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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO TRÓPICO ÚMIDO CURSO DE MESTRADO EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO JOVENILDO CARDOSO RODRIGUES MARABÁ: CENTRALIDADE URBANA DE UMA CIDADE MÉDIA PARAENSE Belém 2010

MARABÁ: CENTRALIDADE URBANA DE UMA CIDADE MÉDIA … · COSIPAR - Companhia Siderúrgica do Pará DIM - Distrito Industrial de Marabá DNER - Departamento Nacional de Estradas de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR NCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZNICOS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO TRPICO MIDO CURSO DE MESTRADO EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO

JOVENILDO CARDOSO RODRIGUES

MARAB: CENTRALIDADE URBANA DE UMA CIDADE MDIA PARAENSE

Belm 2010

JOVENILDO CARDOSO RODRIGUES

MARAB: CENTRALIDADE URBANA DE UMA CIDADE MDIA PARAENSE

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Desenvolvimento do Trpico mido como requisito final para obteno do Ttulo de Mestre em Planejamento do Desenvolvimento, pelo Ncleo de Altos Estudos Amaznicos, Universidade Federal do Par. Orientadora: Prof Dr Rosa Elizabeth Acevedo Marin.

Belm 2010

Dados Internacionais de Catalogao de Publicao (CIP) (Biblioteca do NAEA/UFPa)

Rodrigues, Jovenildo Cardoso Marab: centralidade urbana de uma cidade mdia paraense / Jovenildo Cardoso

Rodrigues ; Orientadora, Rosa Elizabeth Acevedo Marin. 2010. 188 f.: il. ; 29 cm Inclui bibliografias Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Par, Ncleo de Altos Estudos Amaznicos, Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido, Belm, 2010. 1. Planejamento urbano Marab (PA). 2. Urbanizao Marab (PA). 3. Marab (PA) - Histria. 4. Marab (PA) Condies econmicas. I. Acevedo Marin, Rosa Elizabeth, orientador. II. Ttulo. CDD 21. ed. 711.4098115

JOVENILDO CARDOSO RODRIGUES

MARAB: CENTRALIDADE URBANA DE UMA CIDADE MDIA PARAENSE

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Desenvolvimento do Trpico mido como requisito final para obteno do Ttulo de Mestre em Planejamento do Desenvolvimento, pelo Ncleo de Altos Estudos Amaznicos, Universidade Federal do Par. .

Data de aprovao: Banca examinadora: Prof Dr Rosa Elizabeth Acevedo Marin Orientadora - UFPA/NAEA Prof Dr. Saint-Clair Cordeiro da Trindade Jr Co-orientador - UFPA/NAEA Prof Dr. Edna Maria Ramos de Castro Examinadora Interna UFPA/NAEA Prof Dr. Jos Aldemir de Oliveira Examinador Externo UFAM

minha querida Me pelo amor, dedicao e cumplicidade, indispensveis em minha

vida.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me possibilitar uma vida de relaes fraternais e a partilha de momentos

felizes com famlia e amigos;

minha querida me Darcy, pelo amor e dedicao incondicional, que me dedicou ao

longo dos anos de minha vida, sem o qual no teria sido possvel escrever este trabalho;

Aos meus queridos irmos Dinho, Denha, Juli, Toti, Jack e Josi, pelo amor, pelo apoio

psicolgico, afetivo nos momentos de concepo deste trabalho;

Ane, por fazer parte de minha vida, por compreender os motivos de minha ausncia

em ocasies importantes e pelo apoio e dedicao indispensvel para a realizao deste

trabalho;

Luisa Litria e Daniel Bratcho, sobrinhos queridos, com os quais tenho partilhado

momentos felizes;

Ao mano Dinho quero fazer um agradecimento especial por suas contribuies sempre

repletas de criticas, que foram fundamentais para o avano da discusso, Juli devo as

revises deste trabalho;

Joventino (in memoriam), pai amoroso, cuja retido de carter me fez caminhar

rumo senda de uma vida digna e honesta;

Quero externalizar meu profundo agradecimento ao mestre, amigo e co-orientador

Prof Dr. Saint-Clair Cordeiro da Trindade Jnior. pela leitura rigorosa do trabalho, pelo

apoio, pela confiana, e pelo estmulo que me foram depositados, sem o qual esta pesquisa

no se tornaria possvel;

minha orientadora professora Dr Rosa Acevedo, tambm quero fazer um

agradecimento especial, pelo seu olhar crtico, humano, solidrio, compreensivo e

fundamentalmente, pela amizade construda ao longo desses anos de convivncia no Ncleo

de Altos Estudos Amaznicos (NAEA) e no grupo Nova Cartografia Social da Amaznia;

Aos amigos Lutchiano e Matheus Monteiro Lobato, pelo incentivo e pela

solidariedade momentos importantes de concepo deste trabalho;

Quero agradecer tambm aos amigos da Pesquisa Mrcio Douglas, Rovaine, Bruno

Babha Malheiro, Michel, Gleice, Ana Luisa, Marcos Alexandre, pelo dilogo e aprendizado

ao longo do processo de construo desta dissertao;

Agradeo ainda Tabilla Verena e Welington, pela pacincia e empenho na confeco

dos mapas;

s amigas Rosngela e Ruth da Biblioteca do NAEA, pela amizade e pela

solidariedade nos momentos da reviso desta dissertao;

Aos professores Genylton Rocha, pelos primeiros momentos na iniciao cientfica,

Maria Goretti pela solidariedade geogrfica, a Clay Anderson, Joo Mrcio, Carmena Frana,

Carlos Bordalo, Janette Gentil, pelos momentos de aprendizado durante o curso de graduao;

Aos amigos Izaura, Armando paulista, Lo, pelo incentivo, aprendizado e

companheirismo;

Ao professor Fbio, pela amizade e incentivo que foram importantes em alguns

momentos difceis de construo da pesquisa;

Aos professores Armin Mathis, Ana Paula, Chiquito, Marlia Emmi, Aragon, Pont

Vidal, Tereza Ximenes, Ligia Simonian, pelos ensinamentos e pelo dilogo fundamentais ao

meu processo de aprendizado;

Ademir Braz, pelo olhar politizado e crtico de um autntico marabaense;

O presente trabalho foi elaborado com apoio financeiro do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), uma entidade do governo voltada ao

desenvolvimento cientfico e tecnolgico, atravs do projeto de pesquisa intitulado Cidades

Mdias na Amaznia: Novos Agentes Econmicos e Novas Centralidades Urbano-regionais

no sudeste paraense, coordenado pelo Professor Doutor Saint-Clair Cordeiro da Trindade

Jnior.

Quero agradecer ainda Fundao Ford pelo apoio ao trabalho de campo e

Federao de rgo para Assistncia Social e Educacional (FASE) pelo financiamento

indispensvel para a realizao desta pesquisa;

Para finalizar, a todos aqueles que compem a minha rede de afetos e que

contriburam direta e indiretamente para a construo deste trabalho quero externalizar meu

mais profundo agradecimento.

No vento do fim de ano, as castanheiras desovam o fruto frtil que o sonho dos castanheiros embala. Abade, bucha, espoleta, Fumo, isqueiro de pedra, Chumbo, cartucho e coragem levando no encauchado, o castanheiro embarca: espera-o na selva a maleita, os juros do barraco, cabea dhectolitro - misria de casaco to duro Que nem a lavra o collins. [...]

Ademir Braz, Mair-ab

RESUMO

A cidade de Marab vem passando por um intenso processo de transformaes, como resultado do avano da urbanizao, de forte atuao do Estado e de novas dinmicas econmicas, demogrficas e espaciais que contriburam para a atual condio de Marab, como cidade mdia de fronteira, na Amaznia Oriental brasileira. Tal condio se revela a partir de uma centralidade urbana desta cidade em relao ao sudeste paraense, como espao funcional que tende a atender demandas por comrcio e servios, bem como, pela condio de espao de deciso no que tange a estratgias governamentais, de agentes econmicos e contra-estratgias dos movimentos sociais. Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar que papel vem exercendo a cidade de Marab, como cidade mdia, no contexto de reestruturao produtiva e das novas configuraes apresentadas pela rede urbana oriental amaznica a partir dos anos de 1990. Para tanto, optou-se por uma abordagem terico-metodolgica interescalar, levando em considerao as escalas intra-urbana e interurbana, bem como, as dimenses da realidade social. A opo por esta perpectiva tericometodolgica decorreu da necessidade de se conceber reflexes que levem em considerao o movimento de contradies inerentes ao processo de produo do espao de Marab. Palavras-chave: Cidade Mdia. Urbanizao. Centralidade Urbana. Produo do Espao. Marab.

ABSTRACT

The city of Maraba has experienced an intense process of transformation as a result of urbanization, the strong performance of the state and dynamics of new economic, demographic and spatial who contributed to the current condition of Maraba, as Middle-sized Cities of Frontier, in Eastern Amazonia. Such a condition is revealed from an urban centrality of this city over the southeast Par, as functional space that tends to meet demands for trade and services, as well as the condition of space for a decision with respect to government strategies of economic agents and counter-strategies of social movements. Thus, this study aims to examine what role is having the city of Maraba, as Middle-sized Cities, in the context of productive restructuring and new network configurations presented by the urban eastern Amazon from the 1990s. To this end, we opted for an 'inter theoretical and methodological approach, taking into account the scale intra-urban and interurban, and the dimensions of social reality. The choice of this theoretical and methodological perpective resulted from the need for developing ideas that take into consideration the movement of contradictions inherent in the production process of the space of Maraba. Keywords: Middle-sized Cities. Urbanization. Urban Centrality. Production of Space. Maraba.

LISTAS DE ILUSTRAES

Mapa 1: Situao da cidade de Marab, no Sudeste Paraense................................. 55

Figura 1: Situao de Marab no contexto paraense at os anos de 1950 ............... 59

Figura 2: A iconografia de Domingos Nunes retrata o modo de vida dos habitantes do bairro do Cabelo Seco nos primeiros anos do sculo XX....................

71

Planta 1: Expanso urbana da cidade de Marab at os anos de 1950..................... 87

Fotografia 1: O respectivo registro fotogrfico, do ano de 1947...................................... 90

Fotografia 2: A iconografia acima, registrado no ano de 1947 (ibid.), evidencia o

carter precrio deste fragmento de espao..............................................

90

Fotografia 3: O respectivo registro fotogrfico da orla de Marab nos anos de 1950,

efetuado por Dias (1958), revela a presena de........................................

94

Mapa 2 : Multitemporal da Cidade de Marab........................................................ 107

Planta 2: Plano de Expanso Urbana de Marab adaptado Yoschioka................. 109

Fotografia 4: O registro fotogrfico do ncleo urbano Nova Marab no incio dos anos de 1980.....................................................................................................

111

Mapa 3: Eixos estruturantes de Marab.................................................................... 122

Quadro 1: Produo do Espao da Cidade de Marab no Tempo Espacial................. 125

Quadro 2: Organizao do poder Judicirio Federal e Estadual (Justia Federal,

Trabalhista, Eleitoral e Estadual) no Estado do Par................................

134

Quadro3: Quantitativo de Projetos de Assentamento do INCRA em Marab 2006... 153

Quadro 4: Nmero de Ocupaes em Marab, 2008................................................. 154

Quadro 5: Total de Processo no rgo jurisdicional de Marab................................. 158

Quadro 6: Total de processos no rgo jurisdicional no sudeste paraense at maio de 2010...................................................................................................... 159

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evoluo da produo da borracha na Amaznia........................................... 57

Tabela 2: Evoluo da Populao Residente Total no Municpio de Marab.................. 102

Tabela 3: Populao Residente no Municpio de Marab, Par....................................... 103

Tabela 4: Marab Populao Total, Urbana e Rural..................................................... 104

Tabela 5: Populao urbana e rural da Regio de Integrao (1970/2000)...................... 127

Tabela 6: Produto Interno Bruto Per capita por Regio de Integrao 2004................ 128

Tabela 7: ndice de Desenvolvimento Humano Municipal e Regio de Integrao 2000................................................................................................................. 129

Tabela 8: Indicadores Demogrficos por Regies de Integrao e Municpio do Estado do Par............................................................................................................... 129

Tabela 9: Cidades com Agncias e Postos de Atendimento Bancrio no Sudeste Paraense (2010).................................................................................................

131

Tabela 10: Nmero de Agncias e PABS no Par e em So Paulo 127............................. 132

Tabela 11: Nmero de Agncias da Caixa Econmica Federal 128.................................... 133

Tabela 12: Municpios Pactuados com Marab a nvel Ambulatorial Ano 2002........... 135

Tabela 13: Nmero de cursos de graduao ofertados pela UFPA nos municpios da

Mesorregio Sudeste Paraense, 2007.............................................................

136

Tabela 14: Dficit Habitacional absoluto e relativo segundo a situao de domiclio por

municpio da Regio de Integrao Carajs 2000/2007....................................

137

Tabela 15: Domiclios com Carncia de Infraestrutura Esgotamento Sanitrio (Rede Geral ou Fossa Sptica) Segundo os Municpios da Regio de Integrao Carajs 2000/2007.............................................................................................

138

Tabela 16: Tamanho e valor dos lotes urbanos na Regio de Integrao Carajs............... 139 Tabela 17 Principais Indstrias Siderrgicas de Marab, 2006.......................................... 149 Tabela 18: Principais Supermercados de Marab................................................................ 150

Tabela 19: Principais lojas de eletrodomsticos, eletroeletrnicos e Magazines e lojas de departamento na cidade de Marab, 2008 145................................................ 150

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACIM - Associao Comercial e Industrial de Marab

ADA - Agencia de Desenvolvimento da Amaznia

ALBRAS - Alumnio Brasileiro AS

ALCOA Companhia de Alumnio da Amrica

ALPA - Aos Laminados do Par

ASPUC Associao de proteo aos Umbandistas e Candomblecistas

BASA - Banco da Amaznia CEPASP - Centro de Educao, Pesquisa e Acessria Sindical e Popular

CNPU - Comisso Nacional de Regies Metropolitanas e Poltica Urbana

CVRD - Companhia Vale do Rio Doce

COSIPAR - Companhia Siderrgica do Par

DIM - Distrito Industrial de Marab

DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte

DTT - Diviso Territorial do Trabalho

FES - Formao Econmica e Social

FUNAI - Fundao Nacional do ndio

GETAT - Grupo Executivo de Terras do Araguaia e Tocantins

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IDESP - Instituto de Desenvolvimento Econmico, Social e Ambiental do Estado do Par

IDH - ndice de Desenvolvimento Humano

I PND - I Plano Nacional de Desenvolvimento do Brasil

II PND - II Plano Nacional de Desenvolvimento do Brasil

INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria,

INCRA- Instituto nacional de Colonizao e Reforma Agrria

INFRAERO - Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroporturia

NAEA - Ncleo de Altos Estudos Amaznicos

MIRAD - Ministrio da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio

ONU - Organizao das Naes Unidas

PAC - Programa de Acelerao do crescimento

PEHIS - Plano de Habitao Estadual de Interesse Social

PFC - Projeto Ferro Carajs

PIB - Produto Interno Bruto Municipal

PIN - Programa de Integrao Nacional

PNDU - Programa Nacional de Desenvolvimento Urbano

POLAMAZNIA - Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia

POLAMAZNIA POLURB - Programa de Pesquisa e apoio poltica Urbana

PROTERRA - Programa de Distribuio de Terras

RECIME - Rede de Pesquisadores sobre Cidades Mdias Brasileiras

RTZ - Rio Tinto Zinco

SEAS - Secretaria de Assistncia Social SEDURB - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Regional

SEPLAN - Secretaria de Planejamento

SEPOF - Secretaria de Planejamento, Oramento e Finanas

SEURB - Secretaria Executiva de Desenvolvimento Urbano e Regional;

SIDEPAR Siderrgica do Par AS

SMS Secretria Municipal de Sade

SNI Sistema Nacional de Informao

SNIU - Sistema Nacional de Indicadores Urbanos

SUDAM - Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia

UFPA - Universidade Federal do Par

USIMAR Marab - Usina Siderrgica de Marab

SUMRIO

1 INTRODUO......................................................................................................... 16 1.1 METODOLOGIA DA PESQUISA ......................................................................... 20 2 CIDADE, CIDADE MDIA: CONCEITOS REVISITADOS.............................. 27 2.1 URBANIZAO E CIDADES ............................................................................. 31 2.2 PECULIARIDADES DAS CIDADES MDIAS................................................... 36

3 FRENTES DE EXPANSO E A FORMAO DAS CIDADES NA AMAZNIA ORIENTAL............................................................................................ 54 3.1 O EXTRATIVISMO E A REDE DE CIDADES NA AMAZNIA (1850/1920).... 55 3.2 VILAS E CIDADES NO VALE DO TOCANTINS............................................. 61 3.2.1 O Burgo do Itacaiunas..................................................................................... 66 3.2.2 Cidade de Caucheiros e Comerciantes em Marab.......................................... 70 3.3 CIDADE DOS OLIGARCAS DA BORRACHA E DA CASTANHA................ 78 3.3.1 Marab nas duas primeiras dcadas do sculo XX........................................... 82 3.4 MUDANAS E PERMANNCIAS NO ESPAO INTRAURBANO................. 85 4 MARAB: CIDADE DA COLONIZAO, DOS GRANDES PROJETOS E CIDADE ECONMICA ......................................................................................... 96 4.1 CIDADE DA COLONIZAO OFICIAL E DO URBANISMO RURAL........ 96 4.2 CIDADE CORPORATIVA E A VERTICALIDADE DA AMAZNIA DOS GRANDES PROJETOS............................................................................................. 111 4.3 CIDADE ECONMICA E POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL.................................................................................................................. 114 4.3.1 Formas do espao intraurbano de Marab no presente................................... 117 5 CENTRALIDADE URBANA E O PAPEL DA CIDADE DE CONFLITOS 126 5.1 ALGUNS ELEMENTOS REPRESENTATIVOS DA CENTRALIDADE URBANA DE MARAB, NO SUDESTE PARAENSE.......................................... 126 5.2 AS ESTRATGIAS DO ESTADO E DOS AGENTES ECONMICOS NA SUBRREGIO.............................................................................................................. 140 5.3 A CENTRALIDADE POLTICA DE MARAB NO SUDESTE PARAENSE... 151 5.4 MARAB: DIVERSIDADE E PLURALIDADE NA FRONTEIRA DO HUMANO....................................................................................................................... 164 6 CONSIDERAES FINAIS..................................................................................... 168 REFERNCIAS............................................................................................................ 174 APNDICES.................................................................................................................. 186

16

1 INTRODUO

Tecer consideraes acerca de uma cidade mdia paraense como Marab, constitui-se

desafio em meio a um intenso processo de estruturao1 do espao amaznico, evidenciado no

contexto atual, e de insero desta cidade numa diviso social e territorial do trabalho inerente

ao modo capitalista de produo. A estruturao urbana e estruturao da cidade constituem-

se possibilidades analticas que permitem compreender a articulao entre o processo de

organizao econmica e espacial da cidade de Marab e o processo de urbanizao do

espao amaznico em sua diversidade.

Meio e resultado de mltiplas transformaes concernentes ao fenmeno da

urbanizao, as cidades e, em particular, as cidades amaznicas, dentro de uma dimenso

econmica, constituem-se expresses dos papis de acumulao e de concentrao de capital,

bem como de precarizao crescente das relaes de trabalho, que aprofundam e atualizam as

contradies entre o capital e o trabalho.

A esse respeito, Lencioni (2008) e Castro (2009) afirmam que as lgicas que presidem

a monopolizao do capital como diviso internacional do trabalho, a concentrao, a

centralizao, a descentralizao, a desconcentrao, permanecem como modelos de ao que

tendem a influenciar direta ou indiretamente a realidade das cidades.

A urbanizao do espao das cidades amaznicas condio e resultado de processos

socioespaciais constitudos historicamente. Nesse sentido, o espao urbano amaznico se

caracteriza como expresso de uma urbanodiversidade2, reflexo de mltiplas aes,

transformaes e contradies socioespaciais. Tal fato exige uma abordagem terico-

metodolgica adequada para entender esse processo de transformaes sob o escopo de uma

teoria.

Browder e Goodfrey (2006) afirmam que entender o processo de urbanizao do

espao amaznico requer que se compreenda a urbanizao a partir de uma teoria pluralista de

1A reestruturao em um sentido mais amplo transmite a noo de uma freada, sendo de uma ruptura nas tendncias seculares, e de uma mudana em direo a uma ordem e uma configurao significativamente diferentes da vida social, econmica e poltica. Evoca, pois, uma combinao seqencial de desmoronamento e reconstruo, de desconstruo e tentativa de reconstituio, proveniente de algumas deficincias ou perturbaes nos sistemas de pensamento e ao aceitos (SOJA, 1993). Quando se leva em considerao o processo de insero do modo capitalista de produo em territrio amaznico torna-se essencial compreender a profunda desestruturao sofrida pelas sociedades locais (ndios, ribeirinhos, camponeses, populaes tradicionais), e ao mesmo tempo, os processos de resistncia por parte desses sujeitos sociais diante do avano da racionalidade capitalista. 2 Este conceito foi concebido por Trindade Junior em discusso no grupo de pesquisa Cidades Mdias na Amaznia: Novos Agentes Econmicos e Novas Centralidades Urbano-Regionais no sudeste paraense e gentilmente cedido para esta dissertao.

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urbanizao desarticulada. Essa perspectiva permite ver a confluncia de espaos sociais

diversos, como um continuum socioespacial que resulta do encontro entre sujeitos, agentes e

aes, bem como de formas de compreender as especificidades da realidade social amaznica.

As reflexes acima apresentadas se fazem necessrias quando se considera que a

anlise da cidade de Marab, enquanto cidade mdia pressupe que se compreendam os

mltiplos processos espaciais de produo do espao desta cidade, a partir de uma

perspectiva interescalar (SPOSITO, 2006). Isto requer analisar o imbricamento articulado e,

ao mesmo tempo, conflituoso entre as diversas dimenses e escalas, abordagem que ser

exposta mais adiante.

O propsito de compreender a importncia da formao socioespacial para entender a

centralidade atual de Marab aponta para a anlise das dinmicas econmicas e espaciais que

contriburam para as transformaes do espao intraurbano desta cidade, e suas ntimas

relaes com a lgica de organizao do espao regional. Assim sendo, adotou-se como

caminho terico-metodolgico uma abordagem acerca da economia poltica da cidade e da

economia poltica da urbanizao, uma vez que a apreenso das dinmicas inerentes ao

processo de produo do espao das cidades brasileiras e amaznicas requer que se considere

a articulao dialtica entre as respectivas dimenses analticas (SANTOS, 2009).

Como j mencionado, a presente pesquisa possui como objeto de estudo as cidades

mdias. A opo por esta temtica decorreu, em um primeiro momento, de uma inquietao

por parte deste pesquisador em relao a uma necessidade de compreender as novas

dinmicas urbanas que vm se configurando nos espaos das cidades amaznicas e,

especificamente, em Marab, referncia emprica desta pesquisa, cujo crescimento

econmico, demogrfico e espacial bastante acelerado, constitui-se resultado de complexas

relaes sociais de produo no/do espao intra-urbano e urbanorregional.

Em um segundo momento, o dilogo com especialistas nesta temtica contribuiu

decisivamente para a concepo de algumas reflexes acerca do respectivo objeto de

pesquisa, atentando para as especificidades desta cidade mdia paraense. No obstante, tais

reflexes no tm a pretenso de constituir-se conhecimento conclusivo ou definitivo, mas to

somente como um olhar analtico sobre a realidade, a partir de um dilogo tericoprtico

acerca dos momentos desta cidade paraense no movimento da totalidade social amaznica.

A problematizao deste trabalho consistiu em responder seguinte indagao: Qual a

importncia da formao socioespacial para entender a centralidade atual de Marab?

Para efeito de construo analtica elencaram-se algumas questes norteadoras que se

constituram elementos condutores das reflexes a serem desenvolvidas: Que dinmicas

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econmicas e espaciais contriburam para a constituio da centralidade de Marab? De que

maneira as polticas de desenvolvimento urbanorregionais, empreendidas para essa cidade,

contriburam para a constituio desta centralidade urbana? Que importncia esta cidade vem

exercendo no que tange constituio e mobilizao de projetos polticos e de movimentos

sociais para o sudeste paraense?

Diante da problemtica em questo defende-se a seguinte tese: Marab assume uma

condio de centralidade no contexto do sudeste paraense, principalmente a partir dos anos de

1990. Essa condio constitui-se meio e resultado de um intenso processo de estruturao do

espao urbanorregional amaznico e de estruturao da cidade, cujas caractersticas marcantes

consistiram na expanso de agentes capitalistas em direo respectiva subrregio, em aes

governamentais (des)estruturantes que contriburam decisivamente para a constituio de um

cenrio de conflitos, bem como para o fortalecimento da importncia de Marab, como cidade

mdia em mbito da subrregio da qual faz parte.

Como produto das respectivas dinmicas urbanorregionais, bem como de processos de

produo do espao intraurbano, a cidade de Marab passou a exercer um novo papel no

contexto do sudeste paraense, este, relacionado condio de centro operacional, comercial e

de servios, assim como no que tange ao atendimento de demandas urbanas e rurais no

sudeste paraense. Essa condio revela-se tambm a partir da sua condio de plo regional

no contexto do sudeste paraense a partir do exerccio de uma centralidade urbana desta cidade

em relao ao meio rural e de sua hinterland.

Quanto ao instrumental terico-metodolgico norteador das reflexes a serem

apresentadas, fez-se uso da teoria da produo social do espao (LEFEBVRE, 1999), para a

construo de pensamento sobre as transformaes evidenciadas na cidade de Marab. Acerca

dessa abordagem terica, Lefebvre (1999) afirma que, para alm dos procedimentos e

operaes clssicas, induo, deduo, necessita-se caminhar rumo transduco,

procedimento que se revela enquanto possibilidade analtica para a compreenso do objeto,

no apenas no presente, a partir de uma regresso analtica ao passado, mas como um

caminho rumo compreenso do devir, de maneira a se entender o objeto enquanto

possibilidade para a realizao humana.

A expresso produo social do espao remete necessidade de se discorrer acerca

do que se entende por produo. A esse respeito, Lefebvre (1999) afirma que o conceito de

produo configura-se processo de dupla determinao, qual seja: historicidade e praxis.

Esses dois aspectos do processo foram assim concebidos por Lefebvre:

19

O termo (produo) entendido numa acepo mais lata do que em economia e assume o sentido de toda a filosofia: produo de coisas (produtos) e de obras, de idias e de ideologias, de conscincia e de conhecimento, de iluses e de verdade. A histria vai assim do passado longnquo (original) ao presente, e o historiador refaz o caminho em sentido inverso para compreender como pde o passado gerar o presente. Por outro lado, a prxis, fundamentada neste movimento e apoiada no presente que constitui, prepara o futuro, encara o possvel, isto , no limite, a total transformao do mundo real por uma revoluo total. A anlise da prtica social (prxis) mostra: produo em sentido restrito e produtividade social, prtica poltica, prtica revolucionria, etc (LEFEBVRE apud SPOSITO, 2004, p.49).

Quando se considera uma perspectiva mais ontolgica, o termo produo:

[...] tudo abarca e nada exclui do que humano. O mental, o intelectual, o que passa por espiritual e o que a filosofia toma por seu domnio prprio so produtos como tudo o resto. H produes das representaes, das idias, das verdades, como h das iluses e dos erros. At a produo da prpria conscincia. [...] h produo de obras, idias, de espiritualidade aparente, em resumo, de tudo o que faz uma sociedade e uma civilizao. Em sentido restrito, h produo de bens, de alimentos, de vesturio, de habitao, de coisas. O segundo sentido apia o primeiro e designa a sua base material (LEFEBVRE apud SPOSITO, 2004, p.49).

a partir desse duplo sentido dialeticamente articulado, que se busca analisar a cidade

de Marab, como expresso da produo em sentido lato, quando se considera a cidade como

obra, que se materializa para permitir a produo, em sentido estrito, de bens e servios.

Por sua vez, coexiste uma relao indissocivel entre os dois sentidos de produo,

posto que os mesmos constituem expresses na/da cidade

[...] como condio da relao e, ao mesmo tempo, sua traduo, permite destacar a reflexo da cidade como materializao concreta do processo de urbanizao e, por conseguinte, da prpria histria, num dado momento e em cada momento dessa histria, como somatria desses diferentes momentos e, por isso, sntese entre o velho e o novo, sendo esse novo, expresso do velho reformado, do velho reconstrudo e do velho revolucionado. Assim, o velho revela-se a cada momento da histria, como a projeo e o processo social so, portanto, expresso da dimenso histrica e, simultaneamente, condio desse processo (SPOSITO, 2004, p.50).

Conforme esse caminho tericometodolgico, a cidade se configura ao mesmo tempo

como processo produtivo, condio para a manifestao desse processo e meio a partir do

qual se realiza a prpria produo, a distribuio, a circulao e o consumo individual e

coletivo.

20

Como teorias secundrias, que visam subsidiar a construo do pensamento,

promoveram-se dilogos com a teoria da urbanizao, das cidades, bem como, com a teoria da

rede urbana, diante da necessidade de se compreender processos que contribuem para a

produo de determinadas dinmicas socioespaciais da realidade amaznica.

A construo discursiva desta dissertao ter como enfoque de anlise, as dimenses

econmica, poltica, social e espacial. Porm, isso no significa dizer que a anlise da

dimenso cultural e ambiental no seja importante, ou mesmo que no se faam presentes nas

reflexes, uma vez que as mltiplas determinaes, inerentes totalidade social, pressupem,

necessariamente, que se possam compreender a inseparabilidade e as articulaes existentes

entre as diversas esferas e dimenses de anlise da realidade.

No obstante, a opo por uma anlise mais detalhada dessas dimenses decorre, em

primeiro lugar, de uma necessidade premente de atualizar o debate acerca das transformaes

inerentes ao espao urbano das cidades amaznicas, e, em segundo lugar, pela

impossibilidade de se discutir com maior profundidade analtica as mltiplas dimenses da

totalidade.

1.1 METODOLOGIA DA PESQUISA

Analisar a problemtica acerca da importncia da formao socioespacial para

entender a centralidade atual de Marab implica em definir bases terico-conceituais a serem

adotadas para a concretizao da presente pesquisa. O carter relativamente recente dos

estudos acerca das cidades mdias brasileiras demanda uma abordagem que possibilite a

construo de nexos compreensivos entre o acontecer complexo da realidade socioespacial e

sua correlao com paradigmas que dem conta de analisar tal complexidade.

A esse respeito, Kuhn (1975, p.81) afirma que [...] a descoberta de um novo tipo de

fenmeno necessariamente um acontecimento complexo, que envolve o reconhecimento

tanto da existncia de algo, como de sua natureza. Assim, compreender espao amaznico

requer a necessidade de utilizao de uma abordagem tericometodolgica que permita o

reconhecimento da natureza das cidades no mbito da rede urbana, bem como de sua

particularidade no mbito do espao brasileiro e amaznico.

Outro elemento importante para a construo de interpretaes acerca da realidade

social diz respeito questo da interdisciplinaridade. A esse respeito, Teixeira (2004) afirma

que o avano disciplinar no mbito das cincias tem caminhado rumo a uma intensa

segmentao do conhecimento cientfico, amparada no discurso do fortalecimento das

21

cincias. Tal prtica apresenta uma srie de implicaes relacionadas necessidade de se

compreender as transformaes evidenciadas na realidade social atual, permeada de

fenmenos sociais complexos, a partir de um dilogo interdisciplinar entre diversos campos

de conhecimento, sob pena de se conceber interpretaes empobrecidas do que se constitui a

totalidade social.

nesse cenrio de relaes conflituosas que se revelam disputas pela hegemonia na

construo do conhecimento, que se delineia aqui sua trajetria analtica, baseada no dilogo

interdisciplinar enquanto possibilidade para a construo de reflexes que avancem no sentido

de entender o espao amaznico, e mais detalhadamente a singularidade da cidade de Marab.

Para efeito da pesquisa adotou-se ainda, como parmetro analtico, a metodologia

qualitativa3. A opo por esta perspectiva tericometodolgica decorre da possibilidade

apresentada por este instrumental de explicar fenmenos relacionados produo do espao

urbanorregional, as transformaes na rede urbana oriental amaznica, decorrentes da diviso

social e territorial do trabalho, bem como as suas implicaes na formao socioespacial da

cidade de Marab.

Para tanto, o fato histrico assume importncia analtica como fundamento para a

compreenso da sociedade. A esse respeito, Santos (2005) afirma que a interpretao do

espao humano como realidade espacial que permite a sua transformao ao servio do

homem, requer auxlio da histria da sociedade mundial aliada histria da sociedade local,

dialeticamente articulados. nesse sentido que este autor ressalta a necessidade de se retomar

um dilogo como categoria de Formao Econmica e Social (FES).

A categoria em questo expressa a unidade e a totalidade das diversas esferas

econmica, social, poltica e cultural da vida de uma sociedade, permitindo que se depreenda

a unidade da continuidade e da descontinuidade de seu movimento histrico (SANTOS,

2005). Contudo, no sociedade em geral que o conceito de FES se refere, mas a uma dada

sociedade. A esse respeito, Santos (2005, p. 25) discorre com o argumento abaixo:

O interesse dos estudos sobre as FES est na possibilidade que tais estudos oferecem de permitir o conhecimento de uma sociedade na sua totalidade e nas suas fraes, mas sempre como um conhecimento especfico, percebido

3 Segundo Lakatos (2004), a metodologia qualitativa consiste em instrumento que tm por preocupao a anlise e interpretao de aspectos mais profundos da realidade social, atentando para a anlise de processos e no apenas restringindo-se aos resultados e ao produto final. Por sua vez, para Gunther (2006), a metodologia qualitativa apresenta quatro bases tericas essenciais, quais sejam: a) a realidade social vista como construo e atribuio social de significados; b) a nfase no carter processual e na reflexo; c) as condies objetivas de vida tornam-se relevantes por meio de significados subjetivos; d) o carter comunicativo da realidade social permite que o refazer do processo de construo das realidades sociais torne-se ponto de partida da pesquisa.

22

num dado momento de sua evoluo. O estudo gentico permite reconhecer, a partir de sua filiao, as similaridades entre FES; mas isso no suficiente. preciso definir a especificidade de cada formao, o que a distingue das outras, e, no interior da FES, a apreenso do particular como uma frao do todo, um momento do todo, assim como o todo reproduzido numa de suas fraes.

Por sua vez, o movimento totalizador de construo e reconstruo da FES

indissocivel do concreto, representado por uma sociedade historicamente determinada, sendo

largamente evidenciada na formao espacial. Assim, segundo Santos (2005), a categoria

Formao Socioespacial apresenta-se enquanto possibilidade para interpretao do espao

humano. Ainda nesse sentido, Santos (2005) afirma que tempo e espao se constituem em

pares dialticos inseparveis e indispensveis para a anlise da realidade socioespacial.

Convm ressaltar que quando se fala da categoria Formao Socioespacial h de se

considerar a especificidade analtica da respectiva categoria, uma vez que cada sociedade

apresenta singularidades em relao sua formao econmica, social e espacial. Dessa

maneira, a respectiva categoria no prope anlise de uma sociedade em geral, mas to

somente a compreenso da formao de uma sociedade especfica.

Com efeito, a Formao Socioespacial constituiu-se categoria que conduzir as

reflexes adotadas para a presente anlise, posto possibilidade de se compreender os

elementos que permeiam o processo de estruturao produtiva do territrio marabaense no

contexto da nova diviso do trabalho.

Para efeito de anlise, adotou-se o estudo de caso4. A preferncia por essa estratgia

metodolgica decorre da possibilidade de se promover uma investigao mais abrangente e

criteriosa acerca dos fenmenos contemporneos que compem a produo do espao da

cidade de Marab, tais como mudanas na organizao espacial da cidade, em decorrncia das

polticas governamentais empreendidas pelas diversas instncias do poder pblico; de

alteraes nas estruturas urbanorregionais, provenientes de transformaes na lgica de

estruturao produtiva e suas implicaes no papel que vem exercendo esta cidade no mbito

do sudeste paraense.

Nesse sentido, segundo Sposito (2007), as cidades mdias, a fim de que sejam mais

bem compreendidas, necessitam ser analisadas a partir do movimento de relaes,

4 Segundo Yin (2004) o estudo de caso constitui-se em estratgia de pesquisa que permite uma investigao abrangente, sofisticada e criteriosa acerca de fenmenos, processos e eventos da vida real, tais como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos, mudanas ocorridas em regies urbanas, relaes internacionais e a maturao de alguns setores.

23

sobreposies e articulaes entre escalas geogrficas, levando-se em considerao tambm

os espaos rurais e/ou urbanos.

Ainda nesse sentido, Sposito (2007) afirma que a construo de olhares que permitam

compreender as transformaes pelas quais tm passado as cidades brasileiras nos ltimos

anos demanda o reconhecimento dos papis associados a tais cidades. Isso pressupe a

observao da relao entre a cidade e a regio. Por sua vez, o reconhecimento dessa

dinmica relacional e integradora remete necessidade de se trabalhar com a anlise do

espao intraurbano e do espao interurbano articulados entre si e no contexto da rede urbana.

Levando em considerao a necessidade de se promover o movimento de articulao

entre abordagem terica e abordagem emprica, optou-se pelo uso de algumas variveis

operacionais, quais sejam: indicadores econmicos, demogrficos e espaciais, relacionados

produo do espao urbano intraurbano de Marab, rede urbana, s cidades mdias,

urbanizao e suas implicaes econmicas e espaciais, bem como elementos relacionados

poltica nacional de desenvolvimento urbano para a Amaznia.

A abordagem qualitativa apresentada enquanto instrumento tericometodolgico

requer o desafio da abordagem interescalar proposta por Sposito (2004), segundo a qual a

anlise das dinmicas atuais pressupe a articulao entre diversos momentos histricos, no

enquanto sucesso de acontecimentos, mas enquanto imbrincamento articulado e, ao mesmo

tempo, conflituoso entre os diversos momentos histricos e sua relao com as escalas

espaciais, permitindo a apreenso das relaes espaciais e temporais.

Esse entrelaamento tem base na forma como o tempo resulta da combinao contraditria entre os ritmos diferentes das dinmicas naturais ou dos acontecimentos sociais, em cada territrio, ou seja, da combinao entre as determinaes, aes e decises que levam s mudanas e s inrcias ou resistncias que expressam as permanncias (SPOSITO, 2006, p.150).

Sposito (2004) ressalta ainda a necessidade de articulao entre perodos, de maneira

que se permita reconhecer tempos que sejam relevantes, do ponto de vista histrico e,

portanto, terico, para o estudo escolhido.

Adotou-se como caminho tericometodolgico de construo do pensamento a

perspectiva concebida por Santos (2009), de uma economia poltica da cidade, muito

embora a economia poltica da urbanizao constitua abordagem complementar que se

encontrar presente nas reflexes desta pesquisa, uma vez que a apreenso das dinmicas

24

inerentes ao processo de produo do espao das cidades brasileiras e amaznicas requer que

se considere a articulao dialtica entre as respectivas escalas analticas.

Os procedimentos metodolgicos adotados para efeito de desenvolvimento da presente

pesquisa esto distribudos em cinco momentos dispostos da seguinte maneira:

O primeiro momento foi direcionado ao levantamento e anlise bibliogrfica acerca

das temticas: produo do espao urbano amaznico, urbanizao, rede urbana, formao de

cidades mdias, com nfase na Amaznia Oriental Brasileira, polticas pblicas, Planejamento

Urbano e Regional.

O segundo momento da pesquisa se constituiu a partir da realizao de levantamento e

anlise documental acerca de processos de formao da cidade e da rede urbana amaznica.

Neste momento de execuo da referida pesquisa, buscou-se promover o levantamento de

dados primrios e secundrios, por meio de consultas em fontes documentais, em banco de

dados digitalizados de instituies pblicas, e atravs de survey in loco.

No que tange ao levantamento e sistematizao de dados secundrios, optou-se pela

utilizao de indicadores demogrficos, socioeconmicos e espaciais referentes s produes

do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatstica (IBGE), acerca dos indicadores sociais municipais.

Tambm se fez uso de indicadores obtidos junto Secretaria Executiva de

Desenvolvimento Urbano e Regional; Secretaria Executiva de Estado, de Planejamento, de

Oramento e Gesto (SEPOF); Agncia de Desenvolvimento da Amaznia (ADA); ao

Programa das Naes para o Desenvolvimento (PNUD), para efeito de obteno do ndice de

Desenvolvimento Humano (IDH); ao Conselho Nacional de Justia (CNJ); ao Sistema

Nacional de Indicadores Urbanos (SNIU); Censos Demogrficos (universo, amostra e

microdados); ao RAIS e CAGED (Ministrio do Trabalho), bem como base de dados

secundrios restritos, obtidos junto Rede de Pesquisadores sobre Cidades Mdias Brasileiras

(RECIME). rgos de planejamento e gesto a nvel municipal tambm se constituram

fontes de dados importantes, a saber, as fontes documentais referentes aos planos diretores,

relatrios e diagnsticos tcnicos dos municpios de Marab, Diagnstico da Companhia Vale

do Rio Doce.

Adotou-se como recorte temporal, o perodo de 1990 em diante. No obstante, como

enfatizado anteriormente, a anlise deste momento histricogeogrfico pressupe que se possa

compreender a estruturao do espao desta cidade, no enquanto sucesso de acontecimentos

histricos, mas enquanto sobreposies de processos dialeticamente articulados, que

coexistiram e que coexistem enquanto elementos estruturantes no/do espao desta cidade.

25

Num terceiro momento, efetuou-se observaes sistemticas qualitativas nas quais

foram realizados registros fotogrficos, para o levantamento das formas espaciais presentes no

espao intraurbano da respectiva cidade, atentando para as dinmicas relacionais entre esta

cidade e algumas cidades do sudeste paraense, de modo a compreender o papel exercido pela

mesma na respectiva subrregio.

O quarto momento foi direcionado realizao de entrevistas semiestruturadas com

representantes do poder pblico municipal, o representante da Associao Comercial e

Industrial de Marab, com representantes dos movimentos sociais, e com cidados da cidade.

Para tanto, efetuou-se inicialmente a construo de um roteiro de entrevista no qual foram

promovidas indagaes acerca do papel econmico, poltico, da importncia do comrcio e

servios para a cidade, bem como das relaes, estratgias e contradies inerentes s aes

do poder pblico e dos agentes econmicos. Ao longo do processo de construo e dilogo

com os entrevistados, surgiram outros questionamentos relacionados s implicaes do

processo de transformao da cidade, atentando-se para o novo papel exercido por Marab.

Posteriormente, realizou-se organizao das entrevistas, dando maior nfase aos contedos

pertinentes para alcance dos objetivos da presente discusso, que se materializaram na forma

de afirmaes e indagaes presentes no corpo desta dissertao.

No quinto momento da pesquisa efetuou-se a sistematizao e triangulao dos

dados coletados. As informaes obtidas foram analisadas, categorizadas e comparadas,

considerando as dimenses do foco de estudo, resultando na materializao da presente

dissertao.

A exposio da pesquisa realizada apresentada em cinco captulos. O primeiro

captulo composto da abordagem introdutria acerca de algumas tendncias da urbanizao

do espao amaznico. Neste momento, promoveu-se abordagem teoricometodolgica acerca

do caminho adotado para a construo da presente pesquisa.

No segundo captulo buscou-se estabelecer dilogo com algumas teorias relacionadas

formao socioespacial, s cidades e urbanizao, bem como em relao s cidades

mdias. Esse momento, de cunho teoricoconceitual, no teve a pretenso de discorrer

exaustivamente acerca dos respectivos conceitos. Visou primordialmente a apresentao de

algumas categorias para efeito de norteamento e fundamentao do pensamento subseqente,

de cunho teoricoprtico, a ser desenvolvido nos captulos posteriores.

No terceiro captulo, delineou-se abordagem acerca da formao socioespacial

marabaense. Nessas circunstncias espaotemporais, estabeleceu-se anlise sobre a produo

do espao desta cidade, as dinmicas econmicas e espaciais inerentes ao processo de

26

reproduo do capital comercial. como meio e resultado de uma diviso social e territorial

do trabalho que, de vilarejo pouco expressivo para os padres amaznicos no final do sculo

XIX, Marab, paulatinamente, transformou-se em cidade comercial de significativa

importncia no contexto do sudeste paraense, em fins dos anos de 1960.

No quarto captulo, em continuidade a uma abordagem histricogeogrfica, discorreu-

se acerca das polticas de desenvolvimento urbanorregionais concebidas para o espao

amaznico, a partir dos anos de 1960, e suas implicaes no processo de produo do espao

intraurbano no territrio da cidade de Marab bem como na redefinio da importncia desta

cidade no mbito da Amaznia Oriental brasileira.

No quinto e ltimo captulo, efetuou-se abordagem acerca da centralidade urbana de

Marab no contexto do sudeste paraense. Para tanto, promoveu-se anlise crtica dos

elementos exclusivamente quantitativos enquanto possibilidade para compreender a

centralidade deste ncleo urbano. Ainda neste captulo, conceberam-se reflexes acerca das

estratgias do Estado, dos agentes econmicos, bem como as contraestratgias dos

movimentos sociais como elementos reveladores de centralidade. Por fim, efetuou-se

abordagem a respeito de uma centralidade poltica desta cidade, no sudeste paraense.

27

2 CIDADE, CIDADE MDIA: CONCEITOS REVISITADOS

Marab vem se constituindo locus de um intenso processo de transformaes. Tais

transformaes esto relacionadas aos novos papis exercidos por esta cidade paraense no

contexto da rede urbana oriental amaznica, bem como em razo de dinmicas urbanas

inerentes insero da regio amaznica no contexto de diviso social e territorial do

trabalho.

A construo de um olhar acerca dessas novas dinmicas urbanas e dos novos papis

exercidos por esta cidade no contexto do sudeste paraense pressupe a utilizao de uma

abordagem terica que fundamente o desenvolvimento do pensamento. Nesse sentido, sob o

ponto de vista terico, alguns conceitos se fazem centrais para a construo de uma anlise

teoricoprtica, quais sejam: formao socioespacial, urbanizao, cidades e cidades mdias.

A proposio analtica aqui apresentada requer que se faa uso de dois subcampos de

pesquisa que representam ao mesmo tempo escalas de anlise: o nvel intraurbano e o

interurbano. A necessidade de se estabelecer interrelaes entre as respectivas dimenses

analticas decorre de uma preocupao constante em compreender as transformaes da

sociedade face consolidao do meio tcnico cientfico-informacional (SANTOS, 1998), e

ao aumento das possibilidades tcnicas de transportes e comunicaes.

A compreenso das novas espacialidades evidenciadas no territrio da cidade no

constitui tarefa fcil em meio complexidade que Marab assume enquanto produto e

resultado de processos socioespaciais que remontam a momentos diversos de formao do

territrio amaznico e marabaense.

No obstante, antes de promover uma abordagem emprica acerca dos respectivos

processos, torna-se necessrio revisitar algumas categorias essenciais para a compreenso da

realidade social, quais sejam: modo de produo e formao econmica e social.

Acerca da primeira categoria, Godelier (1986) ressalta que a expresso modo de

produo foi utilizada por Marx com certa impreciso conceitual, configurando-se a partir de

um duplo sentido. Em uma primeira perspectiva, Marx designa modo de produo como uma

maneira de produzir, um procedimento tcnico que implica e contm um dispndio de

trabalho vivo, em outras palavras, esta categoria constitui-se estrutura do processo tcnico de

trabalho (GODELIER, 1986).

Em outro momento, segundo Godelier (1986), Marx utiliza ainda a expresso modo

de produo para designar simultaneamente as condies tcnicas e sociais, ou seja, a

combinao particular de foras produtivas materiais e de relaes sociais de produo

28

especficas que constituem a estrutura de um processo social de produo historicamente

determinado.

A respeito da formao econmica e social, Godelier (1986) afirma que o termo

formao, utilizado por Marx, designa um processo, um movimento, em outras palavras,

um processo de engendramento e desenvolvimento de uma relao social e de uma forma de

sociedade. Tal expresso corresponde a uma forma de conceber a realidade social a partir de

uma perspectiva de mudana, de constante processo de transformao.

Ainda para Godelier (1986), a palavra formao considera a realidade social como o

resultado de um processo, resultado ele prprio em processo, em movimento; sugere

continuamente o pensamento das ligaes internas entre uma forma e o seu processo de

formao. Assim, toda realidade no toma forma seno no interior e no fim de um processo

particular, que dura certo tempo e lhe confere o seu aspecto (GODELIER, 1986).

Nessas circunstncias, as caractersticas e propriedades especficas que esses

processos possuem as suas condies de existncia e no se reproduzem seno na medida em

que tais condies se reproduzem. Dessa maneira, toda realidade herda do processo que a

engendrou, quer um contedo, quer uma forma especfica (GODELIER, 1986).

Por sua vez, Godelier (1986) discorre com base em Marx que as noes de formao

econmica e social, formao social e formao econmica da sociedade designam a

mesma coisa, e que no menos completa uma ou outra categoria pelo fato de o adjetivo

econmico figurar ou no, j que ambas as noes designam a totalidade das relaes

sociais (econmicas, entre outras) que compem certa forma de sociedade.

Com efeito, no em funo da coexistncia e da articulao de vrios modos de

produo e de relaes superestruturais correspondentes que uma determinada sociedade pode

ser considerada como uma formao econmica e social, mas, ao contrrio, essa sociedade

pertence simultaneamente a vrias formaes sociais e econmicas porque nela coexistem e

se articulam vrios modos de produo e de relaes superestruturais que lhes correspondem

(GODELIER, 1986).

A seu modo, Lefebvre (1999) retoma as reflexes de Marx acerca da categoria

formao econmica e social, para, em seguida, caminhar rumo construo de uma anlise

da produo das relaes sociais, partindo do princpio de que tais relaes no so

uniformes, nem possuem a mesma idade. Neste sentido, para Lefebvre (1999), coexistem

relaes sociais que apresentam datas diferentes e que esto numa relao de descompasso, de

desencontro.

29

Ainda segundo Lefebvre (1999), a noo de formao econmica e social retomada

no preciso sentido da coexistncia dos tempos histricos, e tambm no sentido de que nessa

coexistncia se encerram no o passado e o presente, mas tambm o futuro e o possvel.

Diante disso torna-se salutar fazer a seguinte indagao: quais as razes estruturais dessa

coexistncia? A esse respeito, Lefebvre (1999) ressalta que um elemento explicativo

importante para se entender a gnese estrutural dessa coexistncia diz respeito ao atraso do

real em relao ao possvel; do social em relao ao econmico.

A noo de formao econmica e social em Marx designa, a um s tempo, um

segmento do processo histrico e, o conjunto do processo histrico (MARTINS, 1996).

Dentro dessa perspectiva, mais do que uma possvel impreciso, tal duplicidade reflexiva

remete ao princpio explicativo de totalidade e ao mesmo tempo de unidade do diverso.

Acerca do conceito de formao socioespacial, Santos (2005) ressalta que o

significado do mesmo est relacionado a trs elementos compreensivos elementares, quais

sejam: modo de produo, formao econmica e social e espao.

A produo ou reproduo da sociedade capitalista se d a partir de determinaes

condicionadas ao modo de produo. Tal modo de produo se manifesta por intermdio de

lutas e interaes entre o novo modo de produo, que tende a dominar, e o velho, que tende a

ser o elemento dominado (SANTOS, 2005).

Segundo Santos (2005), o novo se impe por toda parte, porm, sem poder se realizar

em sua plenitude, uma vez que a presena de resduos sociais antigos, ou de velhas estruturas

de produo, que (co)existem no contexto em que esse novo se insere, agem como

instrumentos contrahegemnicos de resistncia ao plano devir.

Ainda segundo Santos (2005), o modo de produo, enquanto estrutura de

pensamento, constitui-se real-abstrato posto que representa um conjunto coerente de idias

nascidas da considerao de elementos comuns a uma srie de sociedades, mas que no se

permite evidenciar concretamente. Por sua vez, a Formao Econmica e Social compreende

um conceito cujo significado est sempre ligado a uma realidade concreta suscetvel de

localizao espaotemporal (SANTOS, 2005).

Muito embora a formao econmica e social esteja diretamente relacionada ao modo

de produo hegemnico, bem como a modos de produzir especficos, de acordo com as

sociedades, para alm de uma formao econmica e social que desvela generalidades, (co)

existem formaes econmicas e sociais cujas especificidades se revelam por intermdio de

relaes sociais que se do no mbito de um determinado espao.

30

O espao, enquanto realidade concreta, construdo a partir de relaes que se do na

esfera do real, do possvel (LEFEBVRE, 1999; SANTOS, 2005), manifesta-se como

instrumento reflexivo importante para a compreenso das relaes de produo, posto que a

concreticidade emanada das relaes sociais se materializa no espao, revelando contradies.

Assim sendo, o espao no constitui forma-inerte, mas em representao do real que possui

inrcia-dinmica (SANTOS, 2005), constituindo-se resultado e pr-condio para a

produo, ao longo da evoluo das formaes espaciais e de processos relacionais das

sociedades (SANTOS, 2005).

Para Santos (2005), a histria no se inscreve fora do espao, assim como no h

sociedade a-espacial, posto que o espao ele mesmo social. Nesse sentido, a categoria de

formao econmica e social constitui-se instrumento tericoprtico que revela as relaes

sociais no mbito de determinada sociedade, ao passo que a formao socioespacial revela a

produo das relaes sociais, a construo das relaes espacializadas e espacializantes, bem

como as repercusses no territrio (SANTOS, 2005).

Santos (2005) ressalta ainda que o debate proposto no consiste em simples semntica,

mas em tentativa de sugerir uma nova dimenso alternativa para efeito de anlise da realidade

social, esta relacionada construo de um olhar que busca espacializar a narrativa

espaotemporal acerca das relaes sociais coexistentes, que se materializam nas formas

espaciais e nos contedos sociais.

Em que pese possveis divergncias interpretativas, a pesquisa aqui concebida coaduna

das interpretaes de Santos (2005), para quem a compreenso da realidade social, enquanto

totalidade e enquanto unidade espacializada, apresenta mltiplas possibilidades de reflexes

analticas quando se considera uma anlise socioespacial, uma vez que o espao meio e

condio para reproduo das relaes sociais de produo (LEFEBVRE, 1999),

constituindo-se elemento fundamental para o entendimento da natureza das transformaes

humanas materializadas espacialmente.

Dentro de tais circunstncias, optou-se por uma construo interpretativa que busca

espacializar a narrativa histrica, no para promover hegemonia de uma cincia em relao a

outra, mas enquanto possibilidade alternativa de anlise da dimenso espacial, com vistas a se

conceber reflexes histricogeogrficas que permitam compreender as mltiplas

espacialidades e temporalidades coexistentes no espao da cidade de Marab.

31

2.1 URBANIZAO E CIDADES

Ao termo urbanizao atribuem-se mltiplas acepes. Tal multiplicidade est

relacionada com as formaes acadmicas diferenciadas que refletem, notadamente, a

compreenso do conceito relacionado ao escopo de uma teoria. Dependendo da formao

profissional, bem como da opo do pesquisador, o termo urbanizao pode se configurar

como implantao de infraestrutura em espaos urbanos (sistemas virios, redes de

fornecimento de gua e esgoto), ou mesmo como processo mais amplo e de inmeras

implicaes que envolvem o espao urbano.

Para Beaujeu-Garnier (1980), urbanizao definida como o movimento de

desenvolvimento das cidades, simultaneamente em nmero e tamanho, em razo do fenmeno

urbano, que tenderia a transformar, paulatinamente, as cidades e seus arredores (BEAUJEU-

GARNIER, 1980).

Por sua vez, Castells (1983) concebe urbanizao como forma espacial da organizao

social em constante transformao, cuja expresso se materializa nas modificaes

evidenciadas no meio ambiente edificado. Em abordagem similar, Harvey (1980) considera

urbanizao como espao construdo, constituindo-se parte dos meios de produo, e,

consequentemente, dos meios de trabalho.

Para Sposito (2004), a urbanizao constitui-se fenmeno processual, e, como tal,

deve ser lido luz do movimento espaotemporal. A autora ressalta ainda a necessidade de

realizao de um esforo no sentido de se buscar a unidade tempo-espao, enquanto

possibilidade para a superao da tradio positivista de anlise que tende a construir

reflexes monolticas ao atribuir o tempo histria e o espao geografia.

Ainda segundo Sposito (2004), a urbanizao se configura como um processo de

longa durao que tem sua gnese relacionada ao aparecimento das primeiras cidades e que se

desvela a partir dos diferentes modos de produo, sob diversas formas. Nessas circunstncias

[...] a urbanizao expressa/contm a idia de processo, remete, necessariamente, anlise da ordem e evoluo histrica das cidades, em relao ao nvel de desenvolvimento das foras produtivas, ao estgio da diviso social e territorial do trabalho, s transformaes de ordem poltica e social, s manifestaes de carter cultural e esttico, s revolues e contra-revolues ideolgicas e do conhecimento, filosofia e especulao, cincia e ao quadro do cotidiano [...] (SPOSITO apud SPOSITO, 2004, p.35).

32

Essa perspectiva analtica pressupe compreender o processo de urbanizao e sua

expresso, a partir da existncia de uma diviso social e territorial do trabalho, cujas mltiplas

faces podem ser evidenciadas nas formas, funes e estruturas inerentes realidade social.

Por sua vez, o conceito de cidade apresenta denominaes diferenciadas, segundo o

modo de interpretao da realidade. Assim, para Benvolo (1991), a palavra cidade

empregada em dois sentidos: para indicar uma organizao da sociedade concentrada e

integrada, e para indicar uma situao fsica desta sociedade.

Para Remy e Vye apud Sposito (2004), o termo cidade um conceito descritivo,

posto que permite apreender uma realidade material concreta, e, ao mesmo tempo, um

conceito interpretativo, j que evoca um conjunto de diversas funes sociais.

Contudo, analisar as formas espaciais da cidade, bem como o seu contedo social

pressupe conceber narrativa que d premncia s intrnsecas relaes entre urbanizao e

cidades, de maneira a se tentar entender como as formas se sucedem ao longo do tempo e do

espao. neste sentido que se faz necessrio reconhecer, na histria, os mltiplos papis

polticos desempenhados pelas cidades no contexto dos diversos modos de produo e de

formaes socioespaciais.

Segundo Carlos (2007), a cidade, em cada uma das diferentes etapas do processo

histrico, assume formas espaciais e funes distintas. A cidade corresponde, em cada poca,

ao produto da diviso, do tipo e dos objetos de trabalho, bem como do poder nela

centralizado.

Assim, pensar a cidade requer que se compreenda a articulao desta cidade com a

sociedade levando em considerao a organizao poltica, a estrutura de poder da sociedade,

a natureza e repartio das atividades econmicas, as classes sociais, bem como as diversas

espacialidades coexistentes.

Ainda para Carlos (2007), a cidade que aparece aos olhos como aglomerao,

constitui-se primordialmente lugar da produo, da concentrao dos meios de produo, do

capital, da mo de obra, mas tambm da concentrao de populao e de bens de consumo

coletivo. Dessa maneira, a cidade constitui uma dimenso concreta que se vincula dinmica

de desenvolvimento, de tal modo que, entender o significado da natureza da cidade pressupe

defin-la enquanto locus de produo:

[...] a cidade pensada enquanto trabalho social materializado, objetivado, que aparece na articulao do construdo e do no construdo de um lado, e do movimento (de mercadorias, pessoas, idias) de outro. Esse processo

33

marcado pela inter-relao contraditria do novo com o velho imposto pelo processo de reproduo (CARLOS, 2007, p.73).

Por sua vez, a cidade constitui expresso da materializao espacial das desigualdades

sociais emergentes na sociedade atual. Tal aspecto se faz evidente na distribuio espacial de

habitantes na cidade, e na contradio entre a produo e a apropriao da riqueza.

Lefebvre (2008), em suas reflexes acerca do processo de formao e transformao

de cidades e da relao entre o campo/cidade, ressalta que, desde o alvorecer da era agrria, a

cidade constituiu-se primordialmente criao humana.

[...] A cidade um objeto espacial ocupando um stio e uma situao que preciso estudar, enquanto objeto, com diferentes tcnicas e mtodos: econmicos, polticos, demogrficos, etc. Como tal a cidade ocupa um espao especfico, distinto do espao rural (LEFEBVRE, 2008, p. 82).

Essa abordagem que evidencia a cidade enquanto objeto espacial que ocupa um

espao distinto do rural ela deve ser analisada a partir da relao entre esses espaos, no

mbito do modo de produo e atravs dele, da diviso do trabalho que se configura no

interior da sociedade.

Outra acepo acerca do termo cidade considera a mesma como

[...] uma mediao entre uma ordem prxima e uma ordem distante. A ordem prxima aquela do campo circundante que a cidade domina, organiza, explora extorquindo-lhe sobretrabalho. A ordem distante a da sociedade no seu conjunto (escravista, feudal, capitalista). Enquanto mediao, a cidade tambm o local onde as contradies da sociedade considerada se manifestam como, por exemplo, aquelas entre o poder poltico e os diferentes grupos sobre os quais esse poder se estabelece (LEFEBVRE, 2008, p.82).

Nesses termos, a cidade, ao mesmo tempo em que se constitui elo de mediao, se

configura tambm como espao de manifestao poltica onde se revelam contradies sociais

decorrentes das disputas pelo poder poltico entre diferentes grupos sociais.

Com efeito, compreender a urbanizao contempornea requer que se considere o

imbrincamento existente entre o par urbanizao e cidade. nessas circunstncias que

Lefebvre (1999) ressalta a existncia de uma relao indissocivel entre modos de produo e

urbanizao, atentando para o reconhecimento da cidade como expresso e condio das

mudanas na diviso social do trabalho, decorrente do processo de urbanizao da sociedade.

34

Soja (1993), em enfoque acerca da problemtica urbana do capitalismo, ressalta que a

urbanizao se tornou um elemento fundamental para desvendar a dinmica capitalista atual

face ao intenso processo de transformaes da economia mundial. Neste sentido, a cidade

assume importncia similar, uma vez que esta passou a ser vista no apenas em seu papel

distintivo como centro de produo e acumulao, mas tambm como ponto de controle e

reproduo da sociedade capitalista, tanto em termos da fora de trabalho, quanto no que

tange aos padres de consumo (SOJA, 1993).

Considerando as novas dinmicas urbanas inerentes ao processo de urbanizao,

Sposito (2004, p.41) afirma que:

Na urbanizao contempornea a mescla, superposio ou maior grau de articulao entre o urbano e o rural, muitas vezes expressos por menor distino entre o campo e a cidade, no so indicadores de uma superao do modo capitalista de produo no sentido de construo de uma outra sociedade ou de retomada da humanizao por esse caminho. Muito pelo contrrio, essa tendncia revela o aprofundamento das bases desse modo de produo, uma vez que expressa a ampliao da diviso tcnica e social do trabalho e da complexidade da teia de relaes espaciais que essa diviso exige, tanto do ponto de vista do aumento da especializao dos territrios, cada vez mais diferenciados pela presena ou ausncia neles dos meios tcnico-cientfico-informacionais, como do ponto de vista da intensidade e da amplitude das articulaes entre diferentes escalas geogrficas.

Assim, a dinmica das relaes campo-cidade expressos nas paisagens brasileiras cada

vez mais dotadas de processos de tecnificao, vem contribuindo para a constituio de um

cenrio marcado por relaes de produo desiguais espacializadas na forma de processos de

concentrao de terras, de mobilidade do trabalho, de especializao produtiva.

Tendo em vista essa perspectiva analtica se reafirma a importncia de uma anlise

relacional entre urbanizao e cidades com vias compreenso das mesmas no escopo do

movimento multidimensional da realidade social. Tal anlise busca compreender as

intrnsecas e dialticas relaes que se estabelecem entre esses dois nveis analticos, como

processos amplos tomados como base para a apreenso da realidade urbana atual.

Outra perspectiva de anlise enfatizada por Santos (2009), para quem a cidade atual

um grande meio de produo material e imaterial, lugar de consumo, n de comunicao

entre as diversas instncias da realidade social cujo desvendamento perpassa pela anlise de

processos locais, regionais e extra-regionais. neste sentido que o entendimento do processo

de produo do espao urbano necessita ser compreendido para alm da economia poltica,

35

assim como transcender uma abordagem da economia poltica da urbanizao, exigindo a

compreenso de uma economia poltica da cidade.

Uma coisa a economia poltica da urbanizao, que levaria em conta uma diviso social do trabalho, que d, com a diviso territorial do trabalho, a repartio dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens na superfcie de um pas. A economia poltica da cidade seria outra coisa diferente, porque seria a forma como a cidade, ela prpria, se organiza em face da produo e como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada momento, dentro da cidade (SANTOS, 2009, p.114).

A economia poltica da urbanizao e a economia poltica da cidade so instrumentos

terico-metodolgicos inseparveis, porm, distinguem-se de um ponto de vista analtico,

posto que a urbanizao no apenas um fenmeno social, ou econmico, ou poltico, mas

tambm um fenmeno espacial que se revela a partir de processos relacionais que

transcendem a produo interna da cidade. Por sua vez, a cidade produz e produzida a partir

de processos de estruturao inerentes escala intraurbana materializados a partir de uma

dinmica interna respectiva cidade.

Considerando que toda e qualquer outra forma de repartio no espao depende da

maneira como os instrumentos de trabalho e os fatores de produo se distribuem, h,

portanto, uma relao de causa e efeito recprocos entre a cidade, como ela se organiza

materialmente, e a urbanizao, como ela se faz (SANTOS, 2009).

Ainda segundo Santos (2009), uma economia poltica da cidade deve trabalhar com

noes clssicas, como a diviso do trabalho, as relaes entre capital e trabalho, entre capital

constante e capital varivel, entre natureza e sociedade, mas, sobretudo, nos dias de hoje, deve

tambm incorporar outras categorias relacionadas como a questo do meio ambiente

construdo.

Diante dos elementos ressaltados anteriormente, atentando para a anlise das

dinmicas econmicas, polticas e espaciais que contriburam para as transformaes no

espao intraurbano desta cidade, e suas ntimas relaes com a lgica de organizao do

espao regional, adotar-se- como caminho tericometodolgico de construo do

pensamento a perspectiva concebida por Santos (2009), no sentido de uma anlise que ter

foco principal centrado na compreenso de uma economia poltica da cidade, e de uma

economia poltica da urbanizao. Essa abordagem permitir uma melhor apreenso das

dinmicas inerentes ao processo de produo do espao de Marab, bem como a articulao

dialtica entre as escalas local, regional e extra-regional.

36

A abordagem at aqui apresentada no teve a pretenso de discorrer de maneira mais

detalhada acerca dos conceitos elencados acima. Pretendeu-se to somente promover um

dilogo de cunho terico-conceitual, a fim de que o mesmo possa fundamentar a conduo

das reflexes terico-prticas subsequentes.

2.2 PECULIARIDADES DAS CIDADES MDIAS

Compreender a peculiaridade das cidades mdias, no mbito das transformaes vivenciadas

no contexto da sociedade atual, requer a retomada de dilogo com teorias, que h seu tempo e em

determinadas circunstncias histricas, buscavam e buscam conceber reflexes terico-prticas acerca

de problemas relacionados aos desequilbrios urbanorregionais. A discusso relacionada s cidades

mdias ganha flego no dias atuais em razo de uma srie de problemas urbanos associados ao

desenvolvimento geogrfico desigual (HARVEY, 2004), dos espaos das cidades capitalistas.

Quando se considera a realidade amaznica se evidencia um cenrio marcado por tenses

sociais, como resultado do avano de agentes econmicos, de fluxos de mobilidade do trabalho, de

aes estatais, que contriburam para intensificar o movimento de contradies relacionados aos

fenmenos urbanos da pobreza, da fome, da violncia, do narcotrfico nos espaos das cidades

amaznicas.

Dito isto, promove-se as seguintes indagaes: O que se entende por cidade mdia? Qual a

natureza da cidade mdia?

Para se entender a tipologia peculiar da cidade mdia, bem como a natureza da mesma,

necessita-se analisar as origens e evoluo dos estudos acerca das cidades mdias. A esse respeito,

delineiam-se algumas reflexes sobre estudos das cidades mdias.

O perodo ps-segunda guerra marca um momento de intensificao do processo de

urbanizao mundial (SANFELIU, 2009), fato que resultou em surgimento de srios desequilbrios

urbanorregionais em diversos pases, sobretudo a partir dos anos de 1950 (AMORIM FILHO;

SERRA, 2001). Dentro dessa perspectiva, evidenciou-se ampliao dos estudos sobre planejamento

urbanorregional, bem como das redes urbanas, enquanto possibilidade analtica para resoluo de tais

desequilbrios.

nesse contexto de problemas relacionados crise de aglomerados urbanos que surgiu, a

partir dos anos de 1960, uma preocupao com o grupo de cidades de porte mdio5, na Europa

Ocidental, especialmente em Frana, como possibilidade para se promover processos de

desconcentrao e descentralizao econmica, demogrfica e espacial, de maneira a

5 Nos primeiros estudos desenvolvidos nos anos de 1960, em Frana, os termos cidades mdias, cidades de porte mdio apresentavam o mesmo significado.

37

amenizar os desequilbrios existentes entre Paris e nas demais regies do territrio francs

(AMORIM FILHO; SERRA, 2001).

A esse respeito, a tese de doutorado de Rochefort, elaborada na dcada de 1950 e

editada em 1960, denominada Lorganization urbaine de lAlsace, trouxe importante

contribuio para a compreenso da organizao da rede urbana na Alscia (SPOSITO, 2004).

Neste trabalho Rochefort define trs nveis hierrquicos e funcionais na rede urbana

daquela regio francesa, quais sejam: grandes cidades, cidades mdias e organismos urbanos

elementares. Os critrios utilizados neste estudo incluem o tamanho demogrfico, a

organizao interna das cidades e suas relaes externas (ROCHEFORT apud AMORIM

FILHO, 2007).

Em relao realidade brasileira, o incio dos anos de 1970 marca momento em que

ocorrem os primeiros debates acerca da necessidade de aes no sentido de uma poltica

urbana como alternativa para a superao de implicaes decorrentes do processo de

concentrao econmica e espacial nas metrpoles do sudeste brasileiro (STEINBERGER;

BRUNA, 2001). Contudo, o Plano de Metas e Bases para a Ao do Governo (1970) e o I

Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) (1972-74) possuem apenas breves citaes sobre

o urbano.

A esse respeito, Steinberger e Bruna (2001) afirmam que o I PND aparece dentro da

estratgia de integrao nacional, da necessidade de criao das regies metropolitanas como

forma de consolidar o desenvolvimento do Centro-Sul do pas e reorientar os fluxos

migratrios desses centros em direo ao Nordeste e Amaznia.

Steinberger e Bruna (2001), ao analisar as propostas apresentadas no documento que

tratava especificamente da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano, ressaltam que

algumas posturas estavam calcadas na experincia francesa de amnagement du territoire,

especialmente a poltica das metrpoles em equilbrio. Tal postura pode ser evidenciada a

partir de um discurso que d nfase ao fato de que

[...] uma poltica urbana vai alm da problemtica de funcionamento interno das cidades para ir ao encontro da problemtica regional, via articulao com a rede de cidades, o que em ltima instncia, significava propugnar pela implantao de uma poltica de organizao territorial; e [...] buscar a compatibilizao de um modelo de ocupao do territrio com o processo econmico e social, via investimentos pblicos e privados, tarefa que caberia aos organismos responsveis pelo planejamento, coordenao e implantao da poltica de desenvolvimento nacional (STEINBERGER ; BRUNA, 2001, p. 41).

38

A rede urbana brasileira nos anos de 1970 apresentava um sistema urbano marcado

por reduzido nmero de cidades de porte mdio, fato que dificultava o processo de

planejamento urbano, no que tange interiorizao de processos modernizadores do territrio

(CORREA, 1987; RIBEIRO, 1998). Evidencia-se, nesse momento, a proliferao de cidades

pequenas, alm da presena das cidades primazes, que continuavam a exercer hegemonia no

mbito da rede urbana (RIBEIRO, 1998; AMORIM FILHO; SERRA, 2001).

Andrade e Lodder (1979) afirmam que o sistema urbano brasileiro, nos anos de 1970,

alm de se caracterizar por sua forma primaz, apresentavam uma distribuio regional

bastante desigual, posto que dos 50 maiores municpios brasileiros em 1970, 62%

encontravam-se no litoral, fato que revela no somente a herana agroexportadora, mas

tambm a incapacidade do processo de substituio de importaes em promover a

distribuio regional dos investimentos produtivos.

Segundo Pontes (2001), as discusses acerca da organizao de um sistema nacional

urbano passam a ganhar intensidade a partir de meados dos anos de 1970, com a divulgao

do II Plano Nacional de Desenvolvimento do Brasil (II PND)6. O respectivo plano trouxe

consigo captulo dedicado Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), que

traou estratgias para os centros de porte mdio, de acordo com macrorregies brasileiras, no

sentido de buscar a descentralizao e interiorizao do desenvolvimento por meio do

estmulo desconcentrao industrial e ao surgimento de novos centros, de maneira a

redirecionar os fluxos migratrios (DINIZ, 2002).

No que tange ao sudeste brasileiro, as estratgias traadas pelo Programa Nacional de

Desenvolvimento Urbano definiam as cidades de porte mdio como espaos urbanos

importantes, posto que estas deveriam servir como vlvula de escape para a resoluo de

problemas metropolitanos (DINIZ, 2002). J para a regio Sul do Brasil, o II PND tinha como

objetivo estratgico dinamizar e promover o planejamento integrado, a construo de

infraestrutura urbana para os centros urbanos com mais de 50 mil habitantes (PONTES,

2001).

O II PND apresentou como proposta para a regio Nordeste, o estmulo ao

crescimento das atividades produtivas e a melhoria da infraestrutura funcional e de

equipamentos sociais para as capitais, bem como para plos regionais secundrios desta 6 O II PND tratou explicitamente das cidades mdias: o diagnstico do sistema urbano era de prematura metropolizao, com excessiva pulverizao de pequenas cidades e um inadequado nmero de cidades mdias para imprimir maior equilbrio ao sistema. Nesse documento, o desenvolvimento das cidades mdias aparece como estratgia explicita: nas regies desenvolvidas, como necessrio desconcentrao industrial da RMSP, nas regies menos desenvolvidas, para ocupao territorial e atrao de fluxos migratrios (AMORIM FILHO; SERRA, 2001, p.15).

39

regio (PONTES, 2001). Tal estratgia visava dinamizar os ncleos urbanorregionais, que

teriam o papel de conter o fluxo migratrio ao mesmo tempo em que garantiriam o suporte

para as atividades agropecurias e agroindustriais a serem estabelecidas (AMORIM FILHO;

SERRA, 2001).

Para o caso das regies Norte e Centro-Oeste, o II PND traou estratgia no sentido de

estimular os ncleos urbanos de ocupao, estrategicamente selecionados ao longo dos

grandes eixos rodovirios de integrao nacional, bem como suas potencialidades sub-

regionais para o desenvolvimento agropecario, agroindustrial e agromineral (PONTES,

2001).

Segundo (FRANCISCONI; SOUZA, 1975, p 187), as aes seriam viabilizadas

levando-se em considerao trs estratgias, quais sejam:

[...] Fortalecer [...] a regio metropolitana e reforar as metrpoles regionais existentes; [...] promover os ncleos urbanos de mdio porte para que assumam as funes de elementos de apoio ao setor primrio; dinamizar a urbanizao em pontos estratgicos selecionados nos grandes eixos que cortam a regio, como a Transamaznica a Belm-Braslia e a Cuiab-Santarm, de forma a promover tambm projetos setoriais especiais de natureza urbana ou plos de apoio a projetos regionais especficos que venham a ser implantados na regio

Ainda sobre as estratgias concebidas no II PND para as cidades brasileiras, Pontes

(2001) afirma que, no mbito das estratgias emanadas pela PNDU, promoveu-se

classificao dos centros urbanos da seguinte maneira: centros com funo de

desconcentrao (Rio de Janeiro e So Paulo) e centros com funo de dinamizao (nas

regies que se pretendia desenvolver).

Para os primeiros centros, o programa propunha melhorar os sistemas de transportes e

comunicaes em nvel regional, estimular e assegurar infraestrutura para o setor secundrio,

criar distritos industriais, promover a indstria local e criar mecanismos de proteo ao meio

ambiente (AMORIM FILHO, 2001). Por sua vez, no que tange aos centros com funo de

dinamizao, o respectivo programa propunha a melhoria dos transportes regionais, apoio

comercializao e estocagem de produtos primrios, criao de facilidades creditcias para a

indstria regional, treinamento gerencial, desenvolvimento das telecomunicaes e a

construo de equipamentos sociais urbanos (PONTES, 2001).

Com efeito, a partir das estratgias estabelecidas pelo PNDU, estabeleceram-se

diretrizes que nortearam o programa de capitais e cidades mdias, que apresentaram como

objetivos centrais: a criao e fortalecimento de novos plos de desenvolvimento, a

40

desconcentrao das atividades econmicas e contingentes demogrficos da regio sudeste,

criao de novos empregos e reduo das disparidades de renda (PONTES, 2001).

[...] a poltica urbana do II PND trazia uma proposta contraditria economia de mercado, que geralmente privilegiava a concentrao de investimentos nos grandes aglomerados urbanos. Para conciliar esse conflito o plano propunha favorecer a criao de plos secundrios, as cidades de porte mdio, que se aproveitariam das vantagens das aglomeraes existentes, ao mesmo tempo em que serviriam de base a uma estruturao de apoio formao de um sistema urbano nacional mais equilibrado (STEINBERGER; BRUNA, 2001, p. 47).

Contradio aparente posto que a respectiva poltica urbana buscou resolver

problemas de deseconomia de aglomerao evidenciada no contexto de urbanizao da

cidade de So Paulo, resultante do processo de concentrao econmica e industrial da

metrpole nacional (CANO, 1988). Portanto, no mbito das estratgias governamentais, em

que pese aes no que tange ao processo de integrao entre as regies brasileiras, grosso

modo promoveu-se um processo de desconcentrao concentrada das atividades

econmicas nesse perodo.

Foi nessas condies que, em carter preliminar, o ento assessor da Comisso

Nacional de Regies Metropolitanas e Poltica Urbana, o professor Michel Rochefort definiu

a cidade mdia como um centro urbano em condies de atuar como suporte s atividades

econmicas em sua hinterland (PONTES, 2001). Este assessor sugeriu uma possvel

classificao das cidades mdias brasileiras: cidades mdias integradas rede urbana e

cidades mdias situadas s margens das redes urbanas hierarquizadas (PONTES, 2001).

Em relao s primeiras respectivamente, notadamente cidades do Sudeste e Sul do

Brasil fortemente impactadas pelas dinmicas metropolitanas, promoveu-se aes no sentido

de utilizar as potencialidades das cidades mdias fortemente integradas rede urbana,

definidas pela classificao proposta por Rochefort. Estas estariam subdivididas em trs

nveis, quais sejam: as cidades mdias que receberiam impacto direto do atual crescimento

industrial das metrpoles (a exemplo de Sorocaba (SP), So Jos dos Campos (SP)); as

cidades tursticas e instancias termais (Guaruj, Campos do Jordo e Caxambu) e, finalmente,

as cidades mdias complexas (fortemente integradas rede urbana: Ribeiro Preto (SP);

parcialmente integradas: Caxias do Sul (RS); e as que permanecem margem dos sistemas

urbanos: Blumenau(SC), Loinville (SC), Juiz de Fora (MG) (PONTES, 2001).

Por sua vez, as cidades mdias, situadas margem das redes urbanas hierarquizadas,

foram subdivididas da seguinte maneira: 1) cidades mdias que constituem centros tercirios

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das zonas de Agricultura Tradicional (algumas cidades nordestinas como Feira de Santana,

Caruaru); 2) cidades mdias, essencialmente administrativas (Macei e Aracaju); 3) cidades

mdias que servem de ponto de apoio s atuais zonas de colonizao agrcola (Cascavel e

Toledo (PR), Santarm (PA), Altamira (PA)), 4) cidades mdias que canalizam produtos

bsicos destinados exportao (Macap (AP), Ilhus (BA) (PONTES, 2001).

Estas ltimas cidades mdias se distinguem pelo tipo de base econmica, pelas

necessidades engendradas pela base econmica regional das quais fazem parte, bem como

pela extenso bastante varivel de suas zonas de influncia (PONTES, 2001). Ainda segundo

Fontes (2001), as cidades mdias, situadas s margens de redes urbanas hierarquizadas,

seriam aquelas que estariam fora do domnio geoeconmico das redes fortemente

estruturadas.

Do ponto de vista tcnico, o program