O Problema Do Relativismo Cultural - Herskovits

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  • 5/14/2018 O Problema Do Relativismo Cultural - Herskovits

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    n t 0 J 0 11, ,1 H I ( 1 1 ' 1 1 1

    1 0 p:r judi a 0 hom 01; somente quando as lut~1::I H f C \ 'onmomIII 0. amizad superficial e se mantem urn velho r~ncor, e perig so qualqU'l' intel'c0.mbl0 de propriedade assim como aceitar qualqusr gesto dea . to", 2~ , ' _ltstes mscanismos socialmente sancionados, que, permitem a ,hbertaQaode inibic;oes e a rosolucao de confUtos, sao o,s ~~lOS pelo~ quais se con-segue em grau consideravel a adaptacao do individuo. Sao aspectos da-queles consensos de crenca e de conduta que, como elementos da cul-tura, constituem 0 micleo dentro do qual se desenvolvem as, estruturasdu . personalidade dos individuos e em eujo seio devem funcionar.

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    25, M. J. Herskovits, 1934, p. 82.

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    v,o P rob(~maj d o R~(ativisnlo C u l t u . a l

    1Tonos os povos formam )uizos acerca dos modos de vida diferentesseus. Quando se empreende 0 estudo sistematico, a comparacao dtigem a classificacao, e os especialistas tracaram muitos esquemasclassificar as modos de vida. Emitiram-se jUlZOS morais sobre os 1ciplos eticos que guiam a conduta e moldam os sistemas de valOrdiferentes povos. Organtzaram-se suas estruturas economicas e politi Ie suas crencas religiosas por ordem de complexidade, eficacia, des jab1H.dade. Avaliaram-se sua arte, musica e fbrmas literarias.Tornou-se, entretanto, cada vez mais evidente, que as avaliacoes d 1J11genero subsistem ou se desmoronam com a aceitacao ou nao das r't'!'missas de que derivam. Mas essa nao e a tinica razao. Muitos dos )~Iterios em que se baseiam os juizos sao incompativeis, de modo quconclus6es tiradas de uma definicao do que e desejavel nao coincicUrinlUcom as baseadas noutra rormulacao. Urn exemplo simples esclareo Tit {fato. Nao existem muitos modos diferentes segundo os quais se p Iestruturar a familia primitiva. Urn homem pode viver com uma mull'l rou tel' urn certo numero de esposas: uma mulher po de tel' um 0 l' L,numero de maridos. Mas se avaliarmos essas formas do ponto de vilil;r\de como se desencumbem da funcao de perpetual' 0 grupo, assegura a (a subsistencia da crianca ate atingir a idade adulta, todas elas resistir ()a prova pragmatica. Pelo proprio fato de sua existencia, demonstrarcurriprir sua tarera essencial. De outra maneira, as sociedades em qufuncionam nao sobreviveriam.Tal resposta nao satisfara, entretanto, la todos os que empreenderam 0estudo do problema da avaliacao cultural. Que dizer do status do espO.plural, das questoes morais inerentes a pratica da monogamia em com-paracao com a poligamia, da adaptacao das criancas criadas em familial!,em que, por exernplo, as rnaes devem competir em beneficio dos fill'lOIIpelos. favores de urn marido comum? Sustentando-se que a monogamia (a forma desejada de matrimonio, as respostas a essas perguntas serlllterminantes. Mas se as considerarrnos do ponto de vista dos que vivemem sociedades diferentes da nossa, torna-se clara a possibilidade de l.'( postas alternativas baseadas em diferentes concepcoes do que e desejav 1 .

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    V~jllrnos, POl' 9:lCeroplo,a vida. de uma familia plural numa oult\u'a qa.4l'1oa.Ocidental como a do Dahomey, 1 A unidade e urn homem e suas(~pOsas, 0 homem tern sua propria casa, como tambem a tern cada umaci M mulheres, de acordo com 0 principio basico do procedimento africanode que duas esposas nao podem conviver pacificamente na mesma casa,os ilhos del cada esposa vivem com a mae. Cada esposa passa , por suaV 1 4 " uma semana de quatro dias, pr6pria dessa gente, com 0 maridoomum, fazendo-lhe a comida, lavando sua roupa, dormindo na casa delehtTl;'lnteesse tempo, passado 0 qual da 0 lugar a outra esposa. Seusl'm',lOS permanecem na cabana da mae. Abandona essa rotina durante af l'ktvddez,I, presumivelmente, no interesse da saude do filho e cia suaIn)OlPl '~a, nao repete suas visit as ao marido ate que a crianca seja des-ItUU'nada. Isso significa um perfodo de tres ou quatro anos, ja que asN!iMqas,ali mamam dois anos ou mais.

    A l~ni!raad~i composta resultante e uma unidade cooperativa. As mulhe-'$, que ~e~dem coisas no mercado ou fazem vasilhas ou cui dam dasbOl'tas, contribuem para seu sustento. Porem, esse aspecto, embora degrande importancia economica, e secundario comparado com 0 prestigioque da" a comunidade, I do qual todos os membros participam. Por isso,vemas com frequencia que uma esp6sa nao s6 pede insistentemente aomarido que adquira uma segunda esposa, como tambem 0 ajuda comemprestimos ou donativos nesse sentido. Como 0 que a mulher ganhae seu .e ' .pode dispor dele a seu bel-prazer, e como as mulheres quetemoomercio no mercado gozam de elevada posicao econ6mica dentro daspossibilidades dessa sociedade poligamica, ha um apreciavel mimero delas,qpe dillPoem de meios abundantes podendo assim ajudar os maridos nosgastos de outro casamento.E claro que' surgem tens6es entre as mulheres que vivem numa dessas

    unidades compostas. Ha treze maneiras diferentes de se casar, e numafamilia ampla, as esposas casadas no mesmo estilo tendem a unir-secontra, todas as demais. A competicao pelas atencoes do marido repre-senta tambern seu papel, embora isto seja freqiiente tanto no interesse

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    1 1 1 . , ' 1/ " t i l t l114t

    d 0 tu s div rsoa. ltste prinoipto, brevern nt X , e O s 1u tzos baseiam-se na exper i~ncia, e a expert~ncia Ii inter-

    1 ' 1 ' taCZapelo individUiO em termos de sua pr6pria endoculturaciio. Aduzin-de lIste principfo, rocamos por muitas quest6es fundamentais ha longo11ropo oolocadas pelos fil6sofos. 0 problema dos valores e uma delas. Os.C l u e defendem a existencia de valores fixos acharao materials, em socie-dades diferentes da sua, que os obrigarao a reexaminar suas hip6teses. Ou1 m existem norm as morals absolutes, ou os criterios morais outra coisan ! ) . o fazem senao canalizar a conduta na medida em que concordem comf~ crtsntacoes de urn povo dado num determinado periodo de sua his-Miria,. Aproximamo-nos ainda do problema da natureza ultima da pro-, V I ' l a . realidade. Cassirer, na passagem citada", afirma que a realidade s6lode ser experimentada atraves do simbolismo da linguagem. Entao, a(' f.~l1dadenao e definida e redefinida pelos simbolismos sempre variantesdUl inUmeras linguas da humanidade?~espostas a problemas tais na base dos fatos conhecidos que condu-

    l I l om a uma posicao cultural relativista represent am uma das mais pro-lundas, embora menos exploradas, contribuicoes da antropologia para a~loostao do lugar do homem no mundo. Ao refletirmos sobre 0 fato deI;tuetmponderaveis tais como born e mau, normal e anorrnal, bela e vulgarao absorvidos desde a infancia, a medida que uma pessoa aprende osmodes de conduta do grupo em que nasceu, vemos que estamos tratandode urn prooesso de primeira grandeza. Inclusive os fatos do mundofisico sao discernidos at raves da tela endocultural, de modo que a per-cepgao do tempo, a distancia, 0 peso, 0 tamanha e outras "realidades"se aeham condicionadas pelas convencoes de urn determinado grupo.. Nenhuma cultura e, entretanto, um sistema recnado, uma serie de ri-gidosmoldes aos quais se deva contormar a conduta de todos os seusmembros, Ao sublinhar a realidade psicoldgica da cuItura ficou bemclare que uma oultura;: como tal, ' nao pode [azer nada. Por sua naturezareduz-se a uma soma da conduta e dos habituais modos de pensar daspessoas que em tempo e lugar determinados constituem uma sociedadeparticular, Essas pessoas, como individuos, embora gracas ao habito e aaprendizagem se submetem aos modos do grupo dentro do qual nas-ceram, variam, todavia, em suas reacoes as situacces da vida com queem comum se deparam. Diferem tambem no grau em que desejam a mu-danca, como costumam diferir as proprias culturas. E diffcil para nos,que vivemos numa cultura em que a mudanca e exalcada, conceder valora atitudes que frisam a estabilidade como um fim almejado. Vemosassim, uma ve1-mais, que a soma de condutas a que chamamos cul-tura e flexivel, nao rfgida, e contem muitas possibilidades de escolha ' emsua ampla arrnacao. Identificar os valores reconhecidos por um deter,minado povo nao implica de forma alguma que eles constituam urn fatorconstante nas vidas das geracoes sucessivas do mesmo grupo. Como

    * Ver pag. 44.

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    D w y: JIIIII Il' v< ah m ana, l\ ultul 'f~ d \l.U 2 1 1 ! 1 ' 1 , ( l t llu lnc it'l. d termmant m sun e l l ' I 11 1 (JII.Bastam poucos examples para me U 'lll' US 1 ill um v fjI

    interpoem ate mesmo em sua man Ir u C l. mundo fisico. Algtmaindios que vivem na parte sudoeste des 'I stados Unidos pensam na bnfllde seis pontos cardeais e nao de quatro. Alem das direcoes norte, suI,leste e oeste, incluem as de "acima" e "abaixo", Tendo em conta q1."o universo e ,tridimensional, ~sses indios sao inteiramente reaIistas. N Hmesmos, na navegacao aerea, por exemplo, precisamos considerar as 'tl'dimens6es numa forma que nao e essencial aos que viajam na superf! lda terra, e separamos a altura da direcao nos instrumentos e em n s 11concepcao de posicao. Operamos, conceitualmente, em dois planos iAtintos, Um e horizontal ("estamos voando E.N.E"). Outro e ve'lti 111("estamos voando agora a 8000 pes"). E raro ouvir dizer "estamovoando E.N.E a 8000 pes", exceto nas comunicacces do piloto a estao 0onde se dao com Irequencia esse e outros fatos psicolbgicamente dfspar 11.Ou focalizemos os padr6es musicais. Aceitamos 0 conceito de comprl-

    mente de onda, afinamos os pianos de acordo com uma escala mecani-camente determinada, e assim ficamos condicionados para 0 que chama-mos 0 verdadeiro som. Dizemos que algumas pessoas tern ouvido abs luto; isto e, que dada uma nota ou cantada ao acaso, imediatamente lhIndicarao seu lugar na escala. "Esta e si bemol", Uma composicao apr n-dida num determinado tom, ao ser transportada, perturb ani profunda-mente tal pessoa, embora os individuos musicalmente preparados, masque nao tern percepcao absoluta, fruam a obra assim transposta sarelaciio de cada nota com as demais nao tiver sido alterada. SuponhamoSque se trata de estudar se essa capacidade de identificar uma nota e ur ntrace congenito, que se encontraria .em porcentagens variaveis mas pawquenas de individuos de sociedades diversas. A dificuldade em provarsemelhante hipotese aparece imediatamente, uma vez que sabemos qumuito pouca gente possui escalas fixas, e ninguem, alem de si proprio,tern a ideia do tom exato. Quem vive em culturas sem instrumentoamecanicamente afinados nem verdadeiros pode gozar de notas que sacham desafinadas de mais de urn quarto d~ tom. Quanto as progresosees padronizadas em que se estabelecem as escolas tipicas e as orien-tacoes modais de qualquer serie de convencoes musicals, 0 mimero dsistemas coerentes dentro de seus proprios limites e infinito.o principio, segundo 0 qual os juizos derivam de uma experienciaresultante do processo de endoculturacao, tem bases psicologlcas Iirmes,Foi muito bern expressado par Sherif em seu desenvolvimento da hipo-tese de "normas socials", Seus experimentos sao criticos e fundamentaise seu concerto acess6rio do "marco de referencia", da subj.etividade a quese refere a experiencia, foi aceito em psicologia social. Por causa de sua

    2. J. Dewey, 1939, p. 18. (0 grifo e nosso) .

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    l' tOl~101upUl'a . urn" Ompl' n$l: 'Io des d1! r n9M c u l t ' 1 . ~ l ' ! i 1 i I ocupar-nos-1 : : 1 'V m nt do trabafho que realizou para provar sua hipotese de

    IIQ experiGncia parece ssmpre depender das reiacoes",ntrodusiam-se os sujeitos num quarto escuro, no qual uma luz tenued duraQao mecanicamente control ada se acendia e apagava ao apertar-seUr n batao. Alguns deles foram levados ao quarto, primeiro sozinhos emats tarde como membros de um grupo, enquanto outros foram expostostL sltullgao' de um grupo antes de serem provados individual mente. Em-bora a luz fosse imovel, a resposta autocinetica a uma situacao semelhantetEjll que 0 sujeito percebe 0 movimento onde nao existe, ja que, estandoo quarto perfeitamente as escuras, nao disp6e de ponto fixo com 0 qual

    ~'ollleiQfla,r0 .movimento. 0 fenomeno e bern conheeido, e de forma algumaI:l limlta ao laboratorio expetimental. Ocorre "em qualquer parte embn a urn objeto visual que serve de estimulo falte um marco espacial deI' f r~nei~'.

    uaado 0 sujeito estava sentado e apertava 0 botao, a luz fixa durava(1 i~ segimdos, apos as quais ele dizia quae longe Ihe pareceu mover-seI U2;,ja que nao sabia que ela estava fixa. Recolheu-se uma centena denlzos de cada um individualJrzente. Demonstrou-se de maneira conclu-c lMnte que as' individuos estabeleciam subjetivamente "urn ambito espacialurn ponto (como criterio ou norma) dentro desse ambito, que' e pe-

    Uliar a cada individuo" quando nao se dispoe de nenhum criterio obje-b i V ' o , ' e que 0 ambito estabelecido persistia nas repeticces do experimento.Na situagao de grupo, quando dais e tres individuos experimentavamsse estfmulo simultaneamente, cada sujeito expunha seus juizos acercada amplitude do movimento da luz. 0efeito foi gradualmente acumula-t:lvo, de rnaneira que a discrepancia dos [uizos individuais acerca da su-pcsta distancia percorrida pela luz fez-se gradualmente menor. Isso senotava mats quando 0 sujeito comecava 0 experimento na situacao degrupo e nao ao contrario. Porem, cada grupo estabeleceu uma normapeculiar a ele, A conclusao a que se chegou foi a seguinte: "Quando 0membro de um grupo enfrenta logo a mesma srtuacao.vmas sozinno, de-pOis que 0 ambito espacial, 0 ponto de reterencia do grupo foi estabe-lecido, percebe a situacao em termos do ambito e do ponto de reterenciaque traz da situacao do grupo".o principio geral a que se chegou com base nesses resultados, enosde muitos outros experimentos psicclogicos relacionados com esse pro-blema,' pode ser .expresso com as palavras de Sherif: "A base psicolo-Iea- das normas sociais estabelecidas, tats como estereotipos, modas,convencoes, costumes e valores, e a formacao de marcos de referenoiacomuns como resultado do contato de individuos. Uma vez estabelecidostais marcos de ref'erencia e incorporados ao individuo, entram comofat6res importantes na deterrninacao ou modificacao de suas reacoes ass1tuaQoes que posteriormente tera de enfrentar - sociais, e, as vezes, ate

    III

    II rnumeros exemplos da vlu1aollt ' l' l' lflS pod m GI 'nos livros de antropologia. S f3(1S, qu podem 1mesmo diante de fatos que ao eetranho parecem 6bvios. Assim, J; ttHO!povos concebem a relacao de parentesco de maneira que, nilo Db,til treconhecer 0 papel do pai e da mae na procriacao, contam a d so ncia so por um lado da familia. Em tais sociedades, e comum ser Ilinhas de incesto tao arbitrariamente definidas, que nossos "primos-irpor parte de mae se conhecem por irrnao e irma e consideram 0 c a s a nentre si com grande horror. E, pelo contrario, 0 casamento dent'mesll,1o grau de relacces biologicas por parte de pai se pode consid 1 '11 'nao so desejavel, como, as vezes, ate compulsorio. Isso devido a Ittduas pessoas, desse modo relacionadas, nao se consideram por defin10parentes consangufneos,A mesma def'inicao do que e normal ou anormal esta relacionada ell

    o marco cultural de referencia. Pode servir de exemplo 0 renomeno {Ipossessao encontrado entre os negros africanos e os do Novo Mundo, A .suprema expressao de sua experiencia religiosa, a possessao, e um stadpsicologico em que ocorre um deslocamento da personalidade quandodeus "baixa" sobre 0 adorador. Considera-se 0 individuo como a propl '! \divindade. Geralmente, se produz uma transrormacao completa da pI'sonalidade: a expressao facial, 0 comportamento motor, a voz, a 01'0 Ifisica e 0 carater de suas manifestaeoes verbais apresentam-se into1 t\mente diferentes do que sao quando se trata da propria pessoa.1!:sse Ienomeno foi descrito em termos patologicos por muitos inve st !

    gadores, cujo objetivo nao e antropologieo, por causa de sua semelhanesuperficial com tantos casos registrados por medicos, psiquiatras e outrNao e dificil equiparar os transes de tipo histerico - nos quais a pess 0.tern os olhos apertadamente fechados, move-se com excitaeao e 1 ' 1 1 ' SU omivelmente, sem nenhum proposito, ou rola pelo chao, pronunciando sflabtsem sentido, ou entra num estado de rigidez - as manifestacoes anal"mais neuroticas e ate psicopaticas encontradas na sociedade euro-ame-

    t,

    ricana.Se passarmos, entretanto, da conduta a seu sentido, e colocarmos eSS'

    at os aparentemente arbitrarios e casuais dentro de seu marco de r f -rencias, tais conclusoes se tornam insustentaveis. Porque em relaQeiocom a situaciio em que estas experiencias de possessao se produzem, neiopodem ser de forma alguma consideradas como anormais, e muito menospsioopatologicas. Estao rnodeladas culturalmente e, em' geraI, Induzidapor aprendizagem e disciplina. A danca e outros atos de pessoas pOS'suidas sao tao estilizadas que quem conhece a religiao pode Identificaro deus possuidor pela conduta do individuo possuido. Ademais a exp

    :'!

    3. M. Sherif, 1936, pp. 32, 92-106.

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    011\ d[~p I:l 8 0 11' par c restringlda a pessoas emotivamente ins-o que "recebsm 0 deus" percorrem a gama de todos os tiposc l. personelidade encontrados no grupo. A observacao de pessoas entreos gl'Upos de' negros da America interessados nessa. religiao e que fre-qU ntam os cultos, mas que, segundo sua terminologia religiosa, "naot m nada na cabeca", e por isso jamais experimentam a possessao, pa-l' ce demonstrar que tais pessoas estao multo menos ajustadas dq_ queas que sao possuidas. Finalmente, a natureza da experiencia da posses-o nessas culturas de negros se encontra tao disciplinada, que somente

    pede acontecer a urn determinado devoto em circunstancias particulares e .~parentemente arbitrarias. Na Africa Ocidental e no Brasil, os deusesbatxarn somente em quem foi .antes designado pelo sacerdote de seu grupo,Qluallhes poe as maos sobre a cabeca, No Haiti, 0 fato de um iniciado

    1\ 0 membro do grupo familiar que celebra 0 rito entrar em transe, seonsidera como grave "incorrecao social" e sinal de fraqueza espiritual1) 1s significa que 0 deus nao foi adequadamente propiciado, e, por con-H guinte, nao esta sob 0 controle de seus adoradores.Aplicou-se a terminologia da psicopatologia a esses estados de possessao

    11 m grande rigor. Designacoes como histerismo, auto-hipnose, compulsaostao na ponta da lingua. Se os empregarmos imicamente como termosdescritivos, seu uso podera ser util na analise tecnica do fenorneno dapossessao. Porem, a conotacao que esses termos implicam de instabili-dade psiquica, desequilibrio emotive, distanciamento da normalidade, aC011-se~ha 0 emprego de .outros termos que nao sugiram semelhante defer-maQao da realidade cultural. Porque nessas sociedades de negros, a;' in-terpretacao dada' a conduta do possuido (0 sentido que essa experienciatern para 0 povo) cai por completo no campo da conduta compreensivel,predizivel e normal- Essa conduta e conhecida e admitida por todos osmembros como algo que pode acontecer com eles mesmos, e merece asboas vindas nao so pela seguranca psicologica derivada do fato da uniaocom as forgas do universo como tambem pelostatus, 0 lucro economico,a expressao estetica e a libertacao emotiva que proporciona ao devoto.

    3o MECANISMO prfmario que funciona na avaliacao da cultura e 0 einocen-trismo. Etnocentrismo e 0 ponto de vista segundo 0 qual 0 proprio modode vida de alguem e preferivel a todos os outros. Como dimana do pro-cesso inicial de endocnlturacao, esse sentimento e conatural a maior partedos individuos, quer 0 expressem quer nao, Fora da corrente culturaleuro-americana, particularmente entre povos agratos, da-se mais por taci-tamente assentado do que se expressa em terrnos precisos. Assim sendo,deve-se considerar 0 etnocentrismo como urn fator que opera em favordo ajustamento individual e da integracao social. Pois e muito impor-taate 0 fortaIecimento do ego identificando-o com 0 proprio grupo de

    0 1

    \.

    1 "'j l' d.lU Id 1U lllUl' ,tI g l.l:tn , .... j,quand s rOi 1 nal1zo. o fl, lltv\,l't'n-americana, 0 spres nbtl :uw l~ 1IIfJl d . pl'ogl'ama. d i1 Qdetrlmento de' outros povos, di1 l'ig 1 (I; S 1'10s problemas,o etnocentrismo de povos agrafos torna-se multo evidente em 'us LII Icontos populares, proverbios e habltos lingliisticos. E ate no Pl' ll'1Unome da tribo, que amiude equivale ao de "seres hurnanos". P" LIraramente, se e que ocorre, ~e manifesta expressamente que as nilo o,mv~rados pelo nome estao fora da categoria humana. Mas de qualquer ,(neira, esse costume reflete multo bern a atitude prorundamente al'r~'1sndnque distingue 0 propria grupo dos demais. Quando se mostra a um no 1)suriname 0 resplendor de nossas lampadas fotograf' icas, admira-o r 01"dando este proverbio : "A magia branca do homem branco nao e mG Itdo negro", com 0 qual outra coisa nao faz senao reafirmar sua. f j,Usua propria cultura. Da assim a entender que 0 estrangeiro, apaSI).tl' Lltodos os seus artificios mecanicos, perder-se-ia na selva tropical da 1.l1sem a ajuda de seus amigos negros, que caminham com faciUdade ntl'laqueles perigos.o mito sobre a origem das ragas humanas, referido pelos indios o h e r o T c t Hdas montanhas Great Smoky, proporcionam outro exemplo desse g~n l'de etnocentrismo. Esses indios conhecem brancos e negros. Como todoos indios, tern a pele morena e, como em' todas as mitologias, as atol~dos seres sobrenaturais, uma vez executados, sao irrevogaveis. Tamb X Icomo na maier parte das mitologias, a homem e a obra mats perf 1bt\doCriador, 0 qual, neste caso particular, criou-o fazendo prlmelro uforno, que acendeu, modelando depois tres figuras humanas com a rna F inque havia preparado. Colocou-as no forno e esperou que se cozess ,Porem sua impaciencia por vel' a result ado do experimento, que coroaensua obra de criacao, era tao grande, que retirou uma das figuras depre Illldemais. Estava lamentavelmente semicozida, palida, de cor desagradav 1.Porem, boa ou rna, ali estava, e dela descende 0 tipo do homem bran ,Sua segunda figura saiu bern, no tempo justo, e da forma, por ele ideada,Bem morena, agradava-lhe sob todas os aspectos; essa figura foi 0 aut passado dos indios. Tanto a contemplou, que se esqueceu de tirar doforno a terceira figura, ate que, pelo cheiro, percebeu que se estava quai-mando. Abriu a porta rapidamente, e encontrou-a carbonizada e negra.Foi lamentavel, mas nada se podia fazer; aquele foi 0 primeiro negro. ifE a forma usual de etnocentrismo em muitos povos: insistencia sobre

    as boas qualidades do proprio grupo, sem nenhuma tendencia a estend ressa atitude ao campo da acao. Com tal ponto de vista, os objetivos,os modos de canduta sancionados e os sistemas de valores das pessoascom que 0 proprio grupo entra em contato, podem ser considerados er n

    < ,I

    4. ESse mito foi relatado ao dr. F. M. Olbrec):l ts , de Bruxelas, durante urn_trabalho de campo entre os ciierolcis. Devemos agradecer-Ihe por te-lo dlvulgado,

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    , 1 1 1 , 11 . )/'t l'ilT ()1,tt

    Ufl r :l ojab1lidade, 0 logo aoettos OU rsohacados sem nenhumaE li padrO s absolutes. Porque ha modos de cultura que sao

    'bOn para urn grupo e nao 0 sao necessariamente para outro; 0 que outrogl ' l ,tPO possa sentir como ruim nao e necessartarnents mau para urn tel"0(')11'0 grupo. 0 fato de se permitirem essas diterencas na maneira deonseguir objetivos visados em comum sem que se haja emitido 0 [uizocorrespondente, nos indica que os que vivem na tradicao euro-americanaprecisam mudar a maneira de pensar a respeito, pois, entre nos, umadiferenga na conduta ou nas creneas implica, com freqtiencia, em algopier ou menos desejavel, e que precisa ser mudado.A suposicao de que as culturas de povos agrafos sao inferiores a nossae 0 produto final de uma longa serie de evolucoes em nossa historia1ntelectual. Nao nos lembramos 'suficientemente de que 0 conceito deprogresso que tanto influi em nosso pensamento e relativamente recente.lil praticamente urn produto unico de nossa cultura, Faz parte da mesmaeorrente historica que desenvolveu a tradicao cientifica e inventou a ma-quina. 0 dominic ua maquina proporcionado pela ciencia e a tecnologiafoi que deu a Europa e a America a ultima paIavra nos debates acercada superioridade cultural. "0 que fabrica a polvora tern 0 poder", dizurn proverbio dahomeyano. Nao existe maneira de repelir este argumento,apoiado pelo canhao, vindo de um povo que defende sua posicao somentecom lancas ou arcos e flechas, e talvez POl' urn fuzil de pederneira. Asuperfocidade tecnologica POl' si mesma acarreta consideravel conviccao,embora nao seja tao convincente como as vezes se possa pensar. Qualquerurn pode ve\ que um automovel realiza a funcao de atravessar a distan-cia com mais eficacia e menos gastos de estorcos que urn homem a peou a cavalo. Aquilo em que geralmente nao pensamos e que a superioridadedessa especie demonstravel nao convencera necessariamente uma pessoade outra cultura, de que uma arte difrente da sua seja tambem prefe-rfvel, ,QUque 0 monoteismo seja melhor que .0 politeismo. Pode ate con-tinual' usando uma enxada depois de se the dar a conhecer 0 arado, pre-cisamente porque prefere seu menos eficaz instrumento. Pode, natural-mente, maravilhar-se ante os modos estranhos que se the depararem muitoam:iude ecom bast ante rorca, Porem, se nao encontra uma respostasatisf~toria para seus problemas, sera vitima da desmoralizacao primeiroe da .aculturacao depois. A aceitacao de crencas e valores europeus, aliadaa :t;f!,ltade oportunidade para conseguir urn modo de vida eqtiitativo sobeies ' - T - a rsituacao contraditoria mais comurn result ante da imposicao dodominic euro-americano - provoca desnorteamento, desespero e cinismo.Com a possivel excecao dos aspectos tecnologicos da vida, a proposi-

    gaq'de que uma linha de pensamento ou de acao e melhor que outfa emulto dificii de se estabelecer sabre a base de qualquer criterio universal-mente aceitavel, Vejamos 0 exemplo dos alirrientos. 0 alimento e ne-cessario ao organismo humano, e nenhum povo que nao se aprovisionesuficieritemente podera sobreviver. As culturas estao diferentemente equi-padas para a producao de alimento, 0 que faz com que uns povos cornam

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    I.

    II ~Il , t r1 , t ) ~1 'I ,11{ M l J O I r vd Ill! 1 1 \ -tl1'll C) co 11 ~ I uumune, 1 H , (j, 1 I

    tanta irnportQ;noia, figura .m 1 0 n a'bl~, ' :l~p nee COlnO aliI 1 u'tupovos do. Asia SUI-oriental. A earn d vaca, valioso 91 m t l'U cll~euro-americana, e vista com d sgosto p los hindus. N In Clq :1 ' l\sidade muda as coisas. Os milhares de rebanhos existentes naa t\ltfildo. Africa Oriental sao, como veremos, riqueza para conserver 110,0 Ili'lconsumir como alimento. Somente I a vaca que morre e comida, );l '" ' I i l Ique, embora nos repugne, nao parece tel' prejudicado muito ,os q V 11seguindo ha geracoes esse costume.as tabus religiosos totemicos estabelecem, todavia, novas restI'190 Ialimentos disponiveis, enquanto que a recusa ao consumo de outrassubstancias comestiveis e nutritivas esta simplesmente condicionadncircunstancias do. endoculturacao. Tao forte e esse condicionam 1 'l t ) q\'IIlo alimento consumido, sem 0 saber, contrariando 0 tabu, pod Pl' lUI"II 'I 'reacoes fisiologieas tais como vornitos e doencas, Todos os anima! .1 11 1 1proporcionam saborosa carne; mas a repugnancia religiosa des rnl ll1tanos pelo leitao nao e mais forte que a nossa secular repulsa p lOA 1 ,r ,de cachorro ou as costeletas de potro. As larvas de formigas e de it ,te os gafanhotos - que eontem calorias e vitaminas - assados ou z1d Iou mesmo crus, sao considerados por muitos povos como verdad 1 Iiguarias. Eritretanto', nos, nunca os eomemos; embora estejam taml) 1ao nosso alcance. Por outro lade, alguns desses povos que .se alim n'ta 1disso com gosto, consideram as substancias enlatadas como impr I'llpara 0 consumo humano.

    4ASCULTURASao goralmente julgadas sob a designacao de "civillzadas'"primitivas". Essas palavras oferecem uma enganosa simplicidade e t ros intent os de documentar as diterencas nelas implicadas, para estab Iecer definicoes precisas, tern demonstrado ser de insuspeitada dificulda t,E, no entanto, as distincoes a que aludem esses dois termos opostos (jmuito importantes para nos. "Primitiv~" e a palavra comumente usar'lnpara descrever os povos dos quais mais tradicionalmente se ocupa 'll~os antropologos, grupos cujo estudo proporcionou a antropologia cultur~a maior parte de seus dados. A palavra "primitivo" prevaleceu qUlll'l.da teoria antropologica estava dominada pela tandencia evolucionista,

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    MLm j mOil lmpUcitamente essa ideia mats do que 0 percebemos. Irn-I;ll' na muitos de nossos jufzos acerca do modo de vida de povos abort-S ' 1'1S com os que nos pos em contato a expansao do dorninio euro--umertcano, Quando falamos ou escrevemos sabre os costumes atuais dos'ndlos americanos, dos negros africanos ou dos povos dos mares do SuI,, I pregando 0 tempo pass ado, queremos dizer que seus costumes saoC l certo modo anteriores aos nossos. Tratamos de suas culturas comose fOssem permanentes e imutaveis, quando, como virnos.: uma das gene-'al1zay5es basicas sabre a cultura e que nenhum corpo de costumes estattco. Nao importa quao conservador possa ser urn povo: S8 investi-garmos, veremos que seu modo de vida nao e 0 mesmo que nos temposprtmtttvos, Se reconhecemos, pois, a universalidade da mudanca cultural,admitirnos 'que todos os grupos de hornens descendem de uma so fonte

    o pensamos nas centenas de milhares de anos que nossos antepassadosomuns viveram s6bre a terra, podemos concluir que 0 passado de todoss grupos compreende incontaveis geracoes. Durante esse tempo, comoevidenciam os restos que a terra nos vai entregando, a regra tem sidon mudanca constante, embora talvez lenta. Dai devemos concluir que

    ~ Iilhurn grupo atual vive como viveram seus antepassados ou os nossos.Oom 0 decorrer do tempo, a palavra "primitivo" acumulou outras cono-

    f'fLQ6ess= mais avali:adoras que descritivas. Diz-se que os povos primi-trvos tern culturas simples. Cre-se que sao como criancas, ingenues, poucoomplicados. Aceitou-se amplamente a hip6tese, que em breve considera-ramos,de que os povos primitivos sao incapazes de apreciar a realidadese nao f6r atraves de urn processo mental especial. Em resumo, chega-sea dizer que as culturas primitivas sao inferiores, em qualidade, as civili-zacoes hist6ricas. Apllcam-se-lhes qualificativos como "selvagens" ou "bar-baras", baseando-se nurna presumivel sequencia de "selvagismo", "barba-rie" e "eivilizacao".Urn dentre os muitos exemplos que se poderiam eitar, esta na extensa

    Investigacao s6bre a natureza e os processos da mudanca na oivilizacao,levada a cabo pelo historiador A. J. Toynbee. Definindo uma civilizacaocomo "urn campo de estudo que se mostra inteligivel dentro de seus pro-pries limites", e interessando-se pela linha basica "da moderna comuni-dade nacional ocidental" fala dos povos que ficam fora dessa linha comodo "proletariado externo", cujos contatos com uma civilizacao tendema rebaixa-la, Nos Estados Unidos, 0 "proletariado externo" era 0 indio.Toynbee fica assombrado com a poderosa influencia exercida pelo indiona modiricacao dos modos de vida dos homens da fronteira norte-ameri-canos, mediante 0 que se chama de "barbarizacao" dos costumes europeus."Se recordarmos a disparidade inicial, e isto tanto em cultura espiritualcomo em rorca fisica, entre os que vieram da 'Europa e construfram estanova naQao e os aborfgenes americanos que eles foram varrendo a suapassagem, ... , nao podemos deixar de nos assombrar com a poderosainfluencia exercida por uma barbarie que retracedia ante uma civilizacaoinvasora .. . animada pela iOrga de iniciativa e protegida por todo 0 peso

    I~

    , I dl ln t11 I II II llwMI.l ii'tILl" QI lL I~11 3 (I, l" lOS s tad sid 1Cl:lis dl.\ Euro a . r PI' B nta Ulnl,1mutt mais notavel para a barbarie do que a barbarlzac] ] , ) 1 'a f1gie e inscrtcces helenicas das moedas do rei Felipe, no d .tonga e lenta vlagem de cunho helenico das margens do StrymoTl:\misa na Ultima Thule. Aos olhos do leigo, a fuga para B'llin,M arte africana) e para Bisancio parecem pouco propicios para. (lU

    dscadente artista ocidental recobre sua alma perdtdav.>Apesar de todos os arrazoados filos6ficos e da imensa erud10tlo q\contem a enorrne obra da qual se tiraram essas citacoes, ve-se clal'am t U Ique tais assercces outra coisa nao fazem senao revelar os preconcot t a nautor, e veremos que os emprestimos, mecanismos basicos de inti l' o,l'),'llJ'cultural, sao inevitaveis em todo contato entre povos. Nao I S n a Clnque urn grupo dominante seja influenciado pelos costumes do do 1Qual foi a "disparidade inicial na cultura espiritual" que servlutrapeso aos canh6es e obuses trazidos pelos "chegados da Europa"os indios? Torna-se patente que a vcaracterizacao do selvagem comotura que vive em anarquia, sem restricoes morais e sem senslb1l1

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    1 ljl U 0 0 mpl1 ados, para citar as qualificI:lQ5es mats empregadas parf\

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    ~ U l\n 't ( l ) p a le w x '! ! \ "bQl!bQ : J : i Oi, a ma ;1 o li ' p a~ tj i) d os a nt ro po to g os a bs ol ut e-~ nt l i laO a. emp1'ega. Os antrop610gos empregam a palavra "prtmittvo'OU"selvagem," para assinalar povos exteriores a corrente de cultura euro-.ijme'l'icana e que nao possuem linguagem escrita. :Reiterando esta signi-t~caQ~oesperava-se que eliminassem todas as demais conotacoes, e quea l a i ja nao slgniffoaria .algo assim como simples OUingenue, nem serviriapara descrever totalmente, fora do fato de carecerem de escrita, civiliza-~ O e l : \ tao diferentes como ados siberianos pastures de renas ou a do im-Jl)el'io de Lunda, no Congo.1F'0ram propostas varias expressoes para substituir a palavra "primiti-' V i O " , "Ahistoricos", que e uma delas, .nao encontrou muita aceitacao.Il'l4plicaque a ausencia de-historta escrita equivale a nao tel' absolutamentel'l.ist@riaj0 que nao se pede dizer de nenhum povo existents no tempo,"Pre-letrado~" - .sem escrita ::.,_encontrou maier aceitacao, porem, pode-se( ! ) . b g e t a r que 0 prenxo' pre contem urn significado temporal que permiteuma Predigi3;o. 'E uma nova versao do conceito "antepassados contempo-wftneos", ja que vimpl ica . que os povos que nao tern linguagem escritaestao nuri; estado anterior a outro no qual, provavelmente, mventarao a~sclJita. A terceira forma "agrafos" assinala simplesmente a fato de que@ssespovosnao tern linguagem escrita. Confunde-se, as vezes, com "ile-tl:vados",porem nao sei se deveria empregar essa palavra, ja que trazC0nsigo' umaconotac;l'lo de inferioridade em capacidade ou opcrtunidade,ou e;t;nambas. Agrafo, como expressao incolor, traz um significado uni-v;oeo,!e e realmente aplicavel aos dados que tenta delimitar, e POl' isso a'p,te:~\3r.imos todas las demais express6es. E a que empregaremos neste livro.,A'g;u:estaoque ~ seguir se. coloca e a de saber se qualquer criterio sin-

    gu~ar como a presenca au ausencia de escrita e adequado para de~crever0S muitos povos que tentacompreender. Sua pertinencia e corroboradap~orsua evidente utilidade, embora seja claro que nenhuma caracteristicaiSQ'ladaseja idealmente satisfatoria para designar culturas inteiras. If: pre-91S0 .reconhecer que, comumente, outras caracteristicas acompanham a,auseni::i,ade escrita. Os povos agratos costumam estar relativamente maisisolados,abrangem menor' numero de indivfduos e sao menos adictos an.1Udf!Ug;lsapidas em seus modos sancionados de conduta que os que co-tlliJ.e~m a escrita. Ademais, nas. recentes geracoes, teve-se que destacar"a' '~ultura euro-americana, nao so das culturas agrafas como tambem .dascu}pl]ras, .que, fora da Europa e da America, conhecem a escrita devido a,p,r'e~erwade umatecnologia baseada no poder da-rnaqulnaria e na tradicaoc~entffica. Mas e precise reconheoer que nenhuma dessas diferencas, ex-ceto ocasionalmente a ultima, e tao claramente manifesta como a ausen-cia ou presenca de escrita.

    I \ '

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    1 UUl'llll:1 . ~ 1,Upod S l' till n dl C'b o ~ \ S S . m .oc lO I'J

    ( ; \1 p sto a lu tal' morr r per 01 s. Tarnb m se pode rt l v l c l l l t C L e em till'mos de valor de, sobrevivsncia, pOs to qu 0 fij' l '\lPO U VV(d aoOl ' do com eles continuae!Kistindo, Mas nrLo qU(ll'era 1s130Ul i l l l' (;1,111todos os sistemas de valores morais, todos os concertos d o 0 ru o ' '(I-I ,tm,orundados em areias tao j movedicas, que nao ha hecessit;,'l~tddO X

    l1C1ade,de' conduta propria, ou de codigos eticos? Sent que l.tl'l').l1 X l l ol'elat'ivista implica sua negacao?Afirmar que os valores nao existem porque sao relatives 110t 11lugar , ou negar a validez psieologica de divergentes conceitos do. :t ' lil1e ser vitfma de um sofisma result ante de nao levar em conta 1 :\ ' l , t ' 1 . .

    bu,lgao positiva da poslcao relativista. Porque 0 relativismo ou l b t l : l . ' o . tuma filcsoffa que, ao reconhecer os va16res estabeleeidos em oad,adade para guiar sua propria vida, insiste na dignidade tnerente 11corpo de costumes e na necessidade de tolerancia perante convenQ!5rentes das nossas. Em vez de sublinhar as diferengas relativas &8no~' 1\absolutas que, embora objetivamente alcancadas, nempor tsso d X l I I .de ser um produto de um tempo ou Ingar determinados, 0 ponte d vi 1relativista destaca a validez de cada serie de normas para as pessoa W l'eras .guiadas, e ados valores que representam,Como 0 expressou urn filosofo que' estudou 0 problema do rehttivian

    cultural: ", .. a virtude nao e algo que 0 individuo possa possuir ou d H~f~utar independentemente de sua relacao com seus companheiros. 'O mhornem so se pode fazer e ser verdadeiramente homem atraves da ul-tura e sua participaeao nela, 'A harmonia interior constituida POI' uavirtu de deve corresponder a superior harmonia de sua vida com '0 c t.mais, Os criterios de virtude devem ser sempre relativos a ctllttll'til,isso se aplica tao de cheto a nossa propria dtstincao entre 'justo e injuato,certo e errado, como- aos crtterios rde. qualquer povo primitivo". At e naparente dilema colocado pelo fato de que a ciencia, modo unico de ol':igar objetivamente a uma verdade, garantida, transcenderia os limites dt6da convencao CUltural, e preciso reconhecer 0 peso da corrente cultUralque torna dificil todas asconquistas cientificas. "Se a maneira cientif1 11del pensar s6 se pode sustentar pot meio do continuo crescimento e auto.-regeneracao, tambern e verdade que s6 pode sobreviver numa ordem SQ talimpregnada por sua propria fe Iilosofica e capaz de transcendencia QUl.tural. Privada a ciencia fisica dessas condicoes, murcharia como urnaplanta cortada pela raiz". 8Ao considerar 0 relativismo cultural e essencial diferenciarmos os abso-

    lutes dos universais. Os absolutos estao fixos, e pelo que as convened tJse refere, nao se admite quetenham variacao nem difirarh de cultul'~

    I "ANTESde terminal' 0 exame do relativismo cultural, temos que consideraroertas 'quest6es surgidas: da posicao cultural relativista. "Pede ser ver- 8. Grace A. de Laguna, 1942, pp. 161"6.

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    1 0 1 ) uu: rm~'11 Ul'CunI, m a poo !1 . para ., ~pooa . Por outeo lado, os universais1:11 :10OB m!nimos til nommadores comuns que S0 podsm tirar Indutiva-mente da compreensao do ambito de vartacao que manifest am todos osrenemenos do mundo natural ou .cultural. Se apJicarmos essa distincao,veremos que essas critic as perdem sua f6rga. Dizer que nao ha nenhumcriterio absolute de valor ou de moral, ou ainda psicologioamente, detempo e espaco, nao significa que tais criterios nao contenham em [ormasdiferentes os universais da cultura humana. Veremos ja como se reco-nhecem em t6da parte certos valores da vida humana, embora nao hajaduas culturas cujas instituicoes sejam identicas na forma. A moralidadee universal, assim como tambem 0 prazer estetico e algum criterio daverdade. As diversas formas adotadas por esses conceitos nao passamde produtos da particular experiencia hist6rica das sociedades que asmanifestam. Em cada uma, os criteries estao sujeitos a continuas inter-rogaeoes. e mudancas, Porem, as concepcoes basicas permanecem paracanalizar 0 pensamento e dirigir a conduta para dar urn sentido a vida.Evidenclar-se-a mais adiante quae dinarnica pode ser a cultura. Quel'

    por invencao interna, quer POl' emprestimo de fora, as culturas mudamconstantemente, nao s6 em sua totalidade como em cada um de seusaspectos. Pode-se resistir as mudancas ou dar-lhes boa acolhida. Nesteprocesso, 0 individuo muda sua atitude para com os irnponderaveis dacultura nao menos que para com os objetos materiais de seu mundo.A moral, a visao do mundo de uma epoca nao sao identicas as da pro-xima, como 0 demonstra a simples observacao de nossa propria hist6ria.E, no entanto, sua validade na epoca e tal que, com demasiada freqiien-cia, entender uma mudanca torna-se dificil para 0 homem que nela v.ive.Podemos de maneira semelhante rebater a arirrnacao de que 0 relati-

    vismo cultural nega a f6r j,ilo In\!t.Uu. Sublinhar 0 valor de diversos modos d vicl l l ,11 l 6, s1gnifica afirmar os valores de oada cultura. Tnt ll~(VII\ ))t' t l'I'Ii

    lpr rider e harmon1z~r os diversos fins, nao julgal' d stl'u,1l,' l lN (111jam congruentes com os nossos, A hist6ria. ultUl 'fll 1 t t I l M 1 1 J I ~S e importante estudar os para le lisrnos nas civlUzoacOJ l1UUll~1I ,menos discernir e estudar as diferentes man'1I'~ 1c t lIf'l /1 1 Pili 1para satisfazer suas necessidades. '

    fato ~~ ter sido necessario debater quest5es tais como o ~lnlil(HIH( II,10 relattvtsmo cultural e um reflexo de nossa experil311cia nc'lomlMI!'u(lIl,f~ qual se acentuam os absolutes. :E::stesproblemas s6 pod l'1n:tX(~, t ' IMlOoados por aqueles que foram preparados POl' uma cultura. ' t n l I(]tIll

    a ncssa, na qual os sistemas de moral que prevalecem nl!io ' ' 1 ' 1 , ! " ( ,H IIt : I - s-~' inculcados conscientemente, mas proc1amam seu valor x ala Iv n ( ' I HX' l&noia. Nao ha, por exemplo, muitas culturas nas qua1~ I:i ! t IN" IInuma rfgida dicotomia entre 0 bern e 0 mal tal como nos f . \ ' ( i 1 ~ 1 1 ! 1 1 1 'mos. Mas se admite que 0 bern e 0 mal nao passam d os )(U (!!Ill

    < 'i uma escala continuamente variavel entre cujos poles se Pl' t 'l t1~ ~ 0Q'il'ElUSiferentes de cinzento. Voltamos assim ao principio ant 1'11'iI;Ui enunciado ~e que "os juizos estao baseados na experiencia, e qu, n (~1)(.1'1ncia e mterpretada pelo individuo na base de sua endocultu ' O t ( , l r t 'I,Numa cultura em que se exalt em os va16res absolutes, 0 relaCiv~l:l~ll tur n mundo que abrange muitos modos de vida sera dificil dnder, Oferecera antes um terreno para juizos de valor cuja be .p1'oporgaoem que um dado corpo de costumes se assemelhe 01,1des proprios da cultura euro-americana.Nao e por casualidade que uma filosofia de relativismo cultural O1U

    a sumariarnente esbocada tenha precisado esperar 0 desenvolvtmentn e tu:n suficiente conhecimento etnograrico. Enquanto os costumes des p 'V 'nao puderem ser estudados na base de sua propria textura de valOl 'tnao cabia outra solucao senao avalia-los na base do etnocentnsm a t ;julgador. Porern, gracas a tecnicas eficazes e ao amplo caudal de dllct()I'I'torna-se possivel a humildade refletida na tolerancia da atitude oultm', irel~tivista e sua amplitude de visao, 0 emprego dos rnetodos cientmom;aplicados nas investigacoes de campo e 0 conhecimento que te'mos d~que diversos c~rpos de costumes procuram satistacao para os gl'tlV Rhumanos, p_:rmItem-n_os.sair do pantano etnocentrico em que nOS90 p O samen~o acerc~ dos ultimos val6res por tanto tempo chafurdou. D1spon~1Ide mew para mv~sti~~r as mais discrepantes ortentacoes culturais . 1~1U'(~adentrar-nos n~ significado dos modos de vida de povos diferentes, p a (m~s .retornar a nossa propria cultura com uma perspectiva nova e Ut1Uobietividade que de outre modo nao alcancartamos.