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Diagnóstico agronômico regional - uma metodologia visando o aperfeiçoamento dos sistemas de cultivo 1 Diagnóstico agronômico regional - uma metodologia visando o aperfeiçoamento dos sistemas de cultivo Iran Veiga Janeiro de 2001 Introdução : da roça à micro-região. Interesse e objetivo do diagnóstico agronômico regional O objetivo do diagnóstico agronômico de uma cultura é, através da identificação e da hierarquização das principais limitações ao rendimento de uma cultura, fornecer elementos que permitam o aperfeiçoamento dos sistemas de cultivo de uma micro- região ou de uma localidade, abrangendo centenas (ou mesmo milhares) de estabelecimentos agrícolas. Ele tem um objetivo de ação sobre a realidade a partir do seu diagnóstico, indo no sentido contrário ao do esquema tradicional de pesquisa-extensão. Ao invés de partir da estação de pesquisa, onde se testam soluções que se supõe adequadas a serem depois transplantadas para os estabelecimentos, ele parte do estudo da realidade destes estabelecimentos para fornecer diretrizes de trabalho para pesquisa, em estação experimental e no próprio meio rural. As vantagens desta abordagem são que por um lado as estações experimentais são freqüentemente pouco representativas dos solos de uma região, os dados aí obtidos podendo dificilmente ser extrapolados para o conjunto desta região. Por outro lado não é possível reproduzir, em estação experimental, as condições técnicas e econômicas, assim como os entraves existentes em todo estabelecimento agrícola, o que dificulta ainda mais a extrapolação dos seus resultados (Meynard, 1982). Finalmente, muitas vezes as pesquisas realizadas em campos experimentais simplesmente não tratam de problemas pertinentes para os agricultores familiares. 1/ A síntese dos resultados do diagnóstico agronômico e seu domínio de validade Basicamente, um diagnóstico agronômico regional consiste em se determinar o domínio de validade, no espaço e no tempo, dos resultados obtidos em diagnósticos de sub-parcelas (ou zonas homogêneas) de roças (Meynard, 1982) : - no espaço : para quais tipos de solo, quais sistemas de cultivo, podem aparecer os fatores limitantes encontrados no diagnóstico das roças? Para termos a resposta a esta pergunta devemos montar uma rede de estações de observação 1 em vários pontos 1 O interesse em formar pares de estações, entre os quais somente uma característica (ou fonte de heterogeneidade) do meio ou do sistema de cultivo varia, é que assim podemos comparar os dados destas duas estações com maiores chances de descobrirmos o que causou sua eventual diferença. Estes pares constituem o que chamamos termos de comparação (vide apostila Introdução ao Diagnóstico

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  • Diagnstico agronmico regional - uma metodologia visando o aperfeioamento dos sistemas de cultivo

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    Diagnstico agronmico regional - uma metodologia visando oaperfeioamento dos sistemas de cultivo

    Iran VeigaJaneiro de 2001

    Introduo : da roa micro-regio. Interesse e objetivo do diagnsticoagronmico regional

    O objetivo do diagnstico agronmico de uma cultura , atravs da identificao eda hierarquizao das principais limitaes ao rendimento de uma cultura, fornecerelementos que permitam o aperfeioamento dos sistemas de cultivo de uma micro-regio ou de uma localidade, abrangendo centenas (ou mesmo milhares) deestabelecimentos agrcolas.

    Ele tem um objetivo de ao sobre a realidade a partir do seu diagnstico, indo nosentido contrrio ao do esquema tradicional de pesquisa-extenso. Ao invs de partir daestao de pesquisa, onde se testam solues que se supe adequadas a serem depoistransplantadas para os estabelecimentos, ele parte do estudo da realidade destesestabelecimentos para fornecer diretrizes de trabalho para pesquisa, em estaoexperimental e no prprio meio rural.

    As vantagens desta abordagem so que por um lado as estaes experimentais sofreqentemente pouco representativas dos solos de uma regio, os dados a obtidospodendo dificilmente ser extrapolados para o conjunto desta regio. Por outro lado no possvel reproduzir, em estao experimental, as condies tcnicas e econmicas,assim como os entraves existentes em todo estabelecimento agrcola, o que dificultaainda mais a extrapolao dos seus resultados (Meynard, 1982). Finalmente, muitasvezes as pesquisas realizadas em campos experimentais simplesmente no tratam deproblemas pertinentes para os agricultores familiares.

    1/ A sntese dos resultados do diagnstico agronmico e seu domnio devalidade

    Basicamente, um diagnstico agronmico regional consiste em se determinar odomnio de validade, no espao e no tempo, dos resultados obtidos em diagnsticos desub-parcelas (ou zonas homogneas) de roas (Meynard, 1982) :

    - no espao : para quais tipos de solo, quais sistemas de cultivo, podem apareceros fatores limitantes encontrados no diagnstico das roas? Para termos a resposta aesta pergunta devemos montar uma rede de estaes de observao1 em vrios pontos

    1 O interesse em formar pares de estaes, entre os quais somente uma caracterstica (ou fonte deheterogeneidade) do meio ou do sistema de cultivo varia, que assim podemos comparar os dados destasduas estaes com maiores chances de descobrirmos o que causou sua eventual diferena. Estes paresconstituem o que chamamos termos de comparao (vide apostila Introduo ao Diagnstico

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    da nossa regio. Estes pontos so normalmente escolhidos2 segundo dois critrios : otipo de solo e o tipo de sistema de cultivo;

    - no tempo : para quais "tipos" de anos (em termos de clima), e ento com qualfreqncia os fatores limitantes identificados podem aparecer? Se um determinado fatorlimitante no foi considerado importante, no ser porque o estudo foi feito em umnmero limitado de anos? Para evitar isto interessante realizar o diagnstico regionalem vrios anos seguidos (4 ou 5). Os resultados obtidos so relativizadosprincipalmente com a ajuda do estudo freqencial do clima.

    A sntese dos dados desta nossa rede regional de pares de estaes de observaose faz em dois tempos (Meynard & Sebillotte, 1983). Em um primeiro momento testa-se a coerncia dos diferentes diagnsticos ao nvel de sub-parcelas. Se em uma sub-parcela invocamos uma relao entre um estado do meio desfavorvel e umcomponente do rendimento com valor anormalmente baixo, esta mesma relao deve severificar em outras sub-parcelas na mesma situao. Em seguida procuramos extrapolaros resultados obtidos em alguns poucos anos e roas para vrios anos e toda uma regio.Esta extrapolao repousa sobre um estudo freqencial do clima, um inventrio regionalde solos e sistemas de cultivo, e um acompanhamento leve de variveis explicativas.

    Assim, para podermos extrapolar os resultados de um diagnstico agronmicoregional realizado em um certo nmero de roas em um dado ano, necessrio que assub-parcelas estudadas cubram a gama de situaes existentes na regio. Concretamenteo roteiro do trabalho o seguinte (Meynard, 1982) :

    (a) escolha de sub-parcelas o mais diversas possveis na regio de estudo;

    (b) identificao dos fatores e condies de crescimento limitantes nestas sub-parcelas, nos anos em que foi feito o estudo;

    (c) estabelecimento de relaes de causa a efeito entre os fatores e condieslimitantes identificados e caractersticas do clima do ano no qual eles ocorreram, oucaractersticas dos solos sobre os quais eles aparecem freqentemente;

    (d) avaliao da representatividade dos fatores e condies limitantesidentificados. Isto feito a partir de um estudo freqencial do clima e de um estudopedolgico da regio.

    Concluindo, a nossa unidade de trabalho continua sendo a sub-parcela (uma zonahomognea dentro da roa), comparada com outra sub-parcela ou com um referencialregional. A diferena consiste no fato de que no trabalhamos somente em uma roa,mas em vrias roas espalhadas por toda a regio que queremos "diagnosticar". Estasroas so escolhidas de maneira a serem representativas dos possveis problemasexistentes na nossa regio. O resultado deste diagnstico regional poderia ser resumidoem uma tabela onde aparecem as principais limitaes ao rendimento da cultura

    Agronmico).

    2 Como a amostragem ao nvel da roa, esta tambm se baseia em um zoneamento de heterogeneidade,desta vez ao nvel da regio. Neste os critrios pertinentes so os tipos de solo e eventualmente ossistemas de cultivo.

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    estudada, para os diferentes tipos de estabelecimento e de solos existentes na regio , eisto relativizado em funo da variabilidade de seu clima.

    2/ A complementariedade entre o diagnstico agronmico e aexperimentao clssica

    No diagnstico agronmico regional uma sinergia entre diagnstico eexperimentao bastante interessante porque (Meynard & David, 1987):

    - so os estudos analticos que fornecem as variveis e os modelos explicativospertinentes para uma caracterizao do funcionamento agronmico do sistema decultivo;

    - inversamente, a hierarquizao dos temas de pesquisa, em um meio dado,poderia ser determinada a partir de um diagnstico sobre a elaborao do rendimentodas culturas, e no sair simplesmente da "intuio" dos pesquisadores.

    Assim, a partir de uma hiptese sobre um (ou vrios) fator limitante aorendimento produzida pelo diagnstico agronmico regional (por exemplo a baixafertilidade qumica dos solos), a experimentao pode testar (pois ela tem apossibilidade de criar e controlar gamas de variao de um s fator de crescimento) oacertado desta hiptese (fazendo variar o nvel da fertilidade qumica do solo) e testarsolues (que podem vir do exterior da regio ou da prpria regio) para este problema(adubao qumica, adubos verdes, etc), o que pode ser feito em campo experimentale nas prprias roas dos agricultores (experimentao "on farm").

    importante notar que no h uma diferena fundamental entre a metodologia dodiagnstico e a experimentao. Nos dois casos, trata-se de explicitar os efeitos de umsistema de cultivo (o do agricultor no caso do diagnstico e o criado pelo pesquisadorno caso da experimentao) sobre o funcionamento do povoamento vegetal. Nos doiscasos pode-se utilizar a anlise da elaborao do rendimento como ferramenta dediagnstico, e nos dois casos chega-se a um diagnstico em termos de fator ou condiolimitante. Este trabalho simplesmente mais fcil no caso da experimentao, ondepode-se controlar as variveis estudadas. (Meynard, 1982)

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    3/ A busca de modelos e referenciais do funcionamento do povoamentovegetal

    Referncias varietais regionais so interessantes para o diagnstico agronmicona medida em que permitem relativizar os resultados obtidos nas roas estudadas. Damesma maneira modelos do funcionamento agronmico das culturas, sobretudo em setratando de sistemas complexos como o sistema solo-clima-povoamento vegetal, sotambm de grande utilidade (Meynard & David, 1987). A confrontao de resultadosexperimentais ou de diagnsticos de campo a modelos de elaborao do rendimentopermite a identificao de fatores limitantes e a quantificao de seus efeitos.

    Eles podem levar a uma grande economia de tempo e de recursos, possibilitando oteste de uma ampla gama de variao de condies do meio (solo e clima) e dossistemas de cultivo (o que seria impossvel, pela falta de tempo e de recursos, atravs daexperimentao). Eles tambm podem servir para a previso do rendimento final aindano decorrer do ciclo cultural, servindo assim como uma ferramenta de ajuda s decisesdo agricultor (isto se aplica sobretudo no caso de sistemas de cultivo mais tecnificados emais artificializadores do meio).

    No entanto, mais ainda que os referenciais (que servem para parametr-los), osmodelos de funcionamento do povoamento vegetal so de difcil construo, poisexigem um aprofundado conhecimento do funcionamento das culturas e do meio emquesto. Alm disso eles se adaptam melhor a meios fortemente artificializados, o queno o nosso caso.

    4/ Os limites do diagnstico agronmico regional

    Podemos divid-los em limites inerentes metodologia e limites impostos pelascondies de trabalho.

    Limites inerentes metodologia (Meynard & Sebillotte, 1983) :

    - na falta de referncias ou modelos deve haver uma variabilidade suficientementegrande dos valores dos componentes do rendimento para se poder chegar aos fatoreslimitantes (por exemplo, quando o mesmo componente do rendimento tem valoresbaixos em ambas as estaes de observao de um par no podemos dizer que elesesto anormalmente baixos);

    - uma metodologia pesada devido complexidade do sistema estudado (solo-povoamento vegetal-clima), permitindo o estudo simultneo de poucas estaes deobservao, o que afeta a representatividade do diagnstico na regio;

    - ainda devido a esta complexidade h grandes riscos de confuso de efeitos. Aexperimentao visando testar as hipteses sobre os fatores limitantes sadas dodiagnstico pode diminuir este risco;

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    - h sempre situaes inexplicadas, pois no se pode controlar todas as variveisdeste sistema complexo. Por vezes os controles realizados podem ser insuficientes parase chegar a concluses;

    - a anlise da elaborao do rendimento atravs dos seus componentes eficaz nocaso onde um componente do rendimento corresponde a uma fase bem delimitada dociclo de desenvolvimento. Onde isto no ocorre (por exemplo no caso do caupi ou docacau) fica difcil identificar o momento do aparecimento de fatores limitantes.

    No que concerne nossas condies de trabalho podemos citar a dificuldade em seconstruir referenciais devido grande diversidade das variedades utilizadas pelosagricultores familiares e ao pouco conhecimento agronmico das mesmas. Os nomesno so necessariamente estveis, o material vegetal sob um mesmo nome podendo serbastante diferente. Quando conseguimos referncias sobre uma variedade, no podemoster certeza para quais outras podemos extrapolar estes dados. Assim parece mais fciltrabalhar com grupos de variedades, cada um tendo uma certa "estratgia de produode biomassa" e respostas diferentes aos estmulos do meio e do sistema de cultivo.

    Em concluso importante acrescentar que a possibilidade de melhorar"agronomicamente" um sistema de cultivo no implica na necessidade de faz-lo, aao em outros nveis do estabelecimento agrcola (ou fora dele) pode ser maisinteressante em um primeiro momento.

    Bibliografia

    MEYNARD, J. M. Introduction aux mthodes d'enqutes agronomiques. Les cahiers dela formation profssionnelle la recherche en milieu rural des rgions chaudes(CIRAD/CNEARC). 1982; fascicule 3, volume 2.

    MEYNARD, J. M.; DAVID, G. Diagnostic sur l'laboration du rendement des cultures.Colloque "Fertilit des Sols et Besoins des Plantes". 1987: Sorrento.

    MEYNARD, J. M.; SEBILLOTTE, M. Diagnostic sur les causes de variation durendement du bl dans une petite rgion. in La fatigue des sols, 23me colloque SFP,Versailles, 21-22 octobre 1982 (les Colloques de l'INRA, n 17); p. 157-168.Versailles: Ed. INRA; 1983.