87
Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Thaís Fernanda Carvalho Bechir Orientação: Profa. Dra. Luana Amaral Belo Horizonte 2016

OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

  • Upload
    dodat

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras

OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Thaís Fernanda Carvalho Bechir

Orientação: Profa. Dra. Luana Amaral

Belo Horizonte

2016

Page 2: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

Thaís Fernanda Carvalho Bechir

OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em

Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como

requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em

Letras (habilitação em português com ênfase em estudos

linguísticos).

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG

2016

Page 3: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

Aos meus amados pais

Page 4: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

AGRADECIMENTOS

A Deus, fonte inesgotável de amor, por ter me concedido o dom das letras.

À minha querida mãe, que me apontou o caminho e que me ensinou o que é bondade:

obrigada por sempre acreditar em mim. Ao meu pai, que sonhou um futuro de sucesso para

mim, sem medir esforços para que eu o alcançasse: obrigada por ser exemplo de força.

Aos meus irmãos e melhores amigos, pelas gargalhadas ao longo da vida.

Aos meus avós, por serem o alicerce de minha história.

Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do

que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria certo.

Aos amigos que reconheci durante os anos, por preencherem meus dias com alegria.

À minha orientadora, Profa. Luana Amaral, por conduzir esta pesquisa com paciência

e ternura. Sem sua ajuda e estímulo, este trabalho não teria se concretizado: obrigada por

confiar em minhas capacidades.

À Profa. Márcia Cançado, que despertou em mim o gosto pela linguística e que me

introduziu no caminho da Semântica: obrigada pelos ricos ensinamentos e por guiar minha

trajetória acadêmica com sabedoria.

À Letícia Meirelles, professora e colega de pesquisa, pelos valiosos conselhos e pela

disposição em me ajudar sempre que precisei.

À UFMG, especialmente à Faculdade de Letras, que me apresentou a professores

brilhantes e que me possibilitou adentrar a estrada do conhecimento.

Page 5: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

“Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se

precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar a palavra

exata para o pôr-do-sol – ou melhor, a mais surpreendente

metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão

talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão:

acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as

palavras? As palavras são símbolos para memórias

partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter

alguma experiência do que essa palavra representa. Senão

a palavra não significa nada para vocês. Acho que

podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o

leitor imaginar. O leitor, se for rápido o suficiente, pode

ficar satisfeito com nossa mera alusão a algo”.

Jorge Luís Borges

“As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”

Ludwig Wittgenstein

Page 6: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

RESUMO

Esta monografia tem como objeto de estudo os verbos recíprocos intransitivos do português

brasileiro (PB). Seguindo a linha de pesquisa de Interface Sintaxe-Semântica Lexical,

partimos do princípio de que as propriedades semânticas determinam o comportamento

sintático dos verbos. Os verbos recíprocos são tratados na literatura linguística como uma

classe verbal única por possuírem uma propriedade semântica – a reciprocidade – que

licencia um comportamento sintático: a alternância simples-descontínua. Nesta composição

sintática, os eventos denotados pelos verbos podem alternar entre uma forma simples, em que

os participantes da reciprocidade são denotados por apenas um argumento (João e Maria

conversaram), e uma forma descontínua, em que os participantes da reciprocidade são

denotados por dois argumentos, sendo um deles preposicionado (João conversou com Maria).

Contudo, Cançado et al. (2013) apresentam fortes argumentos de que os verbos recíprocos

transitivos não formam uma classe verbal canônica no PB. Sendo assim, levantamos a

hipótese de que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos

transitivos já analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma classe verbal canônica

no PB. A fim de verificar nossa hipótese, analisamos, por meio de testes semânticos e

sintáticos, os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008). Além disso,

objetivamos propor possíveis representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos

recíprocos intransitivos encontrada(s), valendo-nos da linguagem de decomposição de

predicados primitivos. A partir de uma discussão sobre classe verbal e sobre o comportamento

dos verbos recíprocos, nossa hipótese inicial foi corroborada: concluímos que os verbos

recíprocos transitivos e intransitivos não podem ser considerados uma classe verbal, e que a

reciprocidade não é uma propriedade relevante gramaticalmente. Ademais, fomos capazes de

propor duas estruturas de decomposição de predicados para os verbos recíprocos intransitivos

analisados, demonstrando que eles pertencem a duas classes distintas do PB, juntamente com

outros tipos de verbos. Contribuímos para o campo de Interface Sintaxe-Semântica lexical, já

que nos propusemos a investigar as propriedades semânticas dos verbos que possuem impacto

na sintaxe. A partir disso, por fim, colaboramos para a descrição do sistema linguístico do PB

a partir do agrupamento dos verbos recíprocos intransitivos em classes.

Palavras-chave: verbos recíprocos; interface sintaxe-semântica; semântica lexical;

decomposição de predicados.

Page 7: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

ABSTRACT

The object of study of this work is the intransitive reciprocal verbs in Brazilian Portuguese

(BP). Following the research field of Syntax-Lexical Semantics Interface, we assume that

semantic properties determine the syntactic behavior of verbs. Reciprocal verbs are treated in

the linguistic literature as a single verb class for having a semantic property – reciprocity –

that licenses a syntactic behavior: the simple-discontinuous alternation. In this syntactical

composition, the events denoted by verbs can switch between a simple form, in which the

participants of the reciprocity are denoted by only one argument (John and Mary talked), and

a discontinuous form, in which the participants of the reciprocity are denoted by two

arguments, and one of them is prepositioned (John talked to Mary). However, Cançado et al.

(2013) have presented strong arguments showing that transitive reciprocal verbs do not form a

canonical verb class in BP. Thus, we have hypothesized that intransitive reciprocal verbs, as

transitive reciprocal verbs already analyzed by Cançado et al. (2013), do not form a canonical

verb class in BP. In order to verify our hypothesis, we have analyzed, through semantic and

syntactic tests, 53 intransitive reciprocal verbs, which had been collected by Godoy (2008).

Moreover, we have intended to propose possible semantic representations for the classes of

intransitive reciprocal verbs we have found, by means of predicate decomposition

metalanguage. Through a discussion of verb classes and the behavior of reciprocal verbs, our

initial hypothesis was confirmed: we concluded that the transitive and intransitive reciprocal

verbs cannot be considered a verb class. We also concluded that reciprocity is not a

grammatically relevant property. Furthermore, we were able to propose two predicate

decomposition structures for the intransitive reciprocal verbs analyzed, demonstrating that

they belong to two distinct classes of BP, along with other verbs. We contributed to the

Syntax-Lexical Semantics Interface field, as we set out to investigate the semantic properties

of verbs that have an impact on syntax. From this, finally, we contributed to the description of

BP’s linguistic system, by grouping the intransitive reciprocal verbs into classes.

Keywords: reciprocal verbs; syntax-semantics interface; lexical semantics; predicate

decomposition.

Page 8: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO ................................................................ 9

1.1 Introdução ......................................................................................................................... 9

1.2 Objeto de estudo ............................................................................................................. 12

1.3 Hipótese, objetivos e justificativa ................................................................................... 19

1.4 Metodologia .................................................................................................................... 23

CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................. 27

2.1 A Interface Sintaxe - Semântica Lexical ......................................................................... 27

2.2 A linguagem de decomposição de predicados primitivos ............................................... 30

2.3 Classes verbais ................................................................................................................ 34

CAPÍTULO 3: A ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS DO PB ....... 42

3.1 A partícula se ................................................................................................................... 42

3.2 O aspecto lexical ............................................................................................................. 45

3.3 O objeto cognato ............................................................................................................. 49

3.4 A decomposição em predicados primitivos .................................................................... 52

3.5 Os verbos recíprocos transitivos e intransitivos: uma classe verbal? ............................. 61

CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 68

ANEXO – OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS .................................................. 73

APÊNDICE – ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS ........................ 73

Page 9: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

9

CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO

Neste capítulo, introduzimos o nosso objeto de estudo, apresentamos nossos objetivos

e hipóteses e descrevemos a metodologia utilizada em nossa pesquisa.

1.1 Introdução

Este trabalho insere-se na linha de pesquisa de Interface Sintaxe-Semântica Lexical

e, seguindo a proposta de autores como Fillmore (1970), Levin e Rappaport Hovav (1992,

1995), Cançado (2005, 2010), entre outros, partiremos do princípio de que as propriedades

semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Além disso, de acordo com

esta linha de pesquisa, a partir de propriedades semântico-sintáticas compartilhadas, os

verbos podem ser agrupados em classes (LEVIN, 1993; CANÇADO et al., 2013). Classes

verbais são, portanto, conjuntos de verbos que compartilham propriedades semânticas e

propriedades sintáticas.

Os verbos recíprocos são tratados como uma classe de verbos na literatura por

possuírem, em seu sentido, a informação semântica de reciprocidade entre dois participantes

(CHAFE, 1971; FILLMORE, 1972; ILARI, 1987; RAJAGOPALAN, 1987; CROFT, 1991;

DOWTY, 1991; GLEITMAN et al., 1996), que licencia uma construção sintática: a

“alternância simples-descontínua” (GODOY, 2008). Segundo Godoy (2008), a reciprocidade

é uma propriedade semântica comum aos verbos que são passíveis de alternar sua estrutura

sintática entre duas formas: a forma simples e a forma descontínua. Esta propriedade se

relaciona ao sentido idiossincrático do verbo, o qual tem impacto em sua sintaxe. Por ser

capaz de licenciar uma construção sintática, a reciprocidade é considerada uma propriedade

gramaticalmente relevante. Nesse sentido, “a reciprocidade é uma relação semântica que o

verbo estabelece entre os participantes do evento que descreve, quaisquer que sejam os papéis

ou funções dos participantes nesse evento e qualquer que seja o tipo de evento (acional,

processual, estativo etc.)” (GODOY, 2008, p. 49).

Godoy (2008) diferencia os verbos que contêm lexicalmente o sentido da

reciprocidade de construções cuja interpretação é recíproca. Sendo assim, ela cita os autores

que discutem temas relevantes para um estudo de verbos recíprocos em semântica

(DIMITRIADIS, 2004, 2005; DIXON, 1992; HEIM et al., 1991; REINHART; SILONI, 2005;

SILONI, 2001, 2007; WILLIAMS, 1991) e também em tipologia (MASLOVA; NEDJALKOV,

Page 10: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

10

2005; MASLOVA, 2007), que tratam de mecanismos de reciprocidade em sentenças com

verbos não recíprocos lexicalmente. Observemos alguns exemplos de mecanismos de

reciprocidade:

(1) João beijou Maria e Maria beijou João.

(2) João e Maria beijaram um ao outro.

(3) João e Maria se beijaram.

Em (1), temos uma expressão icônica da reciprocidade (MASLOVA; NEDJALKOV, 2005

apud GODOY, 2008), em que a repetição do verbo expressa a duplicidade do evento no

mundo. Em (2) e (3), temos expressões não icônicas de reciprocidade, que são dadas

gramaticalmente por meio de uma construção do tipo ‘SN V um...o outro’ ou a partir da

partícula se1. Nas sentenças de (1) a (3), a noção de reciprocidade se dá de forma

composicional, e não lexical, uma vez que ela ocorre a partir da composição e da organização

dos itens da sentença. Neste trabalho, não analisaremos os mecanismos de reciprocidade, mas

focalizaremos os verbos que possuem, marcada no léxico, a propriedade de reciprocidade,

seguindo Dixon (1992), Siloni (2001, 2007) e Godoy (2008). Nesse sentido, intencionamos

contribuir para os estudos na Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por meio de uma análise e

de uma discussão a respeito do comportamento sintático e semântico dos verbos lexicalmente

recíprocos.

No português, consideraremos como exemplos de verbos recíprocos marcados

lexicalmente, seguindo o estudo de Godoy (2008), aqueles que possuem, além do traço de

reciprocidade – propriedade semântica relacionada ao sentido idiossincrático do verbo –, uma

possibilidade de dupla ocorrência sintática. Essa capacidade de alternância é chamada pela

autora de alternância simples-descontínua e é ela que reúne esses verbos em uma única

classe. Verbos como dialogar, brigar e negociar são caracterizados por possuírem uma

reciprocidade lexical. Nesse sentido, eles alternam entre as formas simples, em que os

participantes da reciprocidade são necessariamente denotados por um argumento plural, e

descontínua, em os participantes são denotados por dois argumentos, sendo um deles

introduzido na sintaxe por preposição (GODOY, 2008). Exemplificamos essa alternância

abaixo:

Page 11: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

11

(4) a. O Carlos e o seu chefe dialogaram. – forma simples

b. O Carlos dialogou com o seu chefe. – forma descontínua

(5) a. O João e o Carlos brigaram. – forma simples

b. O João brigou com o Carlos. – forma descontínua

(6) a. O dentista e o cliente negociaram a consulta. – forma simples

b. O dentista negociou a consulta com o cliente. – forma descontínua

As sentenças de (4) a (6) expressam reciprocidade, porém, não fazem uso de mecanismos

composicionais para isso: não há repetição do verbo ou acréscimo de partículas ou sintagmas

que denotem reciprocidade. Sendo assim, os verbos dialogar, brigar e negociar são verbos

que possuem, em sua entrada lexical, o sentido de reciprocidade, não sendo essa propriedade

semântica veiculada a partir de uma construção sentencial, mas de maneira não

composicional.

Segundo Godoy (2008), para que um verbo seja classificado como recíproco, seu

argumento-sujeito na forma simples deve sempre apontar um conjunto de participantes no

mundo, em uma denotação plural, mesmo que o SN seja morfossintaticamente singular na

sentença. A autora apresenta o seguinte exemplo (GODOY, 2008, p. 35):

(7) O casal flertou.

(8) *João flertou.

(9) Eles flertaram.

Em (7), o casal denota mais de um participante no mundo, apesar de ser

morfossintaticamente singular. A sentença em (8) é agramatical, uma vez que João é um

argumento singular. Em (9), a denotação é plural a partir de um argumento que, mesmo

morfossintaticamente, é plural. De maneira semelhante, quando o verbo denota reciprocidade

não a seu sujeito, mas ao seu objeto, o argumento-objeto na forma simples é que deve ter uma

denotação plural, como notamos no exemplo abaixo (GODOY, 2008, p. 83, grifo meu):

(10) O pedreiro nivelou os pisos.

1 Devemos atentar para o fato de que o clítico se é uma marca ambígua, podendo expressar tanto reciprocidade

Page 12: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

12

Com relação à forma descontínua, não há exigência quanto à denotação dos

argumentos. Sendo assim, os participantes denotados podem ser singulares ou plurais nos dois

argumentos (GODOY, 2008, p. 35 e p. 83):

(11) a. O rapaz flertou com a garota.

b. Os rapazes flertaram com as garotas.

(12) a. O pedreiro nivelou o piso da sala com o piso da cozinha.

b. Os pedreiros nivelaram os pisos da sala com os pisos da cozinha.

As sentenças acima são gramaticais: em (a), cada um dos dois argumentos denota apenas um

participante; em (b), ambos denotam uma pluralidade de participantes.

Em suma, para que um verbo seja classificado como recíproco, segundo Godoy

(2008), ele deve:

- possuir a propriedade lógico-semântica de reciprocidade entre dois participantes;

- exigir um argumento-sujeito com denotação plural na forma simples, quando

denotar reciprocidade ao seu argumento-sujeito ou exigir um argumento-objeto plural na

forma simples, quando denotar reciprocidade ao seu argumento-objeto;

- ser passível de ocorrer na alternância simples-descontínua.

1.2 Objeto de estudo

Como vimos, os verbos recíprocos são tratados, na literatura, como parte de uma só

classe por possuírem, em seu sentido, a informação semântica de reciprocidade entre dois

participantes (CHAFE, 1971; FILLMORE, 1972; ILARI, 1987; RAJAGOPALAN, 1987;

CROFT, 1991; DOWTY, 1991; GLEITMAN et al., 1996). Segundo Godoy (2008), a

reciprocidade é uma propriedade semântica que pertence a um componente de natureza

lógica do significado dos verbos recíprocos. Para explicitar o funcionamento desse

componente lógico, Godoy (2008) cita o estudo de Heim et al. (1991) a respeito da anáfora

each other, que se estende, para o PB (português brasileiro), ao uso da partícula se. Vejamos o

exemplo abaixo:

quando reflexividade (MASLOVA, 2007 apud GODOY, 2008), além de outros sentidos.

Page 13: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

13

(13) The kids like each other.

‘As crianças se gostam’.

Podemos observar que a construção em (13) é recíproca, mas formada a partir de um verbo

não recíproco. O verbo like ‘gostar’ não pressupõe uma reciprocidade entre seus

participantes, uma vez que se pode imaginar o seguinte evento no mundo:

(14) John likes Mary, but Mary does not like John.

‘O João gosta de Maria, mas a Maria não gosta de João’.

Podemos dizer que o verbo gostar não possui, marcado em sua entrada lexical, a propriedade

semântica de reciprocidade, visto que sua reciprocidade pode ser negada ou cancelada, como

foi feito na sentença em (14). Heim et al. (1991) apud Godoy (2008) propõem que each other

e se são operadores lógicos chamados de reciprocators “reciprocadores”, os quais realizam

uma relação lógica entre os participantes do evento. De maneira paralela, Williams (1991)

apud Godoy (2008, p. 50) apresenta evidências de que existe um operador intrínseco aos

verbos recíprocos, quando cita o verbo collide2 e demonstra sua agramaticalidade com o

operador lógico each other:

(15) *They collided each other.

Eles colidiram se

Verbos do tipo collide designam uma relação de reciprocidade lexical, diferentemente da

construção recíproca demonstrada em (13). Sendo assim, a sentença em (15) é agramatical, já

que apresenta um verbo que possui uma reciprocidade intrínseca, seguida de um operador de

função “reciprocadora”, resultando em redundância. Sendo assim, é seguindo a ideia de

Williams (1991) a respeito da existência de um operador intrínseco aos verbos lexicalmente

recíprocos que Godoy considera que a reciprocidade é uma propriedade semântica

pertencente a um componente lógico do sentido desses verbos.

2 Para o português, seria necessário um estudo mais profundo a respeito do verbo colidir, uma vez que ele é

encontrado de forma gramatical com a partícula se, como em: Dois trens de passageiros se colidiram em uma

zona rural na região de Puglia, na Itália (Fonte: http://oglobo.globo.com/).

Page 14: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

14

Seguindo Dixon (1992), Siloni (2001, 2007) e Godoy (2008), focalizaremos, neste

trabalho, os verbos que possuem, marcada no léxico, a propriedade de reciprocidade, a

exemplo do verbo collide apresentado por Williams (1991). Não trabalharemos, portanto,

com os mecanismos de construção sintática da ideia de reciprocidade. Ademais,

assumiremos, nesta monografia, juntamente com Cançado et al. (2013), que a reciprocidade

está contida no sentido idiossincrático dos verbos recíprocos.

De acordo com Godoy (2008), a reciprocidade é uma propriedade semântica

partilhada pelos verbos que alternam entre as formas simples e descontínua e, por isso, ela é

considerada uma propriedade relevante gramaticalmente. Sendo assim, segundo a autora,

apesar de os verbos recíprocos apresentarem diferentes transitividades e não compartilharem

uma mesma estruturação temática, o que os identifica em uma única classe é o fato de

compartilharem a característica sintática de ocorrência em uma forma simples (um argumento

plural) e em uma forma descontínua (dois argumentos, um em sua posição original e outro

preposicionado, em posição de adjunção). Observemos as sentenças abaixo, construídas com

os verbos recíprocos negociar, misturar e combinar:

(16) a. O Jorge e o vendedor negociaram o carro. – forma simples

b. O Jorge negociou o carro com o vendedor. – forma descontínua

(17) a. O cozinheiro misturou os ovos e a farinha. – forma simples

b. O cozinheiro misturou os ovos com a farinha. – forma descontínua

(18) a. Preto e vermelho combinam. – forma simples

b. Preto combina com vermelho. – forma descontínua

Em (16a), temos um verbo recíproco transitivo que denota reciprocidade ao seu argumento

externo (Jorge e o vendedor). Em (17a), temos um verbo recíproco transitivo que denota

reciprocidade ao seu argumento interno (os ovos e a farinha). Em (18a), temos um verbo

recíproco intransitivo que denota reciprocidade ao seu argumento externo (preto e vermelho).

Podemos observar, portanto, que há verbos recíprocos tanto transitivos quanto intransitivos.

Esse fato evidencia que a razão pela qual esses verbos formam uma classe não está

relacionada à sua transitividade (GODOY, 2008).

Além disso, segundo Godoy (2008), os verbos recíprocos podem atribuir diferentes

papéis temáticos aos seus argumentos. Em (16a), o verbo negociar atribui aos participantes da

Page 15: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

15

reciprocidade (Jorge e o vendedor) o papel temático de agente3. Em (17a), o verbo misturar

atribui aos participantes da reciprocidade (os ovos e a farinha) o papel temático de paciente4.

Em (18a), o verbo combinar atribui aos participantes da reciprocidade (vermelho e preto) o

papel temático de objeto estativo5. A partir disso, podemos afirmar, juntamente com Godoy

(2008), que também não é sua configuração temática que agrupa os verbos recíprocos em

uma mesma classe. A propriedade semântica que determina o comportamento sintático da

classe dos verbos recíprocos é a reciprocidade, “uma relação que o verbo estabelece entre os

participantes do evento que descreve, quaisquer que sejam os papéis ou funções dos

participantes nesse evento e qualquer que seja o tipo de evento (acional, processual, estativo

etc.)” (GODOY, 2008, p. 49).

Segundo Godoy (2008), para identificar um verbo recíproco, não basta apenas dizer

que ele ocorre nas formas simples e descontínua, uma vez que há outros verbos que podem

ocorrer nesse tipo de construção. Vejamos os exemplos abaixo:

(19) a. A mãe e o bebê dormiram.

b. A mãe dormiu com o bebê.

(20) a. Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.

b. Mike Tyson lutou com Evander Holyfield.

Em (19) e (20), temos exemplos de verbos que, de maneira similar, parecem ocorrer na

alternância simples-descontínua: em (a), os participantes do evento são denotados por um

argumento plural, caracterizando a forma simples; em (b), os participantes são denotados por

dois argumentos, sendo um deles preposicionado, o que caracteriza a forma descontínua. No

entanto, seguindo a análise de Godoy (2008) apenas o verbo lutar, em (20), é recíproco. Para

chegar a essa conclusão, Godoy (2008) propõe um teste para identificar os verbos

lexicalmente recíprocos: um verbo é recíproco se a sua forma simples acarreta sentenças

descontínuas.

A fim de se compreender a escolha da autora pelo acarretamento como instrumento

de análise, faz-se necessário compreender, primeiramente, a definição de acarretamento.

3 Agente é o desencadeador de alguma ação, que age com controle (CANÇADO; AMARAL, 2016). 4 Paciente é a entidade que sofre o efeito de alguma ação, havendo mudança de estado (CANÇADO; AMARAL,

2016). 5 Objeto estativo é uma entidade ou situação à qual se faz referência, sem que essa desencadeie a ação ou seja

afetada por ela (CANÇADO; AMARAL, 2016).

Page 16: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

16

Acarretamento é uma relação lógica entre duas sentenças em que, se a primeira delas é

verdadeira, a segunda deve ser necessariamente verdadeira, ou seja, “a verdade da segunda

advém necessariamente da verdade da primeira” (CANÇADO, 2009, p. 44). Por causa disso,

não é possível, ao mesmo tempo, afirmar a primeira sentença e negar a segunda, de modo a

obter uma terceira sentença não contraditória. Observemos um exemplo claro de

acarretamento:

(21) a. O João comeu uma maçã.

b. O João comeu uma fruta.

c. ╞ O João comeu uma maçã, mas o João não comeu uma fruta6.

Em (21c), afirmamos a primeira sentença (21a), negamos a segunda (21b) e obtivemos uma

terceira sentença contraditória. Isso quer dizer que (21a) acarreta (21b), ou seja, o sentido da

sentença (21b) está contido no sentido de (21a).

Aplicando o teste do acarretamento às sentenças em (19), temos que se é verdade que

a mãe e o bebê dormiram, não é necessariamente verdade que a mãe dormiu com o bebê, ou

seja, o verbo dormir não é recíproco, já que sua sentença na forma simples (19a), não acarreta

sua sentença na forma descontínua (19b). No entanto, aplicando o teste do acarretamento às

sentenças em (20), temos que se é verdade que Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram,

também não é necessariamente verdade que Mike Tyson lutou com Evander Holyfield.

Sendo assim, a partir do teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) para

diferenciar verbos recíprocos de verbos não recíprocos, o verbo lutar, assim como dormir,

não seria considerado um verbo recíproco, uma vez que sua sentença na forma simples (20a)

não acarreta sua sentença na forma descontínua (20b). Esse resultado difere da análise de

Godoy (2008), em que apenas o verbo lutar, em (20), foi considerado recíproco. Observe que

vamos, agora, afirmar a primeira sentença, negar a segunda e observar se a sentença obtida é

contraditória:

(22) A mãe e o bebê dormiram, mas a mãe não dormiu com o bebê.

(23) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram, mas Mike Tyson não lutou com

Evander Holyfield.

6 O símbolo ╞ indica contradição (Cann, 1993).

Page 17: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

17

Podemos notar que tanto a sentença em (22) quanto a sentença em (23) não são

contraditórias. Abaixo, ilustramos a ausência de acarretamento:

(24) A mãe e o bebê dormiram. ~ ├ A mãe dormiu com o bebê7.

(25) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. ~ ├ Mike Tyson lutou com Evander

Holyfield.

Se os verbos dormir e lutar, em sua forma simples, não acarretam suas sentenças

descontínuas, então, nenhum dos dois, segundo esse teste, poderia ser classificado como

recíproco. Isso demonstra que o teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) não se

mostra eficiente na diferenciação de um verbo que pertence à classe dos verbos recíprocos,

lutar, e um verbo que não pertence a essa classe, dormir. Abaixo, demonstramos mais

exemplos do teste do acarretamento em verbos classificados como recíprocos:

(26) a. Gabriel e Jorge interagiram na festa. – forma simples

b. Gabriel interagiu com Jorge na festa. – forma descontínua

c. Gabriel e Jorge interagiram na festa, mas Gabriel não interagiu com Jorge na

festa. – negação da sentença na forma descontínua

d. Gabriel e Jorge interagiram na festa. ~ ├ Gabriel interagiu com Jorge na festa.

– acarretamento

(27) a. O João e a Maria namoram. – forma simples

b. João namora com a Maria. – forma descontínua

c. O João e a Maria namoram, mas o João não namora com a Maria. – negação

da sentença na forma descontínua

d. O João e a Maria namoram. ~ ├ João namora com a Maria. – acarretamento

(28) a. Gabriel e João jogam futebol. – forma simples

b. Gabriel joga futebol com o João. – forma descontínua

c. Gabriel e João jogam futebol, mas Gabriel não joga futebol com o João. –

negação da sentença na forma descontínua

7 O símbolo ~ ├ indica a ausência de acarretamento (Cann, 1993).

Page 18: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

18

d. Gabriel e João jogam futebol. ~ ├ Gabriel joga futebol com o João. –

acarretamento

(29) a. Batman e Robin duelaram – forma simples

b. Batman duelou com Robin. – forma descontínua

c. Batman e Robin duelaram, mas Batman não duelou com Robin. – negação

da sentença na forma descontínua

d. Batman e Robin duelaram. ~ ├ Batman duelou com Robin. – acarretamento

Por meio dos exemplos apresentados acima, podemos notar que as sentenças na

forma simples dos verbos ilustrados, não acarretam suas sentenças descontínuas, uma vez que

as sentenças em (c) não são contraditórias. Nesse sentido, por meio do teste do acarretamento,

os verbos de (26) a (29), analisados por Godoy (2008) como pertencentes à classe dos verbos

recíprocos, não poderiam ser assim agrupados. Isso é uma evidência de que não é tarefa fácil

diferenciar a reciprocidade sintática, exemplificada em (19), da reciprocidade lexical,

exemplificada em (20), já que, como foi demonstrado, o comportamento de ambas em

relação ao acarretamento é o mesmo. A conclusão a que chegamos é que o acarretamento,

instrumento formal de análise adotado por Godoy (2008), não se mostra adequado na

diferenciação dos dois tipos de reciprocidade.

Como vimos, os verbos lexicalmente recíprocos têm uma exigência sintática: seu

argumento na forma simples deve indicar um conjunto de participantes, em uma denotação

plural, mesmo que o SN seja morfossintaticamente singular na sentença (GODOY, 2008). No

entanto, observemos as sentenças abaixo, em que essa regra não parece funcionar de maneira

categórica:

(30) João interagiu na festa.

(31) Mike Tyson lutou ontem à tarde.

(32) Gabriel namora há 3 anos.

(33) Galvão Bueno comentou a partida de futebol.

(34) Juliana discutiu os resultados de sua dissertação.

(35) Jorge joga futebol todas as quartas.

(36) O pedreiro nivelou o piso.

(37) O eletricista conectou o fio.

Page 19: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

19

De (30) a (35), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AE (argumento

externo). Em (36) e em (37), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AI

(argumento interno). Podemos notar, nas sentenças de (30) a (35), que nem todos os verbos

classificados por Godoy (2008) como lexicalmente recíprocos exigem, necessariamente, que

seu AE tenha uma denotação plural. Da mesma forma, em (36) e em (37), temos exemplos de

verbos lexicalmente recíprocos que não exigem que seu AI tenha uma denotação plural. Essa

evidência reforça a ideia de que não é simples entender o porquê de esses verbos estarem

agrupados em uma mesma classe e, além disso, demonstra a dificuldade de se determinar

quando um verbo deve ou não ser considerado lexicalmente recíproco.

Neste trabalho, faremos um recorte e tomaremos como objeto de estudo apenas os

verbos recíprocos intransitivos. Sendo assim, nossa análise não se estenderá aos verbos

transitivos, como negociar e misturar, ilustrados em (16) e (17), mas aos verbos intransitivos

como combinar, em (18). Vejamos mais exemplos de verbos recíprocos intransitivos, nosso

objeto de análise:

(38) a. O João e sua irmã brigaram.

b. O João brigou com sua irmã.

(39) a. O noivo e a noiva brindaram.

b. O noivo brindou com a noiva.

(40) a. Cristina e Marta dialogaram.

b. Cristina dialogou com Marta.

(41) a. Preto e vermelho combinam.

b. Preto combina com vermelho.

(42) a. Os horários de trabalho de Cristina e Marta coincidem.

b. O horário de trabalho de Cristina coincide com o de Marta.

(43) a. Os versos dessa música rimam.

b. Esse verso dessa música rima com aquele outro.

Em (a), exemplificamos as sentenças na forma simples; em (b), exemplificamos as sentenças

na forma descontínua.

1.3 Hipótese, objetivos e justificativa

Page 20: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

20

Godoy (2008), em uma reflexão a respeito da noção de classe verbal, chega à

conclusão de que a propriedade sintática que reúne os verbos recíprocos em uma única classe

verbal gramatical é a alternância entre as formas simples e descontínua, não a sua

transitividade. Além disso, para a autora, a propriedade semântica associada a esse

comportamento sintático é a reciprocidade, uma propriedade lógica, não temática. Neste

trabalho, reforçamos, ainda, que a reciprocidade pertence ao sentido idiossincrático dos

verbos recíprocos.

Em um trabalho mais recente, no entanto, Cançado et al. (2013) mostram que os

verbos recíprocos não pertencem a uma mesma classe, diferenciando verbos do tipo

conversar, que são intransitivos e não acarretam um resultado final, de verbos como misturar,

que são bieventivos8 e acarretam ficar estado como resultado final, participando da

“alternância causativo-incoativa”9 (CANÇADO et al., 2013). Lembrando que, na análise de

Godoy (2008), ambos os verbos foram considerados como pertencentes à mesma classe dos

verbos recíprocos do PB. Observemos o comportamento dos verbos conversar e misturar

abaixo:

(44) a. Aquela garota conversou muito com a colega na aula ontem. – forma

causativa

b. *Aquela garota ficou conversada. – acarretamento ficar estado

c. *A colega (se) conversou10. – forma incoativa

(45) a. O cozinheiro misturou o ovo com a farinha. – forma causativa

b. O ovo e a farinha ficaram misturados. – acarretamento ficar estado

c. O ovo e a farinha (se) misturaram. – forma incoativa

A partir dos exemplos em (44) e em (45), podemos notar a diferença de comportamento entre

os verbos conversar e misturar. Na alternância causativo-incoativa, temos um processo de

intransitivização em que o sujeito é apagado e o objeto passa para sua posição. Apenas o

verbo misturar, em (45), aceita essa alternância. O comportamento sintático-semântico

8 Verbos bieventivos são aqueles que denotam um evento complexo, composto por dois subeventos,

normalmente, um subevento de ação e um subevento de resultado. 9 Processo de intransitivização que permite que um verbo alterne entre uma estrutura transitiva (causativa), e uma

estrutura intransitiva (incoativa). A sentença O cozinheiro misturou o ovo com a farinha pode alternar para a

forma O ovo e a farinha (se) misturaram, pois o verbo misturar é passível de ocorrer na alternância causativo-

incoativa. Já a sentença Aquela garota conversou muito com a colega na aula ontem não pode alternar para a

forma *A colega conversou, visto que o verbo conversar barra a alternância causativo-incoativa.

Page 21: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

21

distinto entre os verbos conversar e misturar é uma evidência de que eles não devem ser

tomados como pertencentes a uma mesma classe (CANÇADO et al., 2013).

Além disso, Cançado et al. (2013) assumem que a alternância simples-descontínua

não é uma propriedade sintática específica dos verbos recíprocos. As autoras citam o verbo

transitivo roubar (CANÇADO et al., 2013, p. 65), e podemos citar, também, o verbo

intransitivo jantar. Esses verbos não são verbos recíprocos, mas apresentam uma alternância

similar à simples-descontínua, como já mostramos para dormir:

(46) a. João e Maria roubaram a loja.

b. João roubou a loja com Maria.

(47) a. Cristina e Jorge jantaram.

b. Cristina jantou com Jorge.

Apesar de os verbos roubar e jantar acima não exigirem um argumento-sujeito plural e não

possuírem a propriedade semântica de reciprocidade, em (a), eles aparecem em sentenças na

forma simples e, em (b), em uma forma descontínua. A partir disso, Cançado et al. (2013)

ilustram que a alternância simples-descontínua não é uma composição sintática comum

apenas aos verbos recíprocos, podendo ocorrer com diferentes tipos de verbos no PB.

Sendo assim, de acordo com a análise das autoras, os verbos recíprocos transitivos

pertencem à ampla classe dos verbos de mudança de estado no PB, mais especificamente, à

classe dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos11, junto a outros verbos do

PB (CANÇADO et al., 2013). Dentro da classe de mudança de estado do PB, foram

agrupados os verbos recíprocos transitivos do tipo misturar, tais como conectar, desgrudar e

entrelaçar, bem como outros verbos, não recíprocos, tais como quebrar, abrir e congelar.

Todos esses verbos foram agrupados em uma mesma classe verbal por possuírem um

comportamento semântico-sintático semelhante: como vimos, os verbos desta classe são

bieventivos, acarretam ficar estado como resultado final, e participam da alternância

causativo-incoativa.

Neste trabalho, nossa hipótese inicial é a de que os verbos recíprocos intransitivos,

assim como os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013), não

formam uma única classe verbal no PB. Esta postulação baseia-se nas evidências apontadas

10 Essa sentença é agramatical no sentido de que a colega é o paciente da ação do verbo.

Page 22: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

22

pelas autoras, que mostram que tais verbos possuem um funcionamento semântico-sintático

distinto. Na seção 1.2, também foram apresentadas novas evidências de que o agrupamento

desses verbos não é simples de ser justificado: o teste do acarretamento proposto por Godoy

(2008) não foi suficiente para separar os verbos lexicalmente recíprocos daqueles cuja

reciprocidade é sintática. Ademais, a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos

requerem, de maneira obrigatória, um argumento com denotação plural na posição de AE ou

de AI em sua forma simples, não se mostrou válida para todos os verbos classificados como

recíprocos por Godoy (2008).

Este trabalho se insere em um amplo programa de pesquisa sobre a descrição e

análise do léxico verbal do PB, que vem sendo desenvolvido pelo Nupes12. Tendo em vista a

hipótese levantada, nosso objetivo geral é contribuir para a descrição do sistema linguístico

do PB por meio da análise do comportamento semântico-sintático dos verbos recíprocos, que

foram considerados por muitos autores como pertencentes a uma classe verbal única.

Para que a nossa hipótese seja verificada, temos como objetivos específicos:

1. Analisar os verbos recíprocos intransitivos do PB, a partir do levantamento

feito por Godoy (2008).

2. Verificar se os verbos recíprocos intransitivos podem ser agrupados em uma

única classe verbal canônica, do tipo medium-grained13, que compartilhe as mesmas

propriedades semânticas e sintáticas, por meio de testes sintáticos e semânticos.

3. Propor possíveis representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos

recíprocos intransitivos por meio da linguagem de decomposição de predicados primitivos14.

4. Discutir o conceito de reciprocidade, por meio da investigação do

comportamento dos verbos classificados por Godoy (2008) como recíprocos.

Visto que a propriedade da reciprocidade está presente em verbos que apresentam

um funcionamento semântico-lexical distinto, parece-nos relevante descrever e definir o

funcionamento dos verbos recíprocos intransitivos, da maneira como fazem Cançado et al.

11 Os verbos opcionalmente volitivos são aqueles cujo argumento-sujeito pode agir ou não com intenção. 12 Núcleo de Pesquisa em Semântica Lexical da FALE/UFMG: www.letras.ufmg.br/nucleos/nupes. 13 Medium-grained é um dos níveis de análise para a classificação verbal proposto por Cançado e Gonçalves

(2016). Segundo as autoras, para que um grupo de verbos seja classificado a partir deste nível, é necessário que

eles possuam toda a estrutura semântica idêntica, e não apenas parte dela. Esta noção será explicada com detalhes

no capítulo 2. 14 A decomposição de predicados primitivos será explicitada no capítulo 2.

Page 23: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

23

(2013) com relação aos verbos recíprocos transitivos que pertencem à classe dos verbos de

mudança de estado. Nesse sentido, a realização dessa pesquisa se justifica uma vez que nos

propomos a analisar por qual(is) classe(s) os verbos recíprocos intransitivos do PB se

distribuem. Além disso, o que motiva esta pesquisa é verificar o estatuto da reciprocidade

enquanto propriedade semântico-lexical, ou seja, verificar se ela é uma propriedade

gramaticalmente relevante no PB.

1.4 Metodologia

Os dados apresentados neste trabalho foram coletados por meio de uma pesquisa

realizada por Godoy (2008), a partir do Dicionário Gramatical de Verbos do Português

Contemporâneo do Brasil, de Borba (1990)15. A autora listou, dos 5000 verbos de Borba,

cerca de 200 verbos recíprocos, dentre os quais foram escolhidos 126 para sua análise, tendo

os outros sido excluídos por falta de intuição. Como nos propusemos a trabalhar apenas com

os verbos recíprocos intransitivos, foram selecionados, da pesquisa de Godoy (2008), um total

de 53 verbos. Destes 5316 verbos, foram utilizados, nesta pesquisa, apenas 3117.

Dos 22 verbos que foram eliminados de nossa análise, 7 são verbos sobre os quais

não tínhamos intuição, como, por exemplo, conchavar, confabular e mancomunar. Os 15

verbos restantes foram eliminados uma vez que consideramos que eles não são basicamente

intransitivos, mas transitivos. Cançado e Amaral (2010) discutem diferentes propostas de

alguns autores a respeito do clítico se, como Kaine (1975), Grimshaw (1982), Reinhart e

Siloni (2005), Kemmer (1993), Maldonado (1999), Chierchia (2004) e Koontz-Garboden

(2009). A partir de uma análise dessas propostas, as autoras propõem que os verbos

basicamente transitivos que podem sofrer intransitivização são marcados morfologicamente

com o clítico se.

Nesse sentido, as autoras assumem que existem verbos que são basicamente

transitivos e verbos que são basicamente intransitivos, ou seja, os verbos teriam, segundo sua

proposta, uma forma básica e uma derivada. Segundo Haspelmath (1993) apud Cançado e

Amaral (2016), a forma derivada de uma sentença é sempre marcada, seja sintática,

fonológica ou morfologicamente. Cançado e Amaral (2016) argumentam que, nas línguas

15 Desenvolvido por uma equipe de professores da Unesp, este dicionário apresenta uma lista de verbos do PB,

tendo sido elaborado a partir de uma coleta exaustiva de dados de língua escrita. 16 Esses verbos encontram-se listados no anexo desta monografia.

Page 24: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

24

românicas, se o clítico se aparece marcando a forma intransitiva de uma sentença, isso

significa que ela é a forma derivada, e sua contraparte transitiva é a forma básica. Vejamos

um exemplo:

(48) a. A janela (se) fechou18. – forma derivada

b. O vento fechou a janela. – forma básica

Visto que verbo fechar acima aceita a partícula se em sua forma intransitiva (48a), dizemos

que fechar é um verbo de forma básica transitiva (48b), o qual pode sofrer uma

intransitivização.

Além disso, vimos, na seção 1.2, que o se é um operador lógico com função

reciprocadora (HEIM et al., 1991 apud GODOY, 2008). Seguindo Williams (1991) apud

Godoy (2008), mostramos o verbo collide e sua agramaticalidade com o reciprocador each

other (*They collided each other). A partir disso, podemos concluir que sentenças com verbos

lexicalmente recíprocos são agramaticais quando acrescidas do se. Isso pode ser explicado

pelo fato de que verbos lexicalmente recíprocos já possuem, marcada em sua entrada lexical,

a propriedade de reciprocidade. Portanto, quando se juntam a outro operador com função

reciprocadora, como o se, formam uma sentença redundante.

Sendo assim, neste trabalho, consideramos como verbos basicamente intransitivos,

nosso objeto de estudo, apenas aqueles que não aceitam, em sua forma intransitiva, o clítico

se. Assumimos, portanto, que o clítico se marca que a forma intransitiva do verbo é derivada,

não sendo sua forma básica. Ademais, assumimos que o se deve ser agramatical e redundante

em uma sentença com um verbo lexicalmente recíproco. Verbos como harmonizar,

confraternizar, entrosar e contrastar, por aceitarem o clítico se, foram eliminados de nossa

análise. Eles são, então, basicamente transitivos. Além disso, por aceitarem a partícula se,

colocamos em dúvida o fato de esses verbos serem lexicalmente recíprocos19. Abaixo,

apresentamos alguns exemplos reais dessas ocorrências, encontradas a partir de uma pesquisa

no Google:

17 A análise destes verbos encontra-se no apêndice desta monografia. 18 Em alguns dialetos, a partícula se pode ser apagada. 19 Um estudo mais a fundo sobre o fato de os verbos eliminados de nossa análise não serem lexicalmente

recíprocos fica em aberto para trabalhos futuros. Apenas apresentamos evidências de que esses verbos não podem

Page 25: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

25

(49) “Quando o Direito é obedecido, as relações sociais se harmonizam” (trecho

retirado do discurso de Michel Temer)20. [grifo nosso]

(50) “Servidores do Inpa se confraternizam durante o encerramento da 1ª Semana

de Qualidade Vida no Trabalho” (manchete de notícia)21. [grifo nosso]

(51) “Novatos do Linense se entrosam com nova equipe” (legenda de vídeo retirada

do site globo.com)22. [grifo nosso]

(52) “Se você aplicar uma segunda cor para acentuar o trabalho assegure-se de que

as cores se contrastam” (retirado do livro Design Para Quem Não é Designer, de

Robin Williams). [grifo nosso]

Conversar, lutar, coincidir e rimar, por sua vez, são alguns exemplos dos verbos

recíprocos basicamente intransitivos que foram tomados como objeto de análise deste

trabalho. Esses verbos não aceitam a partícula se em sua forma intransitiva. Podemos notar

que as sentenças formadas por esses verbos, em que é acrescentada a partícula se, ficam

agramaticais:

(53) *As crianças se conversaram.

(54) * Mike Tyson e Evander Holyfield se lutaram.

(55) * O casal se convive bem.

(56) * Esse verso se rima.

Observamos o comportamento dos 31 verbos recíprocos intransitivos com o intuito

de verificar se eles compartilhavam as mesmas propriedades sintáticas e semânticas e, para

isso, analisamos seu aspecto lexical, sua estrutura argumental e suas possíveis construções

sintáticas. Além disso, fizemos uso de alguns testes sintático-semânticos que consideramos

relevantes para observar se esses verbos possuem um comportamento similar, os quais

envolveram observar se eles aceitam um objeto cognato, tentar formular paráfrases desses

verbos, e tentar encontrar sua parte idiossincrática. Os verbos analisados passaram por

julgamentos de aceitabilidade feitos, primeiramente, a partir de nossa intuição de falantes do

ser considerados em nossa análise. Na defesa desta monografia, a Professora Letícia Meirelles notou que o “se”

parece marcar a reciprocidade, mas apenas quando esta é acompanhada de uma mudança na transitividade verbal. 20 Disponível no site: https://goo.gl/PEl2h3. 21 Disponível no site: https://goo.gl/efozcr. 22 Disponível no site: https://goo.gl/XgVJ1T.

Page 26: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

26

PB. Além disso, para confirmar nossa intuição, realizamos buscas no site Google na tentativa

de encontrar ocorrências reais de nossos dados.

Parece importante justificar a nossa escolha por um estudo metodológico pautado em

nossa intuição de falantes, e não em dados de fala reais da língua. A introspecção, tratamento

da linguagem conhecido desde Chomsky (1957), é o fator que nos possibilita o trabalho com

dados negativos, ou seja, com sentenças agramaticais. Isso seria impossível a partir de um

corpus com dados de fala reais. Além disso, como alegam Cançado et al. (2013), seria

inviável a busca, por meio de corpora, de todos os tipos de sentenças que pretendíamos

analisar.

Utilizamos como abordagem teórica a decomposição de predicados, que será

apresentada no capítulo 2. Essa metalinguagem foi utilizada de maneira a representar o

sentido lexical dos verbos analisados. Apresentamos, ao final deste trabalho, um anexo com

os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008) e evidenciamos quais foram

os verbos eliminados de nossa análise. Além disso, apresentamos um apêndice contendo os 31

verbos escolhidos para a elaboração desta pesquisa, juntamente com suas informações

semântico-sintáticas relevantes.

Page 27: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

27

CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo descrevemos o arcabouço teórico que subjaz nossa pesquisa. Para

tanto, mostraremos quais os pressupostos básicos das abordagens na Interface Sintaxe-

Semântica Lexical; explicitaremos o conceito de classe verbal e descreveremos o

funcionamento da linguagem de decomposição de predicados primitivos, que é a

metalinguagem utilizada nesta pesquisa.

2.1 A Interface Sintaxe - Semântica Lexical

A Semântica Representacional surge na literatura linguística com a preocupação de

relacionar a língua com os construtos e representações mentais dos falantes. Cançado e

Amaral (2016) apresentam o tipo de abordagem que se faz nessa área. Segundo as autoras, é

levado em conta, na Semântica Representacional, o significado cognitivo, mas não as

relações da língua com o mundo. A Semântica Lexical se insere em uma abordagem

representacional, contando com duas principais correntes de estudo, sendo que uma delas

possui um viés estruturalista, e a outra lida com a interface entre a semântica e a sintaxe.

A Semântica Estruturalista, que tem sua origem junto aos estudos de Saussure (2006

[1916]), lida com as noções de campo semântico, análise componencial e relações entre

palavras, tais como hiponímias e polissemias. Seu foco é, portanto, o estudo do sentido das

palavras e suas correlações (CANÇADO; AMARAL, 2016).

A Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por sua vez, irrompe na década de 60, com

os estudos de Fillmore (1968, 1970, 1971). Esse campo centra-se na postulação de que há

uma relação ordenada entre papéis semânticos e sintáticos e procura investigar quais

propriedades semânticas são gramaticalmente relevantes, ou seja, se propõe a averiguar quais

propriedades semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Segundo

Cançado e Amaral (2016), a alternância verbal ou alternância de diátese faz referência a

diferentes formas de a língua organizar sua estrutura sintática. A partir dela, demonstram-se

evidências de que existem propriedades sintáticas cuja ocorrência possui restrições

semânticas. Com a intenção de compreender de que maneira se dão as alternâncias verbais, os

semanticistas lexicais fazem uso de noções como as de papel temático, de aspecto lexical e de

decomposição de predicados.

Page 28: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

28

A alternância causativo-incoativa, por exemplo, configura-se como um processo

semântico-lexical no qual o verbo alterna sua estrutura argumental entre as formas transitiva e

intransitiva (CANÇADO et al., 2013). Em termos de papel temático, por exemplo, sua

ocorrência apenas é possível se, na estrutura argumental de um verbo transitivo, tivermos um

AE com o papel temático de causa1 e um AI com o papel temático paciente. Isso se configura

como uma evidência de que a semântica do verbo é capaz de determinar sua configuração

sintática. Podemos observar que um verbo como quebrar, cuja estrutura argumental é {Causa,

Paciente}, pode alternar entre as formas causativa e incoativa/intransitiva, como

demonstramos em (1). Em contrapartida, o verbo pagar, cuja estrutura argumental é {Agente,

Beneficiário2}, não ocorre na forma incoativa, o que é ilustrado em (2):

(1) a. O João queimou o papel. – forma causativa

b. O papel (se) queimou. – forma incoativa

(2) a. O dono da loja pagou o funcionário. – forma causativa

b. *O funcionário (se) pagou. – forma incoativa

Autores como Fillmore (1970), Dowty (1989, 1991, 2001), Pinker (1989), Dixon

(1992), Levin e Rappaport Hovav (1992, 1995, 2005), Van Valin (1993, 2005), Wunderlich

(1997, 2012), Cançado (2005), entre outros, assumem que, para se fazer uma classificação

adequada dos verbos, é necessário agrupá-los a partir de propriedades semântico-sintáticas

que eles têm em comum. Ou seja, classificar verbos implica agrupá-los a partir do

reconhecimento de suas propriedades semânticas capazes de licenciar determinadas

construções sintáticas (LEVIN, 1993; CANÇADO et al., 2013).

Os verbos de mudança de estado são um exemplo de uma classe verbal segundo o

ponto de vista da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, uma vez que, de acordo com a análise

de Cançado et al. (2013), eles compartilham a propriedade semântica de representar um

evento em que uma entidade muda de estado, acarretando necessariamente o sentido ficar

estado, em que esse estado é expresso por um adjetivo relacionado ao verbo. Além disso,

sintaticamente, todos os verbos dessa classe são passíveis de sofrer a alternância causativo-

1 Causa é o desencadeador de alguma ação, sem controle sobre ela (CANÇADO; AMARAL, 2016). 2 Beneficiário é o “ser animado que é beneficiado ou prejudicado no evento descrito” (CANÇADO; AMARAL,

2016, p. 32).

Page 29: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

29

incoativa. O verbo queimar, ilustrado em (1), faz parte desta classe. Observemos, abaixo,

mais exemplos de verbos da ampla classe de mudança de estado:

(3) a. O garçom quebrou o prato de porcelana. – forma causativa

b. O prato de porcelana quebrou. – forma incoativa

c. O prato de porcelana ficou quebrado. – acarretamento ficar estado

(4) a. O neto preocupou a avó. – forma causativa

b. A avó (se) preocupou. – forma incoativa

c. A avó ficou preocupada. – acarretamento ficar estado

Em (3a), temos o verbo quebrar em sua forma causativa, alternando para sua forma

incoativa/intransitiva em (3b). Do mesmo modo, temos o verbo preocupar em sua forma

causativa em (4a) e sua alternância para a forma incoativa sendo representada em (4b).

Ambos os verbos são pertencentes à classe dos verbos de mudança de estado e, por isso,

compartilham, além da possibilidade de alternar entre as formas causativa e incoativa, a

propriedade de acarretar ficar estado, como se demonstra em (3c) e (4c).

Como uma linha de pesquisa dentro da Semântica Representacional, a Interface

Sintaxe-Semântica Lexical se preocupa com as representações mentais relacionadas à língua.

De forma especial, nesta linha de pesquisa, há a preocupação de se estabelecer tipos de

representações semântico-lexicais que refletem as propriedades semânticas gramaticalmente

relevantes. Uma das formas de representar tais propriedades é a partir de uma lista de papéis

temáticos. Outra forma é a representação por meio da metalinguagem chamada de

“decomposição de predicados”. Essa metalinguagem é representativa do conteúdo semântico

recorrente entre grupos de verbos, que é capaz de licenciar determinadas construções

sintáticas. Por meio da decomposição de predicados, os elementos semânticos dos verbos são

decompostos em termos de predicados primitivos3, seus argumentos e seus modificadores,

podendo ainda ser derivados o tipo aspectual dos verbos e os papéis temáticos de seus

argumentos.

Seguindo a metalinguagem da decomposição de predicados, podemos prever, por

exemplo, que verbos que apresentaram em sua estrutura semântica o modificador “volição”4,

3 Elementos semânticos predicadores não decomponíveis. 4 A presença do modificador “volição” (em inglês, volition) indica a que o argumento-sujeito de determinado

verbo age com intenção, ou seja, que ele é um agente.

Page 30: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

30

como o verbo quebrar, poderão ser passivizados em sua estrutura sintática. Observemos a

estrutura (CANÇADO et al., 2013, p. 97) e o comportamento do verbo quebrar abaixo:

(5) a. quebrar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <QUEBRADO>]]]5

b. O João quebrou o prato de porcelana.

c. O prato de porcelana foi quebrado pelo João.

Podemos prever a partir da estrutura em (5a) que poderão, ainda, ocorrer na alternância

causativo-incoativa, em que, como vimos, o sujeito é apagado e o complemento passa para a

posição de sujeito. Isso é mais um exemplo de com a semântica pode licenciar construções

sintáticas. Observemos novamente o comportamento do verbo quebrar.

(6) O prato de porcelana (se) quebrou.

Em (5a), temos o verbo quebrar decomposto em sentidos menores (primitivos semânticos)

por meio da decomposição de predicados. Em (5b), temos a sentença em sua forma básica,

causativa. Em (5c), demonstramos a sentença na passiva e, em (6), na forma incoativa. A

linguagem de decomposição de predicados será explicitada na seção seguinte.

Segundo a vertente da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, o léxico deixa de ser

visto como um repositório idiossincrático e desorganizado de palavras, para ser assumido

como um componente linguístico sistematicamente ordenado. Sendo esta a linha de pesquisa

que adotaremos neste trabalho, a partir daqui, quando nos referirmos à Semântica Lexical,

estaremos nos referindo ao seu campo de interface com a sintaxe. Além disso, neste trabalho,

adotaremos a decomposição de predicados como metalinguagem e metodologia de análise da

semântica dos verbos recíprocos intransitivos.

2.2 A linguagem de decomposição de predicados primitivos

Rappaport Hovav e Levin (1998) assumem dois níveis de representação da

informação presente nos itens lexicais: a Lexical Conceptual Structure “estrutura lexical

conceptual” (LCS) e a estrutura argumental. Para as autoras, a LCS estaria relacionada com o

Page 31: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

31

nível semântico, sendo apenas o nível sintático correspondente à estrutura argumental. Pinker

(1989), de forma similar, reconhece que a estrutura argumental é a informação apenas

sintática dos verbos, ao passo que informação semântica se refere ao significado verbal, sendo

chamada de “estrutura semântica”.

Entretanto, neste trabalho, assumiremos, seguindo a proposta de Cançado e Amaral

(2016), que a estrutura argumental contém, de maneira mais ampla, as informações tanto

sintáticas quanto semânticas de um item lexical. Consideraremos, portanto, que a estrutura

argumental de um item lexical, em regra, indica o número e o tipo de argumentos de que esse

item necessita para ter seu sentido completo (LEVIN, 2013).

As informações sintáticas e semânticas de um verbo, ou seja, sua estrutura

argumental6, podem ser representadas a partir de diferentes metalinguagens. Nesse sentido,

alguns autores, começando por Fillmore (1968), propõem que a representação das estruturas

argumentais dos verbos pode se dar a partir de uma lista de papéis temáticos, como

exemplificamos abaixo:

(7) a. amassar: {Agente, Paciente}

Em contrapartida, autores como Jackendoff (1983, 1990), Pinker (1989), Levin e

Rappaport Hovav (2005 e demais trabalhos), Cançado et al. (2013), entre outros, adotam uma

representação da estrutura argumental de um item verbal por meio da decomposição de seu

significado em predicados primitivos. Como vimos brevemente na seção 2.1, a

metalinguagem chamada de “decomposição de predicados” representa o conteúdo semântico

relevante gramaticalmente, que é recorrente entre grupos de verbos. Vale ressaltar que a

decomposição de predicados não é uma teoria linguística, mas uma metalinguagem e uma

metodologia de análise (ENGELBERG, 2011 apud CANÇADO; AMARAL, 2016). Por meio

da decomposição de predicados, os elementos semânticos dos verbos são decompostos em

predicados primitivos, reforçando a ideia de que o sentido dos verbos é composicional. Os

elementos da sintaxe dessa metalinguagem são os predicados, seus argumentos e seus

modificadores e sua sintaxe é simples: um predicado pede um ou dois argumentos para

saturar seu sentido e pode ser modificado.

5 Os parênteses entre o modificador VOLITION indicam a opcionalidade da volição. Sendo assim, temos que o

verbo quebrar aceita um agente ou uma causa na posição de sujeito.

Page 32: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

32

Na seção 2.1, discutimos que os verbos de mudança de estado podem ser

considerados uma classe por compartilharem a propriedade semântica de representar um

evento em que uma entidade muda de estado, acarretando necessariamente o sentido ficar

estado e por serem causativos, contendo dois subeventos em seu sentido. Além disso, em sua

estrutura sintática, os verbos dessa classe podem alternar entre as formas transitiva e

intransitiva, na alternância causativo-incoativa. Cançado et al. (2013, p. 93) classificam o

verbo amassar como sendo pertencente à classe de verbos de mudança de estado. Sua

estrutura é dada abaixo:

(8) a. v: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <STATE>]]]7

b. amassar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <AMASSADO>]]]

Na representação em (8a), temos a estrutura da classe dos verbos de mudança de estado. Em

(8b), há a representação do verbo amassar, um dos verbos pertencentes à classe ilustrada em

(8a). Podemos notar, nesta estrutura, que o sentido do verbo amassar foi decomposto em

elementos menores de sentido: os predicados primitivos8 (ACT, CAUSE e BECOME), as

variáveis (X e Y) e a raiz “AMASSADO”, que pertence à categoria ontológica dos estados,

representada por STATE na estrutura da classe, em (8a).

As variáveis X e Y são argumentos que saturam o sentido dos predicados. A raiz,

“AMASSADO”, por sua vez, é a parte idiossincrática do sentido do verbo, ou seja, é ela quem

diferencia o significado dos verbos pertencentes à mesma classe, tais como abrir, acalmar e

clarear: para abrir, teríamos a raiz “ABERTO”; para acalmar, teríamos a raiz “CALMO” e,

para clarear, teríamos a raiz “CLARO”. VOLITION é um modificador que atribui volição, ou

seja, capacidade de agir com intenção, ao predicado ACT.

A variável X satura o predicado monoargumental ACT, formando o constituinte

semântico [X ACT], enquanto a variável Y satura o predicado monoargumental STATE,

formando o constituinte [Y<STATE>]. Em uma estrutura complexa, os argumentos [[X ACT

(VOLITION)] e [BECOME [Y <AMASSADO>]] saturam o sentido do metapredicado

6 A estrutura argumental equivale, grosso modo, ao conceito de valência verbal conceito introduzido por Tesnière,

em 1959 (CANÇADO, AMARAL, 2016). 7 As estruturas de decomposição de predicados são apresentadas em inglês, língua em que foram propostas, para

reforçar seu caráter universal, ou seja, não importa a língua em que aparecem, os predicados possuem o mesmo

sentido (PINKER, 1989; CANÇADO; AMARAL, 2016). 8 Os predicados primitivos são sempre escritos em caixa alta.

Page 33: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

33

biargumental CAUSE. Podemos observar que são os colchetes que delimitam a saturação de

um constituinte semântico, ou seja, o predicado saturado por seus argumentos.

O constituinte [X ACT] está associado ao desencadeamento da ação, enquanto o

elemento [BECOME Y] denota o resultado da ação. O metapredicado CAUSE, por sua vez,

expressa a relação de causação9 entre a ação e seu resultado final (CANÇADO et al., 2013). A

raiz AMASSADO, por fim, denota o estado final do evento de amassar. Abaixo,

demonstramos a relação causal do verbo amassar, bem como sua natureza composicional, a

partir de dois subeventos (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 165):

(9) [SUBEVENTO 1 a ação [SUBEVENTO 2 o resultado de algo ficar amassado]]

A estrutura dada em (8b), pelo verbo amassar, pode ser representada pela seguinte

sentença:

(10) A estudante amassou o papel.

Em (10), os argumentos do verbo amassar, a estudante e o papel, estão associados às

variáveis X e Y, respectivamente. O constituinte [X ACT] representa o desencadear da ação,

ou seja, o fato de a estudante realizar uma ação. A parte da estrutura [BECOME [Y

<AMASSADO>]] é o resultado da ação de X: se a estudante amassou o papel, então o papel

torna-se amassado. O metapredicado CAUSE representa a relação de causação entre a ação e

seu resultado final, ou seja, o fato de a estudante amassar o papel causa nele uma mudança de

estado: ele, que não estava amassado, agora passa a ficar amassado. É por isso que este verbo

está na classe dos verbos de mudança de estado.

A partir da estrutura de decomposição de predicados, é possível derivar o tipo

aspectual do verbo decomposto e os papéis temáticos dos seus argumentos. Nesse sentido,

com relação aos verbos da classe de mudança de estado, para o verbo amassar, podemos

fazer as seguintes generalizações:

9 Relação causal necessária entre dois subeventos que compõem a semântica de um mesmo verbo (CANÇADO;

AMARAL, 2016).

Page 34: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

34

- Quanto ao seu aspecto lexical: é um accomplishment10;

- Quanto à sua grade temática: amassar: {Causa (Agente), Paciente};

- Quanto à complexidade de seu evento: causativo.

Podemos perceber, juntamente com Cançado e Amaral (2016), que a decomposição de

predicados representa de maneira mais complexa a semântica dos verbos. A partir dela,

podemos observar a complexidade do evento denotado pelo verbo (se ele é ou não causativo),

o papel temático de seus participantes e, além disso, seu aspecto lexical. Sendo assim, por

meio de sua representação em uma abordagem em termos de decomposição de predicados

(ilustrada em (8b)), temos que o verbo amassar é um accomplishment, uma vez que ele é

causativo, possuindo em seu sentido dois subeventos, representados em (9). Além disso,

fomos capazes de derivar o tipo dos papéis temáticos de seus participantes: seu argumento em

posição de sujeito pode receber o papel de causa ou o de agente, visto que o modificador

VOLITION aparece na estrutura entre parênteses, indicando que o participante pode agir ou

não com intenção. Ademais, podemos dizer que seu segundo argumento, na posição de

objeto, é um paciente, já que temos representada uma mudança de estado na estrutura,

indicada pelo predicado BECOME.

Além desses predicados, existem muitos outros propostos na literatura, que abarcam

uma série de outras propriedades semânticas além da mudança de estado. Alguns exemplos

são os predicados HAVE, IN, WITH, AFFECT, DO, entre outros.

Neste trabalho, adotaremos a decomposição de predicados como metodologia de

análise da semântica dos verbos recíprocos intransitivos, propondo uma representação do

sentido dos verbos pertencentes a essa classe a partir das listas de predicados primitivos e das

estruturas já propostas em outros trabalhos.

2.3 Classes verbais

Assume-se, na Semântica Lexical, que, na delimitação de uma classe, não basta

observar o sentido específico dos verbos (FILLMORE, 1970; LEVIN, 1993; PESETSKY,

10 O aspecto lexical, diferentemente do aspecto gramatical, é uma propriedade que vem especificada na entrada

lexical dos itens verbais, de modo a descrever a maneira como uma situação se desenvolve no decorrer do tempo.

Por ser inerente ao sentido do verbo, ele não vem marcado morfossintaticamente. Accomplishments são verbos

que denotam um evento dinâmico, durativo e que possui um resultado final. No capítulo 3, explicitaremos melhor

todos os tipos de aspecto lexical.

Page 35: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

35

1995; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005; GRIMSHAW, 2005; CANÇADO; AMARAL,

2016). Faz-se necessário, além disso, observar se há propriedades semânticas nos itens

lexicais que são relevantes gramaticalmente, de modo a determinar sua realização sintática.

Os verbos brigar e bater parecem ser semelhantes, a princípio, por denotarem algum

tipo de movimento que ocorre entre pelo menos dois participantes: um dos participantes faz

algum tipo de ação em relação a outro. Podemos pensar, então, que eles são suspeitos de

possuírem as mesmas propriedades sintático-semânticas. No entanto, ao observamos o

comportamento de ambos, vemos que apenas um deles ocorre na alternância simples-

descontínua. Observemos os exemplos abaixo:

(11) a. Maria e João brigaram. – forma simples

b. Maria brigou com o João. – forma descontínua

(12) a. *Maria e João bateram. – forma simples

b. Maria bateu no João. – forma descontínua

Podemos perceber, nos exemplos acima, que apenas o verbo brigar, em (11), aceita um

argumento plural na posição de sujeito, na forma simples, podendo ser classificado como um

verbo recíproco. Além disso, a partir de sua forma simples (11a), o verbo brigar pode alternar

para uma forma descontínua, ilustrada em (11b). Já o verbo bater, em (12), não aceita um

argumento plural em uma forma simples (12a), não podendo formar uma sentença que alterne

entre as formas simples e descontínua. O verbo bater não pode, portanto, ser agrupado na

mesma classe que o verbo brigar, uma vez que o comportamento sintático de ambos não é o

mesmo. Sendo assim, notamos que não é suficiente apenas verificar se um determinado grupo

de verbos possui um sentido similar para que eles pertençam a uma mesma classe; é

necessário, além disso, observar se esse grupo compartilha características semânticas que têm

impacto na sintaxe.

Cançado e Gonçalves (2016) propõem que o nível de análise, o grain-size, também é

relevante na classificação verbal. As autoras assumem três níveis de análise para o

agrupamento dos verbos, a saber: coarse-grained, medium-graned e fine-grained. Cada um

desses níveis se associa a determinados tipos de fenômenos linguísticos e sua escolha

depende do tipo de análise que está sendo feita, mais ampla (coarse-grained), mediana

(medium-grained), ou mais específica (fine-grained).

Page 36: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

36

Segundo Cançado e Amaral (2016), a classificação do tipo coarse-grained agrupa os

verbos por propriedades mais gerais, que podem estar presentes em verbos com diferentes

representações semânticas. Ela é, portanto, de nível mais amplo. O conjunto de verbos

transitivos é dado pelas autoras como um exemplo de classe que pode ser definida a partir

desse nível de análise. Verbos transitivos diretos que apresentam um agente na posição de

sujeito, segundo Jackendoff (1972), podem ser passivizados11, o que os agrupa, de acordo

com Cançado e Amaral (2016), em uma classe coarse-grained, uma vez que está sendo

levada em conta apenas parte da estrutura desses verbos. Exemplificamos, abaixo, a

propriedade de passivização:

(13) a. tampar: {Agente/Causa, Paciente}

b. O cozinheiro tampou a panela.

c. A panela foi tampada (pelo cozinheiro).

(14) a. guardar: (Agente, Tema12, Locativo13)

b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.

c. As roupas limpas foram guardadas na gaveta.

(15) a. preocupar: (Causa, Paciente)

b. O filho preocupou a mãe.

c. *A mãe foi preocupada (pelo filho).

A partir das sentenças (13), (14) e (15), podemos perceber que, neste nível de análise, leva-se

em conta apenas parte da estrutura argumental do verbo, neste caso, o papel semântico do AE.

Sendo assim, se tivermos um verbo cuja posição de AE puder ser preenchida por um

argumento agente, não importa o tipo do argumento na posição de AI, este verbo poderá

formar uma sentença na passiva: é isso o que ocorre nos exemplos (13) e (14). Já em (15),

temos que a construção passiva é barrada, uma vez que um verbo como preocupar não aceita

um agente em posição de AE, mas apenas uma causa.

A generalização a respeito da formação de passivas é dada por Jackendoff (1972) em

termos de papel temático. Segundo Cançado e Amaral (2016), por meio da metalinguagem da

decomposição de predicados, também é possível prever a possibilidade de ocorrência ou não

11 Isso não implica, contudo, que apenas verbos com agente na posição de sujeito podem ser passivizados. 12 “Entidade transferida, física ou abstratamente, por uma ação” (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 32).

Page 37: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

37

da passiva: os verbos que apresentarem, em sua estrutura semântica, o modificador

“VOLITION”, poderão ser passivizados em sua estrutura sintática.

(16) a. tampar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <TAMPADO>]]]14

b. O cozinheiro tampou a panela.

c. A panela foi tampada (pelo cozinheiro).

(17) a. guardar: [[X ACT VOLITION] CAUSE [BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC

Z]]15

b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.

c. As roupas limpas foram guardadas na gaveta.

(18) a. preocupar: [[X ACT/STATE] CAUSE [BECOME [Y<PREOCUPADO>]]]16

b. O filho preocupou a mãe.

c. *A mãe foi preocupada pelo filho.

Podemos notar que, nas estruturas em (16) e (17), em que os verbos tampar e

guardar foram decompostos em sentidos menores, há a presença do modificador

“VOLITION”, que indica a capacidade de agir com volição (intenção). Por causa disso, as

sentenças formuladas a partir desses verbos, podem ser construídas por meio da passivização,

ilustrada em (16c) e (17c). Portanto, a parte da estrutura que é levada em conta neste nível de

análise, é apenas a parte em que temos “[X ACT (VOLITION)]”, que significa que X pode agir

com intenção, ou seja, que verbos como tampar e guardar aceitam, em sua estrutura, agentes

na posição de AE. Sendo assim, apesar de o restante das estruturas dos verbos tampar e

guardar serem diferentes entre si, “[BECOME [Y <TAMPADO>]]” e “[BECOME [[Y

<GUARDADO>] LOC Z]]”, respectivamente, ambas licenciam a construção sintática passiva.

Já em (18), temos que o verbo preocupar não aceita um agente em sua estrutura, na posição

de AE. Isso pode ser demonstrado a partir do fato de que, em “[X ACT/STATE]”, não há a

presença do modificador “VOLITION”, ilustrando que esse verbo aceita uma causa, mas

nunca um agente como AE. Nesse sentido, é possível dizer que verbos do tipo preocupar não

podem ser passivizados. Em um raciocínio semelhante ao raciocínio feito em termos de papel

13 “Lugar de onde algo se desloca, para onde algo se desloca ou em que algo está situado ou acontece”

(CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 33). 14 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.

181). 15 Estrutura dos verbos de mudança de estado locativo retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 186).

Page 38: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

38

temático, os verbos que contêm a propriedade de passivização, demonstrada a partir da

metalinguagem da decomposição de predicados, são agrupados em uma classe coarse-

grained, uma vez que apenas parte da estrutura destes verbos está sendo considerada em sua

classificação: apenas a parte da estrutura em que o modificador “VOLITION” está presente.

A análise do tipo medium-grained, por sua vez, considera toda a estrutura semântica

de um grupo de verbos para que eles possam ser considerados uma classe verbal. Ela é,

portanto, uma análise de tipo intermediário, que traz informações a respeito de classes

consideradas mais canônicas na literatura. Como exemplo, Cançado e Amaral (2016) citam as

classes de mudança de estado, de lugar e de posse. Os verbos da classe de mudança de estado

possuem a propriedade sintática de participarem da alternância causativo-incoativa. Como já

explicitamos, esta alternância é um tipo de intransitivização em que o objeto direto passa para

a posição de sujeito, e o sujeito é apagado da estrutura. Em termos de papel temático, para

que esta alternância ocorra, é necessário que haja, na estrutura, uma causa e um paciente. Se

uma causa ou um paciente não estiverem na posição de AE e AI, respectivamente, na

estrutura, a alternância causativo-incoativa é barrada. Vejamos alguns exemplos:

(19) a. acalmar: {Causa, Paciente}

b. A música de ninar acalmou o bebê.

c. O bebê (se) acalmou.

(20) a. quebrar: {Causa, Paciente}

b. O João quebrou o copo.

c. O copo (se) quebrou.

(21) a. guardar: {Agente, Tema, Locativo}

b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.

c. *As roupas limpas (se) guardaram.

Acima, temos que os verbos acalmar, em (19), e quebrar, em (20), alternam entre as formas

transitiva e intransitiva. No entanto, notamos que a estrutura argumental do verbo guardar,

em (21), barra a alternância causativo-incoativa, uma vez que ela não apresenta uma causa

em posição de AE e um paciente em posição de AI.

16 Estrutura dos verbos de mudança de estado não volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 182).

Page 39: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

39

Por meio da metalinguagem da decomposição de predicados, também é possível

prever as alternâncias verbais, como a alternância causativo-incoativa. Nesse sentido, são

passíveis de alternar entre as formas transitiva e intransitiva, os verbos que possuírem, em sua

estrutura, um desencadeador (causa), “[X ACT (VOLITION)]”, bem como um evento de mudança

de estado “[BECOME [Y<STATE>]]”, como vemos abaixo:

(22) a. acalmar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <CALMO>]]]17

b. A música de ninar acalmou o bebê.

c. O bebê (se) acalmou.

(23) a. quebrar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <QUEBRADO>]]]18

b. O vento forte quebrou o copo.

c. O copo (se) quebrou.

(24) a. guardar: [[X ACT VOLITION] CAUSE [BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC

Z]]]19

b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.

c. *As roupas limpas (se) guardaram.

Podemos observar que, em (22) e (23), os verbos acalmar e quebrar licenciam a alternância

causativo-incoativa, por aceitarem um desencadeador, ou seja, uma causa, na posição de AE.

Isso é demonstrado pelo fato de que o modificador que indica volição está entre parênteses na

estrutura. Em contrapartida, o verbo guardar, em (24), rejeita esta alternância, porque sua

estrutura não aceita uma causa, mas apenas uma agente como AE. Observemos que, na

estrutura do verbo guardar, a volição é obrigatória, uma vez que ela não está entre parênteses.

Nos exemplos dados tanto em termos de papel temático quanto em termos de

decomposição de predicados, vemos que, para que um grupo de verbos ser classificado em

um nível de análise canônico, medium-grained, é necessário que todos eles possuam toda a

estrutura semântica idêntica: em relação à alternância causativo-incoativa, uma causa e um

paciente, se estivermos lidando com papéis temáticos; um desencadeador do tipo “[X ACT

17 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.

181). 18 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.

181). 19 Estrutura dos verbos de mudança de estado locativos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 186).

Page 40: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

40

(VOLITION)]” e um evento de mudança de estado, “[BECOME [Y <STATE>]]”, se estivermos

fazendo uso da decomposição de predicados como metalinguagem.

Finalmente, a classificação do tipo fine-grained, baseia-se apenas em sentidos

idiossincráticos de alguns tipos de verbos que, de alguma maneira, licenciam determinadas

construções sintáticas. Por conseguinte, essa é considerada a classificação mais restrita. Um

exemplo dado por Cançado e Amaral (2016) para elucidar essa classe são os verbos

recíprocos. As autoras assumem que os verbos recíprocos não são uma classe do tipo coarse-

grained e nem uma classe canônica, do tipo medium-grained, por não apresentarem nenhuma

semelhança em sua estrutura argumental. Elas consideram, entretanto, que esses verbos são

uma classe em uma análise do tipo fine-grained, já que, a partir da propriedade semântica de

reciprocidade que eles abarcam, possuem a possibilidade de alternar entre as formas simples

e descontínua. A propriedade semântica de reciprocidade não está presente na estrutura dos

verbos recíprocos, mas é uma propriedade lógica que faz parte do seu sentido idiossincrático.

Assumimos, então, que a reciprocidade é uma propriedade pertencente à raiz de determinados

verbos. Observemos o exemplo abaixo:

(25) a. misturar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <MISTURADO>]]]20

b. João misturou o ovo e a farinha. – forma simples

c. João misturou o ovo com a farinha. – forma descontínua

Acima, em (25), temos a estrutura do verbo misturar, que é um verbo recíproco transitivo

pertencente à classe de nível de análise medium-grained dos verbos de mudança de estado,

juntamente com verbos não recíprocos, como quebrar. Esse verbo foi agrupado nessa classe

por ser bieventivo e por acarretar ficar estado como resultado final (CANÇADO et al., 2013).

No entanto, o verbo misturar também abarca uma propriedade semântica gramaticalmente

relevante em sua raiz: a reciprocidade. A partir desta propriedade, o verbo misturar é capaz de

alternar sintaticamente entre as formas simples (25b) e descontínua (25c). Por isso, esse verbo

foi agrupado, também, na classe de nível de análise fine-grained dos verbos recíprocos do PB

(CANÇADO et al., 2013).

Em suma, em um nível medium-grained, temos uma classe onde estão agrupados os

verbos recíprocos transitivos, juntamente com outros verbos do PB: a classe dos verbos de

Page 41: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

41

mudança de estado. Ou seja, segundo Cançado et al. (2013) os verbos recíprocos, sozinhos,

não formam uma classe do tipo medium-grained, mas estão agrupados em uma classe deste

tipo junto a outros verbos. No entanto, Cançado et al. (2013) consideram que os verbos

recíprocos transitivos, sozinhos, formam uma classe em um nível mais restrito, fine-grained,

por possuírem uma propriedade semântica que tem impacto na sintaxe.

Baseando-nos nessas definições, objetivamos verificar se os verbos recíprocos

intransitivos, não levados em conta na análise das autoras, podem ser considerados uma

classe canônica, do tipo medium-grained, no PB.

20 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.

181).

Page 42: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

42

CAPÍTULO 3: A ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS DO PB

Neste capítulo, a partir de testes sintático-semânticos, analisamos se os verbos

recíprocos intransitivos se compõem como uma classe verbal medium-grained única do PB, e

propomos sua estrutura argumental por meio da linguagem de decomposição em predicados

primitivos.

3.1 A partícula se

Um dos testes que realizamos com o intuito de observar o comportamento dos

verbos recíprocos intransitivos foi o teste de aceitabilidade da partícula se.

Como já mencionamos nesta monografia, Cançado e Amaral (2010), após uma

discussão acerca do clítico se, assumem que existem verbos basicamente transitivos e verbos

basicamente intransitivos. De acordo com sua proposta, os verbos teriam uma forma básica e

uma forma derivada. Seguindo a ideia de Haspelmath (1993), de que a forma derivada de uma

sentença é sempre marcada, seja sintática, fonológica ou morfologicamente, Cançado e

Amaral (2010) argumentam que, se o clítico se aparece marcando a forma intransitiva de uma

sentença nas línguas românicas, isso significa que ela é a forma derivada, e sua contraparte

transitiva é a forma básica:

(1) a. A ventania abriu a janela.

b. A janela abriu.

c. A janela se abriu.

(2) a. O calor amadureceu a banana.

b. A banana amadureceu.

c. *A banana se amadureceu.

Em (1c), temos que o verbo abrir aceita o clítico se em sua sentença intransitiva. Sendo

assim, sua forma básica é a transitiva (1a) e sua forma derivada é a intransitiva ((1b) e (1c)).

Diferentemente, em (2c), temos que o verbo amadurecer não aceita o se em sua sentença

intransitiva. Portanto, sua forma básica é a forma intransitiva (2b) e sua forma derivada é a

transitiva (2a).

Page 43: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

43

Ainda, nas seções 1.2 e 1.4 mostramos que o se é um operador lógico com função

reciprocadora (HEIM et al., 1991 apud GODOY, 2008) e concluímos que sentenças com

verbos lexicalmente recíprocos são agramaticais quando acrescidas do se, uma vez que verbos

lexicalmente recíprocos já possuem, marcada em sua entrada lexical, a propriedade de

reciprocidade.

Portanto, neste trabalho, consideramos como verbos basicamente intransitivos, nosso

objeto de estudo, apenas aqueles que não aceitam, em sua forma intransitiva, o clítico se,

assumindo que o clítico se marca que a forma intransitiva é a forma derivada do verbo.

Ademais, assumimos que o se deve ser agramatical e redundante em uma sentença com um

verbo lexicalmente recíproco.

Como forma de testar a aceitabilidade do clítico se, foram formuladas sentenças na

forma simples com cada um dos 53 verbos recíprocos intransitivos listados por Godoy (2008)

em sua análise, os quais foram selecionados por nós como objeto de estudo1. Nas sentenças

formuladas, encaixamos a partícula se e, baseando-nos em nossa intuição de falantes da

língua, verificamos se as sentenças eram gramaticais ou se soavam estranhas. Abaixo,

explicitamos como foi executado este teste:

(3) Essas cores se harmonizam.

(4) João e os colegas se confraternizaram no churrasco.

(5) João e Maria se cruzaram na rua.

(6) O carro e o caminhão se colidiram.

(7) *Os primos se brigaram.

(8) *Os amigos se conversaram.

(9) *O casal se brindou.

(10) *Os versos deste poema se rimam.

As sentenças de (3) a (10) são formadas a partir de verbos recíprocos que foram considerados

intransitivos por Godoy (2008). No entanto, apenas as sentenças de (3) a (6) são gramaticais

quando é acrescida a partícula se. Partindo da ideia de que o se marca a intransitivização de

um verbo cuja forma básica é transitiva, discutida por Cançado e Amaral (2010, 2016), todos

os verbos recíprocos considerados intransitivos na análise de Godoy (2008) que aceitaram o

1 Todos os 53 verbos recíprocos intransitivos estão listados no anexo desta monografia.

Page 44: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

44

se em sua sentença na forma simples, foram eliminados de nossa análise. Nesse sentido, 15

dos 53 verbos recíprocos intransitivos de Godoy (2008) são, na verdade, basicamente

transitivos.

Além disso, a fim de confirmarmos nossa intuição, realizamos buscas no site Google

na tentativa de encontrar ocorrências reais de nossos dados. Sentenças formadas a partir de

verbos como harmonizar, confraternizar, cruzar e colidir, listados nos exemplos de (3) a (6),

foram encontradas nas seguintes ocorrências com o clítico se:

(11) “Quando o Direito é obedecido, as relações sociais se harmonizam” (trecho

retirado do discurso de Michel Temer)2. [grifo nosso]

(12) “Praticantes de diversas religiões se confraternizam durante a época de Natal na

Bélgica”3. [grifo nosso]

(13) “O dia em que Donald Trump e os Rolling Stones se cruzaram”4. [grifo nosso]

(14) “Equipes de resgate trabalham no local onde dois trens de passageiros se

colidiram em uma zona rural na região de Puglia, Itália”5. [grifo nosso]

Acima, podemos observar ocorrências reais de sentenças formadas a partir de verbos

recíprocos acrescidos do clítico se. Esses verbos, que foram considerados por Godoy (2008)

como intransitivos, foram considerados, neste trabalho, como sendo basicamente transitivos.

É importante observarmos o comportamento do verbo colidir. O verbo collide é muito

discutido na literatura por autores como Williams (1991). Como vimos no Capítulo 1,

Williams (1991) apud Godoy (2008) apresenta evidências de que existe um operador

intrínseco aos verbos recíprocos quando cita o verbo collide e demonstra sua

agramaticalidade com o operador lógico each other (*They collided each other). Nas línguas

românicas, o clítico se, assim como o each other do inglês, tem função reciprocadora.

Contudo, diferentemente do verbo collide em relação ao reciprocador each other, o verbo

colidir não é agramatical quando forma uma sentença com a partícula se, a exemplo da

sentença em (14). Nesse sentido, é preciso observar que nem sempre o comportamento

semântico-sintático de um verbo em uma língua ilustra seu comportamento em outra língua.

2 Disponível no site: https://goo.gl/PEl2h3. 3 Disponível no site: https://goo.gl/xDrJlA. 4 Disponível no site: https://goo.gl/OF1UD6. 5 Disponível no site: https://goo.gl/27cugv.

Page 45: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

45

Uma análise mais complexa sobre o comportamento do verbo colidir no PB fica em aberto

neste trabalho.

3.2 O aspecto lexical

Com o intuito de observar quais propriedades semânticas podem ter impacto na

sintaxe de uma língua, pareceu-nos relevante a realização de análises aspectuais com relação

aos verbos recíprocos intransitivos. A partir dessas análises, objetivamos observar a relação

do aspecto lexical desses verbos com sua estruturação sintática.

O aspecto lexical6, diferentemente do aspecto gramatical, é uma propriedade que

vem especificada na entrada lexical dos itens verbais. Nesse sentido, por ser inerente ao

sentido do verbo, ele não vem marcado morfossintaticamente. Vendler (1967) propôs um

sistema de aspecto lexical que é, ainda hoje, o mais aceito pelos linguistas. Segundo o autor,

os verbos podem ser divididos em quatro classes aspectuais, a saber, estados, atividades,

accomplishments e achievements. Essas quatro classes aspectuais se diferenciam em relação a

três pares de valor aspectual, são eles (CANÇADO; AMARAL, 2016):

- estatividade x dinamicidade: verbos estativos descrevem situações que não

necessitam de uma força/ação/movimento para desencadear sua realização; situações

descritas por verbos dinâmicos, ao contrário, necessitam de alguma força/ação/movimento

para que possam se manter no mundo.

- pontualidade x duratividade: verbos pontuais denotam situações que ocorrem em

um momento instantâneo e único no tempo; verbos durativos denotam eventos que se

estendem no tempo.

- telicidade x atelicidade: verbos télicos descrevem situações que apresentam um

resultado final; verbos atélicos, por sua vez, descrevem eventos que não apresentam um

resultado final.

Retomando as quatro classes aspectuais de Vendler (1967) e seus valores aspectuais,

temos que os estados são estativos, durativos e atélicos. As atividades são dinâmicas,

durativas e atélicas. Os accomplishments são dinâmicos, durativos e télicos. Os achievements,

Page 46: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

46

por fim, são dinâmicos, pontuais e télicos. Baseando-nos na proposta de Vendler (1967),

analisamos os esquemas temporais definidos pelos verbos recíprocos intransitivos7. A partir

da análise de cada um deles, percebemos que a diferença de valor aspectual entre eles tem

relação com o par “estatividade x dinamicidade”. Vejamos os exemplos abaixo:

(15) O sapato e a blusa de Maria combinam.

(16) Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidem.

(17) João e sua irmã brigam muito.

(18) João e sua irmã conversam sempre.

Em (15) e (16), temos que os verbos combinar e coincidir denotam situações que não

necessitam de nenhuma força ou movimento para se manterem (são estativos). Além disso,

esses verbos apresentam situações que se estendem em um período de tempo (são durativos).

Por fim, podemos notar que os verbos combinar e coincidir não apresentam um resultado

final (são atélicos). Nos verbos atélicos, cada instante é igual ao seu todo e não é preciso

atingir um resultado final para que suas situações sejam verdadeiras. Na situação de combinar

ou coincidir, cada instante é igual ao seu todo, ou seja, se a dividirmos em três tempos,

teremos que t1=t2=t3.

De maneira semelhante a combinar e coincidir, brigar e conversar, em (17) e (18),

descrevem eventos que se estendem em um período de tempo (são durativos) e, também, não

apresentam um resultado final (são atélicos). No entanto, podemos notar que os verbos brigar

e conversar denotam situações que necessitam de uma força para continuarem a ocorrer (são

dinâmicos), o que os diferencia dos verbos estativos combinar e coincidir. Sendo assim, sem

o impacto de alguma força ou movimento, brigar e conversar não são eventos possíveis de se

manterem no mundo. Feita esta análise, concluímos que combinar e coincidir, em (15) e (16),

são verbos de estado, enquanto brigar e conversar, em (17) e (18), são verbos de atividade,

visto que eles se diferenciam pelo par “estatividade x dinamicidade”: os primeiros são

estativos e os segundos são dinâmicos.

6 Aspecto lexical, aktionsart, modo da ação, acionalidade e aspecto inerente são termos equivalentes na

literatura (CANÇADO; AMARAL, 2016). 7 Seguindo a ideia de Cançado e Amaral (2016), assumimos que os verbos, em determinadas sentenças, podem ter

uma leitura aspectual derivada, decorrente da estruturação sintática. No entanto, isso não será investigado nesta

monografia.

Page 47: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

47

Partindo da observação dos valores aspectuais dos verbos recíprocos intransitivos

que objetivamos analisar e reconhecendo que o par “estatividade x dinamicidade” os dividia

em dois subgrupos, nos baseamos em alguns testes apresentados por Cançado e Amaral

(2016) para dar o aspecto lexical desses verbos de maneira mais precisa. Van Valin (2005)

sugere um teste para evidenciar a dinamicidade de um evento. O autor propõe que, como os

verbos de estado são estativos, e não dinâmicos, eles não podem responder adequadamente à

pergunta o que aconteceu?, a qual exige, como resposta, uma situação dinâmica. Seguindo

esse teste, prosseguimos fazendo esse tipo de pergunta a todos os verbos recíprocos

intransitivos, de modo a separar os verbos de estado dos verbos de atividade. Observemos o

funcionamento desse teste:

(19) a. O que aconteceu?

b. ?? Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidiram8.

(20) a. O que aconteceu?

b. ?? O sapato e a blusa de Maria combinaram.

(21) a. O que aconteceu?

b. João e sua irmã brigaram.

(22) a. O que aconteceu?

b. O João e sua irmã conversaram.

Podemos notar que (19b) e (20b) são respostas estranhas à pergunta O que aconteceu?, por

serem sentenças formuladas a partir de verbos de estado, os quais não apresentam uma

situação dinâmica. Diferentemente, as respostas em (21b) e (22b) são totalmente adequadas a

essa pergunta, por serem formuladas a partir de verbos de atividade, que expõem um evento

dinâmico. Este teste se mostra eficiente para diferenciar os verbos de estado dos verbos de

atividade, bem como dos demais tipos de aspecto lexical, accomplishments e achievements, já

que somente os estados possuem a propriedade de serem estativos.

Além do teste proposto por Van Valin (2005), que diferencia verbos de estado dos

demais tipos de aspecto lexical, decidimos realizar mais um tipo de teste, a fim de evidenciar

a natureza dinâmica das atividades. Dowty (1979) aponta um teste eficiente para demonstrar

que um verbo é uma atividade, conhecido como “paradoxo do imperfectivo”. A realização

8 As duas interrogações (??) indicam inadequação linguística.

Page 48: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

48

deste teste consiste em colocar o verbo no imperfectivo contínuo (perífrase estar + gerúndio

do verbo) e verificar se há o acarretamento de uma sentença correspondente na forma

perfectiva (pretérito perfeito):

(23) João e sua irmã estão brigando. ├ João e sua irmã brigaram.

(24) João e sua irmã estão conversando. ├ João e sua irmã conversaram.

Nas sentenças (23) e (24), o acarretamento é gerado devido ao fato de que cada instante do

evento denotado por um verbo de atividade é igual ao seu todo, evidenciando a atelicidade

dos verbos brigar e conversar em questão. Este foi o teste utilizado por nós para diferenciar

as atividades dos achievements e dos accomplishments, que, ao contrário das atividades,

denotam eventos télicos.

Ademais, Dowty (1979) propõe um teste capaz de diferenciar a dinamicidade dos

verbos de atividade da propriedade de estatividade dos estados de maneira mais assertiva: o

teste da leitura habitual no presente. Este teste consiste em colocar uma expressão iterativa na

sentença, como toda hora ou todo dia e verificar o tipo de leitura que se origina dela.

Segundo o autor, as atividades, quando colocadas no presente, têm leitura iterativa, de hábito,

podendo se combinar com expressões iterativas. Os estados, por sua vez, têm uma leitura

contínua, não habitual, no presente, e, por isso, não podem se combinar com expressões

iterativas. Observemos a aplicação deste teste abaixo:

(25) João e sua irmã brigam todo dia.

(26) João e sua irmã conversam toda hora.

(27) *Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidem todo dia.

(28) *O sapato e a blusa de Maria combinam toda hora.

Podemos notar que os verbos de atividade brigar e conversar, em (25) e (26), podem ser

combinados com expressões iterativas, por terem uma leitura iterativa no presente. Em

contrapartida, os verbos de estado coincidir e combinar, em (27) e (28), formam sentenças

agramaticais com as expressões iterativas, por possuírem uma leitura contínua no presente. A

partir deste teste, portanto, fomos capazes de diferenciar as atividades dos estados.

Por meio dos quatro pares aspectuais de Vendler (1967) e pelos testes propostos por

Van Valin (2005) e Dowty (1979), prosseguimos verificando o aspecto lexical de todos os

Page 49: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

49

verbos recíprocos intransitivos que nos propusemos a analisar. Notamos, assim, que os 31

verbos de nossa análise se subdividiam entre verbos de aspecto lexical de atividade, como

brigar e conversar e verbos de aspecto lexical de estado, como coincidir e combinar.

3.3 O objeto cognato

Na seção anterior, vimos que os verbos recíprocos intransitivos se subdividem em

verbos com o aspecto lexical de atividade e verbos com o aspecto lexical de estado. Com a

finalidade de compreender melhor o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos de

atividade, seguimos a proposta de Amaral e Cançado (2015), de que há dois tipos de verbos

agentivos de atividade no PB: verbos do tipo correr e verbos do tipo escrever. Baseadas na

hipótese de que o comportamento gramatical é determinado pela semântica lexical, as autoras

apontam evidências da diferença de comportamento entre esses dois tipos de atividade, que

foram considerados por vários autores como pertencentes a uma mesma classe (RAPPAPORT

HOVAV; LEVIN, 1998, 2010; PINKER, 1989; GRIMSHAW, 2005).

Uma das evidências dadas pelas autoras é a relação entre estes verbos e um objeto

cognato: enquanto os verbos do tipo correr aceitam um objeto cognato, os verbos do tipo

escrever, não. Os objetos cognatos ou os objetos hipônimos, que também são aceitos pelos

verbos do tipo correr, não são argumentos do verbo e, por isso, se comportam de forma

diferente (JONES, 1988 apud AMARAL; CANÇADO, 2015). Sendo assim, a presença de um

objeto cognato em posição de objeto direto evidencia a existência de um nome contido dentro

dos verbos, bem como a natureza agentiva de seu argumento externo.

Objetivando observar a qual grupo de verbos agentivos de atividade os verbos

recíprocos intransitivos fazem parte, decidimos testar se eles aceitam a presença de um objeto

cognato em sua estrutura sentencial. Como resultado, obtivemos que os verbos recíprocos

intransitivos de atividade de nossa análise aceitam um objeto cognato e são, portanto, verbos

do tipo correr. Observemos alguns exemplos:

(29) João e Maria brigaram uma briga feia.

(30) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram uma verdadeira luta.

(31) Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram uma cena emocionante.

(32) O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram um último duelo.

(33) Minha mãe e suas amigas prosearam uma prosa boa.

Page 50: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

50

Em negrito, podemos observar o objeto cognato sendo acrescido às sentenças com os verbos

recíprocos intransitivos de aspecto lexical de atividade.

Podemos evidenciar a diferença do comportamento semântico-sintático entre os

verbos recíprocos intransitivos de atividade e os verbos recíprocos intransitivos de estado,

quando notamos que os últimos não formam sentenças gramaticais quando acrescidos de um

objeto cognato:

(34) *O sapato e a blusa de Maria combinam uma combinação boa.

(35) *Nossos horários de trabalho coincidem uma coincidência certeira.

Acima, em negrito, podemos notar o objeto cognato sendo acrescido às sentenças com os

verbos recíprocos intransitivos de aspecto lexical de estado, formando sentenças agramaticais

e evidenciando que os verbos recíprocos intransitivos não se comportam da mesma forma.

Além disso, a diferença de comportamento dos verbos recíprocos intransitivos de

atividade em relação aos verbos recíprocos intransitivos de estado pode ser reafirmada a

partir de um teste proposto por Jackendoff (1990). Segundo o autor, um argumento que se

encaixa em uma estrutura do tipo “o que x fez foi...” pode ser identificado como um agente.

Sendo assim, para observar se os verbos de nossa análise eram agentivos, testamos se seus

AEs se encaixam neste tipo de estrutura:

(36) O que João fez foi brigar com Maria.

(37) O que Mike Tyson foi lutar com Evander Holyfield.

(38) O que o Leonardo DiCaprio fez foi contracenar com Kate Winslet.

(39) O que o Capitão América fez foi duelar com o Homem de Ferro.

(40) O que minha mãe fez foi prosear com suas amigas.

(41) *O que o sapato fez foi combinar com a blusa de Maria.

(42) *O que meu horário fez foi combinar com o seu.

A partir do teste acima, notamos que os verbos de atividade, de (36) a (40), aceitam que seu

AE ocorra em uma estrutura como “o que x fez foi...”. Eles são, portanto, agentivos. Os

verbos de estado, (41) e (42), ao contrário, não aceitam um agente na posição de AE. Isso

mostra que eles não são verbos agentivos. Este teste também reforça que os verbos recíprocos

Page 51: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

51

intransitivos de atividade fazem parte de um dos grupos de verbos de atividade agentivos

propostos por Amaral e Cançado (2015).

O objeto cognato também é utilizado, na literatura, para diferenciar dois tipos de

verbos intransitivos, segundo a chamada “Hipótese Inacusativa” (PERLMUTTER, 1978 apud

MEIRELLES, 2013): os verbos inacusativos (ergativos) e os verbos inergativos (acusativos).

Esses dois tipos de verbos possuem apenas um argumento, no entanto, os verbos inacusativos

possuem um sujeito com propriedades de objeto direto. A hipótese é de que seu objeto direto

se ergueu para a posição de sujeito, configurando-se como um “falso sujeito”. Sendo assim,

não se pode acrescentar aos verbos inacusativos, um objeto cognato, já que a função de objeto

já está sendo exercida em sua estrutura. Os verbos inergativos, por sua vez, possuem um

argumento, na posição de sujeito, com propriedades de sujeito. Desta forma, eles aceitam um

cognato na posição de objeto direto, uma vez que eles não possuem essa função sintática já

exercida em sua estrutura. Os verbos inergativos possuem, portanto, um “sujeito verdadeiro”.

Sabendo-se que todo objeto direto tem a característica de ser construído no

particípio, temos que apenas os verbos inacusativos aceitam essa construção, o que é mais

uma evidência de que eles possuem, na verdade, um sujeito derivado de um objeto direto. Os

verbos inergativos, por possuírem um “sujeito verdadeiro”, não podem ser construídos no

particípio. Vejamos a diferença de comportamento entre um verbo recíproco de estado (43) e

um verbo recíproco de atividade (44) abaixo:

(43) a. As cores branco e preto contrastam.

b. *As cores branco e preto contrastam um contraste chamativo.

c. As cores contrastadas.

(44) a. O João brigou.

b. O João brigou uma briga feia.

c. *O João brigado.

Acima, demonstramos que os verbos de estado como contrastar não aceitam um

objeto cognato (43b), mas podem ser construídos no particípio (43c), característica própria de

verbos inacusativos. Já os verbos de atividade como brigar, podem ser construídos com um

objeto cognato (44b), mas não aceitam uma construção no particípio (44c), o que é comum a

verbos inergativos. Sendo assim, levando em consideração que os verbos recíprocos

intransitivos de estado não aceitam um objeto cognato em sua estrutura, propomos que eles

Page 52: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

52

possuem a característica sintática de serem verbos inacusativos9. Os verbos recíprocos

intransitivos de atividade, por sua vez, por aceitarem em sua estrutura um objeto cognato,

possuem a característica sintática de serem inergativos.

A partir do teste de aceitabilidade do objeto cognato, pudemos perceber que os

verbos recíprocos intransitivos de atividade, como brigar em (44):

- fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e

Cançado (2015);

- são estritamente agentivos;

- têm a característica sintática de serem inergativos.

Além disso, a partir da não aceitabilidade do objeto cognato, percebemos que os

verbos recíprocos intransitivos de estado, como contrastar em (43):

- não fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por

Amaral e Cançado (2015);

- não são agentivos;

- têm a característica sintática de serem inacusativos.

Percebemos, nesta seção, que os verbos recíprocos intransitivos possuem um

comportamento semântico e sintático distinto. Na seção seguinte, compreenderemos as

implicações das propriedades apresentadas acima, em uma proposta de formulação da

estrutura semântica dos verbos recíprocos intransitivos em termos de decomposição de

predicados.

3.4 A decomposição em predicados primitivos

Em uma estrutura de decomposição de predicados, temos uma parte do significado

que é recorrente entre os verbos de uma classe, e uma parte que representa o sentido

idiossincrático dos verbos, que é chamada de “raiz” (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998;

9 Apesar de não ser comum a classificação de verbos estativos em relação ao par inacusatividade x inergatividade,

nós apresentamos evidências de que os verbos estativos parecem se comportar como verbos inacusativos. É

necessário, no entanto, estudos mais completos para que nossa proposta seja devidamente averiguada.

Page 53: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

53

LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005). As raízes podem ser argumentos, predicados ou

modificadores do verbo. Além disso, as raízes pertencem a algumas categorias ontológicas,

como STATE ‘estado’, EVENT ‘evento’, THING ‘coisa’, MANNER ‘maneira’ e PLACE

‘lugar’. Essas categorias são representativas do sentido específico de uma classe de verbos e,

assim como os predicados, possuem um número limitado (LEVIN, RAPPAPORT HOVAV,

2005).

Com o objetivo de descobrir qual seria a categoria ontológica dos verbos recíprocos

intransitivos, realizamos o teste de retirar um nome de dentro dos verbos (CANÇADO;

AMARAL, 2016). Segundo Cançado e Amaral (2016), podemos extrair sintagmas correlatos

ao sentido dos verbos, os quais evidenciam o componente semântico da raiz verbal. A partir

deste teste, intencionamos observar melhor a parte de sentido que os verbos recíprocos

intransitivos carregam, reforçando a ideia de que consideramos que o sentido de um item

verbal é composicional. O teste feito para os verbos recíprocos de aspecto lexical de atividade

está ilustrado abaixo:

(45) Pactuar = pacto

(46) Brigar = briga

(47) Conversar = conversa

(48) Dialogar = diálogo

(49) Duelar = duelo

(50) Lutar = luta

Como chegamos à conclusão, na seção anterior, de que os verbos recíprocos de

aspecto lexical de atividade fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr,

analisados por Amaral e Cançado (2015), entendemos que eles teriam a mesma estrutura e,

portanto, a mesma categoria ontológica desses, sendo representados pela categoria ontológica

EVENT “evento”.

Abaixo, demonstramos o teste realizado para os verbos recíprocos de aspecto lexical

de estado:

(51) Coexistir = coexistência

(52) Coincidir = coincidência

(53) Corresponder = correspondência

Page 54: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

54

(54) Discrepar = discrepância

(55) Divergir = divergência

(56) Conviver = convivência

Cançado (2012), baseando-se em Van Valin (2005), propõe para os verbos

psicológicos do tipo temer, analisados por ela, a categoria ontológica THING “coisa”. A

estrutura é demonstrada abaixo (CANÇADO, 2012, p. 15):

(57) a. v: [X TER <THING> por Y]

b. temer: [X TER <TEMOR> por Y]

Pinker (1989, p. 190) dá a estrutura do verbo estativo have “ter”, considerado também um

predicado primitivo na teoria, utilizando-se, de forma semelhante, da categoria ontológica

THING para representar seu sentido:

(58) have: STATE

Seguindo a ideia de autores como Cançado (2012) e Pinker (1989), levamos em conta a

possibilidade de a categoria ontológica <THING> ser a representativa do sentido

idiossincrático da classe dos verbos recíprocos intransitivos de estado.

Tendo realizado o teste do nome dentro dos verbos, formulamos um novo teste, com

o intuito de observar qual seria o predicado primitivo adequado para estruturar os verbos

recíprocos intransitivos de atividade e de estado. Por meio deste novo teste, nosso objetivo foi

tentar encontrar uma paráfrase do sentido dos verbos, fazendo uso dos nomes dos verbos que

encontramos a partir do teste anterior (PINKER, 1989). Abaixo, exemplificamos o teste de

paráfrase10 para os verbos recíprocos intransitivos de atividade:

10 É importante observar que as paráfrases dos verbos podem variar. Poderíamos, por exemplo, propor a paráfrase

ter uma conversa, para o verbo conversar. No entanto, essa paráfrase não ressalta o sentido dinâmico desse

verbo. Nesse sentido, as paráfrases foram elaboradas levando em conta o aspecto lexical básico do verbo.

HAVE

[ ] THING

[ ]

THING

[ ]

Page 55: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

55

(59) Pactuar = fazer um pacto

(60) Brigar = fazer uma briga

(61) Conversar = fazer uma conversa

(62) Dialogar = fazer um diálogo

(63) Duelar = fazer um duelo

(64) Lutar = fazer uma luta

Vejamos agora o resultado das paráfrases para os verbos recíprocos intransitivos de

estado:

(65) Coexistir = ter coexistência

(66) Coincidir = ter coincidência

(67) Corresponder = ter correspondência

(68) Discrepar = ter discrepância

(69) Divergir = ter divergência

(70) Conviver = ter convivência

A partir do teste do nome dentro dos verbos e do teste da paráfrase dos verbos,

pudemos observar o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos e, além disso,

reconhecemos certa regularidade entre eles: observamos que, de maneira geral, os verbos de

aspecto lexical de atividade possuem, em sua paráfrase, o verbo fazer; os verbos de estado,

por sua vez, possuem, em sua paráfrase, o verbo ter. Parece-nos possível, agora, discutir mais

a fundo quais seriam suas categorias ontológicas e propor para eles um predicado primitivo.

Vimos, na seção anterior, que os verbos recíprocos intransitivos de atividade são

semântica e sintaticamente semelhantes aos verbos da classe de correr, cujo comportamento

foi investigado por Amaral e Cançado (2015). Sendo assim, a partir da aceitabilidade dos

verbos recíprocos intransitivos de atividade quanto ao objeto cognato, chegamos à conclusão

de que eles são estritamente agentivos e de que eles têm a característica sintática de serem

inergativos, pertencendo à mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral

e Cançado (2015).

Amaral e Cançado (2015) propõem uma separação dos verbos agentivos de atividade

em duas classes: os verbos do tipo correr seriam representados pela estrutura argumental [X

DO <EVENT>], enquanto os verbos do tipo escrever seriam representados pela estrutura [X

Page 56: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

56

ACT <MANNER>]. Nesse sentido, as autoras seguem a ideia de Harley (2005), mostrando que a

classe dos verbos do tipo correr não pode conter MANNER “maneira” como categoria

ontológica, uma vez que eles não são verbos de maneira. A evidência mostrada por elas para

justificar a separação dos verbos intransitivos agentivos de atividade em duas classes distintas

é o fato de que uma estrutura como [X ACT <MANNER>] só pode derivar atividades durativas, e

verbos como pular, por exemplo, são atividades agentivas intransitivas pontuais (conhecidas

na literatura como semelfactivos)11. Sendo assim, de acordo com essa ideia, quando

observamos um verbo como correr, temos a interpretação de que alguém faz algo, uma

corrida, e não de que correr é a maneira como alguém age (AMARAL; CANÇADO, 2015).

Propõe-se que os verbos do tipo correr possuem, portanto, a raiz EVENT (ROSS, 1972;

HARLEY, 2005 apud AMARAL; CANÇADO, 2015), agrupando-os em uma classe diferente

da classe dos verbos de atividade agentivos de raiz MANNER.

Além disso, de acordo com Amaral e Cançado (2015), os verbos do tipo correr não

podem conter o predicado primitivo ACT (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998), uma vez

que ele é monoargumental, não deixando espaço na estrutura para um argumento-raiz do tipo

EVENT. Propõe-se, então, o predicado primitivo DO para a estrutura dos verbos intransitivos

de atividade do tipo correr, já que é biargumental, requerendo uma variável e a raiz EVENT

como argumentos (ROSS, 1972 apud AMARAL; CANÇADO, 2015). São exemplos de

verbos do tipo correr os verbos dançar, chorar, pular e andar.

Visto que consideramos que os verbos recíprocos intransitivos de atividade

pertencem à mesma classe dos verbos do tipo correr, de Amaral e Cançado (2015), propomos

a seguinte estrutura argumental para os verbos recíprocos intransitivos de atividade (71a) e

apresentamos alguns exemplos de verbos pertencentes a essa classe (71b, 71c, 71d):

(71) a. v: [X DO <EVENT>]

b. brigar: [X DO <BRIGA>]

c. conversar: [X DO <CONVERSA>]

d. pactuar: [X DO <PACTO>]

11 Assumiremos, juntamente com Levin (1999), Harley (2005) e Cançado e Amaral (2016), que os verbos

semelfactivos como pular não formam uma quinta classe aspectual, mas são atividades que carregam o sentido

idiossincrático da iteratividade em sua entrada lexical.

Page 57: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

57

Na estrutura acima, temos que DO é um predicado biargumental, ou seja, pede dois

argumentos para completar seu sentido: a variável X e a raiz <EVENT>, a qual é a categoria

ontológica representativa do sentido idiossincrático de cada verbo pertencente a uma classe.

Podemos perceber que é a substituição da categoria ontológica EVENT pelo sentido

idiossincrático de determinado verbo, por exemplo, BRIGA, que o diferencia de outros verbos

da mesma classe (CONVERSA, PACTO).

Dada a estrutura de decomposição de predicados para os verbos recíprocos

intransitivos de atividade, podemos agora discutir a estrutura dos verbos recíprocos

intransitivos de estado, para os quais já foram apresentados os testes de nome dentro dos

verbos (51-56) e paráfrase dos verbos (65-70). Na paráfrase dos verbos de estado, pudemos

perceber uma regularidade com relação ao uso do verbo ter. Nesse sentido, consideramos a

possibilidade de utilizar o metapredicado HAVE, proposto por Pinker (1989), para representar

o sentido recorrente desta classe de verbos. Cançado (2012) apresenta uma estrutura de

decomposição de predicados para verbos estativos do tipo psicológico, baseando-se na

estrutura proposta por Van Valin (2005) para os verbos de posse, a qual é apresentada a seguir:

(72) ter: [X TER Y]

Com base em (72), para os verbos psicológicos do tipo temer, a autora propõe o

metapredicado TER e a categoria ontológica THING, em uma estrutura que já demonstramos

em (57) e que retomamos abaixo:

(73) a. v: [X TER <THING> por Y]

b. temer: [X TER <TEMOR> por Y]

Pinker (1989) propõe a existência do metapredicado HAVE, além do metapredicado

BE, já que, para ele, a propriedade de posse pode ser conceptualizada por meio desses dois

predicados semânticos. Nesse sentido, o autor sugere que, cognitivamente, o estado HAVE é

simplesmente o inverso do estado BE, tratando a location12, ao invés do locatum13, como seu

“sujeito lógico” (PINKER, 1989). Abaixo, representamos a ideia do autor:

12 O termo location faz referência ao lugar, ou seja, nesse caso, ao possuidor.

Page 58: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

58

(74) BE: {posse/locatum, possuidor/location}

(75) HAVE: {possuidor/location, posse/locatum}

Dados os exemplos em (74) e (75), podemos notar que o predicado BE deve ser utilizado em

uma estrutura em que o argumento-sujeito indica posse e o argumento-objeto indica o

possuidor. Inversamente, a conceptualização da ideia de posse a partir do predicado HAVE

deve ser feita quando temos um argumento-sujeito designando possuidor e um argumento-

objeto designando uma posse.

Pinker (1989) aponta mais algumas diferenças entre os predicados BE e HAVE.

Segundo o autor, enquanto o predicado BE pode ser definido normalmente por meio de um

campo locacional, podendo ser estendido para um campo de posse, o predicado HAVE é

normalmente definido a partir do campo de posse, podendo ser estendido para um campo

locacional. A partir da ideia de Pinker (1989), podemos notar que o predicado HAVE,

definido a partir de um campo de posse, melhor define os verbos recíprocos intransitivos de

estado:

(76) X ter coincidência: {possuidor/location, posse/locatum}

Em (76), temos que o argumento-sujeito de ter, X, é o possuidor, enquanto seu argumento-

objeto, coincidência, é a posse. Isso justifica a nossa opção pelo metapredicado HAVE em

contraposição à possibilidade de utilizarmos o metapredicado BE.

As vantagens dadas por autores como Pinker (1989) e Jackendoff (1990) apud

Cançado (2012) a respeito do uso do metapredicado HAVE “ter” dizem respeito ao fato de

que, a partir dele, além de se recuperar o sentido recorrente da classe, é possível agrupar os

verbos de estado de maneira mais geral. Como demonstramos em (58), Pinker (1989) dá a

estrutura do verbo estativo have, utilizando-se do metapredicado HAVE e da categoria

ontológica THING para representar seu sentido.

Considerando-se a vantagem do uso do predicado HAVE e, com base nas estruturas

dadas pelos autores apontados, propomos a estrutura de decomposição de predicados para os

verbos recíprocos intransitivos de estado (77a), e apresentamos alguns exemplos de verbos

pertencentes a essa classe (77b, 77c, 77d):

13 O termo locatum faz referência à posse.

Page 59: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

59

(77) a. v: [X HAVE <THING>]

b. coincidir: [X HAVE <COINCIDÊNCIA>]

c. corresponder: [X HAVE <CORRESPONDÊNCIA>]

d. divergir: [X HAVE <DIVERGÊNCIA>]

Como se demonstra, na estrutura acima, HAVE é um metapredicado biargumental,

requerendo dois argumentos para completar seu sentido: a variável X e a raiz <THING>, que

é a categoria ontológica representativa do sentido idiossincrático de cada verbo pertencente a

uma classe.

Encontradas as estruturas de decomposição de predicados para os verbos recíprocos

intransitivos do PB, retomamos o nosso objetivo de discutir se esses verbos podem ser

agrupados em uma classe verbal única, do tipo medium-grained. Sabendo-se que a

classificação verbal em um nível mediano leva em conta toda a estrutura semântica de um

grupo de verbos para que eles possam ser considerados uma classe, podemos afirmar que os

verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos analisados por

Cançado et al. (2013), não formam uma única classe verbal no PB. Essa afirmação tem

respaldo no fato de que os verbos recíprocos intransitivos possuem duas estruturas semânticas

distintas: [X DO <EVENT>] e [X HAVE <THING>]. Sendo assim, como vimos a partir dos

testes executados, eles não compartilham as mesmas propriedades sintáticas e semânticas,

sendo necessário agrupá-los em duas diferentes classes verbais.

Destacamos que a classe de verbos com a estrutura [X DO <EVENT>] não é

composta apenas de verbos recíprocos intransitivos de atividade, mas por outros verbos

intransitivos agentivos de atividade, os quais foram analisados por Amaral e Cançado (2015).

Nesse sentido, podemos dizer que os recíprocos intransitivos de atividade, sozinhos, não

formam uma classe do tipo medium-grained; eles estão, na verdade, agrupados na classe [X

DO <EVENT>] juntamente com outros tipos de verbos: os verbos do tipo correr, de Amaral e

Cançado (2015).

Além disso, é importante ressaltar que há fortes indícios de que a classe de verbos

formada a partir da estrutura [X HAVE <THING>] não é composta apenas de verbos

recíprocos intransitivos estativos, visto que encontramos exemplos de verbos estativos

intransitivos não recíprocos que parecem ter esta mesma estrutura semântica:

Page 60: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

60

(78) a. Proceder = ter procedência

b. proceder: [X HAVE <PROCEDÊNCIA>]

c. Seus argumentos procedem.

(79) a. Existir = ter existência

b. existir: [X HAVE <EXISTÊNCIA>]

c. Os dinossauros não existem mais.

Se a classe de estrutura [X HAVE <THING>] não possuir apenas os verbos recíprocos

intransitivos, como os exemplos acima parecem demonstrar, isso significa que os verbos

recíprocos intransitivos estativos, sozinhos, também não formam uma classe do tipo medium-

grained. As evidências apresentadas a partir dos exemplos (78) e (79) apontam para o fato de

que os verbos recíprocos intransitivos estativos estão agrupados na classe de estrutura

[X HAVE <THING>] juntamente com outros tipos de verbos estativos do PB. Uma análise

mais fina dos demais verbos pertencentes a essa classe, no entanto, deve ser realizada em

trabalhos futuros.

Por fim, podemos observar que os verbos recíprocos intransitivos não pertencem à

mesma classe que os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013).

Segundo Cançado et al. (2013), os verbos recíprocos transitivos pertencem à ampla classe dos

verbos de mudança de estado no PB, mais especificamente, à classe dos verbos de mudança

de estado opcionalmente volitivos, junto a outros verbos não recíprocos. Concluímos, a partir

deste trabalho, que os verbos recíprocos intransitivos não estão agrupados em nenhuma das

classes dos verbos de mudança do PB, uma vez que eles não são bieventivos e não acarretam

ficar estado como resultado final. Ademais, os verbos recíprocos intransitivos não participam

da alternância causativo-incoativa:

(80) a. Maria brigou com João. – forma causativa

b. *João ficou brigado. – acarretamento ficar estado

c. *João (se) brigou14. – forma incoativa

(81) a. O horário de trabalho de João coincide com o de Maria. – forma causativa

b. *O horário de Maria ficou coincidido. – acarretamento ficar estado

c. *O horário de Maria (se) coincidiu. – forma incoativa

14 Essa sentença é agramatical no sentido de que o João é o paciente da ação do verbo.

Page 61: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

61

Acima, demonstramos um exemplo de verbo recíproco intransitivo de atividade (80)

e um exemplo de verbo recíproco intransitivo de estado (81), ambos agramaticais quanto ao

acarretamento ficar estado e quanto à alternância causativo-incoativa. Essa agramaticalidade

se justifica uma vez que, como a alternância causativo-incoativa é um tipo de

intransitivização do verbo, ela é barrada por verbos que já são basicamente intransitivos.

Nesse sentido, propomos, neste trabalho, que a transitividade influencia no comportamento

semântico-sintático dos verbos recíprocos, ao contrário do que sugere Godoy (2008), que

afirma que a razão pela qual esses verbos estão agrupados em uma mesma classe não está

relacionada à sua transitividade.

3.5 Os verbos recíprocos transitivos e intransitivos: uma classe verbal?

Discutimos, no capítulo 1, as evidências apresentadas por Cançado et al. (2013) de

que os verbos recíprocos possuem um comportamento sintático-semântico distinto: verbos do

tipo conversar são intransitivos e não acarretam um estado final, enquanto verbos do tipo

misturar, acarretam ficar estado, participam da alternância causativo-incoativa e são

bieventivos. A partir disso, as autoras concluíram que os verbos recíprocos transitivos não

formam uma classe verbal canônica, do tipo medium-grained, no PB, mas uma classe de

análise mais restrita, do tipo fine-grained. Cançado et al. (2013) chegaram a esta conclusão

baseando-se no fato de que os verbos desta classe possuem a propriedade semântica de

reciprocidade, que licencia uma construção sintática: a alternância simples-descontínua. Na

seção 1.2 deste trabalho, apresentamos novas evidências de que o agrupamento dos verbos

recíprocos em uma única classe verbal não é simples de ser fundamentado: mostramos que o

teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), não foi suficiente para separar os verbos

lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática. Abaixo, retomamos os

exemplos dados:

(82) a. A mãe e o bebê dormiram. – forma simples

b. A mãe dormiu com o bebê. – forma descontínua

(83) a. Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. – forma simples

b. Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. – forma descontínua

Page 62: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

62

De acordo com a análise de Godoy (2008) apenas o verbo lutar, em (83), é um verbo

lexicalmente recíproco. O verbo dormir, em (82), seria considerado por Godoy (2008) um

verbo não recíproco em uma construção sintática recíproca. Segundo a autora, um verbo

lexicalmente recíproco pode ser reconhecido a partir do teste do acarretamento: um verbo é

recíproco se, na sua forma simples, acarreta sentenças descontínuas (GODOY, 2008). No

entanto, demostramos que os verbos dormir e lutar apresentam o mesmo comportamento com

relação ao acarretamento: ambos, em sua forma simples, não acarretam sentenças

descontínuas:

(84) A mãe e o bebê dormiram. ~ ├ A mãe dormiu com o bebê.

(85) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. ~ ├ Mike Tyson lutou com Evander

Holyfield.

Além disso, a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos requerem, de

maneira obrigatória, um argumento plural na posição de AE ou de AI em sua forma simples,

não se mostrou válida para todos os verbos classificados como recíprocos por Godoy (2008),

como demonstramos abaixo:

(86) Galvão Bueno comentou a partida de futebol.

(87) Cristina discutiu os resultados de sua dissertação.

(88) Jorge joga futebol todas as quartas.

(89) O pedreiro nivelou o piso.

Nas sentenças de (86) a (88), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu

AE. Na sentença em (89), temos o exemplo de um verbo que denota reciprocidade ao seu AI.

Podemos notar, a partir dessas sentenças, que nem todos os verbos classificados por Godoy

(2008) como lexicalmente recíprocos exigem, necessariamente, que seu AE, para as sentenças

de (86) a (88), e que seu AI, para a sentença em (89), tenham uma denotação plural. Essa

evidência reforça a ideia de que não é simples entender o porquê de esses verbos estarem

agrupados em uma mesma classe.

Page 63: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

63

As análises do teste do acarretamento e do argumento plural demonstradas

enfraquecem a ideia de que os verbos recíprocos formam uma classe de verbos que

compartilham as mesmas propriedades semânticas e sintáticas.

Cançado et al. (2013) mostram, além disso, que a alternância simples-descontínua

não é uma composição sintática comum apenas aos verbos recíprocos, podendo ocorrer com

vários tipos de verbos no PB. As autoras citam o verbo transitivo roubar (CANÇADO et al.,

2013, p. 65), e nós citamos, neste trabalho, o verbo intransitivo jantar:

(90) a. João e Maria roubaram a loja. – forma simples

b. João roubou a loja com Maria. – forma descontínua

(91) a. Cristina e Jorge jantaram. – forma simples

b. Cristina jantou com Jorge. – forma descontínua

O verbo roubar, em (90), e o verbo jantar, em (91), não exigem um argumento-sujeito plural

e não possuem a propriedade semântica de reciprocidade. No entanto, eles ocorrem em uma

forma simples e em uma forma descontínua.

Ignácio (2009) trata a respeito do comitativo, um caso semântico pouco estudado,

defendendo a ideia de que ele é um complemento do verbo. Segundo o autor, o comitativo é

um termo nuclear que se caracteriza por participar da estrutura oracional na posição de

complemento, porém com função idêntica à do argumento externo da oração. O comitativo

pode ser introduzido em uma sentença por meio da preposição com ou por meio da expressão

junto com (IGNÁCIO, 2009). Vejamos alguns exemplos de argumentos comitativos

(IGNÁCIO, 2009, p. 17, grifo nosso):

(92) O patrão discutia com o empregado.

(93) O filho sofria junto com a mãe a perda do pai.

(94) A Maria sempre saía com o João.

Nas sentenças acima, o argumento comitativo está marcado em negrito. Em (92), em termos

de papel temático, temos que tanto o sujeito quanto o comitativo são agentes. Em (93), tanto

o sujeito quanto o comitativo são pacientes e, em (94), temos que o sujeito e o comitativo são

temas.

Page 64: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

64

Segundo Cançado et al. (2013), todos os verbos recíprocos “são participantes por

excelência de composições sintáticas comitativas” (CANÇADO et al., 2013, p. 65), mas

podemos notar que nem toda composição sintática comitativa é feita a partir de um verbo

lexicalmente recíproco. No capítulo 1, diferenciamos a reciprocidade lexical, que é intrínseca

ao item verbal, da reciprocidade sintática, que é construída a partir de mecanismos a nível

sentencial. Em (92), apresentamos um exemplo de um verbo lexicalmente recíproco que, por

conseguinte, participa de uma construção sintática com o argumento comitativo em sua forma

descontínua. Já em (93) e (94), temos exemplos de verbos que não são lexicalmente

recíprocos mas que, a partir de uma construção sintática com o argumento comitativo, em

uma forma semelhante à forma descontínua, abarcam a propriedade de reciprocidade.

Podemos notar, no entanto, que mesmo os verbos que possuem um argumento comitativo e

que não são lexicalmente recíprocos, como em (93) e (94), podem participar da alternância

simples-descontínua:

(95) a. O patrão e o empregado discutiam. – forma simples

b. O patrão discutia com o empregado. – forma descontínua

(96) a. O filho e a mãe sofriam a perda do pai. – forma simples

b. O filho sofria a perda do pai (junto) com a mãe. – forma descontínua

(97) a. A Maria e o João sempre saíam. – forma simples

b. A Maria sempre saía (junto) com o João. – forma descontínua

Nos exemplos dados acima, podemos observar que tanto o verbo lexicalmente recíproco e,

portanto, comitativo, em (95), quanto os verbos comitativos que possuem uma reciprocidade

sintática, em (96) e (97), podem alternar entre as formas simples e descontínua. Nesse

sentido, se é a alternância simples-descontínua que agrupa os verbos recíprocos em uma

mesma classe (GODOY, 2008), e foram apresentados exemplos em que essa alternância

ocorre também com verbos não recíprocos em uma construção comitativa, é questionável que

os verbos recíprocos formem uma classe até mesmo em um nível mais restrito, do tipo fine-

grained.

Em suma, os argumentos que utilizamos para defender a ideia de que os verbos

recíprocos não formam uma classe verbal em nenhum nível de análise, são apresentados a

seguir:

Page 65: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

65

- os verbos recíprocos transitivos (CANÇADO et al., 2013) e os verbos recíprocos

intransitivos possuem um comportamento sintático-semântico distinto entre si;

- o teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), para separar os verbos

lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática, não se mostrou eficiente;

- a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos possuem a exigência

sintática de um argumento plural na posição de AE (quando denotam reciprocidade ao seu

sujeito) ou na posição de AI (quando denotam reciprocidade ao seu objeto) não é válida para

todos os verbos recíprocos analisados por Godoy (2008);

- a alternância simples-descontínua, composição sintática que agrupa os verbos

lexicalmente recíprocos em uma mesma classe, pode ocorrer com outros tipos de verbos, em

uma composição sintática comitativa.

Apresentados estes argumentos, concluímos que o agrupamento dos verbos recíprocos

no PB em uma só classe não se justifica, uma vez que a reciprocidade, apesar de fazer parte

do sentido idiossincrático de alguns verbos, não é uma propriedade gramaticalmente relevante

no PB.

Page 66: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

66

CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta monografia, objetivamos fazer um levantamento dos verbos recíprocos

intransitivos, a partir do levantamento feito por Godoy (2008), e verificar se eles poderiam ser

agrupados em uma única classe verbal canônica, do tipo medium-grained, que compartilhasse

as mesmas propriedades semânticas e sintáticas. Além disso, intencionamos propor

representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos recíprocos intransitivos

encontrada(s), valendo-nos da linguagem de decomposição de predicados primitivos. Para

que isso pudesse ser feito, nos propusemos a discutir o estatuto da reciprocidade.

Para atingir nossos objetivos, analisamos, por meio de testes sintáticos e semânticos,

os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008). Levantamos a hipótese de

que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos já

analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma classe verbal canônica no PB. A partir

desta hipótese, esperávamos encontrar mais de uma representação semântica para os

recíprocos intransitivos em uma estrutura de decomposição de predicados.

Percebemos, por meio de testes aspectuais, que os verbos recíprocos intransitivos de

nossa análise se subdividiam entre verbos de aspecto lexical de atividade, como brigar e

conversar, e verbos de aspecto lexical de estado, como coincidir e combinar. Além disso,

percebemos que apenas os verbos recíprocos intransitivos de atividade aceitavam um objeto

cognato em sua estrutura, sendo este tipo de formação sintática agramatical em combinação

com os verbos recíprocos intransitivos de estado. Outras diferenças semântico-sintáticas

foram encontradas: percebemos, por exemplo, que os verbos de aspecto lexical de atividade

são inergativos e estritamente agentivos, enquanto os verbos de aspecto lexical de estado são

inacusativos e não agentivos.

A partir do reconhecimento de que os verbos recíprocos intransitivos de atividade e

de estado possuem um comportamento semântico-sintático distinto, duas representações

semânticas diferentes foram propostas a eles. Para os verbos recíprocos intransitivos de

atividade, nossa proposta é de que eles fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo

correr, analisados por Amaral e Cançado (2015), possuindo, portanto, a seguinte estrutura: v:

[X DO <EVENT>]. Para os verbos recíprocos intransitivos de estado, propusemos a estrutura

v: [X HAVE <THING>] e apontamos evidências de que eles estão agrupados nesta classe

juntamente com outros tipos de verbos estativos do PB. Acrescentamos, no entanto, que uma

análise mais fina dos demais verbos pertencentes a essa classe deve ser realizada em trabalhos

Page 67: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

67

futuros. A partir disso, mostramos que os verbos recíprocos intransitivos não estão agrupados

na mesma classe que os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013).

Em uma discussão sobre classe verbal, questionamos a ideia de que os verbos

recíprocos transitivos e intransitivos formem uma classe até mesmo em um nível mais

restrito, do tipo fine-grained. Justificamos a nossa proposta de que os verbos recíprocos não

formam uma classe verbal em nenhum nível de análise, argumentando que os verbos

recíprocos transitivos (CANÇADO et al., 2013) e os verbos recíprocos intransitivos possuem

um comportamento diferente sintática e semanticamente. Ademais, demonstramos que o teste

do acarretamento, proposto por Godoy (2008), para separar os verbos lexicalmente recíprocos

daqueles cuja reciprocidade é sintática, não se mostrou eficiente, bem como apontamos que a

argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos possuem a exigência sintática de um

argumento plural na posição de sujeito ou na posição de objeto não é válida para todos os

verbos recíprocos analisados por Godoy (2008). Mostramos, também, que a alternância

simples-descontínua, composição sintática que agrupa os verbos lexicalmente recíprocos em

uma mesma classe, pode ocorrer com outros tipos de verbos, em uma composição sintática

comitativa (CANÇADO et al., 2013), o que se configura como mais uma evidência de que o

agrupamento desses verbos em uma única classe verbal não é fácil de ser fundamentado. A

partir disso, concluímos que, em termos metodológicos, o agrupamento dos verbos recíprocos

no PB em uma só classe não se justifica, visto que a reciprocidade não é uma propriedade

gramaticalmente relevante.

Page 68: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, L., CANÇADO, M. Argument structure of activity verbs in Brazilian Portuguese.

Semantics‐Syntax Interface, v. 2, n. 2, 2015.

BORBA, F. S. (Coord.) Dicionário gramatical de verbos do português contemporâneo. São

Paulo: Unesp, 1990.

CANÇADO, M. Verbos Psicológicos: uma classe relevante gramaticalmente? Revista

Veredas, v. 16, n. 2, 2012.

CANÇADO, M. Verbal alternations in Brazilian Portuguese: a lexical semantic approach.

Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics, v. 3, n. 1, p. 77-111, 2010.

CANÇADO, M. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1, p. 35-59, 2009.

CANÇADO, M. Propriedades semânticas e posições argumentais. DELTA, v. 21, n. 1, p. 23-

56, 2005.

CANÇADO, M.; AMARAL, L. Introdução à Semântica Lexical: papéis temáticos, aspecto

lexical e decomposição de predicados. Petrópolis: Editora Vozes, 2016.

CANÇADO, M.; AMARAL, L. Representação lexical de verbos incoativos e causativos no

português brasileiro. Revista da Abralin, v. 9, n. 2, p. 123-147, 2010.

CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. Catálogo de verbos do português brasileiro:

classificação verbal segundo a decomposição de predicados (Vol. I - Verbos de mudança).

Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. Lexical Semantics: classes and alternations. In:

WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics.

Hoboken: Willey Blackwell, p. 374-391, 2016.

CANN, R. Formal semantics: an introduction. Cambridge University Press, 1993.

CHAFE, W. Directionality and paraphrase. Language, v. 47, p. 1-26, 1971.

CHIERCHIA, G. A semantics for unaccusatives and its syntactic consequences. In:

ALEXIADOU, A.; ANAGNOSTOPOULOU, E.; EVERAERT, M. The unaccusativity puzzle:

explorations of the Syntax-Lexicon interface, Oxford: Oxford University Press, p. 22-59, 2004

[1989].

CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mouton & Co., 1957.

CROFT, W. Syntactic categories and grammatical relations: the cognitive organization of

information. Chicago: The University of Chicago Press, 1991.

Page 69: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

69

DIMITRIADIS, A. Discontinuous reciprocals. Utrecht: Utrecht Institute of Linguistics. Não-

publicado, 2004. Disponível em: <http://www.let.uu.nl/~alexis.dimitriadis/personal/papers/>.

DIMITRIADIS, A. The event structure of irreducibly symmetric reciprocals. In: DOLLING,

J.; HEYDE-ZYBATOW, T. (Eds.) Event structures in linguistic form and interpretation.

Berlim: De Gruyter, 2005.

DIXON, R. M. W. A new approach to English grammar, on semantic principles. Oxford:

Clarendon Press, 1992.

DOWTY, D. The semantic asymmetry of ‘argument alternations’ (and why it matters). In: G,

MEER, & A. MEULEN, Making sense: from lexeme to discourse, p. 171-186, 2001.

DOWTY, D. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619,

1991.

DOWTY, D. On the semantic content of the notion of thematic role. In: CHIERCHIA, G;

PARTEE, B.; & TURNER, R., Properties, types and meaning. Dordrecht: Kluwer, p. 69-129,

1989.

DOWTY, D. Word Meaning and Montague Grammar. Dordrecht: D. Reidel, 1979.

ENGELBERG, S. Frameworks of lexical decomposition of verbs. In: MAIENBORN, C;

HEUSINGER, K. V.; & PORTNER, P, Semantics: an international handbook of natural

language meaning (Vol. 1). Berlin: Walter de Gruyter, p. 358-399, 2011.

FILLMORE, C. J. Subjects, speakers and roles. In: DAVIDSON, D.; HARMAN, G. (Eds.)

Semantics of natural language. Dordrech: D. Reidel Publishing Company, 1972.

FILLMORE, C. J. Types of lexical information. In:STEINBERG, D.; & JAKOBOVITS, L.,

Semantics. Cambridge: Cambridge University Press, p. 370-392, 1971.

FILLMORE, C. J. The grammar of hitting and breaking. In: R, JACOBS, & P.

ROSENBAUM, Reading in English Transformational Grammar. Waltham: Ginn, p. 120-133,

1970.

FILLMORE, C. J. The case for case. In: BACH, E.; HARMS, R. (Eds.) Universals in

linguistic theory. New York: Holt, Rinnehart and Winston, p. 1-88, 1968.

GLEITMAN, L. et al. Similar, and similar concepts. Cognition, v. 58, p. 321-376, 1996.

GODOY, L. Os verbos recíprocos no PB: interface sintaxe-semântica lexical. Dissertação

(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas

Gerais, 2008.

GRIMSHAW, J. Words and structure. Stanford: CSLI Publications/University of Chicago

Press, 2005.

Page 70: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

70

GRIMSHAW, J. On the Lexical Representation of Romance Reflexive Clitics. In: BRESNAN,

J., Mental Representations of Grammatical Relations. Cambridge (Mass.): MIT Press, 1982.

HARLEY, H. How do verbs get their names? Denominal verbs, manner incorporation and the

ontology of verb roots in English. In: ERTESCHIK-SHIR, N.; RAPOPORT, T. The syntax of

aspect: Deriving thematic and aspectual interpretation. Oxford: Oxford University Press, p.

42-64, 2005.

HASPELMATH, M. Against markedness (and what to replece it with). Journal of Linguistics,

v. 43, n. 1, p. 25-70, 2006.

HASPELMATH, M. More on typology of inchoative/causative verb alternations. In:

COMRIE, B.; POLINSKY, M. Causatives and transitivity. Amsterdam: John Benjamins, p.

87-120, 1993.

HEIM, I.; LASNIK, H.; MAY, R. Reciprocity and plurality. Linguistic inquiry, v. 22, n. 1, p.

63-101, 1991.

IGNÁCIO, S. O caso comitativo. Revista CON(TEXTOS) Linguísticos, v.3, n. 3, p. 11-25,

2009. Disponível em: <https://goo.gl/3z7usT>. Acesso em: 22 out. 2016.

ILARI, R. Dos problemas de imperfeita simetria. Cadernos de estudos lingüísticos, v. 13, p.

49-65, 1987.

JACKENDOFF, R. Semantics and Cognition. Cambridge: MIT Press, 1983.

JACKENDOFF, R. Semantic structures. Cambridge: MIT Press, 1990.

JACKENDOFF, R. Semantic Interpretation in Generative Grammar. Cambridge: MIT Press,

1972.

JONES, M. Cognate objecrs and case-filter. Journal of Linguistics, v. 24, p. 89-110, 1988.

KAYNE, R. French Syntax: The Transformational Cycle. Cambridge (Mass.): MIT Press,

1975.

KEMMER, S. The Middle Voice. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 1993.

KOONTZ-GARBODEN, A. Anticausativization. Natural Language and Linguistic Theory, n.

27, p. 77-138, 2009.

LEVIN, B. Argument Structure. In: ARONOFF, M. (Ed.). Oxford Bibliographies in

Linguistics. New York: Oxford University Press, 2013.

LEVIN, B. Objecthood: an event structure perspective. Proceedings of CLS 35, v. 1: The Main

Session, Chicago Linguistic Society, University of Chicago, Chicago, IL, p. 223-247, 1999.

LEVIN, B. English Verb Classes and Alternations: A Preliminary Investigation. Chicago:

University of Chicago Press, 1993.

Page 71: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

71

LEVIN, B; RAPPAPORT HOVAV, M. Argument Realization. Cambridge: Cambridge

University Press, 2005.

LEVIN, B.; RAPPAPORT HOVAV, M. Unaccusativity: at the syntax lexical semantics

interface. Cambridge: MIT Press, 1995.

LEVIN, B.; RAPPAPORT HOVAV, M. The Lexical Semantics of Verbs of Motion: The

Perspective from Unaccusativity. In: ROCA, I. Thematic Structure: Its Role in Grammar.

Berlin: Foris, p. 247-269, 1992.

MALDONADO, R. A Media Voz. México: Universidade Nacional Autónoma de México.

1999.

MASLOVA, E. Reflexive encoding of reciprocity: cross-linguistics and language internal

variation. In: KÖNIG, E.; GAST, V. (Eds.) Reciprocals and reflexives: cross-linguistics and

theoretical explorations. Berlin: Mouton de Gruyter, 2007.

MASLOVA, E.; NEDJALKOV, V. P. Reciprocal constructions. In: HASPELMATH, M. et al.

(Eds.) The world atlas of language structures. New York: Oxford University Press, 2005.

MEIRELLES, L. L. Os verbos instrumentais no português brasileiro. Monografia

(Bacharelado em Letras) – Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte, 2013.

PERLMUTTER, D. Impersonal passives and the Unaccusative Hypothesis. Berkeley

Linguistics Society 4, p.157-189, 1978.

PESETSKY, D. M. Events in the Semantics of English. Cambridge: MIT Press, 1995.

PINKER, S. Learnability and Cognition: The acquisition of argument structure. Cambridge:

MIT Press, 1989.

RAJAGOPALAN, K. Quando 2+3 não é igual a 3+2: a semântica e a pragmática das

construções simétricas em língua natural. Cadernos de Estudos Lingüísticos, n. 13, p. 67-96,

1987.

RAPPAPORT HOVAV, M.; LEVIN, B. Reflections on Manner/Result Complementarity. In:

RAPPAPORT HOVAV, M.; DORON, E.; SICHEL, I. Syntax, lexical semantics, and event

structure. Oxford: Oxford University Press, p. 21-38, 2010.

RAPPAPORT HOVAV, M; LEVIN, B. Building Verb Meanings. In: BUTT, M; GEUDER, W.

(eds.), The Projection of Arguments: Lexical and Compositional Factors, CSLI Publications,

Stanford, CA, p. 97-134, 1998.

REINHART, T.; SILONI, T. The lexicon-syntax parameter: reflexivization and other arity

operations. Linguistic inquiry, v. 63, n. 3, 2005.

Page 72: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

72

ROSS, J. R. Act. In: DAVIDSN, D.; HARMAN, G. Semantics of natural language. Dordrecht:

D. Reidel, p.70-126, 1972.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix. Trad.: A. Chelini, J. P. Paes e

I. Blikstein, 2006 [1916].

SILONI, T. The syntax of reciprocal verbs: an overview. In: KÖNIG, E.; GAST, V. (Eds.)

Reciprocals and reflexives: cross-linguistics and theoretical explorations. Berlin: Mouton de

Gruyter, 2007.

SILONI, T. Reciprocal verbs. In: FALK, Y. (Ed.) Proceedings of Israel association for

theoretical linguistics, 17, 2001. Publicação online. Disponível em:

<http://atar.mscc.huji.ac.il/~english/IATL/17/>.

VAN VALIN, R. Exploring the Syntax-Semantics Interface. Cambridge: Cambridge

University Press, 2005.

VAN VALIN, R. Advances in Role and Reference Grammar. Amsterdam: John Benjamins,

1993.

VENDLER, Z. Linguistics in Philosophy. Ithaca: Cornell, 1967.

WILLIAMS, E. Reciprocal scope. Linguistic inquiry, v. 22, n. 1, p. 159-173, 1991.

WUNDERLICH, D. Lexical decomposition in grammar. In: M. WERNING, M.; HUNZEN,

W.; MACHERY, E. The Oxford Handbook of Compositionality. Oxford: Oxford University

Press, p. 307-327, 2012.

WUNDERLICH, D. Cause and the structure of verbs. Linguistic Inquiry, v. 28, n. 1, p. 27- 68,

1997.

Page 73: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

73

ANEXO – OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS1

VERBO FORMA SIMPLES FORMA DESCONTÍNUA

1. Acordar2 A empresa brasileira e a

americana acordaram.

A empresa brasileira acordou

com a americana.

2. Arguir/argumentar3 Os advogados arguiram. O advogado de defesa arguiu

com o promotor.

3. Brigar João e Maria brigaram João brigou com Maria.

4. Brindar O casal brindou. João brindou com Maria.

5. Cochichar As meninas cochicharam. Paulinha cochichou com

Carlinha.

6. Coexistir A arte e a censura não

podem coexistir.

A arte não pode coexistir com

a censura.

7. Coincidir Os nossos horários

coincidem.

Os meus horários coincidem

com os seus.

8. Colidir4 O carro e o caminhão

colidiram.

O carro colidiu com o

caminhão.

9. Combinar Essas cores combinam. Preto combina com cinza.

10. Comerciar

O turco e o judeu

comerciaram.

O turco comerciou com o

judeu.

11. Conchavar5

Os partidos conchavaram. O partido conchavou com seu

rival.

12. Concordar Dani e Lara concordam

sobre a questão.

Dani concorda com Lara.

13. Concorrer As amigas concorrem à

mesma bolsa.

Heloísa concorre com Marisa

à mesma bolsa.

14. Confabular6

A bruxa e a madrasta

confabularam.

A bruxa confabulou com a

madrasta.

15. Conflitar

O testemunho da jornalista

e o do senador

conflitam.

O testemunho da jornalista

conflita com o do senador.

16. Confraternizar7 João e os colegas

confraternizaram no

churrasco.

João confraternizou com os

colegas no churrasco.

17. Contracenar

Brad e Kate nunca

contracenaram.

Brad nunca contracenou com

Kate.

18. Contrastar Essas cores contrastam. O preto contrasta com o

branco.

1 Adaptado de Godoy (2008, p. 80). 2 Verbo eliminado por falta de intuição. 3 Verbo eliminado por falta de intuição. 4 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 5 Verbo eliminado por falta de intuição. 6 Verbo eliminado por falta de intuição. 7 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.

Page 74: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

74

19. Convergir Os partidos convergem. O partido da base converge

com o de oposição.

20. Conversar Nós conversamos. Eu conversei com ele.

21. Conviver

O casal convive bem. João convive bem com Maria.

22. Coocorrer Os sons coocorrem em PB. Este som coocorre com este

outro em PB.

23. Cooperar Atenienses e espartanos

cooperaram na

invasão persa.

Os atenienses cooperaram com

os espartanos na

invasão persa.

24. Copular8 Os insetos copularam. A abelha copulou com o

zangão.

25. Corresponder As nossas ideias

correspondem.

A minha ideia corresponde à

sua.

26. Cruzar9 João e Maria cruzaram na

rua.

João cruzou com Maria na rua.

27. Destoar As duas vozes destoam na

música.

A voz dela destoa da dele.

28. Dialogar João e Maria dialogaram. João dialogou com Maria.

29. Discordar Heloísa e Rafael

discordam.

Heloísa discorda de Rafael.

30. Discrepar Os depoimentos

discreparam.

O depoimento do senador

discrepa do da sua

amante

31. Divergir As nossas ideias divergem. A minha ideia diverge da sua.

32. Duelar Pedro e Paulo duelaram. Pedro duelou com Paulo.

33. Empatar Cruzeiro e América

empataram.

O Cruzeiro empatou com o

América.

34. Entrosar

As vozes do Amaranto

entrosam muito bem.

A voz da caçula entrosa com a

da primogênita.

35. Equivaler Essas medidas de

temperatura equivalem.

Trinta graus Celsius

equivalem a oitenta e seis

Fahrenheit.

36. Ficar A Joana e o Pedrinho

ficaram ontem.

A Joana ficou com o Pedrinho

ontem.

37. Flertar João e Maria flertaram. João flertou com Maria.

38. Fornicar10

Eles fornicaram. A Joana fornicou com o

Pedrinho.

39. Harmonizar

Guitarra e contrabaixo

harmonizam bem.

Guitarra harmoniza bem com

contrabaixo.

40. Interagir11 Os colegas interagiram na

festa.

Maria interagiu com os

colegas na festa.

41. Lutar O Bê e o Cristiano lutaram

na areia.

O Bê lutou com o Cristiano na

areia.

8 Verbo eliminado por falta de intuição. 9 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 10 Verbo eliminado por falta de intuição. 11 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo

Page 75: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

75

42. Mancomunar12 As esposas revoltadas

mancomunaram.

Maria mancomunou com as

esposas revoltadas.

43. Namorar

Eles estão namorando. A Clara está namorando com o

Diogo.

44. Noivar13 Breno e Heloísa noivaram. Breno noivou com Heloísa.

45. Pactuar Os políticos pactuaram. O político pactuou com os

corruptos.

46. Permutar14

A produtora e a gravadora

permutaram.

A produtora permutou com a

gravadora.

47. Prosear Dona Ana e Dona Vilma

prosearam.

Dona Ana proseou com Dona

Vilma.

48. Reatar Os namorados reataram. A Rita reatou com o Renato.

49. Rimar Esses versos rimam. Esse verso rima com aquele

outro.

50. Tabelar Pelé e Garrincha

tabelaram.

Pelé tabelou com Garrincha.

51. Topar15 Eu e ele topamos. Eu topei com ele.

52. Transar O casal transou. João transou com Maria.

53. Trombar16 Os pilotos trombaram. Ayrton trombou com Piquet.

12 Verbo eliminado por falta de intuição. 13 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 14 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 15 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 16 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.

Page 76: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

76

APÊNDICE – ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS

Verbos recíprocos intransitivos com a estrutura [X DO <EVENT>]:

Propriedades:

- Têm o aspecto lexical de atividade;

- Aceitam um objeto cognato ou um hipônimo;

- São agramaticais em uma sentença formada com a partícula se;

- São inergativos;

- São agentivos.

1. Brigar

Sentença na forma simples: O João e a Maria brigaram.

Sentença na forma descontínua: O João brigou com a Maria.

Nome dentro do verbo: briga.

Paráfrase: fazer uma briga.

Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria brigaram uma briga feia.

Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam brigando. ├ O João e a Maria

brigaram.

2. Brindar

Sentença na forma simples: Os noivos brindaram.

Sentença na forma descontínua: O noivo brindou com a noiva.

Nome dentro do verbo: brinde.

Paráfrase: fazer um brinde.

Objeto cognato ou hipônimo: O noivo e a noiva brindaram um brinde memorável.

Teste aspectual de atividade: O noivo e a noiva estavam brindando. ├ O noivo e a

noiva brindaram.

3. Cochichar

Sentença na forma simples: O João e a Maria cochicharam.

Sentença na forma descontínua: O João cochichou com a Maria.

Page 77: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

77

Nome dentro do verbo: cochicho.

Paráfrase: fazer um cochicho.

Objeto cognato ou hipônimo: O João cochichou uma piada engraçada para a Maria.

Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam cochichando. ├ O João e a

Maria cochicharam.

4. Comerciar

Sentença na forma simples: Os vendedor brasileiro e o vendedor estrangeiro

comerciaram.

Sentença na forma descontínua: Os vendedor brasileiro comerciou com o vendedor

estrangeiro.

Nome dentro do verbo: comércio.

Paráfrase: fazer um comércio.

Objeto cognato ou hipônimo: Os vendedores comerciaram uma boa mercadoria.

Teste aspectual de atividade: Os vendedores estavam comerciando. ├ Os vendedores

comerciaram.

5. Contracenar

Sentença na forma simples: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram.

Sentença na forma descontínua: Leonardo DiCaprio contracenou com Kate Winslet.

Nome dentro do verbo: cena.

Paráfrase: fazer uma cena.

Objeto cognato ou hipônimo: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram uma

cena emocionante.

Teste aspectual de atividade: Os atores estavam contracenando. ├ Os atores

contracenaram.

6. Conversar

Sentença na forma simples: O pai e a filha conversaram.

Sentença na forma descontínua: O pai conversou com a filha.

Nome dentro do verbo: conversa.

Paráfrase: fazer uma conversa.

Page 78: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

78

Objeto cognato ou hipônimo: O pai e a filha conversaram um assunto sério.

Teste aspectual de atividade: O pai e a filha estavam conversando. ├ O pai e a filha

conversaram.

7. Dialogar

Sentença na forma simples: O João e a Maria dialogaram.

Sentença na forma descontínua: O João dialogou com a Maria.

Nome dentro do verbo: diálogo.

Paráfrase: fazer um diálogo.

Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria dialogaram um assunto importante.

Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam dialogando. ├ O João e a

Maria dialogaram.

8. Duelar

Sentença na forma simples: O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram.

Sentença na forma descontínua: O Capitão América duelou com o Homem de Ferro.

Nome dentro do verbo: duelo.

Paráfrase: fazer um duelo.

Objeto cognato ou hipônimo: O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram um

último duelo.

Teste aspectual de atividade: O Capitão América e o Homem de Ferro estavam

duelando. ├ O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram.

9. Ficar

Sentença na forma simples: O João e a Maria ficaram.

Sentença na forma descontínua: O João ficou com a Maria.

Nome dentro do verbo: ficada.

Paráfrase: dar uma ficada.

Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria estão ficando uma ficada séria.

Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam ficando. ├ O João e a Maria

ficaram.

Page 79: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

79

10. Flertar

Sentença na forma simples: O João e a Maria flertaram.

Sentença na forma descontínua: O João flertou com a Maria.

Nome dentro do verbo: flerte.

Paráfrase: fazer um flerte.

Objeto cognato ou hipônimo: O João flertou um flerte descontraído.

Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam flertando. ├ O João e a Maria

flertaram.

11. Lutar

Sentença na forma simples: Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.

Sentença na forma descontínua: Mike Tyson lutou com Evander Holyfield.

Nome dentro do verbo: luta.

Paráfrase: fazer uma luta.

Objeto cognato ou hipônimo: Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram uma

verdadeira luta.

Teste aspectual de atividade: Mike Tyson e Evander Holyfield estavam lutando. ├

Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.

12. Pactuar

Sentença na forma simples: O político brasileiro e o político norteamericano

pactuaram.

Sentença na forma descontínua: O político brasileiro pactuou com o político

norteamericano.

Nome dentro do verbo: pacto.

Paráfrase: fazer um pacto.

Objeto cognato ou hipônimo: Os corruptos pactuaram um pacto eterno.

Teste aspectual de atividade: O político brasileiro e o político norteamericano estavam

pactuando. ├ O político brasileiro e o político norteamericano pactuaram.

13. Prosear

Sentença na forma simples: Minha mãe e a vizinha prosearam.

Sentença na forma descontínua: Minha mãe proseou com a vizinha.

Page 80: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

80

Nome dentro do verbo: prosa.

Paráfrase: fazer uma prosa.

Objeto cognato ou hipônimo: Minha mãe e a vizinha prosearam uma prosa boa.

Teste aspectual de atividade: Minha mãe e a vizinha estavam proseando. ├ Minha mãe

e a vizinha prosearam.

14. Tabelar

Sentença na forma simples: Pelé e Capita tabelaram.

Sentença na forma descontínua: Pelé tabelou com Capita.

Nome dentro do verbo: tabela.

Paráfrase: fazer uma tabela.

Objeto cognato ou hipônimo: Pelé e Capita tabelaram uma tabela bonita.

Teste aspectual de atividade: Pelé e Capita estavam tabelando. ├ Pelé e Capita

tabelaram.

15. Transar

Sentença na forma simples: O noivo e a noiva transaram na noite de núpcias.

Sentença na forma descontínua: O noivo transou com a noiva na noite de núpcias.

Nome dentro do verbo: transa.

Paráfrase: fazer uma transa.

Objeto cognato ou hipônimo: Os noivos transaram uma transa inesquecível na noite

de núpicias.

Teste aspectual de atividade: O noivo e a noiva estavam transando. ├ O noivo e a noiva

transaram.

Page 81: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

81

Verbos recíprocos intransitivos com a estrutura [X HAVE <THING>]:

Propriedades:

- Têm o aspecto lexical de estado;

- Não aceitam um objeto cognato ou um hipônimo;

- São agramaticais em uma sentença formada com a partícula se;

- São inacusativos;

- Não são agentivos.

1. Coexistir

Sentença na forma simples: A natureza e o homem coexistem.

Sentença na forma descontínua: A natureza coexiste com o homem.

Nome dentro do verbo: coexistência.

Paráfrase: ter coexistência.

Objeto cognato ou hipônimo: *A natureza e o homem coexistem uma boa

coexistência.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? A natureza e o homem coexistiram.

2. Coincidir

Sentença na forma simples: Os horários de trabalho de João e de Maria coincidem.

Sentença na forma descontínua: O horário de trabalho de João coincide com o de

Maria.

Nome dentro do verbo: coincidência.

Paráfrase: ter coincidência.

Objeto cognato ou hipônimo: *Os horários de trabalho de João e de Maria coincidem

uma incrível coincidência.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os horários de trabalho de João e de

Maria coincidiram.

3. Combinar

Sentença na forma simples: As cores preto e vermelho combinam.

Sentença na forma descontínua: Preto combina com vermelho.

Page 82: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

82

Nome dentro do verbo: combinação.

Paráfrase: ter combinação.

Objeto cognato ou hipônimo: *As cores preto e vermelho combinam uma combinação

perfeita.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? As cores preto e vermelho

combinaram.

4. Concordar

Sentença na forma simples: O pai e a mãe concordam sobre a criação dos filhos.

Sentença na forma descontínua: O pai concorda com a mãe sobre a criação dos filhos.

Nome dentro do verbo: concordância.

Paráfrase: ter concordância.

Objeto cognato ou hipônimo: *O pai e a mãe concordaram uma concordância exata

sobre a criação dos filhos.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O pai e a mãe concordaram sobre a

criação dos filhos.

5. Conflitar

Sentença na forma simples: Os relatos da vítima e do assassino conflitam.

Sentença na forma descontínua: Os relatos da vítima conflitam com os relatos do

assassino.

Nome dentro do verbo: conflito.

Paráfrase: ter conflito.

Objeto cognato ou hipônimo: *Os relatos da vítima e do assassino conflitam um

conflito grande.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os relatos da vítima e do assassino

conflitaram.

6. Conviver

Sentença na forma simples: O esposo e a esposa convivem bem.

Sentença na forma descontínua: O esposo convive bem com a esposa.

Nome dentro do verbo: convivência.

Paráfrase: ter convivência.

Page 83: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

83

Objeto cognato ou hipônimo: *O esposo e a esposa convivem uma convivência

amigável.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O esposo e a esposa conviveram bem.

7. Coocorrer

Sentença na forma simples: Os sintomas de dor de cabeça e dor nas articulações

podem coocorrer.

Sentença na forma descontínua: Dor de cabeça pode coocorrer com dor nas

articulações.

Nome dentro do verbo: coocorrência.

Paráfrase: ter coocorrência.

Objeto cognato ou hipônimo: *Dor de cabeça e dor nas articulações podem coocorrer

uma coocorrência impressionante.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os sintomas de dor de cabeça e dor

nas articulações coocorreram.

8. Cooperar

Sentença na forma simples: O engenheiro e o pedreiro cooperaram com a construção

da casa.

Sentença na forma descontínua: O engenheiro cooperou com o pedreiro na construção

da casa.

Nome dentro do verbo: cooperação.

Paráfrase: ter cooperação.

Objeto cognato ou hipônimo: *O engenheiro e o pedreiro cooperaram uma

cooperação importante na construção da casa.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O engenheiro e o pedreiro cooperaram

com a construção da casa.

9. Corresponder

Sentença na forma simples: A proposta do deputado e a proposta do prefeito

correspondem.

Sentença na forma descontínua: A proposta do deputado corresponde à proposta do

prefeito.

Page 84: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

84

Nome dentro do verbo: correspondência.

Paráfrase: ter correspondência.

Objeto cognato ou hipônimo: *A proposta do deputado e a proposta do prefeito

correspondem uma correspondência exata.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? A proposta do deputado e a proposta

do prefeito corresponderam.

10. Destoar

Sentença na forma simples: Nossas ideias destoam.

Sentença na forma descontínua: Sua ideia destoa da minha.

Nome dentro do verbo: destoação.

Paráfrase: ter destoação.

Objeto cognato ou hipônimo: *Nossas ideias destoam uma grande destoação.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Nossas ideias destoaram.

11. Discordar

Sentença na forma simples: O pai e o professor discordam sobre a educação do filho.

Sentença na forma descontínua: O pai discorda com o professor sobre a educação do

filho.

Nome dentro do verbo: discordância.

Paráfrase: ter discordância.

Objeto cognato ou hipônimo: *O pai e o professor discordam uma extrema

discordância sobre a educação do filho.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O pai e o professor discordaram sobre

a educação do filho.

12. Discrepar

Sentença na forma simples: O depoimento da vítima e o depoimento do assassino

discrepam.

Sentença na forma descontínua: O depoimento da vítima discrepa do depoimento do

assassino.

Nome dentro do verbo: discrepância.

Paráfrase: ter discrepância.

Page 85: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

85

Objeto cognato ou hipônimo: *Os depoimentos discrepam uma discrepância visível.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os depoimentos discreparam.

13. Divergir

Sentença na forma simples: As opiniões do PT e do PSDB divergem.

Sentença na forma descontínua: A opinião do PT diverge da opinião do PSDB.

Nome dentro do verbo: divergência.

Paráfrase: ter divergência.

Objeto cognato ou hipônimo: *As opiniões do PT e do PSDB divergem uma grande

divergência.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? As opiniões do PT e do PSDB

divergiram.

14. Empatar

Sentença na forma simples: O Palmeiras e o Atlético empataram.

Sentença na forma descontínua: O Palmeiras empatou com o Atlético.

Nome dentro do verbo: empate.

Paráfrase: ter empate.

Objeto cognato ou hipônimo: *O Palmeiras e o Atlético empataram um empate justo.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O engenheiro e o pedreiro cooperaram

com a construção da casa.

15. Namorar

Sentença na forma simples: O João e a Maria namoram

Sentença na forma descontínua: O João namora com a Maria.

Nome dentro do verbo: namoro.

Paráfrase: ter namoro.

Objeto cognato ou hipônimo: *O João e a Maria namoram um namoro tranquilo.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O João e Maria namoraram17.

17 O verbo namorar tem uma leitura aspectual ambígua: de estado ou de atividade. O sentido que deve ser levado

em conta neste teste é o sentido de estado do verbo. Sendo assim, o acréscimo de um objeto cognato na sentença

Page 86: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

86

16. Rimar

Sentença na forma simples: O primeiro e o quarto verso deste poema rimam.

Sentença na forma descontínua: O primeiro verso deste poema rima com o quarto.

Nome dentro do verbo: rima.

Paráfrase: ter rima.

Objeto cognato ou hipônimo: *O primeiro e o quarto verso deste poema rimam uma

rima perceptível.

Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O primeiro e o quarto verso deste

poema rimaram.

com verbo namorar apenas é gramatical se for considerado seu sentido de atividade, sendo agramatical em uma

leitura de estado.

Page 87: OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO … · Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria

87