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Jurisprudência da Quarta Turma
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
MEDIDA CAUTELAR NQ 1. 728 - SP (Registro nJ:l. 99.0039662-6)
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
263
Requerente: Tinturaria e Estamparia Industrial de Tecidos Suzano S/A
Advogados: João Antônio César da Motta e outros
Requerido: Banco Noroeste S/A
EMENTA: Processo Civil - Recurso especial retido - Lei n Q
9.756/98 - Teleologia - Hermenêutica - CPC, arts. 542, § 311, e 526 -
Julgamento - Possibilidade - Exceções - Cautelar - Liminar concedida monocraticamente pelo Relator referendada pela Turma.
I - Cuida a nova sistemática, introduzida pela Lei n ll 9.756/98, em "evitar que processos, nos quais ainda não proferida decisão final nas instâncias ordinárias, subam uma ou mais vezes ao Supremo Tribunal Federal e/ou ao Superior Tribunal de Justiça para a definição de questões concernentes a decisões interlocutórias, a saber, decisões que no curso do processo resolvem questões incidentes (CPC, art. 162, § 211)". A celeridade e a economia nortearam essas recentes modificações normativas, de modo a privilegiar a efetividade da prestação jurisdicional.
II - Não se pode, todavia, interpretar a lei sem ter em conta a finalidade que a direciona. Com efeito, há situações em que a permanência do recurso especial retido nos autos pode frustrar a entrega da tutela jurisdicional do Estado, inclusive causando dano de difícil ou incerta reparação.
III - Presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, resta referendada pela Turma a liminar concedida pelo Relator, com o objetivo de comunicar efeito suspensivo ao recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, referendar a liminar concedida. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
264 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília-DF, 15 de junho de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DI de 16.08.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuidase de cautelar ajuizada neste Tribunal, na qual concedi liminar comunicando efeito suspensivo a recurso especial.
Submeto ao referendum da Turma, nesta oportunidade, a decisão proferida.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): A decisão que proferi restou assim redigida:
"1. Trata-se de medida cautelar ajuizada com vistas a atribuir efeito suspensivo a recurso especial interposto, mas ainda não processado, contra acórdão do 2!.l Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que não conheceu de agravo de instrumento manifestado contra decisão que deferiu busca e apreensão liminar de bens alienados fiduciariamente. Entendeu o Colegiado de origem que deveria a agravante 'comprovar no tribunal a comprovação realizada em primeira instância' em relação ao disposto no art. 526, CPC.
Diante do não conhecimento do agravo, restou cassada a liminar então concedida pelo eminente Relator do acórdão impugnado, assim redigida:
'A inicial veio devidamente instruída, notadamente com o laudo técnico de fl. 34, por meio do qual se comprova que as máquinas alienadas fiduciariamente à agravante são de grande porte e se encontram instaladas sobre concreto armado. Sendo que, a remoção das mesmas necessitará demolição parcial do local onde se encontram, valendo, ainda, ressaltar que referidos bens são indispensáveis à atividade econômica da devedora.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 265
Assim, concedo a liminar requerida para dar efeito suspen
sivo ao agravo até decisão final, ficando o representante legal da
agravante nomeado depositário dos bens, mediante compromisso
a ser lavrado em primeiro grau. Oficie-se comunicando.'
Sustenta a requerente, em primeiro lugar, que efetivamente cum
priu, na primeira instância, a determinação do art. 526 e que não po
deria o tribunal, de ofício, exigir que se comprovasse, também perante
ele, a mencionada exigência.
No mais, postula pela manutenção da decisão que concedeu efeito
suspensivo ao agravo, afirmando que o 'bem objeto da alienação
fiduciária trata-se de imóvel por acessão, além de ser indispensável ao
desenvolvimento de sua atividade econômica', acrescentando que a re
vogação da liminar poderia acarretar grave lesão à empresa.
2. Inicialmente, impende registrar que o recurso especial foi in
terposto contra acórdão proferido em agravo de instrumento nos au
tos de ação de busca e apreensão, incluindo-se, assim, na modalidade retida prevista no art. 542, § 311., CPC.
Por outro lado, o escopo da nova sistemática, introduzida pela
Lei nll. 9.756/98, conforme pude assinalar em sede doutrinária, é 'evitar que processos, nos quais ainda não proferida decisão final nas ins
tâncias ordinárias, subam uma ou mais vezes ao Supremo Tribunal Fe
deral e/ou ao Superior Tribunal de Justiça para a definição de ques
tões concernentes a decisões interlocutórias, a saber, decisões que no
curso do processo resolvem questões incidentes (CPC, art. 162, § 211.)'.
Destarte, a celeridade e a economia nortearam essas recentes modificações no processo civil, de modo a privilegiar a efetividade da pres
tação jurisdicional.
No entanto, não se pode conceber a letra da lei sem ter em con
ta a finalidade que a direciona. Com efeito, há situações em que a per
manência do recurso especial retido nos autos pode frustrar o exame
da questão pelo Poder Judiciário, como, por exemplo, em face de dano
irreparável ou de difícil reparação e de lesão ou efetiva ameaça a direito.
O afastamento dessas questões da apreciação do Judiciário esgarçaria o princípio constitucional da inafastabilidade do controle juris
dicional, que 'garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não
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266 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTICA
pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão
fundada no direito e pedir solução para ela' (Araújo Cintra, Antô
nio Carlos de, et aI., Teoria Geral do Processo, 13a ed. rev. e atual.,
São Paulo: Malheiros, 1997, n.Q. 65, p. 138). Noutro trecho da mesma
obra (n.Q. 8, p. 34), expressam os seus ilustres autores:
'A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias)
e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque
uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados
harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz
as partes à ordem jurídica justa. O acesso à Justiça é, pois, a idéia
central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias.'
A não admissão da cautelar, nessas hipóteses, com efeito, ense
jaria lacuna na prestação jurisdicional, conforme define Galeno
Lacerda:
'Resta suprir uma lacuna importante: qual a competência
para processar e julgar as cautelas nos períodos intermediários de
tramitação do processo? Trata-se das fases em que aparentemen
te desaparece ou se oculta a jurisdição integral sobre a causa,
como depois da publicação da sentença de primeiro grau até dis
tribuir-se ao Relator a apelação, ou depois do julgamento desta
ou dos embargos até o retorno do proceso ao juízo a quo, compreendendo-se, neste hiato, a interposição de eventual recurso ex
traordinário ou especial, perante o tribunal recorrido' (Comen
tários ao Código de Processo Civil, 7a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, n.Q. 46, p. 206).
Assim, se o recurso especial permanece retido e há risco de dano,
a medida cautelar deve ser requerida a esta Corte, nos termos do art.
800, parágrafo único, do Código de Processo Civil, alterado pela Lei
n.Q. 8.952/94. Em outras palavras, a excepcionalidade dos casos concre
tos deve ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de
cautelar, quando se tratar de recurso especial retido (art. 542, § 3.Q.,
CPC, com a redação dada pela Lei n.Q. 9.756/98).
Aliás, a jurisprudência desta Corte admite o ajuizamento da
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 267
cautelar para comunicar efeito suspensivo a recurso especial, em ca
sos excepcionais, conforme se extrai do AgRg MC n!2. 535-SP (DJ de
09.12.96), de que fui Relator, com esta ementa:
'Cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial. Liminar con
cedida e referendada pela Turma. Agravo desprovido.
- Constitui jurisprudência assente na Corte que não se deve prodigalizar a concessão de cautelares para comunicação de efeito
suspensivo a recursos a ela destinados e desprovidos de tal eficá
cia. Não menos certo, também, que a medida merece abrigo quan
do presentes os pressupostos jurídicos do seu deferimento, espe
cialmente quando satisfatoriamente demonstradas circunstâncias
fáticas que induvidosamente podem ensejar lesão de incerta repa
ração.'
Diante disso, tendo como cabível, no caso, o ajuizamento da presente cautelar.
3. Relativamente ao mérito, é cediço que a concessão da liminar em ação cautelar, inclusive nesta instância, se sujeita à configuração
do fUlllUS boni iuris e do pericululll in lllora. No caso, o que se
pretende é restabelecer a decisão que sustou os efeitos da liminar de
busca e apreensão dos bens alienados fiduciariamente, até o julgamento
do recurso especial interposto nos autos de agravo de instrumento.
Quanto ao primeiro dos requisitos, vislumbro-o na orientação que
veio a prevalecer nesta Turma no sentido de que 'não cabe ao Relator
do recurso a iniciativa de exigir a comprovação a que se refere o art.
526 do Código de Processo Civil' (REsp n!2. 184.456-MG, DJ de
05.04.99, Relator o Ministro Barros Monteiro).
Não se nega, é bem verdade, que já se decidiu que o agravante
deve demonstrar no Juízo de origem que interpôs o recurso no tribu
nal juntando na primeira instância cópia das suas razões e a relação dos
documentos que a acompanharam, tendo assinalado que o não cumprimento da incumbência no prazo de três dias acarreta a ausência de re
gularidade formal, autorizando o não conhecimento do agravo. A pro
pósito, o REsp nD. 148.770-SP, de minha relatoria, julgado êm
13.10.97, assim ementado:
'- A não observância do disposto no art. 526 do Código de
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268 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo Civil leva à ausência de pressuposto de admissibilidade
recursal, impondo o não conhecimento do recurso.'
No caso em exame, entretanto, a situação é diferente.
O acórdão recorrido entendeu que o recorrente também deveria comprovar na segunda instância que cumpriu a determinação do art.
526, CPC. E diante da falta de manifestação do recorrente, exercitou juízo de admissibilidade negativo no agravo.
Equivocou-se, data venia, o egrégio Tribunal. Primeiro, ao intimar o agravante a juntar aos autos do recurso a comprovação de ter realizado a obrigação do referido artigo 526, sem provocação da par
te interessada ou manifestação do juiz da causa, já que se trata de nulidade relativa. Segundo, e sobretudo, ao desconsiderar, mesmo depois de devidamente demonstrado, em sede de embargos de declaração, que, no prazo legal dos três dias que se seguiram à interposição do
agravo, o agravante cumpriu a mencionada exigência.
4. Ainda quanto ao fUIDUS boni iuris, é de assentar-se que, nos termos de precedente da Turma, 'as máquinas indispensáveis à atividade industrial da empresa devedora, apreendidas em ação de busca, podem permanecer na posse da ré enquanto tramita o processo, até o momento da efetivação da venda' (RMS nQ 5.038-PR, DJ de 27.03.95). No caso
dos autos, isto restou evidenciado tanto pelo eminente Relator, ao conceder a liminar de efeito suspensivo ao agravo, como pelo laudo anexado à petição de agravo.
5. O periculuID in IDora, por sua vez, estaria no prejuízo advindo com a paralisação da produção da requerente. Com efeito, retirado o maquinário da posse da empresa, única que dele pode dispor com utilidade e proveito, inclusive para produzir com o objetivo de quitar suas obrigações com o banco, haveria dano imediato ao normal desenvolvimento da sua atividade criadora de riquezas, sem que disso
resultasse benefício ao autor da ação; ao contrário, o mais provável é que o desuso determinasse a sua natural deterioração. A propósito, confira-se o REsp nQ 121.109-SC (DJ de 05.10.98), por mim relatado,
com esta ementa, no que interessa:
'lI - Em se tratando, entretanto, de bem essencial ao desempenho da atividade econômica da empresa devedora, podendo a retirada imediata acarretar até mesmo a completa paralisação de
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 269
suas funções, admite-se que ele fique em depósito com o arrendatário até que seja resolvida a ação possessória. Se a conseqüência da antecipação dos efeitos da sentença for excessivamente drástica, melhor que a situação permaneça no estado em que se
encontra.'
6. À luz do exposto concedo a liminar requerida, ad referenduIll, para, emprestando efeito suspensivo ao recurso especial, restabelecer a decisão que suspendeu os efeitos da liminar de busca e apreensão, até o julgamento final do recurso especial em tela.
Comunique-se esta decisão, por fax, ao eminente Presidente do 211 Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, encaminhando-se posteriormente pelos Correios o competente ofício.
Cite-se o Banco Noroeste S/A, por via postal, no endereço fornecido na inicial, com as cautelas legais.
7. Regularize a autora sua representação processual, em 10 (dez)
dias, juntando aos autos instrumento procuratório em original ou em cópia autenticada, sob pena de indeferimento da inicial (art. 284,
CPC)."
Acrescento que não houve nenhuma modificação no estado dos fatos desde a data dessa decisão e que o recurso especial correspondente ainda não foi julgado.
Mantenho o entendimento exposto.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N.Il. 4.836 - SlP (Registro n ll 90.0008593-4)
Ministro Cesar Asfor Rocha
Euphly Jalles (espólio)
José Augusto Sundfeld Silva e outros
Takuso Nishi e outros
Osmair Aparecido Picoli e outros
EMENTA: Civil - Evicção e indenização - CUIllulação - Possibilidade.
RSTI, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
270 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ainda que seja irrelevante a existência ou não de culpa do
alienante para que este seja obrigado a resguardar o adquirente dos
riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressalllen
te esta responsabilidade, nada illlpede que o adquirente busque o
ressarcilllento talllbélll COlll base na regra geral da responsabilida
de civil contida nos arts. 159 e 1.059 do Código Civil.
"A pretensão de silllples reexallle de prova não enseja recurso especial." (Súlllula n Q 7 -STJ).
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re
curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro
Barros l\l1onteiro.
Brasília-DF, 15 de junho de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 18.10.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Os ora recorridos -
Takuso Nishi e outros ajuizaram ação ordinária de indenização contra o
agora recorrente espólio de Euphly Jalles, alegando que adquiriram do fa
lecido Euphly Jalles glebas de terras na então Fazenda Ponte Pensa.
Entretanto, em face de outra ação judicial, o referido Euphly Jalles veio
a perder para o terceiro Alcides do Amaral Mendonça os direitos que tinha
sobre aquelas glebas alienadas aos autores, ora recorrentes, e estes, em ra
zão disso, ajuizaram embargos de terceiro contra Alcides.
Nesses embargos, os ora recorrentes saíram vencidos e tiveram que en
tregar a terra para o então embargado, bem como de indenizá-lo na meta
de das custas e das despesas processuais com os peritos; ademais, perderam
RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 271
metade das benfeitorias úteis e das suntuárias realizadas a partir da contes
tação dos embargos, além da restituição, ou o pagamento do equivalente, da
metade dos frutos colhidos a partir da contestação dos embargos, deduzidas as despesas de produção e custeio, e a entrega da metade dos frutos penden
tes à época do trânsito em julgado da decisão.
Ao fundamento de que ninguém pode vender o que não tem, e tendo
Euphly Jalles vendido aos ora recorrentes terras que em virtude de decisão
judicial foram perdidas para Alcides, teriam os compradores-recorrentes di
reito à indenização por evicção e também em razão do disposto no art. 159
do Código Civil, indenização essa que deveria abranger; o preço atualiza
do das terras, bem como das benfeitorias ali erigidas, e mais o valor cor
respondente à metade dos frutos que colheram a partir de 1966 até março de 1985, e os honorários advocatícios pagos no curso daqueles embargos e nas demais medidas judiciais e extrajudiciais decorrentes do litígio sobre
referidas terras, das custas e despesas desta ação, tudo a ser apurado em liquidação de sentença.
Ao contestar o feito, o réu, dentre outras postulações, requereu, em preliminar, a sua extinção aduzindo que os autores, por pretenderem uma
indenização em razão da evicção, deveriam, por ocasião da propositura dos
embargos de terceiro interpostos contra Alcides, ter notificado o alienante,
conforme determinaria o Código de Processo Civil de 1939, e como isso não
fizeram não poderiam reclamar em ação autônoma aludida indenização.
Ademais, no mérito sustentaram fundamentalmente que a indenização com
fincas no artigo 159 do Código Civil seria incabível quando se trata, como
no caso, de evicção, já que a lei material civil possuiria normas específicas
a respeito da evicção, não se podendo, assim, remeter a indenização aqui
tratada para as regras gerais do referido artigo 159.
Registro que Euphly trabalhara como agrimensor na divisão da Fazen
da Ponte Pensa em 1931 e para reclamar seus honorários de agrimensor ajui
zou ação executiva, na qual se penhorou o quinhão objeto da presente pendenga que veio a ser arrematado pelo próprio Euphly, não tendo a car
ta de arrematação sido expedida à vista dos embargos de terceiro interpos
tos, com sucesso, pelo credor hipotecário.
A r. sentença de fls. 512/526 julgou extinto o processo sem julgamento
de mérito, por entender que "não pode aquele que tem direito a uma inde
nização pela evicção, postular, com origem nos mesmos fatos, ressarcimento por perdas e danos em razão de ter o alienante agido com culpa", sendo
que, sob a sistemática da legislação processual civil anterior, os autores não
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
272 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
efetivaram a necessária notificação do alienante nos embargos de terceiro
que ajuizaram, por meio do instituto do chamamento à autoria.
Por sua vez, a egrégia 1 li Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Es
tado de São Paulo deu parcial provimento à apelação dos autores, afastan
do a extinção do processo, sem julgamento de mérito, para que a demanda
fosse examinada e decidida em sua integralidade. Sob o fundamento de que
se afigura plenamente admissível o concurso de pedidos, o v. aresto com
batido asseverou que "se o agir com culpa exclui a evicção, nada impede
que as duas causas de pedir sejam invocadas com caráter eventual, ou seja,
se a primeira causa de pedir (evicção) não fundamentar a procedência do
pedido de ressarcimento, passa-se à apreciação da segunda causa de pedir,
que pode ou não propiciar o atendimento ao pedido indenizatório. O que
é necessário é não esquecer o caráter de eventualidade, que pode ocorrer na
cumulação de causas de pedir, ou na cumulação (eventual) de pedidos" (fi.
557).
O egrégio Tribunal a quo afastou também a necessidade da interven
ção do terceiro responsável para garantir aos adquirentes o direito à inde
nização pela evicção.
No tocante à necessidade da intervenção do terceiro responsável para
garantir aos adquirentes o direito à indenização pela evicção, consignou o
decisUlll:
"N o caso vertente, é sabido que a evicção não ocorreu nos em
bargos de terceiro, opostos pelos ora autores, na execução do r. julga
do, relativo à arrematação e à prescrição da ação executiva de hono
rários de agrimensor. A invalidade da aquisição é derivada, tendo como
causa a invalidade da arrematação, decorrente do reconhecimento da
prescrição da pretensão executiva, no caso, prescrição intercorrente.
Após v. acórdão da colenda Suprema Corte, a compra e venda de ter
ras estava com a situação dos adquirentes e do alienante definida. Foi
contra a ameaça ou a efetivação de desocupação que os ora autores
opuseram os citados embargos de terceiro. Sustentaram domínio, tendo
como antecedente o do alienante, sendo que esse domínio ficou
desnaturado com a prescrição da execução, reconhecida pela Suprema
Corte. Sustentaram a prescrição aquisitiva, ou seja, a ocorrência de
usucapião. Apenas um deles obteve êxito. E na sentença ficou reconhe
cido que o dito alienante não tinha posse das terras, mas apenas a tença
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 273
delas, ou seja, era detentor ou tenedor das mesmas (fl. 56). Além dis
so, ficou reconhecido que os embargantes não eram legítimos proprie
tários ou possuidores das áreas que ocupavam. Mas, de qualquer for
ma, a sorte dos adquirentes estava selada, desde a famosa decisão do
colendo Supremo Tribunal Federal.
Assim sendo, fica a indagação: para que notificar o alienante,
quando dos referidos embargos de terceiro? Teria tido oportunidade
para procurar evitar a evicção, quando a perda das terras adquiridas era
uma conseqüência da reconhecida invalidade da arrematação? Não foi
nos citados embargos de terceiro, opostos pelos adquirentes, que o
alienante passou a ficar evicto. Já estava.
O chamamento à autoria, nos citados embargos de terceiro, era
supérfluo, sendo que o alienante poderia ajudar os embargantes na ten
tativa de subtração à constrição judicial ou no reconhecimento da
prescrição aquisitiva. Ademais, naquela 'execução' (desocupação) o
alienante não poderia ser considerado 'terceiro', pois participara como
exeqüente e como tal figurava, quando a prescrição da pretensão exe
cutiva foi reconhecida. Decidiu-se que 'o chamamento à autoria não é
necessário quando o réu na ação de evicção foi parte na ação em que
foi o autor despojado dos bens, como condômino que era' (RF 86/388).
Aqui, o alienante foi parte no processo, em que se decidiu pela inva
lidade da arrematação. E dessa invalidade deriva a da aquisição das
terras. Logo, o chamamento não era necessário quando dos referidos
embargos.
Se supérfluo e desnecessário o chamamento à autoria, diante do
que ficara decidido na Suprema Corte, não se pode concluir que os
autores perderam o direito de reclamar qualquer indenização pela
evicção apontada na inicial desta demanda." (fls. 558/560).
Acolhidos em parte os declaratórios, adveio o recurso especial, com
fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Para tanto, alega
o espólio ter o v. acórdão contrariado o disposto nos arts. 159, 1.059 e 1.107
a 1.117 do Código Civil, pois a indenização pela evicção possui como
pressuposto a notificação do responsável, sob a forma de seu chamamento
à autoria, que não foi levada a efeito, sendo que não se pode aplicar à
evicção, que tem tratamento especial, a disciplina geral de indenização.
Aduz, ainda, ter o aresto divergido do entendimento sufragado por outras
Cortes do País.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
274 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o recorrido não ofereceu contra-razões no prazo legal, consoante se
verifica da certidão de fi. 589.
o recurso foi admitido na origem, indo ao douto Ministério Público
Federal, que ofereceu parecer pelo conhecimento e improvimento do re
curso pela alínea a e pelo seu não conhecimento pela alínea c.
Recebidos no meu gabinete em 4 de fevereiro de 1999, e remetidos
para a inclusão em pauta no dia 17 de maio do mesmo ano.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): O recurso não
merece acolhida.
A uma, porque a extinção do processo, sem julgamento do mérito, foi
bem afastada, para que a demanda fosse examinada e decidida em sua
integralidade uma vez que se afigura plenamente admissível o concurso de
pedidos pois ainda que seja irrelevante a existência ou não de culpa do
alienante para que este seja obrigado a resguardar o adquirente dos riscos
da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta respon
sabilidade, nada impede que o adquirente busque o ressarcimento também
com base nas regras gerais da responsabilidade civil contidas nos arts. 159
e 1.059 do Código Civil, pois, "nada impede que as duas causas de pedir
sejam invocadas com caráter eventual, ou seja, se a primeira causa de pe
dir (evicção) não fundamentar a procedência do pedido de ressarcimento,
passa-se à apreciação da segunda causa de pedir, que pode ou não propi
ciar o atendimento ao pedido indenizatório. O que é necessário é não es
quecer o caráter de eventualidade, que pode ocorrer na cumulação de causas
de pedir, ou na cumulação (eventual) de pedidos" (fi. 557).
A duas, porque, a desconstituição do decidido pelo egrégio Tribunal
a quo no ponto que deu por desnecessária a intervenção do terceiro (recor
rente) responsável para garantir aos adquirentes (recorridos) o direito à in
denização pela evicção, envolve revolvimento de prova o que encontra o
intransponível empeço decorrente do Enunciado n!l 7 da Súmula-STJ, se
gundo o qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial", em vista de as instâncias ordinárias decidirem soberanamente
sobre os fatos da causa.
Ainda que assim não fosse, a participação seria mesmo dispensável,
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 275
conforme restou bem demonstrado pelo v. decisuIll hostilizado, nessas pas-
sagens:
"No caso vertente, é sabido que a evicção não ocorreu nos em
bargos de terceiro, opostos pelos ora autores, na execução do r. julga
do, relativo à arrematação e à prescrição da ação executiva de hono
rários de agrimensor. A invalidade da aquisição é derivada, tendo como
causa a invalidade da arrematação, decorrente do reconhecimento da
prescrição da pretensão executiva, no caso, prescrição intercorrente.
Após o v. acórdão da colenda Suprema Corte, a compra e venda de ter
ras estava com a situação dos adquirentes e do alienante definida. Foi
contra a ameaça ou a efetivação de desocupação que os ora autores
opuseram os citados embargos de terceiro. Sustentaram domínio, tendo
como antecedente o do alienante, sendo que esse domínio ficou
desnaturado com a prescrição da execução, reconhecida pela Suprema
Corte. Sustentaram a prescrição aquisitiva, ou seja, a ocorrência de
usucapião. Apenas um deles obteve êxito. E na sentença ficou reconhe
cido que o dito alienante não tinha posse das terras, mas apenas a tença
delas, ou seja, era detentor ou tenedor das mesmas (fl. 56). Além dis
so, ficou reconhecido que os embargantes não eram legítimos proprie
tários ou possuidores das áreas que ocupavam. Mas, de qualquer for
ma, a sorte dos adquirentes estava selada, desde a famosa decisão do
colendo Supremo Tribunal Federal.
Assim sendo, fica a indagação: para que notificar o alienante,
quando dos referidos embargos de terceiro? Teria tido oportunidade
para procurar evitar a evicção, quando a perda das terras adquiridas era
uma conseqüência da reconhecida invalidade da arrematação? Não foi
nos citados embargos de terceiro, opostos pelos adquirentes, que o
alienante passou a ficar evicto. Já estava.
O chamamento à autoria, nos citados embargos de terceiro, era
supérfluo, sendo que o alienante poderia ajudar os embargantes na ten
tativa de subtração à constrição judicial ou no reconhecimento da
prescrição aquisitiva. Ademais, naquela 'execução' (desocupação) o
alienante não poderia ser considerado 'terceiro', pois participara como
exeqüente e como tal figurava, quando a prescrição da pretensão exe
cutiva foi reconhecida. Decidiu-se que 'o chamamento à autoria não é
necessário quando o réu na ação de evicção foi parte na ação em que
foi o autor despojado dos bens, como condômino que era' (RF 86/388).
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
276 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Aqui, o alienante foi parte no processo, em que se decidiu pela
invalidade da arrematação. E dessa invalidade deriva a da aquisição das
terras. Logo, o chamamento não era necessário quando dos referidos
embargos.
Se supérfluo e desnecessário o chamamento à autoria diante do
que ficara decidido na Suprema Corte, não se pode concluir que os
autores perderam o direito de reclamar qualquer indenização pela
evicção apontada na inicial desta demanda." (fls. 558/560).
Adotando esses mesmos fundamentos como razão de decidir, não co
nheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL NQ. 26.668 - SP (Registro nll 92.0021705-2)
Relator: Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrentes: Elisa Esther Pizzoti Ferreira Alves e outros, e Município de
São Paulo
Recorridos: Os mesmos e Eduíno Nunes e cônjuge
Advogados: Rubens de Barros Brisolla e outros, Maria Regina Ferro
Queiroz Penteado e outros, e José Roberto Dermínio
EMENTA: Civil. Margens de rios.
É de propriedade particular a faixa de servidão nas lllargens
de rios.
Recurso especial da Municipalidade de São Paulo não conheci
do, sendo parciallllente conhecido e, nessa parte, provido o recurso
de Elisa Esther Pizzoti Ferreira Alves e outros.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re
curso do Município de São Paulo e conhecer em parte do recurso interposto
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 277
por Elisa Esther Pizza ti Ferreira Alves e outros e, nessa parte, lhe dar pro
vimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Bueno de Souza, Sálvio
de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
B;asília-DF, P de dezembro de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 15.03.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: A Municipalidade de São Paulo, primeira recorrente, promoveu contra os recorridos do primeiro recurso especial e ainda contra Eduíno Nunes uma ação reivindicatória tendo por objeto bens públicos municipais que seriam terrenos reservados ao longo do antigo leito do Rio Tietê, bem como os antigos álveos, cumu
lando com pedido de indenização pela ocupação indevida dessas áreas públicas, com o cancelamento dos respectivos registros imobiliários, alegando que os réus haviam invadido referidos terrenos.
Em primeira instância a ação foi julgada parcialmente procedente apenas para conceder à autora a entrega da parte dos imóveis inserta no álveo antigo, negando-se a indenização pleiteada e ainda a área reservada referen
te às margens. Por outro lado, decidiu que se houver benfeitorias no local os ocupantes seriam indenizados, porque não demonstrada a má-fé, mas sem direito de retenção.
O egrégio Tribunal a quo, por seu turno, ordenou a devolução de todos os bens relacionados na inicial, invertendo os ônus da sucumbência, mantendo a negativa de indenização, dando por prejudicada a apelação dos
réus.
Por duas fundamentais razões todos os terrenos reivindicados foram entregues à autora: a primeira, referente à pequena área inserta no álveo
antigo, porque "o leito do Rio Tietê, como está afirmado, sem qualquer contestação, aliás fato conhecido de todos os paulistanos, foi faz já alguns
anos (e no trecho a perícia indica o ano de 1960) modificado por obras empreendidas pela Administração e no interesse público" (fi. 346); a segun
da, porque os terrenos marginais reservados seriam bens públicos dominicais, inclusive aqueles relativos ao antigo álveo.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
278 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Inconformada, a Municipalidade ingressou com recurso especial, com
fincas na letra c do permissor constitucional por pretendida divergência com os julgados que indica do então 1 J.l. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, sempre postulando pela indenização.
Os réus igualmente recorreram, com base nas letras a e c do permissor
constitucional por sugerida divergência com o julgado a que se reporta e por alegada violação aos arts. 11, 12 e 14 do Decreto nJ.l. 24.643/34 (Código de Águas) e aos arts. 530, II, e 536, IV, do Código Civil.
Os recursos foram admitidos na origem, tendo a douta Subprocura
doria Geral da República opinado pelo não conhecimento de ambos os re
cursos.
Era o de importante a relatar.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR AS FOR ROCHA (Relator): 1. O recurso da autora, Municipalidade de São Paulo, não pode ser conhecido pelo pre
tendido dissídio pois não foi observado o disposto no parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil e no § 2J.l. do art. 255 do RISTJ, apre
sentando-se falha a comprovação da desinteligência dos julgados, não tendo o recorrente procedido a demonstração analítica das circunstâncias que
identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, impossibilitando a evidência da moldura fática norteadora das decisões que afirmou discrepantes, pois é imprescindível para a caracterização do dissídio jurisprudencial, por lógico, que os acórdãos ostentadores de díspares conclusões hajam sido pro
feridos em idênticas hipóteses.
2. Quanto ao recurso dos réus, tenho como parcialmente procedente
o inconformismo.
3. Como visto, por duas fundamentais razões todos os terrenos reivindicados foram entregues à autora: a primeira, referente à pequena inserta no
álveo antigo, porque "o leito do Rio Tietê, como está afirmado, sem qualquer contestação, aliás fato conhecido de todos os paulistanos, foi faz já al
guns anos (e no trecho a perícia indica o ano de 1960) modificado por
obras empreendidas pela Administração e no interesse público" (fl. 346); a segunda, porque os terrenos marginais reservados seriam bens públicos do
minicais, inclusive aqueles relativos ao antigo álveo.
Com relação ao primeiro grupo de terreno, alegam os réus que a au
tora deveria ter feito prova de que desapropriara os terrenos onde está agora
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 279
o novo leito do Rio Tietê, bem como que teria registro imobiliário desses
terrenos em seu nome, pois só assim o terreno correspondente ao antigo
álveo a ela seria destinado, nos termos do disposto no art. 27 do Código de
Águas, como compensação pelas despesas que efetuara na desapropriação.
Como nada disso teria ocorrido, o alveus derelictus deveria ficar com
os proprietários ribeirinhos no comprimento da testada de sua proprieda
de até a linha que divide o álveo ao meio, na aplicação do art. 26 daquele
Código.
Acontece que a primeira questão envolve reexame de prova, a que não se afeiçoa o recurso especial em face do Enunciado nU 7 da Súmula-STJ,
segundo o qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial ", em vista de as instâncias ordinárias decidirem soberana
mente sobre os fatos da causa.
Ainda que assim não fosse, e apenas como reforço, o recurso não poderia ser acolhido, nesse ponto, uma vez que essa questão já foi sepultada
no agravo de instrumento apenso, que afastou as preliminares levantadas
pelos réus .
. 4. Com relação ao segundo tópico, isto é, aos terrenos reservados, com razão os réus.
Adoto, como razão de decidir, nesse ponto, o voto que proferi como
Relator no REsp n!l. 36.317-9-SP, da egrégia Primeira Turma, em 06.04.94,
que se ajusta, com acurada harmonia, ao feito em tablado, a saber:
"O r. aresto hostilizado deixou consignado que 'é incontroverso
que os terrenos reservados, de que se trata, integram a área titulada pelos expropriados, nos termos do título aquisitivo registrado na Ma
trícula nU 456 do CRI de Buritama. Isto quer dizer que, não houvera
a expropriação, deles poderiam os expropriados dispor livremente, e de maneira onerosa, como o fizeram ao gravar a gleba maior com a
hipoteca. Os mencionados terrenos marginais estão inseridos no direito dominial de que se viram os particulares despojados por força da expropriação' (fls. 425/426).
Hely Lopes Meirelles, analisando a questão referente aos terre
nos reservados, assim leciona, consoante anota o r. acórdão atacado:
'Terrenos reservados são as faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos e canais públicos, na largura de 15m,
RSTJ, Brasílía, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
280 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
oneradas com a servidão de trânsito, instituída pela Lei Imperial
nJ2.1.507, de 26.09.1867, revigorada pelos arts. 11, 12 e 14 do
Decreto Federal nJ2. 24.643, de 10.07.1934 - Código de Águas.
Essa servidão, como toda servidão, é ônus real sobre a propriedade alheia. Tratando-se, como se trata, de uma servidão públi
ca ou administrativa, destina-se unicamente a possibilitar a rea
lização de obras ou serviços públicos pela Administração, no in
teresse da melhor utilização das águas, no aproveitamento de
suas riquezas e do seu policiamento, a exemplo das servidões de
halage e de marchepied do direito francês, onde o nosso legisla
dor se inspirou. Tal servidão, entretanto, não tem sido entendida corretamente por muitos dos nossos juristas, que a consideram
como transferência da propriedade particular para o domínio pú
blico. O equívoco desses intérpretes é manifesto, pois as terras
particulares atingidas por essa servidão administrativa não pas
saram para o domínio público, nem ficaram impedidas de ser uti
lizadas por seus proprietários, desde que nelas não façam cons
truções ou quaisquer outras obras que prejudiquem o uso normal
das águas públicas, ou impeçam o seu policiamento pelos agen
tes da Administração.
Interpretar a reserva dessas faixas como transferências de
domínio é desconhecer a natureza e finalidade da servidão que as
onera, e que visa, única e exclusivamente, deixar livre as margens
das águas públicas para o policiamento pelos agentes da Administração. Por isso mesmo, em caso de desapropriação, indenizamse também as terras reservadas. Nem poderia a lei despojar a pro
priedade particular sem indenização. Se o legislador assim agisse praticaria um confisco vedado pela Constituição' (Direito Ad
ministrativo Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 16.a ed., pp.
455/456)" (fls. 423/425).
E arremata:
"Como toda servidão administrativa, esta também incide
sobre a propriedade particular, visto que seria rematado absurdo
que o Poder Público a instituísse sobre seus próprios bens. Tan
to isso é exato, que quem compra e vende terras ribeirinhas, no
Brasil, o faz em toda a sua extensão, até as margens do rio, ou
seja, até o leito normal das águas, e, com essa extensão transcreve
RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 281
o título aquisitivo no registro imobiliário, para os fins do art.
530, I, do Código Civil, obtendo assim o direito real oponível erga oIllnes enquanto vigente a transcrição, nos termos do art.
859 do mesmo Código. Como pode o Estado desconhecer e negar essa transcrição aquisitiva quando expropria o imóvel?" (op.
cit., pp. 516/517).
No mesmo sentido, o decidido pela mesma Primeira Turma no REsp n.Q. 31.433-5-SP, relatado pelo eminente Ministro Garcia Vieira (DJ de
28.06.93), assim sumariado, no que interessa:
"A faixa de servidão nas margens dos rios é de propriedade particular, tanto que sobre elas foram instituídas servidões públicas ad
ministrativas.
Recurso provido parcialmente."
5. Em face dessas conclusões fica restaurada a sentença monocrática
inclusive no que se reporta aos ônus sucumbenciais.
Por isso, não conheço do recurso do Município de São Paulo, mas conheço parcialmente do recurso interposto por Elisa Esther Pizzoti Ferreira
Alves e outros e, nessa parte, lhe dou provimento.
RECURSO ESPECIAL N.2. 37.416 - SP (Registro nD. 93.0021407-1)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: Real Seguradora S/A
Advogados: Tânia Regina Pedro e outros
Recorrido: Adolfo Carlos Von Randow
Advogados: Belmira dos Santos Costa e outros
EMENTA: Civil e Processual Civil - Seguro - Renovação presu
mida - Furto residencial - Culpa da seguradora - Ação indenizatória
- Contrato - Prequestionamento - Ausência - Matéria de fato - Pres
crição ânua afastada - CC, art. 177.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
282 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - Impossível a rediscussão acerca da responsabilidade da se
guradora pela não renovação de contrato, em face de prejuízos de
correntes de furto residencial, eis que além de não prequestionadas
as normas substantivas invocadas pela recorrente, a discussão exi
ge o reexame da prova. Incidência das Súmulas n2 s 282 e 356 do STF
e 7 do STJ.
11 - Não impugnado na contestação o valor pedido pelo autor
corno ressarcimento pelos objetos furtados, presume-se aceita a es
timativa, achando-se correto o acórdão que deu pela preclusão do
terna.
111 - Tratando-se de ação de indenização por culpa da ré, a prescrição é a do art. 177 do Código Civil, afastado o prazo de um
ano previsto no art. 178, § 62 , 11, da mesma lei substantiva.
IV - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como
de lei.
Brasília-DF, 14 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator.
Publicado no DJ de 25.10.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Real Seguradora
S/A interpõe recurso especial contra acórdão prolatado pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, que a condenou a indenizar Adolfo Carlos Von Randow
relativamente a furto ocorrido em sua residência, por não haver efetuado a
automática renovação de seu seguro.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 283
Sustenta a recorrente que a decisão contraria os arts. 178 e 1.432 a
1.476 do Código Civil, porquanto desconheceu a inexistência do contrato
de seguro, que não é renovado sem o atendimento das formalidades previstas
nos referenciados dispositivos, a par de desconhecer a prescrição ânua apli
cável à espécie; Aduz que igualmente restaram violados os arts. 267, IV, e
302, UI, do CPC, o primeiro porque há a carência da ação, eis que a obri
gação quanto à renovação pertencia ao autor, e o segundo em razão do va
lor fixado para a condenação, o qual foi estipulado pelo autor e entendido
pelo Tribunal a quo como não oportunamente impugnado, aplicando a
preclusão.
Contra-razões às fls. 1091116, com preliminar de não conhecimento
por não indicação precisa da norma em que se apóia o recurso e falta de
prequestionamento, acentuando que a ação é de indenização por culpa da
seguradora em não renovar o seguro, quando era isso o previsto entre as
partes, o que afasta tanto a prescrição invocada, como a carência da ação.
Salienta, mais, que a prova dos autos mostra o ato ilícito cometido pela ré
e os danos causados.
O recurso foi admitido na instância ordinária pelo despacho presiden
cial de fls. 118/119.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Trata
se de ação indenizatória movida por Adolfo Carlos Von Randow contra com
panhia seguradora, sob alegação de que a mesma era responsável pelos pre
juízos a ele causados em razão de furto em sua residência, porquanto não
procedeu à renovação automática de seu contrato.
O colendo Tribunal de Justiça de São Paulo, após afastar a preliminar
de prescrição, julgou procedente a ação, condenando a ré a ressarcir ao autor
os prejuízos, por ele estimados na exordial em Cr$ 2.000.000,00 (dois mi
lhões de cruzeiros).
Insurge-se a seguradora contra tal decisão, sustentando ofensa aos arts.
178 e 1.432 a 1.476 do Código Civil, e 267, IV, e 302, lU, do CPC, por
tanto com base na letra a do permissivo constitucional, que embora não acu
sado no recurso, é plenamente indentificável, afastando-se, de logo, a impug
nação a respeito contida nas contra-razões.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
284 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
No tocante à discussão de mérito, tenho que não houve o necessário
prequestionamento, porquanto o acórdão decidiu a controvérsia fundamentalmente à luz do art. 159 do Código Civil e dos fatos trazidos à colação,
concluindo que o autor fora induzido em erro pela seguradora, sendo ab
solutamente razoável ter-se que presumia a renovação do seguro residencial
(cf. fi. 92). Incidem, pois, na espécie, as Súmulas nQs 282 e 356 do STF, a
par da Súmula nQ 7 do STJ, anotando-se que não foram opostos embargos
declaratórios pela parte inconformada.
Sustenta a recorrente, também, contrariedade ao art. 302, lII, da lei adjetiva civil, quanto ao valor da indenização, tido pelo aresto estadual
como não impugnado na contestação e, por isso mesmo, considerada
preclusa a questão.
De efeito, a contestação da ré não discutiu, em momento algum, o
quantum pleiteado pelo autor. Não se lhe pode dar razão, data venia,
quando afirma no recurso especial que à fi. 31 impugnou tal pretensão, por
que não foi assim. Naquele trecho de sua peça de defesa, a ré cuidava da
carência da ação ao argumento de que a indenização era indevida porque
inexistia apólice de seguro renovada, nada mais. Em momento algum cui
dou a contestação de rejeitar o valor de Cr$ 2.000.000,00 (dois milhões de cruzeiros) pelos bens furtados (uma bicicleta, um aparelho de vídeo-casse
te, revólver e caixa de balas), de sorte que restou alcançada pela preclusão
tal debate, tomando-se como verdadeiros os fatos narrados pelo recorrido.
Por fim, no que tange à prescrição ânua prevista no art. 178 do CPC,
não é o caso.
Acertado o que diz o acórdão a quo, litteris (fi. 91):
"Não ocorreu, outrossim, a prescrição. Na verdade, o fundamento
da ação é a relação jurídica decorrente de ato culposo entre uma pes
soa física afirmando prejuízo por ato ilícito de outra, que estaria, em
tese, obrigada a reparar o dano. Não se discutiu o contrato de seguro
não se objetivando, em conseqüência, indenização contratual ou
securitária. Em conseqüência, aplica-se à espécie a regra geral precei
tuada no artigo 177 do Código Civil, não tendo ocorrido o lapso
prescricional."
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
RECURSO ESPECIAL NQ 37.975 - RJ (Registro nll. 93.0023525-7)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Maria Lúcia Candiota da Silva e outros
Recorrente: Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes
Advogados: José Roberto Waldemburgo Abrunhosa e outros
Recorridos: Os mesmos
285
EMENTA: Civil - Condomínio - Ação sumaríssima - Cotas em atraso - Título não registrado - Cobrança feita à antiga condômina (CEF) - Rescisão da alienação após a sentença monocrática - Fato novo - Aplicação do art. 462 do CPC pelo Tribunal Regional -Pertinência - Multa moratória convencional - Dispositivo da Lei n!l 4.591/64 não prequestionado - Súmula n Q 211-STJ - Honorários advocatícios - Parâmetro legal - Art. 20, § 3Q
, do CPC.
I - Inexiste violação ao art. 515, caput, do CPC, no fato de o Tribunal, bem servindo-se do art. 462 da mesma lei adjetiva, ter considerado fato novo surgido imediatamente após a sentença de 1!l
grau, consubstanciado na rescisão do compromisso de compra e venda, que devolveu a titularidade à ré sobre o imóvel que se achava em débito com as cotas condominiais.
H - Descabe ao STJ apreciar a não aplicação de multa moratória estipulada em Convenção de Condomínio. Violação à Lei n!l 4.591/ 64 não prequestionada. Incidência da Súmula n Q 211 do STJ.
IH - Não configuradas as hipóteses do art. 20, § 4Q, do Código
de Ritos, os honorários advocatícios devem ser fixados dentro dos parâmetros do § 3Q do mesmo dispósitivo legal. Sucumbência elevada a 10% sobre o valor da execução.
IV - Recurso da CEF não conhecido. Recurso do condomínioautor conhecido e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
286 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conhecer do recurso da Caixa Econômica Federal e conhecer do recurso do
Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes e dar-lhe parcial provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosa
do de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 16 de setembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator.
Publicado no DJ de 25.10.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Aproveito o re
latório constante do acórdão de fls. 467/471, verbis:
"No Juízo da 1211. Vara Federal-RI, Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes propôs ação sumaríssima contra a Caixa Econô
mica Federal - CEF, objetivando a condenação da ré ao pagamento de
7984,8710 BTNs, acrescido de multa de 20% e dos juros de 1 % ao
mês, além das custas condominiais vincendas, com juros e correção
monetária.
Alegou que a ré encontrava-se em débito em relação à sua obri
gação de participar nas despesas de manutenção do condomínio referente à sala 1.219, junto ao autor, não tendo até a presente data procurado encerrar suas dívidas.
Na audiência de instrução e julgamento, cuja ata se encontra à fl.
386, a CEF contestou o pedido asseverando que não era devedora do autor vez que, o Hotel Cabo Frio Bangalôs Ltda adquiriu, através de
promessa de compra e venda, os imóveis cujo condomínio questiona
va-se através dos presentes autos. Foi ainda indeferida a exceção de
incompetência impetrada pelo Hotel Cabo Frio Bangalôs Ltda e
deduzidas alegações finais pelas partes.
Na sentença de fls. 403/405, o MM. Juiz a quo julgou improce
dente o pedido.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 287
Às fls. 410/415, juntada pelo autor de cópia do acordo entre o Hotel Bangalôs e a CEF, onde rescindem a promessa de 31.08.82.
Inconformado, o autor apelou (fls. 441/451).
A CEF interpôs agravo de instrumento contra o indeferimento da
denunciação à lide.
Contra-razões às fls. 458/460."
o egrégio Tribunal Regional Federal da 2ll. Região, dando parcial pro
vimento à apelação do condomínio-autor, condenou a CEF a pagar as co
tas condominiais em atraso, com os acréscimos respectivos, e na verba honorária de sucumbência de 5% sobre o valor da execução (fl. 471).
Seguiram-se embargos declaratórios do condomínio às fls. 476/478 e da CEF às fls. 480/481, acolhidos em parte os primeiros, para se incluir as cotas vencidas no curso da lide, e rejeitados os segundos (fls. 483/489).
Irresignada, a Caixa Econômica Federal interpõe recurso especial, com
fundamento nas letras a e c do art. 105, IIl, da Constituição Federal, alegando que o acórdão baseou-se em distrato da promessa de cessão operado após a sentença, de sorte que aconteceu julgamento extra petita violan
do o art. 515 do CPC. Argumenta que a decisão diverge do entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que cita (fls. 491/494).
Contra-razões às fls. 509/518, sustentando a responsabilidade da CEF
por ser a titular do imóvel, e a inexistência de julgamento além do pedido. Diz, mais, que a recorrente deve ser punida por litigância de má-fé.
Às fls. 520/529, o condomínio-autor interpõe também recurso especial postulando a aplicação da multa de 20% prevista na convenção de condo
mínio, cujo afastamento pelo aresto importou em contrariedade ao art. 12, § 3l!., da Lei nl!. 4.591/64. Acrescenta que os honorários devem ser fixados
em 20%, ou, pelo menos em 10%, não sendo o caso do art. 20, § 4,\ por não se referir às empresas públicas como a CEF. Requer, ainda, a conde
nação da ré por má-fé.
Contra-razões da CEF às fls. 533/535, impugnando a incidência do art.
462 do CPC e o pedido de aumento de honorários, afirmando, mais, o descabimento da punição da ré.
O recurso especial da CEF foi admitido à fl. 538 e o do condomínio à fl. 547, na instância a quo.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
288 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
o SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): São dois os recursos especiais admitidos na instância de origem, contra acórdão do colendo Tribunal Regional Federal da 2Jl. Região, assim ementa do (fi.
474):
"Civil. Taxa condominial.
I - Pagamento de cotas condominiais relativas à sala 1.219 do Edifício Centro Cândido Mendes.
II - Imóvel prometido à venda à Cetenco Engenharia S/A e Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários, com.promessa de cessão a Cabo Frio Bangalôs Ltda, cessão esta registrada no Registro de Imóveis após a distribuição da ação.
III - Sérgio Dourado, através de escritura, deu em pagamento vários imóveis, inclusive este, à Caixa Econômica Federal, para can
celamento da hipoteca.
IV - A Caixa Econômica Federal, que se sub-rogou nos direitos dos promitentes-vendedores, rescindiu a promessa de cessão com Cabo Frio Bangalôs Ltda, estipulando que a referida promessa ficaria sem
nenhum efeito, como se jamais tivesse existido.
V - A CEF, portanto, é devedora das cotas condominiais, acrescidas tão-somente de juros, correção monetária a partir da data em que cada cota se tornou devida e honorários advocatícios de 5% sobre o
valor da execução.
IV - Recurso parcialmente provido."
(AC nl2. 91.02.16907-0-RJ, Relatora-Desembargadora Federal Tânia Heine, unânime, DJU de 28.07.92).
No primeiro dos recursos, a Caixa Econômica Federal alega violação ao art. 515, caput, do CPC, eis que o aresto regional considerou, no julgamento, o instrumento de rescisão do compromisso de promessa de ces
são, conquanto fosse ele posterior à sentença.
A questão se acha devidamente prequestionada no aresto que apreciou
os embargos declaratórios, de sorte que cabível o recurso pela letra a, já que, no tocante à divergência, ele não atende aos requisitos regimentais em
face da ausência do confronto analítico.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 289
A Corte regional aplicou o princípio do art. 462 do CPC, e fê-lo bem,
inexistindo qualquer ofensa ao art. 515, caput, do mesmo Código.
De efeito, se a Caixa Econômica Federal, dois dias após a sentença
monocrática, deliberou, espontaneamente, desfazer a venda da unidade co
mercial que apresentava débito junto ao condomínio-autor, trazido aos au
tos ainda antes da interposição da apelação, não poderia ser ignorado pela
instância revisora, nos precisos termos do art. 462, que reza:
"Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da
lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requeri
mento da parte, no momento de proferir a sentença."
Theotonio Negrão, em seu Código de Processo Civil e Legislação
Processual em Vigor anota que:
"Art. 462:15. A regra do art. 462 do CPC não se limita apenas ao juiz de I II grau, mas também ao tribunal, se o fato é superveniente
à sentença CRSTJ 42/352, 87/237, STJ-RT 687/200 e STJ-Bol. AASP l.7871122; RT 6331123,646/143,6631164, 6661106,678/180,
RJTJESP 99/92, JTA 98/338, 105/299, 123/210, Lex-JTA 154/49)" Cob. cit., 3011. ed., pp. 448/449).
Destarte, se a discussão girava em torno da responsabilidade pelo pa
gamento de cotas condominiais, em face de alienação do imóvel, porém sem
que se tivesse operado o registro do título aquisitivo pelo Hotel Cabo Frio
Bangalôs Ltda, a alteração, no curso da lide, imediatamente depois de proferida a sentença de I II grau, a respeito da propriedade do imóvel, havia,
forçosamente, por configurar fato novo incidental, que ser trazida aos au
tos e considerada pela Corte ordinária a quem endereçados os recursos das
partes. E não se diga que ocorreu algum cerceamento de defesa, porquanto, na hipótese, como acima ressaltado, o instrumento de rescisão foi tra
zido à colação preteritamente às apelações, de sorte que pode ser nelas amplamente debatido, bem assim nas respectivas contra-razões. Ademais, a pró
pria Caixa Econômica Federal é que deu ensejo à controvérsia incidental,
ao celebrar, no curso da ação, o mencionado distrato.
E se voltou a CEF a ser a titular do imóvel, é sua a responsabilidade
pelas contas condominiais, mesmo porque, segundo o acórdão, na rescisão
RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
290 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
restou declarado que o compromisso desfeito era tido "como se jamais ti
vesse existido" (fl. 470).
Não conheço, pois, do recurso da Caixa.
II
Com relação ao recurso do condomínio-autor, ele impugna o aresto regional em três aspectos.
A multa de 20% foi afastada pelo Tribunal ao fundamento de que se questionava qual a parte responsável pelas cotas de condomínio, só definitivamente firmado em 2>1. grau com a rescisão do compromisso anterior.
Tenho que a questão escapa ao âmbito do STJ, por se cuidar de penalidade prevista em convenção de condomínio, de acordo com os seus par
ticulares pressupostos, que não compete à instância especial apreciar. É certo que o recorrente sustenta, a respeito do tema, contrariedade ao art. 12, § 3>1., da Lei n>1. 4.591/64, mas o certo é que não houve o seu prequestionamento, incidindo, na espécie, a Súmula n>1. 211 desta Corte.
Finalmente, no tocante aos honorários advocatícios, tenho que se con
figura, na espécie, a ofensa ao art. 20, § 3>1., do CPC, visto que não é o caso
do § 4>1.. Inexiste justificativa para a não observância dos parâmetros estabelecidos na regra geral e as empresas públicas, como a CEF, a eles não se acham infensas, daí por que elevo o percentual da sucumbência a 10% so
bre o valor da condenação.
Ante o exposto, e concluindo, não conheço do recurso da Caixa Eco
nômica Federal, conhecendo, no entanto, e dando parcial provimento ao recurso do Condomínio do Edifício Centro Cândido Mendes, para elevar os honorários de sucumbência a 10% sobre o valor da condenação.
É como voto.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL NQ 86.302 - RS (Registro n>1. 96.0003909-7)
Ministro Barros l\{onteiro
Gregório Romeu Gonçalves da Silva
Rubens Santana Irion
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.
Recorrida:
Advogado:
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Eunice de Miranda Melo Gonçalves da Silva
Paulo Cardoso Carlucci
291
EMENTA: Divórcio - Partilha de bens - Meação reivindicada pelo marido em bens havidos pela mulher após longa separação de
fato.
- Não se comunicam os bens havidos pela mulher após longa
separação de fato do casal (aproximadamente 20 anos). Preceden
tes da Quarta Turma.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs.
Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 17 de junho de 1999 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 06.09.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Gregório Romeu Gonçalves da Silva ajuizou ação de divórcio direto contra Eunice de Miranda Melo
Gonçalves da Silva.
O MM. Juiz de Direito julgou procedente a ação para o efeito de decretar o divórcio, reconhecendo ao autor o direito à meação dos bens elencados na inicial, exceto os móveis e eletrodomésticos, mediante partilha a ser processada oportunamente.
A 811. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por
maioria, deu provimento à apelação para julgar improcedente a partilha dos bens havidos pela ré. Eis a ementa do acórdão:
"Divórcio direto. Partilha de bens. Meação indeferida. Desfeita
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
292 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a sociedade conjugal há mais de vinte anos pela separação de corpos
e desfeito, assim, o casamento como manifestação de vontade ou
concretização da união entre os litigantes, sendo que, inclusive, o va
rão constituiu, de há muito, entidade familiar, os bens adquiridos pela
mulher através de herança, posteriormente à separação, não se comu
nicam. Precedentes jurisprudenciais. Apelo provido." (fi. 137).
Os embargos infringentes foram rejeitados em acórdão cujos fundamen
tos se resumem na seguinte ementa:
"Separação judicial.
Pretensão do cônjuge-varão à meação de bens herdados pela ex
mulher doze anos após a separação fática por abandono voluntário do
lar pelo marido, ocorrido há cerca de vinte anos. Comunicabilidade
inadmissível. Ausência de suporte legal justo.
Comprovada a longa separação de fato do casal, cessa ao varão
que abandonou o lar e mantém união estável e filhos com outra mu
lher, a comunicabilidade dos bens havidos pela ex-cônjuge, posterior
mente ao rompimento fático dos consortes. Casamento para dar azo aos
efeitos jurídicos do regime matrimonial estabelecido pressupõe coabi
tação. Sem convivência inexiste casamento gerando direitos e obriga
ções.
Embargos rejeitados." (fi. 171).
Inconformado, o autor manifestou o presente recurso especial com ar
rimo na alínea a do permissor constitucional, apontando violação aos arts.
262, 263 e 267 do Código Civil. Defendendo a imutabilidade do regime de
casamento - comunhão universal -, sustentou o direito à meação dos bens
havidos por sucessão de seus sogros antes da decretação do divórcio. De
outro lado, abordou a questão da suspeição do Desembargador-Relator da
apelação da qual se originou o recurso de embargos infringentes.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo os
autos a esta Corte.
A Subprocuradoria Geral da República opinou pelo improvimento do
recurso.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 293
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): l. O tema alusivo à suspeição do Sr. Desembargador-Relator da apelação, a par da
preclusão operada por ausência de impugnação oportuna, não foi objeto de
prequestionamento, pressuposto específico do apelo excepcional (Súmula n!l
282-STF).
2. No tocante à questão de fundo, o REsp interposto é, a rigor, inadmissível, pois o recorrente se cinge a argüir a contrariedade a dispositivos
do Código Civil, sem articular de maneira lógica e coordenada as razões
embasadoras de suas afirmativas. Invocável, no ponto, o enunciado do Verbete Sumular n!l 284 da Suprema Corte.
Em verdade, o autor - ora recursante - olvida por completo a maté
ria de fato que constituiu o supedâneo da decisão ora recorrida. O ex-ma
rido abandonou a família há mais de 20 anos, passando a conviver maritalmente com outra mulher, havendo inclusive manifestado o desinteresse quan
to à destinação dos bens que eventualmente lhe tocariam por força do regime da comunhão universal.
Firmada tal situação de fato, ainda que arredada a deficiência formal
do recurso especial, acima salientada, tem-se que o decisório combatido não
ofendeu os preceitos de lei federal invocados pelo recorrente. A constância do casamento pressupõe à evidência a convivência dos consortes, o que no
caso se rompera de há muito. Além do mais, a pretensão à meação mani
festada pelo ex-marido, em face das bases fáticas que emolduram o presente
litígio, representaria sim verdadeiro enriquecimento injusto, conforme deixaram patente tanto o acórdão da apelação como o decisulll proferido em
sede de embargos infringentes.
Não se comunicam, portanto, os bens adquiridos por um dos cônjuges após longa separação de fato.
Essa, de resto, a orientação já traçada por esta colenda Turma em pelo
menos dois precedentes. Num deles, assentou-se que "os bens adquiridos pelo marido após 30 anos da separação de fato não integram a meação"
(REsp n.!l 60.820-1-RJ, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar). Do voto prolatado pelo ilustre Ministro-Relator colhe-se este excerto, de inteira pertinência na espécie em exame:
"Ocorre que a jurisprudência, em caso como o dos autos, reco
nhece que a mulher separada de fato do marido há mais de trinta anos,
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
294 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
com quem conviveu durante meses, não tem direito sobre o que o ma
rido adquiriu durante a longa separação, a que o tempo se encarregou
de atribuir efeitos definitivos e consolidados, inclusive de natureza ju
rídica. O eminente Prof. Yussef Said Cahali, no seu excelente trabalho
sobre Divórcio e Separação analisa e comenta a orientação que se for
mou a respeito do ponto, concluindo: 'O regime de bens é imutável
sim. Mas se o bem foi adquirido quando nada mais havia em comum
entre o casal, repugna ao Direito e à Moral reconhecer comunhão ape
nas de bens e atribuir a metade desse ao outro cônjuge' (op. cit., 211. ed.,
1I/873) ."
Pertinente, ainda, a decisão proferida por este órgão fracionário quando
do julgamento do REsp nJl 127.077-ES, também de relatoria do Sr. Minis
tro Ruy Rosado de Aguiar.
3. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N.!l 100.766 - SP (Registro nJl 96.0043245-7)
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Universidade de São Paulo - USP
Advogados: José Alberto Couto Maciel e outros
Recorrido: Heraldo Luiz Marin
Advogado: Celso Antônio Pacheco Fiorillo
EMENTA: Processo Civil - Extinção do feito sem. julgam.ento do
m.érito não se justifica em. razão da incom.petência absoluta no juízo
- Art. 267, VI, CPC - Ação rotulada com.o declaratória - Pedido de
natureza constitutiva - Irrelevância do nom.en iuris - Form.ação da
relação jurídica processual - Escolha do réu - Faculdade do autor -
Com.petência da Justiça Federal ratione personae - Fixação no tex
to constitucional - Im.possibilidade de am.pliação.
I - A incom.petência absoluta não é causa de extinção do feito
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 295
sem julgamento do mérito, posto que não elencada corno tal no art.
267, CPC, não podendo considerar-se, outrossim, que esteja subsumida na previsão do inciso VI desse artigo.
H - A natureza da ação é determinada pelo conteúdo do pedido formulado, sendo irrelevante o nomen iuris que lhe tenha atribuído o autor, principalmente em face dos princípios da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia, não cabendo ao juiz, portanto, encerrar o feito sem o julgamento do mérito sob o fundamento de que, rotulada a ação corno declaratória, não teria o autor o necessário interesse processual, em razão do pedido de natureza constitutiva agregado na inicial.
IH - Ao autor assiste a faculdade de eleger contra quem pretende demandar, assumindo os riscos inerentes a essa opção (podendo resultar de eventual equívoco a perda da demanda), havendo a pretensão que ser examinada tal corno formulada.
IV - A competência da Justiça Federal tem natureza constitucional, não comportando ampliação ou restrição por outro meio que a emenda constitucional, não surgindo nas causas em que não haja
ente federal ocupando a posição de autor, réu, assistente ou opoente, não bastando a simples declaração de interesse.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.
Brasília-DF, 15 de junho de 1999 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 16.08.99.
RELATÓRIO
O SR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Em ação
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
296 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
declaratória ajuizada pela recorrente contra o recorrido, a sentença julgou
extinto o feito, sem apreciação do mérito, nestes termos:
"A autora é carecedora da ação declaratória por falta de interesse de agir. A pretensão da requerente nesta demanda é, na verdade, a anulação dos registros e para tal não se presta a ação proposta, cuj os limites estão contidos apenas na declaração judicial.
Além disso discussão da titularidade e a alteração da propriedade perante o órgão encarregado do registro deve ser objeto de ação constitutiva.
Isto posto e por mais que dos autos consta julgo extinto o processo sem apreciar o mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil. A autora arcará com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa corrigido desde o ajuizamento."
A apelação da autora foi desprovida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, "alterados os fundamentos e o dispositivo legal". Do voto-condutor desse julgado extraio:
"Ora, a dubiedade do pedido leva a uma análise de sua essência
que, feita, estabelece qual a sua natureza, ensejando, no caso dos autos, sobretudo pelo princípio da economia processual, seu recebimento como anulatória de ato jurídico para que seja apurado e posteriormente declarado a quem pertence o direito decorrente dessa relação, evitando-se, assim, a propositura de outra ação versando sobre a mesma relação jurídica que, frise-se, já se percebe existente nesta.
Esta ação, do modo como foi intentada, tem o nítido objetivo de obter resposta à seguinte pergunta, implícita em seus termos: 'Houve ou não violação aos direitos da apelada?', e, como já visto, para tal a declaratória não se presta.
Portanto, identificada a natureza da ação, sena o caso de se recebê-la corretamente e, com isso, dar-se à autora uma gama maior
de meios com os quais produzir as provas e eventual direito a que pre
tende ver satisfeito.
Entretanto, por pretender a autora com a presente ação a anulação de registros de patente em programas de computador requeridos
pelo réu perante o INPI, sob a alegação de relação de emprego e sendo
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 297
este órgão da Administração Federal, a competência para conhecer e
julgar a ação é da Justiça Comum Federal.
Por tais razões, por fundamento diverso, nega-se provimento ao
recurso para manter-se a r. sentença recorrida e declarar-se extinto o
processo, sem conhecimento do mérito, nos termos do artigo 267, VI,
do CPC."
A apelante apresentou embargos declaratórios, que restaram rejeitados.
Adveio o recurso especial, fundamentado na alínea a do art. 105, III,
da Constituição, veiculando alegação de negativa de vigência aos arts. 4!l.,
50, 54 e 267, VI, CPC.
Foi também manifestado recurso extraordinário, arrimado em afron
ta ao art. 109, I, da Constituição.
Escoado o prazo das contra-razões, sem manifestação do réu, restou
admitido o especial e inadmitido o extraordinário, em decisão que não foi
atacada por agravo.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela
tor): Relativamente à apontada violação ao art. 4!l., CPC, não logra prosperar
o inconformismo.
O aresto impugnado não contrariou os termos desse dispositivo, não
tendo adotado tese jurídica que conduzisse à conclusão de que o interesse
do autor deveria ir além da declaração da existência ou inexistência de uma
relação jurídica, da declaração de autenticidade ou falsidade de um do
cumento, ou, ainda, que tendo ocorrido a violação do direito, seria inadmis
sível essa modalidade de ação.
N o julgado, ao revés, restou assentado que o pedido formulado pela
autora teria natureza diversa, posto que, mais do que a declaração da exis
tência ou inexistência de uma relação jurídica, a pretensão deduzida seria
de "anulação de registros de patente em programas de computador reque
ridos pelo réu perante o INPI".
2. No concernente aos arts. 50 e 54 da lei processual, melhor sorte
não socorre a recorrente. Os temas neles versados não foram enfrentados
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
298 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pelo Colegiado de 2Q grau, que em nenhum momento cuidou do instituto
da assistência, simples ou litisconsorcial.
3. Procede a irresignação, no entanto, na parte em que invoca violação ao art. 267, VI, CPC.
Vê-se que a extinção do feito, tanto em P quanto em 2Q graus, embora por fundamentos distintos, deu-se com base nessa norma, que prescreve a extinção do processo sem julgamento do mérito "quando não concorrer
qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual".
O fundamento central do julgado, entretanto, após afastar com base na boa doutrina a falta de interesse esgrimida pelo juiz de 1 Q grau, foi a in
competência da Justiça Estadual para apreciar o pedido, em razão de um possível interesse do INPI na causa.
Esse entendimento nega vigência ao dispositivo legal apontado pela
recorrente, haja vista a sua aplicação à espécie sem que os pressupostos legais para sua incidência estivessem presentes.
Entendendo o Colegiado ser incompetente a Justiça Estadual, competia-lhe o envio do proceso ao órgão competente, consoante se lê do art. 113, § 2Q
, do Código de Processo Civil, não havendo ensejo para a extinção sem julgamento do mérito, pelo fundamento adotado.
Destarte, é de ser conhecido o recurso especial, passando-se, segundo
a dicção do art. 257, RISTJ, a aplicar o direito à espécie.
N os termos da reiterada jurisprudência deste Tribunal, ao dirimir os conflitos que lhe são apresentados, a competência da Justiça Federal, fixada pelo texto constitucional no art. 109, I, somente surge quando na relação jurídica processual comparece a União, entidade autárquica ou empre
sa pública federal, interessadas na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes. Neste sentido, o CC n Q 14.994-RJ (DJ de 18.12.95), de que fui Relator, resumido por esta ementa:
"Competência. Conflito, Juízos Federal e Estadual. Ação versando diferenças no crédito de rendimentos da poupança. Relação processual angularizada entre poupador e banco privado. Ausência da União ou de ente federal na causa. Competência da Justiça Estadual.
I - A competência da Justiça Federal tem natureza constitucional, não comportando ampliação ou restrição por lei ordinária ou cons
trução jurisprudencial.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 299
II - Cuidando-se de relação processual angularizada entre pou
pador e banco privado, não se achando presente a União ou qualquer
de seus entes, a competência para conhecer e julgar a causa é da Justiça Estadual."
No caso concreto, observa-se, a relação processual angularizou-se en
tre a recorrente, que não detém prerrogativa de foro na Justiça Federal, não
sendo ente federal elencado no texto constituciona·l pertinente, e o recor
rido, particular, não havendo ensejo para cogitar-se da competência da Justiça Federal, nos termos em que posta a causa.
Ademais, compete ao autor escolher contra quem deseja demandar, assumindo os riscos inerentes a essa opção. Esta Corte, pela sua Terceira Turma já
enfrentou questão assemelhada, julgando, sob a relatoria do Ministro Eduardo Ribeiro, o REsp nQ 43.531-SP (DJ de 23.05.94), de cuja ementa se lê:
"Competência. Justiça Federal/Justiça Estadual.
Eventual interesse da União, ou de outro ente federal, não basta
para que se firme a competência do foro federal.
Necessário que figure como autora, ré, assistente ou opoente.
Cabe ao autor eleger com quem pretende litigar em Juízo, assu
mindo os riscos de eventual erro na escolha. Do equívoco poderá re
sultar que perca a demanda, mas a pretensão haverá de ser decidida tal
como formulada.
Ainda em caso de litisconsórcio necessário, o juiz determinará que o autor promova a citação. Se não o fizer, extingue-se o processo, mas
não será forçado a contender com quem não queira.
Hipótese em que o réu é ente estadual, não se podendo concluir
pela competência federal, apenas por se afirmar um possível interesse da União que, entretanto, não é parte no processo."
Pertinente, no particular, trazer à colação precedente desta Quarta Turma, da relatoria do Ministro Athos Carneiro, RMS n.Q. 625-RJ (DJ de
22.04.91), de cujo voto-condutor destaco:
"Todavia, razão não lhe assiste, eis que o INPI não foi parte na
causa, nela não assumiu a posição de autor, réu, assistente ou opoente (CF, art. 109, I), tratando-se de relação jurídica processual em que
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
300 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
foram partes, exclusivamente, pessoas jurídicas de direito privado. A simples circunstância de o v. acórdão haver, incidenter e como fundamento do julgado, declarado nulo o registro obtido pela ora impetrante, não operou coisa julgada material a respeito do registro (CPC, art. 469) e não deslocou a causa para a Justiça Federal."
Dessa orientação também não se afastou esta Turma ao julgar o RMS n Q 6.041-SP (DJ de 18.03.96), de que foi Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar que, ao proferir seu voto, consignou:
"Assim posta a questão, não parece que se deva afastar a competência da Justiça Estadual para apreciar o presente mandamus, pois tanto a ação principal quanto a cautelar foram processadas e julgadas perante o Juízo Estadual, sem a participação do INPI, que não veio aos autos para ocupar a posição de litisconsorte ou terceiro interessado, apesar de cientificado da ação, nem proferida decisão reconhecendolhe essa qualidade.
Aplicável à espécie precedente do egrégio Supremo Tribunal Federal:
'Citada a entidade federal, se esta manifestar seu interesse e pedir a intervenção no feito, só então os autos devem ser remetidos ao Juízo Federal, competente para reconhecer, ou não, a legitimidade do interesse da União ou autarquia federal na causa (RE 102.601-RJ, ReI. eminente Min. José Néri da Silveira).'
No mesmo sentido o julgado desta Corte, no CC n Q 793-SC, de lavra do eminente Min. Athos Carneiro:
'antes de citado o apontado litisconsorte, e de manifestar o mesmo interesse na demanda, competente para o processo é a Justiça Estadual.'
Posto isso, dou provimento ao recurso, para permitir que a egrégia Câmara prossiga no julgamento do recurso."
Sob a irrelevância do nomen iuris, no que diz com a questão do interesse, agitada na sentença como causa de extinção do feito sem julgamento do mérito, andou bem o Colegiado de 2Q grau ao sufragar o entendimento assim expresso no voto-condutor do acórdão:
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 301
"Não fosse a incompetência absoluta da Justiça Comum Estadual para apreciar e julgar a questão sub judice, a petição inicial, embora não muito clara e até fazendo confusão entre ação meramente declaratória com ação para anulação de ato jurídico, poderia ser aproveitada, como a seguir passa-se a demonstrar.
Cabe aqui, reproduzir brilhantes esclarecimentos acerca da presente discussão:
'O interesse de agir por meio de ação declaratória envolve necessidade, concretamente demonstrada, de eliminar ou resolver a incerteza do direito ou relação jurídica. A declaratória tem por conteúdo o acertamento, pelo juiz, de uma relação jurídica (RTJ 83/934) .'
'A ação declaratória não é meio de fazer prova, nem de converter obrigação incerta ou certa. Também não pode ter por finalidade a elucidação do comportamento das partes (TJRS - Rev. Jur. 57/129).'
'A declaração da existência de um fato escapa ao âmbito da ação meramente declaratória (TJSP - RT 230/350).'
'O Judiciário não é órgão de consulta. Com essa finalidade, não cabe ação declaratória (RJTJESP 105/91).'
Antonio Carlos de A. Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. DinaInarco descrevem com propriedade o que vem a ser relação jurídica:
'Ora, relação jurídica é justamente o nexo que liga dois ou mais sujeitos, atribuindo-lhes poderes, direitos, faculdades, e os correspondentes deveres, obrigações, sujeições, ônus.
Através da relação jurídica, o direito regula não só os conflitos de interesses entre as pessoas, mas também a cooperação que estas devem desenvolver em benefício de determinado objetivo comum. ( ... )' (Teoria Geral do Processo, RT, 1976, 3<1. tiragem, 321 p., p. 247).
A ausência do interesse de agir seria manifesta nos termos da ação denominada na petição inicial.
Se a ação se espelhasse, em todo o seu universo, como declaratória, seria correto o posicionamento do d. Juízo a quo.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
302 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Entretanto, diante da manifesta e presente relação jurídica, a melhor interpretação acerca de qual a natureza do pedido seria a de
considerá-lo como ação anulatória de ato jurídico.
Observa-se na peça inaugural que a autora pede que a ação:
'( ... ) deverá ser julgada procedente, declarando-se, por sentença a nulidade dos registros e cadastramentos dos programas de
computador em referência, reconhecendo-se que a titularidade dos mesmos pertence à requerente' (fi. 9).
Não é o nomen juris que caracteriza a natureza da ação,
mas a essência do pedido, observados todos os seus elementos constitutivos, tarefa atribuída ao juiz, pois, 'Às partes cabe alegar
e fornecer a prova dos fatos, ao juiz aplicar o direito: da mihi factum, dabo tibi jus. E, ao aplicar o direito que emerge dos fatos, independe o juiz das partes: jura novit curia' (Moacir Amaral dos Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Saraiva, 4a. ed., 2.1l. vol., p. 80).
Ora, a dubiedade do pedido leva a uma análise de sua essên
cia que, feita, estabelece qual a sua natureza, ensej ando, no caso
dos autos, sobretudo pelo princípio da economia processual, seu
recebimento como anulatória de ato jurídico para que seja apu
rado e posteriormente declarado a quem pertence o direito decorrente dessa relação, evitando-se, assim, a propositura de outra ação versando sobre a mesma relação jurídica que, frise-se, já se
percebe existente nesta."
Assim sendo, é de ser conhecido o recurso pela apontada violação do art. 267, VI, CPC, para, reformando-se o r. acórdão recorrido, determinarse o retorno dos autos à primeira instância, a fim de ser apreciada a pre
tensão contida na inicial, tal como posta.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N.2. 106.023 - RS (Registro n.ll. 96.0054791-2)
Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Banco do Brasil S/A
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 303
Recorridos: Getúlio Edson Tonetto e outro
Advogados: Pedro Afonso Bezerra de Oliveira e outros, e Antonio Antu
nes Cavalheiro
EMENTA: Processual Civil - Mútuo garantido por penhor
cedular - Ação de depósito - Itnpropriedade da ação.
Conquanto adtnissível a tradição sitnbólica à perfectibilização
do penhor cedular, não cabe a ação de depósito para reaver os bens
que lhe serviratn de objeto.
Precedentes.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re
curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar,
Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente,
o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília-DF,. 23 de novembro de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DI de 15.03.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: O ora recorrente ajui
zou contra os recorridos ação de depósito de bens objeto de penhor cons
tituído em cédula rural.
A r. sentença teve a ação como improcedente entendendo descarac
terizado o depósito quando "inexistentes ou futuros ou incertos" os bens
dados em garantia.
O apelo do autor foi improvido, tendo o v. voto-condutor do acórdão
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
304 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
recorrido, transcrevendo precedente jurisprudencial, considerado indispensável à perfectibilização do depósito a tradição efetiva da coisa, assim como incabível a ação de depósito sendo ele de bens fungíveis, por se caracterizar como irregular.
Daí o especial em exame, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, por alegada negativa de vigência aos "artigos 14, V, 15, 17, 18,25, V, e 55, todos do Decreto-Lei n.Q. 167, de 14.02.67; arts. 1.275 e 1.287 do Código Civil; art. 901 do Código de Processo Civil; Lei n.Q. 454, de 9 de julho de 1937; Decreto n.Q. 370, de 2 de maio de 1890, art. 362; Lei n.Q. 3.253, de 27 de agosto de 1957, arts. 2, 3, 4 e 5; Lei n.Q. 492/37, art. 6i! e Lei ni! 4.829, de 5 de novembro de 1965" (fl. 396).
Sustenta o recorrente a legitimidade do depósito adstrito ao penhor cedular de colheitas em vias de formação, tal como seria previsto pelos artigos 15 e 19 do Decreto-Lei n.Q. 167/67 c.c. o art. 6.Q. da Lei n.Q. 492/37 e 29 da Lei ni! 4.829/65, afirmando que "por se tratar de colheita pendente, para cuja formação foi destinado o valor corporificado pela Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária, não está a perfectibilidade da constituição do penhor cedular dependente da entrega dos bens, por isso tido como depósito irregular especialíssimo e apto a legitimar a 'ação de depósito' proposta pelo banco" (fls. 395/396).
Em contra-razões, os recorridos pugnam pelo acerto do aresto guerreado, aduzindo o não cabimento da ação de depósito em se tratando de bens fungíveis objeto de penhor dado em garantia de contrato de mútuo.
O recurso foi inadmitido na origem, tendo ascendido a esta Corte em virtude de agravo de instrumento por mim acolhido.
Recebi o processo, após pedido de vista, no dia 6 de dezembro de 1996, e remeti-o para pauta no dia 29 de outubro de 1998.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): l. Não obstante a dispensabilidade da tradição efetiva à perfectibilização do penhor cedular, tendo ele por objeto bens fungíveis, o depósito que se constituir será desguarnecido, portanto, da ação de depósito.
A questão, conquanto tormentosa, já está pacificada nesta Corte, conforme se verifica do decidido no REsp ni! 122.751-MG, sob a relatoria do
eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 305
"Direito Comercial e Civil. Penhor rural. Bens fungíveis e consumíveis. Tradição simbólica. Carência da ação de depósito. Pre
cedentes do tribunal. Recurso acolhido.
- Embora se admita a tradição simbólica para o aperfeiçoamen
to do contrato de penhor, ainda que seja penhor agrícola ou rural, não se pode exigir a entrega dos bens dados em garantia por meio da ação
de depósito, se eles têm natureza jurídica fungível, tendo em vista a incompatibilidade com o dever de custódia ou mesmo a aplicação à espécie das regras atinentes ao contrato de mútuo, o qual não admite o manejo do referido procedimento especial." (DI de 05.10.98).
São expressivos exemplos, ainda, dentre muitos outros, os julgados nos
REsps nl15. 3.013-SP, 13.970-RS, 11.108-RS, 13.591-MG, 48.180-5-GO,
15.597-MS e 42.011-3-PR, os dois primeiros relatados pelo eminente Mi
nistro Eduardo Ribeiro, e os demais, respectivamente, pelos eminentes Ministros Cláudio Santos, Nilson Naves, Costa Leite, sendo os dois últimos da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro, e deles extraio a se
guinte ementa:
"Ação de depósito. Penhor mercantil. Coisas fungíveis e consu
míveis.
Tratando-se de bens fungíveis e consumíveis, aplicam-se ao de
pósito as regras de mútuo, pelo que incabível a ação de depósito com pedido de prisão do devedor. Precedentes do STl
Recurso especial não conhecido."
2. Devo observar, todavia, que não é porque o art. 1.280 do Código Civil pontifica que o depósito de coisas fungíveis "regular-se-á pelo disposto
acerca do mútuo", que estou a concluir que o depósito irregular e o mútuo tenham a mesma identidade.
° mestre Pontes de Miranda observa em seu Tratado ... , que "a re
gra jurídica, remetendo às regras jurídicas sobre o mútuo, não identifica mú
tuo e depósito irregular. A finalidade do contrato, no mútuo, é crédito; no
depósito irregular, conservação do bem".
Assim, "dentre as regras jurídicas sobre o mútuo, que o Código Civil
diz invocáveis a respeito do depósito irregular, ... somente podem incidir,
a propósito do contrato de depósito irregular e dos seus efeitos, o que não
se choque com o conceito de depósito. Faltou, evidentemente, ao art. 1.280,
RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
306 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
mas subentende-se, o usual 'no que for aplicável'" (in Tratado de Direito
Privado, voI. 42, § 4.589 e § 4.666).
No mesmo diapasão são as lições de Teixeira de Freitas, Serpa Lopes, Orlando Gotnes, Carvalho de Mendonça e Carvalho Santos, este a afirmar que "o depósito não deixa de ser depósito pelo fato de se apli
carem as regras concernentes ao mútuo".
Ora, se depósito irregular e mútuo fossem a mesma coisa, mais lógi
co teria sido o Código Civil logo afirmar haver entre eles a mesma identi
dade. Se não o disse, é porque, certamente, não quis igualá-los.
Nem por isso, todavia, tenho que todo depósito enseja a ação preten
dida pelo recorrente, pois somente a tenho por cabível quando cogitar-se do
chamado depósito clássico, que é aquele cuidado pelos arts. 1.265 e seguintes do Código Civil, em que o depositário recebe, para guardar, um objeto
móvel do depositante, para restituí-lo quando lhe for exigido, não impor
tando que esse objeto móvel importe em coisas fungíveis ou infungíveis.
Nesse tipo de contrato o bem maior a ser preservado é o respeito à
confiança e à boa-fé empenhada na guarda de coisa alheia.
Bem diferente da situação ora cogitada, em que o depósito de que se
cuida surge como elemento secundário, mero garantidor do mútuo celebra
do, não merecendo, por isso, nem a proteção austera decorrente da ameaça
de prisão, nem o rito sufocante imposto pelos arts. 901 e seguintes do Código de Processo Civil, daí a impropriedade da ação especial de depósito.
4. Em face de tais pressupostos, não conheço do recurso.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N.2. 164.661 - SP (Registro n.\). 98.0011657-5)
Recorrente:
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Alusio Pardo Canholi
Advogado:
Recorrido:
Advogados:
Paulo Roberto da Silvayeda
Condomínio Edifício Huguette
Gilto Antonio Avallone e outro
EMENTA: Direito Processual Civil e Civil - Citação - Via postal
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 307
- Pessoa física - Procedilllento - Interpretação do art. 223, parágra
fo único, CPC - Entrega pessoal ao citando - Necessidade - Ônus
do autor de provar, no caso, a validade da citação - Precedente da
Turllla - Legislação anterior - Irrelevância - Condolllínio - Conven
ção aprovada e não registrada - Obrigatoriedade para as partes
signatárias - Legitilllidade do condolllínio - Recurso especial -
Prequestionalllento - Ausência - Recurso acolhido.
I - Na citação de pessoa física por via postal, é indispensável a
entrega diretalllente ao citando, devendo o carteiro colher seu ciente.
H - Se o aviso de recebilllento da carta citatória for assinado por
outra pessoa, que não o próprio citando, e não houver contestação, o
autor telll o ônus de delllonstrar que o réu, ainda que não tenha assi
nado o aviso, teve conhecilllento da delllanda que lhe foi ajuizada.
IH ~ A convenção de condolllínio registrada, COlllO anota a boa
doutrina, telll validade erga Olllnes, elll face da publicidade alcan
çada. Não registrada, lllas aprovada, faz ela "lei entre os condôlllinos,
passando a disciplinar as relações internas do condolllínio".
IV - Não se conhece do recurso especial quando a lllatéria, elll
bora invocada pela parte nas instâncias ordinárias, não lllereceu
apreciação do Tribunal. Nos terlllOS da jurisprudência deste Tribu
nal, telll-se por prequestionada deterlllinada lllatéria, a ensejar o
acesso à instância especial, quando a llleSllla é debatida e efetiva
lllente decidida pelas instâncias ordinárias.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e
dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros
Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza.
Brasília-DF, 3 de dezembro de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DI de 16.08.99.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
308 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Trata-se
de ação de cobrança ajuizada pelo condomínio, ora recorrido, contra o re
corrente, pleiteando o pagamento de taxas condominiais em atraso, referen
te à unidade autônoma nil 101 integrante do condomínio-autor e de proprie
dade do réu.
A ação não foi contestada, tendo o juiz sentenciante, após decretar a
revelia do réu, julgado procedente o pedido.
Apelou o réu, sustentando, em suma, a nulidade da citação e a irregu
laridade na representação do condomínio. No mérito, afirmou que não foi
demonstrada a idoneidade das despesas cobradas.
O 2il Tribunal de Alçada Civil de São Paulo negou provimento ao re
curso, argumentando que não houve qualquer irregularidade na citação,
além de afirmar ser "o síndico o representante legal do condomínio, con
forme demonstram as atas das assembléias de fls. 8/18. E, o fato de ainda
não estarem registradas, referida circunstância não isenta os condôminos dos
pagamentos das despesas condominiais".
Oferecidos declaratórios, nos quais postulou o então apelante a mani
festação da Turma sobre a questão da validade das despesas cobradas, foram
eles rejeitados.
Adveio o recurso especial fundamentado nas alíneas a e c do permissor
constitucional, veiculando, além de dissídio jurisprudencial, alegação de
afronta aos seguintes artigos:
a) 223, parágrafo único, CPC, argumentando que a carta citatória foi
entregue a uma pessoa estranha, desconhecida do citando, de nome Ricardo
Severino Prado, consoante se nota do aviso de recebimento anexado aos
autos, sendo certo que a citação, ainda que seja pelo correio, deve ser en
tregue pessoalmente;
b) 3il e 12, IX, CPC e 9il da Lei n il 4.591/64, afirmando que, não
tendo havido o registro da convenção do condomínio, teria sido omitida
a forma prescrita em lei, de sorte a obstar a sua validade, além de asse
verar que a pessoa jurídica do condomínio não teria existência legal,
não podendo, outrossim, figurar como parte no pólo ativo da demanda;
c) 333, CPC, porque não teria o condomínio comprovado a validade
da cobrança das despesas condominiais.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
309
o SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela
tor): 1. Afasta-se, de início, o cabimento do recurso em relação ao terceiro
ponto.
Primeiro, porque do tema não tratou a Turma julgadora, carecendo o
recurso especial, no ponto, de pressuposto específico de cabimento, a saber, o prequestionamento. Incidente, assim, o Enunciado n ll 282 da Súmula-STF.
Não se nega, é verdade, que tenha o recorrente suscitado a apreciação
do tema em sede de embargos de declaração. No entanto, mesmo assim a
matéria não foi objeto de exame pelo Colegiado de origem, sendo certo que
se tem por prequestionada determinada questão, a ensejar o acesso à instância especial, quando a mesma é debatida e efetivamente decidida nas ins
tâncias ordinárias, não bastando a sua invocação pela parte interessada.
Segundo, porque a pretensão recursal, no particular, não prescindiria
do revolvimento de matéria fática, procedimento defeso no âmbito desta
Corte, a teor do Enunciado n ll 7 da Súmula-STJ.
2. Relativamente ao segundo ponto, não logra também ser conhecido
o recurso.
A existência do condomínio como pessoa jurídica está condicionada ao
registro da convenção no registro de imóveis. O julgado recorrido, no entanto, não afirmou o contrário, não afrontando, por conseguinte, o dispos
to na norma que assim dispõe. A conclusão adotada nas instâncias ordiná
rias fundamentou-se na adesão dos condôminos à assembléia que criou o
condomínio-autor, obrigando-se, de livre e espontânea vontade, ao cumpri
mento do regulamento estipulado pela assembléia, inclusive ao pagamento
das chamadas "despesas condominiais". No particular, Marco Aurélio S.
Viana (Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, Saraiva,
2ll. edição, 1982, n ll 19, p. 21) leciona:
"Aprovada por 2/3 (dois terços) das frações ideais, é necessário
que a Convenção de Condomínio seja levada ao registro imobiliário.
Registrada, ela tem validade erga omnes, resultante da publici
dade alcançada.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
310 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É mister assinalar que, uma vez aprovada, ela faz lei entre os condôminos, passando a disciplinar as relações internas do condomí
nio. Apenas para ser oposta a terceiros é que se justifica a necessida
de de registro.
É o entendimento que se cristaliza na jurisprudência, como se
colhe em acórdão exarado pela 6" Câm. Civ. do Tribunal de Alçada do antigo Estado da Guanabara, na Ap. nU 22.332, Rep·. Áurea Pimentel,
Diário de Justiça da Guanabara, 22 jan. 1973, p. 40: 'Convenção não
levada a registro (art. 9Jl, § l Jl
, da Lei nJl 4.591/64), vale apenas como ajuste ou avença particular entre os condôminos, não obrigando a ter
ceiros a ela estranhos'.
E a 2" Câm. Civ. do mesmo Tribunal, na Ap. nJl 18.084, tendo como Relator Severo da Costa (Diário de Justiça da Guanabara, 11
jan. 1971, p. 15), esposou a mesma tese: 'O registro em questão só tem valia para as relações externas do condomínio, isto é, para com tercei
ros, e não do condomínio em relação aos seus componentes, que pode
ser, apenas, uma situação de fato justificadora daquela cobrança'."
Pertinente, no tema, ainda, a observação consignada no voto que pro
feri no REsp nJl 9.584-SP ((DJ de 09.03.92), deste teor:
" ... o condomínio, como cediço, embora sem personalidade jurí
dica, processualmente é catalogado entre as chamadas 'pessoas formais' (também a massa falida, o espólio e a herança jacente ou vacante), às
quais, como lembra o conhecido magistério do saudoso Amaral Santos, a lei confere capacidade de ser parte em juízo (cf. a respeito, Pri
meiras Linhas, voI. 1, nJl 291)."
De igual forma, outrossim, assentou esta Turma no REsp n Jl 63.530-DF, DJ de 29.06.98, também de minha relatoria:
"Direito Civil. Condomínio. Convenção aprovada e não registrada. Obrigatoriedade para as partes signatárias. Legitimidade do con
domínio. Recurso desacolhido.
- A convenção de condomínio registrada, como anota a boa dou
trina, tem validade erga omnes, em face da publicidade alcançada.
Não registrada, mas aprovada, faz ela 'lei entre os condôminos, passando a disciplinar as relações internas do condomínio'."
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 311
3. Resta, como se vê, a análise da validade, ou não, da citação efeti
vada nos autos.
o recorrente sustenta, com arrimo no artigo 223, parágrafo único,
CPC, que a carta citatória deveria ter-lhe sido entregue pessoalmente.
o recorrido, por sua vez, alega, sem, no entanto, nada comprovar, que
a citação foi efetivamente concretizada, argumentando que o réu tentou re
solver a demanda amigavelmente depois da citação, aduzindo ainda que o
que ocorreu, na realidade, foi que o réu e seu patrono chegaram atrasados
à audiência designada.
No acórdão recorrido consta que a carta citatória, embora tenha sido
direcionada ao endereço do réu foi recebida por outra pessoa, de nome
Ricardo Severino Prado. Tal circunstância, registre-se, é confirmada através
de uma simples observação ao aviso de recebimento anexado aos autos.
No regime anterior à vigência da Lei n ll 8.710/93, esta Turma teve
oportunidade de tratar do tema, como se vê do REsp n ll 80.068-GO (DJ
de 24.06.96), da relatoria do Ministro Barros Monteiro, consoante esta
ementa:
"Citação pelo correio. Pessoa física. Requisitos. Art. 223, § 3 ll ,
do CPC.
Para a validade da citação, não basta a entrega da correspondên
cia no endereço do citando; o carteiro fará a entrega da carta ao des
tinatário, colhendo a sua assinatura no recibo."
Na oportunidade, restou vencedora a tese de que a carta citatória, em
casos de pessoas físicas, deve ser entregue pessoalmente ao citando.
4. Pedindo vênia aos que entendem diferentemente, tenho que a me
lhor interpretação continua sendo a adotada no mencionado precedente, não
obstante a mudança da lei.
Sobre isso, a propósito, importante registrar que as inovações trazidas
pela Lei n ll 8.710/93 não alteraram substancialmente o procedimento de en
trega da carta citatória às pessoas físicas. A antiga redação do § 3 ll do art.
223, CPC, assim dispunha:
"O carteiro fará a entrega da carta registrada ao destinatário, eXI
gindo-lhe que assine o recibo."
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
312 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A atual redação do parágrafo único do mesmo dispositivo, a seu turno, registra, no que interessa:
"A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo."
Como se vê, não houve qualquer alteração no modo de recebimento da carta citatória. Em ambas as redações, portanto, verifica-se o igual propósito da lei, qual seja, de garantir a entrega da citação diretamente ao citando, devendo o carteiro colher a assinatura daquele ..
Egas Moniz Aragão, aliás, ao tratar do procedimento da entrega da carta citatória, comunga do entendimento de que não houve alteração substancial nesse procedimento com a entrada em vigor da nova lei, como se vê do seguinte tópico de sua doutrina:
"A alteração introduzida pela Lei nJ2. 8.710/93 não modificou substancialmente o que dispunha o texto revogado; fez-lhe apenas retoques, concentrando no caput e um só parágrafo o que antes se estendia por quatro proposições" (Comentários, Forense, 9~ edição, 1998, voI. II, nJ2. 258, p. 196).
Diante disso, como já ressaltado, continuo a entender que melhor se amolda à espécie a tese acolhida anteriormente por esta Turma. A propósito, colho dos fundamentos do voto-condutor daquele julgado:
"Não bastava, pois, que a carta fosse entregue a uma pessoa qualquer encontrada no endereço do citando. Vale lembrar o que assinalou o mestre Pontes de Miranda a respeito: 'no § 3.Q. , frisa-se que, à entrega do invólucro registrado, dita' carta', o destinatário tem de assinar o recibo' (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III, p. 266, ed. 1974). Igualo prelecionamento de Moniz Aragão, para que 'ao fazer a entrega da carta ao destinatário, exigir-Ih e-á o carteiro que subscreva o recibo respectivo, a ser devolvido ao remetente, para atestar a chegada da correspondência ao destinatário' (Comentários ao Código de Processo Civil, voI. II, p. 276, 7~ ed.). Assim também o magistério de Rogério Lauria Tucci: 'neste particular, convém rememorar que, na expressão do § 3J2., deverá ser ela entregue pessoalmente ao destinatário (pessoa física ou representante legal de pessoa jurídica), exigindo-lhe, o carteiro, que assine o recibo' (Citação pelo Correio ou Postal, in Enciclopédia Saraiva do Direito, voI. 14, p. 479).
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 313
Verifica-se daí a frontal transgressão, na hipótese em tela, da nor
ma insculpida no mencionado § 3~ do art. 223 do CPC, por não se
contentar a lei com as simples presunções inferidas pelo julgado re
corrido. A citação válida no caso não se efetivou e, sem ela, não se ins
taura regularmente a relação processual."
Outra, outrossim, não é a lição de Hum.berto Theodoro Júnior, ao
afirmar que "impõe o Código ao carteiro a obrigação de entregar a carta
pessoalmente ao citando, de quem exigirá assinatura no recibo (art. 223,
parágrafo único)" (Curso de Direito Processual Civil, Forense, 20a edição,
vol. I, n ll 259, p. 262).
Acrescente-se que, não obstante a notória competência dos serviços
prestados pelos Correios, não se pode ter como presumida a citação dirigida
a pessoa física quando a carta citatória é simplesmente deixada em seu en
dereço, com qualquer pessoa, seja o porteiro ou qualquer outra que não efe
tivamente o citando, notadamente quando suscitada sua irregularidade pelo
réu.
Ademais, tenho que, nessa hipótese, de citação de pessoa física, o ônus
da prova para a demonstração da validade da citação é do autor, e não do
réu. Portanto, não sendo do réu a assinatura no aviso de recebimento, cabe
ao autor demonstrar que, por outros meios ou pela própria citação irregu
lar, teve aquele conhecimento da demanda.
Apenas a título de exemplificação, imaginemos a hipótese em que o réu
de uma ação de cobrança esteja viajando e o porteiro, desconhecendo essa
viagem, receba a carta citatória e assine o aviso de recebimento. Julgado
procedente o pedido, o réu só iria ter conhecimento da demanda na cita
ção para a execução, que obrigatoriamente é feita por oficial de justiça. As
sim, o réu, para tentar demonstrar uma eventual nulidade da citação, teria
que se abster de parte de seu patrimônio para opor embargos de devedor.
O Judiciário não pode admitir que hipóteses como essa possam vir a
ocorrer. Esse entendimento, registre-se, não se apega ao formalismo e nem
obsta a tão procurada modernidade no processo civil brasileiro (a propó
sito, Carlos Alberto Carm.ona, in Reforma do Código de Processo Civil,
Saraiva, 1996, n ll 28: "A citação e a intimação no Código de Processo Ci
vil: O árduo caminho da modernidade", pp. 5311536), mas visa tão-somente
a preservar o ato processual mais importante do processo, como aliás, res
saltei ao votar no REsp n ll 122.313-PB, nestes termos:
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314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
"O processo, como instrumento da jurisdição apresenta-se como
uma relação jurídica, em cujo vértice se coloca o juiz-Estado e nos pólos ativo e passivo se posicionam as partes. Imprescindível, para a sua constituição e desenvolvimento válido, que, em pólo oposto ao autor, esteja o réu, quer através de regular convocação, quer por comparecimento espontâneo. Pode o réu não comparecer e mesmo assim a relação jurídica processual se constituirá. O que não pode, todavia, é inocorrer a regular citação do réu, vício somente suprível pelo seu comparecimento espontâneo (CPC, art. 214, § 1.12).
Processo sem réu não é processo. Não há relação processual. Daí
o relevo do instituto da citação, vinculado ao princípio do contradi
tório, um dos pilares do due process of law.
'Na verdade', consoante observou Luiz Carlos de Azevedo, em sua sintética e precisa monografia O Direito de ser Citado (Ed. Resenha Universitária, SP, 1980), 'o direito de ser citado acerta com a
propria origem da humanidade; sua constante permanência ao longo da história fornece o alcance do seu significado, para localizá-lo entre aqueles direitos que pertencem ao indivíduo como emanação de sua personalidade. Por isto, é absoluto, intangível, indisponível; inseparável da pessoa humana. Não há como afastá-lo.'
Na mesma linha, escreveram Sanseverino e Komatsu (A Citação no Direito Processual Civil, RT, 1977, n.12 2):
'Alguns autores, como Cunha Salles e João Monteiro, reproduzindo Vanguerve e outros, têm ido buscar o fundamento da citação no direito divino, porque, dizem, a primeira citação foi praticada por Deus, quando quis castigar o pecado de Adão, previamente o interpelando: Vocavitque Dominus Deus Adam, et dixitei: Ubi es?
Todos, estrangeiros e nacionais, o declararam repousante no
direito natural, que, consagrando o princípio da eterna Justiça, não permite que ninguém seja julgado sem que tenha podido se
defender. São João Evangelista ensinava v.g., que ninguém deveria ser condenado sem ser ouvido (nemo debet inauditus damnari). Ele próprio, aliás, foi citado ao ser acusado por Tértulo. São Bernardo afirma que nisi audiantur partes, in partes, judicari quid potest.
A citação, por isso, é a base da ação e do julgamento, é a
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 315
mais necessária de todas as peças do processo e a sua razão de ser repousa no próprio direito natural. É, com efeito, um princípio sagrado que ninguém pode ser julgado se não foi chamado a se defender 'Qui statuit aliquid parte inaudita altera. Aequurn.
lieet statuerit, aut aequus fuit' (Sêneca).
Constitui, como já vinha consignado nas Instituições de Justiniano, o princípio e o fundamento de toda ordem judicial: Irn.rn.o citatio est principiurn. et fundarn.enturn. judici, por
quanto, não podendo, sem ela, o réu deliberar sobre o seu direito, para ou repelir uma pretensão injusta, ou evitar de sua parte
alguma oposição inconsiderada e sem êxito, seria sempre vítima da violência ou da surpresa e, por isso, se diz que 'onde quer que haja um direito a ser reclamado, uma reparação a ser exigida, uma culpa a punir, a citação se impõe como uma providência substancial e necessária, de modo que a sua falta trará como con
seqüência a anulação de qualquer procedimento judiciário, que, porventura, tenha sido invocado'.
Dessas considerações chega-se à formulação segundo a qual, 'se o processo judiciário é um instrumento técnico dedicado à melhor realização da Justiça e se lhe é oportuno colher subsídios à fantástica máquina operacional construída pelo progresso, nem por isto poderá
afastar-se de sua finalidade última, isto é, fornecer, ainda que com maior celeridade e eficiência, garantia e segurança àqueles que dele se servem' (L. C. Azevedo, op. cit., p. 373).
Em singela monografia sobre o tema das nulidades (Prazos e Nulidades em Processo Civil, Forense, 1990, 2ll. edição, n!l. 13, pp. 54/ 55), que peço vênia para trazer à colação, tive ensejo de escrever:
'Como atos nulos pleno iure, vamos descortinar especial
mente os praticados em causas nas quais não se formou a relação processual, a exemplo do que ocorre em feitos desprovidos de citação válida, estando ausente o réu, ou quando não citados todos os litisconsortes necessários.
São insanáveis. A circunstância de serem insanáveis, contu
do, não impede que possam ser supridos, a exemplo do que se dá
com o comparecimento do réu que contesta, dando-se por citado, muito embora irregular a citação, cumprindo salientar a distinção porque, no exemplo dado, a defesa será tida como
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316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
tempestiva mesmo que apresentada além do prazo previsto para a contestação.
A distinção dos atos nulos pleno iure com os absolutamente nulos reside no fato de que nestes há o processo, enquanto naqueles não se forma a relação processual.
Na nulidade processual, ipso iure, o vício é mais grave porque atinge a própria relação processual, que sequer se forma. O vício nunca será sepultado pela preclusão, dispensando até mesmo a via da ação rescisória. Assim, não citado, validamente, o réu, ou o litisconsorte necessário (também réu), salvo na hipótese de comparecimento espontâneo, suprindo-se o vício, não haverá pro
cesso; logo, não haverá ato processual em relação a eles, nem sentença (que é ato processual). Não havendo sentença válida, não haverá coisa julgada. Logo, o vício não convalesce sequer pelo fenômeno da res iudicata.'
Nesse sentido, aliás, recente julgado desta Turma, datado de 17.02 pp., de que Relator o eminente Ministro Barros Monteiro (RMS nil. 1.986-0-RJ), assim ementado:
'Nulo de pleno direito é o processo que se fizer sem a Ci
tação da parte. Conseqüentemente, inexistindo sentença válida, não há que se falar em coisa julgada.'"
5. Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular o processo a partir da citação, devendo o réu, na pessoa de seu procurador, ser intimado para apresentar contestação, dispensando-se nova citação, tendo em vista ter o recorrente ciência inequívoca da demanda que contra ele corre.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, acompanho o eminente Ministro-Relator devido às peculiaridades da espécie em que ficou comprovada a inocorrência da citação feita na pessoa da ré.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente,
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 317
acompanho o Sr. Ministro-Relator, atendendo à peculiaridade do caso porquanto não se identificou a pessoa que recebeu a correspondência.
ESCLARECIMENTOS
O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA: Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, por que há particularidade?
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Caro Ministro Bueno de Souza, digo isso porque não quero me comprometer com a tese de que toda vez que for pessoa física, tenha o autor da ação o ônus de provar que o documento foi entregue à pessoa que poderia receber o documento.
A correspondência entregue pelo carteiro com "AR" no endereço do réu, em princípio, a mim me satisfaz, porque é assim que acontece com o Imposto de Renda e com a Justiça do Trabalho há décadas, e funciona. Razoavelmente há de se entender que funcionará bem no Processo Civil. A experiência nos leva a acreditar que a citação, pelo correio, feita no endereço da parte, assinada por pessoa que lá está, presumidamente, será entregue ao citando.
Essa é a orientação predominante no Tribunal com relação à pessoa jurídica. Não vejo nenhuma razão substancial para que se altere tal entendimento, inclusive porque, como disse o Ministro Cesar Asfor Rocha, é até mais difícil o carteiro ter acesso direto ao representante ou preposto de pessoa jurídica. Do contrário, estaria sendo inviabilizado, com essa inversão do ônus, o próprio uso do correio como meio de citação. Voltaremos, então, ao sistema do mandado pelo Oficial de Justiça, que até hoje não funcionou direito no País.
RECURSO ESPECIAL N!!.168.193 - MT (Registro n!). 98.0020481-4)
Relator: Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Indústria de Bebidas Antárctica de Mato Grosso S/A
Advogado: Zaid Arbid
Recorrido: A. A. Cardoso e Companhia Ltda
Advogados: Aluísio Xavier de Albuquerque e outros
Sustentação oral: Cláudio Penna Lacombe (pelo recorrente) e Luiz Orione Neto (pela recorrida)
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318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Embargos declaratórios - Reiteração de argumentos
- Preclusão inocorrente - Efeito interruptivo.
- A circunstância de o embargante reiterar os termos de em-bargos declaratórios, já rejeitados, não retira do segundo recurso o
efeito interruptivo, podendo conduzir tão-somente à aplicação da
pena prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, se for o caso.
Precedentes.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas
taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o
Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília-DF, 11 de maio de 1999 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 06.09.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "Indústria de Bebidas
Antárctica de Mato Grosso S/A" promoveu ação ordinária de resolução contratual (Proc. n~ 7.142-010/96), contra "A. A. Cardoso & Cia Ltda" e
esta, por sua vez, ajuizou contra aquela três ações de indenização por per
das e danos (Procs. n~s 7.646-514/96; 7.631-499/96 e 7.890-758/96), todas
em curso perante a 5" Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT.
O MM. Juiz singular julgou improcedente o pleito de resolução
contratual formulado pela fabricante e procedentes as ações reparatórias de
dano propostas pela empresa distribuidora dos produtos. Oferecidos embar
gos declaratórios pela "Indústria de Bebidas Antárctica de Mato Grosso S/A", foram eles rejeitados e, em seguida, novos aclaratórios foram opostos, estes também desacolhidos em face da repetição das razões elencadas
nos primeiros, ocasião em que pelo Juiz de Direito foi declarada preclusa
a pretensão à eventual interposição do recurso de apelação.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 319
Inconformada, a fabricante interpôs o recurso de agravo de instrumento.
A 211. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso ne
gou provimento ao recurso em acórdão assim ementado:
"Embargos de declaração. Reprodução dos primeiros embargos. Inviabilidade de impedir o trânsito em julgado de sentença. Preclusão.
Cabimento. Desprovimento.
É admissível a oposição de segundos embargos de declaração, desde que não tenham o mesmo conteúdo dos primeiros. A mera reprodução de segundos embargos de declaração não pode impedir o
trânsito em julgado de sentença, pois ocorre a preclusão das questões
que a parte pretende reapreciar." (f1. 273).
Ainda irresignada, a "Indústria de Bebidas Antárctica de Mato Gros
so S/A" manifestou o presente recurso especial com fulcro nas alíneas a e
c do permissivo constitucional, apontando violação ao art. 538 e parágrafo único do CPC, além de dissenso pretoriano com julgado desta Corte.
Segundo a recorrente, mesmo que tivesse renovado nos segundos embargos
declaratórios os mesmos argumentos desenvolvidos nos primeiros, ainda assim não estaria retirado o efeito interruptivo daquele recurso, eis que a única sanção para os embargos manifestamente protelatórios é tão-somen
te a condenação em multa. Outrossim, ressaltou que tanto nos primeiros como nos segundos aclaratórios não foi reconhecido o intuito meramente
protelatório a ensejar a aplicação da penalidade prevista no parágrafo úni
co supracitado.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo
os autos a esta Corte.
Esta egrégia Quarta Turma, em sessão do dia 2 de dezembro de 1997,
por maioria de votos, deu provimento ao Agravo Regimental na Medida Cautelar n ll 999-MT para conferir efeito suspensivo ao presente REsp.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Não colhem
as objeções aventadas pela recorrida, em suas contra-razões, quanto à admissibilidade do recurso especial interposto.
A questão jurídica nodal aqui discutida diz com as conseqüências do
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320 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTICA
fato de a recorrente haver oferecido os segundos embargos declaratórios,
reproduzindo, em substância, os mesmos argumentos desenvolvidos nos primeiros. O julgado recorrido entendeu que, incabíveis esses segundos aclaratórios, o resultado era o efeito preclusivo para fins de interposição do recurso de apelação. Vale dizer, inadmissíveis os segundos embargos, não
poderiam eles ter o condão de interromper o prazo para ulterior recurso. Enquanto isso, a ora recorrente sustenta que o único efeito resultante daquele proceder seria, quando muito, a sujeição à multa prevista no parágrafo único do art. 538 do diploma processual civil.
Sendo essa, em síntese, a questão federal ventilada tanto no decisório
combatido como no apelo excepcional manejado, satisfeito e,ncontra-se no caso o requisito do prequestionamento (Súmula n.ll. 282-STF), pouco relevando a circunstância de não ter o v. acórdão feito menção expressa ao art. 538 e parágrafo único do CPC. Pelas mesmas razões, não é de apli
car-se o enunciado do Verbete n.ll. 283 da Corte Suprema, pois a referência
à preclusão não passa de uma das facetas da questão central focalizada neste feito.
2. A decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito, confirmada pela 211
instância, afasta-se do sistema adotado pela lei processual civil na temática concernente aos embargos de declaração. Em verdade, obstando desde logo
e de maneira antecipada a pretensão à eventual interposição do recurso apelatório, o decisurn monocrático em análise não atentou bem para o ditame inscrito no art. 5.1l., inc. LV, da Constituição Federal, beirando assim à teratologia.
Rejeitados os primeiros declaratórios, ainda que repetitivos os segun
dos, não se podia falar em preclusão consumativa na espécie, mesmo porque o recurso oferecido não fora o de apelação e, sim, o de aclaramento. Se incabíveis os embargos de declaração, a conseqüência acha-se prevista na lei: "quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribu
nal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até dez por cento (10%), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósi
to do valor respectivo".
Incorreto, pois, atribuir-se efeito preclusivo que os aclaratórios não possuem, mesmo quando oferecidos de maneira abusiva. Para isso, confor
me assinalado, o estatuto processual civil vigente estabelece sérias e graves sanções ao litigante que busca procrastinar a tramitação da causa.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 321
Ainda que tidos como incabíveis, os embargos de declaração interrom
pem o prazo para a interposição de outros recursos. Assim decidiu esta
Quarta Turma quando do julgamento do REsp nQ. 173.876-SP, por mim re
latado, reiterando diretriz anteriormente traçada ao apreciar o REsp nD.
153.324-RS, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, que para o acórdão lan
çou a seguinte ementa: "A norma inserta no artigo 538, CPC, determina que
'os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de ou
tros recursos, por qualquer das partes', nela não se contendo restrição que
afaste dito efeito interruptivo na hipótese de os embargos serem considerados 'incabíveis' pela ausência de omissão". Igual orientação houvera sido
acolhida no regime anterior à edição da Lei nD. 8.950, de 13.12.94 (cf. REsp
nD. 2.087-DF, Relator Ministro Fontes de Alencar).
Não se deve olvidar que a litigante exerceu um direito ao opor os se
gundos declaratórios. Se porventura excedera os limites permitidos, a pena
a ser-lhe imposta não é a perda do prazo para oferta de ulterior recurso, mas
sim a multa cominada na lei processual. "Insistindo a embargante no mes
mo tema e reiterando o pedido, em atitude manifestamente protelatória, aplicável a multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do Código de
Processo Civil" (EDcl no REsp nl2. 172.101-AL, Relator Ministro Hélio
Mosimann). No mesmo sentido, EDcl nos REsps nl2.s 48.188-0-RJ, relator
Ministro Waldemar Zveiter, e 140.717-SP, Relator Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira.
Induvidoso, assim, que o acórdão recorrido, ao dar agasalho à prema
tura decisão de 1 D. grau, contrariou a norma insculpida no art. 538 e pará
grafo único do Código de Processo Civil e, a par disso, dissentiu do aresto
colacionado como paradigma, a despeito de referir-se ele ao art. 465 do
CPC, hoje revogado, e ao sistema processual anterior em que os declara
tórios eram providos de efeito suspensivo. Verdade é que o julgado recor
rido atritou contra o espírito e diretriz adotados pelo acórdão-modelo
invocado pela empresa recorrente, tanto mais que o voto-condutor daquele
decisum, da lavra do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros,
contém advertência pertinente à hipótese agora em apreciação, in verbis: "A circunstância de o embargante reiterar perplexidades que já
explicitara em recurso anterior, pode conduzir à aplicação de penalidades reservadas ao litigante de má-fé. Jamais, entretanto, tal circunstân
cia levará ao cancelamento dos efeitos suspensivos dos embargos" (RSTJ,
voI. 67, p. 364).
3. Ante o exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do admissor
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE}USTICA
constitucional e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a preclusão proclamada, a apelação tenha o seu processamento regular, na forma da lei.
É como voto.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, o r.
acórdão apreciou o tema dos efeitos do oferecimento dos segundos embar
gos e da incidência ou não do art. 538. Assim, a questão prequestionada é o art. 538. Daí por que me parece se deva afastar, como fez V. Exa., a alegada inadmissibilidade do recurso especial por falta de enfrentamento do
tema, pois o tribunal decidiu que o oferecimento de segundos embargos, porque abusivos, implicava a preclusão do direito de apelar.
No mérito, acompanho V. Exa., porque a parte que oferece seus em
bargos de declaração não sabe qual será a decisão a ser tomada sobre eles.
Se, por acaso, forem julgados intempestivos, ou procrastinatórios, ou
abusivos, etc., ela seria surpreendida no momento em que, passado já o tem
po, visse esgotado o prazo para a apelação. Isso significaria que todas as partes que quisessem interpor apelação ou recurso especial deveriam, juntamente com os embargos declaratórios, apresentar o recurso principal, por
que poderiam depois ter aqueles embargos rejeitados.
Por isso, não só entendo que os embargos, quando procrastinatórios,
ou indevidos, ou ilegais, têm efeito interruptivo, como também os embargos oferecidos intempestivamente porque a parte, ao oferecê-los, não sabe
qual será a decisão do tribunal. Evidentemente, quando a intempestividade
for de tamanha evidência, que mostre o abuso, nesse caso, poder-se-ia dei
xar de lhes atribuir efeito suspensivo.
No caso, estou também, por esses mesmos fundamentos de V. Exa., acompanhando o voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL NQ. 202.068 - SP (Registro n Q 99.0006766-5)
Recorrente:
Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Transfuel Transportes Ltda
Advogados: João Antônio César da Motta e outros
RST}, Brasilia, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
Recorrida:
Advogados:
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Autolatina Leasing S/A Arrendamento Mercantil
Marcelo Tesheiner Cavassani e outros
EMENTA: Leasing - Duplicatas - Protesto.
323
O negócio de leasing não admite a emissão de duplicata, ainda que avençada, razão pela qual não pode tal título ser levado a pro
testo.
Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido para defe
rir a liminar de sustação ou cancelamento das duplicatas enviadas
a cartório.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do
recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Mi
nistro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro
e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 11 de maio de 1999 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DI de 01.07.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Transfuel Transportes Ltda firmou, com a Autolatina Leasing S/A, seis contratos de arrendamento mercantil, cujas características estão descritas à fl. 4 (voI. 1). Veri
ficando "um aumento desproporcional nas contraprestações devidas," contratou auditoria externa para examinar as avenças, quando teria ficado evidente o não cumprimento das cláusulas contratuais, o que levou a arrendatária a tentar compor amigavelmente a relação jurídica; não logrando êxi
to, pois a arrendadora apresentou duplicatas mercantis ao protesto, promoveu ação cautelar, com pedido de liminar inaudita altera pars.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
324 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A liminar foi indeferida nos seguintes termos:
"Trata-se de ação cautelar inominada movida por Transfuel
Transportes Ltda contra Autolatina Leasing S/A Arrendamento Mercan
til visando obter autorização para depósito judicial dos valores corres
pondentes às contraprestações vencidas e vincendas fixadas em seis
contratos de leasing firmados entre as partes, sustação de protesto de
sete duplicatas emitidas pela arrendadora e ordem para que a requerida
se abstenha de pedir liminar em ação de reintegração de posse dos
bens arrendados.
Verifico que os contratos foram firmados nos meses de feverei
ro, março, setembro e novembro do ano 1995.
Somente agora, passados dois anos da assinatura dos contratos,
vem a autora questionar a validade de suas claúsulas, não se vislum
brando o fumus boni iuris e nem o periculum in mora, requisitos
indispensáveis à concessão da cautelar.
o depósito cautelar pedido no item I (fl. 45) poderá perfeitamen
te ser analisado e eventualmente deferido na própria ação principal.
No item II (fl. 45) requer a autora que a arrendadora se abste
nha de pedir liminar em ação de reintegração de posse, pedido juri
dicamente impossível por ferir o princípio constitucional de livre
acesso ao Poder Judiciário.
Com relação ao item UI (fl. 46), pedido de sustação de protes
to, não vislumbro presentes os requisitos para a concessão da liminar,
principalmente em razão da frágil argumentação no tocante ao fumus boni iuris, sem deslembrar que a autora poderia ter demonstrado mais
seriedade no cumprimento de suas obrigações contratuais valendo-se
oportunamente da ação consignatória caso entendesse realmente esti
vesse sendo cobrada por valor superior ao contratado.
Nesses termos indefiro a liminar.
A fim de se evitar repetição de atos desnecessários, notifique-se
a ré via postal." (fls. 229/230).
Contra essa decisão, Transfuel Transportes Ltda agravou de instrumen
to. A decisão de fl. 233 deferiu efeito suspensivo "tão-somente para o fim
de sustar os protestos, ou seus efeitos, se realizados".
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 325
A egrégia 411. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao final, negou provimento ao recurso:
"2. Verifica-se que a recorrente procura, objetivamente, impedir que a agravada possa exercitar os direitos decorrentes dos contratos
firmados entre as partes e, mais do que isso, buscar em juízo a defesa desses direitos, uma vez que, além de querer impedir os protestos, pretende também que a ré seja proibida de ajuizar as ações competentes contra ela, efetuando o depósito de importâncias que, segundo seus
cálculos, seriam as efetivamente devidas.
Mas, inteiramente sem razão a agravante.
Em primeiro lugar porque, como bem assinalou a decisão, estranho que, após dois anos dos contratos é que a agravante tenha se insur
gido contra eles, quando é certo que os firmou e prometeu cumpri-los.
Em segundo lugar, se de fato há alguma irregularidade, dentre as várias que menciona, deveria pedir autorização para depositar em juízo o valor total, devido segundo o contrato, e não, a seu exclusivo arbí
trio, pretender depositar valores inferiores, exatamente porque visa discuti-los.
Em terceiro lugar, se os títulos estão expressamente previstos no
contrato, e emitidos segundo suas disposições específicas, não se pode, desde logo, impedir o seus protesto regular, da mesma forma como ile
gal é a pretensão de impedir a agravada a exercer um direito que a lei lhe assegura, qual seja o de ingressar em juízo com as ações pertinentes.
A pretensão cautelar, mesmo legítima, não pode ter o efeito de
impedir o ajuizamento, pela outra parte, das ações próprias, principalmente se fundadas em contratos, firmados pelas partes, sem eiva de ilegalidade. Nada impede o ajuizamento dessas ações, observando ritos
diferentes, lebrando-se que, se ao final, a agravante demonstrar que os contratos continham cláusulas ilegais, ou abusivas, o que não está des
de logo evidenciado, sempre haverá lugar para a devida reparação.
Inaceitável, por isso, como bem assinalou o despacho recorrido, que, à míngua de provas, e em caráter de liminar, seja admitida a ile
galidade do contrato, autorizando-se depósito de valor inferior ao previsto, com a finalidade de impedir protesto e do exercício regular de
direito pelo outro contratante, o que justifica a manutenção da decisão agravada, ficando cassado o efeito suspensivo concedido, em parte, pelo despacho inicial.
RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
Ante o exposto, nego provimento ao recurso." (fls. 380/381).
Rejeitados os embargos de declaração, a agravante ingressou com re
cursos extraordinário e especial, este por ambas as alíneas, por afronta ao
art. 535, inciso II, do CPC, aos arts. !'l', § !'l', 2.1l. e 20 da Lei n.ll. 5.474/68,
e 798 e 799 do CPC, além de divergência jurisprudencial, inclusive com a
Súmula n.ll. 17 do egrégio l.1l. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Sus
tenta: a) persistência de omissão, obscuridade e contradição apontadas nos
embargos de declaração; b) é direito subjetivo da parte a concessão da
liminar, visto que atendidos os pressupostos do fulD.uS boni iuris e do
pericululD. in lD.ora; c) impossibilidade do saque de duplicatas em contra
tos de leasing (Súmula n.ll. 17/ l.1l. TACSP e arts. l.1l., § l.1l., 2.1l. e 20 da Lei n 2
5.474/68). Sobre a existência de dissídio, afirma que o acórdão recorrido
considerou válido o saque de duplicatas no contrato de leasing por estar contratualmente previsto, ao passo que o aresto paradigma (Apelação n 2
559.849-8, da egrégia 5ll. C. do l.1l. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo)
afastou essa possibilidade.
Com as contra-razões, o tribunal de origem indeferiu o processamento
de ambos os recursos.
Os autos do recurso especial subiram por força de provimento do Ag
n 2 199.850-SP (autos apensos).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Inexiste
razão para ser anulado o r. acórdão proferido quando dos embargos de de
claração, uma vez que inexistia omissão ou contradição no julgamento da
apelação, sendo examinadas as questões propostas pela autora e apelante,
com a definição dada pela instância julgadora, tudo objeto de fundamenta
do julgamento. Nos declaratórios, a parte pretendeu, na verdade, o
rejulgamento do recurso, com modificação do resultado antes alcançado.
2. Conheço do recurso, por ambas as alíneas, quanto ao pedido de
sustação de protesto de duplicatas extraídas em razão de contrato de arren
damento mercantil.
Nesta Quarta Turma, quando se examinou a eficácia de tais títulos
para o pedido de falência, já assim foi decidido:
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 327
"3. A razão assiste, porém, à recorrente na questão nodal do pre
sente litígio, qual seja, saber se a duplicata, emitida com base em con
trato de leasing, constitui ou não título hábil a ensejar o pedido de fa
lência. Nesse ponto, o acórdão recorrido vulnerou os arts. 15, inc. II,
b, e 20, § 3'\ da Lei n.o. 5.474, de 18.07.68, ao admitir o saque das
duplicatas que não apresentavam correspondência a uma venda de mer
cadoria ou, então, a uma efetiva prestação de serviços.
Em obra recentemente publicada, o Prof. e Ministro desta Casa,
José Augusto Delgado leciona que 'o leasing não pode ser uma meia
locação de bens celebrada entre pessoas jurídicas ou físicas, estas como
locatárias. A sua estrutura demonstra que é um negócio jurídico com
plexo, envolvendo um financiamento, uma locação e uma opção de
compra com preço prefixado. A causa do leasing não é uma locação. É
o financiamento de bens do ativo, assumindo a arrendadora o compro
misso de adquirir os bens segundo especificações da arrendatária. Esta,
por sua vez, fica com os riscos da obsolescência dos bens. A arrenda
dora jamais detém a posse dos bens pelo que a arrendatária age como
tendo a plena disponibilidade dos mesmos. É, portanto, um contrato
com características próprias. É típico, não obstante a impropriedade
com que a lei o definiu; é consensual; é comutativo; é sinalagmático.
Apresenta-se em formas variadas. Logo, não é possível tê-lo como
modalidade de locação' (Leasing - Doutrina e JuriSprudência, pp. 112/
113, ed. 1997).
Para o Ministro Francisco Cláudio de Almeida Santos, trata-se de
um contrato de natureza híbrida, uma vez que nele se vê uma aparên
cia de locação, uma aparência de compra e venda à prestação, uma cla
ra faculdade de utilização da coisa, uma nítida promessa unilateral de
compra e venda e, na modalidade mais importante economicamente,
vislumbra-se também um financiamento (Leasing - Questões Contro
vertidas, in Ajuris, voI. 66, p. 20).
Ora, a duplicata, consoante assinala J.C. SaII1paio Lacerda, 'é
título que exige uma provisão determinada, figurando, aliás, indireta
mente, no próprio título, com a referência ao número de fatura (art.
2.0., § 1.0., II) que, a seu turno, obrigatoriamente, discriminará as mer
cadorias vendidas (art. 1.0., § 1'2-) ou a natureza dos serviços prestados
(art. 20, § 1.0.)' (A Nova Lei sobre Duplicatas, p. 15, Ed. Forense,
1974). Segundo o art. 172 do Código Penal, com a redação dada pelo
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
art. 26 da Lei n>l. 5.474/68, 'constitui crime expedir ou aceitar dupli
cata que não corresponda, juntamente com a fatura respectiva, a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviços'.
Na espécie, como visto, não se pode falar em venda efetiva de bens, tampouco em real prestação de serviços. A peça vestibular fornece bem as características do negócio jurídico celebrado: pela ora
recorrida foram adquiridos os equipamentos descritos na cláusula 1 li da avença e dados em arrendamento mercantil (leasing) à recorrente.
Infere-se daí que as duplicatas representativas de prestações do
contrato de leasing não podem ser tidas como idôneas para embasar o pedido de falência, já que não correspondem nem à venda de bens, nem
a uma efetiva prestação de serviços.
A colenda Suprema Corte, quando se lhe encontrava afeto ainda
o controle da legislação infraconstitucional, teve ocasião de ressaltar esse caráter peculiar à duplicata: a sua origem assenta-se sempre em contrato de compra e venda ou de serviço (RTJ, voI. 98, pp. 914/915). Em outro julgado, de que foi relator o eminente Ministro Aldir Pas
sarinho Junior, decidiu-se que 'o contrato de promessa de compra e venda de unidade autônoma, e não de prestação de serviços, não autoriza a cobrança por duplicata' (RTJ 120/260). Em seu douto voto, o Sr. Ministro-Relator deu realce a uma particularidade que por igual
se acha presente no caso em tela: pouco ou nada importa que cláusu
la contratual permita a emissão das cártulas em questão. São suas palavras textuais: 'Desta forma, a fatura emitida desatende à lei, e não
basta para legitimar a emissão o fato de estar ela expressamente au
torizada no compromisso de compra e venda do apartamento firmado pelos litigantes, porque os títulos cambiais são eminentemente formais. Seus requisitos resultam, portanto, da lei e não podem ser modificados ou dispensados pela vontade das partes' (RTJ, voI. 120, p. 262).
Vale evocar aqui, a título de ilustração, expressivo excerto do
voto que o então Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, hoje Ministro desta Corte, Eduardo Ribeiro proferiu num caso concernente à emissão de duplicata conseqüente à avença de locação: 'N os termos da lei de duplicatas, será lícito o uso desses títulos pelas
empresas que se dediquem à prestação de serviços. Não basta, entre
tanto, que a empresa tenha por objeto tal atividade. A emissão da duplicata haverá de fundar-se no fato de serviços efetivamente terem sido prestados pelo sacador ao sacado. É o que resulta do artigo 20 e
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 329
notadamente seu § 2"', assim como do artigo 21, I, da Lei n"' 5.474/68.
Para verificar-se, pois, se o saque é legítimo, indispensável pesquisar
se deriva de um contrato em virtude do qual o emitente prestou deter
minados serviços. A natureza da obrigação entre as partes será deci
siva para a resposta à indagação feita. Considero induvidoso, data
venia, que quando se contrata com alguém que este preste serviços re
sulta para quem se obrigou o surgimento de obrigação que se traduz
em um facere. O objetivo do pacto é obter que alguém faça alguma
coisa. Trata-se claramente de uma obrigação de fazer. A hipótese em
julgamento consiste em haver a apelada cedido o uso de bem de sua
propriedade a um terceiro, mediante remuneração, contrato este que as
partes, acertadamente, consideraram como de locação. Na locação a
obrigação não é de fazer mas de dar. O que se tem em mira não é que
o locador faça alguma coisa mas tão simplesmente que entregue o bem
para que dele se utilize o locatário. Havendo nítida diversidade, quanto
à natureza das obrigações, a relação locatícia não pode ser assimila
da à que surge quando ocorre prestação de serviços. Utilizar-se de uma
coisa não se equipara a utilizar-se do trabalho de outrem' (Embargos
Infringentes na Apelação Cível n"' 8.771, de que S. Exa. foi Revisor e
Relator designado).
A par de haver malferido a lei federal pelas razões supra-indica
das, o decisório recorrido ainda discrepou do primeiro paradigma
colacionado pela ora recursante. O aresto trazido a lume sustenta, com
efeito, contrariamente ao proclamado pelo v. acórdão, que 'as presta
ções do leasing (arrendamento mercantil) ou de renting, ainda que re
presentadas por duplicatas, carecem de idoneidade para a ação
falimentar' (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, in Rev. dos Tribs.,
voI. 606, pp. 183/184)." (REsp n"' 45.792-GO, Quarta Turma, ReI. emi
nente Min. Barros Monteiro, DJ de 22.06.98).
3. Assim, é de ser acolhida a orientação exposta no precedente indi
cado (Ap. n"' 559.849-8-SP), oriundo do egrégio 1.20 Tribunal de Alçada
Cível de São Paulo:
"Cambial. Anulação. Duplicatas representativas do leasing não
são títulos idôneos por não corresponderem à venda de bens, nem
a uma real prestação de serviços - Locação constitui o ponto cardeal
do contrato de leasing. Aplicação da Súmula n"' 17 do 1.Q. TAC.
RST], Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
330 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Contraprestações alusivas aos contratos são válidas mas devem ser co
bradas pelo meio próprio sendo inviável o saque de duplicatas." (fl.
483).
Sendo indevida a emissão de duplicatas, elas não ensejam o pedido de
falência, nem podem ser levadas ao protesto, conhecidos os efeitos negati
vos que decorrem do ato para o crédito comercial. Impunha-se, pois, o re
conhecimento da presença dos pressupostos para o deferimento da medida
liminar requerida na cautelar, sustando-se os protestos.
4. Quanto ao mais, o recurso não pode ser conhecido porquanto fun
dado no reexame de circunstâncias de fato, incidindo a Súmula n Q 7-STJ.
5. Posto isso, conheço em parte do recurso e lhe dou, nessa parte,
provimento para determinar a sustação ou o cancelamento dos protestos
das duplicatas emitidas em razão dos contratos de leasing descritos na ini
cial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº· 205.039 - RS (Registro nQ 99.0016750-3)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Banco Itaú S/A
Francisco Antônio de Oliveira Stockinger e outros
Lourdes Fontoura
Edison Freitas de Siqueira e outros
EMENTA: Agravo de instrumento - Intimação do agravado
Decisão liminar - Cancelamento de inscrição (Serasa, SPC, etc.).
- O agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido
liminar de cancelamento de inscrição em banco de inadimplentes
pode ser julgado independentemente de intimação do agravado, que
ainda não foi citado e não tem advogado constituído nos autos (art.
527, lII, do CPC).
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 331
- Deve ser cancelada a inscrição do nome do devedor em ban
co de inadimplentes se o contrato está sendo objeto de ação
revisional, em que se discute a validade de cláusulas, valor do saldo
e a própria existência da mora. Precedentes.
Recurso não conhecido
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do re
curso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo
Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 6 de maio de 1999 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DI de 01.07.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Lourdes Fontoura
agravou da decisão proferida initio litis nos autos da ação revisional de
contrato de abertura de crédito em conta corrente que move contra o Ban
co Itaú S/A, na qual o ilustre magistrado deixou de apreciar o seu pedido
liminar de cancelamento de registros em cadastros de devedores e lhe de
terminou a estipulação do valor da causa, que não deveria ser o de alçada.
A egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Gran
de do Sul deu provimento ao recurso:
"Agravo de instrumento. Valor da causa. Ação revisional.
Não sendo possível estabelecer, desde logo, o montante judicial
mente questionado, é viável atribuir provisoriamente à causa o valor
de alçada.
Inscrição do nome do devedor no Cadin, Serasa e SPC. Discussão
judicial do débito: ilegitimidade.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Configura constrangimento indevido e ato de retaliação a inscri
ção do nome do devedor em órgãos de cadastro de inadimplentes
(Serasa, Cadin, SPC e assemelhados) quando o débito que a motivou é objeto de discussão judicializada.
Agravo provido." (fi. 50).
Rejeitados os embargos de declaração, em que o banco reclamava da
falta de sua intimação para se manifestar sobre o agravo (art. 527, lU, do
CPC), sobreveio o presente recurso especial (art. 105, lU, a, da CF). Aduz
o recorrente que não lhe foi oportunizada a apresentação de contra-razões
do agravo interposto, conforme preceitua o art. 527, lU, do CPC, o que re
sultou em cerceamento de defesa. Diz que o acórdão é omisso (art. 535 do
CPC) quanto aos arts. 43 do CDC e 160 e 974 do CCB. Ao não reconhe
cer a mora do devedor, o julgado em exame violou o art. 955 do CCB, pois
nenhuma das situações ali previstas se encontram presentes no feito de modo a impedir o cadastramento da recorrida nos órgãos de proteção ao crédito.
Enfim, a inscrição da recorrida no Serasa não representa constrangimento,
ameaça ou coerção.
Admitido o recurso, com as contra-razões vieram-me os autos.
É o relatório.
VOTO
o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): l. Inexistiu a apontada omissão, porquanto a decisão sobre o cancelamento da
inscrição no Serasa e outros cadastros da mesma natureza está fundamen
tada nas razões expostas no r. acórdão, para o que desnecessário explicita
mente considerar os dispositivos legais ora indicados.
2. Tratando-se de decisão que o juiz pode tomar independentemente da
intimação ou citação do réu, como acontece no caso em que se reclama do
implícito indeferimento da medida liminar pleiteada, também há de se ad
mitir que o recurso interposto dessa decisão seja apreciado pelo Tribunal
independentemente de intimação da parte-ré, ainda não citada e até ali se
quer presente nos autos através de advogado. No sistema implantado pela
nova legislação, que se dirige para a presteza e eficácia na prestação
jurisdicional, a intimação a que se refere o art. 527, UI, do CPC, é da parte
que já integra a relação processual, o que não acontece no caso de exame
de providência initio litis, a ser adotada ainda antes da citação e sem que
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 333
presente no processo o réu ou o seu advogado, sabendo-se que este é o que
deverá ser intimado para responder. Nem poderia ser diferente, pois se a medida tem urgência, o seu exame não poderia ficar dependente do decurso de prazo de dez dias para a defesa.
3. No que se refere à suspensão ou cancelamento de inscrição do nome do devedor em banco de inadimplentes, a orientação firme dessa Turma é a de que tal deve ocorrer sempre que a relação obrigacional está sub judie e, discutindo-se a validade de cláusulas do contrato, o valor do saldo e a própria existência da mora.
Cito a fundamentação expendida no REsp n Jl 201.1 04-SC:
"1. A egrégia Câmara, com fundamento em precedentes desta Corte, decidiu que 'a inscrição no cadastro do Serasa somente será possível após o trânsito em julgado da sentença que dissipe qualquer dúvida que paira sobre o quantum debeatur e, principalmente, sobre o an debeatur. Até porque, não havendo certeza a respeito de algum desses aspectos a informação contida no cadastro se apresentaria falsa, constituindo verdadeiro ato ilícito'.
2. Não vejo ilegalidade nesse julgado, e o fato de o agravante estar associado ao Serasa e tenha por isso assumido a obrigação de lhe comunicar o nome dos seus inadimplentes, não inibe o juiz de suspender essa inscrição, quando o valor da dívida será objeto da ação principal, como afirmado pela egrégia Câmara.
3. Sobre a possibilidade de serem inscritos os nomes de devedores em bancos de dados, não há o que discutir. Porém, em procedimen
to cautelar, antecipatório da ação ordinária em que a relação obrigacional será submetida ao exame judicial, versando tal lide sobre sua natureza, extensão e valores, a jurisprudência uniforme desta Quarta Turma é no sentido de que a inscrição do devedor como inadimplente deve aguardar o julgamento da ação:
'Consumidor. Inscrição de seu nome em cadastros de proteção ao crédito. Montante da dívida objeto de controvérsia em juízo. Inadmissibilidade.
Constitui constrangimento e ameaça vedados pela Lei n Jl
8.078, de 11.09.90, o registro do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito, quando o montante da dívida é objeto de discussão em juízo.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
Recurso especial conhecido e provido.' (REsp n!2 170.281-SC, Quarta Turma, Rei. eminente Min. Cesar Asfor Rocha, DI de 21.09.98).
'Banco de dados. Serasa. SPC. SDC. Inscrição de devedor. Ação de nulidade.
Tramitando ação onde os devedores pleiteiam o reconhecimento da invalidade do título que teria sido preenchido com valores excessivos, mediante argumentação verossímil, pode o juiz deferir a antecipação parcial da tutela para cancelar o registro do nome dos devedores nos bancos de dados de proteção ao crédito. Arts. 273 do CPC e 42 do CDC.
Recurso conhecido e provido.' (REsp n!2 168.934-MG,
Quarta Turma, de minha relatoria, DI de 31.08.98).
'SPC. Serasa. Proibição do registro. Medida cautelar. Ação consignatória. Leasing.
Pendente ação consignatória, onde se discute a caracterização da inadimplência, não pode ser permitida a inscrição do nome da devedora e seus garantes nos serviços privados de proteção ao crédito.
Recurso conhecido em parte, pela divergência, e, nessa parte, provido.' (REsp n!2 172.854-SC, Quarta Turma, de minha relatoria, DI de 08.09.98).
Neste último recurso, assim fundamentei o voto:
'Nesse ponto, tenho por melhor a orientação adotada nos acórdãos paradigmas. Proposta ação consignatória das prestações previstas no contrato, e nela sendo discutido o real valor da obrigação, com o depósito das importâncias que a autora considera devidos, parece inoportuna a informação prestada pela credora aos serviços privados de proteção ao crédito (Serasa e SPC), para
inscrição do nome do devedor. São conhecidos os efeitos negativos do registro em bancos de dados de devedores; daí porque
inadequada a utilização desse expediente enquanto pende ação consignatória, declaratória ou revisional, uma vez que, inobstante a incerteza sobre a obrigação, já estariam sendo obtidos efeitos
decorrentes da mora. Isso caracteriza um meio de desencorajar a parte a discutir em juízo eventual abuso contratual.
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 335
Não está em causa a existência ou a legalidade dos serviços
de proteção ao crédito, nem se duvida da utilidade que prestam ao comércio e aos próprios consumidores na medida em que
agilizam e facilitam a satisfação dos seus interesses. Mas não se
pode deixar de reconhecer que o registro de inadimplência em
bancos privados, ato não exigido pela lei nem pressuposto legal para qualquer negócio, somente pode ser admitido quando não
esteja sub judice a própria questão da inadimplência.
A alegação de que há convênio firmado pela credora com as
entidades privadas que exploram os bancos de dados, para forne
cer informações, não tem relevância para o nosso caso, pois aqui
se examina a relação entre a credora e a devedora, sendo para esta
res inter alios o tema proposto.'
Não é diferente o posicionamento da egrégia Terceira Turma a
respeito do tema:
'Processual Civil. Cautelar. Suspensão de medida determi
nativa de inscrição do nome do devedor no SPC ou Serasa. I -Não demonstrado o perigo de dano para o credor, não há como
deferir seja determinada a inscrição do nome do devedor no SPC
ou Serasa, mormente quando este discute em ações aparelhadas
os valores sub judice, com eventual depósito ou caução do
quantull1. Precedentes do STl rr - Recurso conhecido e provido.' (REsp n.Q.161.151-SC, Terceira Turma, ReI. eminente Min.
Waldemar Zveiter, DJ de 29.06.98).
Observo que o art. 160 do CCB não foi objeto de prévio ques
tionamento." (REsp n.Q. 201.1 04-SC, de minha relatoria).
4. Posto isso, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL N.!l 207.176 - SP (Registro n.Q. 99.0021046-8)
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Vagner Lopes e outros
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereíro 2000.
336
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Válter Lopes Estevam e outros
GNPP Provida Seguradora S/A (em liquidação extrajudicial)
Osmar da Costa Sobrinho e outro
Consórcio Nacional Regino S/C Ltda
Norberto Francisco de Oliveira Neto e outro
EMENTA: Consórcio - Seguro - Morte do consorciado - Ação dos herdeiros.
- Os herdeiros do consorciado falecido antes do término do plano têm ação contra a seguradora com a qual foi firmado contrato de seguro em grupo, figurando a administradora do consórcio como estipulante e beneficiária, a fim de exigir o cumprimento do contrato de seguro e pagamento das prestações faltantes, condição para a entrega do bem ou liberação de ônus que grava o já entregue.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 11 de maio de 1999 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente.
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 01.07.99.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Vagner Lopes e ou
tros propuseram ação de indenização decorrente de seguro de vida em grupo
contra Consórcio Nacional Regino S/C Ltda e GNPP Provida Seguradora S/A. Alegaram os autores que seu falecido pai firmou, em 03.11.94, um
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 337
contrato de adesão a grupo de consórcio junto ao Consórcio Nacional BMW, administrado pelo Consórcio Nacional Regino S/C Ltda, objetivando a
aquisição de um automóvel BMW/Okm. O prazo de duração do plano era de 12 meses, tendo o pai dos autores pago regularmente as parcelas até a de n.\). 9, vencida em 10.10.95. Antes disso, ou seja, a partir de 0l.03.95, a
administradora do consórcio contratou com a segunda ré um contrato de seguro de vida em grupo, no qual figurou como prestamista e beneficiário principal o próprio Consórcio Nacional Regino S/C Ltda, tocando aos quotistas daquele grupo o pagamento mensal do prêmio, juntamente com a prestação do bem, o que era feito diretamente à ré administradora do consórcio. No caso de morte de qualquer dos quotistas segurados, haveria a
quitação do valor do bem objeto do grupo. Com o falecimento do pai dos
autores, estes pleitearam o recebimento da indenização, correspondente ao valor integral do bem objeto do consórcio. Diante da negativa da administradora, ajuizaram a ação de indenização contra esta e a seguradora, por responsabilidade solidária. No curso da lide, a ré GNPP Provida Seguradora S/A teve decretada sua liquidação extrajudicial.
Na sua contestação, a administradora Regino Ltda afirmou ter autorizado, em 4 de agosto de 1995, para cumprimento do contrato, a entrega de dois veículos aos filhos do consorciado (doc. de fls. 70 e seguintes).
A ação foi julgada procedente, condenada a requerida GNPP Provida
Seguradora S/A ao pagamento do valor correspondente a um veículo novo na data do falecimento do consorciado, com atualização monetária. No que
se refere ao Consórcio Nacional Regino S/C Ltda, o processo foi extinto, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva.
Apelaram os autores e a seguradora-ré. A egrégia 12ll. Câmara do 2!l
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo deu parcial provimento aos recursos: ao apelo da seguradora, para julgar com relação a ela extinto o processo, por ilegitimidade passiva; ao dos autores, para reformar a sentença na par
te em que julgou extinto o processo com relação à administradora do consórcio, determinado o retorno dos autos para julgamento. Reproduzo a
ementa:
"Indenização. Seguro de vida e acidentes pessoais. Contrato. Celebração efetuada pela administradora de consórcio para garantir o pagamento do saldo devedor em caso de morte do consorciado. A pró
pria estipulante figura como beneficiária do contrato de seguro. Quem não é beneficiário não tem ação contra a seguradora. Reforma da r.
sentença. Necessidade de análise da contestação da ré. Retorno dos
RSTJ, Brasília, a. 12, (126): 261-340, fevereiro 2000.
338 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
autos ao juízo a quo para julgamento das demais questões postas en
tre os autores e a ré. Recurso provido.
Ilegitimidade passiva ad causam. Indenização. Seguro de vida e acidentes pessoais. Contrato. Ausência de celebração contratual com o genitor dos autores. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Recurso provido." (fl. 191).
Daí o recurso especial dos autores, por violação aos arts. 1.458 e 1.465 do CCB. Dizem que, ao excluir da lide a seguradora responsável pelo pagamento do seguro, mantendo no pólo passivo apenas a administradora do
consórcio, a egrégia Câmara vulnerou os referidos dispositivos. Argumentam que a administradora e a seguradora são solidariamente responsáveis pelo pagamento do seguro; em nenhum momento foi negada a existência do contrato de seguro entre a GNPP e os participantes do grupo de consórcio, é irrelevante que a adesão não tenha sido assinada pelo consorciado, já que a seguradora jamais recusou o pagamento das mensalidades do seguro.
Admitido o recurso, com as contra-razões, vieram-me os autos.
É o relatório.
VOTO
o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. O consorciado que participa de um plano vinculado a um contrato de seguro de vida em grupo, estipulado pela administradora, fica garantido de que, em caso de falecimento, as prestações serão pagas pela companhia seguradora,
ficando seu espólio habilitado ao recebimento do bem. O negócio do seguro é feito para a proteção do consorciado e do próprio consórcio, que não sofre com a ocorrência do sinistro. Nesse caso, a indenização corresponderá ao pagamento do saldo, a ser feito diretamente à administradora, mas em be
neficio direto dos herdeiros, que recebem a quitação. Portanto, estes têm uma ação contra a seguradora para que pague a indenização à administradora, o que é do seu interesse imediato porquanto é condição para a quitação do bem, seja para a sua entrega, se ainda não o foi, seja para a liberação de
eventual ônus que onere o bem, comumente a alienação fiduciária. Também têm uma ação contra a administradora para que, efetuado o pagamento do saldo pela seguradora, cumpra o contrato de consórcio na sua integralidade,
entregando o bem ou liberando-o de ônus.
2. No caso dos autos, os herdeiros promoveram ação para cobrança da
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 339
indenização contra a administradora. Observo - lateralmente, pois a ques
tão não está em julgamento - que a administradora, como estipulante, não responde pelo pagamento da indenização contratada em seguro de vida em
grupo; como administradora, não está em mora, tanto que, segundo alega,
teria entregue o bem, com a substituição noticiada nos autos. A ação con
tra ela surgiria quando, quitadas as prestações, deixasse de cumprir suas
obrigações.
3. A ação também foi intentada contra a seguradora, e essa ação cer
tamente é cabível e bem direcionada (se realmente houver o contrato de
seguro e se nele se contém cláusula de proteção, o que não se consegue
saber porque os documentos juntados são ilegíveis). De qualquer forma,
nesta fase, cumpre apenas atender, para verificar a condição da legitimidade, aos termos em que proposta a demanda, e por ali ressalta a legitimida
de da seguradora uma vez que os autores se fundam em um contrato de se
guro de vida em grupo para a cobrança da indenização nele prevista.
4. O r. acórdão manteve no processo a administradora e excluiu a seguradora. O recurso especial é apenas dos herdeiros, pleiteando a reforma parcial do julgado a fim de reinserir a seguradora na lide, e a isso está li
mitado o âmbito desse julgamento.
Tenho que procede o apelo. É certo que o contrato de seguro foi es
tipulado pela administradora, e constaria dos seus termos ser ela a bene
ficiária. Embora seja assim, ficando a administradora com o direito de re
ceber a indenização, de acordo com o contratado, a verdade é que tal pagamento é feito também em benefício direto dos herdeiros do consorciado, porquanto o inadimplemento da seguradora causará a eles prejuízo imediato,
com a falta de quitação das prestações, pressuposto para a entrega do bem
ou sua liberação. Os herdeiros têm, portanto, o direito de exigir que a se
guradora pague por eles as prestações devidas após a morte do pai, a ser
feito diretamente à administradora, não porque eles queiram receber o va
lor da indenização, mas porque têm interesse no cumprimento do contrato
de consórcio. Nestes termos é que me parece deva ser acolhida a legitimi
dade da seguradora, cumprindo, no julgamento de mérito, definir o limite exato dessa responsabilidade, que os autores querem estender ao valor in
tegral de um veículo novo, embora faltasse apenas o adimplemento de três
prestações, já tendo sido entregue o bem objeto do consórcio, ou seu equivalente, conforme alegado.
5. Portanto, conheço do recurso, por ofensa ao disposto no art. 1.458
do Código Civil, e lhe dou provimento para reconhecer a legitimidade
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340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
passiva da seguradora, retornando os autos à origem, onde deverá ser rea
berta a instrução para prova das alegações das partes e, oportunamente, ser
proferida nova sentença.
É o voto.
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