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Jurisprudência da Quarta Turma
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
RECURSO EM HABEAS CORPUS N.2. 8.922 - SP (Registro nJ:!. 99.0069502-0)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: Júlio César Moleti
Advogada: Leonilda Bob
309
Recorrido: Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo
Paciente: Júlio César Moleti
EMENTA: Penal e Civil - Habeas corpus denegado - Recurso ordinário - Alienação fiduciária - Devedor - Ameaça de prisão caso
não quitada a dívida - Constrangimento ilegal - Concessão da ordem.
I - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada a partir de precedente da Corte Especial no EREsp n!!. 149.518-GO (ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 05.05.1999), é no sentido de afastar a ameaça ou ordem de prisão do devedor em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária em garantia.
II - Recurso ordinário provido. Concessão da ordem.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, dar provimento ao recurso para afastar a cominação de prisão civil imposta ao paciente, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 21 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator.
Publicado no DI de 16.11.1999.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
310 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDE]USTIÇA
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Aproveito a sín
tese constante do parecer ministerial de fls. 69/70, litteris:
"1. Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, interposto
por Júlio César Moleti, contra o v. acórdão do Segundo Tribunal de
Alçada Civil do Estado de São Paulo, denegatório de ordem de
habeas corpus, impetrado pelo ora recorrente contra ato do MM. Juiz
de Direito da Trigésima Quarta Vara Cível de São Paulo.
2. BIG S/A - Banco Irmãos Guimarães promovera perante o Juízo de Direito da Trigésima Quarta Vara Cível da Comarca da Capi
tal do Estado de São Paulo, ação de busca e apreensão contra Júlio César Moleti, com respaldo no Decreto-Lei n J2 911, de 1 J2 de outubro de
1969, do veículo adquirido mediante contrato de mútuo com alienação
fiduciária em garantia, devidamente descrito na respectiva inicial.
3. Não localizado o veículo, requereu a autora a conversão da
demanda em ação de depósito, no que veio a ser atendida pelo magis
trado.
Julgada procedente a ação de depósito, foi o réu, ora paciente, condenado à restituição da coisa, facultando-se-Ihe pagar o valor do
bem custodiado, sob pena de caracterização de infidelidade na guarda, com a subseqüente prisão do depositário."
Impetrado habeas corpus junto ao egrégio Segundo Tribunal de Al
çada Civil do Estado de São Paulo, o mesmo foi denegado, gerando o pre
sente recurso ordinário.
Alega o recorrente que a avença celebrada com a instituição bancária
credora não configura típico contrato de depósito, salientando que o art. 5J2,
LXVII, da Carta Política vigente, ao excluir do texto magno anterior (art.
153, § 17), a expressão "na forma da lei", vedou a ampliação, pela legislação ordinária, das hipóteses de prisão civil constitucionalmente previstas.
Daí, complementa, não foi recebida pela novel Carta possibilidade de pri
são embasada no art. 4J2 do Decreto-Lei nJ2 911/1969 c.c. o art. 901, § 1J2,
do CPC, de sorte que a ameaça que pesa sobre ele deve ser afastada.
Aduz que a prisão, no caso, é instrumento que a doutrina considera
exageradamente rigoroso, salientando que já ofereceu bens em garantia.
RSTJ, Brasilia, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 311
Cita precedentes jurisprudenciais, inclusive do STJ.
Às fls. 68170, opina a douta Subprocuradoria Geral da República, pelo
Dr. Henrique Fagundes, no sentido da concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Como
visto do relatório, cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus inter
posto contra acórdão prolatado pelo Segundo Tribunal de Alçada Civil de
São Paulo, que denegou a ordem, rejeitando pedido que pretendia afastar
a ameaça de prisão imposta por sentença, caso não entregue pelo réu, ora
recorrente, em vinte e quatro horas, o veículo fiduciariamente alienado, ou
pago o valor do débito.
O ilustrado Subprocurador-Geral da República, em seu parecer de fls.
68170, cita precedente da colenda Corte Especial, de que foi Relator o emi
nente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:
"Alienação fiduciária. Prisão civil.
Não cabe a prisão civil de devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária.
Embargos acolhidos e providos."
(EREsp n.Q. 149.518-GO, ReI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Cor
te Especial, julgado em 05.05.1999).
Considerou-se, no aludido precedente, entre vários outros fundamen
tos, que a prisão derivada da alienação fiduciária em garantia constitui sim
ples forma de coagir o devedor inadimplente a pagar a dívida, portanto di
ferenciando-se e refugindo à real condição de depositário, que se obriga a
restituir o bem na forma e condições avençadas ou quando solicitado, en
quanto na espécie em comento se admite o pagamento do preço e a manu
tenção da coisa em seu poder e titularidade.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para conceder a ordem,
determinando sejam feitas as comunicações de estilo no sentido de afastar
a ameaça de prisão.
É como voto.
RSTJ, Brasília, 3.12, (130): 307-383, junho 2000.
312
Relator:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N.2. 75.008 - MG (Registro n ll 95.0048262-2)
Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: Companhia Real de Investimento - Crédito Financiamento
e Investimento
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
Edelberto Augusto Gomes Lima e outro
Maria Aparecida de Souza Valadares
Ricardo Drummond da Rocha e outros
EMENTA: Processual - Embargos de terceiro - Indevida penho
ra sobre a meação da esposa do executado - Procedimento de inicia
tiva exclusiva do oficial de justiça e contrário ao requerido pela
exeqüente e autorizado pelo juízo - Sucumbência descaracterizada
- Honorários advocatícios indevidos - CPC, art. 20.
I - Requerendo a exeqüente, expressamente, que a penhora
incidisse exclusivamente sobre a meação do cônjuge devedor, e nes
ses exatos termos deferida a diligência pelo Juízo, inexiste respon
sabilidade da credora se o Oficial de Justiça, indevidamente, proce
de à constrição no todo do imóvel, alcançando a parte pertencente
à meeira. Caso, inclusive, em que após o acontecido, a autora ime
diatamente concordou com o levantamento da penhora sobre a
meação da esposa.
11 - Desfigurada, assim, a sucumbência da exeqüente, indevida
é a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
111 - Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, co
nhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas
taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de
Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de
Aguiar. Custas, como de lei.
RST], Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Brasília-DF, 5 de outubro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator.
Publicado no DI de 22.11.1999.
RELATÓRIO
313
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Tratam os autos
de embargos de terceiro à execução opostos por Maria Aparecida de Sou
za Valadares em face da Cia Real de Investimentos, Crédito, Financiamen
to e Investimento, visando excluir sua meação de imóvel penhorado em de
corrência de aval prestado por seu marido.
O juízo de primeiro grau julgou procedentes os embargos, determinan
do o resguardo da meação da embargante na penhora realizada no bem do
casal. Deixou de condenar a embargada nos ônus de sucumbência, por ter
esta requerido por ocasião da penhora que fosse respeitada a meação do
cônjuge do executado.
A embargante interpôs apelação.
A colenda Quinta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de
Minas Gerais, por unanimidade, deu provimento à apelação. Entendeu que
a procedência dos embargos impõe a condenação da embargada ao paga
mento das custas processuais e dos honorários advocatícios sob pena de,
assim não agindo, negar vigência ao art. 20 do Cpc.
Interpôs a Cia Real de Investimento - CFI recurso especial pelas le
tras a e c do art. 105, lII, da Carta da República, em que aponta negativa
de vigência ao art. 20 do CPC e divergência com a jurisprudência do Su
perior Tribunal de Justiça.
Ressalta que nos autos da execução, à fl. 29, pleiteou fosse observada
a meação da esposa do executado, mas que inobstante o pedido, o Oficial
de Justiça penhorou bem imóvel do casal.
Assinala, portanto que a pretensão da embargante já havia sido
requerida expressa e antecipadamente, não podendo portanto o ora recor
rente ser penalizado com base em erro do Oficial de Justiça.
Requer seja excluída a condenação em honorários advocatícios de
sucumbência.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A recorrida apresentou contra-razões às fls. 160/161, afirmando que
inexiste violação de lei federal e que o dissídio não está devidamente de
monstrado.
Juízo prévio de admissibilidade do especial no tribunal de origem às fls. 163/164.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Insur
ge-se a recorrente, com base nas letras a e c do permissivo constitucional,
contra acórdão prolatado pelo colendo Tribunal de Alçada do Estado de
Minas Gerais que, nos autos de embargos de terceiro, estabeleceu sua condenação no pagamento das custas e verba honorária de 10% do valor atua
lizado da causa.
Demonstrado o dissídio jurisprudencial e ventilado no aresto a quo o
art. 20 do Código de Processo Civil, admito o recurso e passo ao seu exame.
Reside a questão em saber se a exeqüente deve arcar com os honorá
rios do advogado da embargante, quando a credora requereu que a penho
ra do bem se fizesse apenas sobre a parte do devedor, e nem se opôs ao seu
desfazimento, quando verificado que ocorreu a maior.
A aplicação pura e simples do princípio da sucumbência, levaria à con
denação da embargada (art. 20 do CPC). No entanto, a solução do presente
caso merece ser diferente.
É que se demonstra incontroversa, desde o ajuizamento da execução, a intenção da recorrente em resguardar o direito de meação da embargante,
como bem salientou o juiz de primeiro grau na sentença, litteris:
"Observa-se também à fl. 29 dos autos da ação de execução, que
a embargada realmente requereu que ao ser efetuada a penhora fosse
dessa excluída a meação do cônjuge do executado, fato este não obser
vado pela senhora escrivã ao expedir o mandado de penhora, seguin
do o erro o Sr. Oficial de Justiça que indevidamente, penhorou a totalidade do bem sem excluir a meação do cônjuge, vez que o despacho
ordenando a penhora de bens do executado) constante de fi. 32 dos autos)
deferia o pedido de penhora nos termos da petição de fl. 29) onde a
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 315
exeqüente/embargada, expressamente requeria a citada exclusão." (desta
quei).
Não se pode, portanto, penalizar a parte por falta do meirinho ou de serventuários do cartório, inclusive levando-se em conta não houve resis
tência à pretensão da embargante e que a mesma poderia ter seu pleito atendido com uma simples petição nos autos principais.
HUIDberto Teodoro Júnior na sua obra Processo de Execução, lembra, com propriedade:
"O reconhecimento da procedência dos embargos de terceiro gera para o embargado os ônus da sucumbência (custas e honorários advocatícios), mesmo que não tenha contestado a ação ou tenha concordado com o levantamento da penhora (reconhecimento do pedido), na forma dos arts. 20 e 26 (52).
Se, porém, a penhora foi realizada por iniciativa apenas do Ofici
al de Justiça, sem nomeação ou mesmo sem ciência do exeqüente, e este,
logo ao tomar conhecimento dos embargos, reconhece o direito do
embargante e pede o levantamento da penhora, não é justo imputar, em
tal circunstância, ao embargado o ônus da sucumbência, porquanto o in
cidente decorreu de um ato judicial que não lhe pode ser imputado, a tí
tulo algum. A falha, in casu, seria apenas do aparelhamento judiciário
e só o Poder Público há de responder por suas conseqüências (53).
Para obviar problemas como esse e mesmo para evitar inúteis ou desnecessários ajuizamentos de embargos de terceiros, de lege ferenda seria recomendável condicionar o manejo desse remédio processual a um prévio pedido de liberação do bem, formulado pelo ter
ceiro através de simples petição, nos autos principais. Só quando o exeqüente não concordasse com a liberação sumária é que o terceiro estaria legitimado a propor a sua ação de embargos. Com isso, atender-se-ia ao princípio de economia processual, tão valorizado pelo direito formal de nossos tempos." (11 a edição, fls. 373/374 - grifei).
Sobre a matéria, assim tem-se guiado a jurisprudência desta Corte, verbis:
"Penhora sobre bens de terceiro, por iniciativa do Oficial de Jus
tiça. Procedência dos embargos. Honorários advocatícios. Por eles não
responde o embargado, à míngua de objetiva derrota, ou porque, em
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
tal espécie, não dá causa ao processo. Recurso especial conhecido pelo
dissídio, mas não provido."
(Terceira Turma, REsp n"- 45. 727-0-MG, ReI. Min. Nilson Na
ves, unânime, DJU de 13.02.1995).
"Processual Civil. Execução. Embargos de terceiro. Desconsti
tuição de penhora. Bem imóvel pertencente a sócio de sociedade de
responsabilidade limitada. Irregularidade.
I - Penhora efetivada sobre bem imóvel de terceiro, que não é
parte no processo, por iniciativa exclusiva do Oficial de Justiça. A
desconstituição da penhora poderia ter sido postulada através de sim
ples petição nos autos da execução; optando pela via dos embargos de
terceiro, deve arcar com as custas processuais, pelo manejo indevido
deste remédio processual. Descabível a condenação da embargada em
ônus da sucumbência, quando não resistida a pretensão.
II - Recurso não conhecido."
(Terceira Turma, REsp nll. 148.322-RS, ReI. Min. Waldemar
Zveiter, unânime, DJU de 11.05.1998).
Ante o exposto dou provimento ao recurso para afastar a sucumbência
imposta.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N2. 114.128 - MG (Registro n"- 96.0073642-1)
Relator:
Recorrentes:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
Ministro Cesar Asfor Rocha
Gláucia Silva Oda e outros
Roberto Matos de Brito e outros
Banco do Brasil S/A
Eliézer de Oliveira Felinto Melo e outros
Sustentação oral: Patrícia Netto Leão (pelo recorrido)
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 317
EMENTA: Processual Civil - Execução - Legitünidade passiva
do prestador de garantia hipotecária - Esc1areciUlento quanto à leitura do acórdão recorrido - Recurso especial - AdUlissibilidade Questão fática - DescabiUlento - ReexaUle da prova.
O recurso especial não se presta ao reexaUle da prova.
Se a execução vai atingir o beUl dado eUl garantia, os signatários da hipoteca deveUl integrar a relação processual executiva. To
davia, não é lícito ao credor exigir daquele que tão-soUlente entregou seu beUl eUl hipoteca, Ulais do que isso.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.
Brasília-DF, 23 de novembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 08.03.2000.
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Cuida-se de recurso
especial, fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, in
terposto por Gláucia Silva Oda nos autos de embargos de devedor opostos à execução que lhe foi movida pelo ora recorrido.
A recorrente subscreveu, por meio de procuração outorgada a N orio
Oda, a constituição de "hipoteca cedular de primeiro grau do imóvel des
crito, de sua propriedade, em garantia da obrigação assumida pelo emitente"
(fls. 10/11 do apenso) em cédula de crédito rural com garantia pignoratícia e hipotecária.
Nos embargos, alegou a sua ilegitimidade passiva porque teria firma
do o título apenas na condição de interveniente para conferir outorga uxória
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
para a formalização do ônus hipotecário sem que tivesse assumido "o cum
primento da obrigação da emitente, na qualidade de fiadora, avalista,
coobrigada ou qualquer outra figura que pudesse lhe colocar na posição de
devedora, solidária ou não." (fl. 3).
A r. sentença rejeitou a preliminar sob as considerações a seguir trans
critas:
"A preliminar de ilegitimidade passiva de Gláucia Oda não pode
ser acolhida, haja vista que firmou a cédula rural, como se vê à fl. 12
da execução com fim de garantir a constituição da hipoteca cedular
sobre seus bens. Assim, tem ela interesse na causa, e sua exclusão cau
saria cerceamento de seu próprio direito, haja vista que tem interesse
em defender seus bens, ante ao direito de seqüela da hipoteca (direi
to real sobre coisas alheias). Assim, rejeito a preliminar." (fl. 53).
Assim também a egrégia Terceira Câmara do Tribunal de Alçada do
Estado de Minas Gerais, lançando os seguintes fundamentos:
"Alegam os embargantes ilegitimidade passiva da Sra. Gláucia
Silva Oda, vez que firmou o título apenas na condição de interveniente,
a fim de conferir outorga uxória para formalização da hipoteca sobre
imóvel, não assumindo pessoalmente o cumprimento da obrigação.
Ora, tendo assumido livre e espontaneamente a condição de ga
rantidora solidária em outorga uxória pela constituição da hipoteca do
imóvel de sua propriedade, vinculou-se à obrigação contratada. Obri
gada como os demais coobrigados, não pode ser excluída da lide, caso
em que ocorreria abuso que a exceção constitucional não autoriza.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva." (fls. 113/114).
O recurso especial insiste na ilegitimidade passiva, alegando ter o v.
aresto, "ao afirmar a legitimidade e solidariedade da mulher que se limi
tou a firmar o título em outorga uxória pela constituição da hipoteca do
imóvel de sua propriedade", negado vigência aos arts. 568 do CPC e 896
do CC, bem como divergido de julgados desta Corte e do Tribunal de Al
çada do Estado do Rio Grande do Sul que teriam limitado a responsabili
dade do terceiro prestante de garantia real aos bens vinculados, sendo des
cabida a citação para satisfação integral do débito.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 319
Em contra-razões, o banco pugna pelo desprovimento do recurso
sustentando a incidência das Súmulas nnli 5 e 7 deste Tribunal e a ausência
de prequestionamento.
O recurso foi admitido na origem.
É O relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESARASFOR ROCHA (Relator): O recurso não
reúne condições de admissibilidade.
O v. acórdão recorrido, ao assentar a legitimidade passiva da recorren
te, lançou os seguintes fundamentos:
"Alegam os embargantes ilegitimidade passiva da Sra. Gláucia
Silva Oda, vez que firmou o título apenas na condição de interveniente,
a fim de conferir outorga uxória para formalização da hipoteca sobre
imóvel, não assumindo pessoalmente o cumprimento da obrigação.
Ora, tendo assumido livre e espontaneamente a condição de ga
rantidora solidária em outorga uxória pela constituição da hipoteca do
imóvel de sua propriedade, vinculou-se à obrigação contratada. Obri
gada como os demais coobrigados, não pode ser excluída da lide, caso
em que ocorreria abuso que a exceção constitucional não autoriza.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva." (fls. 113/114).
Incontornável, assim, a necessidade do reexame dos fatos e das provas
para o acolhimento da pretensão recursal no sentido de não ser a recorrente
parte passiva legítima.
No recurso especial, como cediço, não se reexamina prova, devendo as
circunstâncias da causa serem tidas na versão do acórdão recorrido que, so
beranamente, decide a respeito delas.
Em verdade, "eventual equívoco do acórdão, relativamente a matéria
de fato, não pode ser corrigido em recurso especial", conforme correta co
locação do eminente Ministro Eduardo Ribeiro, in Ag n"'- 4.277-SP - AgRg,
DJ de 19.11.1990.
A leitura que a recorrente faz do acórdão não é a mesma que juridi
camente se impõe. Cumpre, portanto, um simples esclarecimento.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
320 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É certa a distinção preconizada pela recorrente entre a anuência à entrega do bem de sua propriedade em garantia de dívida e a assunção do total da dívida como "devedor", emitente, fiador ou avalista.
A ação real hipotecária se exerce executivamente apenas contra os bens hipotecados que, por meio da venda forçada, irão satisfazer monetariamente o credor.
Como se trata de direito real e não pessoal, não há de se cogitar em decorrente solidariedade na obrigação principal, como no caso do aval ou da fiança.
Mas, considerando-se a garantia em si, ou seja, no caso dos autos, a hipoteca firmada pelo casal, os cônjuges-garantes são solidários, estando ambos vinculados a essa obrigação hipotecária. Daí o afirmado pelo Tribunal a quo.
O título em execução é uma cédula de crédito rural com garantia pignoratícia e hipotecária. Essa hipoteca, subscrita pela ora recorrente, juntamente com seu marido, de imóvel de propriedade comum, por si só, já constitui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 585, inciso IH, do Código de Processo Civil, tornando a recorrente parte passiva legí
tima para a execução desse título.
Se a execução vai atingir o bem dado em garantia, obviamente os seus proprietários e signatários da hipoteca devem integrar a relação processual executiva.
Nesse sentido os REsps n illi 87.853-MA, ReI. eminente Min. Carlos Alberto Menezes Direito; 107.1 08-RS, ReI. eminente Min. Waldemar Zveiter; 36.581-CE, ReI. eminente Min. Eduardo Ribeiro; 7.230-RS, ReI. eminente Min. Barros Monteiro.
Todavia, não é lícito ao credor exigir daquele que tão-somente entregou seu bem em hipoteca, mais do que isso.
A inicial da execução não faz qualquer distinção ou referência ao que estaria sendo cobrado de quem.
Os embargos, por seu turno, não demonstram que o valor da dívida exeqüenda seja superior ao valor do bem hipotecado, para se concluir com certeza que se estaria cobrando da recorrente mais do que o devido.
Por isso, feitas essas observações, nenhuma mudança cabe ser operada no v. acórdão, persistindo a legitimidade da recorrente no pólo passivo da execução no tocante à efetivação da garantia que prestou.
Destarte, não conheço do recurso.
RST}, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 321
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Presidente): Srs.
Ministros, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator, uma vez que
a mulher, tendo outorgado autorização ao marido para firmar hipoteca em
garantia da dívida, há ela de figurar no pólo passivo da execução.
Se não for assim, como disse bem o Sr. Ministro-Relator, poderia re
clamar da ausência da sua citação.
Registro que não se está, no caso, decidindo sobre a existência de hi
poteca da meação da mulher, ora recorrente.
RECURSO ESPECIAL N.Q. 115.064 - MG (Registro nQ 96.0075812-3)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogados:
Ministro Sálvio de Figueiredo
Condomínio do Edifício Santo Elias
Paulo Roberto Roque Antônio Khouri e outros
Casa Americana S/A - Comércio Indústria e Represen
tações e outro
Celso Barbi Filho e outros
Sustentação oral: Paulo Roberto Roque Antônio Khouri (pelo recorrente)
e Estefânia Souza de Viveiros (pelos recorridos)
EMENTA: Execução - Execução de obrigações de fazer ou não
fazer - Multa - Pena coercitiva indireta - Astreinte - Imposição nas
instâncias ordinárias - Termo a quo da sua exigência - Imprescindi
bilidade da citação no processo executivo (CPC, arts. 632/633, 642/
643 e 644) - Inocorrência de violação aos arts. 535, 610/611, CPC -
Não caracterização do dissídio.
1. Nas obrigações de fazer ou não fazer, vale-se o juiz, COlll au
torização legal, da imposição de meio coercitivo indireto, as chama
das astreintes, para forçar o devedor a cumprir a obrigação, nos ter
mos em que foi condenado no processo de cognição.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Essa pena pecuniária deverá ser determinada no título judicial. Omissos a sentença e/ou o acórdão do processo de cognição em relação à unidade temporal dessa multa (dia, semana ou mês) e a data a partir de quando devida, caberá ao juiz da execução fixálos (CPC, art. 644). Imprescindível, no entanto, a instauração do processo executivo pela citação para a sua exigência, mesmo que
eventualmente tenha incidência anterior a essa citação, por força do decidido na decisão trânsita em julgado do processo de conhecimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, sendo que os Srs. Ministros-Relatores, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha retificaram seus votos anteriores. O Sr. Ministro Bueno de Souza não participou da votação por ausência ocasional à sessão do dia 11.02.1999.
Brasília-DF, 7 de abril de 1999 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Relator.
Publicado no D} de 03.11.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: 1. Ajuizou O recorrente contra os recorridos "ação cominatória", cujo pedido foi julgado improcedente na sentença.
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, sendo Relator o hoje Desembargador Sérgio Rezende, deu provimento à apelação do autor, "para julgar procedente o pedido feito à fi. 6-TA (primeiro pedido ou anterior) em sua totalidade, com inversão dos ônus da sucumbência".
Esse pedido, integralmente acolhido, foi assim manifestado:
"A condenação dos réus transgressores, compelindo-os a desfazerem as obras de lanchonete, restaurante e bar na loja 01 (n.Q. 76), do
RSTJ, Brasilia, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 323
Edifício Santo Elias, compreendendo-se subsolo, térreo e sobreloja, no
prazo de trinta dias, a contar da intimação da sentença, assim como a
absterem-se da prática das atividades de bar, lanchonete, restaurante
ou qualquer outra transgressora da Lei, da Convenção, do Consenso
majoritário e do acordo de vontade da maioria composta por 2/3 das
frações ideais e da última alteração da convenção, inclusive antes do
trânsito em julgado da sentença; tudo sob a cominação de multa cor
respondente a quatro pisos nacional de salário por dia, vigentes no país,
e sem prejuízo de ficar assegurado ao síndico a autorização para man
dar desmanchar tais obras, à custa dos réus transgressores, se estes não
as desfazê-las no prazo determinado em sentença; sendo, concomitantemente, acumulado o pagamento das perdas e danos, conforme se apu
rar em liquidação de sentença."
Os embargos declaratórios oferecidos por um dos apelados foram par
cialmente acolhidos, para excluir da condenação as perdas e danos.
Os recursos especiais interpostos pelos réus foram inadmitidos em
decisão atacada por agravos endereçados a este Tribunal e desprovidos pelo
Ministro Dias Trindade, quando integrava esta Quarta Turma.
2. A sentença de liquidação, por sua vez, expressou:
"O que pretendem os requeridos é se verem desobrigados do pa
gamento da multa diária pedida nesta ação cominatória, ou pelo me
nos, que venha ela incidir somente após a citação, que pretendia, do
réu para desocupar o imóvel.
Como o imóvel foi desocupado, sem a pretendida citação, querem,
então o não pagamento da pena cominada.
Não lhes assiste razão, data venia.
O v. acórdão de fl. 412 é muito claro, ao concluir: 'Assim, dá-se
provimento ao apelo para julgar-se procedente o pedido feito à fl. 6-
TA (primeiro pedido ou anterior) em sua totalidade, com inversão dos
ônus da sucumbência'.
O pedido de fl. 6-TA compreende, na letra a, primeiro pedido ou
anterior, como mencionado no acórdão: O desfazimento das obras de
lanchonete, restaurante e bar no prazo de trinta dias, a contar da sen
tença; a abstenção da prática das atividades de bar, lanchonete, restau
rante ou qualquer outra transgressora da Lei da Convenção, inclusive
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
324 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
antes do trânsito em julgado da sentença, tudo sob a cominação de
multa correspondente a quatro pisos nacionais de salário por dia, sem
prejuízo de se desmanchar tais obras à custa dos réus, se estes não as
desfazê-las no prazo determinado em sentença, e mais perdas e danos
a serem apuradas em liquidação de sentença.
A sentença de primeira instância foi desfavorável ao autor, mas
se viu ela modificada pelo acórdão de fls. 409/412, do qual foi excluí
da, através dos embargos de fl. 413, a condenação a perdas e danos.
Assim, a sentença a que faz menção o pedido do autor, à fl. 6-TA,
é o acórdão de fl. 409, que foi publicado no dia 21.10.1992 (fl. 413).
A partir daí, os requeridos tinham trinta dias para cessar suas atividades
no prédio e desfazerem as obras destinadas ao funcionamento do res
taurante e bar.
Como não o fizeram, devem responder pela pena cominada, de
quatro salários mínimos por dia, não cabendo aqui se discutir sobre a
decisão do egrégio Tribunal de Alçada que, julgando procedente em
sua totalidade o pedido de fl. 6-TA, com a exclusão, posteriormente,
tão-somente à indenização por perdas e danos, determinou que a pena
fosse paga a partir da publicação da sentença, como requerido."
A apelação dos réus-devedores foi desprovida em acórdão tomado por
maioria de votos. Do voto-vencido, colhe-se:
"Ao que tenho, salvo melhor juízo, sacratíssima que seja, a COl
sa julgada não tem o alcance de dispensar o ajuizamento do processo
de execução. Entendê-lo dispensável implica em subtrair à ré o tam
bém sagrado direito ao devido processo legal, com todas as prerroga
tivas daí advinhas, como, por exemplo, o direito de opor embargos.
Então, citada para a execução de sentença e deixando de satisfazê
la, estaria a executada sujeita à multa, calculada esta, aí sim, desde a
intimação do acórdão, que é o título executivo.
O que se me revela impossível é pedir-se a liquidação e subse
qüente execução da multa, que é uma pena, sem, antes, se ter pedido
a execução da obrigação que, se descumprida e só descumprida, é que
a tornaria devida.
Sem citação, não há processo de execução; sem o processo de
execução devidamente instaurado, não está aquele a quem se impôs
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 325
uma obrigação obrigado a cumpri-la, salvo se o queria fazer esponta
neamente.
Assim sendo, com pedido de vênia ao douto juiz-relator, dou pro
vimento à apelação."
Dos embargos infringentes acolhidos, extrai-se do voto-condutor, da
lavra do Juiz Francisco Bueno:
"No caso, data venia, a conceituação de intimação ganha maior
relevo pois a multa, que não tem fim em si mesma, se apresenta como
meio coercitivo e se torna exigível pela mora, que somente se apura
com a intimação pessoal ou citação daquele que deva fazer ou se abster
de fazer alguma coisa.
Impossível confundir-se a multa com pena, ou com perdas e da
nos, tanto que a astreinte não se limita, podendo alcançar cifra supe
rior ao das perdas e danos, somente cessando sua incidência, ou com
o cumprimento da obrigação ou quando se tornar impossível seu cum
primento.
Desta forma, a meu sentir, a intimação adotada pelo v. acórdão
que apreciou o processo de conhecimento abrangeu aquela pessoal da
parte, não se restringindo à intimação do representante advogado que
não se obriga a cumprir ou deixar de cumprir ato exclusivo do litigante.
Há um acórdão do colendo Superior Tribunal de Justiça, profe
rido em recurso especial oriundo de Minas Gerais que esclarece a
questão, diz sua ementa: 'Obrigação de fazer. Execução. Multa. A exe
cução de obrigação de fazer começará pela citação do devedor para que
cumpra o julgado, no prazo fixado. Decorrido este, incide a multa que
houver sido cominada' (REsp n ll 6.644-MG, ReI. Min. Eduardo Ribei
ro, in Revista do STJ 19/550).
No caso em tela não se compeliu o embargante a cumprir o jul
gado, pena de incorrer na multa fixada, tratou-se logo de reclamar seu
valor, desde a publicação do acórdão, que vale para os advogados,
como se se cuidasse de reparação de danos, adrede fixados.
Sem a indispensável intimação para cumprimento do acórdão
impossível liquidar-se a multa cuja razão determinante de sua incidên
cia não foi exigida da parte devedora.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Assim exposto, dentro de minhas notórias limitações e da singe
leza como vejo a questão, pedindo licença aos eminentes juízes auto
res do voto majoritário, empresto minha adesão ao voto minoritário, acolhendo os embargos infringentes."
Os embargos declaratórios, oferecidos pelo condomínio vencido, restaram rejeitados.
3. Insurgiu-se o credor, interpondo o recurso especial estribado nas
alíneas a e c do autorizativo constitucional, apontando violação aos arts.
535, I e 11,610, 611 e 644, CPC, além de dissídio interpretativo. Sua irresignação foi por ele resumida nestes termos:
"Ao propor os embargos de declaração, o fez o recorrente medi
ante demonstração clara de que os votos majoritários foram omissos e contraditórios, pois decidiram a demanda como se inexistisse o acór
dão de fls. 409/412 dos autos, que constitui coisa julgada, determinou
como deveria ser aplicada a multa (CPC, art. 644), que a citação só
deveria ser aplicada à multa (CPC, art. 644), que a citação só deveria
ser realizada após a liquidação (CPC, art. 611) e que o acórdão, que constitui coisa julgada, jamais poderia ser alterado na fase de liquida
ção (CPC, art. 610).
Nada obstante, a maioria persistiu em não suprir os defeitos do
julgamento embargado.
Com isso, violou o aresto o artigo 535, I e 11, do Código de Pro
cesso Civil.
Se haviam omissões e contradições, claro é que a Câmara
Julgadora não poderia deixar de saná-las, sem ultrajar o preceito do
artigo 535, I e 11, do Código de Processo Civil.
Assim, em preliminar, torna-se, pois, cabível o recurso especial
para sanar a frontal ofensa perpetrada contra o artigo 535, I e 11, do
Código de Processo Civil, com a cassação do julgado e determinação de que outro seja proferido, com o exame das questões argüidas atra
vés dos embargos de declaração.
Se esse co lendo Superior Tribunal de Justiça entender que estão prequestionadas as matérias e que estão elas repelidas, implicitamen
te, pelo acórdão proferido nos embargos de declaração, pede o recor
rente seja dado provimento ao recurso para que, reformando-se o
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 327
acórdão proferido nos embargos infringentes, seja restabelecido e mantido o acórdão proferido na apelação cível.
o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais deferiu, em sua integralidade, o primeiro pedido ou anterior, acima transcrito, confor
me decisão de fls. 409/412. Julgou, pois, procedente o pedido feito pelo recorrente no sentido de que os ora recorridos fossem condenados a desfazer a obra no prazo de 30 (trinta) dias a contar da intimação da sentença - no caso, do acórdão - inclusive antes do trânsito de jul
gado do mesmo, sob pena de pagamento de quatro pisos nacionais de salário por dia vigentes no país a partir do 31.Q. (trigésimo primeiro)
dia subseqüente à intimação da decisão.
Mesmo após o 3F (trigésimo primeiro) dia subseqüente à
intimação do acórdão que proferiu o mencionado pedido, continuaram os recorrentes, normalmente, no estabelecimento, como se nada tivesse acontecido; descumpriram, pois, por sua conta e risco, a decisão judicial de fls. 409/412.
Portanto o 3F (trigésimo primeiro) dia subseqüente à intimação
da decisão (acórdão), passaram os recorrentes a responder pela multa cominatória diária, na forma deferida pela decisão proferida por esse egrégio Tribunal, na Apelação Cível n.Q. 140.417-9.
Por sua vez, no Direito Brasileiro, o artigo 644 é expresso em determinar que 'se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá pedir que o devedor seja condenado a pagar uma pena
pecuniária por dia de atraso do cumprimento, contado a prazo da data estabelecida pelo juiz'.
A data estabelecida pelo juiz, no caso dos autos, foi aquela determinada pelo acórdão, exatamente à fl. 412 dos autos, ou seja: foi aquela requerida na petição inicial no primeiro pedido ou anterior, acima
transcrito, qual seja, a partir do 3F (trigésimo primeiro) dia subseqüente à intimação da decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, mesmo antes do trânsito em julgado da mesma.
Havendo a intimação da sentença ocorrido, como deve ocorrer, na
pessoa do advogado, e não tendo os ora recorridos obedecido ao acórdão de fls. 409/412, no prazo deferido, passou a correr multa cominatória a partir do 31.Q. (trigésimo primeiro) dia subseqüente à intimação
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
da decisão, como expressamente deferido pelo acórdão desse egrégio
Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais".
"Além desta realidade, o acórdão proferido nos embargos infrin
gentes violou, também, o artigo 611 do Código de Processo Civil,
como se inexistente fosse, pois em lugar de acolher a sua letra, que
determina que 'julgada a liquidação, a parte promoverá a execução ci
tando pessoalmente o devedor', inverteu o procedimento legal afirman
do que a citação, no caso dos autos, deveria antecipar a liquidação.
Ora. O artigo 611 do CPC é expresso em dispor que só após o
julgamento da liquidação, que constitui fase que antecede à fase de
execução, é que seria promovida a citação dos ora recorridos. Jamais antes, durante a liquidação."
4. Foi também interposto pela mesma parte recurso extraordinário, no qual aponta violação aos arts. 5)2, XXXV e XXXVI e 93, IX, da Constitui
ção.
Contra-arrazoados, foi admitido o recurso especial e inadmitido o ex
traordinário, com manifestação de agravo endereçado ao Supremo Tribunal
Federal.
5. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): A matéria
debatida no recurso se acha implicitamente prequestionada. O aresto impug
nado, ao determinar o termo a quo da multa, adotou tese que exclui, au
tomaticamente, o posicionamento defendido pelo recorrente.
A irresignação logra prosperar, uma vez caracterizada a violação dos
arts. 610, 611 e 644, CPC.
Ao proferir voto como Relator do REsp nJl.. 11.368-DF (DJ de
16.12.1991), versando a matéria aqui em debate, acentuei:
"Em primeiro plano, não conheço do recurso pelo dissídio por
que simples ementas não se prestam ao confronto, segundo uniforme entendimento. Ademais, no caso as próprias ementas não se ajustam à
tese do recorrente.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 329
Também não conheço do recurso pela alínea a do permissivo
constitucional.
A propósito, rezam os artigos 632 e 644 do Código de Processo Civil:
'Art. 632. Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será citado para cumprir o julgado no prazo que
o juiz lhe assinar, se outro não estiver já determinado.'
'Art. 644. Se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá pedir que o devedor seja condenado a pagar uma
pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento, contado o prazo da data estabelecida pelo juiz.'
Em face da pouca clareza da lei, busca a doutrina a melhor orientação sobre o termo a quo da incidência desse 'meio coercitivo in
direto' (AlTIaral Santos), inovação do Código de 1973 e que corresponde às astreintes do direito francês.
Segundo AlTIílcar de Castro, no dizer preciso de Frederico Marques, o maior dos nossos juristas em execução, 'o efeito retroativo não se harmoniza com a natureza da astreinte, que não é 'pena' pelo que não foi feito, mas 'meio de coação' para que se faça ou não deixe
de ser feito. Supõe-se que o devedor que cumpre dentro do prazo as
sinado cumpre sem multa; e só aquele que cumpre depois de esgotado o prazo é que cumpre com multa ... até cumprir'. (Comentários ao art. 644, nJ.l. 251, RT, 2a edição). No mesmo sentido, relacionando
doutrinadores, Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, Le Jur, 1987, § 50, nJ.l. 160.3.
De igual forma vinha o Supremo Tribunal Federal entendendo, na vigência do sistema constitucional anterior, na condição, então, de
guardião do direito federal infraconstitucional (cf. RE nJ.l. 85.573, RTJ
79/348) .
Mendonça LilTIa, ao versar o tema (Comentários, Forense, 4a
edição), ensina (nJ.l. 1.802):
'Cabe ao juiz marcar: do trânsito em julgado da sentença; da
citação para a execução; de um acontecimento qualquer, etc.'.
E, adiante, em divergência, orienta (nJ.l. 1.807):
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
330 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
'É evidente que a pena somente poderá ser cobrada a par
tir da data em que a sentença transitar em julgado ou, mesmo
pendendo recurso, se for permitida a execução provisória. Mas,
sempre retroagirá à 'data estabelecida pelo juiz', ex vi da parte
final do art. 644. O juiz poderá determinar, porém, que a data
seja, inclusive, após o trânsito da sentença.'
Nesta trilha, segue Paulo Furtado (Execução, Saraiva, 1991, nQ.
134, p. 192).
Sem adentrar ao tema da retroatividade ou não, escreve Theodoro Júnior (Comentários, ao art. 644, nll 257, Forense, 1'1 edição):
'A exigência da pena, todavia, só se dá a partir do término
do prazo assinado na citação executiva, se outro termo não foi
fixado na sentença.'
Frederico Marques, por sua vez, doutrina, também sem ingres
sar na referida polêmica (Manual, Saraiva, 1980, 4ll vol., nll 840):
'A pena pecuniária vem fixada na sentença com que se jul
gou e se encerrou o processo de conhecimento (art. 645); e sua
imposição vem pedida no processo executivo, como instrumento,
meio e modo de forçar o devedor a cumprir obrigação de fazer
ou de não fazer'."
A ementa desse acórdão restou assim redigida:
"Processo Civil. Execução. Obrigação de fazer. Pena pecuniária.
CPC, arts. 287, 632, 644 e 645. Termo a quo. Recurso não conheci
do.
I - Inexistindo avença, o Judiciário deve estabelecer o momento
inicial para o cumprimento do julgado nas obrigações de fazer.
11 - À sentença cabe marcar esse termo: preferencialmente, se do
trânsito em julgado ou da citação executiva.
IH - Omissa a sentença, é de entender-se a citação executiva
como o termo a quo da astreinte a que se referem os arts. 287, 632,
644 e 645 do Código de Processo Civil."
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 331
De outra parte, no voto-vogal que lancei no julgamento do REsp nQ
35.308-SP (DI de 11.12.1995), ao referir-me àquele julgado assim resumi o entendimento nele expresso:
"No que diz respeito à multa, o Código de 1973 adotou, como sabido, o sistema das astreintes, quer dizer, a previsão de multa para coagir o devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, que não tem um caráter de sanção mas, sim, consoante lição de Moacyr Axnaral Santos, meio coercitivo indireto para forçar o devedor ao cumprimento da obrigação. Em assim sendo, não é razoável nem jurídico que se impute essa cominação a partir da citação inicial, inclusive coagindo indiretamente a parte-ré a não apresentar a sua defesa em juízo.
Esta Turma tem precedente na matéria (REsp n Q 11.368-DF), segundo o qual à sentença incumbiria fixar o momento inicial da imposição dessa multa. Na omissão da sentença, o que se deveria entender é que o termo a quo seria o momento da citação na execução. Den
tro dessa linha de raciocínio, a reforma que ora se processa no Código de Processo Civil modificou os arts. 644 e 645, estabelecendo que quem fixa essa multa é juiz da execução."
No caso vertente, a sentença, ou melhor, o acórdão do Tribunal de Alçada que a substituiu (CPC, art. 512), ao acolher o "primeiro pedido", fixou o termo a quo da multa na data da sua intimação aos réus. Destarte, descabe, nesta altura, quando já se busca a execução do julgado, cogitar do acerto ou desacerto desse entendimento, cumprindo, portanto, atender ao critério nela estabelecido no tocante ao valor da multa diária e ao seu termo a quo, em respeito ao disposto nos arts. 610, 644/645, em sua redação anterior.
A divergência jurisprudencial, por seu lado, restou evidenciada, particularmente em relação ao REsp n Q 11.368-DF, a cujo teor me referi.
Pelo exposto, conhecendo do recurso pelos dois fundamentos, dou-lhe provimento para reformar o r. acórdão e determinar o cômputo da multa diária a partir da intimação do acórdão que substituiu a sentença, com inversão dos ônus da sucumbência.
VOTO-VISTA
o SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: 1. O "Condomínio do
RST], Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
332 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Edifício Santo Elias" ajuizou ação cominatória contra "Casa Americana SI A - Comércio Indústria e Representações e contra Lamonier Mendonça, a qual foi julgada improcedente em primeiro grau.
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais deu provimento ao apelo interposto pelo autor para julgar procedente o primeiro pedido em sua totalidade, invertidos os ônus da sucumbência.
Eis os termos do pleito acolhido:
"A condenação dos réus transgressores, compelindo-os a desfazerem as obras de lanchonete, restaurante e bar na loja 01 (n!l. 76), do Edifício Santo Elias, compreendendo-se subsolo, térreo e sobreloja, no prazo de trinta dias, a contar da intimação da sentença, assim como a absterem-se da prática das atividades de bar, lanchonete, restaurante ou qualquer outra transgressora da Lei, da Convenção, do Consenso majoritário e do acordo de vontade da maioria composta por 2/3 das frações ideais e da última alteração da convenção, inclusive antes do trânsito em julgado da sentença; tudo sob a cominação de multa correspondente a quatro pisos nacionais de salário por dia, vigentes no país, e sem prejuízo de ficar assegurado ao síndico a autorização para mandar desmanchar tais obras, à custa dos réus transgressores, se estes não as desfazê-las no prazo determinado em sentença; sendo, concomitantemente, acumulado o pagamento das perdas e danos, conforme se apurar em liquidação de sentença." (fi. 6-TA).
Os declaratórios foram acolhidos, em parte, para excluir a condenação relativa às perdas e danos.
Requerida a liquidação pertinente à multa por cálculo do contador, o MM. Juiz de Direito homologou-o, firmando a posição de que o termo inicial da penalidade é contado a partir da intimação da sentença, no caso, da intimação do v. acórdão que julgou procedente a demanda.
Manifestada a apelação pelos réus, o mesmo egrégio colegiado negoulhe provimento, por maioria de votos, vencido o Sr. Juiz-Revisor, que divergia tocante ao termo a quo da multa, fixando-a a partir da citação para a execução do julgado.
Este pronunciamento minoritário veio a prevalecer quando da apreciação dos embargos infringentes, cujo voto-condutor concluiu que "sem a indispensável intimação para cumprimento do acórdão impossível liquidar-se a multa cuja razão determinante de sua incidência não foi exigida da parte devedora" (fi. 643-TA).
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 333
Daí o recurso especial manejado pelo autor, com alegação de ofensa
aos arts. 535, I e II, 610, 611 e 644 do CPC, além de dissídio jurispru
dencial.
Na assentada anterior, conforme já registrado, o Sr. Ministro-Relator
conheceu do recurso e deu-lhe provimento para reformar o v. acórdão e de
terminar o cômputo da multa diária a partir da intimação do julgado de fls.
409/412, que substituiu a primitiva sentença de improcedência.
2. A presente controvérsia diz com a determinação do termo inicial da
multa: se ela é devida a contar da intimação da sentença (no caso, do v.
acórdão de fls. 409/412) ou se da citação dos réus para os termos da exe
cução.
Em primeiro lugar, penso que se encontra satisfeito o requisito do
prequestionamento, pois a referida questão jurídica vem sendo versada desde
a decisão de primeira instância que homologou o cálculo de liquidação.
Segundo o disposto no art. 610 do Código de Processo Civil, "é de
feso, na liquidação, discutir de novo a lide, ou modificar a sentença, que a
julgou" .
É induvidoso o dispositivo do v. acórdão que, reformando a sentença
prolatada no processo de conhecimento, concluiu pelo acolhimento do pri
meiro pedido em sua totalidade. Remetida que se acha a leitura atenta da
postulação agasalhada pelo egrégio Tribunal, tem-se que o termo a quo da
multa em tela já restara desde logo estabelecido: fora, com efeito, requeri
do o desfazimento das obras no prazo de trinta dias, a contar da intimação
da sentença, tudo sob a cominação da multa. O autor, a título de reforço e
explicitação, fez menção de que a condenação incidiria antes mesmo do
trânsito em julgado da sentença.
Claro está, portanto, como assinalado, que o acórdão exeqüendo dei
xou firmado o termo inicial da multa, não podendo agora ser ele objeto de
tergiversações. Se nada tivesse sido estabelecido naquela ocasião, razão aí
sim assistiria aos ora recorridos: o prazo seria contado da citação instau
radora da execução.
À espécie incide o estatuído no artigo 644 do Código de Processo Civil
em sua redação anterior à Lei nll. 8.953, de 1994: "Se a obrigação consis
tir em fazer ou não fazer, o credor poderá pedir que o devedor seja conde
nado a pagar uma pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento, con
tado o prazo da data estabelecida pelo juiz".
RST], Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na hipótese sub judice, a astreinte, ou seja, o meio coercitivo indireto, ficou de imediato definida pelo v. acórdão de fls. 409/412, pelo que não há como alterar-se o dies a quo da pena pecuniária cominada. Tal como o eminente Ministro-Relator, considero como vulnerados na espécie os arts. 610 e 644 do CPC, a par de configurado quantulD satis o dissenso pretoriano. Aliás, o paradigma invocado pelo recorrente (REsp nQ 11.368-
DF, in RSTJ vol. 30, pp. 465/4700) amolda-se às inteiras ao caso em exame, conforme deflui da substanciosa e sólida motivação inserta no voto-condutor do acórdão, da lavra do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo, assim como de sua expressiva ementa, que reproduzo a seguir:
"Processo Civil. Execução. Obrigação de fazer. Pena pecuniária. CPC, arts. 287, 632, 644 e 645. Termo a quo. Recurso não conhecido.
I Inexistindo avença, o Judiciário deve estabelecer o momento inicial para o cumprimento do julgado nas obrigações de fazer.
n - À sentença cabe marcar esse termo: preferencialmente, se do trânsito em julgado ou da citação executiva.
In - Omissa a sentença, é de entender-se a citação executiva como o termo a quo da astreinte a que se referem os arts. 287, 632, 644 e 645 do Código de Processo Civil."
3. Ante o exposto, acompanhando voto proferido pelo Sr. MinistroRelator, conheço do recurso por ambas as alíneas do admissor constitucional e dou-lhe provimento para reformar o v. acórdão ora recorrido e determinar o cômputo da multa diária a partir da intimação do decisório de fls. 409/412, que substituiu a primitiva sentença de improcedência da demanda.
É o meu voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: 1. O recurso espe
cial foi assim relatado pelo eminente Min. Relator (Leu).
Trata-se de estabelecer a data inicial para a contagem da multa diá
ria de 4 salários mínimos imposta à ré, para o caso de desatender à ordem de demolição das obras feitas para a instalação de uma lanchonete no con
domínio autor.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 335
2. O r. acórdão desta Quarta Turma, no REsp nil. 11.368-DF, indicado pelo recorrente, por ementa, como paradigma, versou sobre um caso em que a ré, vencida na ação cominatória para a apresentação dos documentos necessários para lavrar escritura pública de compra e venda de imóvel, fora intimada pessoalmente para cumprir o julgado, demorando seis meses depois disso para cumprimento da ordem.
No nosso caso, não houve essa intimação pessoal, razão pela qual o precedente só por isso já não serve para conhecimento do recurso especial.
Naquele julgado, o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo examinou duas alternativas: "A sentença fixou o prazo de 30 dias, mas não estabele
ceu o momento inicial, se do trânsito em julgado ou da citação executiva. Omissa a sentença nesse ponto, mas correto fixar o termo a quo a partir do momento estabelecido para o cumprimento do julgado transitado em julga
do, uma vez que a liquidação se processou por simples cálculo, o que correspondeu à citação executiva".
Como se vê, a opção de contagem da multa desde a publicação da sen
tença, como quer o recorrente e lhe foi deferido no voto do eminente Relator, não foi examinada no precedente. Também por isso, inviável a invocação daquele r. acórdão para amparar a pretensão do recorrente.
Ainda afirma o condomínio ser absolutamente dispensável nova cientificação do réu vencido na cominatória, para cumprimento do julgado
e contagem dos dias-multa. No entanto, no referido precedente, ficou assim explicitado no voto do eminente Bueno de Souza: "A citação, penso, há de ser para que o executado, em determinado prazo, diligencie o que for mister
e pratique o ato; caso não o pratique, decorrido o prazo que o mandado fixar, então incorrerá na multa".
Como se vê, o paradigma versou sobre situação processual diversa (havia intimação pessoal), com duas alternativas propostas à egrégia Turma que
não correspondem à que foi agora aceita (contagem da multa desde a sentença), e onde ficou expressamente dito que somente depois da citação para cumprimento do ordenado na sentença é que incorreria o devedor em multa.
3. O fundamento do voto do eminente Relator, para acolher o recurso está em que, aceito o pedido do autor, assim como exposto na petição ini
cial, estava também fixado o termo a quo da multa desde a data da publi
cação do acórdão. Se não houvesse essa manifestação, seria da citação para
a execução.
Ocorre que o r. acórdão da egrégia Sexta Câmara Civil do Tribunal
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336 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de Alçada, que reformou a sentença e deu pela procedência da ação, não se manifestou especificamente sobre o valor da multa e seu termo a quo, limitando-se a acolher o pedido expresso na inicial, sob o título "primeiro pedido", assim vazado:
"A condenação dos réus transgressores, compelindo-os a desfazerem as obras de lanchonete, restaurante e bar na loja 01 (n!l. 76), do
Edifício Santo Elias, compreendendo-se subsolo, térreo e sobreloja, no prazo de trinta dias, a contar da intimação da sentença, assim como a absterem-se da prática das atividades de bar, lanchonete, restaurante
ou qualquer outra transgressora da Lei, da Convenção, do Consenso majoritário e do acordo de vontade da maioria composta por 2/3 das
frações ideais e da última alteração da convenção, inclusive antes do trânsito em julgado da sentença; tudo sob a cominação de multa correspondente a quatro pisos nacionais de salário por dia, vigentes no
país, e sem prejuízo de ficar assegurado ao síndico a autorização para mandar desmanchar tais obras, à custa dos réus transgressores, se es
tes não as desfazê-las no prazo determinado em sentença; sendo, concomitantemente, acumulado o pagamento das perdas e danos, con
forme se apurar em liquidação de sentença." (fl. 6)
Ali não ficou dito que estava dispensada a intimação pessoal da sen
tença, que o prazo correria a partir da simples publicação do acórdão no jornal oficial. Logo, exigir essa providência, assim como o fez o r. acórdão ora recorrido, não confronta como o que fora antes decidido, nem destoa do precedente desta Quarta Turma, onde nunca se dispensou o conhecimento pessoal da parte para o cumprimento do ato cominado na sentença, pois se
trata de conduta pessoal exigida do réu, que para isso há de ser cientificado. Ainda que se possa dispensar tal exigência em certos casos, a verdade é que
a sua formulação, assim como posta no r. acórdão, não viola nenhum dos
artigos indicados:
- não se está modificando o dito no acórdão executado, pois este nada
disse sobre a dispensa de intimação do réu; logo, incólume ficou o art. 610
do CPC;
- não foi dispensada a citação na execução (art. 611);
- não se determinou a contagem do prazo em data diversa da estabe-
lecida pelo juiz (art. 644, antiga redação), pois o acórdão - acolhendo o que constava do pedido - limitara-se a determinar a contagem a partir da "inti
mação da sentença".
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 337
Sendo assim, também pela alínea a não pode ser conhecido o especial.
Somente o seria se no acórdão estivesse disposto que o réu incorreria em multa a partir da publicação do acórdão no jornal oficial. Essa assertiva
evidentemente que não foi feita, assim também como não se pode extrair da
decisão da r. Câmara do egrégia Tribunal de Minas Gerais a idéia de que
a multa correria a partir de uma nota dirigida ao conhecimento dos advo
gados, não destinada a intimar as partes para a prática de algum ato, espe
cialmente quando se tratava de acatar e cumprir a obrigação imposta em
sentença proferida na ação cominatória, e em valores que correspondem a
quantia muitas vezes superior ao valor do imóvel.
Reproduzo, porque irrepreensível, a fundamentação constante do voto do eminente Dr. Francisco Bueno:
"No caso, data venia, a conceituação de intimação ganha maior
relevo pois a multa, que não tem fim em si mesma, se apresenta como
meio coercitivo e se torna exigível pela mora, que somente se apura
com a intimação pessoal ou citação daquele que deva fazer ou se abster de fazer alguma coisa.
Impossível confundir-se a multa com pena, ou com perdas e da
nos, tanto que a astreinte não se limita, podendo alcançar cifra supe
rior ao das perdas e danos, somente cessando sua incidência, ou com
o cumprimento da obrigação ou quando se tornar impossível seu cumprimento.
Desta forma, a meu sentir, a intimação adotada pelo v. acórdão
que apreciou o processo de conhecimento abrangeu aquela pessoal da
parte, não se restringindo à intimação do representante advogado que
não se obriga a cumprir ou deixar de cumprir ato exclusivo do litigante.
Há um acórdão do colendo Superior Tribunal de Justiça, profe
rido em recurso especial oriundo de Minas Gerais que esclarece a
questão, diz sua ementa: 'Obrigação de fazer. Execução. Multa. A execução de obrigação de fazer começará pela citação do devedor para que
cumpra o julgado, no prazo fixado. Decorrido este, incide a multa que houver sido cominada' (REsp nQ 6.644-MG, ReI. Min. Eduardo Ribei
ro, in Revista do STJ 19/550)." (fl. 642).
Por isso, com a máxima vênia, não conheço do recurso, mantendo o r.
acórdão recorrido, que fez boa aplicação da lei e não divergiu do precedente indicado.
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338 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
RETIFICAÇÃO DE VOTO
o SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): 1. Após
proferir voto como Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe provimen
to, em votos-vista, seguidos, de igual forma votaram os Srs. Ministros Bar
ros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Após vista dos autos, também se manifestou o Sr. Ministro Ruy Rosado
de Aguiar, concluindo diversamente, todavia, não conhecendo do recurso.
Valendo-me de dispositivo regimental, solicitei vista para novo exame
da espécie.
2. Após rever os autos, tenho por equivocado o entendimento que
externei na primeira oportunidade, levando a erro, s.m.j., os eminentes pares
que a seguir me acompanharam.
A uma, porque efetivamente não caracterizado o dissídio, dado que
diversas as situações confrontadas, como assinalou o Sr. Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, cujos fundamentos ora incorporo. Ademais, no para
digma (REsp n.>!. 11.368-DF), trazido à colação por ementa, do qual in
clusive fui também Relator, bem diversa era a espécie, discutindo-se ali
as astreintes e o momento inicial para o cumprimento do julgado nas
obrigações de fazer ou não fazer, se omissa a sentença/acórdão, enquanto
o que se discute no recurso em tela é a necessidade ou não de prévia ci
tação executiva para a incidência da pena pecuniária como medida co
ercitiva indireta.
A duas, porque não vulnerados os preceitos normativos declinados.
Em primeiro lugar, porque não se rediscutiu a lide no âmbito da li
quidação (art. 610, CPC), mas apenas se observou da impossibilidade da sua
antecipação à citação executiva em se cuidando de obrigações de fazer ou
não fazer, dado que somente a partir de então se poderia cogitar da inci
dência da multa, mesmo que eventualmente retroativa (a propósito, CPC,
arts. 632/633, 642/643).
Em segundo lugar, porque inocorreu no caso a citação (CPC, arts. 611
e 644).
Em terceiro lugar, porque o acórdão dos infringentes apreciou a es
pécie no essencial, inocorrendo a apontada violação do art. 535, CPC.
Em conclusão, após o reexame da espécie, convencido fiquei de que
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 339
o apelo não está a merecer acolhida, até porque bem distinta a situação
retratada nos autos dos precedentes que assentaram o entendimento jurispru
dencial deste Tribunal, dentre os quais ainda é de mencionar-se o referido
no voto-condutor do acórdão impugnado (REsp n.Q. 6.644-MG, RSTJ 19/
550), já consignado no relatório.
Não conheço do recurso.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, bem com
preendida a posição do Sr. Ministro-Relator, creio que a S. Exa. assiste ra
zão. A estipulação da astreime pelo v. acórdão (imposição da pena pecuniária
caso a obrigação de fazer não se cumpra no prazo de trinta dias, a contar
da intimação da sentença) pressupõe que o executado tenha sido citado para
os termos da execução propriamente dita.
A incidência da multa não se opera automaticamente; antes, a impo
sição da referida penalidade depende da citação do executado para cumprir
a sentença. Este o sistema adotado pela lei processual civil.
Portanto, aderindo ao voto de S. Exa. e ao que houvera sido proferi
do anteriormente pelo Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, retificando mi
nha posição anterior, também não conheço do recurso.
RETIFICAÇÃO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, revejo
minha posição anterior, para acompanhar o Sr. Ministro-Relator que, recon
siderando o seu judicioso voto, não conheceu do recurso.
Na verdade, o que se está, agora, a dizer é que a obrigação de pagar
a astreinte tem seu termo inicial com a citação feita na execução do julga
do, e aquela multa estabelecida na sentença de conhecimento fica diferida,
para quando for feita a citação no processo de execução, já que a hipótese
cuida da obrigação de fazer.
Com essas considerações e, aderindo inteiramente ao voto agora pro
ferido pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo, também não conheço
do recurso.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N.I!. 122.159 - SP (Registro n"'- 97.0015642-7)
Relator: Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Eliza Rodrigues Teixeira (espólio)
Representada por: Daniel Luiz Rodrigues de Oliveira
Advogados: Bension Coslovsky e outro
Recorrido: José Andreto (espólio)
Advogada: Maria Amélia Santiago da Silva
Recorridos: Silvino Pereira da Silva e outros
Advogados: Tomáz de Aquino Pereira Marins e outros
Recorrido: Waldomiro Canuto da Paixão
EMENTA: Assistência judiciária - Substituição do autor faleci
do - Beneficiário da Justiça gratuita pelo espólio - Benefício lllantido.
- Segundo a jurisprudência da Quarta Turllla, o espólio está elll
juízo pela cOlllunidade dos herdeiros. Ocorrendo a substituição processual (art. 43 do CPC), cabe-lhe forlllular o pleito de lllanutenção
do benefício da assistência judiciária.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o
Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.
Brasília-DF, 2 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 13.12.1999.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDENCIA DA QUARTA TURMA 341
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: O espólio de Eliza Rodrigues Teixeira, nos autos da ação reivindicatória movida contra Silvino Pereira da Silva e outros, interpôs agravo de instrumento contra decisão do
MM. Juiz da Segunda Vara do Foro Regional de Itaquera que julgou deserta a apelação.
A Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao agravo em acórdão cujos fundamentos se resumem na seguinte ementa:
"Agravo. Reivindicatória. Deserção. Autora beneficiária da assistência judiciária. Falecimento. Pedido de assistência judiciária formu
lado pelo herdeiro, mas, depois da deserção. Intempestividade manifesta. Manutenção do decidido. Recurso ativo improvido." (fl. 132).
Inconformado, o espólio-agravante manifestou o presente recurso es
pecial com arrimo nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando afronta aos arts. 236, § 1.1\ 12, V, e 991, I, do CPC, 10 da Lei nll. 1.060/ 1950, além de dissídio interpretativo. Afirmou que a então autora, Eliza Rodrigues Teixeira, obteve o benefício da justiça gratuita em 14.04.1994.
Pouco antes do encerramento da instrução processual, veio a falecer, tendo seu único filho promovido a abertura do inventário. Aduziu que o pedido de substituição processual não chegou a ser deferido, sendo certo que a sentença, em nenhuma passagem, menciona o espólio, mas somente o nome da autora. Pela sentença, a autora foi julgada carecedora de ação. Os declaratórios foram acolhidos para condená-la nas custas e honorários advocatícios.
Disse que nas publicações no DJ, tanto da sentença quanto dos declaratórios, não figurou o espólio, mas apenas o nome da finada. Asseverou que, ao oferecer as razões de apelação, o espólio requereu expressamente a conces
são do benefício da Justiça gratuita. Por fim, sustentou que o termo "herdeiro" só deve ser utilizado após a efetivação da partilha e adjudicação dos
bens.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Tanto o julgador
RST], Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
342 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
singular de primeiro grau como o v. acórdão recorrido conferiram uma in
terpretação meramente literal ao art. 10 da Lei nQ l.060, de 05.02.1950, a qual, por isso mesmo, não deve subsistir.
Pouco antes de encerrar-se a instrução, a autora faleceu. Incumbia ao Magistrado, assim, suspender o processo nos termos do disposto no art. 265, inc. I, do Código de Processo Civil. Não o fez, porém, tendo sido prolatada a r. sentença como se viva fosse a demandante. O MM. Juiz de Direito, nessa ocasião, apenas ordenou ao cartório que regularizasse os nomes das partes nos registros, sendo que no pólo passivo figurasse o espólio de Eliza Rodrigues Teixeira (fi. 58).
Certo é que, a despeito de não se operar a suspensão do feito, o espólio de Eliza Rodrigues Teixeira, uma vez proferida a sentença, complementada pela decisão dos aclaratórios, compareceu aos autos, pleiteando a exoneração do recolhimento das custas por ser beneficiário da Justiça gratuita. O Juiz de Direito, no entanto, indeferiu o pleito, sob o fundamento de que o benefício concedido a Eliza Rodrigues Teixeira se extinguira com a sua morte (art. 10 supramencionado).
Tal decisão não chegou a ser publicada pela imprensa. Adveio a apelação do espólio, requerendo, preliminarmente, a dispensa da obrigação de recolher as custas em face do benefício da assistência judiciária. O Magistrado desatendeu-o, declarando deserta a apelação, decisório este mantido pelo egrégio Tribunal a quo sob o fundamento central de que, extinta a gratuidade em virtude da morte da beneficiária, era de rigor novo requerimento por parte do herdeiro, pouco importando a postulação a respeito formulada pelo espólio à fi. 73, desde que faz ele referência ao citado espólio e não ao herdeiro (fi. 133).
Claro está que, se a autora falecida foi substituída por seu espólio no pólo ativo da lide, a assistência judiciária haveria de estender-se ao seu sucessor, o mesmo espólio e não o herdeiro. O vocábulo "herdeiros" empregado na parte final do indigitado art. 10 da Lei n Q l.060/1950 é de ser entendido em compreensão ampla, abrangendo também o espólio quando for o caso de este suceder a parte falecida, conforme, aliás, prevê às expressas o art. 43 do CPC.
Só por tratar-se de espólio, não se vê ele impedido de pleitear a
concessão da gratuidade da Justiça. Nessa hipótese, a verificação acerca da alegada miserabilidade recairá - evidente - sobre os herdeiros e o patrimônio deixado. Vale lembrar que mesmo essa providência, em prin
cípio, ter-se-ia como prescindível, à consideração de que, para obter o
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 343
benefício, à parte bastaria afirmar que não se acha em condições de arcar com as despesas do processo (art. 4>!. da Lei n>!. 1.060, de 1950).
Em verdade, o espólio, como parte formal, está em juízo pela comunidade dos herdeiros. Isto é o que tem reiteradamente decidido esta colenda Turma, embora a propósito de outros temas. Confiram-se os REsps n>!.s 7.482-SP, Relator Ministro Athos Carneiro; 28.817-8-SP e 40.114-3-SP, ambos por mim relatados.
Deve ser-lhe deferido, pois, o benefício oportunamente requerido, ou seja, antes do oferecimento da apelação, com a reiteração feita no momento em que interposta esta última. Conseqüentemente, malferido o art. 10 invocado no REsp, não pode prevalecer o decreto de deserção confirmado pela segunda instância. Apenas não se configura o dissenso interpretativo no caso, até porque o paradigma colacionado é oriundo do próprio colegiado prolator da decisão recorrida (Súmula n>!. 13-STJ).
Do quanto foi exposto, conheço do recurso pela alínea a do permissor constitucional e dou-lhe provimento, a fim de conceder ao apelante a Justiça gratuita e, por via de conseqüência, afastando a deserção, determinar que o apelo seja processado como de direito.
É o meu voto.
RECURSO ESPECIAL N~ 136.550 - MG (Registro n>!. 97.0041723-9)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogado:
Ministro Cesar Asfor Rocha
Município de Governador Valadares
Humberto Theodoro Júnior e outros
Esporte Clube Democrata
Reinaldo RibeirQ da Silva
EMENTA: Processual Civil - Art. 515, § 22., CPC - Pedido COlll dois fundalllentos - Sentença que acolheu o prillleiro deles selll se
lllanifestar sobre o segundo - Apelação do réu - Efeito devolutivo -Dever do Tribunal de, rejeitando o fundalllento acolhido pela sen
tença, conhecer dos delllais.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
344 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o efeito devolutivo da apelação não se restringe às questões resolvidas na sentença, compreendendo também as que poderiam ter sido decididas, seja porque suscitadas pelas partes, seja porque conhecíveis de ofício (§ 22 do art. 515 do CPC).
Se o juízo de primeiro grau examina apenas um dos dois fundamentos do pedido do autor para acolhê-lo, a apelação do réu devolve ao Tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos, ainda que o autor não tenha apresentado apelação adesiva ou contra-razões ao apelo do réu, daí porque pode o Tribunal, estando a lide em condições de ser apreciada, reformar a sentença e acolher o pedido do autor pelo outro fundamento que o juiz de primeiro grau não chegou a apreciar.
Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso, e nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.
Brasília-DF, 23 de novembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 08.03.2000.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Recolho do relatório do
v. acórdão recorrido os seguintes excertos:
"Cuida-se de pedido (precedido da cautelar inominada, em apenso) de anulação de ato de doação de imóvel, feita pelo próprio doador, Município de Governador Valadares, na gestão anterior à do atual Prefeito, ao réu, Esporte Clube Democrata. Segundo o suplicante, a
RSTI, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 345
doação ainda não poderia ter sido implementada com a lavratura da escritura, porque a Lei nl2 3.658/1992, que a autorizou, ainda não havia entrado em vigor, porque não publicada. Além disso, salienta que a doação é manifestamente imoral, porque se trata de imóvel de grande valor, localizado no centro da cidade de Governador Valadares, anteriormente doado ao réu, que, indevidamente, a alienou, pelo que, meio de ação popular, foi revertida ao domínio do Município, mas que, não obstante esse fato, nova doação foi feita ao mesmo réu. Esse ato - afirma - foi praticado pelo então Prefeito, no dia imediato à sanção da lei e no último de sua gestão, como presente àqueles que o ajudaram a se eleger, mas sem que a referida lei tivesse entrado em vigor, constituindo assim ato ilegal e lesivo ao patrimônio público municipal.
( ... ) Impugnada a contestação e ouvido o MP, o douto juiz julgou a lide antecipadamente, por meio da r. sentença de fls. 150/153, acolhendo o pedido, à consideração de que, quando foi lavrada a escritura de doação, a lei que a autorizava, ainda não havia entrado em vigor. Acolheu, pela mesma, sentença a cautelar inominada em apenso." (fls. 211/212).
Entendendo que, no dia em que lavrada a escritura de doação, a lei autorizativa já estava em vigor, o egrégio Tribunal de origem acolheu a apelação do réu, julgando improcedente o pedido, investidos os ônus da sucumbência, recusando, nesse mesmo acórdão, o exame da imoralidade da doação. Nesse ponto assentou o voto-condutor do julgado:
"No mérito, o inusitado, no caso, é que a Administração, ao invés de publicar a lei e convalidar a doação (já que ela não é diretamente atacada), quer anulá-la, pela alegada falta de eficácia da lei, na data em que a escritura foi lavrada.
Todavia, são dois os motivos invocados, na inicial: a ineficácia da mencionada lei e a imoralidade da doação.
Anota-se que o douto Julgador acolheu o pedido pelo primeiro motivo, não chegando a tocar no segundo, e que a apelação, como não podia deixar de ser, impugnou somente o que foi decidido na sentença. Disso resulta que o recurso só pode ser apreciado nos limites especificados pelo próprio recorrente. Por isso, não apreciada a questão da imoralidade da doação, não pode ser objeto de apreciação na segunda instância, porque, para tanto, não foi provocada. Somente poderia o Tribunal se pronunciar se se tratasse de matéria que devesse conhecer de ofício, o que não é o caso." (fls. 213/214).
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Rejeitados os declaratórios, o Município ingressou com recurso espe
cial fundamentado na alínea a do permissivo, por negativa de vigência ao
artigo 515, § 2l1., do Código de Processo Civil, uma vez que, decidindo que a primeira causa de pedir haveria de ser afastada, era dever do Tribunal de
segundo grau prosseguir no exame da segunda causa petendi, relativa à
imoralidade da doação, mesmo sem o recurso da parte vencedora que, na
hipótese, careceria de interesse. O recorrente aduz, ainda, a ofensa ao arti
go 131, também do Código de Processo Civil, o qual admitiria "possa o
juiz decidir segundo seu 'livre convencimento', mas nunca arbitrariamente
e sem apoio na prova dos autos", sendo que a documentação oficial cons
tante dos autos demonstraria a não publicação da lei municipal e o acórdão
teria afirmado a afixação da lei na sede da Prefeitura.
Respondido, o recurso foi inadmitido na origem, ascendendo em vir
tude de agravo de instrumento por mim acolhido.
Parecer do douto Ministério Público Federal pelo conhecimento e pro
vimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESARASFOR ROCHA (Relator): O Município
de Governador Valadares, ora recorrente, na sua inicial, pediu a nulidade da
doação de bem público feita ao réu tanto porque a escritura resl?ectiva te
ria sido lavrada sem que fosse publicada a lei autorizativa, como porque a
doação seria manifestamente imoral e lesiva ao patrimônio público.
A sentença não chegou a examinar a questão da imoralidade, acolhendo
o pedido pelo primeiro fundamento diante da falta de publicação da lei
autorizativa da doação.
O acórdão ora recorrido, por sua vez, entendeu que a lei havia sido
publicada e julgou improcedente o pedido sem examinar a argüição de imo
ralidade porque essa questão não teria sido analisada pela sentença, nem
portanto impugnada na apelação a cujos limites impugnativos estaria ads
trito.
Daí o recurso especial afirmando a negativa de vigência ao artigo 515,
§ 2l1., do Código de Processo Civil, uma vez que, decidindo que a primeira
causa de pedir haveria de ser afastada, era dever do Tribunal de segundo
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 347
grau prosseguir no exame da segunda causa petendi, relativa à imoralidade
da doação, mesmo sem o recurso da parte vencedora que, na hipótese, careceria de interesse.
Com razão o recorrente.
É certo que, nos termos do artigo 515, caput, do Código de Processo Civil, "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada". Não menos certo, contudo, é o preconizado pelo § 2ll desse mesmo artigo, verbis: "quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais."
o próprio Tribunal reconheceu que o pedido do autor tinha dois fundamentos e que o juiz teria acolhido apenas um deles, mas recusou o exame do outro fundamento porquanto ausente impugnação a respeito.
Se ele não foi sequer examinado pela sentença, não poderia o réu
impugná-lo, muito menos ao autor, vencedor na demanda, caberia interpor apelação para vê-lo apreciado.
O efeito devolutivo da apelação não se restringe às questões resolvidas na sentença, compreendendo também as que poderiam ter sido seja porque suscitadas pelas partes ou porque conhecíveis de oficio.
Se o juiz examina e acolhe apenas um dos dois fundamentos do pedido do autor, a apelação do réu devolve ao tribunal o conhecimento de ambos, ainda que o autor não tenha apresentado apelação adesiva ou contrarazões.
Pertinente reproduzir sobre o tema o escólio doutrinário, trazido pelo recorrente, do magistério de Barbosa Moreira:
"Se o autor invocara dois fundamentos para o pedido, e o juiz o julgou procedente apenas por um deles, silenciando sobre o outro, ou repelindo-o, a apelação do réu, que pleiteia a declaração da improcedência, basta para devolver ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos. (Comentários ao CPC, 6a ed., Forense, v. V, n ll 244, p. 397)."
"Em nenhuma dessas hipóteses precisa a parte vencedora interpor, por sua vez, apelação, quer independente, quer adesiva, para insistir no fundamento do pedido ou da defesa que tenha sido rejeitado, ou a cujo respeito haja silenciado a sentença. A apelação, aliás, seria inadmissível, por falta de interesse. Tampouco é necessário que a parte
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
348 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
insista expressamente no fundamento desprezado, ao arrazoar o re
curso do adversário; a devolução produz-se de qualquer maneira, ex vi legis (ob. cit., nll. 244, p. 398)."
Assim também na jurisprudência desta Corte:
"Apelação. Efeito devolutivo.
Se, no julgamento da apelação, rejeita-se o fundamento acolhido
pela sentença, para julgar procedente a ação, deve o órgão julgador
prosseguir nos demais fundamentos do pedido, ainda que não tenham
sido examinados em primeiro grau, por força de amplíssima devolu
ção decorrente do § 2ll. do artigo 515 do CPC. Recurso conhecido e
provido." (REsp nll. 68.488-PR, ReI. eminente Ministro Costa Leite,
RSTJ 100/153).
Neste sentido, ainda, os REsps nll.s 110.101-MG e 54.538-2-PE, rela
tados pelo Min. Barros Monteiro.
Por fim, anoto que a ofensa ao artigo 131, CPC, o qual admitiria "possa
o juiz decidir segundo seu 'livre convencimento', mas nunca arbitrariamente
e sem apoio na prova dos autos", imprescinde do reexame fático-probatório,
convocando a incidência do Verbete nll. 7 da Súmula desta Corte.
Diante de tais pressupostos, conheço apenas em parte do recurso e
nesta parte lhe dou provimento, determinando que o egrégio Tribunal de
origem integre o acórdão examinando e decidindo acerca dos demais fun
damentos do pedido vestibular.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N.Q. 142.954 - SP (Registro nll. 97.0054869-4)
Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Comércio de Artigos para Festas Tekinho Ltda
Gevalci Oliveira Prado Advogado:
Recorrido:
Advogado:
Teka Tecelagens Kuehnrich SI A
João Batista Colletti Neto
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 349
EMENTA: Propriedade industrial - Marca - Exclusividade de
uso - Princípio da especificidade.
- O direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do
seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual é deferido, não
sendo possível a sua irradiação para outras classes de atividades.
Aplicação do princípio da especificidade. Precedentes do STJ.
- Inexistência, ainda, da possibilidade de confusão a induzir em
erro o consumidor.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas
taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o
Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior e
Sálvio de Figueiredo.
Brasília-DF, 21 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 13.12.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "Teka Tecelagem Kuehn
rich S/A" ajuizou ação ordinária de abstenção de ato com preceito comi
natório contra "Comércio de Artigos para Festas Tekinho Ltda."
Julgada improcedente a ação em primeiro grau, o Tribunal de Justiça
de São Paulo, por unanimidade, deu provimento ao apelo da autora em
acórdão assim fundamentado, no que ora interessa:
"Inobstante a excelência da fundamentação fática da respeitável
sentença apelável, entende-se que ocorre, na espécie, violação ao direito da apelante de utilização exclusiva da marca 'Teka', nos moldes do registro da mesma no Instituto Nacional de Propriedade Industrial,
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
350 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
estando garantida pelo artigo 59 e seu parágrafo único da Lei n.!.l
5.772/1971, que a protege, pouco importando que as atividades de ambas sejam diversas, diante da possibilidade de confusão, já que a proteção legal abrange não só o uso da marca de papéis e impressos,
como também até mesmo serviços, ainda que de classes diversas como ocorre na espécie.
A apelante produz, e é por demais conhecido, produtos têxteis que levam a marca 'Teka', e a apelada ao utilizar o diminutivo desse mesmo
nome, usurpa-lhe o conceito e aproveita-se da publicidade feita daque
les produtos, eis que o objetivo social não se limita apenas ao 'comércio de artigos para festas', mas também 'demais mercadorias de utilidades para o lar em geral' (fl. 71, cláusula terceira), e, pois, os produtos têx
teis da apelante são destinados 'ao lar em geral' (confira-se os certificados de fls. 22, 23, 24, 26, 28, etc.).
Não há apropriação de nome de fantasia 'Teka' pela apelada, mas seu nome comercial possibilita a confusão, pelo que deve abster-se de sua utilização, por violação a um direito garantido pelo Código de Propriedade Industrial, e o nome comercial, sem registro no INPI, por si só e pelo fato de registrar os estatutos no registro comercial peculiar
não lhe garante o direito de uso, contra o nome registrado no INPI" (fl. 169).
Inconformada, a ré manifestou o presente recurso especial com fulcro nas alíenas a e c do permissor constitucional, apontando negativa de vigên
cia do art. 59 da Lei n.!.l5.772/1971, além de dissídio interpretativo com julgados desta Corte. Sustentou que, com o registro da marca perante o Ins
tituto Nacional de Propriedade Industrial, o seu titular deterá a exclusivi
dade de uso em todo o território nacional, na classe correspondente à sua atividade. Ressaltou que tal proteção se restringe à(s) c1asse(s) em que a marca foi registrada. Asseverou que não restou provado nos autos ser a recorrida titular de marca na classe 16 do Ato Normativo n.!.l 0051, de
27.01.1981, a qual contempla os produtos comercializados pela recorrente. Por fim, argumentou que o acórdão recorrido concedeu à recorrida, sem qualquer amparo legal, a notoriedade prevista no art. 67 da Lei n.!.l 5.7721
1971.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido, subindo os autos a
esta Corte.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 351
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Eventual conflito entre a marca registrada pela autora e a denominação social empregada pela ré há de ser resolvido pelo princípio da especificidade, conforme tem decidido de modo reiterado esta colenda Quarta Turma. Quando do julgamento do REsp n.Q. 14.367-PR, sob a relatoria do eminente Ministro Athos Carneiro, por sinal, o primeiro paradigma colacionado no apelo excepcional interposto, este órgão fracionário decidiu sob a seguinte ementa:
"Propriedade industrial. Direito de marca. Pretensão à exclusividade. Arts. 59 e 65, 17 da Lei n.Q. 5.772, de 21.12.1971.
O direito à exclusividade ao uso de marca, em decorrência de seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual foi deferido, não abrangendo pois produtos outros, não similares, enquadrados em outras classes, excetuadas as hipóteses de marcas 'notórias'.
O registro da marca 'Glória', para laticínios, em geral, classe
31.10, não impede que outra firma continue utilizando idêntica marca, aliás desde muitos e longos anos, para biscoitos e massas alimentícias, classe 32.10.
Recurso especial não conhecido."
O direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do registro no INPI, é limitado à classe de atividade para a qual foi deferido (REsp n.Q. 9.380-SP, Relator Ministro Dias Trindade).
Ora, as empresas litigantes possuem objetivos sociais nitidamente distintos. Enquanto a autora opera no ramo têxtil, a ré, conforme denota a sua própria denominação, tem a sua atividade dirigida ao comércio de artigos para festas. Não importa que a demandante possua o registro da marca "Teka" em várias classes: era preciso que se demonstrasse, de modo específico, o registro na mesma classe em que a ré exerce a sua atividade principal. Nem tampouco obteve a autora, até o momento, o registro de marca notória, mas, mesmo que venha consegui-lo, seria de rigor que se evidenciasse a possibilidade de confusão quanto à origem dos produtos ou, ainda, que resultasse prejuízo à reputação da marca (art. 67 da Lei n.Q. 5.772, de 21.12.1971).
Aliás, de relevo para a solução da espécie em apreciação é a possibilidade de confusão entre as expressões utilizadas pelas partes. Tal não ocorre
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
352 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
no caso, consoante mostrou à saciedade a decisão de primeira instância. As expressões não são iguais, nem semelhantes. A expressão usada pela ré não é diminutivo daquela adotada pela autora: o diminutivo seria "Tekinha" e não "Tekinho". Inexistente, pois, semelhança gráfica e fonética que justifique a impugnação formulada pela autora.
Em suma, por qualquer ângulo que se aprecie a hipótese sub judice, não se verifica a possibilidade de confusão que acaso tenha o efeito de induzir em erro o consumidor. Entendendo, como entendeu, o acórdão recorrido que a proteção legal alcança a marca independentemente da classe para a qual o registro foi concedido, pouco relevando que as atividades de ambas as empresas sejam diversas, contrariou ele não somente o art. 59 do Código de Propriedade Industrial, como ainda dissentiu ao menos do primeiro aresto-modelo trazido a exame pela recorrente.
Do quanto foi exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do permissivo constitucional e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença.
É como voto.
Relator:
Recorrente:
Advogado:
Recorrido:
Advogados:
Recorrida:
Advogado:
RECURSO ESPECIAL N.2. 144.353 - RJ (Registro n'" 97.0057580-2)
Ministro Cesar Asfor Rocha
Luiz Damião da Silva
José Alves Machado
Augusto Sérgio Pinto Guimarães
Paulo César Gonçalves da Silva e outro
Sul América Bandeirantes Seguros S/A
Nílton Pereira da Silva
EMENTA: Processual Civil - Apelação protocolizada dentro do
prazo legal - Endereçamento equivocado ao juízo da Trigésima Terceira Vara quando o correto seria ao da Trigésima Sexta Vara - Tempestividade.
O equívoco quanto ao número da Vara Judicial a que designada,
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 353
não faz, pelas peculiaridades da espécie, intempestiva a apelação
protocolizada dentro do prazo legal, mas que somente ingressou nos autos após remetidos ao Tribunal.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e
dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram
com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho
Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
Brasília-DF, 18 de novembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DI de 21.02.2000.
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Luiz Damião da Silva, ora recorrente, propôs ação indenizatória, pela morte de sua esposa, vítima
de atropelamento, contra Augusto Sérgio Pinto Guimarães que denunciou da lide a seguradora ·Sul América Bandeirantes Seguros S/A.
A r. sentença julgou improcedente o pedido inicial, extinguindo o de denunciação.
A seguradora denunciada apelou pretendendo o reconhecimento a seu favor da prescrição ânua.
O egrégio Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro aco
lheu o apelo, decidindo pela prescrição do direito de ação regressiva por parte do denunciante/segurado contra a denunciada.
Antes de publicado o acórdão, o autor peticionou noticiando que também havia interposto apelação (fls. 188 e seguintes). Todavia, por inexati
dão material, o seu recurso foi endereçado ao Juízo da Trigésima Terceira
Vara Cível, quando o correto seria o da Trigésima Sexta. Localizada a petição e juntada aos autos, requereu a baixa para o processamento respectivo.
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354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o ilustre Desembargador-Relator determinou a baixa (fl. 188), suspendendo os efeitos do acórdão (fl. 199).
O réu pediu a reconsideração, no que foi atendido por despacho do seguinte teor:
"Reconsidero fl. 188, não pelas razões expostas - fls. 200/203,
mas, porque efetivamente, a remessa dos autos à Vara de origem para que o juízo apreciasse a admissibilidade ou não do recurso de apela
ção endereçado pelo próprio apelante à Vara errada, em nada modificaria o resultado do julgamento já realizado.
O peticionário de fls. 188 e seguintes, terá o recurso próprio em outra sede, já que esta Câmara está impedida de rever meritoriamente seu próprio mérito." (fl. 208).
O autor ingressou com agravo regimental que foi improvido sob as seguintes e únicas considerações:
"Se já existe acórdão dessa Câmara provendo o recurso da denunciada, reconhecendo em seu prol a prescrição ânua, e, tendo o agravante endereçado seu recurso à Vara errada, que não foi despachado no
prazo legal, a meu juízo este recurso, muito embora tenha sido protocolado no prazo, é intempestivo." (fl. 238).
Daí o recurso especial, fundamentado na alínea c do permissivo, afirmando, além do malferimento aos artigos 496, I, 449, 506, parágrafo único, 508 e seguintes, CPC, o dissídio com os julgados indicados, dentre eles o REsp nJ:!. 20.399, ReI. eminente Ministro Cláudio Santos, quando se decidiu que "o endereçamento judicial diverso daquele cujo ocupante presi
diu o processo, não acarreta a perda do prazo apelatório", e a Apelação Cível nJ:!. 15.442 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, apresentado em cópia, do qual se extrai "a não entrega da defesa, oportunamente recebida ao Car
tório do feito, mas a outro subordinado ao mesmo Juízo, importou em 'erro
material' que não exclui a nem afastava a inequívoca manifestação do apelante em defender-se e para não justificar a rejeição sumária dos embargos
que, ora, são recebidos e com devolução dos autos a instância de origem para
o julgamento do seu mérito."
Respondido, o recurso foi admitido na origem.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 355
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR AS FOR ROCHA (Relator): 1. Conheço do recurso uma vez demonstrada a divergência interpretativa pertinente aos artigos 506, parágrafo único, e 508, CPC, pelo não reconhecimento da tempestividade da apelação protocolada dentro do prazo na hipótese de equívoco no endereçamento retardar a sua juntada aos autos.
2. O recorrente apelou da sentença que julgou improcedente o seu pedido indenizatório. E o fez dentro do prazo, consoante inclusive expressamente consignado pelo v. acórdão recorrido (fi. 238), utilizando-se do protocolo geral do fórum, comum às duas Varas.
Todavia, por tê-la endereçado ao juízo da Trigésima Terceira Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, quando o correto seria ao juízo da Trigésima Sexta Vara da mesma comarca, a sua apelação só veio aos autos após ter o egrégio Tribunal de origem julgado o apelo da denunciada, ficando todo esse tempo, conforme alegado pelo recorrente, no Cartório da Vara errada sem que tivesse ocorrido a sua restituição à corregedoria para ser reencaminhada.
O processamento do apelo foi denegado pela egrégia Câmara julgadora pelas seguintes e únicas considerações:
"Se já existe acórdão dessa Câmara provendo o recurso da denunciada, reconhecendo em seu prol a prescrição ânua, e, tendo o agravante endereçado seu recurso à Vara errada, que não foi despachado no prazo legal, a meu juízo este recurso, muito embora tenha sido protocolado no prazo, é intempestivo." (fi. 238).
O julgamento da apelação da denunciada, definindo-se a relação jurídica entre esta e o denunciante, em nada prejudica o julgamento da apelação do autor que busca o reexame da sentença no pertinente a relação jurídica entre ele e o réu/denunciante.
De outra parte, o infortúnio, fruto de ignóbil erro material, que se verificou nos presentes autos, não transforma, data venia, o recurso interposto dentro do prazo em intempestivo, amputando-se o postulado acesso ao duplo grau de jurisdição.
Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:
"Processual Civil. Apelação. Prazo.
O endereçamento à Vara Judicial diversa daquela cujo ocupante
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356 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
presidiu o processo não acarreta a perda do prazo do recurso apelatório." (REsp n,!;'. 20.399-SP, DJ de 19.04.1993, Relator Ministro Cláudio Santos).
"Processo Civil. Contestação. Equívoco no endereçamento. Tempestividade.
Contestação tempestivamente apresentada, mas que, em virtude de equívoco no endereçamento, somente deu entrada no cartório da vara em que corre o feito após a fluência do prazo legal.
Sacrificar a garantia do contraditório, permitindo que se produzam os graves efeitos da revelia, sem que tenha havido inatividade processual e não se vislumbrando a possibilidade de má-fé, por tratar-se da mesma comarca, não se conforma a visão moderna do processo.
Recurso não conhecido." (REsp n,!;'. 56.240-PR, RSTJ 71/376, Relator Ministro Costa Leite).
Com efeito, cumpre prestigiar os princípios processuais, notadamente o da instrumentalidade.
O recorrente dirigiu-se dentro do prazo ao protocolo correto.
O erro foi quanto à indicação numérica da Vara destinatária, como se, por exemplo, fossem protocolados nesta Corte embargos declaratórios ou agravo regimental endereçados a um Ministro diverso do Relator do recurso, ocasionando tal fato o encaminhamento da petição à 'Subsecretaria de Turma diversa e a demora na sua juntada aos autos.
A seguir-se o raciocínio do v. acórdão recorrido, sempre que, por qualquer imprecisão no endereçamento, a juntada do recurso aos autos ocorrer após extrapolado o prazo recursal, ele seria intempestivo, desconsiderandose completamente o tempestivo e correto protocolo judicial e, por conseguinte, o contido na legislação processual vigente.
Posto isso, dou provimento ao recurso para, reconhecendo a tempestividade da apelação, retornar os autos ao juízo de primeiro grau para o seu regular processamento.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N.2. 156.404 - SP (Registro n,!;'.97.0084717-9)
Ministro Sálvio de Figueiredo
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 357
Recorrente: V álter Roberto Palmieri
Advogados: José Luiz Matthes e outros
Recorrido: Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo S/A -
Badesp
Advogados: Corbiniano Amaral Netto e outros
Interessada: IQS Industrial e Distribuidora Ltda (massa falida)
EMENTA: Processo Civil - Execução - Praça - Art. 687, CPC -
Inocorrência de violação - Intimação pessoal ao devedor frustrada,
após reiteradas tentativas - Validade da intimação por edital - Art.
686, V, CPC - Omissão do edital quanto a recurso pendente de jul
gamento - Nulidade não cominada - Não demonstração de prejuízo
- Omissão irrelevante - Recurso desacolhido.
I - Não encontrados os devedores, após efetivas diligências,
prescindível é a sua intimação via mandado para ciência da reali
zação da hasta pública (art. 687, CPC).
II - A menção a recurso pendente de julgamento (art. 686, V,
CPC) tem a principal finalidade de cientificar os licitantes da exis
tência de ônus e/ou impedimentos sobre o bem que intencionam ar
rematar.
III - A anulação da praça por omissão do edital em relação à
menção referida no art. 686, V, CPC, depende da demonstração de
prejuízo, já que se trata de nulidade não cominada, nos moldes dos
arts. 244 e 250, CPC.
IV - Dessemelhantes as situações de fato entre o. aresto para
digma e o acórdão impugnado, não se caracteriza a divergência para
fins de instaurar-se o acesso à instância especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re
curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro, Ruy Ro
sado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior. Ausente, justificadamente, o Sr.
Ministro Cesar Asfor Rocha.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília-DF, 25 de outubro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Relator.
Publicado no DI de 13.12.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Contra a decisão de primeiro grau que declarou nula a praça de um imóvel e de uma linha te
lefônica, nos autos da execução movida pelo recorrido contra IQS Industrial e Distribuidora Ltda, Válter Roberto Palmieri e Maria Anézia S.
Palmieri, o exeqüente manifestou agravo de instrumento, que restou provido pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em acórdão assim
ementado:
"Preclusão. Decisão judicial, anteriormente prolatada, que apreciou questão alusiva à impenhorabilidade do imóvel. Rededução pre
clusa. Recurso provido.
Arrematação. Praça. Imóvel pendente de julgamento de recurso. Fato não consignado no edital. Omissão irrelevante. Inexistência de prejuízo aos executados, pois que arrematado o imóvel, pelo próprio credor, por seu preço real. Hipótese em que descabe falar-se em nulidade da hasta pública ou da arrematação efetivadas. Precedente. Re
curso provido.
Intimação. Praça. Devedores que, não localizados à intimação pessoal nas várias diligências do meirinho, são intimados por edital. Admissibilidade. Precedente. Hipótese em que descabe pretender-se descumprida a regra do § 3.\l. do art. 687 do CPC, que, inclusive, des
tina-se ao licitante e não ao executado. Validade da praça realizada pela via editalícia. Nulidade não proclamada. Recurso provido."
Os executados interpuseram recurso especial, apontando divergência
jurisprudencial e violação dos arts. 686, V, e 687, § 3.\l., CPC, na redação anterior à vigência da Lei n.\l. 8.953/1994. Sustentam os recorrentes ser obrigatória a menção, no edital de praça, da existência de "recurso pendente de
julgamento", por expressa determinação legal, e que a intimação dos deve
dores, para a praça, deve ser feita por mandado, e não, por edital.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 359
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem, apenas em rela
ção ao executado Válter Roberto Palmieri, uma vez inexistente procuração
dos outros dois ao subscritor da peça recursal.
O Ministério Público Federal opina pelo sobrestamento do feito, por
se tratar de recurso retido, nos moldes do art. 542, § 3'", CPC, com a re
dação dada pela Lei n'" 9.756/1998.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): 1. Quan
to ao ponto suscitado no parecer do Ministério Público Federal, é de re
gistrar-se que o recurso especial somente deve permanecer retido quando
interposto contra decisão interlocutória em processo de conhecimento,
cautelar ou embargos à execução, hipóteses às quais não se amolda a espé
cie, que trata de agravo em execução.
2. No que diz respeito à alegada ofensa ao art. 687, § 3'", CPC,
corresponde o dispositivo ao atual § 5Q. do mesmo artigo, após a vigência
da Lei n'" 8.953/1994. No particular, afirmou o acórdão que a intimação
pessoal dos devedores restou "sem resultado [ ... ], pelas diligências com que
o meirinho, em várias oportunidades, se dirigiu à localização dos devedo
res, inclusive aos sábados e domingos, sem os encontrar em sua residência"
(fi. 168).
Esta Corte firmou entendimento no sentido de que, "não encontrado
o devedor, apesar das diligências efetuadas, é cabível a sua intimação por
edital para ciência da praça ou leilão" (REsp nQ. 46.149-SP, DI de
22.08.1994, Relator o Ministro Torreão Braz).
Outra não foi a orientação preconizada no AgRg no Ag n'" 5.424-GO
(DI de 04.03.1991), de que fui Relator, com esta ementa:
"Processo Civil. Arrematação. Hasta pública. Executado não lo
calizado. Intimação via edital. Orientação jurisprudencial. Recurso
desprovido.
Não sendo o devedor encontrado após efetivas diligências, admis
sível é a sua intimação via edital para ciência da realização da hasta
pública (CPC, art. 687, § 3'")."
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
360 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o Supremo Tribunal Federal, na vigência do anterior regime consti
tucional, também esposava essa linha de raciocínio, a exemplo do que ocor
reu no julgamento do RE n.!l. 81. 798-PR (RTJ 83/878), de que foi Relator
o Ministro Soares Munoz, cuja ementa consigna:
"Devedor que embora citado pessoalmente se manteve revel durante a execução e que não foi intimado pessoalmente do dia e hora
para a realização da praça, por se ter mudado para local ignorado. A aplicação do art. 687, § 3.!l., por edital, seria inútil a repetição. O edital da praça, com ampla publicidade, era o bastante para esse efeito."
A respeito, confira-se, ainda, o REsp n.!l. 84.788-SC (DJ de 21.09.1998),
de que fui relator, assim ementado:
"Processo Civil. Execução. Intimação da praça ao devedor pessoalmente intimado da penhora e que mudou de endereço sem comu
nicar ao juízo da execução. Validade da intimação por edital. Inocorre
violação do art. 687, § 5.!l., CPC, pela concretização da intimação
editalícia antes do retorno da precatória negativa se nenhum prejuízo concreto é alegado pelo devedor. Recurso desacolhido.
I - Não viola o disposto no art. 687, § 5.!l., CPC, a intimação por
edital do devedor, para a ciência do dia e hora da praça ou leilão de seus bens penhorados na execução, se não é ele encontrado no ende
reço em que fora pessoalmente intimado da penhora, tendo o Oficial de Justiça colhido nesse local a informação de que ele ali não mais residia, não tendo havido comunicação ao juízo da execução do seu novo endereço.
II - A concretização da intimação editalícia antes do retorno da
precatória negativa não impõe a nulidade da arrematação, posto que o devedor não foi efetivamente encontrado, não tendo, ademais, invocado
qualquer irregularidade formal no edital intima tório ou qualquer pre
juízo processual concreto que lhe teria advindo da duplicidade das vias
intimatórias."
3. Quanto à apontada afronta ao art. 686, V, CPC, sustenta o recorrente
que o edital de praça não fez menção à existência de recurso pendente de
julgame.nto. Com efeito. O "recurso pendente" consiste no agravo interposto
pelo próprio devedor-recorrente contra a decisão que excluiu a impenhora
bilidade do imóvel. A par disso, o credor recorrido é que arrematou o bem
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 361
na praça que veio a ser anulada, pelo preço real, "nenhum prejuízo se podendo, de conseqüência, inferir ou avaliar em detrimento dos devedores" (acórdão, fi. 167).
A finalidade de que se faça constar do edital a menção a recurso pendente de julgamento reside em cientificar os licitantes da possibilidade de alteração da situação jurídica da arrematação efetuada, de modo que, posteriormente à aquisição do bem, não seja o arrematante surpreendido com a existência de ônus ou pendências sobre o imóvel. Em breves termos, a norma se dirige aos licitantes, aos candidatos a adquirir o bem praceado. E, no caso, o adquirente foi o credor, evidentemente ciente do recurso referente ao imóvel. Quanto ao destinatário do edital, expressa Am.ílcar de Castro:
"N a lição de Carnelutti, o edital não passa de declaração recep
tícia, porque sua eficácia não aparece senão no momento em que seja conhecida por alguém; como é destinado principalmente a levar uma notícia ao conhecimento de pessoas indeterminadas, os possíveis compradores, desconhecidos do vendedor, que é o juiz, e como além disso, é meio de notificação a todos os interessados na venda, não pode deixar de ser redigido, publicado e notificado de forma tal que garanta o efetivo, ou pelo menos presumido, conhecimento daqueles que devem receber a notícia." (Comentários ao Código de Processo Civil, 2a
edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976, nJ.l. 389, pp. 288-289).
Nessa mesma linha, ao anotar o art. 686, V, CPC, Theotonio Negrão:
"O arrematante, e só ele, tem legitimidade para pleitear a anulação da arrematação por infringência a este dispositivo (Lex-JTA, 139/44)." (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 30a edição, São Paulo, Saraiva, 1999, nota 8 ao art. 686, p. 683).
Por outro lado, a anulação da praça por causa da falta da menção referida no art. 686, V, CPC, depende da demonstração de prejuízo, já que se trata de nulidade não cominada, nos moldes dos arts. 244 e 250, CPC. Esta a lição de Pontes de Miranda:
"As infrações do art. 686, I, como as dos outros incisos (II, III, IV e V), importam nulidade não cominada, devendo-se aplicar os prin
cípios gerais e especiais sobre as nulidades processuais, notadamente o art. 244." (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X, Rio de Janeiro, Forense, 1976, p. 366).
RST], Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
362 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
E, ainda, Celso Neves, ao comentar o art. 686, CPC:
"Todos esses dados são relevantes e de sua omissão pode resultar nulidade da arrematação, quando se demonstre prejuízo, segundo as regras dos arts. 243-250." (Comentários ao Código de Processo
Civil, volume VII, nÇ. 48, p. 98).
Na espécie, não logrou o recorrente demonstrar o prejuízo advindo da realização da praça. Ao contrário, afirmou o acórdão a não ocorrência de prejuízo e a arrematação do bem pelo valor real.
Destarte, não ocorreu violação do direito federal, no particular.
4. O dissídio pretoriano, de seu turno, não restou caracterizado, em face da dessemelhança fática entre o REsp nÇ. 15.003-SP (DJ de 22.11.1993), apontado paradigma, e o acórdão impugnado. O paradigma refere-se à possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil às execu
ções fiscais e afirma a necessidade de que o devedor seja intimado do leilão, sem descrever as peculiaridades de fato que se identifiquem ou se assemelhem com o caso em pauta.
5. À luz do exposto, não conheço do recurso especial.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N.!1. 210.076 - RJ (Registro nÇ. 99.0031445-0)
Ministro Barros Monteiro
Restaurante A Marisqueira Ltda
Carlos Henrique de Carvalho Froes e outros
Café Elvas Ltda
Leopoldo Peres e outros
EMENTA: Marca registrada - Palavra comum - Sua utilização
pela ré em nome de fantasia - Inadmissibilidade.
- Registrada uma marca, não pode outra empresa industrial, comercial ou de serviços utilizá-la na composição de seu nome comercial, em havendo similitude de atividades. Precedentes da Quar
ta Turma.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 363
Recurso especial conhecido e provido parciahnente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Aldir Passarinho
Junior.
Brasília-DF, 28 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Presidente.
Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 13.12.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Cuida-se de ação ordinária proposta por "Restaurante A Marisqueira Ltda" contra" Café Elvas Ltda", pretendendo que a ré se abstenha do uso do nome "Marisqueira", pois ela - autora - é titular do registro da referida marca desde 1 0.06.1975.
Julgado improcedente o pedido em primeiro grau, a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, negou provimento ao apelo da autora em acórdão assim fundamentado:
"Alega a apelante que a apelada usa indevidamente nome comer
cial e marca de sua propriedade, que se acha registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial com o nome de 'A Marisqueira'.
Já o apelado sustenta que a expressão marisqueira usada em seu estabelecimento é denominação de uso genérico, indicando que no local também se vendiam mariscos, e que as denominações marcas utilizadas pelas partes são diferentes e não se prestam a confusão, pois enquanto a autora, ora apelante, usa a expressão Restaurante A
Marisqueira O apelado usava a denominação Marisqueira e Café Elvas,
cuja única coincidência era o termo genérico marisqueira empregado diferentemente.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
364 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o ilustre Juiz a quo acolheu tese sustentada pelo réu ora apelado, e julgou improcedente a ação a meu sentir, acertadamente.
Pelo que consta dos autos a apelada usava a expressão Marisqueira
e Café Elvas sendo certo, a meu juízo, que queria dizer que o Café Elvas também vendia mariscos, empregando o termo genericamente,
não se prestando esta denominação a qualquer confusão com a marca
registrada pela apelante, dada a evidente diferença das duas atividades, uma, um restaurante especializado em frutos do mar e outro um café no qual eram vendidos mariscos.
Não vislumbro, também, a existência de qualquer prejuízo para o apelante no uso da ·expressão de que se diz proprietária, tendo em vista a disparidade existente de serviços.
O objetivo da lei é evitar a confusão nos nomes que possam in
duzir o consumidor a erro. No caso em exame, não me parece que tal confusão possa ocorrer, dada à finalidade específica de cada um deles, o apelante, restaurante especializado em frutos do mar e o apelado, um
café que eventualmente vende mariscos, e que por isto tem a denominação genérica de marisqueira.
N ego, pois, provimento ao recurso." (f!. 107).
Rejeitados os declaratórios, a autora manifestou o presente recurso es
pecial com fulcro nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontan
do negativa de vigência dos arts. 59 da Lei nQ 5.772/1971 e 129 da Lei n Q
9.279/1996, além de dissídio interpretativo. Sustentou que o registro da marca perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial confere ao seu titular o direito de propriedade e uso exclusivo em todo o território nacio
nal, impedindo terceiros de fazerem uso de marca igualou semelhante, que se destine a assinalar artigos ou serviços idênticos, similares ou afins.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): A ré utiliza-se, na composição de seu nome de fantasia, a palavra comum" Marisqueira",
contra o que se insurge a autora sob a alegação de ser a titular do registro da marca.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 365
Tocante ao registro, o ponto é incontroverso nos autos. Discute-se aqui se, empregando o termo "Marisqueira", de cunho genérico, a ré está a infringir o direito de uso exclusivo da marca pela autora em todo o território nacional.
Espécie semelhante à presente já foi apreciada por este órgão fracionário, na qual se questionava o uso da palavra comum" Cidade". Refiro-me ao REsp n Q 7.259-CE, de que foi Relator o eminente Ministro Athos Carneiro. Ali fora objeto de registro, como marca de serviço, a expressão "Rádio-Cidade" e, precisamente em virtude de tal registro, obstou-se a utilização da marca por terceiro.
Eis o elucidativo voto-condutor do v. acórdão:
"2. De mérito, põe-se como fato basilar para a compOSlçao da lide o de que a expressão 'Rádio-Cidade' foi registrada pela autora como marca de serviço, a teor do artigo 61, 3, da Lei n Q 5.772, de 21.12.1971 - Código de Propriedade Industrial, para a especificação de seus serviços de 'radiodifusão', e isso 'sem direito ao uso exclusivo da expressão 'Rádio'" (fls. 11/12). A validade de tal registro, questionada ante o uso de palavra comum como 'Cidade' foi impugnada na via jurisdicional pela ora ré 'TV Cidade de Fortaleza Ltda', e, como vimos, resultou ao final mantido o registro.
Ora, mantido o registro, incide a norma do artigo 59 da citada Lei nQ. 5.772/1971, pela qual 'será garantida no território nacional a propriedade da marca e o seu uso exclusivo àquele que obtiver o registro de acordo com o presente Código, para distinguir seus produtos, mercadorias ou serviços, de outros idênticos ou semelhantes, na classe correspondente à sua atividade' (grifos nossos).
Registrada uma marca, não pode, pois, outra empresa industrial, comercial ou de serviços, utilizá-la na composição de seu nome comercial, em havendo similitude de atividades (Lei nQ. 4.726, de 13.07.1965, art. 49), ou para 'todas as classes', em se cuidando de marca notória (CPI, art. 67). E a proteção aplica-se no território nacional, como está no próprio texto da lei, embora quiçá, lege ferenda, tal ampla proteção possa ser em certos casos menos adequada em país de dimensões continentais. Esta observação, contudo, é menos pertinente no caso concreto, em que a autora expande sua rede de emissoras no território nacional, como se vê de fls. 13 e 15.
O v. aresto, destarte, contrariou os artigos 159 e 65, nQ. 17, do Código de Propriedade Industrial."
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
366 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesses termos, de acordo com a lei (art. 129 da Lei nJ.l. 9.279, de 14.05.1996), a autora é proprietária da marca "Marisqueira" em face do registro regularmente expedido, sendo-lhe assegurado o uso exclusivo em todo o território nacional. É certo que a exclusividade de utilização da marca, em decorrência do registro no INPI, se cinge à classe para a qual foi conferida. Mas, bem de ver que na espécie ambas as litigantes se dedicam ao comércio no setor de alimentação, especificamente com a venda do produto "marisco", prestando-se, pois, o emprego da palavra "Marisqueira" a uma confusão que certamente a ora recorrente quer evitar.
Tenho, pois, como contrariado no caso o referido art. 129 da Lei nJ.l. 9.279, de 14.05.1996, apenas não se configurando o conflito interpretativo à falta de observância mínima dos requisitos legais imprescindíveis à sua demonstração. A recorrente não identificou sequer o precedente desta Turma carreado como paradigma.
A ação é julgada procedente, em parte, para o fim de restar a ré condenada a abster-se do uso da marca "Marisqueira" e, bem assim, a modificar o título de seu estabelecimento, mediante a substituição do referido vocábulo por outro, sob pena de responder pela multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais), a partir de 60 dias contados da intimação pessoal da parte e depois do trânsito em julgado desta decisão. Ficam arredadas as perdas e danos por não comprovadas na fase cognitiva, consoante diretriz de há muito traçada por esta Casa.
Do quanto foi exposto, conheço do recurso pela alínea a do admissor constitucional e dou-lhe provimento parcial, a fim de julgar procedente, em parte, a ação intentada, na forma acima disposta. A ré arcará com as custas do processo (art. 21, parágrafo único, do CPC), assim como com os honorários de advogado da parte contrária, estes últimos arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa.
É o meu voto.
RECURSO ESPECIAL N~ 214.680 - SP (Registro nJ.l. 99.0042832-3)
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Baptista Marconi Netto e outros
Advogado: Flávio Marques Alves
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
Recorrida:
Advogado:
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Sônia Fochi Sanita
Marcos Tadeu Saes
367
EMENTA: Condomínio - Área comum - Prescrição - Boa-fé.
Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio).
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 10 de agosto de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 16.11.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sônia Fochi Sanita, condômina do Edifício Negrelli, ajuizou ação cominatória contra Baptista Marconi Netto e outros, também condôminos, atribuindo aos réus a indevida ocupação do hall de circulação de seus respectivos apartamentos, infringindo a lei e a convenção por se tratar de área de uso comum.
O Dr. Juiz de Direito julgou improcedente a ação.
Ao apelo da autora, a egrégia Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu-lhe provimento, com a seguinte ementa:
"Condomínio. Áreas comuns. Utilização exclusiva dos réus. Circunstância que não os autoriza a alterar o uso comum em benefício
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
368 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
próprio e exclusivo. Infração ao art. 3,ü da Lei n,ü 4.591/1964 e à con
venção. Falta de consentimento de todos os condôminos, quando da
alteração. Rejeitadas as preliminares. Recurso provido." (fi. 230).
Rejeitados os embargos de declaração, os réus interpuseram recurso
especial pelas alíneas a e c do permissivo constitucional, indicando afron
ta aos arts. 12, inciso IX, do CPC, 3,ü e 25 da Lei n,ü 4.591/1964 e 1,ü e 6,ü
da LICC, além de dissidência jurisprudencial.
Sustentam que a propositura da ação competia ao condomínio, repre
sentado na forma da lei pelo síndico, não tendo a autora demonstrado in
teresse na ação, haja vista que não sofreu nenhum prejuízo. Também have
ria ilegitimidade passiva, pois é o síndico quem responde às ações contra
o condomínio. Reiteraram a tese de usucapião, decorrente de posse da área
há mais de 20 anos. No mérito, pedem o restabelecimento da sentença de
improcedência da ação. Alegam que não se trata de área comum, porquan
to desde a modificação do projeto originário os proprietários puderam uni
ficar as unidades contíguas, tendo havido matrícula única. A assembléia
aprovou a ocupação exercida pelos autores, não se exigindo unanimidade
para tal decisão. Por fim, lembram que a Lei n,ü 4.591/1964 é posterior ao
lançamento do empreendimento imobiliário, por isso inaplicável.
Ofertadas as contra-razões, o recurso foi admitido.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Não
aceitas as alegações dos recorrentes sobre a lei aplicável e a legitimidade
ad causalll:
a) a Lei n,ü 4.591/1964 entrou em vigor antes da convenção e da
formalização da propriedade das partes, razão pela qual é aplicável à hipó
tese, regulando os atos praticados na sua vigência;
b) o condômino tem legitimidade para promover ações que ofendam
o interesse do condomínio. Embora caiba ao síndico a representação do con
domínio, nada impede que o co-proprietário atue na defesa do interesse
comum quando o síndico se omite, como aconteceu no caso dos autos, em
que houve prévia notificação pela ora autora, sem qualquer efeito;
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 369
c) OS condôminos que praticaram os atos contrários à lei ou à conven
ção respondem pela conduta e, por isso, estão legitimados passivamente para
a demanda em que se lhes imputa a ocupação de área do corredor.
2. Têm razão os recorrentes, porém, quanto à extinção do direito de
promover a ação. É certo que a prescrição não pode ser invocada por um
condômino contra o outro quando se trata de área destinada ao uso comum
e indispensável à existência do condomínio, conforme a lição doutrinária
invocada nos autos (Benedito Silvério Ribeiro, Tratado de Usucapião, Editora Saraiva, 1/286). No caso em tela, contudo, os réus e ora recorren
tes passaram a ocupar a parte do corredor que leva aos seus apartamentos,
porque houve alteração no próprio projeto de construção do prédio, com incorporação de unidades, de tal sorte que o final do corredor dos seus
apartamentos perdeu a razão de ser, e o espaço que lhes correspondia trans
formou-se em área morta, sem qualquer utilidade para o condomínio, permitindo a colocação da porta de entrada no lugar onde hoje se encontra.
Logo, não se trata de área indispensável à existência do condomínio e pos
sível o reconhecimento da prescrição.
Essa situação excepcional e característica daquele prédio é que levou
os réus a usarem a área com exclusividade, com a plena concordância dos
demais condôminos, os quais ratificaram tal estado de coisas em assembléia,
assim permanecendo por trinta anos. As condições do prédio eram tais que
nunca houve qualquer reclamação; antes, o expresso consentimento. A situação poderia ser modificada se demonstrada a alteração das circunstâncias,
surgindo razão ponderável de interesse comum a justificar a retomada da
área para a sua destinação inicial, que desaparecera desde a unificação das
unidades habitacionais.
A única solução justa recomendada para o caso é a manutenção do
statu quo.
Para isso pode ser invocada a figura da suppressio, fundada na boa
fé objetiva, a inibir providências que já poderiam ter sido adotadas há anos
e não o foram, criando a expectativa, justificada pelas circunstâncias, de que
o direito que lhes correspondia não mais seria exigido. A suppressio tem sido considerada com predominância como uma hipótese de exercício inad
missível do direito (Menezes Cordeiro, Da Boa-fé no Direito Civil, II,
810) e pode bem ser aplicada neste caso, pois houve o prolongado compor
tamento dos titulares, como se não tivessem o direito ou não mais quisessem exercê-lo; os condôminos ora réus confiaram na permanência desta si
tuação pelas fundamentadas razões já explicadas; a vantagem da autora ou
RST], Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
370 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do condomínio, que ela diz defender, seria nenhuma, e o prejuízo dos réus,
considerável. Penso que, no caso, se pode fazer boa aplicação do princípio.
Não afastaria a idéia de surgir, nesse entretempo, uma nova, forte e legítima razão de interesse comum, a justificar pretensão contrária. Porém, o único fato novo que se conhece é que a presente demanda foi intentada pela condômina depois de derrotada na ação promovida pelo condomínio para impedi-la de alterar a fachada do prédio. Ação por tais motivos, somente lembrada trinta anos depois, esbarra no princípio ético de respeito às relações definidas por décadas de convívio.
Além disso, e para não fugir do texto legal, deve ser lembrada, além da prescrição longa do art. 177 do Código Civil, também a regra da prescrição extintiva do direito de intentar ação por ofensa ao direito de propriedade, do art. 178, § 10, IX, do CC.
Posto isso, conheço do recurso, por indevida a aplicação do disposto no art. 3.12 da Lei nQ 4.591/1964, e lhe dou provimento, para restabelecer a r. sentença.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N~ 218.701 - RS (Registro nQ 99.0051243-0)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Banco Mercantil do Brasil S/A
André Luiz Barata de Lacerda e outros
Fernando Luiz Bernardes Coelho Silva
Giuliano Correa de Barros Nunes e outros
EMENTA: Contrato de abertura de crédito - Nota promissória - Novação.
A emissão de nota promissória pelo valor do saldo devedor,
apurado mediante os lançamentos unilateralmente feitos pelo credor, não impede o exame da legalidade daqueles lançamentos. Em primeiro lugar, porque não se cuida de novação; em segundo, porque se novação fosse, incidiria o disposto no art. 1.007, primeira parte, do Código Civil.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 371
Juros. LiInite. SÚlllula nU 596-STE Capitalização. SÚlllula n!!. 121-
STE
Recurso conhecido elll parte e parciallllente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento parcial, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 7 de outubro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 16.11.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Fernando Luiz Bernardes Coelho Silva propôs ação de revisão de contrato de abertura de crédito contra o Banco Mercantil do Brasil S/A, alegando que se viu obrigado a utilizar o limite do seu cheque especial e, posteriormente, com o intuito de cobrir esse saldo, foi emitida nota promissória, cujo valor evidencia a cobrança de juros abusivos.
A ação foi julgada procedente, declarada a inexistência do débito. O apelo do banco foi improvido pela egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do SuL
Daí os recursos extraordinário e especial do banco. N o apelo a esta Corte (art. 105, lII, a e c, da CF), o recorrente sustenta violação aos arts. 2Q
, 3Q e 4 Q da Lei n Q 4.595/1964, 999, I, do CC, e 2Q, § 1 Q, da LICC, além
de divergência jurisprudencial, especialmente com a Súmula n Q 596-STE Diz que ao limitar os juros remuneratórios em 12% a.a., capitalizados apenas anualmente, e ao desconsiderar a existência de novação, o acórdão afrontou a Lei n Q 4.595/1964, vez que o Decreto n Q 22.626/1933 não se aplica às instituições financeiras. Outrossim, não se configurou na espécie a condição puramente potestativa de que trata o art. 115 do CCB, e, ainda
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
372 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que se admitisse a inexistência de ânimo de novar, a segunda obrigação (nota promissória) confirmaria a primeira, nos termos expressos do art. 1.000, CCB. Acrescenta que descabe cogitar-se do Código de Defesa do Consumidor porque não se trata de relação de consumo.
Inadmitidos os recursos, com as contra-razões, determinei a subida do recurso mediante o Ag nll. 212.657-RS.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A renovação dos contratos bancários, com a confissão da dívida ou emissão de título extrajudicial, com ou sem renegociação de cláusulas e condições, não significa a perda do direito de ir a juízo discutir a eventual ilegalidade do que foi contratado. Isso fica ainda mais nítido quando se trata de contratos de adesão, com cláusula de prorrogação. O direito à declaração de invalidade de cláusula contratual não se extingue com o pagamento da prestação nele prevista, pois muitas vezes o obrigado cumpre a sua parte exatamente para poder submeter a causa a juízo, ou, o que é mais freqüente, para evitar o dano decorrente da inadimplência, com protestos, registros no SPC, Serasa e outros efeitos. A emissão de uma nota promissória não significa novação, apenas a consolidação da dívida até ali formada pelos inúmeros lançamentos unilateralmente feitos durante o tempo de execução do contrato de crédito. Ainda que novação fosse, não validaria cobranças abusivas (art. 1.007, primeira parte, do Código Civil).
Por isso, não há razão para limitar o exercício jurisdicional na revisão de contratos sucessivamente renovados, mesmo no caso de emissão de título, porque a dívida que serve de ponto de partida para o cálculo do débito resulta da aplicação de cláusulas previstas em contratos anteriores, em um encadeamento negociaI que não pode ser visto isoladamente.
2. No que tange à limitação dos juros remuneratórios, a jurisprudência pacificada neste Tribunal permite às instituições financeiras a cobrança de juros acima do limite estabelecido no Código Civil e na Lei de Usura, nos termos de autorização do Conselho Monetário Nacional, que recebeu
competência, por delegação ainda hoje vigente, para limitar as taxas de juros praticadas no mercado financeiro (art. 4ll., inciso IX, da Lei n.Q. 4.595/ 1964). Incide a Súmula nll. 596-STF: "As disposições do Decreto n.Q. 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 373
Sistema Financeiro Nacional". Nesse sentido são os precedentes, que me limito a citar pelos números (REsps nilS. 169.440, 163.791, 128.938, 149.477 e 164.935).
A questão infra constitucional foi enfrentada pela egrégia Câmara, daí a possibilidade de ser conhecido o recurso especial.
Observo que nada foi dito quanto à exigência de prova de autorização para a cobrança de juros acima do limite legal.
3. Quanto à capitalização, este Tribunal vem reiteradamente proclamando que a capitalização dos juros somente é permitida nos casos previstos em lei, como ocorre nos créditos rurais, comerciais e industriais, com regime legal próprio. Para as demais situações, inclusive para as que se referem a contrato de financiamento para capital de giro, que é a hipótese dos autos, entende-se que prevalece a disposição da Súmula nll 121-STF.
Assim, no REsp n ll 27.935-PR, Quarta Turma, Relator Ministro Fontes de Alencar, não se admitiu a capitalização em débito resultante de saldo de conta-corrente; no REsp n ll 47.508, da minha relatoria, em financiamento para capital de giro; no REsp n ll 47.961, Relator eminente Ministro Fontes de Alencar, no contrato de abertura de crédito; no REsp n ll 50.717, Relator eminente Ministro Barros Monteiro, no financiamento para capital de giro; no REsp n ll 53.935, de minha relatoria, idem, para capital de giro; no REsp n ll 54.056, de minha relatoria, para saldo em conta-corrente; no REsp n ll 56.604-RS, Relator eminente Ministro Barros Monteiro, em cheque ouro.
A argumentação expendida sobre o CDC e o art. 115 do Código Civil não interessam para o julgamento do apelo.
4. Portanto, conheço em parte do recurso, e nessa parte lhe dou parcial provimento, para autorizar a cobrança dos juros remuneratórios, devidos na vigência dos contratos, nos termos permitidos pelo Conselho Monetário Nacional.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N.2. 221.578 - MG (Registro n ll 99.0058970-0)
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: José Fernandes Cabral
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
374
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ildeu da Cunha Pereira Sobrinho e outros
Banco do Estado de Minas Gerais S/A - Bemge
Saulo Pires Correa e outros
EMENTA: Execução - Substituição de penhora - Título da dívida pública (um conto de réis) - Decreto de 1926 - Indeferimento.
- Havendo fundada dúvida sobre a liquidez de título da dívida pública emitido há mais de setenta anos, tanto que o executado que
o possui não conseguiu até hoje cobrá-lo, não é de ser deferida a
substituição da penhora incidente sobre imóvel para transferi-la a uma apólice emitida nos termos do Decreto n!!. 17.499/1926, no va
lor de um conto de réis. Nulidade processual inexistente.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re
curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 21 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 03.11.1999.
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: José Fernandes Cabral agravou da decisão que, nos autos da execução que lhe move o Banco do Estado de Minas Gerais, indeferiu o pedido de substituição da penho
ra incidente sobre imóvel para transferi-la a um título da dívida pública, emitido nos termos do Decreto nll. 17.499, de 30.10.1926, com valor nominal de um conto de réis (fi. 256).
A egrégia Terceira Câmara Cível do TAMG negou provimento ao recurso.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 375
Inconformado, José Fernandes Cabral interpôs recurso especial (art.
105, III, a e c, da CF). Primeiramente, alega a nulidade da decisão do ma
gistrado por falta de fundamentação. Insiste na substituição do imóvel pe
nhorado por títulos da dívida pública, porque a execução há de ser feita da
forma menos gravosa para o executado e, embora de demorado recebimento,
o título não é ilíquido; outrossim, na gradação do art. 655 do CPC, os tí
tulos estão em terceiro lugar, enquanto 'os imóveis se acham na quinta po
sição. Aponta violação aos arts. 165,620,655, III, 672 e 673, do CPC, além de divergência jurisprudencial.
Admitido o recurso, com as contra-razões, vieram-me os autos.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): A regra
do art. 165, segunda parte, do Código de Processo Civil, é a aplicável para o caso de decisão de indeferimento da substituição da penhora. Sua interpretação deve ser feita em conformidade com o disposto no art. 154 do
mesmo diploma, exigindo-se do ato, apenas, que "de forma idônea alcance seus objetivos, seguindo a regra de liberdade de forma", como constou do
r. acórdão recorrido. Na espécie, o executado não teve nenhuma dificulda
de para compreender a razão da negativa, pois era bem evidente que se tratava de título de duvidosa liquidez, e a falta de explicitação daquela decisão indeferitória não dificultou ao interessado a interposição do recurso de agravo, em que expôs a sua pretensão, nem ao Tribunal apreciar a questão
e dar ao caso esclarecedora solução, com o que ficou bem satisfeita a exi
gência de fundamentação das decisões judiciais. Anular aquele primeiro ato,
depois da motivada manifestação do egrégio Tribunal, seria mero apego ao
formalismo. Além disso, o julgamento proferido pelo egrégio Tribunal substituiu a decisão, suprindo eventual falta de fundamentação (art. 512, CPC).
Quanto ao pedido de substituição por título da dívida pública, já assim votei no AgRg no Ag n Q
• 25.657-SP:
"A disposição do artigo 655, inciso III, do Código de Processo Civil deve ser interpretada dentro do sistema legal onde está inserida,
relativo à execução judicial dos débitos. Nesse sistema, vigora o princípio de que o credor tem direito de obter do Estado, através do juiz, a execução forçada da dívida e receber o seu crédito em moeda, com
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376 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a alienação dos bens extraídos do patrimônio do devedor. Nessa perspectiva, não viola a lei a decisão judicial que deixa de aceitar a nomeação à penhora de títulos da dívida agrária ainda não vencidos e, portanto, não exigíveis.
Isto posto, nego provimento."
No caso dos autos, o título apresentado em substituição foi emitido nos termos do Decreto n.Q. 17.499, do ano de 1926, pelo valor de face, "um conto de réis", sem qualquer segurança quanto à sua liquidez. Depois de
mais de onze anos de processo executivo, transferir a constrição para um título cujo pagamento o executado não foi capaz de obter, embora velho de mais de setenta anos, seria conduzir o processo de modo. extremamente gravoso para o credor.
Por isso, nas circunstâncias dos autos, assim como retratadas no r. acórdão, "não se sabendo se haverá valor nominal e até mesmo real", a segurança do juízo justificava a denegação do pedido de liberar o bem imóvel penhorado, pois a ordem estabelecida pelo art. 655, IIl, do CPC, não é absoluta.
A divergência não ficou demonstrada, pois inexiste esclarecimento suficiente sobre a similitude de natureza dos títulos sobre os quais versaram os precedentes.
Posto isso, não conheço.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N.2. 221.835 - DF (Registro n.Q. 99.0059317-0)
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo
Recorrente: Expand Importação Exportação e Comércio Ltda
Advogados: João Batista Brito Pereira e outros
Recorrido: Supermercado Panelão Hortigrangeiro Ltda
Advogados: Samir Jorge Caire e outro
EMENTA: Comercial - Habilitação de crédito em falência - Demonstração da origem do crédito - Decreto-Lei n.\!. 7.661/1945, art.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 377
82 - Cheque - Abstração e autonomia - Causa debendi - Discussão
- Excepcionalidade - Precedentes - Recurso provido.
I - A discussão da relação jurídica subjacente à emissão de che
que é permitida se houver sérios indícios de que a obrigação foi cons
tituída em flagrante desrespeito à ordem jurídica ou se configurada
a má-fé do possuidor do título.
H - A falta de causa que justifique a exigência do título pode
ser alegada e provada pelo devedor que participou diretamente do negócio jurídico realizado com credor.
IH - A demonstração da origem do crédito, exigida pelo art. 82 do Decreto-Lei n!!. 7.661/1945, deve ajustar-se à abstração e autono
mia do cheque. Se, de um lado, o título representa, por si só, o dé
bito e já denota a obrigação do falido, de outra ponta a verificação
dos créditos, na falência, tem por objetivo aferir a legitimidade dos
mesmos, de modo a impedir fraudes e abusos.
IV - Na espécie, não havendo indícios de desrespeito à ordem
jurídica, nem alegação, da parte do devedor, de falta de causa, mos
tra-se descabida a exigência de que o credor declare a origem do negócio que travou com falido e que ocasionou a emissão dos cheques.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e
dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Mon
teiro, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior. Ausente, justifica
damente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 21 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Relator.
Publicado no DI de 03.11.1999.
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: A recorrente ajuizou
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
378 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
execução contra o recorrido, com base em quatro cheques por este emiti
dos, no valor total, em maio de 1995, de R$ 26.596,00 (vinte e seis mil, quinhentos e noventa e seis reais). Nomeado bem à penhora, pelo devedor,
foram os autos remetidos à Vara de Falências, em face da decretação da que
bra do recorrido.
Convolada a execução em habilitação de crédito, o juiz de primeiro
grau julgou improcedente o pedido, tendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal desprovido a apelação da credora em acórdão com esta ementa:
"Comercial. Falência. Habilitação de crédito representado por
cheque. Recusa de clara indicação da origem da dívida. Pedido inde
ferido. Improvimento da apelação.
1. Os princípios da autonomia e abstração dos títulos de crédito
sofrem limitações, em se tratando de habilitação em falência, sendo
exigência legal inafastável a comprovação da origem da dívida (LF, art. 82), merecendo prestigiada a sentença que, ante a recusa do habi
litante, recusa o pedido.
2. Apelo improvido."
Contra esse acórdão a habilitante interpôs recurso especial, apontando divergência jurisprudencial e violação dos arts. 82 da Lei de Falências,
1 J\ item 2Q, da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (promulgada pelo Decreto
nQ 57.595/1966), e 1Q, lI, 13 e 15, da Lei nQ 7.357/1985 (Lei do Cheque).
Sustenta a recorrente que:
a) o cheque, por si só, é suficiente para demonstrar a origem do crédito, nos termos da exigência da lei falimentar, sendo dispensável a prova
do negócio que lhe deu origem;
b) o título possui autonomia e abstração em relação à causa debendi;
c) os cheques que instruíram a habilitação de crédito já eram obje
to de execução antes da decretação da falência, nunca tendo sido questio
nada a legitimidade desses títulos.
Indica como paradigmas os REsps n illi 37.686-RS (DJ de 24.03.1997)
e 4.643-MG (DJ de 29.10.1990), ambos no sentido da inviabilidade, "em
princípio", de se discutir o negócio subjacente.
Sem as contra-razões, foi o recurso especial admitido na origem.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 379
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): 1. Dispõe o art. 82 da Lei de Falências (Decreto-Lei nQ. 7.661/1945), no que interes
sa:
"Art. 82. Dentro do prazo marcado pelo juiz, os credores comerciais e civis do falido e, em se tratando de sociedade, os particulares dos sócios solidariamente responsáveis, são obrigados a apresentar, em cartório, declarações por escrito, em duas vias, com a firma reconhecida na primeira, que mencionem [ ... ] a importância exata do crédito, a sua origem, a classificação que, por direito, lhes cabe, as garan
tias que lhes tiverem sido dadas, e as respectivas datas, e que especifiquem, minuciosamente, os bens e títulos do falido em seu poder, os
pagamentos recebidos por conta e o saldo definitivo na data da declaração da falência [ ... ]."
A controvérsia reside na suficiência ou não dos cheques para esclarecer a origem do crédito da recorrente, na necessidade ou não de explicitação do negócio que deu causa à emissão dos títulos. No caso, a legitimidade e a higidez dos cheques não foram impugnadas pelo devedor, permanecendo íntegros na sua eficácia de títulos executivos. Em outras palavras, não se questionou a relação jurídica subjacente à emissão dos cheques.
Sobre o ponto, esta Corte se pronunciou, no REsp nJ:!. 18.995-SP (DJ de 03.11.1992), Relator o Ministro WaldemarZveiter, assim ementado:
"Civil. Concordata preventiva. Habilitação. Cheque. Ordem de pagamento. Eficácia de título de crédito. Art. 82 do Decreto-Lei nJ:!. 7.661/1945.
I - Consoante afirma a doutrina, 'deve a declaração conter a origem do crédito. Essa exigência é de suma importância e se acha consagrada nas legislações falimentares. É um meio fácil de controlar a legitimidade dos créditos. O credor que não explica satisfatoriamen
te a causa ou origem do seu crédito, ou lhe atribui causa diversa, deve ser excluído'.
II - Tem-se que, no caso, o cheque permaneceu com sua nature
za e eficácia de título de crédito íntegra, eis que, na fase instrutória, não logrou o recorrente desnaturá-la. Razão suficiente para que, como ordem de pagamento de efeito cambiário, fosse habilitado."
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
380 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em doutrina, anota Trajano de Miranda Valverde:
"Por 'origem' se entende, em princípio, o negócio, o fato ou as circunstâncias de que provém a obrigação do falido. É a causa eficiente (causa efficiens), a causa certa, como diz o art. 120, lII, do Código Comercial, da qual deriva a obrigação. Daí ser necessário, ainda mesmo para aqueles créditos que se materializam nos documentos,
que lhe servem de forma legal (letras de câmbio, notas promissórias), a denúncia da causa que provocou o seu nascimento." (Comentários à
Lei de Falências, volume lI, Rio de Janeiro, Forense, 1948, nll. 556, p. 14).
2. Por outro lado, é de salientar-se que "a abstração é característica intrínseca do cheque, em função da qual os direitos de crédito decorrentes
do título dele se apartam e tomam independência, ou seja, o cheque vale por si mesmo, desgarrando-se de sua causa precursora", conforme assinalei no REsp nll. 122.088 (DJ de 24.05.1999), ao proferir voto, como Relator. No
tema, a lição de João Eunápio Borges:
"Como salienta Ascarelli, a relação fundamental - compra e venda, mútuo, desconto, etc. - permanece imóvel entre as partes que nela
intervieram: o que circula é exclusivamente o título, portador do direito cartular no qual, ao adquirir o título, cada possuidor se investe, de modo originário, autônomo e independente." (Títulos de Crédito, 2" edição, Rio de Janeiro, Forense, 1971, nll. 8, p. 16).
Na mesma linha, a doutrina de Fran Martins:
"Abstratos são os direitos incorporados no título que não se ligam ou dependem do negócio que deu lugar ao nascimento do mesmo título. Natural é que, para ser criado um título de crédito, haja
anteriormente um negócio jurídico, a que no direito creditório se dá também o nome de relação fundamental. Mas, em certas espécies de
títulos, esse negócio ou relação fundamental se desprende do documento que, uma vez criado e posto em circulação, passa a valer por
si mesmo." (Títulos de Crédito, volume I, 5" edição, Rio de Janeiro,
Forense, 1987, nll. 8, p. 29).
A respeito, expressa a Lei n" 7.357/1985 que "as obrigações contraídas do cheque são autônomas e independentes" e que "o emitente garante o
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 381
pagamento, considerando-se não escrita a declaração pela qual se exima
dessa garantia" (arts. 13 eIS).
3. Sob outra perspectiva, há que se considerar que não se trata de prin
cípio absoluto. A mesma lei prevê, nos arts. 35 e 36, a possibilidade de re
vogação do pagamento do cheque ou sustação, desde que o emitente indi
que "as razões motivadoras do ato" ou que a oposição se funde "em rele
vante razão de direito".
Quanto à relatividade de se discutir a relação causal na execução
fundada em cheque, esta Corte tem se pronunciado no sentido de que so
mente é possível nos casos em que a obrigação se constituiu em flagrante
desrespeito à ordem jurídica e nas hipóteses de má-fé (REsp nl!. 137.944-
PR, DI de 05.10.1998) do possuidor da cártula, que poderia motivar a oponibilidade de exceções pessoais com o emitente. A propósito, o REsp n!2
37.686-RS (DI de 24.03.1997), de que fui Relator, trazido pela recorren
te para fins de comprovação do dissídio, com esta ementa, no particular:
"I - Em razão da abstração e da autonomia do cheque, inviável
discutir, em princípio, a sua causa debendi, a não ser que estejam
presentes sérios indícios de que a obrigação foi constituída em flagran
te desrespeito ao sistema jurídico."
o voto que proferi, na oportunidade, menciona o REsp n!2 4.643-MG
(DI de 24.03.1997), da Terceira Turma, com o mesmo entendimento, assim
ementado:
"Execução. Cheque. Causa debendi. Inadmissibilidade de inves
tigação em princípio. Divergência indemonstrada. Recurso não conhe
cido.
- Não se conhece de recurso especial em execução lastreada com
cheque, cuja investigação de causa debendi, em princípio, é afasta
da."
Ainda da Terceira Turma, e para demonstrar a inclinação do Tribunal em admitir o exame da causa debendi em se tratando de lide entre as partes
ongmanas, o REsp n!2 111.154-DF, da relatoria do Ministro Menezes Di
reito (DI de 19.12.1997), com esta ementa:
"Cheque. Embargos de devedor. Garantia. Investigação da causa.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
382 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Reconhecendo embora a divergência doutrinária e jurispru
dencial, não é razoável juridicamente admitir-se o cheque como cau
ção, como garantia, e negar-se a relação entre a garantia e a sua causa. Essa posição permitiria toda sorte de abusos, ocasionando o enri
quecimento sem causa, como no presente caso, no qual se ofereceu em
garantia um cheque de valor muito maior do que o efetivamente com
prometido.
2. Se a praxe no mercado aceita o cheque em garantia, vedar, em
tese, a investigação da causa debendi propiciaria um desequilíbrio na
relação jurídica entre partes, uma das quais, em casos de extrema ne
cessidade, ficaria a depender do arbítrio da outra. Se o cheque ganhou
essa dimensão, fora do critério legal, que tanto não regulou, é impe
rativo extrair a conseqüência própria, específica. Por essa razão, é que deve ser admitida a investigação da causa debendi.
3. Recurso especial conhecido, mas não provido."
4. Nesse passo, a exigência do art. 82 da Lei de Falências, de que o
credor demonstre a "origem do crédito", deve ajustar-se a essa abstração e
autonomia do cheque. Se, de um lado, o título representa, por si só, o dé
bito e já denota a obrigação do falido, de outra ponta a verificação dos créditos na falência tem por objetivo aferir a legitimidade dos mesmos, de
modo a impedir fraudes e abusos. A respeito, a lição de Salllpaio de Lacerda:
"Sua função [a da verificação de créditos] é a de não só estabe
lecer quais sejam os credores, como por que somas, quais as garantias reais, quais os créditos simples ou quais os subordinados a condi
ção ou termo. Por isso Bolaffio afirmava que a verificação de crédi
tos poderia ser considerada como um instituto de interesse público,
como o que visasse a impedir fraudes e abusos, que diretamente atingem a moralidade pública, mas que, evidentemente, visa mais de per
to o interesse da massa de credores." (Manual de Direito Falimentar, 121\ edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1985, n Q 125, pp. 180-181).
Na espécie, todos os cheques foram emitidos um ano antes de decre
tada a quebra, tendo a execução por título extrajudicial, fundada nesses títulos, iniciado quatro meses após a data da emissão. Ademais, como já as
sinalado, não houve impugnação da higidez dos cheques, nem se apontou
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 383
qualquer indício de fraude por parte do devedor. Neste sentido, o REsp n J2
122.088-SP (DJ de 24.05.1999), de minha relatoria:
"I - A discussão da relação jurídica subjacente à emissão de cheque é permitida se houver sérios indícios de que a obrigação foi cons
tituída em flagrante desrespeito à ordem jurídica ou se configurada a
má-fé do possuidor do título.
II - A falta de causa que justifique a exigência do título pode ser
alegada e provada pelo devedor que participou diretamente do negócio jurídico realizado com o credor."
In casu, não havendo indícios de desrespeito à ordem jurídica, nem alegação de falta de causa, de parte do devedor, mostra-se descabida a exi
gência de que o credor declare a origem do negócio que travou com o fa
lido e que ocasionou a emissão dos cheques.
5. À luz do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para julgar procedente o pedido de habilitação do crédito da recorrente,
determinando sua inclusão no quadro geral de credores da massa falida.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Srs. Ministros, também estou de acordo com a fundamentação expendida pelo eminente Relator, no sentido de que não há indício de emissão fraudulenta ou sem causa do
título apresentado.
RSTJ, Brasília, a. 12, (130): 307-383, junho 2000.