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O risco das agências de classificação

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Economia - A nota de crédito do Brasil (rating) foi rebaixada por três agências de classificação de risco: Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch. Entenda o que aconteceu e saiba o que está por trás dessas organizações

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28 Cidade Nova • Novembro 2015 • nº 11

MARTINA [email protected]

o risco das agências de classificaçãoeconomia A nota de crédito do Brasil (rating) foi rebaixada por três agências de classificação de risco: Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch. Entenda o que aconteceu e saiba o que está por trás dessas organizações

m dos maiores temores da equipe econômica do go-verno Dilma Rousseff e do empresariado brasileiro se

con cretizou no último mês de setem-bro: a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do país, que passou do grau de investimento para o especulativo. A perda do selo de “bom pagador” significa que o país já não faz parte do seleto grupo de nações com baixo risco de não pagarem suas dívidas. Dessa forma, a economia brasileira passa a ser vista com mais descon-fiança pelos investidores estrangeiros.

Com a mudança, a agência de-sincentiva os investidores a apli-carem seu dinheiro no Brasil ao considerar a chance de levar calote concedendo empréstimos ao país maior do que em outra nação cuja nota é mais elevada. Para compen-sar o risco de continuar investindo em território brasileiro, os credores podem aumentar o valor dos juros.

É como se você fosse pedir cré-dito no banco e não estivesse com as contas em dia, exemplifica o eco-nomista Antonio Carlos dos Santos, da PUC-SP. “Se você vai ao banco e possui um bom histórico, conse-gue o empréstimo. Se na análise das contas o gerente chegar à conclusão

de que você é um devedor, ele pode até conceder o empréstimo, mas vai cobrar juro mais alto para compen-sar o risco de você não pagar sua dí-vida”, compara.

A elevação da taxa de juros afeta os custos de financiamento para o governo e para as empresas locais, que podem repassar o aumento aos consumidores. Outra possível con-sequência é a redução da entrada de dólares no país, desvalorizando ain-da mais a moeda brasileira. O dólar atingiu seu maior nível em 13 anos e já acumula alta de quase 50% ante o real em 2015.

O Brasil foi rebaixado também por outras duas importantes agên-cias de rating: a Moody’s e a Fitch Ratings, mas mesmo descendo um degrau, o Brasil ainda conserva o grau de investimento. Se uma delas optar por seguir os passos da S&P, a situação ficará ainda mais com-plicada. Isso porque os estatutos de fundos de pensão e de investimen-tos bilionários exigem que o país tenha notas positivas em ao menos duas das três agências para aplicar em títulos da dívida do governo. Se a nota for rebaixada por mais uma instituição, os fundos e seus investidores ficam impedidos de in-vestir no Brasil.

A decisão da S&P pode ser vista como um alerta para que o governo ajeite suas contas de maneira a im-pedir um segundo rebaixamento da nota. No entanto, essa forte influên-cia das agências internacionais nas diretrizes da política econômica de um país é questionada por alguns especialistas. Outro ponto levanta-do é o fato de que essas entidades já cometeram erros consideráveis nas crises econômicas dos últimos anos, o que pesa contra sua credibilidade.

Ainda assim, é inegável que os investidores precisam de informa-ções confiáveis na hora de decidir sobre seus investimentos e as agên-cias continuam sendo os instru-mentos mais eficazes para atender a essa necessidade.

Quem dá menosAs notas atribuídas pelas agên-

cias a títulos, empresas e países vão de AAA (o mais alto grau de qua-lidade de crédito), passando por C (níveis de risco de crédito excepcio-nalmente altos) até D (inadimplente em seus compromissos financeiros).

No caso do Brasil, a nota da S&P passou de BBB- (qualidade de crédi-to boa) para BB+ (grau especulativo) com perspectiva negativa, ou seja, a

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nota pode cair ainda mais nas pró-ximas avaliações. A Moody’s e a Fi-tch reduziram de BBB para BBB-, ou seja, ainda falta descer um degrau para o grau especulativo.

Além disso, a S&P rebaixou o rating de mais de 30 empresas brasi-leiras. Elas também terão maior difi-culdade de financiar seus planos de investimento, o que freia ainda mais a já estagnada economia brasileira.

Por mais que o país venha a se-guir as exigências da S&P para im-pedir novas quedas no rating, a re-cuperação do grau de investimento pode tardar. Segundo um estudo do Itaú Unibanco, o tempo médio para recuperar o selo de bom pagador é de 7,2 anos.

O Brasil recebeu o grau de in-vestimento em 2008 e o status à época foi comemorado como uma conquista da economia brasileira. A apresentação do Orçamento de 2016 no vermelho pela primeira vez des-de a estabilidade monetária, a falta

de coesão do governo para aprovar as contas públicas, e as dificuldades de aprovar o ajuste fiscal no Con-gresso foram cruciais para o rebai-xamento, de acordo com a S&P.

Em seu relatório, a entidade apon-tou que “sem um desempenho ines-peradamente melhor, a meta fiscal proposta no Orçamento geraria três anos consecutivos de déficits fiscais primários e uma elevação contínua da dívida líquida geral do governo”. A S&P acredita que o país somente voltará a crescer, ainda que modes-tamente, em 2017.

Ao se reeleger, Dilma colocou o ortodoxo economista Joaquim Levy à frente do Ministério da Fazenda para agradar o mercado interna-cional e evitar o rebaixamento da nota brasileira. Os esforços, minados pela crise política e econômica, não surtiram efeito. “A série de eventos que levaram ao orçamento propos-to nos sugere um enfraquecimento da coesão do gabinete da presidente

Dilma Rousseff e contribui para nossa avaliação de que há um en-fraquecimento do perfil de crédito do país”, declarou a S&P.

mudançasPara se recuperar e tentar evitar

novos rebaixamentos, o país terá que aumentar a arrecadação fiscal, com a criação de novos impostos, e diminuir ainda mais os gastos públicos, medidas que afetam dire-tamente a população brasileira. O cenário de mais impostos, menos gastos e juros altos resulta em mais recessão econômica, elevando o de-semprego e diminuindo salários.

Bruno de Conti, professor do Ins-tituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), critica que a manutenção ou a recuperação do rating esteja acima de outros obje-tivos da política econômica. “Acho um exagero completo e um aten-tado à própria democracia. Dilma

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o ministro da fazenda, Joaquim levy, comenta a perda do grau de investimento pelo Brasil, de acordo com avaliação da Standard and Poor’s, durante entrevista coletiva

o ministro da fazenda, Joaquim levy, comenta a perda do grau de investimento pelo Brasil, de acordo com avaliação da Standard and Poor’s, durante entrevista coletiva

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foi eleita com uma plataforma e, ao invés de atender ao desejo do elei-torado e objetivos nobres do país, direciona a política econômica à manutenção do rating. A escolha de Levy foi com essa missão”, afirma.

O especialista explica que o ajuste fiscal foi iniciado, mas gerou uma recessão ainda maior. A queda do Produto Interno Bruto (PIB) difi-culta a continuidade do ajuste sob o risco de afetar programas e indi-cadores sociais. Conti lembra que os investimentos públicos já caíram 40% desde o início do ajuste, afe-tando, inclusive, a área da educação.

critériosSegundo o analista Carlos Mul-

ler, da Geral Investimentos, para dar nota a um país, as agências ava-liam fatores como perspectiva de crescimento e taxa de juros. “Acre-dito que são bons critérios, sim, até porque são adotados em todos os países. Não é um critério enviesado, é um critério-padrão”, afirma.

Já para Santos, por melhores e mais completas que sejam, as infor-mações serão sempre imperfeitas e afetadas pela subjetividade. “O im-pacto das notas recebidas por paí-ses desenvolvidos é menor ou nulo quando comparado com os chama-dos países em desenvolvimento, como Brasil e Rússia”, afirma.

Devido à sua origem norte-ame-ricana, as agências desconhecem singularidades de outros países, es-pecialmente os mais pobres, o que influencia nas notas, aponta o econo-mista. Com o rebaixamento, o Brasil possui a mesma avaliação da Rús-sia, que sofreu embargo internacio-nal por conta da guerra na Crimeia e foi afetado pela baixa do petróleo.

Eduardo Velho, economista-che-fe da Invx Global, defende que mui-tos analistas das agências são brasi-leiros ou já trabalharam no Brasil

e, portanto, conhecem o país o su-ficiente para avaliar sua economia. “São agências independentes. Não é assim tão simples: há analistas--sênior, júnior, além de comitês que avaliam as contas antes de definir uma nota”, sustenta.

As instituições possuem funcio-nários em países periféricos, por-tanto o problema não é esse, con-corda Bruno de Conti. “Mais que pautadas por desconhecimento, as decisões das agências são opções políticas. Muitas vezes elas só san-cionam o que o mercado interna-cional está propondo”, afirma.

“Quando rebaixaram a nota do governo Dilma é como se estives-sem insatisfeitos com o governo, o que não tem a ver apenas com a capacidade de o país honrar suas dí-vidas”, aponta o economista. “Por trás de critérios pretensamente téc-nicos, há disputa do papel do Estado na economia. O governo Dilma foi bastante interventor, o que contraria a economia liberal defendida pela agência e por seus clientes”, opina.

falhasNa quebra do mercado imobi-

liário americano, epicentro da cri-se que se alastrou pelo mundo em 2008, ações do setor e de bancos que se mostraram “ativos podres” eram classificadas como sólidas e confiáveis pelas agências de classi-ficação de risco. Apesar de o episó-dio ter abalado a credibilidade das agências na época, as entidades se recuperaram e continuam influen-ciando fortemente o mercado e as diretrizes da política econômica de muitos países.

Para Eduardo Velho, o problema não é das agências, mas das empresas que alteraram seus balanços para pa-recer que estavam em situação me-lhor antes de a crise estourar. “Não dou tanto descrédito para as agências

de rating, mas admito que elas ficam um pouco reféns de agentes econô-micos que manipulam os dados que elas analisam”, comenta. “A credibi-lidade das empresas de auditoria di-minuiu mais do que das agências.”

“Como alguém que ajudou a levar a uma crise monstruosa como a de 2008 continua tendo credibilidade? É um absurdo!”, opina Santos. Para ele, a necessidade do mercado de ter referências sobre o destino de seus empréstimos e a falta de alternativas além das agências de rating para fa-zer isso são algumas das razões pelas quais elas ainda são levadas a sério.

O economista admite também que essas instituições ficaram mais rigorosas e procuraram reduzir a subjetividade após 2008, já que elas dependem da credibilidade para manter e atrair mais clientes.

PerspectivasBruno de Conti ressalta a neces-

sidade da regulação dessas agências, já que são muitos os conflitos de interesses envolvidos em sua atua-ção. “As agências são privadas e seu objetivo último é obter lucro. Uma agência pública não teria esse inte-resse”, propõe.

Para Santos, está nas mãos dos grandes fundos de investimento a sobrevivência dessas entidades. “Eles continuam usando os serviços das três instituições. Enquanto eles não mudarem a avaliação que possuem em relação às agências, não há o que fazer.” Ele acredita que as críticas às entidades podem levar ao surgimen-to de outras agências no mercado fi-nanceiro ou na esfera pública. Mas mesmo no caso de agências públicas, haveria o risco de influência políti-cas nas decisões. Conclui: “É difícil ter agência de avaliação de risco que esteja imune ao excesso de subjetivi-dade, à influência política ou à in-fluência de país de origem”.