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einstein. 2009; 7(4 Pt 1):488-93 ARTIGO ORIGINAL Resultados iniciais da prostatectomia radical robô-assistida no Brasil Robot-assisted radical prostatectomy in Brazil: preliminary results Jose Roberto Colombo Junior 1 , Cássio Andreoni 1 , Gustavo Caserta Lemos 1 , Limírio Leal da Fonseca Filho 1 , Daniel Luiz Di Pietro 1 , Wilson Pinto 1 , Camila Sardenberg 1 , Alexandre Houlthausen Campos 1 , José Carlos Teixeira 1 , Luis Fernando Aranha Camargo 1 , Miguel Cendoroglo Neto 1 RESUMO Objetivo: Relatar a experiência inicial de prostatectomia radical robô- assistida realizada no Brasil. Métodos: No período de Março de 2008 a Março de 2009, cem pacientes foram tratados com a prostatectomia radical robô-assistida. Os dados demográficos dos pacientes, assim como os resultados perioperatórios dos procedimentos, são descritos neste estudo. Resultados: A média de idade e PSA dos pacientes foi de 58 anos e 7,58 ng/ml, respectivamente. Todos os procedimentos foram realizados por via transperitoneal, com sangramento médio foi de 480 ml e tempo cirúrgico de 298 minutos. A presença de margem cirúrgica comprometida por câncer ocorreu em 16% dos casos. Ocorreram quatro complicações: sangramento com necessidade de transfusão (dois casos), perfuração retal corrigida no ato e funcionamento inadequado do robô. Não houve conversão para outro acesso ou óbitos nesta casuística. Conclusões: A prostatectomia robótica é uma realidade no Brasil e os resultados apresentados demonstram que este procedimento pode ser realizado com segurança. Seguimento a longo prazo ainda é necessário para avaliar os resultados oncológicos e funcionais. Descritores: Neoplasias da próstata/cirurgia; Prostatectomia/ métodos; Robótica; Resultado de tratamento ABSTRACT Purpose: To report the initial experience on robot-assisted radical prostatectomy in Brazil. Methods: From March 2008 to March 2009, a hundred patients were treated with robot-assisted radical prostatectomy. Patient’s demographic data, as well as perioperative results of the procedures, are described in this study. Results: Patients’ mean age and mean PSA were 58 years and 7.58 ng/ml, respectively. All procedures were performed through transperitoneal approach, with a mean bleeding of 480 ml and surgical time of 298 minutes. A surgical margin affected by cancer was present in 16% of the cases. There were four complications: bleeding requiring transfusion (two cases), rectal perforation corrected on the spot and inadequate functioning of the robot. There was no conversion to another access or obit occurrences in this caseload. Conclusions: Robot-assisted prostatectomy is a reality in Brazil and the results herein presented demonstrate that this procedure can be safely performed. Long-term follow-up is still necessary to assess the oncological and functional outcomes. Keywords: Prostatic neoplasms/surgery; Prostatectomy/methods; Robotics; Treatment outcome INTRODUÇÃO A incidência do câncer de próstata (CaP) aumentou consideravelmente nos últimos 20 anos devido à asso- ciação de três fatores: utilização em larga escala da de- tecção do antígeno prostático específico (PSA) durante o rastreamento, maior longevidade do homem e possí- veis influências ambientais (1-3) . Os dados levantados pelo Cancer of the Prostate Strategic Urologic Research Endeavor (CaPSURE), USA, revelaram que 52% dos pacientes com CaP op- tam pelo tratamento cirúrgico (prostatectomia radical), 25% pela radioterapia externa, 15% pela braquiterapia e 8% por observação vigilante (3) . A primeira prostatectomia radical reportada foi reali- zada pelo acesso perineal por Young e Halted em 1904 (4) e pelo acesso retropúbico por Millin em 1945 (5) . No início da década de 1980, Walsh e Lepor definiram o conceito anatômico do procedimento, desenvolvendo a preserva- ção do feixe neurovascular (nerve sparing) e possibilitan- do uma maior preservação da função miccional e erétil, formão que trouxe uma importante colaboração para a sua aceitação por parte dos pacientes e cirurgiões (6) . Em meados da década de 1990, a prostatectomia radical re- tropúbica tornou-se o procedimento mais comum para o tratamento do CaP localizado nos EUA (7) . Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 1 Médicos do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. Autor correspondente: Jose Roberto Colombo Junior – Avenida Albert Einstein, 627/701 – Morumbi – CEP 05651-901 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: (11) 3747-1233 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 14/4/2009 – Data de aceite: 18/10/2009

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einstein. 2009; 7(4 Pt 1):488-93

Artigo originAl

Resultados iniciais da prostatectomia radical robô-assistida no Brasil

Robot-assisted radical prostatectomy in Brazil: preliminary resultsJose Roberto Colombo Junior1, Cássio Andreoni1, Gustavo Caserta Lemos1, Limírio Leal da Fonseca Filho1,

Daniel Luiz Di Pietro1, Wilson Pinto1, Camila Sardenberg1, Alexandre Houlthausen Campos1, José Carlos Teixeira1, Luis Fernando Aranha Camargo1, Miguel Cendoroglo Neto1

rESUMoobjetivo: Relatar a experiência inicial de prostatectomia radical robô-assistida realizada no Brasil. Métodos: No período de Março de 2008 a Março de 2009, cem pacientes foram tratados com a prostatectomia radical robô-assistida. Os dados demográficos dos pacientes, assim como os resultados perioperatórios dos procedimentos, são descritos neste estudo. resultados: A média de idade e PSA dos pacientes foi de 58 anos e 7,58 ng/ml, respectivamente. Todos os procedimentos foram realizados por via transperitoneal, com sangramento médio foi de 480 ml e tempo cirúrgico de 298 minutos. A presença de margem cirúrgica comprometida por câncer ocorreu em 16% dos casos. Ocorreram quatro complicações: sangramento com necessidade de transfusão (dois casos), perfuração retal corrigida no ato e funcionamento inadequado do robô. Não houve conversão para outro acesso ou óbitos nesta casuística. Conclusões: A prostatectomia robótica é uma realidade no Brasil e os resultados apresentados demonstram que este procedimento pode ser realizado com segurança. Seguimento a longo prazo ainda é necessário para avaliar os resultados oncológicos e funcionais.

Descritores: Neoplasias da próstata/cirurgia; Prostatectomia/métodos; Robótica; Resultado de tratamento

ABStrACtPurpose: To report the initial experience on robot-assisted radical prostatectomy in Brazil. Methods: From March 2008 to March 2009, a hundred patients were treated with robot-assisted radical prostatectomy. Patient’s demographic data, as well as perioperative results of the procedures, are described in this study. results: Patients’ mean age and mean PSA were 58 years and 7.58 ng/ml, respectively. All procedures were performed through transperitoneal approach, with a mean bleeding of 480 ml and surgical time of 298 minutes. A surgical margin affected by cancer was present in 16% of the cases. There were four complications: bleeding requiring transfusion (two cases), rectal perforation corrected on the spot and inadequate functioning of the robot. There was no conversion to another access

or obit occurrences in this caseload. Conclusions: Robot-assisted prostatectomy is a reality in Brazil and the results herein presented demonstrate that this procedure can be safely performed. Long-term follow-up is still necessary to assess the oncological and functional outcomes.

Keywords: Prostatic neoplasms/surgery; Prostatectomy/methods; Robotics; Treatment outcome

introDUÇÃoA incidência do câncer de próstata (CaP) aumentou consideravelmente nos últimos 20 anos devido à asso-ciação de três fatores: utilização em larga escala da de-tecção do antígeno prostático específico (PSA) durante o rastreamento, maior longevidade do homem e possí-veis influências ambientais(1-3).

Os dados levantados pelo Cancer of the Prostate Strategic Urologic Research Endeavor (CaPSURE), USA, revelaram que 52% dos pacientes com CaP op-tam pelo tratamento cirúrgico (prostatectomia radical), 25% pela radioterapia externa, 15% pela braquiterapia e 8% por observação vigilante(3).

A primeira prostatectomia radical reportada foi reali-zada pelo acesso perineal por Young e Halted em 1904(4) e pelo acesso retropúbico por Millin em 1945(5). No início da década de 1980, Walsh e Lepor definiram o conceito anatômico do procedimento, desenvolvendo a preserva-ção do feixe neurovascular (nerve sparing) e possibilitan-do uma maior preservação da função miccional e erétil, formão que trouxe uma importante colaboração para a sua aceitação por parte dos pacientes e cirurgiões(6). Em meados da década de 1990, a prostatectomia radical re-tropúbica tornou-se o procedimento mais comum para o tratamento do CaP localizado nos EUA(7).

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.1 Médicos do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Jose Roberto Colombo Junior – Avenida Albert Einstein, 627/701 – Morumbi – CEP 05651-901 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: (11) 3747-1233 – e-mail: [email protected]

Data de submissão: 14/4/2009 – Data de aceite: 18/10/2009

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A primeira prostatectomia radical laparoscópica (PRL) foi realizada em 1992 por Schuessler e Clayman(8) e a prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô em 2000 dentro de um programa estruturado en-tre urologistas americanos e franceses(9).

As vantagens da técnica laparoscópica são: menos sangramento, menos dor pós-operatória, recuperação mais rápida e magnificação da imagem que aumenta o potencial de preservação dos nervos cavernosos. A maior desvantagem é o grau elevado de dificuldade téc-nica na execução do procedimento, o que torna a curva de aprendizado longa. A possibilidade da realização do procedimento com auxílio do sistema robótico fez com que as mesmas vantagens do procedimento minima-mente invasivo fossem mantidas, adicionando-se os be-nefícios de abreviação da curva de aprendizado graças à visão tridimensional magnificada, aos instrumentos articulados, ao filtro de tremor e à melhor ergonomia para o cirurgião(9).

Atualmente, cerca de 64% das prostatectomias ra-dicais são feitas com sistema robótico nos EUA e o mé-todo difundiu-se por todo o mundo, incluindo a Améri-ca do Sul. Em março de 2008, iniciou-se o programa de cirurgia robótica no Hospital Israelita Albert Einstein, com os resultados iniciais descritos neste estudo.

oBJEtiVoDescrever as primeiras prostatectomias robô-assistidas em pacientes atendidos no Hospital Israelita Albert Einstein e respectivos resultados.

MÉtoDoSOs dados foram coletados de forma prospectiva em nosso banco de dados após consentimento dos pacien-tes. Foram incluídos pacientes com adenocarcinoma de próstata localizado e submetidos à prostatectomia radi-cal robô-assistida (PRRA), realizadas com o sistema da Vinci S Surgical System (Intuitive Surgical, Sunnyvalle, CA, EUA) no Hospital Israelita Albert Einstein, no pe-ríodo de 31 de março de 2008 a 31 de março de 2009.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (CEP-Einstein) sob no 09/1204.

Os procedimentos foram realizados de acordo com a técnica operatória descrita abaixo:- Posicionamento e colocação dos trocartes: sob

anestesia geral, o paciente é colocado em posição de litotomia extendida, com os membros superio-res ao longo do corpo. Os membros inferiores são mantidos separados e fletidos e a mesa operatória é colocada em posição de Trendelenburg com inclina-ção de 45° (Figura 1). Após estabelecer o pneumo-

peritôneo em 15 mmHg, o primeiro trocarte de 12 mm é introduzido 1 cm acima da cicatriz umbilical. Em pacientes com cirurgia na região abdominal in-ferior e/ou pelve, o acesso aberto é recomendável. Sob visão direta, três trocartes de 8 mm, um trocar-te de 12 mm e um trocarte de 5 mm são colocados, conforme a Figura 2.

Figura 1. Paciente em posição de litotomia extendida em Trendelenburg, com todas as extremidades adequadamente protegidas

U: cicatriz umbilical

Figura 2. Trocartes posicionados e preparados para o docking do sistema robótico.

- Entrada no espaço pré-vesical e controle do plexo venoso dorsal: após o acoplamento do sistema ro-bótico, utilizando-se uma ótica de 0° (braço robó-tico #1), tesoura monopolar no braço direito (bra-ço robótico #2) e uma pinça Maryland bipolar no braço esquerdo (braço robótico #3), a entrada no espaço extraperitoneal é iniciada com uma incisão transversa no peritôneo parietal 3-5 cm abaixo da cicatriz umbilical, utilizando-se como referência la-teral os ductos deferentes. O quarto braço robótico utiliza o instrumento Prograsp® para fazer a contra-tração e auxiliar na exposição das estruturas a serem dissecadas nesta passo operatório. Após a secção dos ligamentos umbilicais laterais e úraco, o pube

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e vasos ilíacos devem ser identificados, expostos e utilizados como parâmetros anatômicos. Deve-se ter cuidado durante esse passo para que não ocorra a dissecção muito próxima da parede abdominal a fim de se evitar a lesão dos vasos epigástricos. Após a remoção da gordura periprostática, por meio uma combinação de dissecção romba e cortante, a fás-cia endopélvica é exposta bilateralmente. O plexo venoso superficial é cauterizado com o bipolar e seccionado, e então a fáscia endopélvica é aberta lateralmente à próstata, desde o ápice até a sua base (Figura 3). Os ligamentos puboprostáticos são seccionados e o plexo venoso dorsal é ligado utili-zando-se um ponto de Vicryl-0 com agulha CT-1. A seçcão do plexo venoso será realizada somente mais tarde, antes da seçcão uretral.

- Dissecção dos ductos deferentes e vesículas semi-nais: após completar a secção das fibras detrusoras utilizando energia térmica, os ductos deferentes são visualizados medialmente. É importante man-ter o plano de dissecção paralelo à parede vesical posterior, evitando-se a entrada na próstata ou per-furação da bexiga. Com o objetivo de aumentar o espaço de trabalho, as fibras musculares laterais do colo vesical são ligadas com clipes Hem-o-lok® e seccionadas. Uma vez identificados os deferentes, a dissecção é realizada posterior e lateralmente para então expor as vesículas seminais. Após a secção bilateral dos deferentes, com o quarto braço fazen-do a retração das vesículas seminais medial e su-periormente, as aderências laterais são seccionadas sem a utilização de energia térmica, e o pedículo de cada vesícula é ligado abaixo de seu ápice com clipes Hem-o-lok®. Após a liberação das vesículas seminais, a fáscia de Denonvilliers é superiormen-te exposta com a tração de ambos os deferentes e vesículas seminais pelo quarto braço robótico. Essa fáscia é incisada na linha média e a dissecção é fei-ta na linha média até o ápice prostático. Então, a abertura lateral deste espaço é realizada para facili-tar a preservação do feixe neurovascular e o contro-le dos pedículos prostáticos laterais. Durante esse passo operatório, o assistente afasta o reto com o aspirador para evitar lesões no mesmo.

- Preservação do feixe neurovascular: esse passo deve ser realizado sem energia térmica para minimizar a lesão ao feixe. O feixe neurovascular é liberado do aspecto posterolateral da próstata, utilizando-se uma combinação de dissecção romba e cortante por meio da tesoura e do Maryland. A fáscia prostática lateral é incisada, o feixe neurovascular é afastado inferior-mente, de maneira romba e o pedículo lateral pros-tático é ligado com clipes Hem-o-lok® e seccionado (Figura 4). Essa dissecção é estendida de maneira anterógrada até o aspecto médio da próstata. A fás-cia prostática é então aberta junto ao seu ápice e dis-secada cuidadosamente para evitar violação capsular da próstata (Figura 5). A dissecção é então realizada de maneira retrógrada para completar a liberação completa do feixe neurovascular.

- Dissecção do ápice prostático e uretra: a próstata é tracionada cranialmente com o quarto braço, o complexo venoso dorsal é seccionado e a uretra é exposta. Estando a próstata mobilizada lateralmen-te, a uretra é dissecada para maximizar seu com-primento e, então, seccionada sem a utilização de energia térmica. Esse passo é fundamental para evitar o comprometimento oncológico e para a pre-servação da continência pós-operatória. A bolsa ex-tratora é introduzida (10 mm Endocatch bag®, US

PB: sínfise púbica; DVC: complexo venoso dorsal; P: próstata; EF: musculatura pélvica.

Figura 3. Imagem da pelve após abertura da fáscia endopélvica bilateralmente

- Secção do colo vesical: em pacientes obesos ou com próstatas grandes, a utilização de uma ótica de 30° é recomendada para facilitar este passo. Com o quar-to braço fazendo a retração vesical com exposição da transição próstato-vesical, o colo vesical anterior é aberto utilizando-se a tesoura monopolar com energia térmica para evitar o sangramento. Faz-se então a tração do cateter de Foley pelo quarto braço em direção à parede abdominal, e o comple-mento da abertura do colo vesical é realizado la-teralmente. Nesse passo, o auxiliar faz a exposição e contratração das estruturas com o aspirador, uti-lizando a aspiração intermitente para evitar perda do pneumoperitôneo. O colo vesical posterior é então incisado com energia térmica, iniciando na li-nha média e extendendo sua abertura lateralmente para seccionar completamente a mucosa vesical da base da próstata. Em casos nos quais o lobo media-no prostático estiver presente, os meatos ureterais devem ser visualizados antes de se iniciar a secção posterior do colo vesical.

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Surgical Corp, Norwalk, CT, USA) e a próstata é colocada em seu interior.

- Linfadenectomia: quando for necessário, a linfade-nectomia obturatória é realizada antes da anasto-mose vésico-uretral. Após a identificação da veia ilíaca externa, o produto da linfadenectomia é re-traído pelo auxiliar ou pelo quarto braço robótico, enquanto a dissecção é realizada utilizando uma combinação de dissecção romba e cortante. Os li-mites da dissecção são: cranialmente, a veia ilíaca externa; distalmente, o nervo obturatório; e lateral-mente a parede pélvica (Figura 6).

- Anastomose vésico-uretral: utilizam-se dois fios de Monocryl 2-0 com agulhas CT-2 para completar a anastomose com a técnica de van Velthoven, ini-ciando na posição das quatro horas no colo vesical posterior e progredindo até o ponto das dez horas

Figura 4. Imagem durante nerve-sparing anterógrado à esquerda P: próstata; BN: colo vesical; PRF: gordura pré-retal; PLP: pedículo prostático lateral; LSV: vesicular seminal esquerda; LM: musculatura pélvica.

Figura 5. Imagem durante nerve-sparing retrógrado à direita P: próstata; NVB: feixe vásculo-nervoso

Figura 6. Linfadenectomia obturatória direita LP: conjunto de linfonodos; ON: nervo obturatório; PW: parede pélvica lateral; EIV: veia ilíaca externa direita.

do lado oposto. Faz-se a anastomose no sentido ho-rário na parte posterior e, no sentido anti-horário na parte anterior, utilizando-se dois portas-agulha de 8 mm nos braços robóticos #2 e #3. Um cateter de Foley 20 é introduzido até a bexiga antes de os dois fios serem amarrados, injetando-se 120 mL de soro fisiológico para verificar a existência de perdas pela anastomose. A bolsa extratora é retirada pelo orifício supraumbilical, após a inserção do dreno pelo orifício do trocarte de 5 mm. Faz-se então o fe-chamento dos orifícios do trocartes de 12 mm com o dispositivo de Carter Thomason®.

rESUltADoSForam realizadas 100 PRRA no Hospital Israelita Albert Einstein no período de 31 de março de 2008 a 31 de mar-ço de 2009. A média de idade dos pacientes foi de 58 anos (43-78). Ao diagnóstico, a neoplasia não era palpá-vel (estádio T1c) em 86% dos casos, com PSA médio de 7,58 ng/mL (1,98-26,6) e volume prostático médio esti-mado de 47 g (20-150). O escore de Gleason 6 na biópsia esteve presente em 73% dos casos. Apenas um paciente submetido à cirurgia apresentava escore de Gleason 8 na biópsia prostática pré-operatória (Tabela 1).

Todos os pacientes foram operados por via transpe-ritoneal e nenhum caso exigiu conversão para o acesso laparoscópico puro ou aberto. O sangramento médio estimado foi de 480 ml (100-1.800), sendo necessária transfusão de concentrado de hemácias em dois pacien-tes (2%). O tempo médio de cirurgia foi de 298 minutos (95-700). A preservação do feixe vásculo-nervoso foi re-alizada em todos os pacientes, sendo unilateral em 14% dos casos.

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492 Colombo Junior JR, Andreoni C, Lemos GC, Fonseca Filho LL, Di Pietro DL, Pinto W, Sardenberg C, Campos AH, Teixeira JC, Camargo LFA, Cendoroglo Neto M

O peso médio do espécime foi de 43 g (25-150) e a análise histológica da peça cirúrgica evidenciou escore de Gleason 6 (26%), 7 (66%), 8 (4%) e 9 (4%) dos ca-sos. Extensão tumoral extraprostática, margem com-prometida e vesícula seminal acometida pela neoplasia foram encontradas em 24, 16 e 8% dos casos, respec-tivamente. O comprometimento da margem cirúrgica foi circunferencial em 83% dos casos e apical em 17% deles. Em 76% dos pacientes, foi identificada presença de neoplasia intraepitelial de alto grau (PIN).

O índice de complicação intraoperatória foi de 4%. As complicações foram: sangramento com necessidade de transfusão sanguínea (2), perfuração retal corrigida com sutura primária (1) e mau posicionamento do robô, levando à inutilização de um dos braços mecânicos (1). Analgésicos e anti-inflamatórios não-esteroides orais foram prescritos para controle da dor pós-operatória. Analgésicos opioides foram utilizados em 2% dos pa-cientes. O tempo médio de internação foi de 72 horas (48-120).

DiSCUSSÃoEntre as opções de tratamento cirúrgico do CaP locali-zado, a prostatectomia radical robô-assistida é o proce-dimento mais utilizado atualmente nos Estados Unidos e na Europa. Em nossa instituição, esse procedimento vem sendo realizado desde março de 2008 de forma se-gura, apresentando baixo índice de complicações.

Mesmo após a realização da prostatectomia lapa-roscópica no início da década passada, a cirurgia retro-púbica permaneceu como padrão-ouro devido à gran-de dificuldade técnica do procedimento laparoscópico, que apresenta um tempo cirúrgico prolongado e com maior morbidade(10). Em 2000, Guillonneau e Vallen-cian padronizaram a técnica laparoscópica, reduzin-do o tempo cirúrgico e tornando a abordagem segura e reprodutível(11). As principais vantagens da cirurgia laparoscópica são: a magnificação do campo visual e a presença do pneumoperitôneo que reduz o gradiente de

pressão entre os vasos sanguíneos e o campo cirúrgico, reduzindo o sangramento de pequenos vasos. O desen-volvimento da cirurgia robô-assistida permitiu associar à técnica laparoscópica instrumentos articulados, visão tridimensional, filtro de tremor e melhor ergonomia para o cirurgião, o que permitiu que os procedimen-tos fossem realizados de maneira mais fácil e segura, com diminuição significativa na curva de aprendizado e maior precisão.

Os resultados oncológicos descritos na literatura mostram potencial vantagem no uso da técnica robô-assistida, com redução na incidência de margem com-prometida por câncer quando comparada à técnica retropúbica convencional. Smith et al. relataram uma redução nessa incidência de 35 para 15%(12). Patel et al. Mostraram, em publicação recente, que a incidência de margens positivas cai conforme aumenta a experiência do cirurgião, obtendo-se uma incidência de 2,5% em uma série de 500 procedimentos(13). Os resultados en-contrados neste estudo estão de acordo com os dados da literatura, conforme mostrou a incidência total de margem comprometida, embora a localização mais fre-quente não seja o ápice e sim junto ao aspecto lateral da glândula. Acredita-se que a grande preocupação em se manter margem adequada do ápice prostático e uma ótima preservação do feixe neurovascular pode justi-ficar essa variação no local de comprometimento das margens cirúrgicas.

O tempo operatório na presente série foi maior do que o relatado na literatura em séries realizadas por ci-rurgiões experientes ou em grandes séries de pacientes. Murphy et al. descrevem sua série de 400 pacientes sub-metidos a PRRA, na qual o estudo do tempo cirúrgico necessário nos primeiros 50 pacientes foi em média de 250 minutos(14). Isso depende do cirurgião e da sua ex-periência prévia com cirurgia laparoscópica. Acredita-mos que o tempo operatório foi maior neste estudo em relação à literatura devido ao fato de este ser um relato da experiência de múltiplos cirurgiões com experiên-cia prévia em laparoscopia variável, associada a uma relação número de casos por cirurgião ainda pequena (< 20). A curva de aprendizado mais aceita para que se considere o cirurgião confortável para a realização da PRRA é de 8 a 40 pacientes, sendo que o cirurgião apresenta melhora exponencial em seus parâmetros conforme avança na curva. Samadi et al. consideram que a curva de aprendizado para atingir o nível de ex-celência na PRRA seria de 70 pacientes, apoiando a hi-pótese de que há melhora nos parâmetros analisados conforme se dá o avanço na curva, principalmente nos primeiros 20 pacientes(15).

Os resultados referentes ao tempo de hospitalização nesta série mostraram que o tempo médio de hospitali-

tabela 1. Resumo dos achados nos casos estudados (n = 100)

Achados ValoresIdade (anos) 58 (43-78)Tempo de cirurgia (min) 298 (95-700)Sangramento estimado (ml) 480 (100-1800)Estadiamento T2 (%) 68Estadiamento T3 (%) 32Margens cirúrgicas comprometidas (%) 16Complicações cirúrgicas (%) 3Conversões (%) 0Taxa de infecção hospitalar (%) 0Reoperações (%) 0Óbito (%) 0

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zação encontrado está de acordo com a literatura, que varia de 1 a 3 dias em média(16-17).

Conforme a experiência aumenta, os resultados também melhoram e a procura pela PRRA tem au-mentado após a disponibilização da técnica pela ins-tituição e devido ao sucesso do tratamento com bons resultados clínicos. A tendência é que, como nos ou-tros países que iniciaram a técnica robótica, paulati-namente possamos observar uma curva ascendente na procura pela cirurgia robótica em detrimento da cirur-gia aberta convencional.

ConClUSÕESA prostatectomia radical robô-assistida já é uma rea-lidade no Brasil, executada de maneira segura e com resultados iniciais animadores em nossa instituição. Os dados disponíveis neste estudo mostram concordância com a literatura internacional. O seguimento a longo prazo dos resultados oncológicos e funcionais ainda é necessário para a avaliação adequada da técnica e com-paração às outras opções de acesso cirúrgicos.

rEFErÊnCiAS1. Jemal A, Siegel R, Ward E, Murray T, Yongping H, Xu J, et al. Cancer statistics

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