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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA REGIONAL DE PS-GRADUAO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE PRODEMA Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente
DAVI ARAGO ROCHA
ECOSSISTEMA MANGUEZAL E LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA PONTE SOBRE O RIO COC NO BAIRRO SABIAGUABA,
FORTALEZA/CE
FORTELEZA, CEAR 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR - UFC DAVI ARAGO ROCHA
ECOSSISTEMA MANGUEZAL E LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA PONTE SOBRE O RIO COC NO BAIRRO SABIAGUABA,
FORTALEZA/CE
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Meio Ambiente. rea de Concentrao: Anlise Ambiental de reas Litorneas. Orientador: Prof. Dr. Antnio Jeovah de Andrade Meireles
FORTELEZA, CEAR. 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR UFC MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE PRODEMA
Ttulo: Ecossistema Manguezal e Licenciamento Ambiental da Ponte Sobre o Rio Coc no Bairro Sabiaguaba, Fortaleza/CE.
Autor: DAVI ARAGO ROCHA
Defesa em: de junho de 2011
Banca Examinadora
______________________________________ Prof. Dr. Antnio Jeovah de Andrade Meireles Dep. de Geografia, UFC
(Orientador)
______________________________________ Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa Dep. de Cincias Jurdicas, UNIFOR
______________________________________ Profa. Dra. Adryane Gorayeb Nogueira Caetano Dep. de Geografia, UFC
minha famlia, que sempre me ensina a
amar a vida
Agradeo, em primeiro lugar, a Deus.
Meu sincero agradecimento ao professor Jeovah Meireles por acreditar em meu potencial, pela essencial orientao e pelos conselhos amigos. Aos meus pais e meu irmo, de quem os abraos so o suporte do meu cotidiano. Anna, pela ajuda prestada. Aos meus familiares. Aos professores Adryane Gorayeb e Gustavo Feitosa pelas valiosas sugestes e crticas. Aos meus amigos e colegas do Prodema, com quem compartilhei alegrias e angstias. Aos professores do mestrado e coordenao do curso. A todos os meus amigos que, diretamente ou indiretamente, ajudaram-me na realizao deste trabalho, ou que simplesmente me proporcionaram momentos de felicidade. Ao DAAD - Deutscher Akademischer Austauschdienst, pela bolsa, que foi essencial para a realizao deste trabalho.
RESUMO
Este estudo investiga e analisa o licenciamento ambiental da ponte sobre o rio Coc,
no bairro Sabiaguaba, em Fortaleza Cear. O licenciamento foi iniciado em 2001,
sofrendo a obra paralisaes e sendo finalizada apenas em 2010. Atravs de
pesquisa bibliogrfica, documental e observao em campo, foram verificados os
interesses pblicos e privados relacionados a essa construo e examinado como o
modo de vida e o patrimnio cultural da populao de Sabiaguaba, incluindo-se a
sua relao com os ecossistemas, principalmente o manguezal, e como os impactos
sobre o meio ambiente natural foram observados pelas justificativas apresentadas
pelos documentos do licenciamento e pelos rgos envolvidos em torno da obra.
Para isso, examinou-se os aspectos ecodinmicos e os servios ambientais dos
ecossistemas manguezais, investigando-se a importncia do ecossistema
manguezal do rio Coc; a relao da populao de Sabiaguaba com os
ecossistemas e os fluxos ambientais existentes naquela rea; alm de uma anlise
da legislao vigente e da doutrina jurdica que versa sobre licenciamento ambiental.
Palavras-chave: Licenciamento Ambiental, Sabiaguaba, Ecossistema Manguezal
ABSTRACT
This study investigates and analyzes the environmental licensing of the bridge over
the River Coco at Sabiaguaba, Fortaleza Cear -Brazil. The licensing was initiated
in 2001, being stopped a few times and being completed just in 2010. Through
literature, and observation in the field, the public and private interests related to this
building were checked. It was examined how is the lifestyles and cultural heritage of
Sabiaguaba population, including their relationship with ecosystems, especially
mangrove. It was analyzed howthe impacts on the natural environment were
observed by the justifications given by the licensing documents and the government
intitutes. For this, we examined the aspects ecodynamics and environmental services
of mangrove ecosystems, including an investigation about the importance of
mangrove ecosystem of the River Coco, the relationship of population of Sabiaguaba
with ecosystems and environmental that exist in that area; and an analysis of the
current legislation and legal doctrine that focuses on environmental licensing.
Keywords: Environmental License, Sabiaguaba, Mangrove Ecosystem.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Manguezal do rio Coc 62
Figura 2 - Bairro Sabiaguaba em Fortaleza 69
Figura 3 - Detalhe ao norte da Estrada Sabiaguaba 70
Figura 4 - Bairro Sabiaguaba 71
Figura 5 - Duna e lagoa interdunar em Sabiaguaba 72
Figura 6 - Dunas fixas, semifixas e mveis de Sabiaguaba e barracas beira do rio Coc
73
Figura 7 - Compartimentao geomorfolgica de Sabiaguaba 75
Figura 8 - Bancos de sedimentos na foz do rio Coc 76
Figura 9 - Bancos de sedimentos na foz do rio Coc 77
Figura 10 - Beachrocks reduzindo a ao erosiva das ondas 77
Figura 11 - Placa da Prefeitura Municipal de Fortaleza, em Sabiaguaba, indicando que a rea de proteo ambiental
78
Figura 12 - Localizao das Unidades de Proteo Integral 79
Figura 13 - Detalhe do Mapa do Zoneamento Ambiental do PDPFor (2008) 80
Figura 14 - Atividade de pesca p no cho na foz do Rio Coc em Sabiagaba 83
Figura 15 - Barracas na beira do rio Coc em Sabiaguaba 83
Figura 16 - Horticultura em terreno arenoso (permevel) 83
Figura 17 - Estrada Sabiaguaba 86
Figura 18 - Fotografia area da ponte e da Sabiaguaba 90
Figura 19 - A ponte em construo 91
Figura 20 - A ponte construda 91
Figura 21 - Alternativas locacionais do projeto 99
Figura 22 - Trecho de duna mvel em Sabiaguaba estabilizada e atualmente impermeabilizada
100
Figura 23 - Trecho de dunas, em Sabiaguaba, estabilizadas e atualmente impermeabilizadas pelo asfalto
101
Figura 24 - Em Sabiaguaba, ao lado do trecho asfaltado, tentativa de conteno do fluxo sedimentar
101
Figura 25 - Pilastras de sustentao da ponte 107
Figura 26 - Placa na ponte indicando caminho para a rea turstica Porto das Dunas em Aquiraz
114
Figura 27 - Placa colocada aps a construo da ponte, ao lado do fim do trecho asfaltado, em Sabiaguaba, indicando processo de crescimento imobilirio
115
Figura 28 - Aumento do trfego de veculos no dia da inaugurao da ponte. Fim do trecho asfaltado em Sabiaguaba
115
Figura 29 - Aumento do trfego de veculos no dia da inaugurao da ponte. Trecho ainda no asfaltado da Estrada Sabiaguaba
116
Figura 30 - Placa sobre a ponte, indicando a direo para o Porto do Mucuripe 116
Figura 31 Rotas dos veculos de carga pesada entre o Porto do Mucuripe e a BR-116
118
LISTA DE SIGLAS
APA rea de Preservao Ambiental
ARIE - rea de Relevante Interesse Ecolgico das Dunas do Coc
CF Constituio Federal
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
DNIT Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes
DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
ECO Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
EIA Estudo de Impacto Ambiental
IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
ONU - Organizao das Naes Unidas
ONG - Organizao No-Governamental
PMF - Prefeitura Municipal de Fortaleza
PNMA - Poltica Nacional do Meio Ambiente
PNMDS - Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba
RIMA Relatrio de Impacto Ambiental
SER Secretaria Executiva Regional
SEMACE Superintendncia Estadual do Meio Ambiente
SEMAM Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Controle Urbano
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservao
UFC Universidade Federal do Cear
UINC - Unio Internacional para a Conservao da Natureza
SPU Secretaria do Patrimnio da Unio
WWF - World Wild Fund
SUMRIO
INTRODUO 13
1. A CONSTRUO DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO: UMA CAMINHADA GLOBAL RUMO S MUDANAS LOCAIS
18
1.1. A Evoluo da Conscincia Ecolgica e a Construo do Direito Ambiental Internacional
19
1.2. Uma nova fase: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como Direito Humano
27
1.3. A viso antropocntrica do Direito Ambiental e o ecocentrismo 31
1.4. Evoluo da legislao ambiental brasileira 34
2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL 37
2.1. Conceito 37
2.2. Fases e licenas 39
2.3. Natureza jurdica das licenas ambientais 40
2.3.1. Licena ambiental: autorizao administrativa, licena administrativa ou instituto de natureza jurdica prpria?
41
2.3.2. Possibilidade de reviso da licena ambiental 47
2.4. Competncia 50
2.5. Estudo de impacto ambiental no licenciamento ambiental 53
3. ASPECTOS ECODINMICOS E SERVIOS AMBIENTAIS DO ECOSSISTEMA MANGUEZAL
60
3.1. O manguezal do rio Coc no contexto urbano 66
4. SABIAGUABA 69
4.1. Localizao 69
4.2. Aspectos geoambientais gerais e fluxos de matria e energia 71
4.2.1 Fluxos ambientais 76
4.3. Criao das unidades de conservao rea De Proteo Ambiental De Sabiaguaba e Parque Natural Municipal Das Dunas De Sabiaguaba
78
4.4. A vida entre o mar, as dunas e o rio 81
4.4.1. Sabiaguaba: uma discusso sobre espaos hbridos entre o urbano e o rural
84
5. PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL DO PROJETO PONTE SOBRE O RIO COC
89
5.1 Histrico 89
5.2 O Empreendimento 90
5.3. As Licenas Ambientais 92
5.3.1. O Incio do Processo de Licenciamento Ambiental 92
5.3.2. As licenas e suas condicionantes 96
5.3.2.1. Licena de Instalao 96
5.3.2.2. A Segunda Licena de Instalao 97
5.4. Estudo e Relatrio de Impacto Ambiental: Alternativas Locacionais e as Justificativas da Obra
99
5.4.1. Alternativas Locacionais 99
5.4.2. Discusso Sobre o Conceito de Utilidade Pblica, Inserida no Cdigo Florestal Pela Medida Provisria 2166-67 de 24 de agosto 2001
103
5.4.3. As Justificativas: Nem tudo o que dito, escrito 108
5.4.3.1. A Justificativa Turismo 109
5.4.3.2. A Ponte e o Turismo de Massa 113
5.4.3.2. A Justificativa No Escrita 116
5.5. Uma Breve Discusso Sobre a Perspectiva de Dominao do Espao e do Tempo Pela Cidade Poltica e Econmica
119
6. CONSIDERAES FINAIS 122
7. REFERNCIAS 130
INTRODUO
Inicialmente, o projeto de pesquisa para a realizao deste trabalho seria
estudar o licenciamento ambiental de algumas construes de mdio ou grande
porte, pblicas ou privadas, ao longo do ecossistema manguezal do rio Coc, em
Fortaleza, observando se tais licenciamentos seguiam os ditames legais, procurando
os problemas mais comuns e quais os principais impactos das obras. Aps algumas
disciplinas cursadas, durante o processo de escolha de quais seriam os
empreendimentos pesquisados, um chamou a ateno de forma especial. Voltava a
ser construda e a ocupar, de modo mais constante, as pginas dos jornais a ponte
sobre o rio Coc, mais conhecida como Ponte da Sabiaguaba que, com processo de
licenciamento ambiental iniciado em 2001, h quase uma dcada vinha sofrendo
paralisaes e contestaes de ordem financeira, social e ambiental, alimentando
polmicas nos mbitos poltico e acadmico, gerando controvrsias e debates na
sociedade cearense, especialmente fortalezense.
Outro fator que chamou a ateno foi o de a construo ser em uma rea
que possui ainda uma boa preservao dos elementos ambientais e que possui
caractersticas sociais que diferem em vrios aspectos do restante da capital
cearense, pois, apesar de estar em uma das maiores cidades brasileiras, apresenta
vrios aspectos da vida no campo.
Diante disso, passou-se a questionar como a obra interferiria nesse
ambiente, diante de justificativas dadas pelos rgos pblicos de que a ponte seria
uma impulsionadora do desenvolvimento daquela regio, alm de incrementar o
turismo j consolidado de reas prximas capital. Alm dessa justificativa,
adicionou-se a de que a ponte serviria de ligao entre a rodovia federal BR-116 e o
Porto do Mucuripe, em Fortaleza, servindo passagem de veculos de carga
pesada. Teriam sido, porm, estudados os impactos socioambientais dessa nova
justificativa? Como era observada a populao residente pelo estudo de impacto
ambiental dessa obra? Que espcie de desenvolvimento objetiva-se impulsionar na
regio? A ponte estava sendo construda prioritariamente para essa populao, que
sofreria de forma mais direta os possveis impactos negativos; ou estava sendo
pensada basilarmente para melhorar as condies de outras pessoas ou mesmo
empresas? Como foi tratado o meio ambiente durante o processo de licenciamento,
tendo em vista que, ao longo dos anos que a obra demorou para ser concluda,
algumas normas da legislao ambiental foram alteradas?
Estimulado por questionamentos como esses que tiveram origem na
juno da teoria que j vinha sendo estudada, atravs de bibliografia e das
disciplinas do curso, com o que era apresentado pelas notcias jornalsticas e
debates na sociedade, alm de um prvio conhecimento acerca da importncia
ambiental dessa rea para a cidade , decidiu-se centrar o foco da pesquisa no
licenciamento ambiental dessa obra, observando-se os servios ambientais
prestados pelo ecossistema manguezal do rio Coc, que foi um dos afetados
diretamente pela ponte, e os aspectos socioambientais do bairro Sabiaguaba.
Assim, formulou-se o seguinte objetivo geral:
- Investigar e analisar o licenciamento ambiental da ponte sobre o rio Coc, no
bairro Sabiaguaba, em Fortaleza Cear, verificando os interesses pblicos e
privados relacionados a essa construo e examinando como o modo de vida e o
patrimnio cultural da populao de Sabiaguaba, incluindo-se a sua relao com os
ecossistemas, principalmente o manguezal, e como os impactos sobre o meio
ambiente natural esto sendo observados pelas justificativas apresentadas pelo
licenciamento e pelos rgos envolvidos em torno da obra
Para esse objetivo ser atingido, foram traados os seguintes objetivos
especficos:
- examinar os aspectos ecodinmicos e os servios ambientais dos
ecossistemas manguezais, investigando-se a importncia do ecossistema
manguezal do rio Coc e as principais formas de sua degradao;
- investigar a relao da populao de Sabiaguaba com os ecossistemas e os
fluxos ambientais existentes naquela rea, observando-se como essa interao
influencia no cotidiano do bairro;
- pesquisar a teoria que versa sobre o instituto jurdico licenciamento ambiental,
apontando as principais polmicas e suas possveis solues;
- analisar o licenciamento ambiental da ponte sobre o rio Coc em Sabiaguaba
luz da legislao vigente, investigando os interesses pblicos e privados
envolvidos e de que forma o processo de licenciamento pode ter sido por eles
influenciado no sentido de a ponte atender fins em que a populao e os
ecossistemas da Sabiaguaba no sejam a prioridade.
Para o cumprimento desses objetivos, fez-se, primeiramente, uma criteriosa
seleo bibliogrfica, sempre com a perspectiva de realizao de um trabalho
permeado pela interdisciplinaridade, relacionando-se diversos campos do
conhecimento, em especial, Direito, Geografia, Ecologia, Sociologia e Antropologia
Urbana. Aps j termos uma base terica, deu-se incio pesquisa de campo, onde
buscou-se, alm de descrever o objeto, conhec-lo, realizando uma abordagem
onde prioriza-se no os fatos picos, os fatos de grande dimenso, mas aqueles
que esto mais prximos do sujeito e que repercutem diretamente na sua vida
(MARTINELLI, 1999, p.22). Para isso, realizou-se, em agosto e outubro de 2009, e
fevereiro, junho, outubro e novembro de 2010, caminhadas atentas ao cotidiano do
local, procurando-se perceber os padres corriqueiros inerentes vida na rea em
estudo, identificando-se e registrando-se, atravs de fotografias e anotaes, usos
cotidianos do ambiente pela populao e os aspectos geofsicos mais evidentes,
observando-se os sinais de impactos da ao antrpica.
Sobre o ato de caminhar do pesquisador, Magnani e Torres (2000, p.37)
escrevem:
Caminhada sistemtica, mas no exaustiva. A recomendao era deixar-se impregnar pelos estmulos sensoriais durante o percurso. Devia estar atento principalmente materialidade da paisagem: relao entre espaos vazios e construdos, disposio das edificaes e equipamentos, escala, volumetria, rudos, cores, cheiros. No se tratava de buscar o inusitado, o inesperado, mas, ao contrrio, o reiterativo, o padro, a norma. A delimitao prvia do percurso e a cobertura do trajeto em sua totalidade sem interrupes so condies para captar a diversidade de uma rua, por exemplo, sem se deixar levar pela fragmentao que, primeira vista, ela parece exibir. Deve haver uma ordem, um ritmo, regras. Os usurios obedecem a essa ordem sem necessariamente dar-se conta disso, pois o padro est internalizado. Ao pesquisador cabe identificar tais regras.
A pesquisa documental foi tambm etapa fundamental para o desenvolvimento
da investigao e percepo dos parmetros utilizados pelo Poder Pblico para a
liberao da obra; atentando-se para as contradies entre os pareceres e o estudo
de impacto ambiental; entre este e outros estudos socioambientais existentes,
inclusive originados do prprio Poder Pblico; alm de contradies entre o que os
dirigentes de rgos pblicos declaram na mdia jornalstica e o que se l no
processo de licenciamento ambiental e na legislao ambiental vigente.
Com essa metodologia adotada, construiu-se uma ordem de captulos onde o
primeiro constitui o resultado do estudo do referencial terico acerca da construo
histrica do Direito Ambiental. Partindo-se das mudanas ocorridas no plano
internacional no ltimo sculo, chega-se compreenso do direito ao meio ambiente
como um direito humano e ao nascimento do Direito Ambiental Brasileiro, cujo marco
foi a Poltica Nacional do Meio Ambiente e a Constituio de 1988. Incluem-se nesse
captulo algumas novas reflexes sobre a direo e o foco do Direito Ambiental,
apresentando-se a atual viso antropocntrica, que vem prevalecendo, e as crticas
que a ela surgem a partir uma viso ecocntrica.
No Segundo captulo, analisa-se de maneira pormenorizada o instituto jurdico
licenciamento ambiental, trazendo tona discusses dos tericos do Direito sobre
temas ainda pouco claros nessa disciplina, em especial a natureza jurdica das
licenas ambientais. Para isso, foram explicitados e confrontados tanto pensamentos
de autores consagrados dessa rea do Direito, destacando-se Milar (2004) e
Machado (2010), como de autores que surgiram mais recentemente e que apontam
novos rumos e levantam novas propostas para a soluo de impasses jurdicos, com
destaque para Farias (2010), Bechara (2009) e Trennepohl e Trennepohl (2007).
No terceiro captulo, apresentam-se os estudos sobre os aspectos
ecodinmicos e servios ambientais do ecossistema manguezal, demonstrando-se a
sua importncia planetria e local, alm dos principais impactos e ameaas que vem
sofrendo mundialmente. Nesse contexto, abre-se espao para a apresentao do
ecossistema manguezal do rio Coc, sua relevncia para a cidade de Fortaleza e as
principais formas de degradao que o afetam. Alm da observao direta, o
captulo baseia-se em vrios autores internacionais, nacionais e locais da rea da
ecologia e geografia, que j possuem amplos estudos sobre ecossistema
manguezal, sobre o rio Coc e os ecossistemas a ele conexos.
Em seguida, no quarto captulo, detalha-se o ambiente do bairro Sabiaguaba,
exibindo-se, primeiramente, os diversos fluxos e interaes ambientais, mostrando-
se a relevncia desse ambiente, ainda com bom grau de preservao, para o
equilbrio da regio de seu entorno. Para isso a pesquisa de campo foi
complementada por dados e informaes advindas de importantes e reconhecidos
estudos como o do Plano de Manejo da rea de Proteo Ambiental da Sabiaguaba
(2010). Mostra-se tambm o estilo de vida da populao e como ele se diferencia
do estilo do restante da cidade, apresentando sinais de uma vida rural. Com isso,
inicia-se, tendo por base escritores clssicos da sociologia e antropologia urbana,
uma discusso sobre as diferenas entre o urbano e o rural e em qual dessas duas
classificaes seria possvel emoldurar a Sabiaguaba.
No quinto captulo, diante do conjunto de informaes coletadas, apresenta-se
a anlise do licenciamento ambiental da Ponte da Sabiaguaba, tomando por base a
cpia do processo existente na sede do IBAMA no Cear e informaes colhidas do
stio virtual desse rgo, alm de notcias e entrevistas jornalsticas. Foi de grande
importncia ater-se a alguns pontos do estudo de impacto ambiental e seu
respectivo relatrio por fornecerem variados subsdios para uma anlise crtica a
todo processo, inclusive confrontando-o com as informaes de outros estudos, at
mesmo de origem governamental, e com as informaes mostradas nos captulos
anteriores. Ao final, a partir da anlise feita, colocam-se consideraes e reflexes
sobre os objetivos da ponte.
Este trabalho pretende colaborar para estudos e pesquisas em diversas reas
do conhecimento. Objetiva-se, de modo especial, cooperar com as discusses sobre
licenciamento ambiental e melhorias na legislao ambiental, servindo aos debates
sobre a forma de atuao do Poder Pblico diante de incertezas jurdicas,
questionando-se os parmetros e objetivos estabelecidos pela Administrao
quando esta prope e realiza construes e obras como a estudada nesta pesquisa.
1. A CONSTRUO DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO: UMA CAMINHADA
GLOBAL RUMO S MUDANAS LOCAIS
Ao longo dos sculos e milnios de existncia do ser humano, nossa relao
com o ambiente em que vivemos sofreu e vem sofrendo vrias alteraes
(CAMARGO, 2010). Desde os primrdios da nossa espcie at os dias
contemporneos, a viso do mundo que nos rodeia e do qual somos parte oscila
entre o racional e o emocional, entre a integrao e a separao, entre a criao e a
destruio (BOFF, 2006; CAPRA, 2006). Nos ltimos cinco sculos, em especial
pelo crescimento da tecnologia e avanos cientficos, perceberam-se maiores e mais
intensas transformaes da maneira como apreendemos e classificamos o chamado
mundo natural (THOMAS, 1988, p. 18). Essas mudanas e transformaes, que
no necessariamente ocorreram em um nico sentido, puderam e podem ser
sentidas em vrios aspectos da nossa vida social, desde o que se ensina nas
escolas ao que se discute nas praas e bares das cidades; do que se pesquisa nas
universidades ao que se publica nos jornais; das leis que so debatidas nos
parlamentos aos alimentos que so colocados no prato de cada dia.
Para ns, que estamos passando pelo incio deste novo milnio, tais
alteraes so mais facilmente percebidas se verificamos os eventos do sculo
passado, que foi vivenciado pela maioria de ns, em maior ou menor grau.
Atualmente, extremamente difcil encontrar um jornal de grande tiragem
que no publique, diariamente, pelo menos uma matria que tenha como assunto
principal o meio ambiente, seja em matrias de interesse local, seja em matrias
sobre assunto de interesse internacional, gerando ou refletindo, por vezes,
acalorados debates.
Recentemente, por exemplo, um importante jornal de Fortaleza publicou
matria de grande repercusso acerca do corte de rvores, em uma determinada
rea, para a construo de um empreendimento imobilirio, questionando a
legalidade do desmatamento (O POVO, 2011). Esse fato gerou ainda outras
matrias nos dias seguintes, relacionando-o inclusive a problemas ambientais mais
amplos como o aquecimento global antrpico, alm de ocasionar debates em outros
meios de comunicao como a televiso. Isso pode no nos gerar grande surpresa.
Se lembrarmo-nos, porm, que h menos de 60 anos, com apoio de significativa
parcela da sociedade, o Governo do Brasil premiava com o ttulo de propriedade os
posseiros da regio amaznica que desmatassem mais de 50% da rea que
dominavam, perseguindo crescimento econmico e levando a um salto da
degradao de 1% em 1970 para 17% da floresta em 2008 (PDUA, 2009);
percebemos uma grande mudana no modo como o tema tratado.
claro que esse exemplo no capaz, e nem esse o objetivo, de
demonstrar, ao menos sozinho, uma transformao de paradigma. Ele, entretanto,
pode demonstrar que estamos vivenciando uma poca em que as mudanas so
patentes, e que as transformaes ainda que latentes possuem fortes
perspectivas de ecloso. Mesmo que ainda vivamos, atualmente, sob uma lgica de
desenvolvimento economicista, nunca antes houve como agora uma ampla
discusso sobre conceitos de desenvolvimento sustentvel, sustentabilidade,
preservao ambiental, apesar de toda a carga de contradies e paradoxos que os
discursos inseridos nesse tema possuam. Essas contradies podem at mesmo ser
indcios de que realmente estamos atravessando um perodo de alteraes
paradigmticas, onde conceitos antigos e novos se confundem, e as antigas
certezas se diluem antagonizadas por novos desafios e dvidas (KUHN, 2009).
A seguir, ser discutido de forma mais especfica as mudanas que
aconteceram ao longo do sculo passado e as bases para as transformaes do
futuro.
1.1. A Evoluo da Conscincia Ecolgica e a Construo do Direito Ambiental
Internacional
Modernamente, apenas no sculo XX, o ser humano percebeu o quanto
suas aes afetam a dinmica dos ecossistemas. No que nos sculos anteriores,
em especial no XIX, no existissem graves questes ambientais; a mudana de
pensamento a partir da segunda metade do sculo XX com relao s influncias do
ser humano sobre o ambiente, como explica Saavedra (2007), reside no fato de
essa mudana se expressar
com o surgimento da idia de crise ambiental ou crise ecolgica, por meio
da qual se descreve o paradoxal fenmeno de que o prprio crescimento
econmico, junto ao elevado nvel de desenvolvimento e qualidade de vida
alcanado pela Civilizao Industrial (onde seu expoente arquetpico o
prprio Primeiro Mundo), criou problemas de carter ecolgico e ambientais
de to enorme magnitude, tais como a contaminao, a perda da
biodiversidade, a mudana climtica, o esgotamento dos recursos naturais,
a destruio da camada de oznio, e a chamada exploso demogrfica; que
pela primeira vez na histria se ps em risco a continuidade da vida do ser
humano no planeta, assim como o processo da vida do planeta mesmo.
(traduo minha)
Pode-se acrescentar a isso que a diferena que, ao contrrio do sculo
XX, no passado, as classes mais abastadas no chegavam a ser atingidas por
esses problemas, que restavam quase completamente s classes economicamente
desprivilegiadas (LAGO; PDUA, 1984).
Tem-se, ento, que os sistemas econmicos predatrios aliados tecnologia
e ao rpido crescimento populacional desse perodo ocasionaram uma grande
elevao dos problemas ambientais, o que, aos poucos, foi elevando a preocupao
de governos e populaes quanto ao tema (CAMARGO, 2010).
No final do sculo XIX e incio do sculo passado, a Revoluo Industrial
estava no mais em pleno vapor, mas, literalmente, em pleno petrleo inserida no
contexto do Estado Liberal, onde prevalecia a viso individualista baseada na livre
iniciativa e acmulo de capital. Essa nova fonte de energia o petrleo ,
juntamente a outras novas tecnologias, deu um enorme impulso ao crescimento
econmico, que aconteceu, entretanto, beneficiado pela explorao dos
trabalhadores (PADILHA, 2010), que eram obrigados a cumprir extensas e penosas
jornadas nas fbricas, cujos ambientes eram insalubres e, muitas vezes, perigosos.
Nessa poca, nas sociedades ocidentais, ainda imperavam fortemente no
direito contratual a autonomia das partes e o pacta sunt servanda, advindos das
lutas e revolues contra os Estados Absolutistas (BOBBIO, 1992; PADILHA, 2010).
Assim, os contratos efetivados pelos patres e empregados, em nome de uma
pretensa liberdade, no podiam sofrer interferncia do Estado. Na prtica, a
liberdade encontrava-se presa nas canetas dos donos das fbricas e indstrias, pois
a massa de trabalhadores e trabalhadoras era maior do que o nmero de vagas,
fazendo com que estes se submetessem s mais diversas exigncias e abusos
contratuais. Era comum encontrar pessoas inclusive crianas e mulheres grvidas
- trabalhando at 18 horas por dia, muitas vezes por um salrio que mal servia
subsistncia, ou mesmo em troca apenas de uma parca alimentao. Havia ainda
muitos casos de mutilaes, mortes ou doenas em virtude da insalubridade nos
ambientes das fbricas. Podia-se facilmente encontrar crianas a partir de dois ou
trs anos trabalhando em indstrias por horas a fio, ou ainda mulheres que
chegavam a dar luz em pleno cho do local de trabalho com a ajuda das colegas,
pois no tinham o direito de parar por um instante sequer (SILVA, 2007).
Sabe-se que, infelizmente, em muitos locais, inclusive em nosso pas, casos
de abuso e explorao como os descritos acima ainda persistem. A diferena que,
na atualidade, essas situaes ocorrem, em grande parte desses pases, apesar da
lei; j naqueles tempos, ocorriam sob o manto da legalidade e de uma suposta
liberdade contratual.
Foi tambm nesse perodo, ao final do sculo XIX e incio do sculo XX, que
surgiram modelos cientficos de racionalizao do trabalho atravs do fordismo,
taylorismo e fayolismo que pregavam a especializao do trabalhador em uma nica
e pequena fase do processo de fabricao, acelerando a manufatura do produto e a
conseqente maximizao dos lucros, sendo estes os principais expoentes da
escola da regulao. Os efeitos na economia foram grandes, acelerando ainda mais
os pases industrializados.
J os efeitos desse modelo sobre a vida do trabalhador foram percebidos
fortemente na sade fsica e mental, pois necessitavam ficar por vrias horas
repetindo um mesmo e rpido movimento, criando leses por esforo repetido
(LER), e afetando psicologicamente, pela impossibilidade do uso criativo da mente
na execuo do trabalho. Era o homem em favor da mquina, com vistas extrao
do lucro mximo (PADILHA, 2010, p. 39).
Charles Chaplin, atravs do aclamado filme Tempos Modernos (1936)
conseguiu captar e satirizar bem esses efeitos sobre a classe operria, levando s
grandes telas o esprito econmico de uma poca.
Nesse contexto, os trabalhadores comearam a organizar-se para reivindicar
o reconhecimento de seus direitos. Se poucos sculos antes, aconteceram
revolues como a francesa e a americana para que o Estado tivesse menos
poder, e os sditos, posteriormente cidados, tivessem suas liberdades individuais
respeitadas; agora a classe operria e outros setores da sociedade, como por
exemplo as mulheres, lutavam pelo reconhecimento dos seus direitos enquanto
coletividades: direitos sociais. Assim, exigia-se que o Estado, antes afastado, criasse
leis que regulamentassem os contratos de trabalho, procurando equilibrar a forte
diferena de poder dos patres e empregados. Surge assim, no sculo XX, o Estado
Social de Direito, onde entendeu-se a importncia no apenas dos direitos
individuais dos cidados, mas tambm os direitos coletivos sociais, culturais e
econmicos denominados de direitos de segunda dimenso, tendo sido os de
primeira dimenso os direitos individuais advindos da Revoluo Francesa
(BOBBIO, 1992; PORTANOVA, 2005).
Nesse momento histrico, enquanto acontecia a forte explorao dos
trabalhadores e conseqente amadurecimento de uma conscincia coletiva de seus
movimentos; o meio ambiente sofria crescente degradao causada pelo mesmo
fato: a revoluo industrial, ocorrendo dentro de um sistema em que o avano da
tecnologia e a lgica do mercado esto a servio do acmulo de capitais e
maximizao dos lucros. Sobre essa relao, Padilha (2010, p. 41-42) escreve:
Nesse sentido, tanto a degradao da qualidade de vida e da sade do trabalhador quanto da degradao do meio ambiente, esto inseridas no mesmo contexto econmico-social. Entretanto, enquanto para o trabalhador essa degradao resulta em doenas ocupacionais e acidentes do trabalho, para o meio ambiente natural, a degradao significa a perda irreparvel do equilbrio dos ecossistemas, a destruio de biomas, a poluio de guas, de solos frteis, a extino de espcies.
(...)
A partir deste ponto de vista de reflexo de uma matria to abrangente, pode-se afirmar que o meio ambiente e o trabalhador, desde a Revoluo Industrial e seu desaguar na presente Revoluo Tecnolgica, que nos transformou na atual sociedade de risco global, esto no centro dos conflitos desta inescapvel relao da sociedade com o meio ambiente e os processos produtivos, conflitos acirrados e no minimizados com o transcurso do sculo XX e incio do sculo XXI.
Demonstrao dessa relao entre os temas a criao da Organizao
Internacional do Trabalho, primeira organizao internacional com feies
modernas, surgida a partir da Conferncia da Paz, aps a Primeira Guerra Mundial,
cujas deliberaes de normas (convenes) relacionadas proteo do trabalhador,
higiene e segurana nos locais de trabalho integram, atualmente, um importante
corpo de normas de proteo ambiental (SOARES, 2003, p. 21)
Acontece, porm, que enquanto os direitos trabalhistas datam do incio
desse sculo, a proteo jurdica especfica do meio ambiente no mbito
internacional possui como marco a Conferncia de Estocolmo, ocorrida apenas no
incio da dcada de 1970.
Para chegar a esse ponto, foram determinantes no apenas os
acontecimentos da Revoluo Industrial, mas tambm, e especialmente, os que
sobrevieram com a Segunda Guerra Mundial.
Com os horrores dessa guerra, incluindo-se o lanamento das duas bombas
atmicas sobre o Japo, o ser humano vislumbra o poder de destruio que podem
ter seus atos e sua tecnologia. Para alguns autores, a Era Ecolgica (WORSTER,
1994, p. 342)1 comea a partir dessa percepo, havendo o incio de uma grande
mudana de valores (CAMARGO, 2010, p. 44). Tendo isso em vista, foi criada, em
1945, portanto logo aps a guerra, a Organizao das Naes Unidas (ONU), que
surge com o intuito de gerir os conflitos entre as naes, procurando fazer com que
prevalea a paz e o dilogo, havendo uma predominncia, nesse incio de suas
atividades, dos temas relacionados paz, direitos humanos e desenvolvimento
equnime.
Em 1948, so declarados os Direitos Humanos Universais: os direitos civis,
polticos, econmicos, sociais e culturais. Apesar de o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado ainda no fazer parte formalmente dos direitos
humanos, nesse mesmo ano criada por cientistas ligados ONU a Unio
Internacional para a Conservao da Natureza (UINC), cujo objetivo era justamente
incentivar o crescimento da preocupao internacional em relao aos problemas
ambientais (CAMARGO, 2010); e, no ano seguinte, 1949, realizada a Conferncia
Cientfica das Naes Unidas sobre a Conservao e a Utilizao de Recursos.
Nessa poca, at o final da dcada de 1950, as preocupaes com as
questes ambientais ainda no faziam parte das preocupaes do grande pblico,
sendo restrita a alguns crculos de cientistas. Somente na dcada de 1960 surgem
movimentos que buscam a melhoria da qualidade ambiental, demonstrando
preocupaes com os impactos das aes humanas sobre o equilbrio do meio
ambiente (CAMARGO, 2010).
1 Para Donald Worster (1994, p. 342) a Era Ecolgica inciou-se no deserto do Novo Mxico, prximo da cidade de Alamagordo, em 16 de julho de 1945, com a deslumbrante bola de fogo: a primeira bomba atmica lanada. (traduo minha)
Muitos apontam como marco desse perodo, para o ambientalismo no sculo
XX, o lanamento, em 1962, do livro Primavera Silenciosa (Silent Spring) de Rachel
Carson. Os anos de 1950 e 1960 foram marcados pela Revoluo Verde como
modelo de produo e modernizao da agricultura (ACUA, 2007), da qual fazia
parte a grande utilizao de agrotxicos. Essa biloga americana foi a primeira a
lanar um livro, em linguagem acessvel ao grande pblico, contestando a utilizao
deliberada e incontrolada de pesticidas, em especial o DDT, explicando os grandes
males que essa prtica causava ao meio ambiente e sade humana, alm de
denunciar a corrida desenfreada da indstria qumica em busca do lucro e do
controle dos mercados com a conivncia silenciosa do governo, curvando-se a
cincia e a tecnologia tal como servas diante dessa indstria (LEAR, 2010). Sobre a
importncia desse fato, Lear (2010, p.16-17) escreve:
A concepo de Carson da ecologia do corpo humano foi um grande ponto de partida em nossas reflexes sobre a relao entre os seres humanos e o meio ambiente natural. Ela teve profundas conseqncias na nossa compreenso da sade humana, assim como em nossas atitudes em relao ao risco ambiental. Primavera Silenciosa provou que os nossos corpos no tm fronteiras. A corrupo qumica do globo nos afeta desde a concepo at a morte.
Carson acreditava que a sade humana refletia em ltima anlise, os males ambientais. Essa idia alterou, como era inevitvel, a nossa resposta natureza, cincia e s tecnologias que projetam e produzem contaminao.
Por essas palavras, podemos observar que publicando essas idias, Carson,
mais do que criticar o uso dos pesticidas, desafiava as pessoas a questionarem a
atitude antropocntrica diante do mundo natural (WILBUR, 2010).
Data dessa mesma dcada o aparecimento das primeiras Organizaes
No-Governamentais de carter internacional voltadas para as questes ambientais
como, por exemplo, a World Wild Fund (WWF), criada em 1961; e o aparecimento
de diversos movimentos ligados s causas ambientais.
Perodo de grande efervescncia poltica e cultural, em plena Guerra Fria, os
movimentos ambientais dividiam-se, tal como ainda ocorre, em diversos tipos, como
por exemplo em grupos que perseguiam quase que somente a preservao do
ambiente natural, e os que eram carregados pelo sentimento de transformao no
apenas da relao do ser humano com o planeta; mas tambm pela transformao
das prprias relaes humanas, direcionando, assim, em ltima instncia, as crticas
e as lutas ao modelo de vida e ao sistema econmico vigentes.
Nos anos 1960, ocorreram os primeiros grandes desastres de derramamento
de petrleo, conhecidos como mars negras, por acidentes com os gigantescos
navios petroleiros; os efeitos das chuvas cidas passaram a ser mais fortemente
sentidos; e a poluio das guas por elementos txicos j provocavam grandes
estragos (SOARES, 2003). Esses fatos, juntamente com os importantes e
crescentes movimentos e presses populares aos governos (PADILHA, 2010), alm
das perdas econmicas provocadas pela instabilidade ambiental, criaram a
percepo das naes ricas e industrializadas da degradao ambiental causada
pelo seu modelo de crescimento econmico (MILAR, 2004, p. 48), provocando um
gradativo aumento da atuao da ONU e outros organismos internacionais no que
se refere aos problemas ambientais. Essa atuao, porm, era marcada por
medidas paliativas, diante de acidentes graves, como comprova toda a srie de
convenes sobre poluio marinha, que se seguiu aos desastres com
superpetroleiros (SOARES, 2003, p. 36).
Somente a partir da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente
Humano Conferncia de Estocolmo realizada em 5 de junho de 1972, iniciou-se,
de forma articulada, a preocupao com a questo ambiental global, colocando o
meio ambiente, de forma definitiva, na agenda de temas internacionais, passando a
entrar para a lista de prioridades (PADILHA, 2010, p. 7-8). Esse o ponto que fixa
uma mudana da atuao paliativa para a tomada de medidas preventivas que
passam a constituir a preocupao central dos Estados, (...) no s vista de
medidas contra a poluio, mas, sobretudo, de atividades de preservao de setores
inteiros da vida selvagem da flora ou da fauna (SOARES, 2003, p. 37). Como
aponta Leite Lopes (2006, p. 35), a conferncia
teria sido proposta pela Sucia, incomodada pela poluio no mar Bltico, por chuva cida, por pesticidas e metais pesados encontrados nos peixes. Tal poluio seria causada no s por indstrias nacionais, mas tambm por aquelas de pases vizinhos, e os problemas ambientais contribuem para o surgimento de questes globais.
Isso demonstra a compreenso de que os problemas ambientais so
transfronteirios (SOARES, 2003; LEIS, 1993) e, portanto, no podem ser tratados
apenas sob a tica de uma legislao nacional, dependendo essencialmente da
cooperao e dilogo internacional. (MILAR, 2004; ANTUNES, 2007; SILVA, 2010;
PADILHA, 2010)
Ficou clara na conferncia a forte relao entre problemas ambientais e
economia. Um dos pontos fortes foi a intensa discusso sobre o modo como a
economia mundial estava afetando a integridade do meio ambiente, criando dois
notveis blocos de pases antagnicos nesse debate: os do norte ricos e os do
sul pobres (CAMARGO, 2010), do qual o Brasil era lder (MILAR, 2004). O
primeiro defendia um forte freio ao crescimento econmico, chegando mesmo a falar
em crescimento zero; e o segundo, sob o pretexto de que o pior tipo de poluio
a misria2, defendia o crescimento a qualquer custo. Assim, na prtica, o que
estava sendo proposto pelos pases do norte era que os pases ricos continuassem
ricos e os pobres eternamente pobres (MILAR, 2004); e pela proposta dos pases
do sul, a degradao deveria ser vista como algo aceitvel, devendo crescer para
reduzir-se a pobreza.
Percebe-se que a viso quanto ao tema, nessa esfera formal da poltica
internacional, era ainda bastante limitada, entendendo-se que a preservao do
meio ambiente significava no existir desenvolvimento econmico e/ou social. No
existia ainda, nessa esfera, uma viso sistmica, relacionando os problemas
ambientais com os problemas sociais, colocando-os como questes que esto
inseridas no mesmo lado da moeda, cujo fato gerador era tal como ainda ocorre
uma economia baseada na competio exacerbada, no consumo desenfreado e na
busca incessante pelo crescimento econmico, cujos ndices eram tomados como
principais medidores da satisfao de uma determinada populao.
Acima, utilizou-se o termo nessa esfera formal da poltica internacional,
pois, como anteriormente dito, dentre os movimentos ambientais existentes naquele
perodo, existiam diferentes vises, inclusive vises poltico-revolucionrias com
relao maneira como o ambiente natural deve ser tratado e com relao busca
incessante pelo crescimento econmico, apontando que este no deve ser uma
meta primordial a ser perseguida pelas sociedades, pois essa busca sem freio, como
se o crescimento pudesse ser eterno, seria a principal responsvel pela crise
ambiental (CAPRA, 1988).
Apesar das vises limitadas, os debates da Conferncia de Estocolmo
formaram a base para as discusses futuras em mbito internacional, influenciando
2 Famosa e emblemtica frase dita por Indira Gandhi, Primeira Ministra da ndia presente na
conferncia.
de modo sem precedentes as polticas e legislaes internas dos pases
participantes (PADILHA, 2010), culminando no final da dcada de 1980 no
crescimento dos debates e controvrsias acerca do desenvolvimento sustentvel.
Esse termo apareceu pela primeira vez em 1980 no artigo How to Save the World de
Robert Allen (CAMARGO, 2010), que o definiu como o desenvolvimento requerido
para obter a satisfao duradoura das necessidades humanas e o crescimento
(melhoria) da qualidade de vida (MOURA, 2008, p. 13). Em um documento oficial, o
termo apenas apareceu em 1987, no Relatrio de Brundtland, conhecido tambm
como Nosso Futuro Comum, que o definiu como o desenvolvimento que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das geraes futuras de
suprir suas prprias necessidades.
Apenas, porm, em 1992, atravs da Conferncia das Naes Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 ou Eco-92 que o termo entra
definitivamente para a agenda e discurso poltico internacional, assentando-se as
bases para uma nova viso mundial do desenvolvimento sustentvel e das
convenes globais sobre temas emergentes tais como a diversidade biolgica e a
mudana climtica (GUIMARES, 2001, p. 1) (traduo minha).
1.2. Uma nova fase: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
como Direito Humano
Em 1948, foram declarados os Direitos Humanos Universais. Naquele
momento, o direito ao meio ambiente no figurava ainda, ao menos explicitamente,
no rol desses direitos, que, entretanto, passaram por uma movimentao a partir do
final da guerra essencialmente em duas direes: (...) de sua universalizao
como demonstra a prpria declarao de 1948 e (...) de sua multiplicao
(BOBBIO, 1992, p. 67). Isso decorre do fato de estarmos, segundo Bobbio (1992),
vivendo uma era dos direitos, onde as reivindicaes sociais se ampliam e
buscam referenciais estveis em uma nova positivao de aspiraes formuladas
por movimentos de massa (ANTUNES, p. 17, 2007).
Vimos anteriormente sobre o surgimento dos denominados direitos de
segunda dimenso, que so os direitos sociais coletivos, que apareceram a partir
das lutas de determinadas coletividades, tais como os trabalhadores e as mulheres;
e que se inserem na declarao de 1948. Ocorre que medida que a segunda
metade do sculo passava, a globalizao e a tecnologia iam formando as bases
para uma atual e nova revoluo, a Revoluo Tecnolgica, que promove o
progresso ascendente da microeletrnica, das telecomunicaes, da informtica, da
biotecnologia, enfim, do progresso tecnolgico (...), que no possui previso de
limites ou barreiras para conter sua evoluo, fomentando e fortalecendo
sobremaneira o mercado capitalista global, impondo uma nova ordem mundial
(PADILHA, 2010, p. 43).
Concomitantemente ao surgimento de novas problemticas, criadas em um
mundo cada vez mais conectado e globalizado, a sociedade como um todo, mas em
especial os movimentos organizados, lutam por solues e pelo reconhecimento de
direitos cada vez mais abrangentes e difusos. Assim surgem os direitos de terceira
dimenso (ou gerao), que so direitos fundamentados na fraternidade dotados de
altssimo teor de humanismo e universalidade, refletindo temas relacionados ao
desenvolvimento, paz, ao meio ambiente, comunicao e ao patrimnio comum
da humanidade (BONAVIDES, 1999, pp. 522-523). Esses so, portanto, direitos
metaindividuais (PADILHA, 2010) ou direitos difusos (ANTUNES, 2007), que no
possuem titular certo nem objeto divisvel, mas sempre referidos ao bem-estar
(PADILHA, 2010, pp. 43-43). Nesse contexto, para Padilha (2010, p. 44),
cabe ao direito ao meio ambiente, concebido como direito de terceira dimenso, consagrado em meio a um processo de massificao de uma sociedade globalizada e altamente complexa em todos os sentidos, um papel de destaque entre os direitos metaindividuais, na mesma medida em que se reconhece, para a classe dos trabalhadores, o papel de destaque na consagrao dos direitos de segunda dimenso.
H alguns que criticam a idia de convergncia entre a proteo ambiental e
a proteo dos direitos humanos por acreditarem que isso possa tirar o foco da
garantia dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais (FONSECA,
2007). Soares (2003, p. 174) expe alguns possveis conflitos entre essas duas
protees:
a) as restries aos direitos de livre circulao de pessoas, livre escolha de residncia, e mesmo o direito propriedade, ante normas ambientais de delimitao de reas ou zonas protegidas, nas quais aqueles direitos so limitados, ou mesmo totalmente restringidos;
b) as restries ao direito ao trabalho, qualquer que seja ele, e no lugar de livre escolha da pessoa, diante de medidas de combate poluio, em particular, as proibies de assentamentos humanos nas cabeceiras de rios fornecedores de gua potvel s cidades;
c) as limitaes aos direitos igualdade jurdica, ante disparidades de medidas administrativas direcionadas ao meio ambiente, que podero criar cidados com direitos distintos;
d) as restries liberdade de associao, diante de medidas constritivas de combate poluio;
e) o direito a constituir uma famlia, ante medidas de controle da populao;
f) o direito ao desenvolvimento e ao lazer, face a medidas de conservao da natureza.
Soares escreve que, talvez, o modo de conciliar tais possveis oposies
seja a aplicao do conceito de desenvolvimento sustentvel. Nesse ponto, coloco o
questionamento de qual seria esse conceito utilizado pelo autor, j que para o
conceito de desenvolvimento sustentvel expresso pelo Relatrio Nosso Futuro
Comum existem diversas interpretaes, servindo para as mais diversas correntes
de pensamentos, ideologias e prticas (LEFF, 2009).
Na verdade, o que ocorre que os crticos da confluncia do direito ao meio
ambiente e direito humano esquecem-se que esses temas so todos interligados e
interdependentes, e que no se pode falar de um esquecendo-se de outro. Faz-se
necessria uma viso sistmica desses direitos, mormente quando se percebe que o
direito ao meio ambiente visivelmente interligado aos direitos humanos
econmicos, sociais e culturais. Bobbio (1992, p. 6) inclusive escreveu indo ao
encontro das idias de Padilha que colocamos h pouco que dos direitos de
terceira dimenso o mais importante deles o reivindicado pelos movimentos
ecolgicos: o direito de viver em um ambiente no poludo, percebendo-se nisso
mais uma vez a importncia dos movimentos ambientais e ecolgicos na construo
desse direito.
Nesse mesmo sentido, o professor Canado Trindade (1993, p. 23) afirma
que embora tenham os domnios da proteo do ser humano e da proteo
ambiental sido tratados at o presente separadamente, necessrio buscar maior
aproximao entre eles, porquanto correspondem aos principais desafios de nosso
tempo, a afetarem em ltima anlise os rumos e destinos do gnero humano.
Fonseca (2007) aponta que existem trs vises para a convergncia da
proteo ambiental e da proteo aos direitos humanos:
So trs as tendncias observadas nesse campo. Em primeiro lugar, temos a abordagem "contextual", onde as preocupaes com o meio ambiente so adaptadas ao contexto dos direitos j estabelecidos, ao invs de se propugnar por novos direitos em matria ambiental. Trata-se simplesmente de um mtodo de interpretao, que procura relacionar as questes
ambientais aos direitos humanos existentes. Em segundo lugar, temos a abordagem dos direitos ambientais (ao que tudo indica, a que apresenta maiores chances de desenvolvimento), onde se busca estabelecer uma especificidade dos direitos humanos em relao, por exemplo, ao direito a um meio ambiente saudvel, limpo e equilibrado. Um dos documentos em que essa vertente se apia a prpria Declarao de Estocolmo de 1972, que proclama: "man has the fundamental right to freedom, equality and adequate conditions of life, in an environment of quality that permits a life of dignity and well-being and he bears a solemn responsibility to protect the environment for present and future generations". Por fim, a abordagem "ecocntrica" pretende superar a percepo antropocntrica da titularidade dos direitos, questionando a prioridade que se atribui s necessidades humanas, em detrimento das outras formas de vida e da prpria natureza. Elementos dessa corrente podem ser encontrados na Carta Mundial para a Natureza de 1982, que declara: "nature shall be respected and its essencial processes shall not be impaired". Alm disso, o Protocolo de Proteo Ambiental ao Tratado Antrtico (Protocolo de Madri) e a Conveno sobre o Comrcio Internacional de Espcies da Fauna e da Flora Ameaadas de Extino corroboram a abordagem ecocntrica.
Concordo com o pensamento de alguns autores tais como Padilha (2010),
Milar (2004), Bessa Antunes (2007) e Afonso da Silva (2010) de que a
Declarao de Estocolmo de 1972 iniciou uma nova viso no Direito acerca do meio
ambiente ao declar-lo um direito fundamental e que deve ser considerado um
direito humano que d suporte aos demais direitos humanos, pois, como afirma
Afonso da Silva (2010, p. 58), Encontramo-nos (...) diante de uma nova projeo do
direito vida, pois neste h de incluir-se a manuteno daquelas condies
ambientais que so suportes da prpria vida. Nessa mesma via, escreve Milar
(2004, p. 137) que
O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extenso do direito vida, que sob o enfoque da prpria existncia fsica e sade dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existncia a qualidade de vida , que faz com que valha a pena viver.
Sobre essa relao com o direito vida, tambm escreve Canado Trindade
(1993, p. 76) que encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes
destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivncia a todos os indivduos
e todos os povos. Neste propsito, tm os Estados a obrigao de evitar riscos
ambientais srios vida.
Assim, para a maioria, j no h dvidas de que o direito ao meio ambiente
integra o rol dos direitos humanos. Penso, porm, que devemos ir alm e buscar
uma aproximao interpretao biocntrica, ecocntrica ou ecologicocntrica do
Direito Ambiental. Veja-se que com isso, no est sendo dito algo que vai de
encontro proteo dos direitos humanos; mas, ao contrrio, que vai ao encontro
dessa proteo.
1.3. A viso antropocntrica do Direito Ambiental e o ecocentrismo
Atualmente, a viso predominante do direito ao meio ambiente uma viso
antropocntrica restrita, sendo tradicional e conservadora, tal como geralmente
ocorre nas demais reas da cincia jurdica. O antropocentrismo
vem a ser o pensamento ou organizao que faz do homem o centro de determinado universo ou do Universo todo, em cujo redor (ou rbita) gravitam os demais seres, em papel meramente subalterno e condicionado. Tem-se assim, o homem como eixo principal de um determinado sistema ou do mundo conhecido. (COIMBRA; MILAR, 2004)
Esta corrente de pensamento tradicional, atua na dicotomia entre a natureza e o homem, sendo dado a este o direito de posse e controle dos recursos naturais por meio da utilizao de meios cientficos e tecnolgicos de que ele dispe.
A escola antropocntrica se baseia na hiptese de que a natureza no possui valor em si, mas constitui numa reserva de recursos naturais a serem explorados pela humanidade. (PADILHA, 2010, p. 182-183)
Enquadrado em certo grau nesse ponto de vista, encontra-se o pensamento
de Antunes (2007), que por diversos momentos transparece uma viso bastante
economicista e utilitarista do Direito Ambiental. Sobre a pretenso de existncia de
uma ruptura do antropocentrismo na ordem jurdica trazida pelo Direito Ambiental, o
autor diz que
tal raciocnio primrio, pois deixa de considerar uma questo essencial que o fato de que o direito uma construo humana para servir a propsitos humanos. O fato de que o direito esteja evoluindo para uma posio na qual o respeito s formas de vida no humanas seja uma obrigao jurdica cada vez mais relevante, no suficiente para deslocar o eixo ao redor do qual a ordem jurdica circula.
(...)
A questo que se coloca, contudo, a de no confundir a pretensa superao do antropocentrismo com uma modalidade de irracionalismo, muito em voga atualmente, que, colocando em p de igualdade o Homem e os demais seres vivos, de fato, rebaixa o valor da vida humana e transforma-a em algo sem valor em si prprio, em perigoso movimento de relativizao de valores. O que o DA busca o reconhecimento do Ser Humano como parte integrante da Natureza. (...) O DA estabelece a normatividade da harmonizao entre todos os componentes do mundo natural culturalizado, no qual, a todas as luzes, o Ser Humano desempenha o papel essencial.
Essas idias so compartilhadas por outros importantes autores da doutrina
de Direito Ambiental. Ouso, respeitosamente, discordar em vrios pontos desse
pensamento.
Inicialmente, esses doutrinadores esquecem-se de que, sob um olhar
cientfico, o ser humano um animal com funes ecolgicas como qualquer outro
ser habitante de nosso planeta com igual importncia do ponto de vista
ecossistmico. Como bem nos lecionou Carl Sagan (1985) em sua memorvel srie
televisiva e livro Cosmos, somos, dentre milhes de outras, uma espcie que
apareceu na superfcie terrestre h pouqussimo tempo em termos cientficos. A
vida, na forma como a conhecemos, existia muito antes de o primeiro ser humano
formular o raciocnio eu sou. Lembremo-nos ainda de que de todas as espcies
que j surgiram, cerca de 99% j naturalmente extinguiram-se, no estando a
espcie humana provavelmente livre desse mesmo ciclo, pois as cincias
naturais mostram-nos que a morte e extino fazem parte do nosso mesmo
universo, que cria-se e recria-se em meio destruio e caos, nascendo da morte a
vida (BOFF, 2006).
Ao invs do que o autor afirma, diante dos fatos que as cincias apresentam
e em especial pelas dvidas que a cincia talvez nunca responda o ser humano
deveria ter a humildade de reconhecer que, em meio a incontveis fluxos de energia,
ele no detm o papel essencial, aceitando a igual essencialidade dos demais,
pois O Homem no a medida de todas as coisas, como queria Protgoras (490-
420 a.C.), nem mesmo a referncia maior para a Natureza. Ao contrrio, a Natureza
e suas leis so referncia obrigatria para o Homem (COIMBRA; MILAR, 2004).
Nessa mesma linha, temos as palavras de Coimbra e Milar (2004):
Vale dizer, a cosmoviso ecocntrica no procede apenas de ecomanacos, visionrios e romnticos, mas sustentada por slidas posies filosficas e para eliminar dvidas amparada igualmente por teorias cientficas. Nesse cenrio est presente ainda a tica Ambiental, estribada em conhecimentos cientficos de vanguarda.
De forma alguma reconhecer isso rebaixar o valor da vida humana e
transform-la em algo sem valor em si prprio; reconhecer isso elevar o valor de
todas as formas de vida, inclusive a humana. Assim, esse um processo de
incluso; no de excluso. No provoca a relativizao de valores; mas to
somente o reconhecimento de valores. Apenas reconhecendo humildemente a
verdadeira posio do ser humano, e no aquela que imaginamos ter, que
conseguiremos reconhecermo-nos juridicamente como parte integrante da
Natureza. Assim, Coimbra e Milar (2004) escrevem ainda que
Em semelhante contexto, as Cincias Jurdicas no podem isolar-se do processo evolutivo do saber e da abordagem do meio ambiente. Ao contrrio, impe-se um dilogo com outros saberes, para que o Direito no seja sarcfago, mas guardio do Planeta Vivo.
Com relao a isso, Padilha (2010, p. 185) afirma que
No cabe ao Direito questionar qual o lugar que o ser humano ocupa nos ecossistemas naturais, pois o inegvel valor da pessoa humana s est em jogo nas inter-relaes pessoais, o papel do jurdico na questo ambiental outro, interferir no modo, na forma e nos limites de interveno humana no meio ambiente, para recuperar o equilbrio comprometido pela degradao e poluio generalizada, provocada pelo prprio comportamento humano na sua interferncia no meio ambiente.
Diante da afirmao de que essas idias, pautadas pelo olhar de avanadas
teorias cientficas e por que no? pelo espanto ante o mistrio, so parte de um
raciocnio primrio ou mesmo uma modalidade de irracionalismo, no posso ter
outra viso a no ser a de que os pensamentos desses autores so carregados de
preconceitos, que alguns chamariam de especismo (OLIVIER, 1992), formulando o
pensamento de que, pelo fato de ns sermos humanos, possumos direito de nos
servirmos dos demais seres, que no teriam valor intrnseco, mas apenas de uso,
sendo a proteo deles apenas indireta, pois o foco de tal proteo to somente o
fato de esses seres serem necessrios manuteno da vida humana.
Ao contrrio mais do que direitos nossa capacidade de raciocnio
avanado e capacidade de poder que dispomos sobre as demais formas de
existncia em nosso planeta impem-nos deveres e misses de cuidado e respeito
pelos demais seres, tomando a postura dos verdadeiros lderes, que doam as suas
habilidades ao cuidado e proteo dos mais frgeis da sociedade. Devemos, dessa
forma, reconhecer um valor intrnseco aos demais seres, assim como a ns
mesmos, o valor da mais difcil, intrincada, complexa e incrvel capacidade da qual
temos (des)conhecimento: a formao da vida e do prprio universo.
Este tpico iniciou tratando do nascimento do direito ao ambiente
ecologicamente equilibrado como um direito humano. Esse debate sobre a
cosmoviso antropocntrica e a cosmoviso ecocntrica faz parte daquele contexto,
pois, como foi dito at este momento, o ecocentrismo no retira a importncia dos
direitos humanos na temtica ambiental e muito menos reduz a proteo desses
direitos. Pelo contrrio, h um reforo proteo desses direitos, porquanto essas
cosmovises afetam o modo como compreendemos a nossa forma de atuao
sobre o Planeta e como isso nos afeta. Da a importncia da escolha, a partir de
bases slidas, por uma cosmoviso que nos leve mais prximos da realidade, que
nos leva a uma maior e melhor proteo dos nossos direitos.
Termina-se este tpico com a manifestao dos autores Coimbra e Milar
(2004) quanto ao que se espera do Direito ou Cincia Jurdica:
O que se espera que a doutrina jurdica, na teoria e na prtica, reconhea pura e simplesmente o valor intrnseco da Natureza (ou se se preferir, do mundo natural no-humano), sem vnculos com nossas questionveis avaliaes ou valoraes pragmticas. Os critrios requeridos para isso superam os de ordem econmica, social ou de qualquer outra ordem que no tenha carter transcendente. Semelhante reconhecimento servir de base para a construo de uma nova ordem jurdica, social, econmica e poltica, que supere desigualdades, diferenas, injustias e hegemonias obsoletas no seio da famlia humana. Mais ainda, que estabelea uma convivncia saudvel da humanidade com os demais seres que, com ela, constituem o ecossistema planetrio, porquanto o caminho da evoluo nico e nos leva, a todos, para uma convergncia sempre maior.
1.4. Evoluo da legislao ambiental brasileira
As mudanas, transformaes e debates ocorridos no mbito internacional
no sculo XX refletiram-se claramente na forma como nosso pas trata o tema em
especial na viso da legislao nacional sobre o meio ambiente.
Desde o perodo colonial at a metade do sculo passado, no havia uma
legislao nacional que possamos chamar de ambiental. Existiam leis que
disciplinavam a utilizao de recursos naturais, porm o foco de tais normas era a
manuteno de fontes econmicas, reinando a concepo privatista de apropriao,
pblica e privada, onde a preocupao central era a titularidade da explorao
desses recursos, sendo a proteo do meio ambiente simplista e superficial
(AFONSO DA SILVA, 2010; MILAR, 2004; PADILHA, 2010). Ainda mais, boa parte
dessas regras encontrava-se de forma pontual em legislaes que versavam
eminentemente sobre sade e saneamento ou sobre a salubridade do ambiente de
trabalho; no uma legislao ambiental. No havia, portanto, uma viso sistmica,
sendo a legislao diluda, fragmentada e desarticulada, criada de forma casual e
na exata medida de atender sua explorao pelo homem (MILAR, 2004, p. 120).
Por isso, Afonso da Silva (2010) assevera que por conta dessa conotao privatista
predominou durante muito tempo a desproteo total do meio ambiente em nosso
pas.
A situao comeou a mudar sob a influncia da conscincia ecolgica
internacional, que tomou corpo em movimentos populares a partir da metade do
sculo XX, e da Conferncia de Estocolmo de 1972, cujos debates ecoaram na
nossa legislao desde a metade da dcada de 1970 e, especialmente, desde o
incio da dcada de 1980, quando passaram a proliferar diplomas legais mais
ambiciosos, com viso global e mais sistmica.
dessa dcada a principal lei do perodo anterior Constituio de 1988 e o
marco da mudana de perspectiva da nossa legislao: a lei da Poltica Nacional do
Meio Ambiente Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Ela concebeu uma nova forma
de abordagem jurdica do meio ambiente, dando incio ao que Padilha (2010)
compreende como fase holstica da normatividade ambiental brasileira e, nos
dizeres de Milar (2004, p. 120), trazendo para o mundo do Direito o conceito de
meio ambiente como objeto especfico de proteo em seus mltiplus aspectos e
significando, ao longo desses seus quase 30 anos de vigncia, uma auspiciosa
evoluo no relacionamento da sociedade brasileira com o meio ambiente
(MILAR, 2004, p. 387).
Com a Poltica Nacional do Meio Ambiente, foi institudo para efetiv-la, o
Sistema Nacional de Meio Ambiente, que deve planejar aes integradas entre os
rgos ambientais existentes e atuantes em todas as esferas da Administrao
Pblica. Sua alma a comunicao e seu principal fluxo a informao
(MILAR, 2004, p.397), que deve seguir nas duas direes: das cpulas s bases e
vice-versa.
Desse Sistema, o rgo maior o Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONAMA que possui funes consultivas e deliberativas, sendo presidido pelo
Ministro do Meio Ambiente. Dentre seus atos, consta deliberar resolues vinculadas
a diretrizes e normas tcnicas, critrios e padres relativos proteo ambiental e
ao uso sustentvel dos recursos ambientais.
Em 1988, marcando essa nova etapa do Direito brasileiro, h a promulgao
da nossa nova Constituio Federal, que a primeira constituio brasileira a conter
a expresso meio ambiente, contendo um captulo especfico para tratar do tema,
fato que simboliza a mudana de percepo quanto ao modo sistmico como se
inter-relacionam os ecossistemas.
O artigo 225 da CF/88 possui a seguinte redao:
Art. 225 - Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.
Esse o texto-base para todo o nosso sistema de proteo constitucional do
meio ambiente. Esse um texto que, ao tratar do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, ps a nossa Constituio dentre as pioneiras a
observ-lo como um direito de terceira dimenso, de titularidade humanitria e
implementao solidria (PADILHA, 2010, p. 157). Importante observar que nesse
artigo j se encontram os termos que, naquela poca, haviam sido recm utilizados
pelo Relatrio Nosso Futuro Comum, de um ano antes, na definio de
desenvolvimento sustentvel: presentes e futuras geraes, demonstrando a
influncia internacional no tema e a contemporaneidade da nossa Constituio
Federal nesse aspecto.
Assim, apesar das vrias lacunas e contradies que ainda existem
atualmente, surge, finalmente, um Direito Ambiental Brasileiro com viso sistmica,
centrada na valorizao da responsabilidade de todos para com as verdadeiras
bases da vida, a Terra (CANOTILHO; LEITE, 2007, p. 58).
2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL
2.1. Conceito
Licenciamento ambiental definido por Afonso da Silva (2010) como uma
sucesso itinerria e encadeada de atos administrativos que tendem, todos a um
resultado final conclusivo; e por Fink (JNIOR; ALVES, 2004) como:
instrumento de planejamento e controle de gesto ambiental, com vistas
promoo da conservao, melhoria e recuperao ambiental, de forma a
garantir o desenvolvimento socioeconmico, de acordo com os princpios do
desenvolvimento sustentvel.
Diz ainda dis Milar (MILAR, 2004) que licenciamento ambiental uma
tpica e indelegvel ao do Poder Executivo por meio do qual a Administrao
Pblica controla as atividades humanas, compatibilizando o desenvolvimento
econmico com a preservao do equilbrio ecolgico, sendo precedido de estudos
tcnicos e caracterizado pela unicidade e pela complexidade, podendo, em suas
etapas, existir a interveno de diversos agentes.
Confirmando esse aspecto de controle, Antunes (2007, p.) chega a afirmar
que:
O mais importante dentre todos os mecanismos que esto disposio da
Administrao para a aplicao do poder de polcia ambiental o
licenciamento ambiental. Atravs dele, a Administrao Pblica estabelece
condies e limites para o exerccio das atividades utilizadoras de recursos
ambientais.
Nesse mesmo sentido, Farias (2007) considera o licenciamento ambiental o
instrumento mais efetivo da Poltica Nacional do Meio Ambiente, servindo como
mecanismo de articulao entre os demais instrumentos, sendo requisito necessrio
para a participao em financiamentos e em certas polticas pblicas (FARIAS,
2010).
No ordenamento jurdico brasileiro, a Resoluo CONAMA 237/97 que
detm o papel de definir o que licenciamento ambiental. No seu artigo 1, inciso I,
temos o seguinte:
procedimento administrativo pelo qual o rgo ambiental competente
licencia a localizao, instalao, ampliao e a operao de
empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,
consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob
qualquer forma, possam causar degradao ambiental, considerando as
disposies legais e regulamentares e as normas tcnicas aplicveis ao
caso.
A maioria da doutrina ambiental cita esse artigo, expondo que o
licenciamento ambiental um procedimento administrativo sem realizar reflexes
acerca das diferenas entre procedimento e processo administrativos e se apesar
do que aparece no artigo explicitado acima o licenciamento deve ser visto como
um ou como outro e as implicaes que isso traz prtica do exerccio dos direitos.
Um dos raros autores na rea ambiental a versar sobre isso Talden Farias
(2010). Baseando-se mormente em diferenas entre procedimento administrativo e
processo administrativo apresentadas por autores de Direito Administrativo em
especial Odete Medauar, Celso Bandeira de Mello, Joo Lopes Queiroz e Celso
Ribeiro Bastos Farias diverge da corrente majoritria, apontando argumentos que
alocam o licenciamento ambiental no campo dos processos, em oposio ao que
apresenta aquele artigo da Resoluo CONAMA 237/97.
Escrevo aquele artigo e no aquela resoluo porque como esse autor
chama a ateno, nessa prpria resoluo 237/97, contraditoriamente, no caput do
artigo 12, o licenciamento ambiental aparece como processo administrativo: O
rgo ambiental competente definir, se necessrio, procedimentos especficos para
as licenas ambientais, (...) e, ainda, a compatibilizao do processo de
licenciamento com as etapas de planejamento, de implantao e operao.
O autor escreve que "de uma forma geral a diferena entre processo
administrativo e procedimento administrativo est na complexidade, na litigiosidade
e no estabelecimento do contraditrio e da ampla defesa existente naquele e no
existente neste" (FARIAS, 2010, p. 143), estando presentes todas essas
caractersticas no licenciamento ambiental.
Assim, o processo administrativo mais apto do que o procedimento
administrativo participao dos cidados e publicidade dos procedimentos do
Poder Pblico, alm de garantir uma maior segurana aos interessados diretamente
nos processos por terem o direito ao contraditrio fato importante no apenas para
os empreendedores em face das decises da Administrao, mas principalmente
para as populaes diretamente afetadas, que podem apresentar seus argumentos
e estudos com relao ao empreendimento a ser realizado.
Com essa viso que Talden Farias (2010, p. 146) escreve:
No que concerne ao interesse pblico, o licenciamento dever ser
classificado como um processo administrativo, pois isso gera maiores
garantias de acesso e participao da coletividade. Incidir nessa
classificao significa dar mais segurana aos administrados e prpria
Administrao Pblica, posto que o papel e as formas de atuao de cada
uma da partes j estariam previamente definidos.
Um dos efeitos da classificao do licenciamento como processo
administrativo o aumento do controle social, pois em se tratando de um
interesse difuso a coletividade no somente ter acesso aos documentos
como poder atuar como parte interessada.
Esse pensamento vai completamente ao encontro do princpio da
participao, sendo a base de fundamento para o fato de associaes e
organizaes no governamentais poderem atuar como parte interessada em
licenciamentos, pedindo pelo deferimento, indeferimento ou apenas para
acompanhar, podendo inclusive apresentar seus prprios estudos e laudos tcnicos,
que devem ser apreciados pelo rgo licenciador ao longo do processo, servindo
para a tomada de deciso quanto s licenas e de motivao para os atos
administrativos.
2.2. Fases e licenas
A Resoluo Conama n 237/97 deixa claro, em seu 10 artigo, a existncia
de pelo menos oito fases no licenciamento:
a) definio pelo rgo ambiental competente, com a participao do
empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessrios;
b) requerimento da licena ambiental pelo empreendedor, dando-se a devida
publicidade;
c) anlise pelo rgo ambiental competente;
d) solicitao de esclarecimentos e complementaes pelo rgo ambiental
competente;
e) audincia pblica, quando couber, de acordo com a regulamentao
pertinente;
f) solicitao de esclarecimentos e complementaes pelo rgo ambiental
competente, decorrentes de audincias pblicas;
g) emisso de parecer tcnico conclusivo e, quando couber, parecer jurdico;
h) deferimento ou indeferimento do pedido de licena, dando-se a devida
publicidade.
As licenas ambientais so as seguintes:
Licena prvia o ato, concedido na fase preliminar do planejamento do
empreendimento ou atividade, pelo qual o administrador atesta a viabilidade
ambiental destes, estabelecendo requisitos, estudos (inclusive o Estudo de Impacto
Ambiental) e condicionantes a serem atendidos nas prximas fases de sua
implementao. Observe-se que no autoriza essa licena o incio de obras fsicas.
Licena de instalao o ato que consente o incio da implementao, da
construo do empreendimento ou atividade, de acordo com as especificaes
constantes dos projetos, planos, programas e propostas aprovados, incluindo as
medidas de controle ambiental e demais condicionantes da qual constituem motivo
determinantes. Observe-se que este ato no autoriza o funcionamento do
empreendimento ou atividade.
Licena de operao o ato que, como o nome deixa explcito, autoriza a
operao, o funcionamento, da atividade ou empreendimento, aps a verificao do
efetivo cumprimento do que consta nas licenas anteriores, com as medidas de
controle ambiental e condicionantes determinadas.
2.3. Natureza jurdica das licenas ambientais
Uma das maiores polmicas e, paradoxalmente, um dos temas menos
estudados que existe em torno do Licenciamento Ambiental em relao sua
natureza jurdica.
Vrios autores apontam como uma das principais causas de tal divergncia
a impreciso da prpria legislao ambiental, que por vezes confusa quanto
utilizao dos termos jurdicos licena e autorizao. Afonso da Silva (2010, p. 281)
chega a colocar que a legislao ambiental ainda as emprega promiscuamente,
sem ateno ao sentido tcnico dos termos.
Ao contrrio do que alguns possam imaginar, esse debate no se restringe
ao mbito das discusses pejorativamente chamadas de filosficas ou
academicistas; posto que gera implicaes no apenas de ordem doutrinria e
acadmica, mas prticas, tais como a forma pela qual o licenciamento ser revisto,
em quais casos h a possibilidade de cancelamento das licenas e se tal
cancelamento gera ou no direito a indenizao. Da a importncia e relevncia do
assunto serem maiores do que alguns supem, devendo sempre ser o primeiro
ponto a ser estudado em qualquer pesquisa sobre algum instituto do Direito,
principalmente quando a legislao cria dvidas, como ocorre no presente caso.
2.3.1. Licena ambiental: autorizao administrativa, licena administrativa ou
instituto de natureza jurdica prpria?
Como possvel perceber pelo que foi escrito at o momento neste captulo,
existe uma forte e, por vezes, ambgua relao entre Direito Ambiental e Direito
Administrativo.
No Direito Administrativo, autorizaes, permisses e licenas tipificam atos
administrativos que se referem outorga de direitos, sendo, como j dito, prvios
instrumentos de controle. Bastante distintos, no devem ser utilizados de maneira
alguma como sinnimos (MILAR, 2004).
Hely Lopes Meirelles (1999, p. 171) diz que pertencem categoria dos atos
negociais, constituindo uma declarao de vontade do Poder Pblico coincidente
com a pretenso do particular, visando concretizao de negcios jurdicos
pblicos ou atribuio de certos direitos ou vantagens ao interessado.
Cretella Jnior (1979) explica que a autorizao um ato administrativo
discricionrio e precrio por meio do qual o administrado adquire um direito, que
sem tal pronunciamento da autoridade competente proibido.
Di Pietro (2010) escreve que, no direito brasileiro, autorizao administrativa
possui vrias acepes, mas que em sentido amplo, ato unilateral, discricionrio e
precrio, atravs do qual faculta-se ao particular o uso de bem pblico, ou a
prestao de servio pblico, ou o desempenho de atividade material, ou a prtica
de ato que seria legalmente proibido caso exercida sem o consentimento.
Ainda sobre a autorizao, diz Lopes Meirelles (1999, p. 171):
Na autorizao, embora o pretendente satisfaa as exigncias
administrativas, o Poder Pblico decide discricionariamente sobre a
convenincia ou no do atendimento da pretenso do interessado ou da
cessao do ato autorizado, diversamente do que ocorre com a licena e a
admisso, em que, satisfeitas as prescries legais, fica a Administrao
obrigada a licenciar ou admitir.
No h qualquer direito subjetivo obteno ou continuidade da
autorizao, da por que a Administrao pode nega-la ao seu talante, como
pode cessar o alvar a qualquer momento, sem indenizao alguma.
J permisso, como explica este mesmo autor,
o ato administrativo negocial, discricionrio e precrio, pelo qual o Poder
Pblico faculta ao particular a execuo de servios de interesse coletivo,
ou uso especial de bens pblicos, a ttulo gratuito ou remunerado, nas
condies estabelecidas pela Administrao.
Nota-se, ento, que so comuns a esses dois atos as caractersticas da
discricionariedade e da precariedade, como tambm aponta Carvalho Filho (2010, p.
160): Autorizao o ato administrativo pelo qual a Administrao consente que o
particular exera a atividade ou utilize bem pblico no seu prprio interesse. ato
discricionrio e precrio, caractersticas, portanto, idnticas s da permisso.
Contrariamente, a licena, o ato administrativo unilateral e vinculado pelo
qual a Administrao faculta quele que preencha os requisitos legais o exerccio de
uma atividade (DI PIETRO, 2010, p. 228).
Nas palavras de Meirelles (1999, p. 171):
ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder Pblico torna
possvel ao pretendente a realizao de certa atividade, servio, ou
utilizao de determinados bens particulares ou pblicos, de seu exclusivo
ou predominante interesse, que a lei condiciona aquiescncia prvia da
Administrao (...). A licena resulta de um direito subjetivo do interessado,
razo pela qual a Administrao no pode neg-la quando o requerente
satisfaz todos os requisitos legais para sua obteno, e, uma vez expedida,
traz a presuno de definitividade. Sua invalidao s pode ocorrer por
ilegalidade na expedio do alvar, por descumprimento do titular na
execuo da atividade ou por interesse pblico superveniente, caso em que
se impe a correspondente indenizao.
dis Milar (2004, p. 480), no mesmo sentido, afirma que a licena :
ato administrativo vinculado e definitivo, que implica a obrigao de o Poder
Pblico atender splica do interessado, uma vez atendidos, em
contrapartida, os requisitos legais pertinentes. (...) No h que se analisar
convenincia e oportunidade, j que o beneficirio tem o direito lquido e
certo ao desfrute de situao regulamentada pela norma jurdica.
Carvalho Filho (2010) assinala que licena ato vinculado, justamente por o
direito preexistir prpria licena, cuja natureza , portanto, declaratria. Di Pietro
(2010), compartilhando dessa viso, diferencia autorizao de licena, classificando
a primeira como ato constitutivo, que cria o direito, e a segunda como ato
declaratrio.
Ou seja, caso todas as exigncias legais sejam cumpridas, no pode o
poder Pblico negar-se a conceder a licena administrativa, que gera direitos ao seu
detentor, inclusive a indenizao (TRENNENPOHL; TRENNENPOHL, 2007).
Pode-se resumir, baseando-se por um quadro de Geraldo Rohde (2004), as
principais diferenas entre esses dois atos administrativos, observando o que se
explicou at o presente momento.
Quadro 1 Diferenas entre Autorizao e Licena no Direito
Administrativo
Autorizao Licena
Ato Administrativo discricionrio e
precrio
Envolve interesse
Natureza constitutiva
No h direito preexistente
Ato Administrativo vinculado e
definitivo
Envolve direitos
Natureza declaratria
O direito preexistente
No mbito do Direito Ambiental, a polmica causada justamente, porque a
legislao utiliza, quando se refere ao licenciamento ambiental, o termo licena.
Como visto, essa expresso, enquanto instituto de Direito Administrativo, no
envolve a idia de interesse, mas de direito. Direito que no deve ser negado
quando cumpridas as exigncias. Nos casos concretos em que so necessrias
licenas ambientais, porm, nem sempre fcil avaliar se todas as exigncias legais
foram realizadas, pois a legislao ambiental, em muitas ocasies, bastante
genrica, no estabelecendo padres especficos e determinados, cabendo
autoridade preencher o vazio da norma com a discricionariedade tcnica (MILAR,
2004). Alm do mais, o que falar sobre quando as exigncias so cumpridas, os
estudos realizados, mas resta Administrao sobrepesar os impactos negativos e
os positivos? Poderia ela afastar um projeto por que acredita que ele no
conveniente?
Lembremo-nos que o objetivo prioritrio do licenciamento ambiental e,
portanto, das licenas nele inseridas o de assegurar o direito de todos ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e prevenir os danos que este possa sofrer.
Para que se garanta esse direito dado pela Constituio de 1988, dizem alguns
autores, como Leme Machado (2010), que no pode o Poder Pblico restar preso s
caractersticas da licena tradicional, argindo que a prpria Constituio Federal
utiliza o termo autorizao, ao invs de licena, no artigo 170, ao tratar do exerccio
das atividades econmicas. Esse argumento , porm, rebatido por alguns, como
Antnio Inag (2005), que entende que nesse caso o legislador no seguiu rigor
tcnico, desejando na verdade empregar o sentido de simples anuncia ao termo
autorizao.
Afirmou-se, no incio deste tpico, que no se deve utilizar licena,
permisso e autorizao como sinnimas. Parte da doutrina, porm, considera que,
apesar de incorreto e desaconselhvel, a legislao, ao tratar das licenas
ambientais, no emprega o rigor tcnico-jurdico necessrio, tratando, na verdade,
de autorizaes, que so discricionrias e precrias (MILAR, 2004). O controle
administrativo preventivo das atividades e empreendimentos que possam causar
danos ao meio ambiente deve ser efetuado por meio de autorizaes o que
acredita Toshio Mukai (1994, apud TRENNEPOHL; TRENNEPOHL, 2007, p. 12).
Leme Machado (2010, p. 285-286) e Milar (2004, p. 484) citam um acrdo
do TJSP, anal