7
HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DO LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO ESTUDO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE DOIS CASOS OSVALDO J. M. NASCIMENTO * MARCOS R. G. DE FREITAS ** JOSÉ LUIZ S. CAVALCANTI ** MANOEL BARRET TO NETTO *** As manifestações neurológicas das doenças do tecido conjuntivo há muito vêm sendo estudadas. Neste grupo de afecções destaca-se o lupus eritematoso sistêmico (LES) pelo freqüente acometimento do sistema nervoso central (SNC), encontrando-se trabalhos clássicos na literatura, como os de Garcin 8 e de Dubois 6 . As alterações em pequenas artérias e arteríolas encefálicas e menín- geas são citadas como provocadoras do quadro cérebro-meningeo na doença lúpica. As manifestações clínicas decorrentes deste tipo de acometimento do neuroeixo podem traduzir-se por distúrbios mentais, crises convulsivas focais ou generalizadas, afasia, hemiplegia, coréia, paralisia de nervos cranianos, hemor- ragia subaracnóidea e mielopatjas. o acometimento do sistema nervoso periférico é relativamente raro, surgindo somente em 2% dos casos, segundo Glaser 10 . Em nosso meio, dentre os trabalhos específicos sobre manifestações neurológicas devidas a LES sobressaem-se os de Couto 5 , Chini 3 , Freitas e col. 7 , Macedo e col. 14 , Moreira-Filho e c o l . 16 e Macedo 15 . A hemorragia parenquimatosa, ou a hemorragia cérebro-meníngea como primeira manifestação clínica no LES, raramente tem sido citada. A oportu- nidade que tivemos de estudar duas pacientes que apresentaram hemorragia neste setor do sistema nervoso, como exteriorização clínica inicial da colagenose em apreço nos levou ao presente relato. OBSERVAÇÕES Caso 1 — M.P.R.R. (registro 096399.5, H.U. d a U F R J ) , 24 anos, branca, natural do Estado do Rio de Janeiro. Observação realizada em setembro de 1982. Em fevereiro de 1982, apresentou hemiplegia esquerda, com recuperação em alguns dias. Em maio Trabalho das Disciplinas de Neurologia dos Departamentos de Medicina Clínica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense; *Professor Assistente; **Professor Adjunto; ***Professor titular de Anatomia Pato- lógica.

HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DO LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

E S T U D O CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO D E D O I S CASOS

OSVALDO J. M. NASCIMENTO * MARCOS R. G. DE FREITAS ** JOSÉ LUIZ S. CAVALCANTI ** MANOEL BARRET TO NETTO ***

As manifestações neurológicas das doenças do tecido conjuntivo há muito vêm sendo estudadas. Neste grupo de afecções destaca-se o lupus eritematoso sistêmico (LES) pelo freqüente acometimento do sistema nervoso central (SNC), encontrando-se trabalhos clássicos na literatura, como os de Garcin 8 e de Dubois 6 . As alterações em pequenas artérias e arteríolas encefálicas e menín-geas são citadas como provocadoras do quadro cérebro-meningeo na doença lúpica. As manifestações clínicas decorrentes deste tipo de acometimento do neuroeixo podem traduzir-se por distúrbios mentais, crises convulsivas focais ou generalizadas, afasia, hemiplegia, coréia, paralisia de nervos cranianos, hemor­ragia subaracnóidea e mielopatjas. Já o acometimento do sistema nervoso periférico é relativamente raro, surgindo somente em 2% dos casos, segundo Glaser 1 0 . Em nosso meio, dentre os trabalhos específicos sobre manifestações neurológicas devidas a LES sobressaem-se os de Couto 5 , Chini 3, Freitas e col . 7 , Macedo e co l . 1 4 , Moreira-Filho e c o l . 1 6 e Macedo 1 5 .

A hemorragia parenquimatosa, ou a hemorragia cérebro-meníngea como primeira manifestação clínica no LES, raramente tem sido citada. A oportu­nidade que tivemos de estudar duas pacientes que apresentaram hemorragia neste setor do sistema nervoso, como exteriorização clínica inicial da colagenose em apreço nos levou ao presente relato.

O B S E R V A Ç Õ E S

Caso 1 — M . P . R . R . ( r e g i s t r o 096399.5, H . U . d a U F R J ) , 24 a n o s , b r a n c a , n a t u r a l d o

E s t a d o d o R i o d e J a n e i r o . O b s e r v a ç ã o r e a l i z a d a e m s e t e m b r o d e 1982. E m fevere i ro

d e 1982, a p r e s e n t o u h e m i p l e g i a e s q u e r d a , c o m r e c u p e r a ç ã o e m a l g u n s d i a s . E m m a i o

T r a b a l h o d a s D i s c i p l i n a s d e N e u r o l o g i a d o s D e p a r t a m e n t o s d e M e d i c i n a Cl ín ica d a U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d o R i o d e J a n e i r o e d a U n i v e r s i d a d e F e d e r a l F l u m i n e n s e ; * P r o f e s s o r A s s i s t e n t e ; * * P r o f e s s o r A d j u n t o ; * * * P r o f e s s o r titular d e A n a t o m i a P a t o ­lóg ica .

Page 2: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

desse ano, recidiva de hemiplegia também Com pronta recuperação. Em julho, logo após cefaléia, desenvolveu hemiplegia direita, sendo então internada. Exame físico — pressão arterial 135x80 mmHg, pulso 80 bpm. T. axilar 36,5<>C; paciente hipocorada, anictérica; ausculta cardíaca: ritmo regular em dois tempos, bulhas normofonéticas; ausculta pulmonar: estertores subcrepitantes nas bases; abdome flácido, sem viscerome-galia; Traube livre; lesões sugestivas de vasculites nas extremidades dos quatro mem­bros. Exame neurológico — hemiplegia à direita com hipotonia e hiperreplexia profunda nesse lado; sinal de Hoffmann à direita; sinal de Babinski presente bilateralmentc; paralisia facial do tipo central à direita; afasia mista. Exames complementares — San­gue: anemia moderada; leucocitose com desvio para a direita; VHS 120mm; plaquetas 230.000/mm3; glicose, uréia e creatinina normais; reações para lues negativas; presença de células L.E.; fator anti-nuclear 1:200, salpicado; crioglobulinas positivas; anti-D.N.A. positivo; anti-S.M. 1:40; anti-R.N.D. 1:280. Eletrocardiograma e ecocardiograma normais. Radiografias de tórax sem alterações. Líquido cefalorraqueano: levemente xantocrômico, 16 células/mm3 (80% de mononucleares), glicose 56 mg%, proteínas 260 mg%, cloretos 130 mEq/1. Panangiografia cerebral normal. Tomografia axial computadorizada cefálica (Fig. 1): hematoma cerebral recente nos núcleos da base e lobo temporal à esquerda,

Fig. 1 — Caso 1 (M.P.R.R.) — Tomografia axial compu­tadorizada cefálica mostrando hematoma intracerebral na região temporal esquerda.

com edema perilesional; discreto efeito de massa sobre o terceiro ventrículo; no hemis­fério direito, pequena área de hipotransparência a nível de cápsula interna. Evolução — Estabelecido o diagnóstico de LES, a paciente foi submetida a pulsoterapia com

Page 3: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

m e t i l p r e d i n o s o l o n a e logo a p ó s a p l a s m a f e r e s e ; r e c u p e r o u - s e p a r c i a l m e n t e , f i c a n d o com

d i s c r e t a h e m i p a r e s i a à d i r e i t a , s e m a fas ia , t e n d o a l t a d o i s m e s e s a p ó s a a d m i s s ã o ,

f azendo u s o d e 60 m g d e p r e d n i s o n a e m d i a s a l t e r n a d o s .

Caso 2 — M . C . R . P . ( r e g i s t r o 283.148, H . U . A n t o n i o P e d r o ) , 16 a n o s , p a r d a , n a t u r a l

d o E s t a d o d o R i o d e J a n e i r o . I n í c i o d e d o e n ç a e m 15 d e d e z e m b r o d e 1982, q u a n d o

p a s s o u a a p r e s e n t a r i n t e n s a cefa lé ia e a g i t a ç ã o p s i c o m o t o r a . N o d i a s e g u i n t e t o r n o u - s e

s o n o l e n t a f i cando com h e m i p l e g i a d i r e i t a , s e n d o e n t ã o i n t e r n a d a . E x a m e físico — T .

a x i l a r 36,5oC; p r e s s ã o a r t e r i a l 120x70 m m H g ; p u l s o 52 b p m ; p a c i e n t e h i p o c o r a d a ,

a n i c t é r i c a ; a u s c u l t a c a r d í a c a : r i t m o r e g u l a r e m t r ê s t e m p o s , b u l h a s n o r m o f o n é t i c a s ;

a u s c u l t a p u l m o n a r : m u r m ú r i o ve s i cu l a r d i m i n u í d o à d i r e i t a , c o m p r e s e n ç a d e r o n c o s

e s p a r s o s ; a b d o m e f lác ido , s e m v i c e r o m e g a l i a ; T r a u b e l i v r e . E x a m e n e u r o l ó g i c o —

P a c i e n t e o b n u b i l a d a ; p r e s e n ç a d e r i g i d e z d e n u c a ; h e m i p l e g i a e h i p o t o n i a à d i r e i t a ;

s i n a l d e B a b i n s k i à d i r e i t a e h i p e r r e f l e x i a p r o f u n d a d e s t e l a d o ; an i soco r i a , com m i -

d r í a s e p a r a l i t i c a à e s q u e r d a ; p a r a l i s i a fac ia l c e n t r a l d i r e i t a . E x a m e s c o m p l e m e n t a r e s

— P l a q u e t a s 150.000/mm3; p r o v a s d e f u n ç ã o h e p á t i c a n o r m a i s ; l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o :

h i p e r t e n s o e x a n t o c r ô m i c o , 30 c é l u l a s / m m 3 (50% d e p o l i m o r f o n u c l e a r e s e 50% d e m o n o -

n u c l e a r e s ) , g l i cose 76 m g % , p r o t e í n a s 600 m g % , c lo r e to s 129 m E q / 1 . E v o l u ç ã o — H o r a s

a p ó s a a d m i s s ã o t o r n o u - s e c o m a t o s a , d e p e n d e n t e d e c o n t r o l e d a r e s p i r a ç ã o , a p r e s e n t a n d o

h i p e r t e r m i a e l e sões c u t â n e a s d i s s e m i n a d a s d o t i p o v a s c u l i t e . E m 18 d e d e z e m b r o

a p r e s e n t a v a : n o h e m o g r a m a leucoc i tose c o m l in fopenia , h e m a t ó c r i t o d e 26%, p l a q u e t a s ,

Í20 .000 /mm3; g l icose , u r é i a e c r e a t i n i n a , n o r m a i s ; e x a m e d e u r i n a (E .A.S . ) n o r m a l ;

p r e s s ã o a r t e r i a l 90x50 m m H g , p u l s o 120 b p m , T . a x i l a r 40<>C. F o i i n s t i t u í d a p u l s o t e r a p i a

com m e t i l p r e d i n o s o l o n a . N o d i a 20 d e d e z e m b r o o c o m a t o r n o u - s e p r o f u n d o e logo

a p ó s o c o r r e u o ób i to . E s t u d o a n a t o m o p a t o l ó g i c o — À n e c r ó p s i a , ve r i f i cou-se n a m i c r o s -

cop ia r e n a l ( co lo ração p e l o P .A .S . ) v a s o s s e m t r o m b o s e , m e m b r a n a s b a s a i s g l o m e r u l a r e s

f inas . N a co lo ração p e l a H . E . n o t a v a - s e d i s c r e t o e i r r e g u l a r e s p e s s a m e n t o m e s a n g e a l ,

à s c u s t a s d e m a t r i z , a o l a d o d a s á r e a s d e n e c r o s e c o m f r a g m e n t a ç ã o n u c l e a r e d i m i n u i ç ã o

d e c e l u l a r i d a d e . A s a r t e r í o l a s e s t a v a m e v e n t u a l m e n t e e s p e s s a d a s p o r t u m e f a c ã o p a r i e t a l

e a co lo ração pe lo P . A . S . p e r m i t i a n o t a r á r e a s f o r t e m e n t e eos inof í l icas a l g o g r a n u l a r e s ,

i n t e r r o m p e n d o a c a m a d a m u s c u l a r , s u g e r i n d o a p r e s e n ç a d e d e p ó s i t o d e i m u n e c o m p l e x o s .

N o b a c o n o t a v a - s e e s p e s s a m e n t o f i b ro so p e r i a r t e r i a l , a l é m d o m e s m o d e p ó s i t o v i s to

n o s r i n s , n a s p a r e d e s d a s a r t e r í o l a s . A o l a d o d i s t o v i s u a l i z a r a m - s e i n ú m e r o s co rpos

hematox i f í l i cos e m á r e a s n e c r ó t i c a s , f a zendo - se a s s i m o d i a g n ó s t i c o d e l u p u s e r i t e m a t o s o

s i s t êmico . N o s l i n fonodos t a m b é m f o r a m v i s u a l i z a d o s c o r p ú s c u l o s hema tox i f í l i cos . A

m e d u l a ó s s e a e r a h i p e r p l á s i c a , com g r a n d e d i m i n u i ç ã o d e cé lu l a s a d i p o s a s e p r o e m i n ê n c i a

d e e r i t r o b l a s t o s . N o p a r ê n q u i m a h e p á t i c o h a v i a h i p e r p l a s i a d a s c é l u l a s d e K u p f e r .

A i m p r e s s ã o t i d a foi q u e a p a c i e n t e a p r e s e n t o u g r a n d e a t i v a ç ã o d e a u t o a n t i c o r p o s com

d e p o s i ç ã o d e i m u n e c o m p l e x o s n o s v a s o s . A m a c r o s c o p i a d o encéfa lo r e v e l o u l e p t o m e -

n i n g e s o p a l e s c e n t e s com v a s o s c o n g e s t o s ; h e m o r r a g i a s u b a r a c n ó i d e a ; encéfa lo p e s a n d o

1,350 k g , c o m a c e n t u a d o e d e m a e h é r n i a d e u n c u s à e s q u e r d a e h é r n i a d a s a m i g d a l a s

c e r e b e l a r e s ; p r e s e n ç a d e h e m o r r a g i a p a r e n q u i m a t o s a n o h e m i s f é r i o c e r e b r a l e s q u e r d o

( F i g . 2 ) , m e d i n d o 4x3,5 c m ; e s t a á r e a e s t e n d i a - s e â n t e r o e p o s t e r i o r m e n t e , c o m i n u n d a ç ã o

v e n t r i c u l a r ; a m i c r o s c o p i a n ã o ev idenc iou t r o m b o s e v a s c u l a r ( F i g . 3 ) .

Page 4: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através
Page 5: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

C O M E N T Á R I O S

Na evolução do LES, o aparecimento de hemiplegia não é freqüente, variando de 2 a 16,6%, segundo dados da literatura. Johnson e Richardson a & , Silvers-te in 1 7 , bem como Casey e Symon 2 consideram que esse sintoma pode aparecer como primeira manifestação da doença, embora análise mais minudente possa mostrar discretos sinais prévios da moléstia, nem sempre valorizados na anamnese. Deve-se assim pensar na possibilidade de LES quando diante de acidente vascular encefálico em pacientes jovens do sexo feminino. A paralisia surge rapidamente devido ao fechamento de vasos de médio e grande calibre como referem Freitas e col. 7 . No entanto essas oclusões devidas a arterite lúpica, nem sempre são evidenciadas à angiografia cerebral, segundo ressaltam Couto 5 , Johnson e Richardson 1 3. González-Scarano e co l . 1 1 , realizaram tomo-grafia axial computadorizada cefálica em 29 pacientes com LES e verificaram como lesões principais as atrofias cerebrais, com ou sem alargamento ventri­cular. Imagens de infarto e hemorragia parenquimatosos foram menos fre­qüentes. Bresnihan 1 realizou estudo tomográfico em 10 pacientes com LES: 4 dos seus enfermos não apresentavam sinais neurológicos e a tomografia foi normal; dos 12 exames feitos durante o aparecimento de sintomas neurológicos nos pacientes restantes, a tomografia foi anormal em 11. A relação entre as anormalidades vistas na tomografia e as alterações clinicas nervosas no lupus foram também estudados, com resultados semelhantes por Gibson e Myers 9 . Revela-se, pois, este método de investigação complementar como de muita valia para a verificação do acometimento do SNC nesta enfermidade do colágeno. Dos 24 pacientes estudados do ponto de vista anátomo-patológico por Johnson e Richardson 1 3 somente três apresentaram hemorragia cerebral. Estes autores notaram também áreas hemorrágicas superpostas às áreas de infarto.

Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através da investi­gação complementar minuciosa, fazer o diagnóstico de LES. Instituindo-se o tratamento com pulsoterapia e plasmaferese, ocorreu regressão quase total dos sintomas. Tal sorte não teve a segunda paciente na qual, da subitaneidade e intensidade da hemorragia cerebral decorreu o óbito. Diante desses dois casos, cabem breves considerações quanto à patogenia da hemorragia cerebral no LES embora, como assinala Bresnihan 1, os efeitos desta colagenose sobre o SNC sejam ainda os menos compreendidos em relação a outros órgãos e siste­mas. Acreditamos, como os autores que mais recentemente se ocuparam do tema, que as manifestações hemorrágicas estejam relacionadas a perturbações arteriais prévias, por vezes assintomáticas. As alterações da crase sangüínea que surgem por autoimunidade favoreceriam o aparecimento da hemorragia no parênquima nervoso. As investigações que vêm sendo desenvolvidas na doença lúpica, certamente poderão trazer explicação definitiva para tais eventos.

Page 6: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

R E S U M O

Os autores apresentam duas pacientes que iniciaram a doença lúpica com quadro de hemorragia cerebral. Na primeira realizou-se estudo tomográfico que revelou área compatível a sangramento no parênquima nervoso. Na segunda paciente, da gravidade do quadro decorreu o óbito, tendo sido realizado estudo anatomopatológico. São feitas considerações sobre a baixa incidência de hemor­ragia no SNC em pacientes com LES, a importância no presente de estudos tomográficos e a possível fisiopatogenia do quadro hemorrágico nessa colagenose.

SUMMARY

Cerebral hemorrhage as the initial manifestation of lupus erythematosus. Report of two cases with clinical and pathologic studies.

Two patients with cerebral hemorrhage as the first manifestation of systemic lupus erythematosus (SLE) are reported. The first one showed in the CT scan blood within the brain. Laboratory findings gave the diagnosis of, lupus. She was treated with corticosteroids and plasmaferesis with good results. The second patient died within few days and the anatomopathologic study showed a large area of hemorrhage within the brain. The microscopic study of the kidney and other organs made the diagnosis of lupus erythematosus. The authors regard the intracranial bleeding as a rare complication of lupus. They consider that the CT scan must be done in all patients with central nervous system complications of SLE. They consider that the cerebral hemorrhage must be related to the autoimmune disorders that ocurr in SLE.

R E F E R Ê N C I A S

1. B R E S N I H A N — C N S l u p u s . I n Cl in ics in R h e u m a t i c D i s e a s e s . W . B . S a u n d e r s , P h i l a d e l p h i a , 1982.

2. CASEY, E . B . & SYMON, L . — S y s t e m i c l u p u s e r y t h e m a t o s u s p r e s e n t i n g a s s u b a r a c h n o i d h e m o r r h a g e a n d s p a c e o c c u p y i n g les ion . B r i t . J . D e r m a t . 84:157, 1971.

3. C H I N I , 6 . — A s m a n i f e s t a ç õ e s n e u r o l ó g i c a s d o l u p u s e r i t e m a t o s o s i s t êmico . T e s e . R i o d e J a n e i r o , 1970.

4. C L A R K , E .C . & B A I L E Y , A.A. — N e u r o l o g i c a l a n d p s y c h i a t r i c s i g n s a s s o c i a t e d w i t h s y s t e m i c l u p u s e r y t e m a t o s u s . J . a m e r . m e d . Assoc . 160:455, 1956.

5. COUTO, B . — A s m a n i f e s t a ç õ e s n e u r o l ó g i c a s do l u p u s e r i t e m a t o s o d i s s e m i n a d o . R e v . N e u r o p s i q . 26:203, 1963.

6. D U B O I S , E . L . — T h e c l in ica l p i c t u r e of s y s t e m i c l u p u s e r y t h e m a t o s u s . I n L u p u s e r y t h e m a t o s u s . M a c G r a w Hi l l , N e w Y o r k , 1966.

7. F R E I T A S , M . R . G . ; M O R E I R A F I L H O , P . F . ; C I N C I N A T U S , D . & R O D R I G U E S , T . R . P . — T r o m b o s e d a s a r t é r i a s c e r e b r a i s a n t e r i o r e m é d i a como p r i m e i r a m a n i f e s ­t a ç ã o d o l u p u s e r i t e m a t o s o s i s t êmico . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . (São P a u l o ) 36:72, 1978.

8. G A R C I N , R . — A s p e c t s n e u r o l o g i q u e s d u l u p u s e r y t e m a t h é m a t e u x d i s s e m i n é . R e v . n e u r o l . ( P a r i s ) 92:511, 1955.

9. G I B S O N , T . & M Y E R S , A . R . — N e r v o u s s y s t e m i n v o l v e m e n t in s y s t e m i c l u p u s e r y t h e m a t o s u s . A n n . r h e u m . D i s . 35:398, 1976.

10. G L A S E R , G . H . — N e u r o l o g i c a l c o m p l i c a t i o n s of i n t e r n a l d i s e a s e s . I n A . B . B a k e r & L . H . B a k e r — Cl in ica l N e u r o l o g y , H a r p e r & R o w , N e w York , 1978.

Page 7: HEMORRAGIA CEREBRAL COMO PRIMEIRA … · Em nossa primeira paciente, somente o estudo tomográfico do encéfalo permitiu o diagnóstico da hemorragia cerebral permitindo, através

11. G O N Z A L E Z - S C A R A N O , F . ; L I S A K , R . P . ; B I L A N I U K , L . T . ; Z I M M E R M A N , R . A . ; A T K I N S , F . C . & Z W E I M A N , B . — C r a n i a l c o m p u t e d t o m o g r a p h y i n t h e d i a g n o s i s of s y s t e m i c l u p u s e r y t h e m a t o s u s . A n n . N e u r o l . 15:158, 1979.

12. H A R V E Y , A . M . ; S H U L M A N , L . E . ; T U H U L T Y , P . A . ; C O N L E Y , C.L. & S C H O E N ¬ R I C H , E . H . — S y s t e m i c l u p u s e r y t h e m a t o s u s : r e v i e w of t h e l i t e r a t u r e a n d c l in ica l a n a l y s i s of 138 ca se s . M e d i c i n e ( B a l t i m o r e ) 33:291, 1954.

13. J O H N S O N , R . T . & R I C H A R D S O N , E . P . — T h e n e u r o l o g i c a l m a n i f e s t a t i o n s of s y s t e m i c l u p u s e r y t h e m a t o s u s . M e d i c i n e ( B a l t i m o r e ) 47:337, 1968.

14. M A C E D O , D . D . P . ; M A T T O S , J . P . & B O R G E S , T .M. — M i e l o p a t i a t r a n s v e r s a e l u p u s e r i t e m a t o s o s i s t êmico . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 37:76, 1979.

15. M A C E D O , D . D . P . — A s m a n i f e s t a ç õ e s n e u r o l ó g i c a s d o l u p u s e r i t e m a t o s o s i s t êmico . T e s e . R i o d e J a n e i r o , 1981.

16. M O R E I R A F I L H O , P . F . ; C I N C I N A T U S , D . ; F R E I T A S , M . R . G . ; N A S C I M E N T O , O . J . M . ; P O R T O , F . J . S . & S A N T O S , P . C . — S í n d r o m e d e G u i l l a i n - B a r r é como m a n i f e s t a ç ã o d o l u p u s s i s t êmico . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . (São P a u l o ) 38:165, 1980.

17. S I L V E R S T E I N , A. — C e r e b r o v a s c u l a r a c c i d e n t s a s t h e i n i t i a l m a j o r m a n i f e s t a t i o n of l u p u s e r y t h e m a t o s u s . J . Med . ( N e w Y o r k ) 63:2942, 1963.

Disciplina de Neurologia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal Flumi­nense — Hospital Universitário Antonio Pedro — Rua Marquês do Paraná — 24.000, Niterói, RJ — Brasil.