade alma e de corpo

 — Esta criança é sua? — perguntou-lhes Ger-

 mano.  — Sim, senhor — responderam eles.

 — Felizes pais comuma tal filha — acres-centou o bispo. Por oca- sião do nascimento destacriança, saibam-no, os Anjos deram grande festa no Céu. Esta menina será grande diante do Senhor; e, pela santida- de de sua vida, arrancará muitas almas do jugo do pecado.

 Depois, dirigindo-se à criança, disse: — Genoveva, minha filha...

 — Padre santo — respondeu ela — vossa serva escuta. Então, disse Germano: — Fala-me sem temor: gostarias de ser consagrada a

Cristo numa pureza sem mancha, como sua esposa? — Bendito sejais, meu Pai — exclamou a criança —, o

 que me pedis é o maior desejo de meu coração. É tudo o que quero. Dignai-vos rogar ao Senhor que mo conceda.

 — Tem confiança, minha filha — retomou Germano —, sê firme em tua resolução. Que tuas obras sejam con- formes à tua Fé, e o Senhor acrescentará sua força à tua beleza.

Os dois bispos entraram na igreja e foi cantado o Ofí-

cio de Noa, seguido das Vésperas. Germano tinha manda- do trazer Genoveva junto a si, e durante a salmodia mante- ve suas mãos postas sobre a cabeça da criança.

 No início do dia seguinte, antes de partir, mandou o paitrazer-lhe Genoveva.

 — Salve, Genoveva, minha filha — disse-lhe Germano. Lembras-te de tua promessa de ontem?

 — Ó Padre santo — retorquiu a criança —, lembro-me do que prometi a vós e a Deus. Meu desejo é de manter pa- ra sempre, com o socorro celeste, a pureza de minha alma e de meu corpo.

Santa Genoveva diante de São Germano e São Lupo - Igrejade Saint-Julien-du-Sault, Borgonha, França

 Neste momento, Germano percebeu no chão uma me- dalha de cobre marcada com a imagem da Cruz. Tomou-a e dando-a a Genoveva disse-lhe:

 — Faze-lhe um furo, põe-na no pescoço e guarda-a em lembrança de mim. Não leves nunca colar, nem anel de ou-

 ro ou de prata, nem pedra preciosa; pois se a atração das belezas terrenas vier a dominar teu coração, perderias logoteu ornamento celeste, que deve ser eterno.

 Depois destas palavras, Germano recomendou à criança que pensasse nele frequentemente, em Cristo e, tendo-a re-comendado a Severo como um depósito duas vezes precio- so, tomou a estrada para a Grã-Bretanha, junto com seu piedoso companheiro.

Florilégio de Santos

Nesse episódio, podemos notar algo que explica o ad-

mirável florescimento de almas santas na Idade Média.Vejamos os homens que figuram nesta história.Em primeiro lugar, o Papa São Bonifácio. Este en-

 via São Germano de Auxerre para defender a Inglaterracontra os pelagianos, e São Germano tem como compa-nheiro de viagem outro Santo, que é São Lupo, Bispo deTroyes. Quer dizer, são dois bispos santos mandados porum Papa santo para defender um país que está ameaça-do pela heresia.

Compreende-se o calor da santidade, a intensidade da vida espiritual, o que era, afinal de contas, este florilégio

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30

HAGIOGRAFIA

enorme de Santos sobre os quais a Idade Média, pontopor ponto, vinha se construindo.

 Ao longo da viagem, passam por uma cidadezinhachamada Nanterre, onde a primeira providência não é sedirigirem para o hotel ou para a hospedaria, nem paraum lugar onde possam se divertir. A primeira atitude quetomam, depois de uma viagem fatigante, é ir para a igre- ja a fim de rezar.

Tal é a iluminação desses personagens, tal o seu pres-tígio, a atração exercida por eles, que entram na igreja,o povo os rodeia e começa a olhá-los rezar. É o povinho

fiel, os camponesinhos com o jeito, naturalmente, do queseriam os camponeses no tempo de Santa Joana d’Arc,alguns séculos depois, rodeando os dois bispos que, reco-lhidíssimos diante do Santíssimo Sacramento, numa pe-quena capela, estão fazendo uma oração intensa. E o po- vo olhando, maravilhado!

De repente, nesse ambiente de fervor, uma graça sefaz notar por todos: aqueles dois Santos, enviados porum terceiro Santo, distinguem, entre os fiéis que os ro-deiam, uma grande Santa, uma menina de sete anos.Eles a chamam e, diante de todo o povo, um deles faz

a profecia a respeito do que a menina haveria de ser. Ecomeça por dizer assim: “Fiquem sabendo que no Céuhouve uma grande alegria quando esta menina nasceu.”

Quando Genoveva nasceu, houve grande alegria no Céu

Imaginem o maravilhamento de toda a aldeinha! Umlugarejo onde tudo é notícia, tudo é novidade, em queaté a chegada de dois bispos é um grande acontecimen-to... De repente, esses bispos falam da “fulaninha” queeles veem correr descalça de um lado para outro, pelasruas da cidade. Em relação a essa menina, quando elanasceu, houve alegria no Céu!

Ninguém duvidou, ninguém pediu provas, todos acre-ditaram, inclusive a menina e seu pai. Porque essas pes-soas são os tais bem-aventurados, dos quais nos fala oEvangelho2, que creem sem ter visto.

Pensam elas: é tão natural ter havido alegria no Céu por

uma menina santa que nasceu! Os Santos são tão frequen-tes e tão numerosos, eles estão em um contato tão contí-nuo com o Céu, que conhecem o que se passa lá. Portan-to, é natural que eles saibam. É uma comunicação normal.

Como isto é diferente da distância que nos separa dosobrenatural em nossos dias! Antes de admitir que umacoisa vem do Céu, o homem contemporâneo se mune detodas as armas do racionalismo para ver se consegue ne-gar. Não havendo meios de recusar, só então ele se resig-na, sem grande entusiasmo a, de quando em vez, admitira procedência celeste de algo.

  G  F  r  e  i  h  a  l  t  e  r ( C C

 3 . 0 )

Cenas da vida de Santa Genoveva - Igrejade Saint-Leu-Saint-Gilles, Paris, França

Ela cresce, enche o panoramacom a sua presença e floresce

como uma flor no centrodo jardim do Ocidente.

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Pelo contrário, naquele ambiente cheio de Fé a situa-ção se resolveu imediatamente.

São Germano pergunta à menina:— Você quer se consagrar a Deus?— Meu pai — responde ela —, é o mais caro desejo

do meu coração!Está tudo resolvido. Fica um sulco de luz naquela ci-

dade que, a partir de então, começa a ter história. A ci-dadezinha nasce para a História porque um grande fatosobrenatural se passou nela.

 Arco voltaico de santidade

Ela, provavelmente, foi dali mesmo levada pelos paispara um convento onde a prioresa ou a abadessa seriauma Santa também, com um daqueles nomes cuja sono-ridade é estranha para nós, mas uma Santa de verda-

de. Chegam lá e dizem:— Viemos trazer esta menina, nossa filha.Certamente a resposta da santa abadessa não

seria: “Ah! como ela é engraçadinha”, mas sim:— Esta menina parece ter o espírito de Deus!E é possível que Santa Genoveva tivesse dito,

com toda inocência, sem qualquer pretensão:— Tenho mesmo.E a abadessa perguntasse para a mãe:— Mas por que trazes a menina?

— Ah! porque São Germano de Auxerre e São Lupode Troyes disseram dela tais e tais coisas...

— Ah, que bonito! A abadessa não iria perguntar se tinham um atesta-

do timbrado da Cúria, nem nada disso. Ela acredita tam-bém, acolhe no convento a menina que já começa a san-tificar-se, elevando-se na vida espiritual, a partir daí, co-mo um cedro do Líbano.

Ela cresce, enche o panorama com a sua presençae floresce como uma flor no centro do jardim do Oci-dente. Não havia imprensa, rádio ou televisão; entre-tanto, a fama de Santa Genoveva se espalhou até oOriente, a ponto de São Simeão Estilita, na Ásia Me-

nor, ouvir falar dela.Era o famoso Santo que vi- via no alto de uma colu-

na, de onde nunca des-

cia, rezando o tem-po inteiro. Era umaforma de verdadei-ro eremita. Ele en-tão ouve falar das virtudes de San-ta Genoveva e,por esses “rada-res” que os Santos

têm para se senti-rem uns aos outros,

compreende que ela

era irmã espiritual delee saudou de longe, do altode sua coluna, esta flor que

nascia no doux pays de France 3 .Vemos os contatos passando

por sobre os mares, as ilhas, ascordilheiras, as vastidões deser-tas e povoadas, e estes dois San-tos formando uma espécie dearco voltaico de santidade na-quela época. v

 

(Extraído de conferência de 3/1/1966)

1) GUÉRANGER, Prosper. L’Année Liturgique – Le temps de Noël. Tomo I. 13ª edição. Paris: Li-brairie Religieuse H. Oudin, 1900.p. 523-525.2) Jo 20, 29.3) Do francês: doce país da França.

   J  e

    b   u    l  o

   n    (    C

   C    3 .   0    )

   T  o  r  v   i  n   d  u  s   (   C   C   3 .   0

   )

Santa Genoveva - Museu Carnavalet. Em destaque, sepultura daSanta - Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, Paris, França

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O belo e o prático - I 

D

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APÓSTOLO DO PULCHRUM

“Terreiro do Paço”Museu da Cidade,

Lisboa, Portugal

 A Revolução, fundamentalmente materialista, propaga a ideia de

que o importante é o lado prático das coisas, pois proporcionaconforto para o corpo, enquanto que o belo nem deve ser

considerado. Dr. Plinio desmonta esse sofisma.

iante de tantas coisas bonitas dos temposantigos que foram sendo destroçadas, e tan-tas coisas hediondas instauradas nos dias de

hoje em nome do prático, põe-se a pergunta: o práti-co não é um precursor da feiura e o belo um inimigodo prático?

   G  r  a   h  a  m  e   d  o  w  n   (   C   C   3 .   0

   )

                                                                                                        D                                                                            a                                                                             r                                                                            w

                                                                                                        i                                                                            n                                                                                                        i                                                                            n                                                                                                        i                                                                            u

                                                                            s                                                                                                         (                                                                                                                                      C                                                                                                          C  

                                                                                                     3                 .                                                                                                    0 

                                                                                                          )                            

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Diversos modelos decarruagens inglesas

Rapidez e comodidadePara analisar esta questão, consideremos alguns meios

de transporte.Toda coisa é perfeita na medida em que atinge o seu

fim. Ora, o fim de uma carruagem, por exemplo, é trans-portar; e se ela transporta nas condições ideais, realizoua sua perfeição.

Quais são as condições ideais do meio de transporte?Ele deve ser, entre outras coisas, rápido e cômodo. En-tretanto, o conceito de cômodo é muito amplo, porqueuma é a comodidade que se pode querer ter em um au-tomóvel que transpõe a distância de alguns quarteirões;outra é a comodidade exigida desse veículo fazendo umalonga viagem. São distâncias muito diferentes em que ocorpo e o próprio espírito humano pedem graus e modosde conforto diferentes.

Há outras circunstâncias que condicionam a comodi-

dade de um veículo, como, por exemplo: um molejo ade-quado para transitar em superfícies irregulares; arranquesuave e silencioso do motor; estabilidade pela qual o pas-sageiro sinta-se bem e seguro, mesmo em alta velocida-de, etc.

Chegamos, assim, à conclusão de que o espírito práti-co deve ser adaptado a várias circunstâncias.

Beleza ou conforto?

 A beleza interna de um veículo é uma condição deconforto? Evidentemente sim. Porque tudo que lisonjeia

os sentidos, de algum modo, é condição de conforto. Émuito confortável viajar em uma carruagem e ver o sol

entrando pelos cristais das janelas e incidindo sobre se-das, damascos, veludos, “brincando” naqueles tecidos deluxo. Portanto, estaria de acordo com o espírito prático— que deve procurar o conforto de um veículo — tornarbonito o interior de uma carruagem.

Mas também deve estar de acordo com o espírito prá-tico que um automóvel tenha um compartimento comum pequeno refrigerador contendo líquidos gelados paraque, no auge do calor, sem ter de diminuir a velocidadedo carro, o dono possa servir-se de um refresco.

Havendo tudo isso, pode-se dizer que o espírito práti-co obteve uma vitória. Mas torna-se impossível fabricaruma bela carruagem com essas comodidades. Onde colo-car a geladeira e as supermolas compatíveis com a super- velocidade? Onde instalar um mecanismo por onde bas-te apertar um botão para as janelas subirem e baixaremfazendo um ruído prestigioso? Essas coisas cabem nos

produtos modernos, não nos antigos. Então, o que esco-lher: a beleza da carruagem ou o conforto do automóvel?

 Alma do homem e pulcritude

 Até pouco tempo atrás, os homens não tinham per-dido a noção do belo, mesmo passando da era da belacarruagem para a do automóvel. Tomemos, por exem-plo, automóveis do tipo Mercedes. Eram bonitos veícu-los, com cores lindas, reluzentes. O homem tinha a im-pressão de entrar em uma pedra preciosa, de tal manei-ra aquela lataria toda era ornada. Dentro havia couros

de primeira ordem, espaço amplo, enfim, todos os agra-dos dos transportes de luxo se encontravam reunidos ali.

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APÓSTOLO DO PULCHRUM

D   c  o  e  t   z   e  e   (    C   

C    3   . 0    )   

Isso obedecia ao seguinte princípio: há umarazão para, tanto a carruagem quanto o auto-móvel, serem belos.

Todos os argumentos dados até agora a favordo espírito prático valem para o corpo. Mas o ho-mem tem só corpo? Ele é principalmente corpo?O homem não é principalmente alma? E se a al-ma é o elemento principal do ser humano, do que va-le o belo para a alma? Neste caso, ter beleza não seria o

principal componente que um transporte deveria possuir?

 Lindos cavalos, belas carruagens

 Analisemos o papel do belo.Primeiramente, a pessoa que está em uma carruagem

ou qualquer outro meio de transporte, ainda que sejasimplesmente um cavalo, apresenta-se aos olhos do pú-blico de modo a chamar a atenção. Porque um indivíduoque atravessa uma rua dentro de um veículo ou mon-tado em um animal, atrai muito mais a atenção do quequem vai a pé, e forma um todo psicológico e artístico

aos olhos dos transeuntes. Ademais, o homem tem interesse em ser conhecidopelo que ele é, para que se lhe dê o valor ao qual tem di-reito. Se ele é um verdadeiro cavaleiro, descendente, porexemplo, dos cruzados, convém que monte um lindo ca- valo de raça.

E montar, não é estar sobre o animal como estaria umsaco de batatas. É preciso cavalgar com elegância, alta-neria e dignidade. O cavaleiro deve dar a impressão detal domínio sobre o cavalo, que o oriente simplesmentepelo movimento das pernas. As rédeas servem mais co-

mo um elemento or-namental. Além disso, o animal

precisa estar belamente aja-ezado com uma bonita sela, be-los arreios. Tudo isso forma a moldura com que o ho-mem se apresenta em público.

É de acordo com a dignidade do homem que ele quei-ra cavalgar esplendidamente um lindo cavalo. Isso não é vaidade, mas o reto exercício do instinto de sociabilida-de, não com pretensão, mas com a naturalidade com queuma pessoa quer mostrar o rosto limpo para os outros.

Tratando-se de pessoas de uma condição inteiramenteexcepcional, como um rei e uma rainha, que ocupam noEstado e na sociedade o primeiro lugar, é natural que,

por uma necessidade da alma, se façam ver e reveren-ciar pelo que eles são, utilizando uma carruagem à altu-ra de seu cargo.

Para eles, mais importante do que a grande velocida-de e todas as comodidades é ter um coche, no qual seapresentem como dentro de uma linda moldura.

Por isso as altas situações são tratadas pelos artistas —no caso concreto, pelos fabricantes de coches — de ma-neira a serem realçadas. A arte se empenha em apresen-tar o rei, a rainha, os príncipes da casa real, os nobres,os titulares de altas dignidades da Igreja, do Poder Judi-

O Bucentauro noGrande Canal de

Veneza - Museu Pushkin,Moscou, Rússia e

Museu Nacional de Arte,Copenhagen, Dinamarca

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   P  e   t  e  r   I  s  o   t  a   l  o   (   C   C   3 .   0

   )

ciário, das Forças Armadas, etc. de modo a serem natu-ralmente respeitados, proporcionando-lhes outra moda-lidade de conforto: a comodidade de governar.

Então, é uma vantagem do Estado que haja lindascarruagens. Quanta revolta é evitada, quanta guerra in-terna é poupada a um país porque o povo se habituou arespeitar quem o governa!

O Bucentauro e a ponte sobre o Tâmisa

 A República de Veneza tinha um presidente do Con-selho dos Nobres intitulado Doge, palavra derivada do vocábulo latino dux, chefe.

Para navegar pelas águas fabulosas da Laguna de Ve-neza, o Doge dispunha de uma embarcação, toda escul-pida, folheada a ouro, lindíssima, que por uma reminis-cência mitológica chamava-se “O Bucentauro”.

Na ocasião máxima do Estado Veneziano, o Dogepartia no Bucentauro acompanhado de centenas de bar-cos, gôndolas com aquelas proas lindas, gente tocandoinstrumentos, cantando, etc., laguna adentro, até o Mar Adriático. E, quando estavam no alto mar, o Bucentauroparava e o Doge jogava nas águas um anel precioso: erao casamento de Veneza com o mar.

Veneza era uma grande república comercial e domi-nava os mares naquele tempo, sendo, por isso riquís-sima. O casamento da República de Veneza com omar representava uma espécie de união entre o Es-tado veneziano e seu destino histórico.

Evidentemente era útil para o Estado venezia-no ter um barco assim.Portanto, nem sempre a beleza tem essa incompa-

tibilidade com o prático que apresentávamos no iníciodesta exposição. Para a vida da alma, para o intercâm-bio de relações entre as almas, para a formação da políti-ca e da cultura de um povo, o belo tem uma importância

maior do que o prático. E quando há incompatibilidade,quase sempre o belo prevalece sobre o prático.

Dou um exemplo de nossos dias: o Rio Tâmisa, emLondres, com aquela ponte levadiça. Aquilo é lindo, mas já não necessário, porque com os meios modernos po-der-se-ia construir uma ponte alta que substituísse aque-la. Por que se mantém a ponte atual? Porque é bela!

Há, portanto, um prático de categoria inferior que en-contramos ao olhar automóveis bem equipados. Mas háum prático mais elevado que toma em consideração queo homem é mais espírito do que matéria, e que as coisasdo espírito têm muito mais importância do que as da ma-téria. Por isso, deve-se dar mais valor ao belo do que aoprático. v

(Continua no próximo número) 

(Extraído de conferência de 4/10/1986)

Ponte da TorreLondres, InglaterraProa do Bucentauro

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O

Ternura da Mãe de Deus

 Virgem das Escolas Pias - Paróquia dos Escolápios, Madri, Espanha

  protótipo de ternura é o coração mater-

no. Especialmente o é o Coração da Mãe

das mães, que excede de um modo inimaginávela ternura de todas as mães que houve, há e ha-

verá. Quase que se poderia dizer que Nossa Se-

nhora é a personificação da ternura.

 Para exprimir isso aos homens por formas di-

versas Maria Santíssima multiplica suas gra

troem catedrais magníficas; ora sob o aspecto

de Mãe de misericórdia, meiga, que Se conten-

ta com o culto que Lhe é tributado em pequenaschoupanas, onde, entretanto, Ela faz milagres

excelentes para tornar mais patente sua mater-

nal bondade, animar os homens a Lhe pedirem,

com confiança, tudo quanto queiram, e convi-

dá los a amá La por causa da ternura que Ela