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Jurisprudência da Quarta Turma

Jurisprudência da Quarta Turma · JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 267 cautelar para comunicar efeito suspensivo a recurso especial, em ca sos excepcionais, conforme se extrai do

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Jurisprudência da Quarta Turma

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

MEDIDA CAUTELAR NQ 1. 728 - SP (Registro nJ:l. 99.0039662-6)

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

263

Requerente: Tinturaria e Estamparia Industrial de Tecidos Suzano S/A

Advogados: João Antônio César da Motta e outros

Requerido: Banco Noroeste S/A

EMENTA: Processo Civil - Recurso especial retido - Lei n Q

9.756/98 - Teleologia - Hermenêutica - CPC, arts. 542, § 311, e 526 -

Julgamento - Possibilidade - Exceções - Cautelar - Liminar conce­dida monocraticamente pelo Relator referendada pela Turma.

I - Cuida a nova sistemática, introduzida pela Lei n ll 9.756/98, em "evitar que processos, nos quais ainda não proferida decisão fi­nal nas instâncias ordinárias, subam uma ou mais vezes ao Supre­mo Tribunal Federal e/ou ao Superior Tribunal de Justiça para a de­finição de questões concernentes a decisões interlocutórias, a saber, decisões que no curso do processo resolvem questões incidentes (CPC, art. 162, § 211)". A celeridade e a economia nortearam essas recentes modificações normativas, de modo a privilegiar a efetivi­dade da prestação jurisdicional.

II - Não se pode, todavia, interpretar a lei sem ter em conta a finalidade que a direciona. Com efeito, há situações em que a per­manência do recurso especial retido nos autos pode frustrar a en­trega da tutela jurisdicional do Estado, inclusive causando dano de difícil ou incerta reparação.

III - Presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, res­ta referendada pela Turma a liminar concedida pelo Relator, com o objetivo de comunicar efeito suspensivo ao recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, referendar a liminar concedida. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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264 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Brasília-DF, 15 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.

Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DI de 16.08.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuida­se de cautelar ajuizada neste Tribunal, na qual concedi liminar comunicando efeito suspensivo a recurso especial.

Submeto ao referendum da Turma, nesta oportunidade, a decisão pro­ferida.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): A decisão que proferi restou assim redigida:

"1. Trata-se de medida cautelar ajuizada com vistas a atribuir efeito suspensivo a recurso especial interposto, mas ainda não proces­sado, contra acórdão do 2!.l Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que não conheceu de agravo de instrumento manifestado contra decisão que deferiu busca e apreensão liminar de bens alienados fiduciaria­mente. Entendeu o Colegiado de origem que deveria a agravante 'com­provar no tribunal a comprovação realizada em primeira instância' em relação ao disposto no art. 526, CPC.

Diante do não conhecimento do agravo, restou cassada a liminar então concedida pelo eminente Relator do acórdão impugnado, assim redigida:

'A inicial veio devidamente instruída, notadamente com o laudo técnico de fl. 34, por meio do qual se comprova que as máquinas alienadas fiduciariamente à agravante são de grande porte e se encontram instaladas sobre concreto armado. Sendo que, a remoção das mesmas necessitará demolição parcial do lo­cal onde se encontram, valendo, ainda, ressaltar que referidos bens são indispensáveis à atividade econômica da devedora.

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Assim, concedo a liminar requerida para dar efeito suspen­

sivo ao agravo até decisão final, ficando o representante legal da

agravante nomeado depositário dos bens, mediante compromisso

a ser lavrado em primeiro grau. Oficie-se comunicando.'

Sustenta a requerente, em primeiro lugar, que efetivamente cum­

priu, na primeira instância, a determinação do art. 526 e que não po­

deria o tribunal, de ofício, exigir que se comprovasse, também perante

ele, a mencionada exigência.

No mais, postula pela manutenção da decisão que concedeu efeito

suspensivo ao agravo, afirmando que o 'bem objeto da alienação

fiduciária trata-se de imóvel por acessão, além de ser indispensável ao

desenvolvimento de sua atividade econômica', acrescentando que a re­

vogação da liminar poderia acarretar grave lesão à empresa.

2. Inicialmente, impende registrar que o recurso especial foi in­

terposto contra acórdão proferido em agravo de instrumento nos au­

tos de ação de busca e apreensão, incluindo-se, assim, na modalidade retida prevista no art. 542, § 311., CPC.

Por outro lado, o escopo da nova sistemática, introduzida pela

Lei nll. 9.756/98, conforme pude assinalar em sede doutrinária, é 'evi­tar que processos, nos quais ainda não proferida decisão final nas ins­

tâncias ordinárias, subam uma ou mais vezes ao Supremo Tribunal Fe­

deral e/ou ao Superior Tribunal de Justiça para a definição de ques­

tões concernentes a decisões interlocutórias, a saber, decisões que no

curso do processo resolvem questões incidentes (CPC, art. 162, § 211.)'.

Destarte, a celeridade e a economia nortearam essas recentes modifi­cações no processo civil, de modo a privilegiar a efetividade da pres­

tação jurisdicional.

No entanto, não se pode conceber a letra da lei sem ter em con­

ta a finalidade que a direciona. Com efeito, há situações em que a per­

manência do recurso especial retido nos autos pode frustrar o exame

da questão pelo Poder Judiciário, como, por exemplo, em face de dano

irreparável ou de difícil reparação e de lesão ou efetiva ameaça a di­reito.

O afastamento dessas questões da apreciação do Judiciário esgar­çaria o princípio constitucional da inafastabilidade do controle juris­

dicional, que 'garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não

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pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão

fundada no direito e pedir solução para ela' (Araújo Cintra, Antô­

nio Carlos de, et aI., Teoria Geral do Processo, 13a ed. rev. e atual.,

São Paulo: Malheiros, 1997, n.Q. 65, p. 138). Noutro trecho da mesma

obra (n.Q. 8, p. 34), expressam os seus ilustres autores:

'A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias)

e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque

uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados

harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz

as partes à ordem jurídica justa. O acesso à Justiça é, pois, a idéia

central a que converge toda a oferta constitucional e legal des­ses princípios e garantias.'

A não admissão da cautelar, nessas hipóteses, com efeito, ense­

jaria lacuna na prestação jurisdicional, conforme define Galeno

Lacerda:

'Resta suprir uma lacuna importante: qual a competência

para processar e julgar as cautelas nos períodos intermediários de

tramitação do processo? Trata-se das fases em que aparentemen­

te desaparece ou se oculta a jurisdição integral sobre a causa,

como depois da publicação da sentença de primeiro grau até dis­

tribuir-se ao Relator a apelação, ou depois do julgamento desta

ou dos embargos até o retorno do proceso ao juízo a quo, com­preendendo-se, neste hiato, a interposição de eventual recurso ex­

traordinário ou especial, perante o tribunal recorrido' (Comen­

tários ao Código de Processo Civil, 7a ed., Rio de Janeiro: Fo­rense, 1998, n.Q. 46, p. 206).

Assim, se o recurso especial permanece retido e há risco de dano,

a medida cautelar deve ser requerida a esta Corte, nos termos do art.

800, parágrafo único, do Código de Processo Civil, alterado pela Lei

n.Q. 8.952/94. Em outras palavras, a excepcionalidade dos casos concre­

tos deve ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de

cautelar, quando se tratar de recurso especial retido (art. 542, § 3.Q.,

CPC, com a redação dada pela Lei n.Q. 9.756/98).

Aliás, a jurisprudência desta Corte admite o ajuizamento da

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 267

cautelar para comunicar efeito suspensivo a recurso especial, em ca­

sos excepcionais, conforme se extrai do AgRg MC n!2. 535-SP (DJ de

09.12.96), de que fui Relator, com esta ementa:

'Cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial. Liminar con­

cedida e referendada pela Turma. Agravo desprovido.

- Constitui jurisprudência assente na Corte que não se deve prodigalizar a concessão de cautelares para comunicação de efeito

suspensivo a recursos a ela destinados e desprovidos de tal eficá­

cia. Não menos certo, também, que a medida merece abrigo quan­

do presentes os pressupostos jurídicos do seu deferimento, espe­

cialmente quando satisfatoriamente demonstradas circunstâncias

fáticas que induvidosamente podem ensejar lesão de incerta repa­

ração.'

Diante disso, tendo como cabível, no caso, o ajuizamento da pre­sente cautelar.

3. Relativamente ao mérito, é cediço que a concessão da liminar em ação cautelar, inclusive nesta instância, se sujeita à configuração

do fUlllUS boni iuris e do pericululll in lllora. No caso, o que se

pretende é restabelecer a decisão que sustou os efeitos da liminar de

busca e apreensão dos bens alienados fiduciariamente, até o julgamento

do recurso especial interposto nos autos de agravo de instrumento.

Quanto ao primeiro dos requisitos, vislumbro-o na orientação que

veio a prevalecer nesta Turma no sentido de que 'não cabe ao Relator

do recurso a iniciativa de exigir a comprovação a que se refere o art.

526 do Código de Processo Civil' (REsp n!2. 184.456-MG, DJ de

05.04.99, Relator o Ministro Barros Monteiro).

Não se nega, é bem verdade, que já se decidiu que o agravante

deve demonstrar no Juízo de origem que interpôs o recurso no tribu­

nal juntando na primeira instância cópia das suas razões e a relação dos

documentos que a acompanharam, tendo assinalado que o não cumpri­mento da incumbência no prazo de três dias acarreta a ausência de re­

gularidade formal, autorizando o não conhecimento do agravo. A pro­

pósito, o REsp nD. 148.770-SP, de minha relatoria, julgado êm

13.10.97, assim ementado:

'- A não observância do disposto no art. 526 do Código de

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Processo Civil leva à ausência de pressuposto de admissibilidade

recursal, impondo o não conhecimento do recurso.'

No caso em exame, entretanto, a situação é diferente.

O acórdão recorrido entendeu que o recorrente também deveria comprovar na segunda instância que cumpriu a determinação do art.

526, CPC. E diante da falta de manifestação do recorrente, exercitou juízo de admissibilidade negativo no agravo.

Equivocou-se, data venia, o egrégio Tribunal. Primeiro, ao inti­mar o agravante a juntar aos autos do recurso a comprovação de ter realizado a obrigação do referido artigo 526, sem provocação da par­

te interessada ou manifestação do juiz da causa, já que se trata de nu­lidade relativa. Segundo, e sobretudo, ao desconsiderar, mesmo depois de devidamente demonstrado, em sede de embargos de declaração, que, no prazo legal dos três dias que se seguiram à interposição do

agravo, o agravante cumpriu a mencionada exigência.

4. Ainda quanto ao fUIDUS boni iuris, é de assentar-se que, nos termos de precedente da Turma, 'as máquinas indispensáveis à atividade industrial da empresa devedora, apreendidas em ação de busca, podem permanecer na posse da ré enquanto tramita o processo, até o momento da efetivação da venda' (RMS nQ 5.038-PR, DJ de 27.03.95). No caso

dos autos, isto restou evidenciado tanto pelo eminente Relator, ao con­ceder a liminar de efeito suspensivo ao agravo, como pelo laudo ane­xado à petição de agravo.

5. O periculuID in IDora, por sua vez, estaria no prejuízo advindo com a paralisação da produção da requerente. Com efeito, re­tirado o maquinário da posse da empresa, única que dele pode dispor com utilidade e proveito, inclusive para produzir com o objetivo de quitar suas obrigações com o banco, haveria dano imediato ao normal desenvolvimento da sua atividade criadora de riquezas, sem que disso

resultasse benefício ao autor da ação; ao contrário, o mais provável é que o desuso determinasse a sua natural deterioração. A propósito, con­fira-se o REsp nQ 121.109-SC (DJ de 05.10.98), por mim relatado,

com esta ementa, no que interessa:

'lI - Em se tratando, entretanto, de bem essencial ao desem­penho da atividade econômica da empresa devedora, podendo a retirada imediata acarretar até mesmo a completa paralisação de

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suas funções, admite-se que ele fique em depósito com o arren­datário até que seja resolvida a ação possessória. Se a conseqüên­cia da antecipação dos efeitos da sentença for excessivamente drástica, melhor que a situação permaneça no estado em que se

encontra.'

6. À luz do exposto concedo a liminar requerida, ad referenduIll, para, emprestando efeito suspensivo ao recurso especial, restabelecer a decisão que suspendeu os efeitos da liminar de busca e apreensão, até o julgamento final do recurso especial em tela.

Comunique-se esta decisão, por fax, ao eminente Presidente do 211 Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, encaminhando-se posterior­mente pelos Correios o competente ofício.

Cite-se o Banco Noroeste S/A, por via postal, no endereço for­necido na inicial, com as cautelas legais.

7. Regularize a autora sua representação processual, em 10 (dez)

dias, juntando aos autos instrumento procuratório em original ou em cópia autenticada, sob pena de indeferimento da inicial (art. 284,

CPC)."

Acrescento que não houve nenhuma modificação no estado dos fatos desde a data dessa decisão e que o recurso especial correspondente ainda não foi julgado.

Mantenho o entendimento exposto.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL N.Il. 4.836 - SlP (Registro n ll 90.0008593-4)

Ministro Cesar Asfor Rocha

Euphly Jalles (espólio)

José Augusto Sundfeld Silva e outros

Takuso Nishi e outros

Osmair Aparecido Picoli e outros

EMENTA: Civil - Evicção e indenização - CUIllulação - Possi­bilidade.

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Ainda que seja irrelevante a existência ou não de culpa do

alienante para que este seja obrigado a resguardar o adquirente dos

riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressalllen­

te esta responsabilidade, nada illlpede que o adquirente busque o

ressarcilllento talllbélll COlll base na regra geral da responsabilida­

de civil contida nos arts. 159 e 1.059 do Código Civil.

"A pretensão de silllples reexallle de prova não enseja recurso especial." (Súlllula n Q 7 -STJ).

Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re­

curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro

Barros l\l1onteiro.

Brasília-DF, 15 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.

Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 18.10.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Os ora recorridos -

Takuso Nishi e outros ajuizaram ação ordinária de indenização contra o

agora recorrente espólio de Euphly Jalles, alegando que adquiriram do fa­

lecido Euphly Jalles glebas de terras na então Fazenda Ponte Pensa.

Entretanto, em face de outra ação judicial, o referido Euphly Jalles veio

a perder para o terceiro Alcides do Amaral Mendonça os direitos que tinha

sobre aquelas glebas alienadas aos autores, ora recorrentes, e estes, em ra­

zão disso, ajuizaram embargos de terceiro contra Alcides.

Nesses embargos, os ora recorrentes saíram vencidos e tiveram que en­

tregar a terra para o então embargado, bem como de indenizá-lo na meta­

de das custas e das despesas processuais com os peritos; ademais, perderam

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 271

metade das benfeitorias úteis e das suntuárias realizadas a partir da contes­

tação dos embargos, além da restituição, ou o pagamento do equivalente, da

metade dos frutos colhidos a partir da contestação dos embargos, deduzidas as despesas de produção e custeio, e a entrega da metade dos frutos penden­

tes à época do trânsito em julgado da decisão.

Ao fundamento de que ninguém pode vender o que não tem, e tendo

Euphly Jalles vendido aos ora recorrentes terras que em virtude de decisão

judicial foram perdidas para Alcides, teriam os compradores-recorrentes di­

reito à indenização por evicção e também em razão do disposto no art. 159

do Código Civil, indenização essa que deveria abranger; o preço atualiza­

do das terras, bem como das benfeitorias ali erigidas, e mais o valor cor­

respondente à metade dos frutos que colheram a partir de 1966 até março de 1985, e os honorários advocatícios pagos no curso daqueles embargos e nas demais medidas judiciais e extrajudiciais decorrentes do litígio sobre

referidas terras, das custas e despesas desta ação, tudo a ser apurado em li­quidação de sentença.

Ao contestar o feito, o réu, dentre outras postulações, requereu, em preliminar, a sua extinção aduzindo que os autores, por pretenderem uma

indenização em razão da evicção, deveriam, por ocasião da propositura dos

embargos de terceiro interpostos contra Alcides, ter notificado o alienante,

conforme determinaria o Código de Processo Civil de 1939, e como isso não

fizeram não poderiam reclamar em ação autônoma aludida indenização.

Ademais, no mérito sustentaram fundamentalmente que a indenização com

fincas no artigo 159 do Código Civil seria incabível quando se trata, como

no caso, de evicção, já que a lei material civil possuiria normas específicas

a respeito da evicção, não se podendo, assim, remeter a indenização aqui

tratada para as regras gerais do referido artigo 159.

Registro que Euphly trabalhara como agrimensor na divisão da Fazen­

da Ponte Pensa em 1931 e para reclamar seus honorários de agrimensor ajui­

zou ação executiva, na qual se penhorou o quinhão objeto da presente pendenga que veio a ser arrematado pelo próprio Euphly, não tendo a car­

ta de arrematação sido expedida à vista dos embargos de terceiro interpos­

tos, com sucesso, pelo credor hipotecário.

A r. sentença de fls. 512/526 julgou extinto o processo sem julgamento

de mérito, por entender que "não pode aquele que tem direito a uma inde­

nização pela evicção, postular, com origem nos mesmos fatos, ressarcimento por perdas e danos em razão de ter o alienante agido com culpa", sendo

que, sob a sistemática da legislação processual civil anterior, os autores não

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272 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

efetivaram a necessária notificação do alienante nos embargos de terceiro

que ajuizaram, por meio do instituto do chamamento à autoria.

Por sua vez, a egrégia 1 li Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Es­

tado de São Paulo deu parcial provimento à apelação dos autores, afastan­

do a extinção do processo, sem julgamento de mérito, para que a demanda

fosse examinada e decidida em sua integralidade. Sob o fundamento de que

se afigura plenamente admissível o concurso de pedidos, o v. aresto com­

batido asseverou que "se o agir com culpa exclui a evicção, nada impede

que as duas causas de pedir sejam invocadas com caráter eventual, ou seja,

se a primeira causa de pedir (evicção) não fundamentar a procedência do

pedido de ressarcimento, passa-se à apreciação da segunda causa de pedir,

que pode ou não propiciar o atendimento ao pedido indenizatório. O que

é necessário é não esquecer o caráter de eventualidade, que pode ocorrer na

cumulação de causas de pedir, ou na cumulação (eventual) de pedidos" (fi.

557).

O egrégio Tribunal a quo afastou também a necessidade da interven­

ção do terceiro responsável para garantir aos adquirentes o direito à inde­

nização pela evicção.

No tocante à necessidade da intervenção do terceiro responsável para

garantir aos adquirentes o direito à indenização pela evicção, consignou o

decisUlll:

"N o caso vertente, é sabido que a evicção não ocorreu nos em­

bargos de terceiro, opostos pelos ora autores, na execução do r. julga­

do, relativo à arrematação e à prescrição da ação executiva de hono­

rários de agrimensor. A invalidade da aquisição é derivada, tendo como

causa a invalidade da arrematação, decorrente do reconhecimento da

prescrição da pretensão executiva, no caso, prescrição intercorrente.

Após v. acórdão da colenda Suprema Corte, a compra e venda de ter­

ras estava com a situação dos adquirentes e do alienante definida. Foi

contra a ameaça ou a efetivação de desocupação que os ora autores

opuseram os citados embargos de terceiro. Sustentaram domínio, tendo

como antecedente o do alienante, sendo que esse domínio ficou

desnaturado com a prescrição da execução, reconhecida pela Suprema

Corte. Sustentaram a prescrição aquisitiva, ou seja, a ocorrência de

usucapião. Apenas um deles obteve êxito. E na sentença ficou reconhe­

cido que o dito alienante não tinha posse das terras, mas apenas a tença

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 273

delas, ou seja, era detentor ou tenedor das mesmas (fl. 56). Além dis­

so, ficou reconhecido que os embargantes não eram legítimos proprie­

tários ou possuidores das áreas que ocupavam. Mas, de qualquer for­

ma, a sorte dos adquirentes estava selada, desde a famosa decisão do

colendo Supremo Tribunal Federal.

Assim sendo, fica a indagação: para que notificar o alienante,

quando dos referidos embargos de terceiro? Teria tido oportunidade

para procurar evitar a evicção, quando a perda das terras adquiridas era

uma conseqüência da reconhecida invalidade da arrematação? Não foi

nos citados embargos de terceiro, opostos pelos adquirentes, que o

alienante passou a ficar evicto. Já estava.

O chamamento à autoria, nos citados embargos de terceiro, era

supérfluo, sendo que o alienante poderia ajudar os embargantes na ten­

tativa de subtração à constrição judicial ou no reconhecimento da

prescrição aquisitiva. Ademais, naquela 'execução' (desocupação) o

alienante não poderia ser considerado 'terceiro', pois participara como

exeqüente e como tal figurava, quando a prescrição da pretensão exe­

cutiva foi reconhecida. Decidiu-se que 'o chamamento à autoria não é

necessário quando o réu na ação de evicção foi parte na ação em que

foi o autor despojado dos bens, como condômino que era' (RF 86/388).

Aqui, o alienante foi parte no processo, em que se decidiu pela inva­

lidade da arrematação. E dessa invalidade deriva a da aquisição das

terras. Logo, o chamamento não era necessário quando dos referidos

embargos.

Se supérfluo e desnecessário o chamamento à autoria, diante do

que ficara decidido na Suprema Corte, não se pode concluir que os

autores perderam o direito de reclamar qualquer indenização pela

evicção apontada na inicial desta demanda." (fls. 558/560).

Acolhidos em parte os declaratórios, adveio o recurso especial, com

fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Para tanto, alega

o espólio ter o v. acórdão contrariado o disposto nos arts. 159, 1.059 e 1.107

a 1.117 do Código Civil, pois a indenização pela evicção possui como

pressuposto a notificação do responsável, sob a forma de seu chamamento

à autoria, que não foi levada a efeito, sendo que não se pode aplicar à

evicção, que tem tratamento especial, a disciplina geral de indenização.

Aduz, ainda, ter o aresto divergido do entendimento sufragado por outras

Cortes do País.

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274 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o recorrido não ofereceu contra-razões no prazo legal, consoante se

verifica da certidão de fi. 589.

o recurso foi admitido na origem, indo ao douto Ministério Público

Federal, que ofereceu parecer pelo conhecimento e improvimento do re­

curso pela alínea a e pelo seu não conhecimento pela alínea c.

Recebidos no meu gabinete em 4 de fevereiro de 1999, e remetidos

para a inclusão em pauta no dia 17 de maio do mesmo ano.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): O recurso não

merece acolhida.

A uma, porque a extinção do processo, sem julgamento do mérito, foi

bem afastada, para que a demanda fosse examinada e decidida em sua

integralidade uma vez que se afigura plenamente admissível o concurso de

pedidos pois ainda que seja irrelevante a existência ou não de culpa do

alienante para que este seja obrigado a resguardar o adquirente dos riscos

da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta respon­

sabilidade, nada impede que o adquirente busque o ressarcimento também

com base nas regras gerais da responsabilidade civil contidas nos arts. 159

e 1.059 do Código Civil, pois, "nada impede que as duas causas de pedir

sejam invocadas com caráter eventual, ou seja, se a primeira causa de pe­

dir (evicção) não fundamentar a procedência do pedido de ressarcimento,

passa-se à apreciação da segunda causa de pedir, que pode ou não propi­

ciar o atendimento ao pedido indenizatório. O que é necessário é não es­

quecer o caráter de eventualidade, que pode ocorrer na cumulação de causas

de pedir, ou na cumulação (eventual) de pedidos" (fi. 557).

A duas, porque, a desconstituição do decidido pelo egrégio Tribunal

a quo no ponto que deu por desnecessária a intervenção do terceiro (recor­

rente) responsável para garantir aos adquirentes (recorridos) o direito à in­

denização pela evicção, envolve revolvimento de prova o que encontra o

intransponível empeço decorrente do Enunciado n!l 7 da Súmula-STJ, se­

gundo o qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso

especial", em vista de as instâncias ordinárias decidirem soberanamente

sobre os fatos da causa.

Ainda que assim não fosse, a participação seria mesmo dispensável,

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 275

conforme restou bem demonstrado pelo v. decisuIll hostilizado, nessas pas-

sagens:

"No caso vertente, é sabido que a evicção não ocorreu nos em­

bargos de terceiro, opostos pelos ora autores, na execução do r. julga­

do, relativo à arrematação e à prescrição da ação executiva de hono­

rários de agrimensor. A invalidade da aquisição é derivada, tendo como

causa a invalidade da arrematação, decorrente do reconhecimento da

prescrição da pretensão executiva, no caso, prescrição intercorrente.

Após o v. acórdão da colenda Suprema Corte, a compra e venda de ter­

ras estava com a situação dos adquirentes e do alienante definida. Foi

contra a ameaça ou a efetivação de desocupação que os ora autores

opuseram os citados embargos de terceiro. Sustentaram domínio, tendo

como antecedente o do alienante, sendo que esse domínio ficou

desnaturado com a prescrição da execução, reconhecida pela Suprema

Corte. Sustentaram a prescrição aquisitiva, ou seja, a ocorrência de

usucapião. Apenas um deles obteve êxito. E na sentença ficou reconhe­

cido que o dito alienante não tinha posse das terras, mas apenas a tença

delas, ou seja, era detentor ou tenedor das mesmas (fl. 56). Além dis­

so, ficou reconhecido que os embargantes não eram legítimos proprie­

tários ou possuidores das áreas que ocupavam. Mas, de qualquer for­

ma, a sorte dos adquirentes estava selada, desde a famosa decisão do

colendo Supremo Tribunal Federal.

Assim sendo, fica a indagação: para que notificar o alienante,

quando dos referidos embargos de terceiro? Teria tido oportunidade

para procurar evitar a evicção, quando a perda das terras adquiridas era

uma conseqüência da reconhecida invalidade da arrematação? Não foi

nos citados embargos de terceiro, opostos pelos adquirentes, que o

alienante passou a ficar evicto. Já estava.

O chamamento à autoria, nos citados embargos de terceiro, era

supérfluo, sendo que o alienante poderia ajudar os embargantes na ten­

tativa de subtração à constrição judicial ou no reconhecimento da

prescrição aquisitiva. Ademais, naquela 'execução' (desocupação) o

alienante não poderia ser considerado 'terceiro', pois participara como

exeqüente e como tal figurava, quando a prescrição da pretensão exe­

cutiva foi reconhecida. Decidiu-se que 'o chamamento à autoria não é

necessário quando o réu na ação de evicção foi parte na ação em que

foi o autor despojado dos bens, como condômino que era' (RF 86/388).

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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276 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Aqui, o alienante foi parte no processo, em que se decidiu pela

invalidade da arrematação. E dessa invalidade deriva a da aquisição das

terras. Logo, o chamamento não era necessário quando dos referidos

embargos.

Se supérfluo e desnecessário o chamamento à autoria diante do

que ficara decidido na Suprema Corte, não se pode concluir que os

autores perderam o direito de reclamar qualquer indenização pela

evicção apontada na inicial desta demanda." (fls. 558/560).

Adotando esses mesmos fundamentos como razão de decidir, não co­

nheço do recurso.

RECURSO ESPECIAL NQ. 26.668 - SP (Registro nll 92.0021705-2)

Relator: Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrentes: Elisa Esther Pizzoti Ferreira Alves e outros, e Município de

São Paulo

Recorridos: Os mesmos e Eduíno Nunes e cônjuge

Advogados: Rubens de Barros Brisolla e outros, Maria Regina Ferro

Queiroz Penteado e outros, e José Roberto Dermínio

EMENTA: Civil. Margens de rios.

É de propriedade particular a faixa de servidão nas lllargens

de rios.

Recurso especial da Municipalidade de São Paulo não conheci­

do, sendo parciallllente conhecido e, nessa parte, provido o recurso

de Elisa Esther Pizzoti Ferreira Alves e outros.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re­

curso do Município de São Paulo e conhecer em parte do recurso interposto

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 277

por Elisa Esther Pizza ti Ferreira Alves e outros e, nessa parte, lhe dar pro­

vimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Bueno de Souza, Sálvio

de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.

B;asília-DF, P de dezembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente

Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 15.03.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: A Municipalidade de São Paulo, primeira recorrente, promoveu contra os recorridos do primei­ro recurso especial e ainda contra Eduíno Nunes uma ação reivindicatória tendo por objeto bens públicos municipais que seriam terrenos reservados ao longo do antigo leito do Rio Tietê, bem como os antigos álveos, cumu­

lando com pedido de indenização pela ocupação indevida dessas áreas pú­blicas, com o cancelamento dos respectivos registros imobiliários, alegan­do que os réus haviam invadido referidos terrenos.

Em primeira instância a ação foi julgada parcialmente procedente ape­nas para conceder à autora a entrega da parte dos imóveis inserta no álveo antigo, negando-se a indenização pleiteada e ainda a área reservada referen­

te às margens. Por outro lado, decidiu que se houver benfeitorias no local os ocupantes seriam indenizados, porque não demonstrada a má-fé, mas sem direito de retenção.

O egrégio Tribunal a quo, por seu turno, ordenou a devolução de to­dos os bens relacionados na inicial, invertendo os ônus da sucumbência, mantendo a negativa de indenização, dando por prejudicada a apelação dos

réus.

Por duas fundamentais razões todos os terrenos reivindicados foram entregues à autora: a primeira, referente à pequena área inserta no álveo

antigo, porque "o leito do Rio Tietê, como está afirmado, sem qualquer contestação, aliás fato conhecido de todos os paulistanos, foi faz já alguns

anos (e no trecho a perícia indica o ano de 1960) modificado por obras empreendidas pela Administração e no interesse público" (fi. 346); a segun­

da, porque os terrenos marginais reservados seriam bens públicos domini­cais, inclusive aqueles relativos ao antigo álveo.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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278 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Inconformada, a Municipalidade ingressou com recurso especial, com

fincas na letra c do permissor constitucional por pretendida divergência com os julgados que indica do então 1 J.l. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, sempre postulando pela indenização.

Os réus igualmente recorreram, com base nas letras a e c do permissor

constitucional por sugerida divergência com o julgado a que se reporta e por alegada violação aos arts. 11, 12 e 14 do Decreto nJ.l. 24.643/34 (Código de Águas) e aos arts. 530, II, e 536, IV, do Código Civil.

Os recursos foram admitidos na origem, tendo a douta Subprocura­

doria Geral da República opinado pelo não conhecimento de ambos os re­

cursos.

Era o de importante a relatar.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS FOR ROCHA (Relator): 1. O recurso da autora, Municipalidade de São Paulo, não pode ser conhecido pelo pre­

tendido dissídio pois não foi observado o disposto no parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil e no § 2J.l. do art. 255 do RISTJ, apre­

sentando-se falha a comprovação da desinteligência dos julgados, não ten­do o recorrente procedido a demonstração analítica das circunstâncias que

identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, impossibilitando a evi­dência da moldura fática norteadora das decisões que afirmou discrepantes, pois é imprescindível para a caracterização do dissídio jurisprudencial, por lógico, que os acórdãos ostentadores de díspares conclusões hajam sido pro­

feridos em idênticas hipóteses.

2. Quanto ao recurso dos réus, tenho como parcialmente procedente

o inconformismo.

3. Como visto, por duas fundamentais razões todos os terrenos reivin­dicados foram entregues à autora: a primeira, referente à pequena inserta no

álveo antigo, porque "o leito do Rio Tietê, como está afirmado, sem qual­quer contestação, aliás fato conhecido de todos os paulistanos, foi faz já al­

guns anos (e no trecho a perícia indica o ano de 1960) modificado por

obras empreendidas pela Administração e no interesse público" (fl. 346); a segunda, porque os terrenos marginais reservados seriam bens públicos do­

minicais, inclusive aqueles relativos ao antigo álveo.

Com relação ao primeiro grupo de terreno, alegam os réus que a au­

tora deveria ter feito prova de que desapropriara os terrenos onde está agora

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 279

o novo leito do Rio Tietê, bem como que teria registro imobiliário desses

terrenos em seu nome, pois só assim o terreno correspondente ao antigo

álveo a ela seria destinado, nos termos do disposto no art. 27 do Código de

Águas, como compensação pelas despesas que efetuara na desapropriação.

Como nada disso teria ocorrido, o alveus derelictus deveria ficar com

os proprietários ribeirinhos no comprimento da testada de sua proprieda­

de até a linha que divide o álveo ao meio, na aplicação do art. 26 daquele

Código.

Acontece que a primeira questão envolve reexame de prova, a que não se afeiçoa o recurso especial em face do Enunciado nU 7 da Súmula-STJ,

segundo o qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja re­curso especial ", em vista de as instâncias ordinárias decidirem soberana­

mente sobre os fatos da causa.

Ainda que assim não fosse, e apenas como reforço, o recurso não po­deria ser acolhido, nesse ponto, uma vez que essa questão já foi sepultada

no agravo de instrumento apenso, que afastou as preliminares levantadas

pelos réus .

. 4. Com relação ao segundo tópico, isto é, aos terrenos reservados, com razão os réus.

Adoto, como razão de decidir, nesse ponto, o voto que proferi como

Relator no REsp n!l. 36.317-9-SP, da egrégia Primeira Turma, em 06.04.94,

que se ajusta, com acurada harmonia, ao feito em tablado, a saber:

"O r. aresto hostilizado deixou consignado que 'é incontroverso

que os terrenos reservados, de que se trata, integram a área titulada pelos expropriados, nos termos do título aquisitivo registrado na Ma­

trícula nU 456 do CRI de Buritama. Isto quer dizer que, não houvera

a expropriação, deles poderiam os expropriados dispor livremente, e de maneira onerosa, como o fizeram ao gravar a gleba maior com a

hipoteca. Os mencionados terrenos marginais estão inseridos no direito dominial de que se viram os particulares despojados por força da ex­propriação' (fls. 425/426).

Hely Lopes Meirelles, analisando a questão referente aos terre­

nos reservados, assim leciona, consoante anota o r. acórdão atacado:

'Terrenos reservados são as faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos e canais públicos, na largura de 15m,

RSTJ, Brasílía, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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280 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

oneradas com a servidão de trânsito, instituída pela Lei Imperial

nJ2.1.507, de 26.09.1867, revigorada pelos arts. 11, 12 e 14 do

Decreto Federal nJ2. 24.643, de 10.07.1934 - Código de Águas.

Essa servidão, como toda servidão, é ônus real sobre a proprie­dade alheia. Tratando-se, como se trata, de uma servidão públi­

ca ou administrativa, destina-se unicamente a possibilitar a rea­

lização de obras ou serviços públicos pela Administração, no in­

teresse da melhor utilização das águas, no aproveitamento de

suas riquezas e do seu policiamento, a exemplo das servidões de

halage e de marchepied do direito francês, onde o nosso legisla­

dor se inspirou. Tal servidão, entretanto, não tem sido entendida corretamente por muitos dos nossos juristas, que a consideram

como transferência da propriedade particular para o domínio pú­

blico. O equívoco desses intérpretes é manifesto, pois as terras

particulares atingidas por essa servidão administrativa não pas­

saram para o domínio público, nem ficaram impedidas de ser uti­

lizadas por seus proprietários, desde que nelas não façam cons­

truções ou quaisquer outras obras que prejudiquem o uso normal

das águas públicas, ou impeçam o seu policiamento pelos agen­

tes da Administração.

Interpretar a reserva dessas faixas como transferências de

domínio é desconhecer a natureza e finalidade da servidão que as

onera, e que visa, única e exclusivamente, deixar livre as margens

das águas públicas para o policiamento pelos agentes da Admi­nistração. Por isso mesmo, em caso de desapropriação, indenizam­se também as terras reservadas. Nem poderia a lei despojar a pro­

priedade particular sem indenização. Se o legislador assim agis­se praticaria um confisco vedado pela Constituição' (Direito Ad­

ministrativo Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 16.a ed., pp.

455/456)" (fls. 423/425).

E arremata:

"Como toda servidão administrativa, esta também incide

sobre a propriedade particular, visto que seria rematado absurdo

que o Poder Público a instituísse sobre seus próprios bens. Tan­

to isso é exato, que quem compra e vende terras ribeirinhas, no

Brasil, o faz em toda a sua extensão, até as margens do rio, ou

seja, até o leito normal das águas, e, com essa extensão transcreve

RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 281

o título aquisitivo no registro imobiliário, para os fins do art.

530, I, do Código Civil, obtendo assim o direito real oponível erga oIllnes enquanto vigente a transcrição, nos termos do art.

859 do mesmo Código. Como pode o Estado desconhecer e ne­gar essa transcrição aquisitiva quando expropria o imóvel?" (op.

cit., pp. 516/517).

No mesmo sentido, o decidido pela mesma Primeira Turma no REsp n.Q. 31.433-5-SP, relatado pelo eminente Ministro Garcia Vieira (DJ de

28.06.93), assim sumariado, no que interessa:

"A faixa de servidão nas margens dos rios é de propriedade par­ticular, tanto que sobre elas foram instituídas servidões públicas ad­

ministrativas.

Recurso provido parcialmente."

5. Em face dessas conclusões fica restaurada a sentença monocrática

inclusive no que se reporta aos ônus sucumbenciais.

Por isso, não conheço do recurso do Município de São Paulo, mas co­nheço parcialmente do recurso interposto por Elisa Esther Pizzoti Ferreira

Alves e outros e, nessa parte, lhe dou provimento.

RECURSO ESPECIAL N.2. 37.416 - SP (Registro nD. 93.0021407-1)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Real Seguradora S/A

Advogados: Tânia Regina Pedro e outros

Recorrido: Adolfo Carlos Von Randow

Advogados: Belmira dos Santos Costa e outros

EMENTA: Civil e Processual Civil - Seguro - Renovação presu­

mida - Furto residencial - Culpa da seguradora - Ação indenizatória

- Contrato - Prequestionamento - Ausência - Matéria de fato - Pres­

crição ânua afastada - CC, art. 177.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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282 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Impossível a rediscussão acerca da responsabilidade da se­

guradora pela não renovação de contrato, em face de prejuízos de­

correntes de furto residencial, eis que além de não prequestionadas

as normas substantivas invocadas pela recorrente, a discussão exi­

ge o reexame da prova. Incidência das Súmulas n2 s 282 e 356 do STF

e 7 do STJ.

11 - Não impugnado na contestação o valor pedido pelo autor

corno ressarcimento pelos objetos furtados, presume-se aceita a es­

timativa, achando-se correto o acórdão que deu pela preclusão do

terna.

111 - Tratando-se de ação de indenização por culpa da ré, a prescrição é a do art. 177 do Código Civil, afastado o prazo de um

ano previsto no art. 178, § 62 , 11, da mesma lei substantiva.

IV - Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constan­tes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Par­ticiparam do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira,

Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como

de lei.

Brasília-DF, 14 de setembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.

Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator.

Publicado no DJ de 25.10.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Real Seguradora

S/A interpõe recurso especial contra acórdão prolatado pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo, que a condenou a indenizar Adolfo Carlos Von Randow

relativamente a furto ocorrido em sua residência, por não haver efetuado a

automática renovação de seu seguro.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

Page 23: Jurisprudência da Quarta Turma · JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 267 cautelar para comunicar efeito suspensivo a recurso especial, em ca sos excepcionais, conforme se extrai do

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 283

Sustenta a recorrente que a decisão contraria os arts. 178 e 1.432 a

1.476 do Código Civil, porquanto desconheceu a inexistência do contrato

de seguro, que não é renovado sem o atendimento das formalidades previstas

nos referenciados dispositivos, a par de desconhecer a prescrição ânua apli­

cável à espécie; Aduz que igualmente restaram violados os arts. 267, IV, e

302, UI, do CPC, o primeiro porque há a carência da ação, eis que a obri­

gação quanto à renovação pertencia ao autor, e o segundo em razão do va­

lor fixado para a condenação, o qual foi estipulado pelo autor e entendido

pelo Tribunal a quo como não oportunamente impugnado, aplicando a

preclusão.

Contra-razões às fls. 1091116, com preliminar de não conhecimento

por não indicação precisa da norma em que se apóia o recurso e falta de

prequestionamento, acentuando que a ação é de indenização por culpa da

seguradora em não renovar o seguro, quando era isso o previsto entre as

partes, o que afasta tanto a prescrição invocada, como a carência da ação.

Salienta, mais, que a prova dos autos mostra o ato ilícito cometido pela ré

e os danos causados.

O recurso foi admitido na instância ordinária pelo despacho presiden­

cial de fls. 118/119.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Trata­

se de ação indenizatória movida por Adolfo Carlos Von Randow contra com­

panhia seguradora, sob alegação de que a mesma era responsável pelos pre­

juízos a ele causados em razão de furto em sua residência, porquanto não

procedeu à renovação automática de seu contrato.

O colendo Tribunal de Justiça de São Paulo, após afastar a preliminar

de prescrição, julgou procedente a ação, condenando a ré a ressarcir ao autor

os prejuízos, por ele estimados na exordial em Cr$ 2.000.000,00 (dois mi­

lhões de cruzeiros).

Insurge-se a seguradora contra tal decisão, sustentando ofensa aos arts.

178 e 1.432 a 1.476 do Código Civil, e 267, IV, e 302, lU, do CPC, por­

tanto com base na letra a do permissivo constitucional, que embora não acu­

sado no recurso, é plenamente indentificável, afastando-se, de logo, a impug­

nação a respeito contida nas contra-razões.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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284 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

No tocante à discussão de mérito, tenho que não houve o necessário

prequestionamento, porquanto o acórdão decidiu a controvérsia fundamen­talmente à luz do art. 159 do Código Civil e dos fatos trazidos à colação,

concluindo que o autor fora induzido em erro pela seguradora, sendo ab­

solutamente razoável ter-se que presumia a renovação do seguro residencial

(cf. fi. 92). Incidem, pois, na espécie, as Súmulas nQs 282 e 356 do STF, a

par da Súmula nQ 7 do STJ, anotando-se que não foram opostos embargos

declaratórios pela parte inconformada.

Sustenta a recorrente, também, contrariedade ao art. 302, lII, da lei adjetiva civil, quanto ao valor da indenização, tido pelo aresto estadual

como não impugnado na contestação e, por isso mesmo, considerada

preclusa a questão.

De efeito, a contestação da ré não discutiu, em momento algum, o

quantum pleiteado pelo autor. Não se lhe pode dar razão, data venia,

quando afirma no recurso especial que à fi. 31 impugnou tal pretensão, por­

que não foi assim. Naquele trecho de sua peça de defesa, a ré cuidava da

carência da ação ao argumento de que a indenização era indevida porque

inexistia apólice de seguro renovada, nada mais. Em momento algum cui­

dou a contestação de rejeitar o valor de Cr$ 2.000.000,00 (dois milhões de cruzeiros) pelos bens furtados (uma bicicleta, um aparelho de vídeo-casse­

te, revólver e caixa de balas), de sorte que restou alcançada pela preclusão

tal debate, tomando-se como verdadeiros os fatos narrados pelo recorrido.

Por fim, no que tange à prescrição ânua prevista no art. 178 do CPC,

não é o caso.

Acertado o que diz o acórdão a quo, litteris (fi. 91):

"Não ocorreu, outrossim, a prescrição. Na verdade, o fundamento

da ação é a relação jurídica decorrente de ato culposo entre uma pes­

soa física afirmando prejuízo por ato ilícito de outra, que estaria, em

tese, obrigada a reparar o dano. Não se discutiu o contrato de seguro

não se objetivando, em conseqüência, indenização contratual ou

securitária. Em conseqüência, aplica-se à espécie a regra geral precei­

tuada no artigo 177 do Código Civil, não tendo ocorrido o lapso

prescricional."

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

RECURSO ESPECIAL NQ 37.975 - RJ (Registro nll. 93.0023525-7)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogados: Maria Lúcia Candiota da Silva e outros

Recorrente: Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes

Advogados: José Roberto Waldemburgo Abrunhosa e outros

Recorridos: Os mesmos

285

EMENTA: Civil - Condomínio - Ação sumaríssima - Cotas em atraso - Título não registrado - Cobrança feita à antiga condômina (CEF) - Rescisão da alienação após a sentença monocrática - Fato novo - Aplicação do art. 462 do CPC pelo Tribunal Regional -Pertinência - Multa moratória convencional - Dispositivo da Lei n!l 4.591/64 não prequestionado - Súmula n Q 211-STJ - Honorários advocatícios - Parâmetro legal - Art. 20, § 3Q

, do CPC.

I - Inexiste violação ao art. 515, caput, do CPC, no fato de o Tribunal, bem servindo-se do art. 462 da mesma lei adjetiva, ter con­siderado fato novo surgido imediatamente após a sentença de 1!l

grau, consubstanciado na rescisão do compromisso de compra e ven­da, que devolveu a titularidade à ré sobre o imóvel que se achava em débito com as cotas condominiais.

H - Descabe ao STJ apreciar a não aplicação de multa morató­ria estipulada em Convenção de Condomínio. Violação à Lei n!l 4.591/ 64 não prequestionada. Incidência da Súmula n Q 211 do STJ.

IH - Não configuradas as hipóteses do art. 20, § 4Q, do Código

de Ritos, os honorários advocatícios devem ser fixados dentro dos parâmetros do § 3Q do mesmo dispósitivo legal. Sucumbência ele­vada a 10% sobre o valor da execução.

IV - Recurso da CEF não conhecido. Recurso do condomínio­autor conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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286 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

conhecer do recurso da Caixa Econômica Federal e conhecer do recurso do

Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes e dar-lhe parcial provi­mento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julga­mento os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosa­

do de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figuei­redo Teixeira. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 16 de setembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.

Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator.

Publicado no DJ de 25.10.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Aproveito o re­

latório constante do acórdão de fls. 467/471, verbis:

"No Juízo da 1211. Vara Federal-RI, Condomínio do Edifício Cen­tro Cândido Mendes propôs ação sumaríssima contra a Caixa Econô­

mica Federal - CEF, objetivando a condenação da ré ao pagamento de

7984,8710 BTNs, acrescido de multa de 20% e dos juros de 1 % ao

mês, além das custas condominiais vincendas, com juros e correção

monetária.

Alegou que a ré encontrava-se em débito em relação à sua obri­

gação de participar nas despesas de manutenção do condomínio refe­rente à sala 1.219, junto ao autor, não tendo até a presente data pro­curado encerrar suas dívidas.

Na audiência de instrução e julgamento, cuja ata se encontra à fl.

386, a CEF contestou o pedido asseverando que não era devedora do autor vez que, o Hotel Cabo Frio Bangalôs Ltda adquiriu, através de

promessa de compra e venda, os imóveis cujo condomínio questiona­

va-se através dos presentes autos. Foi ainda indeferida a exceção de

incompetência impetrada pelo Hotel Cabo Frio Bangalôs Ltda e

deduzidas alegações finais pelas partes.

Na sentença de fls. 403/405, o MM. Juiz a quo julgou improce­

dente o pedido.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 287

Às fls. 410/415, juntada pelo autor de cópia do acordo entre o Hotel Bangalôs e a CEF, onde rescindem a promessa de 31.08.82.

Inconformado, o autor apelou (fls. 441/451).

A CEF interpôs agravo de instrumento contra o indeferimento da

denunciação à lide.

Contra-razões às fls. 458/460."

o egrégio Tribunal Regional Federal da 2ll. Região, dando parcial pro­

vimento à apelação do condomínio-autor, condenou a CEF a pagar as co­

tas condominiais em atraso, com os acréscimos respectivos, e na verba ho­norária de sucumbência de 5% sobre o valor da execução (fl. 471).

Seguiram-se embargos declaratórios do condomínio às fls. 476/478 e da CEF às fls. 480/481, acolhidos em parte os primeiros, para se incluir as cotas vencidas no curso da lide, e rejeitados os segundos (fls. 483/489).

Irresignada, a Caixa Econômica Federal interpõe recurso especial, com

fundamento nas letras a e c do art. 105, IIl, da Constituição Federal, ale­gando que o acórdão baseou-se em distrato da promessa de cessão opera­do após a sentença, de sorte que aconteceu julgamento extra petita violan­

do o art. 515 do CPC. Argumenta que a decisão diverge do entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que cita (fls. 491/494).

Contra-razões às fls. 509/518, sustentando a responsabilidade da CEF

por ser a titular do imóvel, e a inexistência de julgamento além do pedido. Diz, mais, que a recorrente deve ser punida por litigância de má-fé.

Às fls. 520/529, o condomínio-autor interpõe também recurso especial postulando a aplicação da multa de 20% prevista na convenção de condo­

mínio, cujo afastamento pelo aresto importou em contrariedade ao art. 12, § 3l!., da Lei nl!. 4.591/64. Acrescenta que os honorários devem ser fixados

em 20%, ou, pelo menos em 10%, não sendo o caso do art. 20, § 4,\ por não se referir às empresas públicas como a CEF. Requer, ainda, a conde­

nação da ré por má-fé.

Contra-razões da CEF às fls. 533/535, impugnando a incidência do art.

462 do CPC e o pedido de aumento de honorários, afirmando, mais, o descabimento da punição da ré.

O recurso especial da CEF foi admitido à fl. 538 e o do condomínio à fl. 547, na instância a quo.

É o relatório.

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288 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): São dois os recursos especiais admitidos na instância de origem, contra acórdão do colendo Tribunal Regional Federal da 2Jl. Região, assim ementa do (fi.

474):

"Civil. Taxa condominial.

I - Pagamento de cotas condominiais relativas à sala 1.219 do Edifício Centro Cândido Mendes.

II - Imóvel prometido à venda à Cetenco Engenharia S/A e Sér­gio Dourado Empreendimentos Imobiliários, com.promessa de cessão a Cabo Frio Bangalôs Ltda, cessão esta registrada no Registro de Imó­veis após a distribuição da ação.

III - Sérgio Dourado, através de escritura, deu em pagamento vários imóveis, inclusive este, à Caixa Econômica Federal, para can­

celamento da hipoteca.

IV - A Caixa Econômica Federal, que se sub-rogou nos direitos dos promitentes-vendedores, rescindiu a promessa de cessão com Cabo Frio Bangalôs Ltda, estipulando que a referida promessa ficaria sem

nenhum efeito, como se jamais tivesse existido.

V - A CEF, portanto, é devedora das cotas condominiais, acres­cidas tão-somente de juros, correção monetária a partir da data em que cada cota se tornou devida e honorários advocatícios de 5% sobre o

valor da execução.

IV - Recurso parcialmente provido."

(AC nl2. 91.02.16907-0-RJ, Relatora-Desembargadora Federal Tânia Heine, unânime, DJU de 28.07.92).

No primeiro dos recursos, a Caixa Econômica Federal alega violação ao art. 515, caput, do CPC, eis que o aresto regional considerou, no jul­gamento, o instrumento de rescisão do compromisso de promessa de ces­

são, conquanto fosse ele posterior à sentença.

A questão se acha devidamente prequestionada no aresto que apreciou

os embargos declaratórios, de sorte que cabível o recurso pela letra a, já que, no tocante à divergência, ele não atende aos requisitos regimentais em

face da ausência do confronto analítico.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 289

A Corte regional aplicou o princípio do art. 462 do CPC, e fê-lo bem,

inexistindo qualquer ofensa ao art. 515, caput, do mesmo Código.

De efeito, se a Caixa Econômica Federal, dois dias após a sentença

monocrática, deliberou, espontaneamente, desfazer a venda da unidade co­

mercial que apresentava débito junto ao condomínio-autor, trazido aos au­

tos ainda antes da interposição da apelação, não poderia ser ignorado pela

instância revisora, nos precisos termos do art. 462, que reza:

"Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato consti­tutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da

lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requeri­

mento da parte, no momento de proferir a sentença."

Theotonio Negrão, em seu Código de Processo Civil e Legislação

Processual em Vigor anota que:

"Art. 462:15. A regra do art. 462 do CPC não se limita apenas ao juiz de I II grau, mas também ao tribunal, se o fato é superveniente

à sentença CRSTJ 42/352, 87/237, STJ-RT 687/200 e STJ-Bol. AASP l.7871122; RT 6331123,646/143,6631164, 6661106,678/180,

RJTJESP 99/92, JTA 98/338, 105/299, 123/210, Lex-JTA 154/49)" Cob. cit., 3011. ed., pp. 448/449).

Destarte, se a discussão girava em torno da responsabilidade pelo pa­

gamento de cotas condominiais, em face de alienação do imóvel, porém sem

que se tivesse operado o registro do título aquisitivo pelo Hotel Cabo Frio

Bangalôs Ltda, a alteração, no curso da lide, imediatamente depois de pro­ferida a sentença de I II grau, a respeito da propriedade do imóvel, havia,

forçosamente, por configurar fato novo incidental, que ser trazida aos au­

tos e considerada pela Corte ordinária a quem endereçados os recursos das

partes. E não se diga que ocorreu algum cerceamento de defesa, porquan­to, na hipótese, como acima ressaltado, o instrumento de rescisão foi tra­

zido à colação preteritamente às apelações, de sorte que pode ser nelas am­plamente debatido, bem assim nas respectivas contra-razões. Ademais, a pró­

pria Caixa Econômica Federal é que deu ensejo à controvérsia incidental,

ao celebrar, no curso da ação, o mencionado distrato.

E se voltou a CEF a ser a titular do imóvel, é sua a responsabilidade

pelas contas condominiais, mesmo porque, segundo o acórdão, na rescisão

RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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290 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

restou declarado que o compromisso desfeito era tido "como se jamais ti­

vesse existido" (fl. 470).

Não conheço, pois, do recurso da Caixa.

II

Com relação ao recurso do condomínio-autor, ele impugna o aresto regional em três aspectos.

A multa de 20% foi afastada pelo Tribunal ao fundamento de que se questionava qual a parte responsável pelas cotas de condomínio, só defini­tivamente firmado em 2>1. grau com a rescisão do compromisso anterior.

Tenho que a questão escapa ao âmbito do STJ, por se cuidar de pe­nalidade prevista em convenção de condomínio, de acordo com os seus par­

ticulares pressupostos, que não compete à instância especial apreciar. É cer­to que o recorrente sustenta, a respeito do tema, contrariedade ao art. 12, § 3>1., da Lei n>1. 4.591/64, mas o certo é que não houve o seu prequestiona­mento, incidindo, na espécie, a Súmula n>1. 211 desta Corte.

Finalmente, no tocante aos honorários advocatícios, tenho que se con­

figura, na espécie, a ofensa ao art. 20, § 3>1., do CPC, visto que não é o caso

do § 4>1.. Inexiste justificativa para a não observância dos parâmetros esta­belecidos na regra geral e as empresas públicas, como a CEF, a eles não se acham infensas, daí por que elevo o percentual da sucumbência a 10% so­

bre o valor da condenação.

Ante o exposto, e concluindo, não conheço do recurso da Caixa Eco­

nômica Federal, conhecendo, no entanto, e dando parcial provimento ao recurso do Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes, para elevar os honorários de sucumbência a 10% sobre o valor da condenação.

É como voto.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL NQ 86.302 - RS (Registro n>1. 96.0003909-7)

Ministro Barros l\{onteiro

Gregório Romeu Gonçalves da Silva

Rubens Santana Irion

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.

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Recorrida:

Advogado:

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Eunice de Miranda Melo Gonçalves da Silva

Paulo Cardoso Carlucci

291

EMENTA: Divórcio - Partilha de bens - Meação reivindicada pelo marido em bens havidos pela mulher após longa separação de

fato.

- Não se comunicam os bens havidos pela mulher após longa

separação de fato do casal (aproximadamente 20 anos). Preceden­

tes da Quarta Turma.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas pre­cedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs.

Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 17 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.

Publicado no DI de 06.09.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Gregório Romeu Gonçal­ves da Silva ajuizou ação de divórcio direto contra Eunice de Miranda Melo

Gonçalves da Silva.

O MM. Juiz de Direito julgou procedente a ação para o efeito de de­cretar o divórcio, reconhecendo ao autor o direito à meação dos bens elencados na inicial, exceto os móveis e eletrodomésticos, mediante parti­lha a ser processada oportunamente.

A 811. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por

maioria, deu provimento à apelação para julgar improcedente a partilha dos bens havidos pela ré. Eis a ementa do acórdão:

"Divórcio direto. Partilha de bens. Meação indeferida. Desfeita

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292 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a sociedade conjugal há mais de vinte anos pela separação de corpos

e desfeito, assim, o casamento como manifestação de vontade ou

concretização da união entre os litigantes, sendo que, inclusive, o va­

rão constituiu, de há muito, entidade familiar, os bens adquiridos pela

mulher através de herança, posteriormente à separação, não se comu­

nicam. Precedentes jurisprudenciais. Apelo provido." (fi. 137).

Os embargos infringentes foram rejeitados em acórdão cujos fundamen­

tos se resumem na seguinte ementa:

"Separação judicial.

Pretensão do cônjuge-varão à meação de bens herdados pela ex­

mulher doze anos após a separação fática por abandono voluntário do

lar pelo marido, ocorrido há cerca de vinte anos. Comunicabilidade

inadmissível. Ausência de suporte legal justo.

Comprovada a longa separação de fato do casal, cessa ao varão

que abandonou o lar e mantém união estável e filhos com outra mu­

lher, a comunicabilidade dos bens havidos pela ex-cônjuge, posterior­

mente ao rompimento fático dos consortes. Casamento para dar azo aos

efeitos jurídicos do regime matrimonial estabelecido pressupõe coabi­

tação. Sem convivência inexiste casamento gerando direitos e obriga­

ções.

Embargos rejeitados." (fi. 171).

Inconformado, o autor manifestou o presente recurso especial com ar­

rimo na alínea a do permissor constitucional, apontando violação aos arts.

262, 263 e 267 do Código Civil. Defendendo a imutabilidade do regime de

casamento - comunhão universal -, sustentou o direito à meação dos bens

havidos por sucessão de seus sogros antes da decretação do divórcio. De

outro lado, abordou a questão da suspeição do Desembargador-Relator da

apelação da qual se originou o recurso de embargos infringentes.

Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo os

autos a esta Corte.

A Subprocuradoria Geral da República opinou pelo improvimento do

recurso.

É o relatório.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 293

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): l. O tema alu­sivo à suspeição do Sr. Desembargador-Relator da apelação, a par da

preclusão operada por ausência de impugnação oportuna, não foi objeto de

prequestionamento, pressuposto específico do apelo excepcional (Súmula n!l

282-STF).

2. No tocante à questão de fundo, o REsp interposto é, a rigor, inad­missível, pois o recorrente se cinge a argüir a contrariedade a dispositivos

do Código Civil, sem articular de maneira lógica e coordenada as razões

embasadoras de suas afirmativas. Invocável, no ponto, o enunciado do Ver­bete Sumular n!l 284 da Suprema Corte.

Em verdade, o autor - ora recursante - olvida por completo a maté­

ria de fato que constituiu o supedâneo da decisão ora recorrida. O ex-ma­

rido abandonou a família há mais de 20 anos, passando a conviver marital­mente com outra mulher, havendo inclusive manifestado o desinteresse quan­

to à destinação dos bens que eventualmente lhe tocariam por força do re­gime da comunhão universal.

Firmada tal situação de fato, ainda que arredada a deficiência formal

do recurso especial, acima salientada, tem-se que o decisório combatido não

ofendeu os preceitos de lei federal invocados pelo recorrente. A constância do casamento pressupõe à evidência a convivência dos consortes, o que no

caso se rompera de há muito. Além do mais, a pretensão à meação mani­

festada pelo ex-marido, em face das bases fáticas que emolduram o presente

litígio, representaria sim verdadeiro enriquecimento injusto, conforme dei­xaram patente tanto o acórdão da apelação como o decisulll proferido em

sede de embargos infringentes.

Não se comunicam, portanto, os bens adquiridos por um dos cônjuges após longa separação de fato.

Essa, de resto, a orientação já traçada por esta colenda Turma em pelo

menos dois precedentes. Num deles, assentou-se que "os bens adquiridos pelo marido após 30 anos da separação de fato não integram a meação"

(REsp n.!l 60.820-1-RJ, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar). Do voto prolatado pelo ilustre Ministro-Relator colhe-se este excerto, de inteira per­tinência na espécie em exame:

"Ocorre que a jurisprudência, em caso como o dos autos, reco­

nhece que a mulher separada de fato do marido há mais de trinta anos,

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294 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

com quem conviveu durante meses, não tem direito sobre o que o ma­

rido adquiriu durante a longa separação, a que o tempo se encarregou

de atribuir efeitos definitivos e consolidados, inclusive de natureza ju­

rídica. O eminente Prof. Yussef Said Cahali, no seu excelente trabalho

sobre Divórcio e Separação analisa e comenta a orientação que se for­

mou a respeito do ponto, concluindo: 'O regime de bens é imutável

sim. Mas se o bem foi adquirido quando nada mais havia em comum

entre o casal, repugna ao Direito e à Moral reconhecer comunhão ape­

nas de bens e atribuir a metade desse ao outro cônjuge' (op. cit., 211. ed.,

1I/873) ."

Pertinente, ainda, a decisão proferida por este órgão fracionário quando

do julgamento do REsp nJl 127.077-ES, também de relatoria do Sr. Minis­

tro Ruy Rosado de Aguiar.

3. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N.!l 100.766 - SP (Registro nJl 96.0043245-7)

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrente: Universidade de São Paulo - USP

Advogados: José Alberto Couto Maciel e outros

Recorrido: Heraldo Luiz Marin

Advogado: Celso Antônio Pacheco Fiorillo

EMENTA: Processo Civil - Extinção do feito sem. julgam.ento do

m.érito não se justifica em. razão da incom.petência absoluta no juízo

- Art. 267, VI, CPC - Ação rotulada com.o declaratória - Pedido de

natureza constitutiva - Irrelevância do nom.en iuris - Form.ação da

relação jurídica processual - Escolha do réu - Faculdade do autor -

Com.petência da Justiça Federal ratione personae - Fixação no tex­

to constitucional - Im.possibilidade de am.pliação.

I - A incom.petência absoluta não é causa de extinção do feito

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 295

sem julgamento do mérito, posto que não elencada corno tal no art.

267, CPC, não podendo considerar-se, outrossim, que esteja subsu­mida na previsão do inciso VI desse artigo.

H - A natureza da ação é determinada pelo conteúdo do pedi­do formulado, sendo irrelevante o nomen iuris que lhe tenha atri­buído o autor, principalmente em face dos princípios da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia, não cabendo ao juiz, por­tanto, encerrar o feito sem o julgamento do mérito sob o fundamento de que, rotulada a ação corno declaratória, não teria o autor o ne­cessário interesse processual, em razão do pedido de natureza constitutiva agregado na inicial.

IH - Ao autor assiste a faculdade de eleger contra quem pre­tende demandar, assumindo os riscos inerentes a essa opção (poden­do resultar de eventual equívoco a perda da demanda), havendo a pretensão que ser examinada tal corno formulada.

IV - A competência da Justiça Federal tem natureza constitu­cional, não comportando ampliação ou restrição por outro meio que a emenda constitucional, não surgindo nas causas em que não haja

ente federal ocupando a posição de autor, réu, assistente ou opoente, não bastando a simples declaração de interesse.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.

Brasília-DF, 15 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.

Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 16.08.99.

RELATÓRIO

O SR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Em ação

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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296 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

declaratória ajuizada pela recorrente contra o recorrido, a sentença julgou

extinto o feito, sem apreciação do mérito, nestes termos:

"A autora é carecedora da ação declaratória por falta de interesse de agir. A pretensão da requerente nesta demanda é, na verdade, a anu­lação dos registros e para tal não se presta a ação proposta, cuj os li­mites estão contidos apenas na declaração judicial.

Além disso discussão da titularidade e a alteração da proprieda­de perante o órgão encarregado do registro deve ser objeto de ação constitutiva.

Isto posto e por mais que dos autos consta julgo extinto o pro­cesso sem apreciar o mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do Có­digo de Processo Civil. A autora arcará com as custas, despesas pro­cessuais e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cen­to) do valor da causa corrigido desde o ajuizamento."

A apelação da autora foi desprovida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, "alterados os fundamentos e o dispositivo legal". Do voto-condutor desse julgado extraio:

"Ora, a dubiedade do pedido leva a uma análise de sua essência

que, feita, estabelece qual a sua natureza, ensejando, no caso dos au­tos, sobretudo pelo princípio da economia processual, seu recebimento como anulatória de ato jurídico para que seja apurado e posteriormente declarado a quem pertence o direito decorrente dessa relação, evitan­do-se, assim, a propositura de outra ação versando sobre a mesma re­lação jurídica que, frise-se, já se percebe existente nesta.

Esta ação, do modo como foi intentada, tem o nítido objetivo de obter resposta à seguinte pergunta, implícita em seus termos: 'Houve ou não violação aos direitos da apelada?', e, como já visto, para tal a declaratória não se presta.

Portanto, identificada a natureza da ação, sena o caso de se recebê-la corretamente e, com isso, dar-se à autora uma gama maior

de meios com os quais produzir as provas e eventual direito a que pre­

tende ver satisfeito.

Entretanto, por pretender a autora com a presente ação a anula­ção de registros de patente em programas de computador requeridos

pelo réu perante o INPI, sob a alegação de relação de emprego e sendo

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 297

este órgão da Administração Federal, a competência para conhecer e

julgar a ação é da Justiça Comum Federal.

Por tais razões, por fundamento diverso, nega-se provimento ao

recurso para manter-se a r. sentença recorrida e declarar-se extinto o

processo, sem conhecimento do mérito, nos termos do artigo 267, VI,

do CPC."

A apelante apresentou embargos declaratórios, que restaram rejeitados.

Adveio o recurso especial, fundamentado na alínea a do art. 105, III,

da Constituição, veiculando alegação de negativa de vigência aos arts. 4!l.,

50, 54 e 267, VI, CPC.

Foi também manifestado recurso extraordinário, arrimado em afron­

ta ao art. 109, I, da Constituição.

Escoado o prazo das contra-razões, sem manifestação do réu, restou

admitido o especial e inadmitido o extraordinário, em decisão que não foi

atacada por agravo.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­

tor): Relativamente à apontada violação ao art. 4!l., CPC, não logra prosperar

o inconformismo.

O aresto impugnado não contrariou os termos desse dispositivo, não

tendo adotado tese jurídica que conduzisse à conclusão de que o interesse

do autor deveria ir além da declaração da existência ou inexistência de uma

relação jurídica, da declaração de autenticidade ou falsidade de um do­

cumento, ou, ainda, que tendo ocorrido a violação do direito, seria inadmis­

sível essa modalidade de ação.

N o julgado, ao revés, restou assentado que o pedido formulado pela

autora teria natureza diversa, posto que, mais do que a declaração da exis­

tência ou inexistência de uma relação jurídica, a pretensão deduzida seria

de "anulação de registros de patente em programas de computador reque­

ridos pelo réu perante o INPI".

2. No concernente aos arts. 50 e 54 da lei processual, melhor sorte

não socorre a recorrente. Os temas neles versados não foram enfrentados

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298 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pelo Colegiado de 2Q grau, que em nenhum momento cuidou do instituto

da assistência, simples ou litisconsorcial.

3. Procede a irresignação, no entanto, na parte em que invoca viola­ção ao art. 267, VI, CPC.

Vê-se que a extinção do feito, tanto em P quanto em 2Q graus, em­bora por fundamentos distintos, deu-se com base nessa norma, que prescreve a extinção do processo sem julgamento do mérito "quando não concorrer

qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimi­dade das partes e o interesse processual".

O fundamento central do julgado, entretanto, após afastar com base na boa doutrina a falta de interesse esgrimida pelo juiz de 1 Q grau, foi a in­

competência da Justiça Estadual para apreciar o pedido, em razão de um possível interesse do INPI na causa.

Esse entendimento nega vigência ao dispositivo legal apontado pela

recorrente, haja vista a sua aplicação à espécie sem que os pressupostos le­gais para sua incidência estivessem presentes.

Entendendo o Colegiado ser incompetente a Justiça Estadual, compe­tia-lhe o envio do proceso ao órgão competente, consoante se lê do art. 113, § 2Q

, do Código de Processo Civil, não havendo ensejo para a extinção sem julgamento do mérito, pelo fundamento adotado.

Destarte, é de ser conhecido o recurso especial, passando-se, segundo

a dicção do art. 257, RISTJ, a aplicar o direito à espécie.

N os termos da reiterada jurisprudência deste Tribunal, ao dirimir os conflitos que lhe são apresentados, a competência da Justiça Federal, fixa­da pelo texto constitucional no art. 109, I, somente surge quando na rela­ção jurídica processual comparece a União, entidade autárquica ou empre­

sa pública federal, interessadas na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes. Neste sentido, o CC n Q 14.994-RJ (DJ de 18.12.95), de que fui Relator, resumido por esta ementa:

"Competência. Conflito, Juízos Federal e Estadual. Ação versando diferenças no crédito de rendimentos da poupança. Relação processual angularizada entre poupador e banco privado. Ausência da União ou de ente federal na causa. Competência da Justiça Estadual.

I - A competência da Justiça Federal tem natureza constitucio­nal, não comportando ampliação ou restrição por lei ordinária ou cons­

trução jurisprudencial.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 299

II - Cuidando-se de relação processual angularizada entre pou­

pador e banco privado, não se achando presente a União ou qualquer

de seus entes, a competência para conhecer e julgar a causa é da Jus­tiça Estadual."

No caso concreto, observa-se, a relação processual angularizou-se en­

tre a recorrente, que não detém prerrogativa de foro na Justiça Federal, não

sendo ente federal elencado no texto constituciona·l pertinente, e o recor­

rido, particular, não havendo ensejo para cogitar-se da competência da Jus­tiça Federal, nos termos em que posta a causa.

Ademais, compete ao autor escolher contra quem deseja demandar, assu­mindo os riscos inerentes a essa opção. Esta Corte, pela sua Terceira Turma já

enfrentou questão assemelhada, julgando, sob a relatoria do Ministro Eduar­do Ribeiro, o REsp nQ 43.531-SP (DJ de 23.05.94), de cuja ementa se lê:

"Competência. Justiça Federal/Justiça Estadual.

Eventual interesse da União, ou de outro ente federal, não basta

para que se firme a competência do foro federal.

Necessário que figure como autora, ré, assistente ou opoente.

Cabe ao autor eleger com quem pretende litigar em Juízo, assu­

mindo os riscos de eventual erro na escolha. Do equívoco poderá re­

sultar que perca a demanda, mas a pretensão haverá de ser decidida tal

como formulada.

Ainda em caso de litisconsórcio necessário, o juiz determinará que o autor promova a citação. Se não o fizer, extingue-se o processo, mas

não será forçado a contender com quem não queira.

Hipótese em que o réu é ente estadual, não se podendo concluir

pela competência federal, apenas por se afirmar um possível interesse da União que, entretanto, não é parte no processo."

Pertinente, no particular, trazer à colação precedente desta Quarta Tur­ma, da relatoria do Ministro Athos Carneiro, RMS n.Q. 625-RJ (DJ de

22.04.91), de cujo voto-condutor destaco:

"Todavia, razão não lhe assiste, eis que o INPI não foi parte na

causa, nela não assumiu a posição de autor, réu, assistente ou opoente (CF, art. 109, I), tratando-se de relação jurídica processual em que

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foram partes, exclusivamente, pessoas jurídicas de direito privado. A simples circunstância de o v. acórdão haver, incidenter e como fun­damento do julgado, declarado nulo o registro obtido pela ora impetrante, não operou coisa julgada material a respeito do registro (CPC, art. 469) e não deslocou a causa para a Justiça Federal."

Dessa orientação também não se afastou esta Turma ao julgar o RMS n Q 6.041-SP (DJ de 18.03.96), de que foi Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar que, ao proferir seu voto, consignou:

"Assim posta a questão, não parece que se deva afastar a compe­tência da Justiça Estadual para apreciar o presente mandamus, pois tanto a ação principal quanto a cautelar foram processadas e julgadas perante o Juízo Estadual, sem a participação do INPI, que não veio aos autos para ocupar a posição de litisconsorte ou terceiro interessado, apesar de cientificado da ação, nem proferida decisão reconhecendo­lhe essa qualidade.

Aplicável à espécie precedente do egrégio Supremo Tribunal Fe­deral:

'Citada a entidade federal, se esta manifestar seu interesse e pedir a intervenção no feito, só então os autos devem ser reme­tidos ao Juízo Federal, competente para reconhecer, ou não, a le­gitimidade do interesse da União ou autarquia federal na causa (RE 102.601-RJ, ReI. eminente Min. José Néri da Silveira).'

No mesmo sentido o julgado desta Corte, no CC n Q 793-SC, de lavra do eminente Min. Athos Carneiro:

'antes de citado o apontado litisconsorte, e de manifestar o mesmo interesse na demanda, competente para o processo é a Jus­tiça Estadual.'

Posto isso, dou provimento ao recurso, para permitir que a egrégia Câmara prossiga no julgamento do recurso."

Sob a irrelevância do nomen iuris, no que diz com a questão do in­teresse, agitada na sentença como causa de extinção do feito sem julgamento do mérito, andou bem o Colegiado de 2Q grau ao sufragar o entendimento assim expresso no voto-condutor do acórdão:

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 301

"Não fosse a incompetência absoluta da Justiça Comum Estadual para apreciar e julgar a questão sub judice, a petição inicial, embo­ra não muito clara e até fazendo confusão entre ação meramente declaratória com ação para anulação de ato jurídico, poderia ser apro­veitada, como a seguir passa-se a demonstrar.

Cabe aqui, reproduzir brilhantes esclarecimentos acerca da pre­sente discussão:

'O interesse de agir por meio de ação declaratória envolve necessidade, concretamente demonstrada, de eliminar ou resolver a incerteza do direito ou relação jurídica. A declaratória tem por conteúdo o acertamento, pelo juiz, de uma relação jurídica (RTJ 83/934) .'

'A ação declaratória não é meio de fazer prova, nem de con­verter obrigação incerta ou certa. Também não pode ter por fina­lidade a elucidação do comportamento das partes (TJRS - Rev. Jur. 57/129).'

'A declaração da existência de um fato escapa ao âmbito da ação meramente declaratória (TJSP - RT 230/350).'

'O Judiciário não é órgão de consulta. Com essa finalidade, não cabe ação declaratória (RJTJESP 105/91).'

Antonio Carlos de A. Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cân­dido R. DinaInarco descrevem com propriedade o que vem a ser re­lação jurídica:

'Ora, relação jurídica é justamente o nexo que liga dois ou mais sujeitos, atribuindo-lhes poderes, direitos, faculdades, e os correspondentes deveres, obrigações, sujeições, ônus.

Através da relação jurídica, o direito regula não só os con­flitos de interesses entre as pessoas, mas também a cooperação que estas devem desenvolver em benefício de determinado obje­tivo comum. ( ... )' (Teoria Geral do Processo, RT, 1976, 3<1. tira­gem, 321 p., p. 247).

A ausência do interesse de agir seria manifesta nos termos da ação denominada na petição inicial.

Se a ação se espelhasse, em todo o seu universo, como declara­tória, seria correto o posicionamento do d. Juízo a quo.

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302 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Entretanto, diante da manifesta e presente relação jurídica, a me­lhor interpretação acerca de qual a natureza do pedido seria a de

considerá-lo como ação anulatória de ato jurídico.

Observa-se na peça inaugural que a autora pede que a ação:

'( ... ) deverá ser julgada procedente, declarando-se, por sen­tença a nulidade dos registros e cadastramentos dos programas de

computador em referência, reconhecendo-se que a titularidade dos mesmos pertence à requerente' (fi. 9).

Não é o nomen juris que caracteriza a natureza da ação,

mas a essência do pedido, observados todos os seus elementos constitutivos, tarefa atribuída ao juiz, pois, 'Às partes cabe alegar

e fornecer a prova dos fatos, ao juiz aplicar o direito: da mihi factum, dabo tibi jus. E, ao aplicar o direito que emerge dos fatos, independe o juiz das partes: jura novit curia' (Moacir Amaral dos Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Ci­vil, Saraiva, 4a. ed., 2.1l. vol., p. 80).

Ora, a dubiedade do pedido leva a uma análise de sua essên­

cia que, feita, estabelece qual a sua natureza, ensej ando, no caso

dos autos, sobretudo pelo princípio da economia processual, seu

recebimento como anulatória de ato jurídico para que seja apu­

rado e posteriormente declarado a quem pertence o direito decor­rente dessa relação, evitando-se, assim, a propositura de outra ação versando sobre a mesma relação jurídica que, frise-se, já se

percebe existente nesta."

Assim sendo, é de ser conhecido o recurso pela apontada violação do art. 267, VI, CPC, para, reformando-se o r. acórdão recorrido, determinar­se o retorno dos autos à primeira instância, a fim de ser apreciada a pre­

tensão contida na inicial, tal como posta.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N.2. 106.023 - RS (Registro n.ll. 96.0054791-2)

Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Banco do Brasil S/A

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 303

Recorridos: Getúlio Edson Tonetto e outro

Advogados: Pedro Afonso Bezerra de Oliveira e outros, e Antonio Antu­

nes Cavalheiro

EMENTA: Processual Civil - Mútuo garantido por penhor

cedular - Ação de depósito - Itnpropriedade da ação.

Conquanto adtnissível a tradição sitnbólica à perfectibilização

do penhor cedular, não cabe a ação de depósito para reaver os bens

que lhe serviratn de objeto.

Precedentes.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re­

curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar,

Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente,

o Sr. Ministro Bueno de Souza.

Brasília-DF,. 23 de novembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.

Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.

Publicado no DI de 15.03.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: O ora recorrente ajui­

zou contra os recorridos ação de depósito de bens objeto de penhor cons­

tituído em cédula rural.

A r. sentença teve a ação como improcedente entendendo descarac­

terizado o depósito quando "inexistentes ou futuros ou incertos" os bens

dados em garantia.

O apelo do autor foi improvido, tendo o v. voto-condutor do acórdão

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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304 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

recorrido, transcrevendo precedente jurisprudencial, considerado indispen­sável à perfectibilização do depósito a tradição efetiva da coisa, assim como incabível a ação de depósito sendo ele de bens fungíveis, por se caracteri­zar como irregular.

Daí o especial em exame, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, por alegada negativa de vigência aos "artigos 14, V, 15, 17, 18,25, V, e 55, todos do Decreto-Lei n.Q. 167, de 14.02.67; arts. 1.275 e 1.287 do Código Civil; art. 901 do Código de Processo Civil; Lei n.Q. 454, de 9 de julho de 1937; Decreto n.Q. 370, de 2 de maio de 1890, art. 362; Lei n.Q. 3.253, de 27 de agosto de 1957, arts. 2, 3, 4 e 5; Lei n.Q. 492/37, art. 6i! e Lei ni! 4.829, de 5 de novembro de 1965" (fl. 396).

Sustenta o recorrente a legitimidade do depósito adstrito ao penhor cedular de colheitas em vias de formação, tal como seria previsto pelos ar­tigos 15 e 19 do Decreto-Lei n.Q. 167/67 c.c. o art. 6.Q. da Lei n.Q. 492/37 e 29 da Lei ni! 4.829/65, afirmando que "por se tratar de colheita pendente, para cuja formação foi destinado o valor corporificado pela Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária, não está a perfectibilidade da constituição do penhor cedular dependente da entrega dos bens, por isso tido como depó­sito irregular especialíssimo e apto a legitimar a 'ação de depósito' proposta pelo banco" (fls. 395/396).

Em contra-razões, os recorridos pugnam pelo acerto do aresto guer­reado, aduzindo o não cabimento da ação de depósito em se tratando de bens fungíveis objeto de penhor dado em garantia de contrato de mútuo.

O recurso foi inadmitido na origem, tendo ascendido a esta Corte em virtude de agravo de instrumento por mim acolhido.

Recebi o processo, após pedido de vista, no dia 6 de dezembro de 1996, e remeti-o para pauta no dia 29 de outubro de 1998.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): l. Não obstante a dispensabilidade da tradição efetiva à perfectibilização do penhor cedular, tendo ele por objeto bens fungíveis, o depósito que se constituir será desguarnecido, portanto, da ação de depósito.

A questão, conquanto tormentosa, já está pacificada nesta Corte, con­forme se verifica do decidido no REsp ni! 122.751-MG, sob a relatoria do

eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 305

"Direito Comercial e Civil. Penhor rural. Bens fungíveis e consumíveis. Tradição simbólica. Carência da ação de depósito. Pre­

cedentes do tribunal. Recurso acolhido.

- Embora se admita a tradição simbólica para o aperfeiçoamen­

to do contrato de penhor, ainda que seja penhor agrícola ou rural, não se pode exigir a entrega dos bens dados em garantia por meio da ação

de depósito, se eles têm natureza jurídica fungível, tendo em vista a incompatibilidade com o dever de custódia ou mesmo a aplicação à espécie das regras atinentes ao contrato de mútuo, o qual não admite o manejo do referido procedimento especial." (DI de 05.10.98).

São expressivos exemplos, ainda, dentre muitos outros, os julgados nos

REsps nl15. 3.013-SP, 13.970-RS, 11.108-RS, 13.591-MG, 48.180-5-GO,

15.597-MS e 42.011-3-PR, os dois primeiros relatados pelo eminente Mi­

nistro Eduardo Ribeiro, e os demais, respectivamente, pelos eminentes Mi­nistros Cláudio Santos, Nilson Naves, Costa Leite, sendo os dois últimos da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro, e deles extraio a se­

guinte ementa:

"Ação de depósito. Penhor mercantil. Coisas fungíveis e consu­

míveis.

Tratando-se de bens fungíveis e consumíveis, aplicam-se ao de­

pósito as regras de mútuo, pelo que incabível a ação de depósito com pedido de prisão do devedor. Precedentes do STl

Recurso especial não conhecido."

2. Devo observar, todavia, que não é porque o art. 1.280 do Código Civil pontifica que o depósito de coisas fungíveis "regular-se-á pelo disposto

acerca do mútuo", que estou a concluir que o depósito irregular e o mú­tuo tenham a mesma identidade.

° mestre Pontes de Miranda observa em seu Tratado ... , que "a re­

gra jurídica, remetendo às regras jurídicas sobre o mútuo, não identifica mú­

tuo e depósito irregular. A finalidade do contrato, no mútuo, é crédito; no

depósito irregular, conservação do bem".

Assim, "dentre as regras jurídicas sobre o mútuo, que o Código Civil

diz invocáveis a respeito do depósito irregular, ... somente podem incidir,

a propósito do contrato de depósito irregular e dos seus efeitos, o que não

se choque com o conceito de depósito. Faltou, evidentemente, ao art. 1.280,

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306 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

mas subentende-se, o usual 'no que for aplicável'" (in Tratado de Direito

Privado, voI. 42, § 4.589 e § 4.666).

No mesmo diapasão são as lições de Teixeira de Freitas, Serpa Lopes, Orlando Gotnes, Carvalho de Mendonça e Carvalho Santos, este a afirmar que "o depósito não deixa de ser depósito pelo fato de se apli­

carem as regras concernentes ao mútuo".

Ora, se depósito irregular e mútuo fossem a mesma coisa, mais lógi­

co teria sido o Código Civil logo afirmar haver entre eles a mesma identi­

dade. Se não o disse, é porque, certamente, não quis igualá-los.

Nem por isso, todavia, tenho que todo depósito enseja a ação preten­

dida pelo recorrente, pois somente a tenho por cabível quando cogitar-se do

chamado depósito clássico, que é aquele cuidado pelos arts. 1.265 e seguin­tes do Código Civil, em que o depositário recebe, para guardar, um objeto

móvel do depositante, para restituí-lo quando lhe for exigido, não impor­

tando que esse objeto móvel importe em coisas fungíveis ou infungíveis.

Nesse tipo de contrato o bem maior a ser preservado é o respeito à

confiança e à boa-fé empenhada na guarda de coisa alheia.

Bem diferente da situação ora cogitada, em que o depósito de que se

cuida surge como elemento secundário, mero garantidor do mútuo celebra­

do, não merecendo, por isso, nem a proteção austera decorrente da ameaça

de prisão, nem o rito sufocante imposto pelos arts. 901 e seguintes do Có­digo de Processo Civil, daí a impropriedade da ação especial de depósito.

4. Em face de tais pressupostos, não conheço do recurso.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N.2. 164.661 - SP (Registro n.\). 98.0011657-5)

Recorrente:

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Alusio Pardo Canholi

Advogado:

Recorrido:

Advogados:

Paulo Roberto da Silvayeda

Condomínio Edifício Huguette

Gilto Antonio Avallone e outro

EMENTA: Direito Processual Civil e Civil - Citação - Via postal

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 307

- Pessoa física - Procedilllento - Interpretação do art. 223, parágra­

fo único, CPC - Entrega pessoal ao citando - Necessidade - Ônus

do autor de provar, no caso, a validade da citação - Precedente da

Turllla - Legislação anterior - Irrelevância - Condolllínio - Conven­

ção aprovada e não registrada - Obrigatoriedade para as partes

signatárias - Legitilllidade do condolllínio - Recurso especial -

Prequestionalllento - Ausência - Recurso acolhido.

I - Na citação de pessoa física por via postal, é indispensável a

entrega diretalllente ao citando, devendo o carteiro colher seu ciente.

H - Se o aviso de recebilllento da carta citatória for assinado por

outra pessoa, que não o próprio citando, e não houver contestação, o

autor telll o ônus de delllonstrar que o réu, ainda que não tenha assi­

nado o aviso, teve conhecilllento da delllanda que lhe foi ajuizada.

IH ~ A convenção de condolllínio registrada, COlllO anota a boa

doutrina, telll validade erga Olllnes, elll face da publicidade alcan­

çada. Não registrada, lllas aprovada, faz ela "lei entre os condôlllinos,

passando a disciplinar as relações internas do condolllínio".

IV - Não se conhece do recurso especial quando a lllatéria, elll­

bora invocada pela parte nas instâncias ordinárias, não lllereceu

apreciação do Tribunal. Nos terlllOS da jurisprudência deste Tribu­

nal, telll-se por prequestionada deterlllinada lllatéria, a ensejar o

acesso à instância especial, quando a llleSllla é debatida e efetiva­

lllente decidida pelas instâncias ordinárias.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e

dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros

Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza.

Brasília-DF, 3 de dezembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.

Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DI de 16.08.99.

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308 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Trata-se

de ação de cobrança ajuizada pelo condomínio, ora recorrido, contra o re­

corrente, pleiteando o pagamento de taxas condominiais em atraso, referen­

te à unidade autônoma nil 101 integrante do condomínio-autor e de proprie­

dade do réu.

A ação não foi contestada, tendo o juiz sentenciante, após decretar a

revelia do réu, julgado procedente o pedido.

Apelou o réu, sustentando, em suma, a nulidade da citação e a irregu­

laridade na representação do condomínio. No mérito, afirmou que não foi

demonstrada a idoneidade das despesas cobradas.

O 2il Tribunal de Alçada Civil de São Paulo negou provimento ao re­

curso, argumentando que não houve qualquer irregularidade na citação,

além de afirmar ser "o síndico o representante legal do condomínio, con­

forme demonstram as atas das assembléias de fls. 8/18. E, o fato de ainda

não estarem registradas, referida circunstância não isenta os condôminos dos

pagamentos das despesas condominiais".

Oferecidos declaratórios, nos quais postulou o então apelante a mani­

festação da Turma sobre a questão da validade das despesas cobradas, foram

eles rejeitados.

Adveio o recurso especial fundamentado nas alíneas a e c do permissor

constitucional, veiculando, além de dissídio jurisprudencial, alegação de

afronta aos seguintes artigos:

a) 223, parágrafo único, CPC, argumentando que a carta citatória foi

entregue a uma pessoa estranha, desconhecida do citando, de nome Ricardo

Severino Prado, consoante se nota do aviso de recebimento anexado aos

autos, sendo certo que a citação, ainda que seja pelo correio, deve ser en­

tregue pessoalmente;

b) 3il e 12, IX, CPC e 9il da Lei n il 4.591/64, afirmando que, não

tendo havido o registro da convenção do condomínio, teria sido omitida

a forma prescrita em lei, de sorte a obstar a sua validade, além de asse­

verar que a pessoa jurídica do condomínio não teria existência legal,

não podendo, outrossim, figurar como parte no pólo ativo da demanda;

c) 333, CPC, porque não teria o condomínio comprovado a validade

da cobrança das despesas condominiais.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

309

o SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­

tor): 1. Afasta-se, de início, o cabimento do recurso em relação ao terceiro

ponto.

Primeiro, porque do tema não tratou a Turma julgadora, carecendo o

recurso especial, no ponto, de pressuposto específico de cabimento, a saber, o prequestionamento. Incidente, assim, o Enunciado n ll 282 da Súmula-STF.

Não se nega, é verdade, que tenha o recorrente suscitado a apreciação

do tema em sede de embargos de declaração. No entanto, mesmo assim a

matéria não foi objeto de exame pelo Colegiado de origem, sendo certo que

se tem por prequestionada determinada questão, a ensejar o acesso à instân­cia especial, quando a mesma é debatida e efetivamente decidida nas ins­

tâncias ordinárias, não bastando a sua invocação pela parte interessada.

Segundo, porque a pretensão recursal, no particular, não prescindiria

do revolvimento de matéria fática, procedimento defeso no âmbito desta

Corte, a teor do Enunciado n ll 7 da Súmula-STJ.

2. Relativamente ao segundo ponto, não logra também ser conhecido

o recurso.

A existência do condomínio como pessoa jurídica está condicionada ao

registro da convenção no registro de imóveis. O julgado recorrido, no en­tanto, não afirmou o contrário, não afrontando, por conseguinte, o dispos­

to na norma que assim dispõe. A conclusão adotada nas instâncias ordiná­

rias fundamentou-se na adesão dos condôminos à assembléia que criou o

condomínio-autor, obrigando-se, de livre e espontânea vontade, ao cumpri­

mento do regulamento estipulado pela assembléia, inclusive ao pagamento

das chamadas "despesas condominiais". No particular, Marco Aurélio S.

Viana (Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, Saraiva,

2ll. edição, 1982, n ll 19, p. 21) leciona:

"Aprovada por 2/3 (dois terços) das frações ideais, é necessário

que a Convenção de Condomínio seja levada ao registro imobiliário.

Registrada, ela tem validade erga omnes, resultante da publici­

dade alcançada.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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310 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

É mister assinalar que, uma vez aprovada, ela faz lei entre os condôminos, passando a disciplinar as relações internas do condomí­

nio. Apenas para ser oposta a terceiros é que se justifica a necessida­

de de registro.

É o entendimento que se cristaliza na jurisprudência, como se

colhe em acórdão exarado pela 6" Câm. Civ. do Tribunal de Alçada do antigo Estado da Guanabara, na Ap. nU 22.332, Rep·. Áurea Pimentel,

Diário de Justiça da Guanabara, 22 jan. 1973, p. 40: 'Convenção não

levada a registro (art. 9Jl, § l Jl

, da Lei nJl 4.591/64), vale apenas como ajuste ou avença particular entre os condôminos, não obrigando a ter­

ceiros a ela estranhos'.

E a 2" Câm. Civ. do mesmo Tribunal, na Ap. nJl 18.084, tendo como Relator Severo da Costa (Diário de Justiça da Guanabara, 11

jan. 1971, p. 15), esposou a mesma tese: 'O registro em questão só tem valia para as relações externas do condomínio, isto é, para com tercei­

ros, e não do condomínio em relação aos seus componentes, que pode

ser, apenas, uma situação de fato justificadora daquela cobrança'."

Pertinente, no tema, ainda, a observação consignada no voto que pro­

feri no REsp nJl 9.584-SP ((DJ de 09.03.92), deste teor:

" ... o condomínio, como cediço, embora sem personalidade jurí­

dica, processualmente é catalogado entre as chamadas 'pessoas formais' (também a massa falida, o espólio e a herança jacente ou vacante), às

quais, como lembra o conhecido magistério do saudoso Amaral San­tos, a lei confere capacidade de ser parte em juízo (cf. a respeito, Pri­

meiras Linhas, voI. 1, nJl 291)."

De igual forma, outrossim, assentou esta Turma no REsp n Jl 63.530-DF, DJ de 29.06.98, também de minha relatoria:

"Direito Civil. Condomínio. Convenção aprovada e não registra­da. Obrigatoriedade para as partes signatárias. Legitimidade do con­

domínio. Recurso desacolhido.

- A convenção de condomínio registrada, como anota a boa dou­

trina, tem validade erga omnes, em face da publicidade alcançada.

Não registrada, mas aprovada, faz ela 'lei entre os condôminos, pas­sando a disciplinar as relações internas do condomínio'."

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 311

3. Resta, como se vê, a análise da validade, ou não, da citação efeti­

vada nos autos.

o recorrente sustenta, com arrimo no artigo 223, parágrafo único,

CPC, que a carta citatória deveria ter-lhe sido entregue pessoalmente.

o recorrido, por sua vez, alega, sem, no entanto, nada comprovar, que

a citação foi efetivamente concretizada, argumentando que o réu tentou re­

solver a demanda amigavelmente depois da citação, aduzindo ainda que o

que ocorreu, na realidade, foi que o réu e seu patrono chegaram atrasados

à audiência designada.

No acórdão recorrido consta que a carta citatória, embora tenha sido

direcionada ao endereço do réu foi recebida por outra pessoa, de nome

Ricardo Severino Prado. Tal circunstância, registre-se, é confirmada através

de uma simples observação ao aviso de recebimento anexado aos autos.

No regime anterior à vigência da Lei n ll 8.710/93, esta Turma teve

oportunidade de tratar do tema, como se vê do REsp n ll 80.068-GO (DJ

de 24.06.96), da relatoria do Ministro Barros Monteiro, consoante esta

ementa:

"Citação pelo correio. Pessoa física. Requisitos. Art. 223, § 3 ll ,

do CPC.

Para a validade da citação, não basta a entrega da correspondên­

cia no endereço do citando; o carteiro fará a entrega da carta ao des­

tinatário, colhendo a sua assinatura no recibo."

Na oportunidade, restou vencedora a tese de que a carta citatória, em

casos de pessoas físicas, deve ser entregue pessoalmente ao citando.

4. Pedindo vênia aos que entendem diferentemente, tenho que a me­

lhor interpretação continua sendo a adotada no mencionado precedente, não

obstante a mudança da lei.

Sobre isso, a propósito, importante registrar que as inovações trazidas

pela Lei n ll 8.710/93 não alteraram substancialmente o procedimento de en­

trega da carta citatória às pessoas físicas. A antiga redação do § 3 ll do art.

223, CPC, assim dispunha:

"O carteiro fará a entrega da carta registrada ao destinatário, eXI­

gindo-lhe que assine o recibo."

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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312 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A atual redação do parágrafo único do mesmo dispositivo, a seu tur­no, registra, no que interessa:

"A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo."

Como se vê, não houve qualquer alteração no modo de recebimento da carta citatória. Em ambas as redações, portanto, verifica-se o igual propó­sito da lei, qual seja, de garantir a entrega da citação diretamente ao citan­do, devendo o carteiro colher a assinatura daquele ..

Egas Moniz Aragão, aliás, ao tratar do procedimento da entrega da carta citatória, comunga do entendimento de que não houve alteração subs­tancial nesse procedimento com a entrada em vigor da nova lei, como se vê do seguinte tópico de sua doutrina:

"A alteração introduzida pela Lei nJ2. 8.710/93 não modificou substancialmente o que dispunha o texto revogado; fez-lhe apenas re­toques, concentrando no caput e um só parágrafo o que antes se es­tendia por quatro proposições" (Comentários, Forense, 9~ edição, 1998, voI. II, nJ2. 258, p. 196).

Diante disso, como já ressaltado, continuo a entender que melhor se amolda à espécie a tese acolhida anteriormente por esta Turma. A propósi­to, colho dos fundamentos do voto-condutor daquele julgado:

"Não bastava, pois, que a carta fosse entregue a uma pessoa qual­quer encontrada no endereço do citando. Vale lembrar o que assinalou o mestre Pontes de Miranda a respeito: 'no § 3.Q. , frisa-se que, à en­trega do invólucro registrado, dita' carta', o destinatário tem de assi­nar o recibo' (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III, p. 266, ed. 1974). Igualo prelecionamento de Moniz Aragão, para que 'ao fazer a entrega da carta ao destinatário, exigir-Ih e-á o carteiro que subscreva o recibo respectivo, a ser devolvido ao remetente, para ates­tar a chegada da correspondência ao destinatário' (Comentários ao Có­digo de Processo Civil, voI. II, p. 276, 7~ ed.). Assim também o magis­tério de Rogério Lauria Tucci: 'neste particular, convém rememorar que, na expressão do § 3J2., deverá ser ela entregue pessoalmente ao destinatário (pessoa física ou representante legal de pessoa jurídica), exigindo-lhe, o carteiro, que assine o recibo' (Citação pelo Correio ou Postal, in Enciclopédia Saraiva do Direito, voI. 14, p. 479).

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 313

Verifica-se daí a frontal transgressão, na hipótese em tela, da nor­

ma insculpida no mencionado § 3~ do art. 223 do CPC, por não se

contentar a lei com as simples presunções inferidas pelo julgado re­

corrido. A citação válida no caso não se efetivou e, sem ela, não se ins­

taura regularmente a relação processual."

Outra, outrossim, não é a lição de Hum.berto Theodoro Júnior, ao

afirmar que "impõe o Código ao carteiro a obrigação de entregar a carta

pessoalmente ao citando, de quem exigirá assinatura no recibo (art. 223,

parágrafo único)" (Curso de Direito Processual Civil, Forense, 20a edição,

vol. I, n ll 259, p. 262).

Acrescente-se que, não obstante a notória competência dos serviços

prestados pelos Correios, não se pode ter como presumida a citação dirigida

a pessoa física quando a carta citatória é simplesmente deixada em seu en­

dereço, com qualquer pessoa, seja o porteiro ou qualquer outra que não efe­

tivamente o citando, notadamente quando suscitada sua irregularidade pelo

réu.

Ademais, tenho que, nessa hipótese, de citação de pessoa física, o ônus

da prova para a demonstração da validade da citação é do autor, e não do

réu. Portanto, não sendo do réu a assinatura no aviso de recebimento, cabe

ao autor demonstrar que, por outros meios ou pela própria citação irregu­

lar, teve aquele conhecimento da demanda.

Apenas a título de exemplificação, imaginemos a hipótese em que o réu

de uma ação de cobrança esteja viajando e o porteiro, desconhecendo essa

viagem, receba a carta citatória e assine o aviso de recebimento. Julgado

procedente o pedido, o réu só iria ter conhecimento da demanda na cita­

ção para a execução, que obrigatoriamente é feita por oficial de justiça. As­

sim, o réu, para tentar demonstrar uma eventual nulidade da citação, teria

que se abster de parte de seu patrimônio para opor embargos de devedor.

O Judiciário não pode admitir que hipóteses como essa possam vir a

ocorrer. Esse entendimento, registre-se, não se apega ao formalismo e nem

obsta a tão procurada modernidade no processo civil brasileiro (a propó­

sito, Carlos Alberto Carm.ona, in Reforma do Código de Processo Civil,

Saraiva, 1996, n ll 28: "A citação e a intimação no Código de Processo Ci­

vil: O árduo caminho da modernidade", pp. 5311536), mas visa tão-somente

a preservar o ato processual mais importante do processo, como aliás, res­

saltei ao votar no REsp n ll 122.313-PB, nestes termos:

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

"O processo, como instrumento da jurisdição apresenta-se como

uma relação jurídica, em cujo vértice se coloca o juiz-Estado e nos pólos ativo e passivo se posicionam as partes. Imprescindível, para a sua constituição e desenvolvimento válido, que, em pólo oposto ao au­tor, esteja o réu, quer através de regular convocação, quer por compa­recimento espontâneo. Pode o réu não comparecer e mesmo assim a relação jurídica processual se constituirá. O que não pode, todavia, é inocorrer a regular citação do réu, vício somente suprível pelo seu comparecimento espontâneo (CPC, art. 214, § 1.12).

Processo sem réu não é processo. Não há relação processual. Daí

o relevo do instituto da citação, vinculado ao princípio do contradi­

tório, um dos pilares do due process of law.

'Na verdade', consoante observou Luiz Carlos de Azevedo, em sua sintética e precisa monografia O Direito de ser Citado (Ed. Re­senha Universitária, SP, 1980), 'o direito de ser citado acerta com a

propria origem da humanidade; sua constante permanência ao longo da história fornece o alcance do seu significado, para localizá-lo entre aqueles direitos que pertencem ao indivíduo como emanação de sua personalidade. Por isto, é absoluto, intangível, indisponível; inseparável da pessoa humana. Não há como afastá-lo.'

Na mesma linha, escreveram Sanseverino e Komatsu (A Cita­ção no Direito Processual Civil, RT, 1977, n.12 2):

'Alguns autores, como Cunha Salles e João Monteiro, re­produzindo Vanguerve e outros, têm ido buscar o fundamento da citação no direito divino, porque, dizem, a primeira citação foi praticada por Deus, quando quis castigar o pecado de Adão, pre­viamente o interpelando: Vocavitque Dominus Deus Adam, et dixitei: Ubi es?

Todos, estrangeiros e nacionais, o declararam repousante no

direito natural, que, consagrando o princípio da eterna Justiça, não permite que ninguém seja julgado sem que tenha podido se

defender. São João Evangelista ensinava v.g., que ninguém deveria ser condenado sem ser ouvido (nemo debet inauditus dam­nari). Ele próprio, aliás, foi citado ao ser acusado por Tértulo. São Bernardo afirma que nisi audiantur partes, in partes, judicari quid potest.

A citação, por isso, é a base da ação e do julgamento, é a

RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 315

mais necessária de todas as peças do processo e a sua razão de ser repousa no próprio direito natural. É, com efeito, um princípio sagrado que ninguém pode ser julgado se não foi chamado a se defender 'Qui statuit aliquid parte inaudita altera. Aequurn.

lieet statuerit, aut aequus fuit' (Sêneca).

Constitui, como já vinha consignado nas Instituições de Justiniano, o princípio e o fundamento de toda ordem judicial: Irn.rn.o citatio est principiurn. et fundarn.enturn. judici, por­

quanto, não podendo, sem ela, o réu deliberar sobre o seu direi­to, para ou repelir uma pretensão injusta, ou evitar de sua parte

alguma oposição inconsiderada e sem êxito, seria sempre vítima da violência ou da surpresa e, por isso, se diz que 'onde quer que haja um direito a ser reclamado, uma reparação a ser exigida, uma culpa a punir, a citação se impõe como uma providência substancial e necessária, de modo que a sua falta trará como con­

seqüência a anulação de qualquer procedimento judiciário, que, porventura, tenha sido invocado'.

Dessas considerações chega-se à formulação segundo a qual, 'se o processo judiciário é um instrumento técnico dedicado à melhor rea­lização da Justiça e se lhe é oportuno colher subsídios à fantástica máquina operacional construída pelo progresso, nem por isto poderá

afastar-se de sua finalidade última, isto é, fornecer, ainda que com maior celeridade e eficiência, garantia e segurança àqueles que dele se servem' (L. C. Azevedo, op. cit., p. 373).

Em singela monografia sobre o tema das nulidades (Prazos e Nulidades em Processo Civil, Forense, 1990, 2ll. edição, n!l. 13, pp. 54/ 55), que peço vênia para trazer à colação, tive ensejo de escrever:

'Como atos nulos pleno iure, vamos descortinar especial­

mente os praticados em causas nas quais não se formou a relação processual, a exemplo do que ocorre em feitos desprovidos de citação válida, estando ausente o réu, ou quando não citados to­dos os litisconsortes necessários.

São insanáveis. A circunstância de serem insanáveis, contu­

do, não impede que possam ser supridos, a exemplo do que se dá

com o comparecimento do réu que contesta, dando-se por ci­tado, muito embora irregular a citação, cumprindo salientar a distinção porque, no exemplo dado, a defesa será tida como

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316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

tempestiva mesmo que apresentada além do prazo previsto para a contestação.

A distinção dos atos nulos pleno iure com os absolutamente nulos reside no fato de que nestes há o processo, enquanto naque­les não se forma a relação processual.

Na nulidade processual, ipso iure, o vício é mais grave por­que atinge a própria relação processual, que sequer se forma. O vício nunca será sepultado pela preclusão, dispensando até mes­mo a via da ação rescisória. Assim, não citado, validamente, o réu, ou o litisconsorte necessário (também réu), salvo na hipótese de comparecimento espontâneo, suprindo-se o vício, não haverá pro­

cesso; logo, não haverá ato processual em relação a eles, nem sen­tença (que é ato processual). Não havendo sentença válida, não haverá coisa julgada. Logo, o vício não convalesce sequer pelo fenômeno da res iudicata.'

Nesse sentido, aliás, recente julgado desta Turma, datado de 17.02 pp., de que Relator o eminente Ministro Barros Monteiro (RMS nil. 1.986-0-RJ), assim ementado:

'Nulo de pleno direito é o processo que se fizer sem a Ci­

tação da parte. Conseqüentemente, inexistindo sentença válida, não há que se falar em coisa julgada.'"

5. Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular o processo a partir da citação, devendo o réu, na pessoa de seu pro­curador, ser intimado para apresentar contestação, dispensando-se nova ci­tação, tendo em vista ter o recorrente ciência inequívoca da demanda que contra ele corre.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, acom­panho o eminente Ministro-Relator devido às peculiaridades da espécie em que ficou comprovada a inocorrência da citação feita na pessoa da ré.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente,

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 317

acompanho o Sr. Ministro-Relator, atendendo à peculiaridade do caso por­quanto não se identificou a pessoa que recebeu a correspondência.

ESCLARECIMENTOS

O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA: Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, por que há particularidade?

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Caro Ministro Bueno de Souza, digo isso porque não quero me comprometer com a tese de que toda vez que for pessoa física, tenha o autor da ação o ônus de provar que o documento foi entregue à pessoa que poderia receber o documento.

A correspondência entregue pelo carteiro com "AR" no endereço do réu, em princípio, a mim me satisfaz, porque é assim que acontece com o Imposto de Renda e com a Justiça do Trabalho há décadas, e funciona. Razoavelmen­te há de se entender que funcionará bem no Processo Civil. A experiência nos leva a acreditar que a citação, pelo correio, feita no endereço da parte, assi­nada por pessoa que lá está, presumidamente, será entregue ao citando.

Essa é a orientação predominante no Tribunal com relação à pessoa ju­rídica. Não vejo nenhuma razão substancial para que se altere tal entendi­mento, inclusive porque, como disse o Ministro Cesar Asfor Rocha, é até mais difícil o carteiro ter acesso direto ao representante ou preposto de pes­soa jurídica. Do contrário, estaria sendo inviabilizado, com essa inversão do ônus, o próprio uso do correio como meio de citação. Voltaremos, então, ao sistema do mandado pelo Oficial de Justiça, que até hoje não funcionou di­reito no País.

RECURSO ESPECIAL N!!.168.193 - MT (Registro n!). 98.0020481-4)

Relator: Ministro Barros Monteiro

Recorrente: Indústria de Bebidas Antárctica de Mato Grosso S/A

Advogado: Zaid Arbid

Recorrido: A. A. Cardoso e Companhia Ltda

Advogados: Aluísio Xavier de Albuquerque e outros

Sustentação oral: Cláudio Penna Lacombe (pelo recorrente) e Luiz Orione Neto (pela recorrida)

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318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: Embargos declaratórios - Reiteração de argumentos

- Preclusão inocorrente - Efeito interruptivo.

- A circunstância de o embargante reiterar os termos de em-bargos declaratórios, já rejeitados, não retira do segundo recurso o

efeito interruptivo, podendo conduzir tão-somente à aplicação da

pena prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, se for o caso.

Precedentes.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas

taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o

Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Brasília-DF, 11 de maio de 1999 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.

Publicado no DI de 06.09.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "Indústria de Bebidas

Antárctica de Mato Grosso S/A" promoveu ação ordinária de resolução contratual (Proc. n~ 7.142-010/96), contra "A. A. Cardoso & Cia Ltda" e

esta, por sua vez, ajuizou contra aquela três ações de indenização por per­

das e danos (Procs. n~s 7.646-514/96; 7.631-499/96 e 7.890-758/96), todas

em curso perante a 5" Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT.

O MM. Juiz singular julgou improcedente o pleito de resolução

contratual formulado pela fabricante e procedentes as ações reparatórias de

dano propostas pela empresa distribuidora dos produtos. Oferecidos embar­

gos declaratórios pela "Indústria de Bebidas Antárctica de Mato Grosso S/A", foram eles rejeitados e, em seguida, novos aclaratórios foram opos­tos, estes também desacolhidos em face da repetição das razões elencadas

nos primeiros, ocasião em que pelo Juiz de Direito foi declarada preclusa

a pretensão à eventual interposição do recurso de apelação.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 319

Inconformada, a fabricante interpôs o recurso de agravo de instrumento.

A 211. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso ne­

gou provimento ao recurso em acórdão assim ementado:

"Embargos de declaração. Reprodução dos primeiros embargos. Inviabilidade de impedir o trânsito em julgado de sentença. Preclusão.

Cabimento. Desprovimento.

É admissível a oposição de segundos embargos de declaração, desde que não tenham o mesmo conteúdo dos primeiros. A mera re­produção de segundos embargos de declaração não pode impedir o

trânsito em julgado de sentença, pois ocorre a preclusão das questões

que a parte pretende reapreciar." (f1. 273).

Ainda irresignada, a "Indústria de Bebidas Antárctica de Mato Gros­

so S/A" manifestou o presente recurso especial com fulcro nas alíneas a e

c do permissivo constitucional, apontando violação ao art. 538 e parágra­fo único do CPC, além de dissenso pretoriano com julgado desta Corte.

Segundo a recorrente, mesmo que tivesse renovado nos segundos embargos

declaratórios os mesmos argumentos desenvolvidos nos primeiros, ainda assim não estaria retirado o efeito interruptivo daquele recurso, eis que a única sanção para os embargos manifestamente protelatórios é tão-somen­

te a condenação em multa. Outrossim, ressaltou que tanto nos primeiros como nos segundos aclaratórios não foi reconhecido o intuito meramente

protelatório a ensejar a aplicação da penalidade prevista no parágrafo úni­

co supracitado.

Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo

os autos a esta Corte.

Esta egrégia Quarta Turma, em sessão do dia 2 de dezembro de 1997,

por maioria de votos, deu provimento ao Agravo Regimental na Medida Cautelar n ll 999-MT para conferir efeito suspensivo ao presente REsp.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Não colhem

as objeções aventadas pela recorrida, em suas contra-razões, quanto à admissibilidade do recurso especial interposto.

A questão jurídica nodal aqui discutida diz com as conseqüências do

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320 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTICA

fato de a recorrente haver oferecido os segundos embargos declaratórios,

reproduzindo, em substância, os mesmos argumentos desenvolvidos nos pri­meiros. O julgado recorrido entendeu que, incabíveis esses segundos aclaratórios, o resultado era o efeito preclusivo para fins de interposição do recurso de apelação. Vale dizer, inadmissíveis os segundos embargos, não

poderiam eles ter o condão de interromper o prazo para ulterior recurso. Enquanto isso, a ora recorrente sustenta que o único efeito resultante da­quele proceder seria, quando muito, a sujeição à multa prevista no parágrafo único do art. 538 do diploma processual civil.

Sendo essa, em síntese, a questão federal ventilada tanto no decisório

combatido como no apelo excepcional manejado, satisfeito e,ncontra-se no caso o requisito do prequestionamento (Súmula n.ll. 282-STF), pouco rele­vando a circunstância de não ter o v. acórdão feito menção expressa ao art. 538 e parágrafo único do CPC. Pelas mesmas razões, não é de apli­

car-se o enunciado do Verbete n.ll. 283 da Corte Suprema, pois a referência

à preclusão não passa de uma das facetas da questão central focalizada neste feito.

2. A decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito, confirmada pela 211

instância, afasta-se do sistema adotado pela lei processual civil na temática concernente aos embargos de declaração. Em verdade, obstando desde logo

e de maneira antecipada a pretensão à eventual interposição do recurso apelatório, o decisurn monocrático em análise não atentou bem para o di­tame inscrito no art. 5.1l., inc. LV, da Constituição Federal, beirando assim à teratologia.

Rejeitados os primeiros declaratórios, ainda que repetitivos os segun­

dos, não se podia falar em preclusão consumativa na espécie, mesmo por­que o recurso oferecido não fora o de apelação e, sim, o de aclaramento. Se incabíveis os embargos de declaração, a conseqüência acha-se prevista na lei: "quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribu­

nal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa. Na reitera­ção de embargos protelatórios, a multa é elevada a até dez por cento (10%), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósi­

to do valor respectivo".

Incorreto, pois, atribuir-se efeito preclusivo que os aclaratórios não possuem, mesmo quando oferecidos de maneira abusiva. Para isso, confor­

me assinalado, o estatuto processual civil vigente estabelece sérias e graves sanções ao litigante que busca procrastinar a tramitação da causa.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

Page 61: Jurisprudência da Quarta Turma · JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 267 cautelar para comunicar efeito suspensivo a recurso especial, em ca sos excepcionais, conforme se extrai do

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 321

Ainda que tidos como incabíveis, os embargos de declaração interrom­

pem o prazo para a interposição de outros recursos. Assim decidiu esta

Quarta Turma quando do julgamento do REsp nQ. 173.876-SP, por mim re­

latado, reiterando diretriz anteriormente traçada ao apreciar o REsp nD.

153.324-RS, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, que para o acórdão lan­

çou a seguinte ementa: "A norma inserta no artigo 538, CPC, determina que

'os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de ou­

tros recursos, por qualquer das partes', nela não se contendo restrição que

afaste dito efeito interruptivo na hipótese de os embargos serem conside­rados 'incabíveis' pela ausência de omissão". Igual orientação houvera sido

acolhida no regime anterior à edição da Lei nD. 8.950, de 13.12.94 (cf. REsp

nD. 2.087-DF, Relator Ministro Fontes de Alencar).

Não se deve olvidar que a litigante exerceu um direito ao opor os se­

gundos declaratórios. Se porventura excedera os limites permitidos, a pena

a ser-lhe imposta não é a perda do prazo para oferta de ulterior recurso, mas

sim a multa cominada na lei processual. "Insistindo a embargante no mes­

mo tema e reiterando o pedido, em atitude manifestamente protelatória, aplicável a multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do Código de

Processo Civil" (EDcl no REsp nl2. 172.101-AL, Relator Ministro Hélio

Mosimann). No mesmo sentido, EDcl nos REsps nl2.s 48.188-0-RJ, relator

Ministro Waldemar Zveiter, e 140.717-SP, Relator Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira.

Induvidoso, assim, que o acórdão recorrido, ao dar agasalho à prema­

tura decisão de 1 D. grau, contrariou a norma insculpida no art. 538 e pará­

grafo único do Código de Processo Civil e, a par disso, dissentiu do aresto

colacionado como paradigma, a despeito de referir-se ele ao art. 465 do

CPC, hoje revogado, e ao sistema processual anterior em que os declara­

tórios eram providos de efeito suspensivo. Verdade é que o julgado recor­

rido atritou contra o espírito e diretriz adotados pelo acórdão-modelo

invocado pela empresa recorrente, tanto mais que o voto-condutor daquele

decisum, da lavra do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros,

contém advertência pertinente à hipótese agora em apreciação, in verbis: "A circunstância de o embargante reiterar perplexidades que já

explicitara em recurso anterior, pode conduzir à aplicação de penalida­des reservadas ao litigante de má-fé. Jamais, entretanto, tal circunstân­

cia levará ao cancelamento dos efeitos suspensivos dos embargos" (RSTJ,

voI. 67, p. 364).

3. Ante o exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do admissor

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE}USTICA

constitucional e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a preclusão proclamada, a apelação tenha o seu processamento regular, na forma da lei.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, o r.

acórdão apreciou o tema dos efeitos do oferecimento dos segundos embar­

gos e da incidência ou não do art. 538. Assim, a questão prequestionada é o art. 538. Daí por que me parece se deva afastar, como fez V. Exa., a alegada inadmissibilidade do recurso especial por falta de enfrentamento do

tema, pois o tribunal decidiu que o oferecimento de segundos embargos, porque abusivos, implicava a preclusão do direito de apelar.

No mérito, acompanho V. Exa., porque a parte que oferece seus em­

bargos de declaração não sabe qual será a decisão a ser tomada sobre eles.

Se, por acaso, forem julgados intempestivos, ou procrastinatórios, ou

abusivos, etc., ela seria surpreendida no momento em que, passado já o tem­

po, visse esgotado o prazo para a apelação. Isso significaria que todas as partes que quisessem interpor apelação ou recurso especial deveriam, jun­tamente com os embargos declaratórios, apresentar o recurso principal, por­

que poderiam depois ter aqueles embargos rejeitados.

Por isso, não só entendo que os embargos, quando procrastinatórios,

ou indevidos, ou ilegais, têm efeito interruptivo, como também os embar­gos oferecidos intempestivamente porque a parte, ao oferecê-los, não sabe

qual será a decisão do tribunal. Evidentemente, quando a intempestividade

for de tamanha evidência, que mostre o abuso, nesse caso, poder-se-ia dei­

xar de lhes atribuir efeito suspensivo.

No caso, estou também, por esses mesmos fundamentos de V. Exa., acompanhando o voto.

Relator:

RECURSO ESPECIAL NQ. 202.068 - SP (Registro n Q 99.0006766-5)

Recorrente:

Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Transfuel Transportes Ltda

Advogados: João Antônio César da Motta e outros

RST}, Brasilia, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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Recorrida:

Advogados:

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Autolatina Leasing S/A Arrendamento Mercantil

Marcelo Tesheiner Cavassani e outros

EMENTA: Leasing - Duplicatas - Protesto.

323

O negócio de leasing não admite a emissão de duplicata, ainda que avençada, razão pela qual não pode tal título ser levado a pro­

testo.

Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido para defe­

rir a liminar de sustação ou cancelamento das duplicatas enviadas

a cartório.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do

recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Mi­

nistro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro

e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 11 de maio de 1999 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DI de 01.07.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Transfuel Transpor­tes Ltda firmou, com a Autolatina Leasing S/A, seis contratos de arrenda­mento mercantil, cujas características estão descritas à fl. 4 (voI. 1). Veri­

ficando "um aumento desproporcional nas contraprestações devidas," con­tratou auditoria externa para examinar as avenças, quando teria ficado evi­dente o não cumprimento das cláusulas contratuais, o que levou a arrenda­tária a tentar compor amigavelmente a relação jurídica; não logrando êxi­

to, pois a arrendadora apresentou duplicatas mercantis ao protesto, promo­veu ação cautelar, com pedido de liminar inaudita altera pars.

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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324 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A liminar foi indeferida nos seguintes termos:

"Trata-se de ação cautelar inominada movida por Transfuel

Transportes Ltda contra Autolatina Leasing S/A Arrendamento Mercan­

til visando obter autorização para depósito judicial dos valores corres­

pondentes às contraprestações vencidas e vincendas fixadas em seis

contratos de leasing firmados entre as partes, sustação de protesto de

sete duplicatas emitidas pela arrendadora e ordem para que a requerida

se abstenha de pedir liminar em ação de reintegração de posse dos

bens arrendados.

Verifico que os contratos foram firmados nos meses de feverei­

ro, março, setembro e novembro do ano 1995.

Somente agora, passados dois anos da assinatura dos contratos,

vem a autora questionar a validade de suas claúsulas, não se vislum­

brando o fumus boni iuris e nem o periculum in mora, requisitos

indispensáveis à concessão da cautelar.

o depósito cautelar pedido no item I (fl. 45) poderá perfeitamen­

te ser analisado e eventualmente deferido na própria ação principal.

No item II (fl. 45) requer a autora que a arrendadora se abste­

nha de pedir liminar em ação de reintegração de posse, pedido juri­

dicamente impossível por ferir o princípio constitucional de livre

acesso ao Poder Judiciário.

Com relação ao item UI (fl. 46), pedido de sustação de protes­

to, não vislumbro presentes os requisitos para a concessão da liminar,

principalmente em razão da frágil argumentação no tocante ao fumus boni iuris, sem deslembrar que a autora poderia ter demonstrado mais

seriedade no cumprimento de suas obrigações contratuais valendo-se

oportunamente da ação consignatória caso entendesse realmente esti­

vesse sendo cobrada por valor superior ao contratado.

Nesses termos indefiro a liminar.

A fim de se evitar repetição de atos desnecessários, notifique-se

a ré via postal." (fls. 229/230).

Contra essa decisão, Transfuel Transportes Ltda agravou de instrumen­

to. A decisão de fl. 233 deferiu efeito suspensivo "tão-somente para o fim

de sustar os protestos, ou seus efeitos, se realizados".

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 325

A egrégia 411. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao final, negou provimento ao recurso:

"2. Verifica-se que a recorrente procura, objetivamente, impedir que a agravada possa exercitar os direitos decorrentes dos contratos

firmados entre as partes e, mais do que isso, buscar em juízo a defesa desses direitos, uma vez que, além de querer impedir os protestos, pre­tende também que a ré seja proibida de ajuizar as ações competentes contra ela, efetuando o depósito de importâncias que, segundo seus

cálculos, seriam as efetivamente devidas.

Mas, inteiramente sem razão a agravante.

Em primeiro lugar porque, como bem assinalou a decisão, estra­nho que, após dois anos dos contratos é que a agravante tenha se insur­

gido contra eles, quando é certo que os firmou e prometeu cumpri-los.

Em segundo lugar, se de fato há alguma irregularidade, dentre as várias que menciona, deveria pedir autorização para depositar em juízo o valor total, devido segundo o contrato, e não, a seu exclusivo arbí­

trio, pretender depositar valores inferiores, exatamente porque visa discuti-los.

Em terceiro lugar, se os títulos estão expressamente previstos no

contrato, e emitidos segundo suas disposições específicas, não se pode, desde logo, impedir o seus protesto regular, da mesma forma como ile­

gal é a pretensão de impedir a agravada a exercer um direito que a lei lhe assegura, qual seja o de ingressar em juízo com as ações pertinentes.

A pretensão cautelar, mesmo legítima, não pode ter o efeito de

impedir o ajuizamento, pela outra parte, das ações próprias, principal­mente se fundadas em contratos, firmados pelas partes, sem eiva de ile­galidade. Nada impede o ajuizamento dessas ações, observando ritos

diferentes, lebrando-se que, se ao final, a agravante demonstrar que os contratos continham cláusulas ilegais, ou abusivas, o que não está des­

de logo evidenciado, sempre haverá lugar para a devida reparação.

Inaceitável, por isso, como bem assinalou o despacho recorrido, que, à míngua de provas, e em caráter de liminar, seja admitida a ile­

galidade do contrato, autorizando-se depósito de valor inferior ao pre­visto, com a finalidade de impedir protesto e do exercício regular de

direito pelo outro contratante, o que justifica a manutenção da deci­são agravada, ficando cassado o efeito suspensivo concedido, em par­te, pelo despacho inicial.

RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA

Ante o exposto, nego provimento ao recurso." (fls. 380/381).

Rejeitados os embargos de declaração, a agravante ingressou com re­

cursos extraordinário e especial, este por ambas as alíneas, por afronta ao

art. 535, inciso II, do CPC, aos arts. !'l', § !'l', 2.1l. e 20 da Lei n.ll. 5.474/68,

e 798 e 799 do CPC, além de divergência jurisprudencial, inclusive com a

Súmula n.ll. 17 do egrégio l.1l. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Sus­

tenta: a) persistência de omissão, obscuridade e contradição apontadas nos

embargos de declaração; b) é direito subjetivo da parte a concessão da

liminar, visto que atendidos os pressupostos do fulD.uS boni iuris e do

pericululD. in lD.ora; c) impossibilidade do saque de duplicatas em contra­

tos de leasing (Súmula n.ll. 17/ l.1l. TACSP e arts. l.1l., § l.1l., 2.1l. e 20 da Lei n 2

5.474/68). Sobre a existência de dissídio, afirma que o acórdão recorrido

considerou válido o saque de duplicatas no contrato de leasing por estar con­tratualmente previsto, ao passo que o aresto paradigma (Apelação n 2

559.849-8, da egrégia 5ll. C. do l.1l. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo)

afastou essa possibilidade.

Com as contra-razões, o tribunal de origem indeferiu o processamento

de ambos os recursos.

Os autos do recurso especial subiram por força de provimento do Ag

n 2 199.850-SP (autos apensos).

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Inexiste

razão para ser anulado o r. acórdão proferido quando dos embargos de de­

claração, uma vez que inexistia omissão ou contradição no julgamento da

apelação, sendo examinadas as questões propostas pela autora e apelante,

com a definição dada pela instância julgadora, tudo objeto de fundamenta­

do julgamento. Nos declaratórios, a parte pretendeu, na verdade, o

rejulgamento do recurso, com modificação do resultado antes alcançado.

2. Conheço do recurso, por ambas as alíneas, quanto ao pedido de

sustação de protesto de duplicatas extraídas em razão de contrato de arren­

damento mercantil.

Nesta Quarta Turma, quando se examinou a eficácia de tais títulos

para o pedido de falência, já assim foi decidido:

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 327

"3. A razão assiste, porém, à recorrente na questão nodal do pre­

sente litígio, qual seja, saber se a duplicata, emitida com base em con­

trato de leasing, constitui ou não título hábil a ensejar o pedido de fa­

lência. Nesse ponto, o acórdão recorrido vulnerou os arts. 15, inc. II,

b, e 20, § 3'\ da Lei n.o. 5.474, de 18.07.68, ao admitir o saque das

duplicatas que não apresentavam correspondência a uma venda de mer­

cadoria ou, então, a uma efetiva prestação de serviços.

Em obra recentemente publicada, o Prof. e Ministro desta Casa,

José Augusto Delgado leciona que 'o leasing não pode ser uma meia

locação de bens celebrada entre pessoas jurídicas ou físicas, estas como

locatárias. A sua estrutura demonstra que é um negócio jurídico com­

plexo, envolvendo um financiamento, uma locação e uma opção de

compra com preço prefixado. A causa do leasing não é uma locação. É

o financiamento de bens do ativo, assumindo a arrendadora o compro­

misso de adquirir os bens segundo especificações da arrendatária. Esta,

por sua vez, fica com os riscos da obsolescência dos bens. A arrenda­

dora jamais detém a posse dos bens pelo que a arrendatária age como

tendo a plena disponibilidade dos mesmos. É, portanto, um contrato

com características próprias. É típico, não obstante a impropriedade

com que a lei o definiu; é consensual; é comutativo; é sinalagmático.

Apresenta-se em formas variadas. Logo, não é possível tê-lo como

modalidade de locação' (Leasing - Doutrina e JuriSprudência, pp. 112/

113, ed. 1997).

Para o Ministro Francisco Cláudio de Almeida Santos, trata-se de

um contrato de natureza híbrida, uma vez que nele se vê uma aparên­

cia de locação, uma aparência de compra e venda à prestação, uma cla­

ra faculdade de utilização da coisa, uma nítida promessa unilateral de

compra e venda e, na modalidade mais importante economicamente,

vislumbra-se também um financiamento (Leasing - Questões Contro­

vertidas, in Ajuris, voI. 66, p. 20).

Ora, a duplicata, consoante assinala J.C. SaII1paio Lacerda, 'é

título que exige uma provisão determinada, figurando, aliás, indireta­

mente, no próprio título, com a referência ao número de fatura (art.

2.0., § 1.0., II) que, a seu turno, obrigatoriamente, discriminará as mer­

cadorias vendidas (art. 1.0., § 1'2-) ou a natureza dos serviços prestados

(art. 20, § 1.0.)' (A Nova Lei sobre Duplicatas, p. 15, Ed. Forense,

1974). Segundo o art. 172 do Código Penal, com a redação dada pelo

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

art. 26 da Lei n>l. 5.474/68, 'constitui crime expedir ou aceitar dupli­

cata que não corresponda, juntamente com a fatura respectiva, a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviços'.

Na espécie, como visto, não se pode falar em venda efetiva de bens, tampouco em real prestação de serviços. A peça vestibular for­nece bem as características do negócio jurídico celebrado: pela ora

recorrida foram adquiridos os equipamentos descritos na cláusula 1 li da avença e dados em arrendamento mercantil (leasing) à recorrente.

Infere-se daí que as duplicatas representativas de prestações do

contrato de leasing não podem ser tidas como idôneas para embasar o pedido de falência, já que não correspondem nem à venda de bens, nem

a uma efetiva prestação de serviços.

A colenda Suprema Corte, quando se lhe encontrava afeto ainda

o controle da legislação infraconstitucional, teve ocasião de ressaltar esse caráter peculiar à duplicata: a sua origem assenta-se sempre em contrato de compra e venda ou de serviço (RTJ, voI. 98, pp. 914/915). Em outro julgado, de que foi relator o eminente Ministro Aldir Pas­

sarinho Junior, decidiu-se que 'o contrato de promessa de compra e venda de unidade autônoma, e não de prestação de serviços, não au­toriza a cobrança por duplicata' (RTJ 120/260). Em seu douto voto, o Sr. Ministro-Relator deu realce a uma particularidade que por igual

se acha presente no caso em tela: pouco ou nada importa que cláusu­

la contratual permita a emissão das cártulas em questão. São suas pa­lavras textuais: 'Desta forma, a fatura emitida desatende à lei, e não

basta para legitimar a emissão o fato de estar ela expressamente au­

torizada no compromisso de compra e venda do apartamento firmado pelos litigantes, porque os títulos cambiais são eminentemente formais. Seus requisitos resultam, portanto, da lei e não podem ser modifica­dos ou dispensados pela vontade das partes' (RTJ, voI. 120, p. 262).

Vale evocar aqui, a título de ilustração, expressivo excerto do

voto que o então Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, hoje Ministro desta Corte, Eduardo Ribeiro proferiu num caso concernente à emissão de duplicata conseqüente à avença de locação: 'N os termos da lei de duplicatas, será lícito o uso desses títulos pelas

empresas que se dediquem à prestação de serviços. Não basta, entre­

tanto, que a empresa tenha por objeto tal atividade. A emissão da du­plicata haverá de fundar-se no fato de serviços efetivamente terem sido prestados pelo sacador ao sacado. É o que resulta do artigo 20 e

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 329

notadamente seu § 2"', assim como do artigo 21, I, da Lei n"' 5.474/68.

Para verificar-se, pois, se o saque é legítimo, indispensável pesquisar

se deriva de um contrato em virtude do qual o emitente prestou deter­

minados serviços. A natureza da obrigação entre as partes será deci­

siva para a resposta à indagação feita. Considero induvidoso, data

venia, que quando se contrata com alguém que este preste serviços re­

sulta para quem se obrigou o surgimento de obrigação que se traduz

em um facere. O objetivo do pacto é obter que alguém faça alguma

coisa. Trata-se claramente de uma obrigação de fazer. A hipótese em

julgamento consiste em haver a apelada cedido o uso de bem de sua

propriedade a um terceiro, mediante remuneração, contrato este que as

partes, acertadamente, consideraram como de locação. Na locação a

obrigação não é de fazer mas de dar. O que se tem em mira não é que

o locador faça alguma coisa mas tão simplesmente que entregue o bem

para que dele se utilize o locatário. Havendo nítida diversidade, quanto

à natureza das obrigações, a relação locatícia não pode ser assimila­

da à que surge quando ocorre prestação de serviços. Utilizar-se de uma

coisa não se equipara a utilizar-se do trabalho de outrem' (Embargos

Infringentes na Apelação Cível n"' 8.771, de que S. Exa. foi Revisor e

Relator designado).

A par de haver malferido a lei federal pelas razões supra-indica­

das, o decisório recorrido ainda discrepou do primeiro paradigma

colacionado pela ora recursante. O aresto trazido a lume sustenta, com

efeito, contrariamente ao proclamado pelo v. acórdão, que 'as presta­

ções do leasing (arrendamento mercantil) ou de renting, ainda que re­

presentadas por duplicatas, carecem de idoneidade para a ação

falimentar' (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, in Rev. dos Tribs.,

voI. 606, pp. 183/184)." (REsp n"' 45.792-GO, Quarta Turma, ReI. emi­

nente Min. Barros Monteiro, DJ de 22.06.98).

3. Assim, é de ser acolhida a orientação exposta no precedente indi­

cado (Ap. n"' 559.849-8-SP), oriundo do egrégio 1.20 Tribunal de Alçada

Cível de São Paulo:

"Cambial. Anulação. Duplicatas representativas do leasing não

são títulos idôneos por não corresponderem à venda de bens, nem

a uma real prestação de serviços - Locação constitui o ponto cardeal

do contrato de leasing. Aplicação da Súmula n"' 17 do 1.Q. TAC.

RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.

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330 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Contraprestações alusivas aos contratos são válidas mas devem ser co­

bradas pelo meio próprio sendo inviável o saque de duplicatas." (fl.

483).

Sendo indevida a emissão de duplicatas, elas não ensejam o pedido de

falência, nem podem ser levadas ao protesto, conhecidos os efeitos negati­

vos que decorrem do ato para o crédito comercial. Impunha-se, pois, o re­

conhecimento da presença dos pressupostos para o deferimento da medida

liminar requerida na cautelar, sustando-se os protestos.

4. Quanto ao mais, o recurso não pode ser conhecido porquanto fun­

dado no reexame de circunstâncias de fato, incidindo a Súmula n Q 7-STJ.

5. Posto isso, conheço em parte do recurso e lhe dou, nessa parte,

provimento para determinar a sustação ou o cancelamento dos protestos

das duplicatas emitidas em razão dos contratos de leasing descritos na ini­

cial.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL Nº· 205.039 - RS (Registro nQ 99.0016750-3)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrida:

Advogados:

Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Banco Itaú S/A

Francisco Antônio de Oliveira Stockinger e outros

Lourdes Fontoura

Edison Freitas de Siqueira e outros

EMENTA: Agravo de instrumento - Intimação do agravado

Decisão liminar - Cancelamento de inscrição (Serasa, SPC, etc.).

- O agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido

liminar de cancelamento de inscrição em banco de inadimplentes

pode ser julgado independentemente de intimação do agravado, que

ainda não foi citado e não tem advogado constituído nos autos (art.

527, lII, do CPC).

RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 331

- Deve ser cancelada a inscrição do nome do devedor em ban­

co de inadimplentes se o contrato está sendo objeto de ação

revisional, em que se discute a validade de cláusulas, valor do saldo

e a própria existência da mora. Precedentes.

Recurso não conhecido

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re­

curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo

Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.

Brasília-DF, 6 de maio de 1999 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DI de 01.07.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Lourdes Fontoura

agravou da decisão proferida initio litis nos autos da ação revisional de

contrato de abertura de crédito em conta corrente que move contra o Ban­

co Itaú S/A, na qual o ilustre magistrado deixou de apreciar o seu pedido

liminar de cancelamento de registros em cadastros de devedores e lhe de­

terminou a estipulação do valor da causa, que não deveria ser o de alçada.

A egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Gran­

de do Sul deu provimento ao recurso:

"Agravo de instrumento. Valor da causa. Ação revisional.

Não sendo possível estabelecer, desde logo, o montante judicial­

mente questionado, é viável atribuir provisoriamente à causa o valor

de alçada.

Inscrição do nome do devedor no Cadin, Serasa e SPC. Discussão

judicial do débito: ilegitimidade.

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332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Configura constrangimento indevido e ato de retaliação a inscri­

ção do nome do devedor em órgãos de cadastro de inadimplentes

(Serasa, Cadin, SPC e assemelhados) quando o débito que a motivou é objeto de discussão judicializada.

Agravo provido." (fi. 50).

Rejeitados os embargos de declaração, em que o banco reclamava da

falta de sua intimação para se manifestar sobre o agravo (art. 527, lU, do

CPC), sobreveio o presente recurso especial (art. 105, lU, a, da CF). Aduz

o recorrente que não lhe foi oportunizada a apresentação de contra-razões

do agravo interposto, conforme preceitua o art. 527, lU, do CPC, o que re­

sultou em cerceamento de defesa. Diz que o acórdão é omisso (art. 535 do

CPC) quanto aos arts. 43 do CDC e 160 e 974 do CCB. Ao não reconhe­

cer a mora do devedor, o julgado em exame violou o art. 955 do CCB, pois

nenhuma das situações ali previstas se encontram presentes no feito de modo a impedir o cadastramento da recorrida nos órgãos de proteção ao crédito.

Enfim, a inscrição da recorrida no Serasa não representa constrangimento,

ameaça ou coerção.

Admitido o recurso, com as contra-razões vieram-me os autos.

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): l. Inexistiu a apontada omissão, porquanto a decisão sobre o cancelamento da

inscrição no Serasa e outros cadastros da mesma natureza está fundamen­

tada nas razões expostas no r. acórdão, para o que desnecessário explicita­

mente considerar os dispositivos legais ora indicados.

2. Tratando-se de decisão que o juiz pode tomar independentemente da

intimação ou citação do réu, como acontece no caso em que se reclama do

implícito indeferimento da medida liminar pleiteada, também há de se ad­

mitir que o recurso interposto dessa decisão seja apreciado pelo Tribunal

independentemente de intimação da parte-ré, ainda não citada e até ali se­

quer presente nos autos através de advogado. No sistema implantado pela

nova legislação, que se dirige para a presteza e eficácia na prestação

jurisdicional, a intimação a que se refere o art. 527, UI, do CPC, é da parte

que já integra a relação processual, o que não acontece no caso de exame

de providência initio litis, a ser adotada ainda antes da citação e sem que

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 333

presente no processo o réu ou o seu advogado, sabendo-se que este é o que

deverá ser intimado para responder. Nem poderia ser diferente, pois se a medida tem urgência, o seu exame não poderia ficar dependente do decurso de prazo de dez dias para a defesa.

3. No que se refere à suspensão ou cancelamento de inscrição do nome do devedor em banco de inadimplentes, a orientação firme dessa Turma é a de que tal deve ocorrer sempre que a relação obrigacional está sub judie e, discutindo-se a validade de cláusulas do contrato, o valor do saldo e a própria existência da mora.

Cito a fundamentação expendida no REsp n Jl 201.1 04-SC:

"1. A egrégia Câmara, com fundamento em precedentes desta Corte, decidiu que 'a inscrição no cadastro do Serasa somente será possível após o trânsito em julgado da sentença que dissipe qualquer dúvida que paira sobre o quantum debeatur e, principalmente, so­bre o an debeatur. Até porque, não havendo certeza a respeito de al­gum desses aspectos a informação contida no cadastro se apresentaria falsa, constituindo verdadeiro ato ilícito'.

2. Não vejo ilegalidade nesse julgado, e o fato de o agravante es­tar associado ao Serasa e tenha por isso assumido a obrigação de lhe comunicar o nome dos seus inadimplentes, não inibe o juiz de suspen­der essa inscrição, quando o valor da dívida será objeto da ação prin­cipal, como afirmado pela egrégia Câmara.

3. Sobre a possibilidade de serem inscritos os nomes de devedo­res em bancos de dados, não há o que discutir. Porém, em procedimen­

to cautelar, antecipatório da ação ordinária em que a relação obriga­cional será submetida ao exame judicial, versando tal lide sobre sua natureza, extensão e valores, a jurisprudência uniforme desta Quarta Turma é no sentido de que a inscrição do devedor como inadimplente deve aguardar o julgamento da ação:

'Consumidor. Inscrição de seu nome em cadastros de pro­teção ao crédito. Montante da dívida objeto de controvérsia em juízo. Inadmissibilidade.

Constitui constrangimento e ameaça vedados pela Lei n Jl

8.078, de 11.09.90, o registro do nome do consumidor em cadas­tros de proteção ao crédito, quando o montante da dívida é ob­jeto de discussão em juízo.

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334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

Recurso especial conhecido e provido.' (REsp n!2 170.281-SC, Quarta Turma, Rei. eminente Min. Cesar Asfor Rocha, DI de 21.09.98).

'Banco de dados. Serasa. SPC. SDC. Inscrição de devedor. Ação de nulidade.

Tramitando ação onde os devedores pleiteiam o reconheci­mento da invalidade do título que teria sido preenchido com va­lores excessivos, mediante argumentação verossímil, pode o juiz deferir a antecipação parcial da tutela para cancelar o registro do nome dos devedores nos bancos de dados de proteção ao crédi­to. Arts. 273 do CPC e 42 do CDC.

Recurso conhecido e provido.' (REsp n!2 168.934-MG,

Quarta Turma, de minha relatoria, DI de 31.08.98).

'SPC. Serasa. Proibição do registro. Medida cautelar. Ação consignatória. Leasing.

Pendente ação consignatória, onde se discute a caracteriza­ção da inadimplência, não pode ser permitida a inscrição do nome da devedora e seus garantes nos serviços privados de proteção ao crédito.

Recurso conhecido em parte, pela divergência, e, nessa par­te, provido.' (REsp n!2 172.854-SC, Quarta Turma, de minha relatoria, DI de 08.09.98).

Neste último recurso, assim fundamentei o voto:

'Nesse ponto, tenho por melhor a orientação adotada nos acórdãos paradigmas. Proposta ação consignatória das prestações previstas no contrato, e nela sendo discutido o real valor da obri­gação, com o depósito das importâncias que a autora considera devidos, parece inoportuna a informação prestada pela credora aos serviços privados de proteção ao crédito (Serasa e SPC), para

inscrição do nome do devedor. São conhecidos os efeitos nega­tivos do registro em bancos de dados de devedores; daí porque

inadequada a utilização desse expediente enquanto pende ação consignatória, declaratória ou revisional, uma vez que, inobstante a incerteza sobre a obrigação, já estariam sendo obtidos efeitos

decorrentes da mora. Isso caracteriza um meio de desencorajar a parte a discutir em juízo eventual abuso contratual.

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Não está em causa a existência ou a legalidade dos serviços

de proteção ao crédito, nem se duvida da utilidade que prestam ao comércio e aos próprios consumidores na medida em que

agilizam e facilitam a satisfação dos seus interesses. Mas não se

pode deixar de reconhecer que o registro de inadimplência em

bancos privados, ato não exigido pela lei nem pressuposto legal para qualquer negócio, somente pode ser admitido quando não

esteja sub judice a própria questão da inadimplência.

A alegação de que há convênio firmado pela credora com as

entidades privadas que exploram os bancos de dados, para forne­

cer informações, não tem relevância para o nosso caso, pois aqui

se examina a relação entre a credora e a devedora, sendo para esta

res inter alios o tema proposto.'

Não é diferente o posicionamento da egrégia Terceira Turma a

respeito do tema:

'Processual Civil. Cautelar. Suspensão de medida determi­

nativa de inscrição do nome do devedor no SPC ou Serasa. I -Não demonstrado o perigo de dano para o credor, não há como

deferir seja determinada a inscrição do nome do devedor no SPC

ou Serasa, mormente quando este discute em ações aparelhadas

os valores sub judice, com eventual depósito ou caução do

quantull1. Precedentes do STl rr - Recurso conhecido e provi­do.' (REsp n.Q.161.151-SC, Terceira Turma, ReI. eminente Min.

Waldemar Zveiter, DJ de 29.06.98).

Observo que o art. 160 do CCB não foi objeto de prévio ques­

tionamento." (REsp n.Q. 201.1 04-SC, de minha relatoria).

4. Posto isso, não conheço do recurso.

RECURSO ESPECIAL N.!l 207.176 - SP (Registro n.Q. 99.0021046-8)

Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrentes: Vagner Lopes e outros

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Advogados:

Recorrido:

Advogados:

Recorrido:

Advogados:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Válter Lopes Estevam e outros

GNPP Provida Seguradora S/A (em liquidação extrajudicial)

Osmar da Costa Sobrinho e outro

Consórcio Nacional Regino S/C Ltda

Norberto Francisco de Oliveira Neto e outro

EMENTA: Consórcio - Seguro - Morte do consorciado - Ação dos herdeiros.

- Os herdeiros do consorciado falecido antes do término do pla­no têm ação contra a seguradora com a qual foi firmado contrato de seguro em grupo, figurando a administradora do consórcio como estipulante e beneficiária, a fim de exigir o cumprimento do con­trato de seguro e pagamento das prestações faltantes, condição para a entrega do bem ou liberação de ônus que grava o já entregue.

Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do re­curso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília-DF, 11 de maio de 1999 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 01.07.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Vagner Lopes e ou­

tros propuseram ação de indenização decorrente de seguro de vida em grupo

contra Consórcio Nacional Regino S/C Ltda e GNPP Provida Seguradora S/A. Alegaram os autores que seu falecido pai firmou, em 03.11.94, um

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contrato de adesão a grupo de consórcio junto ao Consórcio Nacional BMW, administrado pelo Consórcio Nacional Regino S/C Ltda, objetivando a

aquisição de um automóvel BMW/Okm. O prazo de duração do plano era de 12 meses, tendo o pai dos autores pago regularmente as parcelas até a de n.\). 9, vencida em 10.10.95. Antes disso, ou seja, a partir de 0l.03.95, a

administradora do consórcio contratou com a segunda ré um contrato de seguro de vida em grupo, no qual figurou como prestamista e beneficiário principal o próprio Consórcio Nacional Regino S/C Ltda, tocando aos quotistas daquele grupo o pagamento mensal do prêmio, juntamente com a prestação do bem, o que era feito diretamente à ré administradora do con­sórcio. No caso de morte de qualquer dos quotistas segurados, haveria a

quitação do valor do bem objeto do grupo. Com o falecimento do pai dos

autores, estes pleitearam o recebimento da indenização, correspondente ao valor integral do bem objeto do consórcio. Diante da negativa da adminis­tradora, ajuizaram a ação de indenização contra esta e a seguradora, por responsabilidade solidária. No curso da lide, a ré GNPP Provida Segura­dora S/A teve decretada sua liquidação extrajudicial.

Na sua contestação, a administradora Regino Ltda afirmou ter auto­rizado, em 4 de agosto de 1995, para cumprimento do contrato, a entrega de dois veículos aos filhos do consorciado (doc. de fls. 70 e seguintes).

A ação foi julgada procedente, condenada a requerida GNPP Provida

Seguradora S/A ao pagamento do valor correspondente a um veículo novo na data do falecimento do consorciado, com atualização monetária. No que

se refere ao Consórcio Nacional Regino S/C Ltda, o processo foi extinto, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva.

Apelaram os autores e a seguradora-ré. A egrégia 12ll. Câmara do 2!l

Tribunal de Alçada Civil de São Paulo deu parcial provimento aos recursos: ao apelo da seguradora, para julgar com relação a ela extinto o processo, por ilegitimidade passiva; ao dos autores, para reformar a sentença na par­

te em que julgou extinto o processo com relação à administradora do con­sórcio, determinado o retorno dos autos para julgamento. Reproduzo a

ementa:

"Indenização. Seguro de vida e acidentes pessoais. Contrato. Ce­lebração efetuada pela administradora de consórcio para garantir o pagamento do saldo devedor em caso de morte do consorciado. A pró­

pria estipulante figura como beneficiária do contrato de seguro. Quem não é beneficiário não tem ação contra a seguradora. Reforma da r.

sentença. Necessidade de análise da contestação da ré. Retorno dos

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autos ao juízo a quo para julgamento das demais questões postas en­

tre os autores e a ré. Recurso provido.

Ilegitimidade passiva ad causam. Indenização. Seguro de vida e acidentes pessoais. Contrato. Ausência de celebração contratual com o genitor dos autores. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Recurso provido." (fl. 191).

Daí o recurso especial dos autores, por violação aos arts. 1.458 e 1.465 do CCB. Dizem que, ao excluir da lide a seguradora responsável pelo pa­gamento do seguro, mantendo no pólo passivo apenas a administradora do

consórcio, a egrégia Câmara vulnerou os referidos dispositivos. Argumen­tam que a administradora e a seguradora são solidariamente responsáveis pelo pagamento do seguro; em nenhum momento foi negada a existência do contrato de seguro entre a GNPP e os participantes do grupo de consórcio, é irrelevante que a adesão não tenha sido assinada pelo consorciado, já que a seguradora jamais recusou o pagamento das mensalidades do seguro.

Admitido o recurso, com as contra-razões, vieram-me os autos.

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. O con­sorciado que participa de um plano vinculado a um contrato de seguro de vida em grupo, estipulado pela administradora, fica garantido de que, em caso de falecimento, as prestações serão pagas pela companhia seguradora,

ficando seu espólio habilitado ao recebimento do bem. O negócio do seguro é feito para a proteção do consorciado e do próprio consórcio, que não sofre com a ocorrência do sinistro. Nesse caso, a indenização corresponderá ao pagamento do saldo, a ser feito diretamente à administradora, mas em be­

neficio direto dos herdeiros, que recebem a quitação. Portanto, estes têm uma ação contra a seguradora para que pague a indenização à administradora, o que é do seu interesse imediato porquanto é condição para a quitação do bem, seja para a sua entrega, se ainda não o foi, seja para a liberação de

eventual ônus que onere o bem, comumente a alienação fiduciária. Também têm uma ação contra a administradora para que, efetuado o pagamento do saldo pela seguradora, cumpra o contrato de consórcio na sua integralidade,

entregando o bem ou liberando-o de ônus.

2. No caso dos autos, os herdeiros promoveram ação para cobrança da

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indenização contra a administradora. Observo - lateralmente, pois a ques­

tão não está em julgamento - que a administradora, como estipulante, não responde pelo pagamento da indenização contratada em seguro de vida em

grupo; como administradora, não está em mora, tanto que, segundo alega,

teria entregue o bem, com a substituição noticiada nos autos. A ação con­

tra ela surgiria quando, quitadas as prestações, deixasse de cumprir suas

obrigações.

3. A ação também foi intentada contra a seguradora, e essa ação cer­

tamente é cabível e bem direcionada (se realmente houver o contrato de

seguro e se nele se contém cláusula de proteção, o que não se consegue

saber porque os documentos juntados são ilegíveis). De qualquer forma,

nesta fase, cumpre apenas atender, para verificar a condição da legitimida­de, aos termos em que proposta a demanda, e por ali ressalta a legitimida­

de da seguradora uma vez que os autores se fundam em um contrato de se­

guro de vida em grupo para a cobrança da indenização nele prevista.

4. O r. acórdão manteve no processo a administradora e excluiu a se­guradora. O recurso especial é apenas dos herdeiros, pleiteando a reforma parcial do julgado a fim de reinserir a seguradora na lide, e a isso está li­

mitado o âmbito desse julgamento.

Tenho que procede o apelo. É certo que o contrato de seguro foi es­

tipulado pela administradora, e constaria dos seus termos ser ela a bene­

ficiária. Embora seja assim, ficando a administradora com o direito de re­

ceber a indenização, de acordo com o contratado, a verdade é que tal pa­gamento é feito também em benefício direto dos herdeiros do consorciado, porquanto o inadimplemento da seguradora causará a eles prejuízo imediato,

com a falta de quitação das prestações, pressuposto para a entrega do bem

ou sua liberação. Os herdeiros têm, portanto, o direito de exigir que a se­

guradora pague por eles as prestações devidas após a morte do pai, a ser

feito diretamente à administradora, não porque eles queiram receber o va­

lor da indenização, mas porque têm interesse no cumprimento do contrato

de consórcio. Nestes termos é que me parece deva ser acolhida a legitimi­

dade da seguradora, cumprindo, no julgamento de mérito, definir o limite exato dessa responsabilidade, que os autores querem estender ao valor in­

tegral de um veículo novo, embora faltasse apenas o adimplemento de três

prestações, já tendo sido entregue o bem objeto do consórcio, ou seu equi­valente, conforme alegado.

5. Portanto, conheço do recurso, por ofensa ao disposto no art. 1.458

do Código Civil, e lhe dou provimento para reconhecer a legitimidade

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340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

passiva da seguradora, retornando os autos à origem, onde deverá ser rea­

berta a instrução para prova das alegações das partes e, oportunamente, ser

proferida nova sentença.

É o voto.

RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.