Os sentidos do trabalho de TI pelos incubados no Midi Tecnológico/SC: a empregabilidade num mundo conexionista - Gabriel de Souza Bozzano

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    OS SENTIDOS DO TRABALHO

    DE TI PELOS INCUBADOS NOMIDI TECNOLGICO/SC

    Gabriel de Souza Bozzano

    A EMPREGABILIDADE NUM MUNDO CONEXIONISTA

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    Gabriel de Souza Bozzano

    os sentidos dotrabalho de ti

    pelos incubados no

    midi tecnolgico/sca empregabilidade num

    mundo conexionista

    Florianpolis2013

    UFSC

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    B793s Bozzano, Gabriel de Souza

    Os sentidos do trabalho de TI pelos incubados no

    Midi Tecnolgico/SC : a empregabilidade num mundo

    conexionista / Gabriel de Souza Bozzano.

    Florianpolis : Em Debate, 2013.

    179 p.

    Inclui bibliografa.

    ISBN: 978-85-8328-017-0

    1. Sociologia poltica. 2. Incubadoras de empresas.

    3. Tecnologia da informao. 4. Empregabilidade.

    I. Ttulo.

    CDU: 316.334

    Copyright 2013 Gabriel de Souza Bozzano

    Capa

    Tiago Roberto da Silva(fotomontagem)

    Editorao eletrnica

    Carmen Garcez, Flvia Torrezan

    Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria

    da Universidade Federal de Santa Catarina

    Todos os direitos reservados a

    Editoria Em Debate

    Campus Universitrio da UFSC Trindade

    Centro de Filosofa e Cincias Humanas

    Bloco anexo, sala 301

    Telefone: (48) 3338-8357

    Florianpolis SC

    www.editoriaemdebate.ufsc.brwww.lastro.ufsc.br

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    agradecimentos

    Ao apoio e amor de minha famlia.

    orientao primorosa e amizade da professora Marisol.

    minha companheira e grande amor, Babi, por tudo o que atagora vivemos juntos.

    E, nalmente, agradeo aos professores Jacques Mick e SilvioCrio, pelas inmeras contribuies para o melhor desenvolvimentoda dissertao, que agora virou livro.

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    SUMRIO

    introduo ...................................................................................

    . Identidades profissionais e empregabilidade......

    1.1 Discursos sobre a empregabilidade ...........................................1.2 Pequenas empresas num mundo conexionista ..........................

    . Gramtica das cidades ....................................................2.1 Espritos do capitalismo .............................................................

    . Novo esprito do capitalismo...................................

    3.1 Cidade por projetos ....................................................................3.2 A empregabilidade dos incubados e a cidade por projetos........

    . O mercado de TI e os empreendedores debase tecnolgica................................................................

    4.1 Uma leitura sobre a congurao do mercado de TIbrasileiro ..........................................................................

    4.2 Rotinas de trabalho: rumo aos produtos e serviosinovadores .....................................................................

    4.3 A empregabilidade dos incubados: produto e empresas

    inovadoras na cidade por projetos ...........................................4.4 Uma sociologia das organizaes de empresas de TI .............

    . A emergncia das pequenas empresas de TI

    e a incubadora midi tecnolgico.......................

    consideraes finais .........................................................

    referncias ................................................................................

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    Apndice A Lista de entrevistados e perfil

    profissional................................................

    Apndice B Roteiro de entrevista .........................

    Apndice C Categorias exploradas .......................

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    introduo

    No Brasil e no mundo, as incubadoras de empresas de TI apre-sentam-se como veculos de elevada proeminncia para o desen-volvimento de novas iniciativas de negcios. As incubadoras agregam,em grande parte, pequenas empresas de tecnologia que possuem emsua composio alto valor de capital humano e conhecimento embuti-dos. Elas passaram a fazer parte da agenda de economistas e cientistassociais, atribuindo-lhes um papel predominante, pois facilitam os pro-cessos de inovao dessas empresas nas economias contemporneas(BATA; BORGES; TREMBLAY, 2006).

    Ressalta-se que em Florianpolis reside a base de nossa investi-gao. Hoje existem trs incubadoras de tecnologia na cidade que for-mam o que se designa como polo de tecnologia Sappiens Park, Celtae Midi Tecnolgico , as quais mantm vnculo institucional com aUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e com a Associao

    Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores(ANPROTEC) (MIDI TECNOLGICO, 2012).

    O tema das pequenas empresas de tecnologia aparece frequen-temente na mdia local e internacional, expondo a importncia que osegmento tem conquistado. A incubadora Midi Tecnolgico est no en-calo dessas descries atribuindo o papel desejvel, como empreen-dedores de base tecnolgica, a um perl especco de prossionais em

    posio gerencial ou de comando nas novas empresas ditas exveis.

    A incubadora abriga, hoje, em mdulo residencial, 15 empre-sas. Ela foi criada em 1998 e dez anos depois recebeu o ttulo demelhor incubadora de base tecnolgica pelo Prmio Nacional deEmpreendedorismo Inovador, promovido pela ANPROTEC (MIDITECNOLGICO, 2012).

    Neste cenrio das incubadoras do mercado de TI catarinense,lanamos alguns questionamentos preliminares de pesquisa que po-

    dem ser resumidos atravs das seguintes indagaes: como se consti-tui o mercado de TI que esto inscritos? Qual o papel das incubadoras

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    neste processo e como os prossionais, gerentes de TI, analisam suavinculao com aquelas? Como estes atores sociais vivenciam o papel

    que deles demanda o mercado, isto , o de serem empreendedores einovadores no processo de produo tecnolgica? Quais as possibili-dades e os limites que eles identicam nesse mercado de TI em relao sua empregabilidade e/ou capacidade de empreender? Quais crit-rios de hierarquizao ou seleo so identicados para diferenciaros prossionais? Como so vivenciadas as experincias de emprego/trabalho num mundo em forma de rede, de projetos, de equipes, deempreendedorismo e de inovao?

    Os incubados possuem alta formao educacional, so engenhei-ros e especialistas em computao, e que supostamente teriam um altonvel de empregabilidade. Eles atuam na gesto dos processos e pes-soas, na produo de mercadorias de cunho altamente abstrato. Comeste perl laboral elitizado, a estrutura organizacional das incubadorasdeveria facilitar o seu desempenho no mercado, como prossionaisque almejam uma insero virtuosa.

    Segundo relato de um diretor da incubadora Midi Tecnolgico, a

    taxa de sucesso est em 96% para os empreendimentos desenvolvidosa partir de sua plataforma, ao passo que no mercado em geral, ou seja,entre aqueles que no passaram pelo controle e pela padronizao daincubadora, a taxa caiu para nveis alarmantemente inferiores.

    As empresas mantm-se na incubadora em mdia dois anos, po-dendo estender o prazo e car at mais 24 meses. Percebemos queessas empresas iniciantes tm na origem prpria ou familiar grande

    percentual do capital disponvel para as suas investidas no mercadode TI. Segundo Zimmerman (2006), os incubados na Celta, localizadatambm em Florianpolis, atingem o percentual de 90% de fontes pr-

    prias e familiares dos recursos disponveis aos seus empreendimentos.

    Em todas as entrevistas que efetuamos na incubadora Midi Tec-nolgico, encontramos essa mesma relao de dependncia de recur-sos nanceiros prprios e familiares na conduo de seus negcios.Esta situao se explica pela anidade que as incubadoras tm na

    aproximao das empresas no mercado de TI catarinense e do perldos candidatos que investigamos, muito prximo daquele que Zim-

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    merman (2006) relata. Dessa forma, inferimos que a proporo doconjunto dos capitais disponveis tambm para os incubados no Midi

    Tecnolgico se aproxima daquela porcentagem, a qual eles nos conr-maram em nossas entrevistas.

    Nessas entrevistas foi possvel identicar a existncia de algu-mas facilidades para obteno de empreendimentos voltados capi-talizao de suas empresas, haja vista o respaldo institucional que aincubadora oferece no mercado. medida que as empresas avanamsua maturao na incubadora, estes emprstimos so facilitados e a

    possibilidade de investidores aportarem recursos tambm algo que

    incorre nas falas de nossos entrevistados. Entretanto, encontramos emseus relatos uma diculdade ou tenso no fato de as empresas utiliza-rem desses nanciamentos, o que Zimmerman (2006) tambm registraem seu estudo sobre os incubados no Celta.

    Vericamos que os incubados, apesar de precisarem de recur-sos obtidos atravs de emprstimos, manifestam certa resistncia emtom-los, em vista da instabilidade caracterstica dos negcios nomercado de TI.

    Junto com as diculdades de se manterem e pagarem seus nan-ciamentos, eles tambm encontram problemas para gerir a empresa.Isso decorre, em grande parte, do fato de que em suas formaeseducacionais desenvolveram procincias tcnicas nas reas dasexatas, tais como engenharia e cincia da computao. No entanto,apesar da importncia dessas formaes, as procincias tcnicasabarcam somente aspectos parciais de todo o processo de criao e

    desenvolvimento de um produto de TI, j que outros aspectos, comoos administrativos, de design do produto, da prospeco de investi-dores e de novos mercados, requerem outro tipo de competncias ouqualicaes.

    Portanto, suas rotinas laborais so desaos de inovao e criati-vidade, em que eles tm de atuar com propriedade, no somente nasquestes tecnolgicas, como nas gerenciais, nos negcios e nas re-des sociais. Seu perl assim se aproxima do que Gomes (2002, p. 24)

    identica como modelo de prossional idealizado pela chamada em-pregabilidade de iniciativa.

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    Assim, esses prossionais constantemente nos relataram que su-as empresas, apesar de apresentarem aptas a se enquadrarem na esti-

    mativa de 95% de incubados que atingem sucesso, nada seriam paraeles sem o sucesso de outro avaliador implacvel: o mercado. Neste osprodutos informacionais deixariam de serem somente invenes parase transformarem em inovaes, o trabalho viraria projeto, os clientese concorrentes tornam-se parceiros, e assim por diante.

    Destaca-se dessa preocupao dos incubados em monitorar asoportunidades do mercado, as quais, no fundo, indicam mudanasqualitativas de como se d o acesso aos processos de inovao. Alm

    da pesquisa intensiva em laboratrios e grandes empresas, ressalta--se o papel de inmeras instituies, arranjos polticos, investidores,infraestrutura adequadas, universidades, e tambm das peculiares re-gionais, as quais alm de facilitar os processos de inovao apontam

    para caminhos e trajetrias singulares de desenvolvimento tecnolgi-co (GUIMARES, 2010).

    Apresenta-se, portanto, como de interesse deste livro em avaliarquais so essas condies de empreender que se apresentam satisfat-

    rias em suas percepes, ou seja, tpica do mercado de TI catarinensee das condies regionais que amparam seus pequenos negcios.

    Essa primeira aproximao do universo das TIs nos direcionarampara o estudo das rotinas de trabalho dos incubados, as quais remetem inuncia de um discurso dominante, que as apresentam como umaaventura pessoal (GOMES, 2002, p. 24). Esta marcaria uma novaexperincia do trabalho, que na esteira das discusses hegemnicas de

    liberalizao, reete novas formas de manter-se empregado; indicamtambm respostas locais aos processos de reestruturao globais que,na dcada de 1990, ganharam fora extrema. Hoje, os efeitos desse

    processo em que se reelabora a experincia do trabalho sob a gide deuma ordem exvel so preservados sob a chave das redes.

    Segundo Boltanki e Chiapello (2010), as redes ganham forma noque denominam como um mundo conexionista. Um mundo de elos,de uxos, de liderana e de projetos sempre refeitos pelas equipes nos

    espaos das empresas horizontalizadas e pela busca da valorizao da

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    empregabilidade como princpio de insero laboral ou manutenodo trabalho que lastreia essas conexes em forma de rede.

    Apresenta-se relevante trilhar o caminho da constituio de no-vos valores e prticas associados s formas de engajamento para osque se aventuram num mercado com grandes restries de entradacomo o de TI, que retm, contudo, grandes promessas nanceiras esimblicas aos que nele permanecerem.

    De um ponto de vista macroeconmico e institucional, os recen-tes desenvolvimentos de teorias neo-Schumpterianas e sociolgicasreconhecem a imbricao social dos processos de inovao. Inovar

    no signica mais algo passvel de ser somente inventado em labora-trios ou fbricas (CASTELLS, 2007; LUNDVALL, 1992).

    O que se verica como caracterstico desse novo cenrio e que sedestaca como fator importante do desenvolvimento recente do merca-do de TI brasileiro sua articulao em canais formais de produo deconhecimento cientico, tcnicos e gerenciais, como as universidadesincubadoras, parques tecnolgicos e outros mecanismos.

    Entende-se que haveria tambm nesses espaos trocas informaisde experincias e de aprendizado sobre novas prticas de gerenciamen-to, de maior acesso a novos nanciamentos (vinculo com a incubadorafacilita o acesso a editais e investidores privados) e visibilidade parasuas empresas. Espera-se com isso a expanso da participao de pe-quenas empresas na economia local e nacional, e de sua crescente parti-cipao nos processos globais de inovao relacionados ao desenvolvi-mento que a regio e o Pas vm apresentando (GUIAMARES, 2010).

    Portanto, os desaos de permanncia no mercado de TI haja vistasua alta dinamicidade ciclos curtos de inovao e altas restries deentrada e da geralmente baixa capitalizao de pequenas empresasdo segmento tem como contrapartida o respaldo da incubadora. Esta

    permitiria maior sobrevida dessas pequenas empresas, como tambmuma maior coordenao da competio entre os atores e da maior ins-titucionalizao de regras formais e informais a favor de rupturas tec-nolgicas na regio (GUIAMARES, 2010).

    A incubadora apresenta-se, em vista desse cenrio, como lugar

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    pertinente para investigarmos as formas tpicas de trabalho em pe-quenas empresas. Haja vista o pouco capital nanceiro e do papel que

    detm como gerentes com alta especializao tcnicas, o destino dasempresas que investigamos exemplicaria novos valores e prticasexveis, tpicos de um mundo em rede. Isto porque as expectativassociais neles depositadas de sucesso apresentar-se-iam como um cami-nho a todos que desejassem iniciar percursos exveis e de inovao.

    Cabe, portanto, perguntarmo-nos por que razo, para os incuba-dos, as oportunidades de sucesso e de permanncia so difceis de se-rem enunciadas quanto as melhores prticas e caminhos que se abrem

    para suas empresas e a si mesmos? Como eles mobilizam esses valo-res e prticas exveis visando sair de um patamar de baixo ou mdiograu de valor informacional de seus produtos e servios para um dealto grau almejando com isso uma insero virtuosa nesse mercado?(ROSELINO, 2006).

    Temos em considerao que estudar o destino dos incubadose as oportunidades de mercado a eles disponveis um caminho

    promissor para entendermos as recentes transformaes do merca-

    do de TI, suas bases regionais e padres de inovao relacionadosa experincia de trabalhar num segmento altamente dinmico, que

    possivelmente incorre na precarizao dessas mesmas condies detrabalho (ROSENFIELD, 2009).

    Aventamos a hiptese da necessidade de conarem no destino desuas pequenas empresas como estratgia de valorizao de suas com-

    petncias exveis. medida que suas empresas tm sucesso nesse

    mercado, essas competncias so reconhecidas como forma predomi-nante de engajamento num mercado instvel. Para tanto, suas hist-rias de trabalho so recorrentemente postas em questionamento poreles mesmos, forma encontrada de darem respostas a dinmica dessemercado; e tambm caminho que adotamos para avaliar as bases insti-tucionais de inovao da regio de Florianpolis que permitem a elesassumirem trajetrias exveis e de empreendedorismo.

    Desse modo, atribumos s novas competncias e valores de

    cunho exvel fundamento de um mundo em rede, segundo Bol-

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    tanski e Chiapello (2010) como forma de atuarem a favor das su-as pequenas empresas e avaliarem os caminhos que se abrem como

    garantias e exemplo (em suas percepes) para muitos outros em-preendedores e inovadores assumirem percursos exveis de seustrabalhos.

    O livro est dividido em cinco partes. Na primeira, apresenta-mos um panorama sobre as transformaes do mundo do trabalho e daformao identitria de novos gerentes (GRUN, 1992; LOPES-RUIZ,2007) que despontam no mundo do trabalho brasileiro. A sociologiadas prosses de Boltanski (1987) dene-os como cadres; grosso mo-

    do, diz respeito a prossionais em posio de gerencia, e que paranosso estudo elucidativo como forma de denirmos a especicidadedos empreendedores de base tecnolgica.

    Trilhar esse caminho relevante para trazemos as novas con-guraes sociais do mercado de TI que os permitem explorar as opor-tunidades abertas e das promessas de um trabalho estimulante e quereteria garantias para trabalharem a favor de suas empresas.

    A dinmica que se instala de uma experincia que far jus aomundo em rede. Justicamos, portanto, na segunda parte, nossa es-colha de trabalharmos a partir do registro terico da gramtica dascidades de Boltanski e Thevenot (2009). A partir dessa gramtica, per-corremos as mutaes que o sistema capitalista enfrentou e do papelque empreendedores detm como pivs de um mundo em rede ememergncia (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2010).

    Na terceira parte, descrevemos a gramtica da cidade por proje-

    tos como espao capaz de dar-nos acesso a um novo mundo em formade rede. Apresentamos suas linhas de fora na atualidade e do perl deempreendedores em empresas de TI. Investigamos os primeiros anosdas empresas de TI incubadas, os quais pressupomos uma mudanade postura, aps suas entradas na incubadora, sobre esses valores e ocenrio que esto inseridos reetindo nas oportunidades de mercadoa eles reservada. Nos primeiros anos de empreendimento, percebemoso interesse dos incubados em reivindicarem e construrem contextos

    de inovao, empreendedorismo e exibilizao dos percursos de tra-balho como um valor em si mesmo, que d respaldo s suas rotinas de

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    trabalho e acesso s redes como esteio moral de suas prticas exveisde trabalho (MOSSI, 2012).

    Na quarta parte, investigamos essa situao quando apresen-tamos o mercado de TI brasileiro, seguindo nossa hiptese de quehaveria a formao de um novo espao em que os empreendedoresde TI atuariam. Porque nele encontrariam oportunidades de maior

    participao, questionam a si mesmos se de fato existem garantiaspara assumirem trajetrias exveis. Desse modo, podemos avanarcom o registro de suas rotinas de trabalho, os desaos de construremvantagens ou manterem-se nesse mercado de TI e a denio de um

    produto inovador.Por m, analisamos suas rotinas de trabalho pelo que de-

    nimos, segundo Baron e Hannan (2005), como uma cultura deempresa. Nesta, encontramos seus investimentos pessoais e os de-saos das empresas, ambos convergindo a favor de prticas ditasinovadoras. Da entrada no segmento de TI at a abertura de su-as pequenas empresas, so as garantias de trabalho nosso foco, asquais destacam-se de seus relatos quando incitados a assumirem

    uma trajetria exvel de trabalho. Registramos os relatos de per-manncia visando a elaborao de suas rotinas como condizentes grandeza da cidade por projetos.

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    identidades profissionaise empregabilidade

    Hoje, um novo corpo de gerentes ganha destaque. No so somenteempresrios, muito menos prossionais liberais no sentido

    clssico do termo (LOPES-RUIZ, 2007). Eles so vistos como lideres,inovadores, couches, pessoas que sintetizam novas concepesde trabalho e vida num mundo em rede. Nesse novo mundo, elestrabalham em projetos que no dependem de burocracias e patresautoritrios e, por outro lado, atuam em empresas que se desvinculamda necessidade de apresentarem um futuro para seus empregados(BOLTANSKI; CHIAPELO, 2010).

    So as provas de que essa experincia exvel e instvel detrabalho encontra suporte que precisamos investigar, as quais: nosajudaro a reetir sobre a especicidade dos empreendedores em in-cubadoras, a posio que detm no mercado de TI e as oportunidadesque se abrem para eles.

    Veremos em nossas entrevistas as mais variadas referncias queeles mesmos trazem ao relatar suas rotinas laborais: so donos de

    negcios, trabalhadores altamente especializados, prossionais li-berais? (LOPES-RUIZ, 2007). De todo modo, eles interpretam asoportunidades de permanecer no mercado de TI na medida em quetrazem luz um discurso acerca de novas formas de qualicao

    para o trabalho, o qual visto como uma verso positiva das instabi-lidades e exibilizao das oportunidades de existncia no mercadode trabalho (ROSENFIELD, 2009).

    A partir de prerrogativas, ritmos e demandas variadas, quandonos relatam suas histrias de trabalho no mercado de TI e a relao

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    que estabelecem com suas prosses, colegas e amigos at o mo-mento em que se tornam donos de pequenas empresas, ressaltam-nos

    suas tentativas de dar sentido a um mercado altamente instvel. Por-tanto, so suas tentativas de construir uma histria positiva sobre su-as entradas no mercado de TI, que apesar de sua possvel formulaocomo discurso ideologizante, remete-nos as suas rotinas de trabalhoe a especicidade do trabalho que desenvolvem, como tambm dosdesaos de nele permanecer.

    A literatura sociolgica sobre as categorias socioprossionaisos dene como cadres (BOLTANSKI, 1987). Acreditamos que

    proveitoso deni-los provisoriamente como tal. Apesar de tersido elaborada na consolidao do mundo fordista o controle dosoramentos, das mtricas, da linha de produo, dos trabalhadores,da contabilidade, do surgimento de ferramentas gerencias que otimi-zaram a estrutura da empresa , ainda hoje apontaria para variaese deslocamento de sua pertinncia social que pretendemos explorar.

    Suas principais funes esto, por um lado, em coordenar ostrabalhadores de funo subalterna. Por outro, eles dependem de sua

    formao intelectual e de capitais familiares, nanceiros e sociaispara justicar a posio que detm no mundo do trabalho como umacompetncia para este, um valor que os permitiria ir mais longe, poisimplica no engajamento ativo de todas as esferas no favorecimentoda empresa (BOLTANSKI, 1987). Percorreremos este caminho co-mo uma maneira adequada de explicar a especicidade dos empre-endedores de base tecnolgica que estudamos.

    Nas empresas que atuam os empreendedores incubados, essa ten-so que descrevemos indica-nos a posio que se encontram no mer-cado de TI: pouco ou insuciente capital nanceiro, a necessidade decaptao de recursos, como tambm a mobilizao de trabalhadores eoutros parceiros em prol de suas empresas. O exemplo desses indiv-duos prescreveria mudanas de como trabalhar e viver na atualidade,haja vista a expectativa social de pequenas empresas terem sucesso nummercado de TI instvel e das promessas de sucesso dos que se engajam

    a favor dessas empresas assumindo percursos de trabalho exveis.Eles se veem com a responsabilidade e a misso de juntar dis-

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    positivos e pessoas em prol dos novos processos de valorizao docapital, como motivos justos, estimulantes e que apresentam garan-

    tias de sobrevivncia para as pessoas que o subscrevem e que aderemativamente aos pressupostos sociais que o fomentam (BOLTANSKI;CHIAPELLO, 2010).

    Em vista de mudanas de uma ordem ideolgica que investiga-remos neste captulo, mas tambm de demandas reais que so maisenfatizadas para esses gerentes-empreendedores, como novos valo-res e dispositivos para suas rotinas de trabalho, eles precisam mobili-zar seus subordinados para um trabalho de intenso engajamento pelo

    exemplo que faz o que fala e vive a instabilidade e dinamicidadedo mercado de TI como uma virtude (MOSSI, 2012).

    A partir da relevncia que atribumos ao papel esperado dessesprossionais-gerentes (empreendedores) no espao do trabalho, comofuncionam as demandas de engajamento para um trabalho instvel afavor de suas pequenas empresas? A partir de suas pequenas empresas,existiriam garantias percebidas de sobrevivncia e provas de que essaexibilizao pode ser apresentada como uma conveno moralmente

    compartilhada? Como eles so capazes de conciliar ritmos e deman-das sociais de outras esferas, como a famlia, as associaes de todotipo, o lazer e a amizade j que so postas, a partir desse trabalhoexvel, possivelmente colocando-as sob a situao de degradao?

    O cenrio em que esses novos empreendedores esto inscritosremete a uma condio histrica de esvaziamento do amparo socialfordista de acesso s subvenes de suporte social (carteira assinada,

    previdncia social, sade, e assistncia a vrias ordens de acidentese incapacidades), mas tambm trata de uma mudana dos valores edas prticas sociais, associados s oportunidades de vida no mercadode trabalho (CASTEL, 2004).

    Um marco importante dessas transformaes refere-se s re-estruturaes do capital nos idos dos anos 1970. Um cenrio de cri-se inacionria nos pases emergentes acompanha o dcit de su-

    primento internacional da matriz energtica de petrleo, que, entre

    outras consequncias, caracteriza-se pelo decrscimo das taxas deacumulao capitalista, resultando em novas prticas gerenciais de

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    organizao do trabalho, no sentido de aliviar os riscos inerentesnum mercado agora tambm instvel (CASTELLS, 2007).

    Tal crise se manifesta com uso de novas tecnologias que intensi-cam as formas de atividade laboral: novos padres de consumo e novasrespostas mais reativas a essas demandas no achatamento das atribui-es das grandes empresas, do uso intensivo de novas ferramentas orga-nizacionais, como o Kaban, os Isos, a Qualidade Total, as equipes de

    projetos, todas convergindo na manifestao de uma crise dita anuncia-da por sua irrevogabilidade histrica (CASTELLS, 2007).

    Portanto, interpretara-se em sua acepo dominante a inade-

    quao de um antigo modelo fordista calcado na interveno diretado Estado. Esse modelo no supriria mais esse novo estgio de de-senvolvimento em que o Estado gastaria mal e de forma inecienteseus recursos com atividades produtivas pouco vinculadas aos dese-

    jos de um novo mercado. Este alado ao pdio por sua inuncianos rumos do desenvolvimento econmico e social.

    Coriate (1994) denomina essa fase de transio de toyotismo,na qual novas tecnologias e novos padres organizacionais, de fato,so acionados. Contudo, estes caram restritos a determinados se-tores econmicos, seja por compatibilizaes de um antigo modelocom um novo modelo propalado como uma nova gesto e com clarosdirecionamentos para a economia e outras esferas de sociabilidade.

    A esse respeito, Mello e Silva (2004, p. 77) arma que [...] adimenso da qualicao fordista bastante relevante para aquilatara real ruptura da clula [especializao exvel] em relao a linha.

    Logo, em maior ou menor grau, percebe-se a referncia a um [...]patrimnio conquistado com a sociabilidade permitida pelo funcio-namento de um tipo de trabalho mais coletivo [...] no traduzido[...] necessariamente numa autonomia produtiva (2004, p. 76).

    Segundo Melo e Silva (2004), difcil reconhecermos a di-luio dos postos fordista de trabalho como fenmeno amplamentedisseminado por conta de duas razes: a primeira atestaria contra a

    prpria capacidade de produo da empresa e est representada pela

    qualicao vinculada ao posto de trabalho; j a segunda, no que

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    toca a prpria experincia cotidiana dos trabalhadores, haveria umdeslocamento desejado da qualicao dos postos para o plano pes-

    soal, o qual acarreta riscos ao tipo de vnculo com a empresa.Para o autor, sobre os riscos, para a empresa, desse desloca-

    mento mencionado ao plano individual, quanto mais a empresa fos-se dependente do posto de trabalho para a atribuio dos contedosrequeridos concepo e execuo, mais a estrutura organizacionalestaria sujeita a uma cultura da empresa, com seus ritmos e su-as demandas pautados, em parte, pelo corpo de trabalhadores. Mastambm, isso signica muito mais proativa s utuaes do merca-

    do, com os processos de gesto e mobilizao desses trabalhadores afavor dos desejos mais imediatos de seu pblico-alvo.

    Portanto, a alegada mudana desses modelos de produo parao que se convencionou chamar de uma especializao exvel no to coerente quanto a forma generalizada que apresentada. Entre-tanto, por esse termo, indicam-se novos processos com uma varieda-de de experincias sobre as lgicas de acumulao que hoje estariamem andamento, as quais dependem de novas tecnologias a favor das

    empresas e de sua organizao interna, como tambm da relao queestas mantm com clientes e fornecedores, formando uma nova con-gurao dita em rede (CASTELLS, 2007).

    Alguns autores, como Grun (1992), no negam que estamospresenciando mudanas qualitativas e sem precedentes no mundo dotrabalho, como as acima mencionadas. Entretanto, para este autor,essas transformaes so marcadas pelo fato de que as empresas e as

    pessoas se veem obrigadas e estimuladas a buscar a instabilidade co-mo uma virtude, na verdade uma conveno cognitiva, em que ummundo industrial, tpico da era fordista, supostamente se esfacelaria:

    prever e coordenar as hierarquias e o comandado, como tambm, e,principalmente, os postos de trabalho no sentido de uma qualicaocorrespondente no fariam mais sentido hoje.

    Logo, estaramos diante de um padro dito rgido de produo,em que as linhas de montagem, a xao de tarefas e a posio ocu-

    pada cederiam lugar a um modo exvel de acumulao, de empre-

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    sas proativas s demandas do mercado e em sintonia com seus pro-cessos internos de produo a partir de uma valorizao de atributos

    pessoais, alm da especializao tcnica. (BRANDO, 2008).Essa nova situao recobra, sobre as novas oportunidades de

    trabalho mais valorizadas e intelectualizadas, um tensionamento dasexpectativas da classe mdia que o atualiza como discurso hegemni-co condizente a este cenrio de exibilizao, porque no encontrariamais os dispositivos e valores tpicos da era fordista e da sociedade sa-larial. Sob esse ponto de vista, o mrito e as oportunidades de trabalhoso tensionados naquilo de mais caro a este estrato social: naturaliza-

    -se a exibilizao porque dicilmente haveria uma correspondncia,hoje, entre a ascenso nos degraus das empresas com a formao emnvel superior e inscritas nas prosses liberais clssicas.

    Visto por este ngulo, a atualizao desse discurso hegemnicosobre as formas de qualicar-se para o trabalho associa a capacidadetcnica das prosses liberais a um saber ser tpico das classes m-dias. Este saber ser agora demandado para toda a sociedade co-mo soluo a uma suposta incapacidade de inovar e engendrar novas

    e constantes associaes num mercado feito de redes e exibilizaodos laos sociais (GRUN, 1992).

    Segundo Brando (2008, p. 48-49), os estudos do IPEA apon-tam que os processos de inovao, em grandes empresas correspon-dem a 1,7% do universo pesquisado, [...] mas detm um quarto dosganhos e geram 13,2% dos empregos. Nessas empresas, segundoo estudo, gera-se mais inovao e [...] postos de trabalho de maior

    qualidade, pois empregam mo de obra mais qualicada, melhor re-munerada e com mais estabilidade no emprego.

    Em vista dessas consideraes, podemos apresentar um panora-ma das transformaes em curso no mundo do trabalho e do papelreservado s pequenas empresas de TI, coordenado pelos empreende-dores incubados que estudamos. Quais so os reais contornos sobreas oportunidades de existncia para eles num mercado de trabalho al-tamente instvel? Para esta pesquisa, que busca estudar os primeiros

    anos de empresas nascentes de TI, esses impasses apontam para os

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    desaos de permanecer no mercado e na relevncia que essas peque-nas empresas tem para melhor denio desse mercado como um fe-

    nmeno recente e pouco estudado pela literatura (ROSELINO, 2006).Dessa forma, colocamos a seguinte questo como horizonte de

    ao para os novos empreendedores que esto surgindo nesse mer-cado de TI: estamos diante de um mercado em que se abre um novo

    papel para as pequenas empresas, as quais desempenhariam papelnmo na lgica global de acumulao na atualidade, mas indispen-svel para a formao de um mercado que possa competir e estimu-lar processos perenes de inovao?

    Esse o cenrio que Roselino (2006) discorre quando se tratadas novas e pequenas empresas de TI. O interesse estatal em polti-cas para o setor apontaria para a ampliao da margem de atuaodessas empresas que j compem 1/3 da produo em softwaredoPas. Ademais, a denio de um novo mercado de TI, principalmen-te na dcada de 2000, dependeria de como atuariam essas empresase do papel que desempenham, e tambm das oportunidades e dosvalores associados permanncia de executivos e prossionais de

    alto gabarito e alta formao escolar nesse mercado.Dessa forma, por este caminho que precisamos percorrer no de-

    correr deste livro, poderemos avaliar como os atributos da ordem deum saber ser exibilidade e proatividade aliadas a competnciastcnicas so demandados pelas empresas e aceitas como razes para oengajamento a favor de novos processos produtivos, mas tambm comomaneira de avaliar as oportunidades de emprego num mercado instvel.

    Retomando os caminhos que atualmente se apresentam como de-mandas hegemnicas para o trabalho, mas tambm os valores e pres-supostos que condicionariam sua aceitao e utilizao como recursomoralmente compartilhado para avaliar as oportunidades diferenciaisde mercado, temos a emergncia do termo empregabilidade. O ter-mo ressurgiu nas ltimas dcadas, sob novas lentes, em oposio aomodelo das qualicaes, regulamentado e negociado coletivamente.

    Registra-se, nesse rastro, sua emergncia como termo inuente

    para avaliar, nesse novo cenrio, conforme cunhado por Dubar (1994

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    apud Gomes, 2002, p. 4), a condio atual de um [...] modelo das no-vas competncias. Enfatiza-se a empregabilidade como concepo das

    relaes de trabalho, que valorizam o empreendimento, o contrato in-dividual de trabalho e o compromisso com uma mobilizao pessoal.

    O modelo das novas competncias surgira do questionamento deuma concepo de qualicao que muitos denominaram como buro-crtica porque fora [...] previamente adquirida e sancionada por umdiploma, dando direito ao recrutamento num nvel de classicao (esalrio) correspondente ao nvel do diploma (DUBAR, 2009, p. 134).

    Dessa forma, esse novo modelo de competncia dependeu, alm

    de transformaes em nvel ideolgico e das reestruturaes do sis-tema capitalista, a partir dos anos 1980, da [...] contribuio dosassalariados aos processos de racionalizao e exibilizao, bene-ciando diretamente as empresas (DUBAR, 2009, p. 134). Estas ava-liariam as contribuies possveis dos demandantes de emprego j norecrutamento, desenvolvendo-as no trabalho rotineiro e no reconheci-mento pelo salrio e por uma promessa de carreira. Entretanto, essascontribuies a favor das empresas aliadas a seu progressivo enxuga-

    mento, a uma alta rotatividade dos quadros, instabilidade dos mer-cados e a uma demanda proativa e horizontal a favor do consumidoracirram ainda mais os processos de racionalizao do trabalho.

    Avanando nesses impasses sobre a real pertinncia do mode-lo das novas competncias para a denio das oportunidades nomercado de trabalho, podemos considerar, juntamente com Gomes(2002), que ele capaz de construir uma verso que acampa essas

    inmeras transformaes sobre as formas de identicao, de umadesestabilizao dos princpios de integrao social, [...] da expan-so de ideologias individualistas e da valorizao da agncia indivi-dual e do indivduo reexivo (GOMES, 2002, p. 41).

    Dessa forma, quando assumimos a variedade de experinciaslaborais mesmo nesse cenrio de exibilizao dos percursos da he-gemonia de ideologias individualistas posicionamo-nos a favor da

    possibilidade de darmo-nos conta dos diversos ritmos e intensidades

    do trabalho, das desigualdades quanto s habilidades, dos comporta-

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    mentos que dependem de um capital social especco e dostatusquedeteriam em sua comunidade de pertencimento (GOMES, 2002).

    Para tanto, essa verso hegemnica remete a outras verses,as quais so socialmente construdas sobre a natureza e o alcanceda realidade social, especialmente das oportunidades disponveis detrabalho. Essas outras verses dependem da capacidade crtica dosatores em organizarem e darem sentido sua existncia, que, am-

    parada em processos de encaixes locais e articulados a experinciasglobais, desloca e ressignica esses novos componentes de cunhoideolgicos e da exibilizao dos percursos de trabalho como ele-

    mentos inseridos em suas rotinas laborais.Nossa inteno neste momento , em vista desse grande pano-

    rama sobre as mudanas no mundo do trabalho, avaliar como so de-senvolvidas as estratgias de sobrevivncia num mercado de grandeinstabilidade. Destaca-se dessa interrogao as maneiras como se ma-nifestam a precarizao e tensionamento dos vnculos empregatcios.Por um lado, com esta ltima ideia no entendemos somente um pro-cesso de excluso que esses empreendedores do setor de TI podem es-

    tar sujeitos, o que de fato vem acontecendo com aumento da carga detrabalho e menores chances de segurana nas empresas em que atuam.

    Por outro lado, ao mantermos nosso olhar sensvel para as novasprticas de trabalho dos empreendedores incubados, reetimos sobreuma expectativa social de que desempenhem a favor de suas empresas,e dessa forma apresentando a todos, supostamente, os caminhos dis-

    ponveis para um trabalho exvel. Sob um novo mundo conexionista,

    novas formas de engajamento valorizadas para esse trabalho pedemque avancemos para as especicidades empricas que dizem respeitos iniciativas dos empreendedores em incubadoras de tecnologia.

    Portanto, em seguida, focaremos nosso olhar para as transfor-maes que apontam para a capacidade desses empreendedores emavaliarem as oportunidades de mercado e de como interferem ouso conduzidos a produzir acordos sobre a validade da qualicao

    para o trabalho. As transformaes sobre essas oportunidades de

    mercado, sejam materiais ou simblicas, apontam para novos pro-

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    cessos organizacionais e para demandas de engajamento ativo deum empreendedorismo de si mesmo, de projetos que sucedem outros

    projetos, de equipes e uxos em oposio empresa hierrquica, deatividades em oposio ao trabalho, ganhando cada vez mais legiti-midade material e simblica para quem quiser se manter empregado.

    1.1 discursos sobre a empregabilidade

    Descrevemos, no captulo anterior, de onde partem um novo tipode gerente altamente escolarizado e gabaritado em prestigiosos crcu-los sociais e culturais. Para ns, eles compartilham desses atributostambm, porm melhor enquadram-se como empreendedores que atu-am no mercado de TI. So mudanas reais do mundo do trabalho queos afetam e os demandam a se engajarem ativamente nas empresas emque atuam. Ademais, trata-se de um engajamento ativo que implicaem reconhecermos mudanas em nvel ideolgico, as quais do res-

    paldo cotidianamente para suas atividades laborais a favor de novosvalores e dispositivos exveis tpicos de um mundo em rede.

    Nesse cenrio, as promessas de trabalho mais instigantes ca-riam restritas queles que aderem ativamente aos pressupostos dessanova ideologia de trabalho. Isso porque, num mundo em rede, su-

    postamente se reproduzem e se recriam novas formas exveis deestabelecer os vnculos laborais a favor das empresas em que atuam.

    Portanto, para os empreendedores incubados que estudamos, arede assume total relevncia para as rotinas de trabalho. Isso se deve

    ao fato de suas competncias tcnicas serem o pressuposto para aao nessa rede, que busca encontrar as conexes altamente com-

    plexas e de consequncias impremeditadas porque dependem da atu-ao desses conhecimentos tcnicos e relacionais a favor das suasempresas e dos produtos que desenvolvem.

    Sua atuao como empreendedores com alta formao educa-cional e abundante capital social ganha sentido quando surgem pro-

    blemas tcnicos no processo de funcionamento das empresas, como

    tambm problemas gerenciais e de posicionamento das empresas

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    num mercado em que clientes, parceiros, instituies, governos econcorrentes perdem seu estatuto clssico de entidades de papis

    tambm delimitados. Todos eles diluiriam a relao meramente mer-cadolgica, apontando para a relevncia de posicionarem-se nas re-des. Estas revelariam novas maneiras, sempre refeitas, de organizaro trabalho e de selecionar os elos capazes de atingir espaos cada vezmais distantes a favor de suas empresas.

    Em vista da necessidade dos incubados trabalharem sob a di-menso de projetos, sempre refeitos ao sabor de novas competn-cias e da necessidade de atenderem a clientes diversos, tornam-se

    protagonistas na denio do destino dos contedos, das funes eutilidades do produto.

    Entretanto, nessas empresas e no mercado de TI encontramosempreendedores, inovadores, lideres, couches, consultores etc. quesimbolizam os elementos mais estimados de um mundo em rede destacando as marcas de seus desaos em nele permanecer. Essasmarcas so resultados das inmeras situaes de tenso em formularum trabalho de intenso engajamento, o que demanda traos estimu-

    lantes e garantias de sobrevivncia a favor de suas rotinas de traba-lho no segmento de TI.

    Logo, novas competncias so demandadas pelas empresas,mas no como uma relao instrumental de um empreendimento desi mesmo, a qual resultaria na aceitao da exibilizao irrestrita deseus percursos laborais como uma virtude pessoal e que daria con-tornos s redes em que estariam inseridos (NEVES, 2011). Alm do

    mais, o resultado de suas aes a favor das empresas em que atuamno premeditado ou restrito numa lgica em que suas competn-cias visariam somente as melhores alternativas desse mercado de TI.

    Os empreendedores de base tecnolgica tm capital intelectuale familiar em abundncia, mas no tem o capital nanceiro sucientepara implementarem seus negcios inovadores. Ademais, os cicloscurtos de inovao tpico dos produtos e servios em desenvolvi-mento nesse segmento e as altas somas de recursos para implemen-

    tarem inovaes radicais diculta ainda mais suas permanncias e

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    estratgias de sucesso (ROSELINO, 2006 ). Existiria, como hiptesede pesquisa, mesmo neste cenrio, uma margem para controlar ou

    reter uma parte nma dos processos de valorizao de seus produtosem vias de se tornar inovador?

    Se armativo, e somente dessa forma, eles agiriam a favor desuas pequenas empresas incubadas como empreendedores de si mes-mos. Isso se daria, contudo, na medida em que o exemplo de sucessodaqueles que inovaram contribua com a necessidade de outros pro-ssionais em posio de gerncia empreendedores corroborarem

    pelas suas experincias rotineiras de trabalho o uso de novos dispo-

    sitivos organizacionais e de novas competncias da ordem de umsaber ser tpico de um mundo em redes.

    Dessa forma, as experincias laborais desses inovadores seriamapresentadas como as mais adequadas s situaes de precarizao etenso em relao s suas rotinas de trabalho. O caminho que encon-tramos para avaliar como se d essa experincia dos que ainda noinovaram, enfatizando-se, portanto, a experincia de exibilizaode seus percursos laborais, dos projetos, das equipes e da empresa

    enxuta, foi de recorrer as polmicas ou disputas suscitadas pelos pr-prios incubados para sua formulao como realidade social (BOL-TANSKI; CHIAPELLO, 2010).

    Essas polmicas esto longe de qualquer referncia a uma l-gica da violncia que os atores estariam subjugados. Elas os ins-crevem numa lgica situacional da ao social em que suas capa-cidades de dar sentido s suas rotinas de trabalho dependem das

    provas que desenvolvem e as garantias para assumir uma trajetriaexvel, as quais rendero reconhecimento do papel que desempe-nham, mas tambm que resultar em produtos aceitos pelo mercado(BOLTANSKI; THEVENOT, 2009). Dessa forma, os componentesde uma trajetria instvel ganhariam contornos sob sua condio de

    preceitos morais, os quais devem nos permitir um acesso s in-meras experincias prossionais que encontramos a favor de suasrotinas de trabalho e das competncias demandas para os negcios

    que esto desenvolvendo.

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    Portanto, juntamente com Boltanski e Chiapello (2010), refe-rimo-nos capacidade crtica dos empreendedores avaliarem as di-

    culdades e os desaos de seus trabalhos e negcios nos primeirosanos como empresas, que num determinando ponto de suas trajet-rias acabaram sendo incubadas. Nossa anlise ressalta a dimenso deum bom trabalho (MOSSI, 2012, p.14), de percursos de trabalho

    polivalentes e exveis, haja vista a necessidade de apresent-los co-mo uma experincia estimulante e moralmente compartilhada.

    Como empresas iniciantes, com pouco capital e com prossio-nais nas reas tcnicas e de engenharia operacionalizam esses valores

    exveis? Ressaltam-se as capacidades relativas dos entrevistadosem avaliar as oportunidades do mercado de TI e nele desenvolveremhistrias de sucesso, de exibilizao de seus percursos como umavirtude capaz de dar respostas as instabilidades e das promessas desucesso a eles restrita.

    Quando nossos entrevistados encontram-se possivelmente emmomentos de ruptura dos laos sociais, justicativas surgem para oengajamento ativo do trabalho. Dessa forma, remetemos a capacida-

    de diferencial de construir um relato que vence, que aceita a insta-bilidade, etc. No porque precisam somente apresentar uma imagemcoesa de sua histria laboral para si e para os outros. Eles dialogamcom as incertezas e promessas desse mercado de TI e acionam todasas esferas sociais como recursos materiais e simblicos a favor deum mundo em rede e exvel.

    Estas esferas funcionariam como investimentos que dis-

    cutiremos no captulo seguinte e apresentam-se em razes paravencerem, mas tambm para persistirem e, quem sabe, encontrar emaximizar oportunidades de mercado cada vez mais raras. Nessemomento em que do respostas as polmicas que eles mesmos susci-tam sobre suas histrias de trabalho, inscrev-las num mundo cone-xionista que desejamos descrever a partir de suas rotinas de trabalho.

    As discusses apontam para uma aguda sensibilidade por partedesses prossionais para formas singulares de organizao da em-

    presa: uma cultura de empresa, que os permitem avaliar as oportu-

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    nidades nesse mercado condizente com as possibilidades reais deproduzirem um produto inovador.

    Para esse mundo conexionista ser estimulante, ou seja, para en-gajar esses novos gerentes a favor de suas empresas, eles precisamencontrar garantias para a sobrevivncia. Portanto, de interesseavaliar o que signica esse bom trabalho que mencionamos, nos

    primeiros anos das empresas incubadas, haja vista ser um objetivoalmejado por nossos entrevistados no que toca a dimenso moralde suas rotinas de trabalho e da necessidade de atriburem sentido instabilidade a que esto sujeitos.

    1.2 pequenas empresas num mundo conexionista

    O interesse em pesquisarmos pequenas empresas que esto in-seridas no mercado de TI est por sua entrada privilegiada nas trans-formaes descritas. Agora, as empresas e os indivduos buscamuma posio nas redes sempre ampliadas por seus elos que cruzam

    e modicam todos os caminhos por onde se cria uma conexo, e quetambm implica todos como coadjuvantes para a conduo das mer-cadorias a um novo patamar de valorizao.

    Essa situao ressalta-nos novas transformaes do mundo dotrabalho sob a forma do empreendedorismo de si, a iniciativa, a e-xibilidade, a instabilidade. Se assumirmos como verdadeiro que estenovo repertrio de valores e prticas para o trabalho permitiram equa-cionar parcialmente os problemas gerenciais e organizacionais emface de um novo mercado mais exigente, implica tambm em reco-nhecermos o papel que detiveram como novas ideologias do trabalhoelaboradas sob a forma de um mundo em rede (BOLTASNKI; CHIA-PELLO, 2010). Dessa forma, essas novas ideologias avanam com asdemandas dos atores sociais em resolver problemas tanto da ordem

    produtiva como do reconhecimento do trabalho que desenvolvem.

    Essa situao remete a uma discusso importante sobre o signi-

    cado da ideia de exibilizao. Por um lado, referem-se aos proces-sos de reestruturao em mbito interno e externo a empresa. Com

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    aquela so as mudanas nas estruturas hierrquicas e a exigncia decerta dose de polivalncia nas qualicaes dos trabalhadores vi-

    sando, evidentemente, enxugamento de nveis hierrquicos nas ati-vidades da empresa, como tambm maior comprometimento com asdemandas da empresa vistas como um benecio individual: negocia-es individuais, metas da empresa, banco de horrios, trabalho emdomicilio. No mbito externo so as terceirizaes e subcontrataesque permitem o equacionamento das nanas da empresa com maior

    possibilidade de poupar trabalho remunerando menos internamente(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2010).

    Por outro lado, o que se vislumbra com esta discusso porsinal, longe de ser consensual visto a amplitude de suas indagaes so situaes ambivalentes quanto os caminhos de como dar sentidoatualmente a essa experincia de exibilizao, a qual, muito for-osamente, armamos juntamente com Roseneld (2009) ser vista

    por uma dimenso positiva. Isto por que haveria supostamente umamaior autonomia a favor de trabalhos que seriam mais intelectua-lizados ou pautados por uma maior interao com os processos de

    criao dos produtos e servios em TI.No se trata de uma defesa ou apologia deste novo momen-

    to histrico, e sim, na necessidade colocada de ver nas capacidadesrelativas dos incubados em encontrar oportunidades de se estabe-lecerem no mercado de TI e como veremos das subjetividadesinvestidas nas empresas em que atuam como forma de atriburemsentido ao trabalho com suas especicidades e demandas prprias.

    Reetimos a partir do argumento de Lopes-Ruiz (2007) quearma, sobre esse novo mundo conexionista, o papel de destaquedos novos executivos-empreendedores que despontam em grandesempresas e segmentos de ponta espaos de socializao e produoaltamente elitizados do mundo do trabalho. Eles desenvolveriamcom argumentos os recursos simblicos mais pertinentes para exe-cutar esse papel esperado, qual seja, de como melhor avaliar as opor-tunidades de mercado vistas, agora, como anlogas a sua prpria

    experincia social como sujeitos responsveis por difundir peloexemplo de suas atividades exveis a inmeros extratos as boas

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    novas de como viver de forma virtuosa num capitalismo em rede.

    Lopes-Ruiz (2007) traz-nos o exemplo da teoria do capital

    humano, o qual indicara novas mutaes em curso sobre as novasformas de engajamento para o trabalho exvel. Uma das consequ-ncias de sua elaborao terica fora a de formalizar, no mbito dateoria econmica, uma nova tica de trabalho amparada em aspectossubjetivos vida humana; agora, vistos como um investimento em simesmo, capital transformado em preceitos relacionais e competn-cias tcnicas de como melhor atingir os resultados dentro e fora dasempresas: a empregabilidade tendo m em si mesmo. O autor deno-

    mina essa nova tica para o trabalho como tica empresarial.Segue que o mercado de TI o lugar onde encontramos o uso

    primoroso do capital humano dos empreendedores de base tecno-lgica, revestido em saberes de todos os tipos (iniciativa, exibili-zao dos percursos de trabalho, polivalncia), os quais so aceitoscomo preceitos morais medida que acrescentam valor s empresasem que atuam.

    Ento a pessoa que tem essa inovao eu acredito que meio gentico uma coisa que t meio no sangue co con-tente eu no me vejo trabalhando em um banco por exemplofazendo mesmas coisas todos os dias, ento aquele bichi-nho, esse vrus que ta dentro de voc, que te coa pra fazeroutra coisa, esse vrus pegou e .... eu sai do emprego e `vocvai comear uma empresa. Comecei uma empresa essa em-

    presa no deu certo faliu, voltei a trabalhar no comrcio ai

    acabou j ta com vrus dentro de ti ento tu no vai mais.(entrevistado 4)

    Estes saberes se tornam valiosos dado o ambiente muito com-petitivo e restritivo desse mercado, j que as pequenas empresasencontram poucas possibilidades de sucesso em que predominamgrandes empresas capazes de investir pesadamente em inovaes ra-dicais. Situao de presso que se refora diante da nanceirizaodas estratgias organizacionais e do monitoramento dessas ativida-des pela ao dos interesses dos acionistas (FLIGSTEIN, 2005).

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    Essa situao apresenta-se bastante predominante, caso as pe-quenas empresas adquiram certa notoriedade por seus produtos e

    alavanquem o interesse de investidores, normalmente grandes em-presas, mas tambm de inmeros parceiros, cliente e principalmentede seus trabalhadores para manterem sua posio no mercado e/ouaumentarem o escopo de seus negcios (BARON; HANNAN, 2005).

    No que diz respeito ao processo inovativo como uma experin-cia marcadamente social, as estratgias demarketingde um incuba-do seguem o rastro de um tipo de discurso eminentemente domsti-co, em que a ideia de tradio dos produtos oferecidos no mercado

    se destaca. Para tanto, o constante aprimoramento das funes doproduto tecnolgico aparentemente no entram em contradiocom esse principio domstico dando relevo a um valor estimado econdizente com um princpio em que as redes devem predominar.Podemos, portanto, perceber na entrevista abaixo o uso efetivo doscapitais-destrezas como valores morais aceitos na medida em quevalorizam a empresa e suas empregabilidades.

    O processo de desenvolvimento constante. Temos sites,participamos de congressos, estamos em mdias especializa-das porque nosso pblico demanda essa relao. A empresacomeou a pouco tempo, as dvidas e o patamar em que aempresa est, no importa outra coisa a no ser captar recur-sos. Apresentei um produto novo para o mercado, mas noinventei a roda. Agrego valor na relao que tenho com asempresas no dia a dia. Hoje, preciso de um grande galpo ealguns instrumentos de grande porte que permitiro avanarcom a empresa. Um grande investidor t aparecendo ai... Eno foi pela incubadora que consegui esse contato. O deta-lhe apresentar ao mercado uma soluo que j existe, mas

    que no tem cliente. O resto marcar presena e recebercrdito pela histria que estou construindo com meu scio.(entrevistado 5, grifos nossos).

    Nota-se a necessidade posta pelos que se engajam ativamente a

    favor dos projetos, da instabilidade, da aventura e dos contatos sem-

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    pre ricos em informao como uma grandeza, como um bem-comume que d forma s redes. Existe, paradoxalmente, uma diculdade

    de quanticar para eles mesmos essa dimenso subjetiva do engaja-mento ativo o detalhe apresentar ao mercado uma soluo quej existe, mas que no tem cliente para que possam se apresentarcomo provas de que o trabalho resultar na construo de um mundoconexionista e em inovao a favor de suas empresas.

    A referncia ao capital humano ou capital-destreza importanteporque so as capacidades gerenciais de avaliar as oportunidades demercado que se destacam. Elas avanam e espraiam-se no terreno

    social e permitem associar atributos subjetivos dos executivos/em-preendedores a favor de seus percursos exveis que dessa formaos responsabilizam pelo fracasso e das empresas em que atuam.

    O resultado esperado tambm dessa relao, que vimos no re-lato anterior, est em associar a mobilidade no mercado de trabalhoe a uma responsabilizao sobre seu destino, o que pressupe a ca-

    pacidade de sempre aumentar a novos patamares as oportunidadesde mercado, mas tambm de laos sociais num ambiente feito de

    conexes sempre refeitas.Para Lopes-Ruiz (2007), o capital-destreza se refere a uma busca

    incessante de valorizao dos aspectos humanos como mercadoria, quetransformam a experincia de trabalho tambm numa busca incessan-te por emprego. Entretanto, quando avaliamos as histrias de trabalhodos incubados num mercado altamente instvel e que depende dessesmesmos capitais humanos para avaliarmos oportunidades que lhes so

    guardadas vemos que elas j estariam solucionadas como um dilemamoral de um mundo feito de conexes em forma de rede: aqui as pesso-as sabem que [...] no existe uma innidade de solues para controlaro incontornvel (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2010, p. 110).

    Logo, o mundo conexionista despontaria como um novo espaosocial em que esse discurso hegemnico encontra ensejo para suasustentao, justicando as prticas sociais dos atores dispostos a seengajarem de forma exvel em seus percursos de trabalho.

    O resultado impremeditado dessa ao a favor de dispositivos

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    e valores exveis aponta para um novo esprito do capitalismo queest em vias de se consolidar na atualidade (BOLTANSKI; CHIA-

    PELLO, 2010). Indica tambm que essa situao ganha importnciapara os empreendedores incubados como um processo de encaixe(seguindo a terminologia de Giddens) de noes sintetizadas nummundo conexionista, as quais fundamentam as novas prticas e va-lores exveis em curso.

    A partir de Lopes-Ruiz (2007), o novo capitalismo que est viasde se consolidar apresenta-se como um discurso dominante, e de-manda desses expoentes num mundo em redes que se desenvolva

    uma relao empresarial sobre si mesmos no mercado de trabalho.De todo modo, essa relao empresarial signica, tambm, que areferncia ao engajamento exvel dos percursos prossionais apre-senta-se indispensvel aos incubados como maneira de soluciona-rem os problemas de gerenciamento e de perceberem as oportunida-des disponveis no mercado de TI.

    Ademais, os desaos de conciliar os interesses da empresa emque atuam e dos saberes relacionais na forma da exibilizao de

    seus percursos redobram a necessidade de compatibilizarem esferassociais, como a familiar, tempos de lazer e outros espaos sociais afavor da empresa. A linguagem que os permitem acionar esse me-canismo de desencaixe ou de provas de que suas rotinas so moral-mente compartilhadas a da gramtica por projeto (BOLTANSKI;CHIAPELLO, 2010).

    A nfase de nosso argumento est no momento1onde interesses

    de diversas arenas do social convergem, haja vista a necessidadede percebermos como empreendedores que despontam e constroemsuas histrias de trabalho exveis respondem as indagaes que

    1No captulo seguinte avanaremos com a discusso sobre a gramtica das cidades deBoltanski e Thenevont (2009). Basta reiteramos que a funo predominante desta te-oria est no estudo da formulao de indagaes ordinrias sobre justia, ou seja, dasrelaes de sentido em construo no ato quando so perguntadas questes do tipocomo deveria as coisas funcionarem do jeito esperado?; soma-se a isso a elaboraode respostas sujeitas a indagaes do tipo voc cumpriu o papel que te era esperado?.

    Essas indagaes so exemplos de questes ordinrias sobre as injunes que pesam nadenio de relaes justicadas, por que, exatamente, so vistas como justas.

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    so suscitadas e permitem a eles e a ns perguntar: anal, como soapresentadas e como funcionam as expectativas de adequarem-se a

    um trabalho de intenso engajamento nas suas pequenas empresas, decondies muitas vezes precrias, porm vistas como estimulantes uma aventura que promete muitas inovaes e dividendos?

    Percebemos que, nos primeiros anos das pequenas empresas in-cubadas, o engajamento ativo desses empreendedores demanda umaespcie de vnculo com as empresas em que atuam, o qual mais bemdescrito e materializado pelas competncias e os capitais-destrezas quedetm. Dessa forma, quando estas so postas em uso a favor de suas

    empresas e de suas empregabilidades, apresentam-lhes garantias para aao e o planejamento nesse mercado mesmo que a curtssimo prazo,

    j que na maioria das vezes nos fora relatado que estavam no verme-lho ou sem uxo de caixa. Deduzimos que as reais oportunidades demercado para seus negcios e suas empregabilidades vm dessa espe-cicidade de suas experincias de trabalho no mercado de TI.

    Essa situao os orienta a adotar estratgias de crescimentoespeccas e a atentar para a necessidade de valorizarem o que de-

    nominamos, a partir de Baron e Hannan (2005), uma cultura de em-presa a ideia que fazem do trabalho exvel e as oportunidades depermanecer no mercado. Essa noo de cultura de empresa torna-seimportante para avaliarmos um sentido de continuidade e estabilida-de ao trabalho que desenvolvem a favor das rotinas de trabalho decunho inovativo.

    Dessa forma, podemos problematizar por que a relao que de-

    tm com os processos rotineiros de produo no segmento de TIapresentam-se a eles indispensvel no sentido tanto da ideia de umtrabalho pautado por atividades de mediao, ou seja, o que fazem visto pela capacidade de criar elos exveis e, portanto, voltados

    para as necessidades dos processos de inovao. Em consequnciadesse ponto de vista, elaboram suas histrias de trabalho como umaaventura pessoal e pautada por uma noo exvel dos elementosque compem suas biograas (MOSSI, 2012).

    O que encontramos foram empresas que assumem, muitas ve-zes, uma trajetria especca nesse mercado em que minar a cultura

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    de empresa por em risco sua participao no mercado de TI. Lo-go, nas empresas que investigamos, esses indivduos so impelidos

    a conarem em suas empresas e nas suas trajetrias de trabalho ins-tvel como uma virtude, um emblema de como fazer conexes. En-tretanto, para Neves (2010), as oportunidades restritas a esses novosgerentes-empreendedores podem no coadunar [...] com o perlnecessrio para trilhar uma carreira autodirigida (p. 31).

    Dessa forma, entendemos que se intensica a relao que detmcom os poucos recursos disponveis e o saber ser (seus capitais hu-manos) incorporados em programadores lderes e scios-donos es-

    pecialistas nas empresas de TI e tambm das estratgias que adotamde crescimento e manuteno nesse mercado.

    Portanto, para eles ca bastante presente a nfase na ideia deuma cultura de empresa como espao de expresso das atividadesde suas competncias sociais e tcnicas. A ideia de uma cultura deempresa aponta tambm para o que percebemos como uma relaomuitas vezes imediata entre a ideia que fazem do futuro de suas em-

    presas como suas permanncias nesse mercado instvel.

    Essa experincia imediata, e que exvel, est em funo des-se espao de atuao que so as empresas em que atuam. Eles pre-cisam conar nelas e desenvolver atividades na forma de empreen-dedorismo de si mesmo seja a favor dessas empresas como a favorde suas empregabilidades. A respeito dos investimentos iniciais eda forma que se inserem nas malhas desse mercado de TI, temos oseguinte relato:

    Ento, o que aconteceu nessa empresa: a gente tinha umaparceira com duas empresas, na verdade, uma empresa del e uma aqui de Florianpolis. A, nisso, uma pessoa de lacabou cortando a parceria com a outra empresa... acabeime demitindo. S que no outro dia o cara da Ilab ligou pramim, disseram que iam continuar o projeto, se eu tava am.A comecei a trabalhar com ele l, e em questo de um anoa gente j tinha uma coisa bem desenvolvida e a eles volta-

    ram pra Florianpolis. L era uma lial e a sede aqui. En-to o pessoal que tava vinculado naquela lial veio pra Flo-

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    rianpolis, eu vim junto em 2005. A vim pra Floripa, gosteidemais, continuei trabalhando com eles. (entrevistado 9)

    Com outro incubado, temos o seguinte relato:

    Eu estava na empresa Z, Joo e Marcos trabalhavam l... NaZ, a gente tinha umas dez pessoas. Na verdade, eu vi os doiscasos, os dois melhores que estavam l, tanto tecnicamentequanto pessoalmente. Conversei com os caras e falei vousair, vou fazer isso daqui, vocs topam? Eu preciso da ajudade vocs tambm. Da eles falaram: vamos botar pra fren-

    te isso da. A tem mais duas pessoas que na verdade someus cunhados, so meus amigos e eles so da rea. Um o Fulano, ele fez doutorado na Sua, ento ele scio [...]Ento, assim, a maior parte so pessoas que ou trabalharamcomigo ou tem algum vnculo passado, assim. Eu estou sen-do muito seletivo , porque a gente no pode ter uma equipemuito grandiosa. A gente tenta conhecer bem quem a gentet trabalhando; pessoas que tenham um nvel tico e quevistam a camisa da empresa.(entrevistado 1)

    Com outro incubado, temos a seguinte declarao:

    Gabriel:Vestir a camisa da empresa signica estar traba-lhando dentro dessa cultura e tal, dentro dessa...

    Entrevistado 2:, vestir a camisa, trabalhar at mais tarde,saber que podia t ganhando mais l fora, mas que bota f

    que isso vai pra frente, pretende adotar uma participaomaior onde esto mais engajados na empresa.

    Com o mesmo entrevistado, temos o seguinte relato do incioda empresa e da relao que tiveram com outras empresas para odesenvolvimento de seu produto no ramo das TI:

    no comeo foi timo porque proporcionou gente grandes

    projetos, um faturamento alm do que agente podia ter como servio, o produto, proporcionou maturidade, proporcio-

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    nou muitas coisas em todos os aspectos. A partir do momen-to que voc vai ganhando um pouco mais de histrico deempresa, mais autonomia, mais cliente, ento voc conse-gue se posicionar melhor.(entrevistado 2)

    Em vista dessas consideraes, cam mais claros quais so osvalores e as percepes sobre as oportunidades de mercado e o quesignica inovar. Haja vista o alto capital intelectual, nanceiro e so-cial que lhes so demandados para continuar inseridos no mercadode TI, suas rotinas de trabalho so caracteristicamente dinmicas e

    possivelmente fonte de tenso e sofrimento para a execuo e plane-jamento das tarefas organizacionais e desenvolvimento dos produ-tos. Como funciona essa relao nos primeiros anos da empresa paraa elaborao de um conjunto de contedos, dispositivos e valoresexveis e sua insero nas redes, ou seja, inovar de forma perenee agregando mais valor aos produtos e servios que desenvolvem?

    Por ora, podemos acompanhar as primeiras investidas nesse mer-cado e a corroborao de nossa hiptese que avanaremos por todo

    o corpo deste livro da relao que se faz entre os saberes tcnicos erelacionais desses empreendedores e o futuro das empresas incubadascomo forma de darem sentido a esse mundo exvel.

    Aps estas consideraes, podemos sustentar que, de fato, per-cebemos no universo dos nossos entrevistados uma relao signi-cativamente distante da vivncia na prosso, no sentido clssicoda era fordista. Isto , percebe-se o compartilhamento do mesmoespao de trabalho que no se restringe a uma posio especca

    aliada a uma qualicao; percebe-se tambm a relao de proximi-dade com outros programadores no sentido de um vnculo quase oudeclaradamente familiar, assim tambm com colegas de longa dataque iniciaram o negcio com eles: todos juntos num esforo compar-tilhado para levar adiante a criao de algo supostamente inovadorque tenha reconhecimento pelo mercado.

    Finalmente, percebe-se que trabalhar sob a condio de pro-jetos que sucedem a outros, dos novos produtos que desenvolvem

    e com especicaes, prazos e demandas variadas inuenciam a

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    congurao das rotinas de trabalho (cultura de empresa). Estas ospermitem elaborar as tenses e sofrimentos que esto sujeitos como

    uma experincia eminentemente social, ou seja, que compartilhadae solucionada na medida em que as instabilidades desse mercado soquestionadas a favor das histrias laborais como capazes de enfren-tar esses efeitos disruptivos associados e, em consequncia, daremsentido ao meio social em que esto inscritos.

    Em uma empresa com vnculo fortemente familiar, encontra-mos a elaborao das rotinas de trabalho e da presena de parentes eamigos como uma vantagem para manterem-se inseridos no merca-

    do de trabalho e no mundo das redes.Esses vnculos familiares, se lidos pelo que Boltanski e The-

    venot (2009) denominam cidade domstica e cidade industrial2,do-nos acesso a crticas que desenvolvem haja vista o possvelsofrimento ou tenso que esto sujeitos a favor de um mundo cone-xionista. O resultado inesperado, j que relacional, a valorizaodos laos domsticos e familiares. Estes se apresentam capazes deestimular e sustentar as redes que esto inscritos. Da mesma forma, o

    saber-fazer tpico de uma ordem mtrica descrito na cidade indus-trial no entra em tenso com um mundo em rede e exvel.

    Se so as novas ferramentas organizacionais e tcnicas de pro-duo que precisam de pessoas e que as manejam com destreza, hajavista alto contedo intelectual embutido, so as relaes de amizadee parentesco que ganham o destaque para explicar o carter rela-cional versado na arte de saber ser3. Portanto, mais uma vez, vemos

    2 Como veremos no captulo seguinte, a cidade domstica refere-se a dimenso dacasa, da tradio e do parentesco. Ela refere-se a um conjunto de objetos, valores epessoas que predominariam como uma conveno, uma gramtica passvel de genera-lizao porque se apresenta como um bem reivindicado e aplicado em situaes locaisque as produziram. A cidade industrial, por sua vez, faz referncia a mtricas, tcni-cas, linhas de fabrica, planejamento, normas e resultados especicados. No existiriauma posio de precedncia entre os mundos. Todos eles inltram-se e inuenciam adinmica de uma cidade, que deve predominar.3 Tpico dessa situao a elaborao de contedos desoftwaredemandam o comen-

    trio do programador, ou seja, elaborado a partir de especicaes de como cdigosiro ser desempenhados com o produto em desenvolvimento.

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    a emergncia de um mundo conexionista nas atividades rotineiras detrabalho pelos incubados no segmento de TI.

    A gente sempre ta junto, quando um no pode resolver talcoisa ou precisa se ausentar, sei que eles pararam num pontoonde posso continuar, que deram o melhor de si. Ta vendoesse toca-discos aqui? Foi um amigo meu que pediu pra euconstruir. Fiz ele todinho: juntei s as melhores partes, man-dei pra meu colega soldar. E isso. Gosto de msica e seique esse produto vai fazer a diferena porque no tem iguale tambm porque a gente acaba aprendendo com esses no-

    vos desaos. Me pedem pra fazer tal coisa, digo que fao.Por que no?(entrevistado 4)

    Por outro lado, diante dessa camaradagem que se cria no plane-jamento do futuro da empresa, pesa a participao e o bem estar deseus membros. Mas tambm por que nessas empresas a participaoem conjunto nesses momentos indissociveis entre trabalho, amiza-de e lar reconhecidamente aparecem no relato de nossos entrevis-

    tados como aspectos de desaos onipresentes para os que desejamascender no mercado de TI.

    Tenho um fusquinha caindo aos pedaos graas a um parcei-ro aqui do Midi. Ele que me leva pra ver meu lho e fazeras voltas pra vender meu produto, procurar novos parceirose clientes. Todos esto na mesma. O pessoal da empresa X,um precisou arranjar um trabalho pra poder continuar como sonho deles. Esses dias eles conseguiram um teste comuma empresa que produz gelo. O produto deles genial,vai revolucionar. A economia que essa empresa vai ter vaiabrir a porta pra esses caras. Enquanto isso, tamo na luta.

    (entrevistado 4)

    Em entrevistas realizadas no Vale do Silcio, na dcada de 1990,Baron e Hannan (2005) trazem o exemplo desses empreendedores,de donos de negcios ou prossionais na posio de gerenciamento

    de projetos em empresas que estavam nascendo. Encontramos, no

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    rastro da entrevista abaixo, a construo do espao de trabalho queremete aos vnculos de cunho domstico, no qual as oportunidades

    que se abrem favorecem ou compatibilizam laos de afetividade. Es-sas caractersticas, aparentemente distantes de um mundo em formade rede, de fato, conciliam-se ou convivem com este.

    Naqueles primeiros dias de empresa, ramos pequenos osuciente para termos encontros e confraternizaes, e fa-zamos especicamente isso para as famlias se conhece-rem e pudessem saber com quem seus maridos e esposas,ou qualquer outra pessoa, estavam passando tempo juntos.Desse modo, tnhamos um senso de familiaridade no sen-tido real de vir e ir que era bastante divertido (BARON;HANNAN, 2005, p. 176).

    Na entrevista abaixo, percebemos a relao familiar orientandocada passo do futuro inovador-empreendedor. A escolha de perma-necer um determinado perodo de tempo no exterior e retornar aoBrasil veio acompanhada de seu sucesso em uma empresa de porte

    internacional. Entre permanecer e voltar para o Brasil, com grandeschances de assumir postos prestigiosos de trabalho no governo, etambm de implementar seu negocio na rea de TI, no se coloca emquesto os interesses da esfera domstica.

    Eu z a entrevista, a ideia ocorreu tambm porqueeu taval com a minha esposa e ela cou grvida, da ela falou a

    gente veio pra c pra car s um tempo.Ento deu certo em

    algumas coisas. Eu z a entrevista, achei interessante. Eu es-tava comeando a assumir e meu chefe falou: beleza, a gentevai criar um novo grupo, vamos trabalhar pra voc ser lderde projeto, que ele era e ele ia subir de cargo, que o queacontece, a empresa cresce quem t aqui vai pra c. Eu acha-va interessante o projeto l, a eu peguei e tomei essa deciso,vou voltar pro Brasil porque tem uma oportunidade de criarum grupo aqui e o Brasil t investindo nessa rea. Ento foiassim, um sonho de trabalhar no meu Pas e com uma certa

    bagagem l fora, depois de ter feito mestrado, que iria contar

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    no Brasil, porque alimentava muito o desejo que a Ceitec iriaser rapidamente o lugar pra trabalhar nessa rea, e eu chegarianum cargo que tcnico teria a gerncia dos Telecenter, seriaeu e mais uma pessoa. Eu ia cuidar do segmento, tecnica-mente falando, eu que ia ter que fazer funcionar tudo aquilo,

    eu era um grande tcnico tambm, eu j tinha dinheiro pra

    aguentar as pontas. (entrevistado 1, grifos nossos).

    No foi incomum, em nossas entrevistas, encontramos a posiocategrica de que os investimentos que fazem ou zeram, num de-terminado momento de suas vidas, no poderia ser continuado, seja

    porque, pelo ponto de vista de uma lgica familiar, no haveria espaopara as inconstncias da dinamicidade e a instabilidade do mercado deTI, seja porque eles simplesmente no se viam fazendo a mesma coisaque fazem ou zeram: [...] esse mundo um co, no d pra carmais sem receber e trabalhar horas a o (entrevistado 8).

    De todo modo, a expectativa de que um futuro um pouco maiscerto, menos turbulento, mas dinmico e com oportunidade de traba-lhos instigantes apresenta-se no horizonte de nossos entrevistados.Por ora, podemos perceber um desejo de reconhecimento desses in-vestimentos autnomos nesse mercado e de uma necessidade de es-tabilidade que no antittica exibilizao dos percursos laborais.Isso no signica que essa experincia, socialmente construda, nogere frutos imprevisveis, razo de apreenso como acabamos dever na entrevista acima e objeto de interesse desses novos gerentes--empreendedores para avaliarem seus destinos nesse mercado de TI.

    Portanto, eles empreendem a si mesmos e acionam esferas so-ciais distintas a favor da construo de suas histrias de trabalhocomo um evento inesperado em que a inovao pode acontecer aqualquer momento, o qual seria capaz de segurar as instabilidadesque precisam enfrentar pela posio que ocupam nesse mercado.

    Em nenhum momento a gente se sente estvel. Mas voc empreendedor, tem que aprender a conviver, voc no quer

    ter dor de cabea. Voc vai, se estressa, se voc j no con-segue controlar essa insegurana, no abre uma empresa.

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    Porque isso uma constante, no adianta, no comeo

    pior, mas depois ela vai melhorar um pouco. S que temque gostar de desao, e que tambm voc no pode exage-rar. Por exemplo, a gente, at meio do ano, a gente tem umcerto recurso, a partir do meio do ano eu no tenho cliente,eu no tenho nenhum contato fechado, estamos negociandotrs agora, mas eu no sei. [...] Tem que ter alternativas, n?Voc t sempre vivendo assim e tambm faz parte da reali-dade de todo mundo. Pelo menos nas conversas que eu tivet todo mundo assim, sem saber o que vai acontecer com eleano que vem. Se o cara sabe daqui a nove meses t bom, se o

    cara sabe daqui a seis meses normal. A gente j passou pormomentos que daqui a trs meses a gente no sabia o queia ser da gente. Olha pessoal, no sei, pode acontecer isso,isso e isso. Tinha oito alternativas, sorte que aconteceu asegunda melhor; podia acontecer a pior de todas. (entrevis-tado 1, grifos nossos).

    Com outro entrevistado, temos a seguinte armao:

    ns temos dvidas espalhadas por toda cidade e chegamosa concluso que no tem mais volta: no tenho mais comovoltar atrs eu acredito no meu produto, paralelo a X [cole-ga incubado em outra empresa que tambm entrevistamos]teve que voltar e trabalhar agora, no emprego, pra se manter,

    pagar as contas dele para poder sair do vermelho efetiva-mente como voc falou. A gente acaba tambm tendo uma

    paixo pelo que a gente ta criando porque a ideia sua e eu

    continuo fazendo prospeces, eu continuo com contatos,obviamente nem tudo cinza, nem tudo ruim, a gente estavanando, fazendo contatos, mas nem sempre [...] acontecea coisa que voc imagina.(entrevistado 4)

    Para o captulo seguinte, iremos percorrer as contribuies deBoltanski e Thevenot (2009) sobre as formas de interiorizao de va-lores, prticas e dispositivos que do forma a arranjos locais suscet-veis generalizao. Esses arranjos acenam para uma ideia de bemcomum porque unem pessoas e coisas num mesmo lugar, do coe-

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    gramtica das cidades

    Para Boltanki e Thevenot (2009), os momentos de uma disputa per-mitem aos atores pr em suspenso ou julgarem os critrios quecolocam em funcionamento a denio de uma situao qualquer.

    A elaborao dessa situao e seu desenvolvimento de forma su-cientemente ampla, almejando com isto os pressupostos morais queorientam a ao dos atores sociais. Desse modo, interessamo-nos so-

    bre os aspectos que do coerncia a experincia social dos que, numdeterminado momento de suas trajetrias de trabalho, foram incuba-dos visando maiores rendimentos no mercado de TI. Os momentos dedisputa que mencionamos a forma que eles mesmos encontram paraentender as evidncias de um tipo de histria que vence e inova so,de fato, marcas indelveis de suas rotinas de trabalho.

    Os autores armam que grandezas relativas marcam a sucessodos eventos de uma situao local, a qual construda a partir de um

    princpio de equivalncia superior, ou seja, de um princpio de sime-tria que ordena as disputas, polmicas e os rudos quando se fala emnome de algo ou de algum: no podemos tratar do sagrado e falar emdinheiro; da inspirao e falar em regras etc. Nesse sentido, as incon-

    gruncias ou disputas sobre as regras que ordenam o convvio depen-dem da sua suspenso ou da neutralizao das crticas que emergemde ordens diversas.

    Para a ao se desenvolver plenamente, grandezas relativaspodem ser acionadas e, na medida em que acenam para um acordopossvel sobre como se dar a sucesso de eventos que denem umasituao local, adiciona-se e encerra-se a somente uma grandeza umvalor em si estimado de como objetos e pessoas se relacionam. Esse

    ponto o comeo das indagaes dos autores que almejam elaborar

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    um enquadramento que para as pessoas em situaes ordinrias de dis-puta ou tenso, demanda-se delas uma denio de justia vista como

    uma ordem boa porque responde as inquietaes de como as coisasfuncionam e devem ser dispostas umas em relaes a outras.

    Essas disputas so uma condio comum e necessria que de-ne o que para o autor denominado como um imperativo de justia.A justia ou justicao so modos de dar sentido a polmicas edisputas de ordens diversas. Os autores trazem a ideia de uma gra-mtica das interaes sociais que versa sobre a necessidade de um

    princpio superior comum, o qual restringe e estimula o que pode ser

    estipulado como entidades inscritas em seu domnio, que tambm sereferem a um comeo, meio e um m para sua formulao como umaconveno compartilhada.

    Os autores partem de uma necessidade metodolgica posta naspesquisas de campo, na qual a referncia a ordens ou convenes ge-neralizveis estabilizam-se em dispositivos, valores, prticas e pessoas,as quais so contrastadas a modelos tericos da losoa poltica, e queteriam a capacidade de explicar a ao social orientada para uma ideia

    de boa convivncia e bem comum. Eles do o nome de