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1 Um olhar através da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU: novas perspectivas e desafios. Eixo de análise1: Educação (Art.24) Rosita Edler Carvalho 1 Atendendo ao honroso convite do Secretário Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Sr. Antonio José do Nascimento Ferreira e do Sr. Moisés Bauer Luiz, Presidente do CONADE muito agradeço a oportunidade de aqui estar para apresentar meu olhar através da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, com foco na Educação. Vou me esforçar para não ultrapassar os 30 ou 40 minutos de que disponho e pedir que o Eterno me ajude! Introdução Desde a introdução, quero deixar bem clara minha posição em defesa da escola inclusiva, menos como presença física e mais como inclusão na aprendizagem e na participação. Isso exige a organização e o funcionamento de instituições de ensino-aprendizagem de boa qualidade, capazes de garantir o desenvolvimento de potencialidades, do senso de dignidade e autoestima, de todos os alunos: um qualquer e qualquer um. Igualmente convém esclarecer que minha defesa à existência de classes e escolas especiais, de boa qualidade - sem dar-lhes nenhum endereço- justifica-se porque, em 1 Mestre em Psicologia- Doutora em Educação e Neuropsicóloga. Endereço eletrônico: edler @centroin.com.br

Convenção comentada art

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Desde a introdução, quero deixar bem clara minha posição em defesa da escola inclusiva, menos como presença física e mais como inclusão na aprendizagem e na participação. Isso exige a organização e o funcionamento de instituições de ensino-aprendizagem de boa qualidade, capazes de garantir o desenvolvimento de potencialidades, do senso de dignidade e autoestima, de todos os alunos: um qualquer e qualquer um. Igualmente convém esclarecer que minha defesa à existência de classes e escolas especiais, de boa qualidade - sem dar-lhes nenhum endereço- justifica-se porque, em sociedades livres, a Democracia é plural e porque algumas Pessoas, por suas características biopsicossociais requerem, por direito público e subjetivo de cidadania, atendimento educacional especializado contínuo, mais consentâneo com ambientes específicos.

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1

Um olhar através da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da

ONU: novas perspectivas e desafios.

Eixo de análise1: Educação (Art.24)

Rosita Edler Carvalho1

Atendendo ao honroso convite do Secretário Nacional de Promoção dos Direitos da

Pessoa com Deficiência, Sr. Antonio José do Nascimento Ferreira e do Sr. Moisés Bauer

Luiz, Presidente do CONADE – muito agradeço a oportunidade de aqui estar para

apresentar meu olhar através da Convenção sobre Direitos das Pessoas com

Deficiência, com foco na Educação.

Vou me esforçar para não ultrapassar os 30 ou 40 minutos de que disponho e pedir que o

Eterno me ajude!

Introdução

Desde a introdução, quero deixar bem clara minha posição em defesa da escola inclusiva,

menos como presença física e mais como inclusão na aprendizagem e na participação.

Isso exige a organização e o funcionamento de instituições de ensino-aprendizagem de

boa qualidade, capazes de garantir o desenvolvimento de potencialidades, do senso de

dignidade e autoestima, de todos os alunos: um qualquer e qualquer um.

Igualmente convém esclarecer que minha defesa à existência de classes e escolas

especiais, de boa qualidade - sem dar-lhes nenhum endereço- justifica-se porque, em 1 Mestre em Psicologia- Doutora em Educação e Neuropsicóloga. Endereço eletrônico: edler @centroin.com.br

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sociedades livres, a Democracia é plural e porque algumas Pessoas, por suas

características biopsicossociais requerem, por direito público e subjetivo de cidadania,

atendimento educacional especializado contínuo, mais consentâneo com ambientes

específicos. 2

Acrescento ainda que, como professora primária há 56 anos, como pesquisadora e como

neuropsicóloga critico- porque reconheço-, que inúmeras escolas especiais, estavam

desenvolvendo habilidades funcionais, atividades de vida diária, de socialização ou as

oficinas pedagógicas, o que não é mais aceitável e já está sendo revisto.

A perspectiva da inclusão tem provocado avanços em muitas de nossas concepções sobre

a educação especial, levando-nos a compreender que precisamos, urgentemente, rever os

atendimentos a serem prestados pelas Instituições comunitárias, confessionais ou

filantrópicas, sem fins lucrativos, assim como precisamos rever a qualidade do percurso

educacional escolar de nossos alunos e alunas, com ou sem deficiências, nas

escolas comuns.

Aproveito a oportunidade para lembrar que, ainda e infelizmente, continuamos a ocupar

posições desconfortáveis no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA)3. A

muitos cidadãos brasileiros causa espécie que o Brasil (localizado entre a sexta e a sétima

potência econômica mundial, em termos do PIB) permaneça abaixo de países como

México, Uruguai, Jordânia, Tailândia e Trinidad e Tobago, dentre outros4.

Além da melhoria da qualidade da educação escolar que temos oferecido, considero

desafios: a universalização da educação infantil e, nela, da estimulação essencial, bem

como a educação de jovens e adultos com deficiência e sua qualificação para o trabalho-,

particularmente para os que apresentam deficiência intelectual e múltipla.

Temos muito trabalho pela frente e que fluirá tão mais agilmente, quanto mais nos

identificarmos como educadores, pais e pessoas em situação de deficiência, que debatem

suas ideias, conhecimentos e experiências, em clima de harmonia e não no de embates,

emoldurado pelo passionalismo.

2 No Preâmbulo da Convenção, nas alíneas /a/ e /j/ há menções à diversidades de pessoas com deficiência

e, a seguir, o reconhecimento de há aquelas que requerem apoio mais intensivo, o quê na área da educação significa atendimento educacional especializado, contínuo em classes ou escolas especiais. 3 Lançado em 1997 pela OCDE, o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) é um estudo

internacional que tem como objetivo avaliar os sistemas de ensino em todo o mundo por meio de testes de habilidades e conhecimentos. 4 O Pisa avalia o desempenho de alunos do Ensino Fundamental e Médio em três áreas chaves: Leitura,

Matemática e Ciências. A média brasileira nessas disciplinas foi de 401 pontos, bem abaixo da pontuação dos. países mais desenvolvidos, que obtiveram 496 pontos.. A avaliação educacional mais importante – e relevante – do mundo revelou que a Educação brasileira está melhorando, mas ainda ocupamos uma posição baixa: em um ranking de 65 países somos o 53º colocado em Leitura e Ciências e 57º em Matemática Em leitura, o Brasil alcançou 412 pontos; em Matemática, 386 e em Ciências 405. In http://educarparacrescer.abril.com.br/blog/boletim-educacao/2010/12/07/desempenho-brasil-pisa-melhora-mas-ainda-estamos-longe-de-uma-educacao-de-qualidade/ acessado aos 26/11/2012.

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3

Um olhar através da Convenção

Passo, finalmente, a “olhar” a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e Protocolo Facultativo, sem perder de vista a histórica contribuição dos

documentos internacionais e nacionais.

Iniciando pelo Preâmbulo da Convenção farei alguns comentários que merecem

aprofundamento em seus sentidos e significados:

a) Os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana, como fundamento da

liberdade, da justiça e da paz no mundo levam-me a pensar na educação na

diversidade e na igualdade de direitos à construção de conhecimentos, o que

exige ofertas desiguais, tal como reforçado na alínea /j/do Preâmbulo, relativa ao

reconhecimento da necessidade de apoio mais intensivo, para algumas pessoas

com deficiência.

A educação na diversidade é um processo que exige mecanismos de acompanhamento e

constantes avaliações, evitando-se o “moralismo abstrato”, que traz um “apelo sentimental”

em relação ao acolhimento de todos, sem se aperceber das condições concretas do

acolhimento, nem dos casos particulares que surjam! (ERIC PLAISSANCE, S/D)5

Conceito de deficiência

“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física,

intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem

obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”.

Mesmo valorizando a concepção funcional da deficiência e o modelo social a ela atrelado,

considero “forte” o termo /impedimentos/, preferindo pensar em /limitações/. No entanto,

deixar de reconhecê-las e não aceitar as pessoas como são, é uma forma de

discriminação porque, no imaginário coletivo, qualquer tentativa de negar o que a pessoa

manifesta, será elaborada como forma de camuflar sua incapacidade de contribuir para a

sociedade.

Igualmente me ocorre outra preocupação: a de nos referirmos às pessoas com deficiência

como se fosse um grupo homogeneizado pelas deficiências que apresentam,

desconsiderando-se as diferenças individuais.

Nos- Princípios gerais- apresento dois destaques:

5 Plaisance Eric. Sobre a inclusão: do moralismo abstrato à ética real. Mimeo

Só muito recentemente que as pessoas com deficiência começam a se organizar como movimento identitário reivindicatório, calcado na noção de ética e não mais no moralismo abstrato

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- A liberdade de fazer as próprias escolhas6, porque merece uma oitiva mais intensa, pois,

além da diversidade de pessoas com deficiência, devemos considerar a heterogeneidade

de condições socioeconômicas e culturais, nas zonas urbanas, suburbanas e rurais, de

nosso país de dimensões continentais, cujo Índice Gini, sobre a desigualdade de renda

familiar per capita, está dentre os 15 mais elevados do mundo7; e

- A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade é um princípio que destaca a

importância da profissionalização e que, para muitas pessoas com deficiência exige

planejamento e organização curricular, consentâneos com as características do Sujeito,

com seus interesses e com as demandas do mercado de trabalho.

ARTIGO 24- EDUCAÇÃO

O primeiro item diz respeito ao direito das pessoas com deficiência à educação,

sem discriminação, cabendo aos Estados Parte, com base na igualdade de

oportunidades, assegurarem um sistema educacional inclusivo em todos os níveis,

bem como o aprendizado ao longo de toda a vida. Analisemos, por partes.

Educação

O conceito de educação, seja na condição formal ou na informal, engloba os processos de

ensinar e aprender, para qualquer cidadão.

A educação pode ter como objetivo a socialização, sendo exercida por pais e outros

membros que participem do convívio social do indivíduo. Sob esse enfoque, a educação

tem a característica de informalidade e não se constitui como ação prioritária da escola,

embora nela, também, ocorra.

Enquanto processo formal, a educação tem caráter intencional, expresso nas finalidades e

objetivos que constam do planejamento educacional.

Mas o processo formal de educação ainda contempla Educação Tecnológica.

De inegável importância na educação escolar, formal e intencional, é o projeto curricular,

mediador do desenvolvimento dos alunos em seus aspectos cognitivos, afetivos e

relacionais, sem desconsiderar seu corpo e organismo.

O currículo, que deve estar a serviço do aprendiz e não o contrário, representa um tema

recorrente em documentos internacionais como as Normas Sobre Equalização de

6 A liberdade das pessoas com deficiência fazerem escolhas e participarem das decisões relativas a programas e

políticas, inclusive as que lhes dizem respeito diretamente, estão explicitadas nos textos do Preâmbulo (/n/; /o/); no de Princípios /a/ e nas Obrigações Gerais N° 7. 7 Lamentavelmente, nosso país está marcado por desigualdades na renda familiar per capita que se traduzem, estatisticamente, no

índice Gini que varia de zero a 1. Quanto mais próximo de 1, mais desigual é o país e quanto mais próximo de zero, menos desigual. Embora de 2000 para cá, felizmente, a desigualdade vem caindo no Brasil, ainda estamos entre as 15 maiores do mundo. Em 2011

nosso índice Gini foi de 0,527 em contraposição a 2009 quando foi de 0,539. In Comunicados do IPEA, N° 155 de 25/09/2012. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120925_comunicadodoipea155_v5.pdf acessado aos 22 de novembro de 2012.

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5

Oportunidades (93) e a Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas

Especiais: Acesso e Qualidade (Declaração de Salamanca, 94).

Devemos considerar a questão das adaptações curriculares 8 , neles recomendadas,

principalmente para pessoas com deficiência intelectual e múltipla, para que tenham

assegurado o desfrute pleno e equitativo de seus direitos.

Penso que, dentre as novas perspectivas, é indispensável considerar as contribuições das

neurociências cognitivas para que o projeto curricular, realmente, atenda às necessidades

de pleno desenvolvimento.

No que se refere à Educação Tecnológica, é oportuno mencionar o Programa Nacional de

Acesso ao Ensino Técnico e Emprego- PRONATEC/2011, que contempla as pessoas com

deficiência e a participação de entidades privadas, sem fins lucrativos.

Igualdade de oportunidades

Defendo, para todos os aprendizes, o direito à igualdade de oportunidades, o que não

significa que as oportunidades devam ser as mesmas ou iguais, em decorrência das

especificidades de suas características pessoais.

Segundo Noberto Bobbio (1909-2004): “a igualdade não tem a função de tornar as coisas

iguais, mas sim de promover justiça social. Deve-se tratar os diferentes de maneira

desigual, para criar condições semelhantes de desenvolvimento.

Sistema educacional inclusivo

Consultando o dicionário eletrônico Houaiss, encontrei, para o verbete /sistema/, o seguinte

conceito geral :

estrutura que se organiza com base em conjuntos de unidades interrelacionáveis por dois

eixos básicos: o eixo das que podem ser agrupadas e classificadas pelas características

semelhantes que possuem e o eixo das que se distribuem em dependência hierárquica ou

arranjo funcional.

Por derivação, o sistema educacional é um conjunto composto por diferentes instituições,

públicas e privadas. Depreende-se, portanto, que o sistema educacional inclusivo não é

específico da rede pública governamental de ensino, restando-nos decodificar o adjetivo

/inclusivo/9, termo polissêmico que contém, dentre outras, as ideia de /encerrar/ e de

/abranger/. Na esfera educacional é, geralmente, interpretado como aquele que induz à

8 Embora sem mencionar, explicitamente que as adaptações sejam as curriculares, creio que elas estão

implícitas no texto do Art.2, referente às Definições . Dentre “adaptações razoáveis” devemos considerar as curriculares e que, se forem recusadas, representam uma restrição que impossibilita o exercício, em igualdade de oportunidades, com as demais pessoas, do acesso à aprendizagem e à participação, o que é uma forma de discriminação. 9 No dicionário eletrônico Houaiss o adjetivo /inclusivo/ em sua polissemia, tem o significado de encerra, abrange,

compreende.

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6

presença de pessoas com deficiência nas salas comuns do sistema público governamental

de ensino.

Enquanto substantivo, /inclusão/ aparece conceituada com o sentido de introduzir, seja

uma coisa em outra, seja alguém em um grupo10.

Em qualquer das análises, a substantiva ou a adjetiva, queremos que a /inclusão/ ou o

/inclusivo/ sejam entendidos e executados em ações práticas, indo além do sentido de

abranger ou de introduzir grupos ou pessoas com deficiência em outros grupos, o dos ditos

normais.

Com o aprofundamento da análise sobre o sentido e significado da /igualdade de

oportunidades/ e de /sistema educacional inclusivo/ poderemos, mais facilmente, atingir os

três objetivos do item 1 do Art.24, alínea /a/:

o pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima[...],

liberdades fundamentais ...;

o desenvolvimento máximo possível da personalidade e dos talentos e criatividade... e

a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.

Quero enfatizar que, dentre as liberdades fundamentais, destaca-se a liberdade de escolha.

-Na alínea /a/ do segundo item do Art.24, está estabelecido que as pessoas com

deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral, sob alegação de deficiência,

e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e

compulsório, ou do ensino secundário sob alegação de deficiência.

Considerando-se que crianças também são pessoas, permito-me fazer uma análise mais

abrangente. Retomando a ideia de sistema educacional e que inclui unidades

interrelacionáveis, seria um equívoco excluir e não considerar as classes e escolas

especiais para os que delas, realmente, necessitam.

Elas também oferecem matrícula no ensino fundamental a crianças, adolescentes, jovens

e adultos, devendo aprimorar suas práticas educativas para garantir a todos a

acessibilidade aos conhecimentos.

As estratégias que o governo vem adotando para rever a segregação são meritórias em

sua intencionalidade e não, necessariamente, em sua operacionalização.

Na alínea /b/ o texto é: “as pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental

inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na

comunidade em que vivem”.

Ensino fundamental inclusivo, de qualidade

10

Cabe relembrar os conceitos de estabelecidos e outsiders defendidos por Norbert Elias e John Scotson,2004.In Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade; tradução Vera Ribeiro; tradução do posfácio à edição alemã, Pedro Süssekind – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

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7

Insisto que nossas ações sejam planejadas para além da presença física nas classes

comuns. E, mesmo quando tomamos como foco a proximidade física que a sala do ensino

comum propicia, precisamos atentar para a importância dos níveis de interação que se

estabelecem entre os aprendizes, com e sem deficiência.

Preocupada com as relações vinculares, para estudar e para passear e, baseando-me nas

contribuições da Socionomia11 e da Sociometria12 realizei, em outubro e novembro de

2011, um estudo piloto, num município do sudeste brasileiro.

Colhemos informações de 324 aprendizes.

Constatei que, dos 21 alunos com deficiência e que compuseram a amostra deste estudo,

em relação às escolhas para estudar: 57% não foram escolhidos por ninguém; 24% foram

escolhidos por seus pares, particularmente quando surdos; 9,5% receberam a terceira

escolha de alunos que não foram escolhidos por ninguém, isolados, portanto e -9,5%

foram a última escolha da lider da turma.

Quanto às escolhas para passear e que não envolvem, necessariamente, aspectos

cognitivos ou intelectuais, constatei que 52% não receberam voto algum; 28% foram

escolhidos por seus pares; 14,2% receberam votos de colegas sem nenhuma votação- e

4,8% receberam votos da líder da turma.

Este estudo evidencia que são frágeis os vínculos estabelecidos entre os ditos normais e

os que estão em situação deficiência - seus colegas de classe-, sendo similares os

elevados percentuais de não- escolhas, seja para estudar ou para passear.

Como todos os educadores sabem, os sentimentos de rejeição, que os não-escolhidos

experimentam, estão relacionados com a autoestima e interferem, significativamente, nos

processos de aprendizagem. Situações como essa explicam as alusões à exclusão na

inclusão ou, em outros termos, à inclusão marginal (JOSÉ DE SOUZA MARTINS, 1997)13.

Igualdade de condições Talvez a mais adequada maneira de compreender a igualdade de condições esteja no

conceito de equidade, ou seja, na equiparação de oportunidades, na medida em que se

adaptem as regras existentes aos casos específicos, a fim de deixá-las mais justas.

11

A Socionomia é um termo que foi introduzido na Psicologia por Jacob Levy Moreno (1889-1974), o criador do

Psicodrama. A psicóloga Wedja Granja Costa (1996), a partir das teorias de Moreno e com base em pesquisas científicas, trouxe para a Socionomia um novo objeto de estudo: a relação humana, seja pessoa-pessoa, pessoa-grupo ou até mesmo pessoa-objeto. Ver em http://www.jet.com.br/socionomia/faq.asp acessado aos 22/11/2012. 12

Técnica sociométrica mais conhecida e aplicada foi criada pelo psiquiatra romeno J. L. Moreno (1889-1974). A Sociometria busca descobrir de quem as pessoas gostam ou não, e com quem elas gostariam ou não de trabalhar. A técnica sociométrica só deve ser aplicada quando as pessoas já se conhecem, e convivem já há algum tempo, sendo por isso capazes de exprimir suas preferências no que concerne ao relacionamento. Ver em www.fesppr.br/~denise/CompOrg1/Textos/SOCIOMETRIA.doc acessado aos 22/11/2012. 13

MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. 3 ed. (2007) São Paulo: Paulus, 1997.

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8

- Na alínea /c/: consta mais uma obrigação dos Estados Parte que deverão assegurar

providências para adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais.,

Adaptações razoáveis Considerando-se que um dos significados do adjetivo /razoável/ é: “o que é justo e

compreensível por basear-se em razões sólidas”, então, pode-se defender a existência de

espaços específicos para algumas pessoas com deficiência. Assim é porque tais espaços

podem oferecer adaptações mais adequadas e justas à satisfação dos estilos, ritmos e

modos de aprender dessas pessoas..

Na alínea /d/ temos: as pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do

sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação.

Apoio necessário/efetiva educação.

Entendo que, atualmente, dentre os apoios necessários, oferecidos no âmbito do sistema

educacional, esteja o atendimento educacional especializado (AEE), complementar,

oferecido nas salas de recursos multifuncionais.

Não tenho dúvidas quanto à necessidade de apoios, extensivos, também, às famílias, mas

indago se os serviços que temos oferecido no AEE complementar e nunca substitutivo-

estão, realmente, contribuindo para a efetiva educação formal dos aprendizes.

Em minhas experiências pessoais, tenho podido constatar que são múltiplos e desiguais

em sua concepção e execução.

Têm variado desde atendimentos de 50 minutos (como a sessão psicanalítica), duas vezes

por semana, individualmente ou em grupos, até atendimentos de hora ou hora e meia, nos

quais os alunos usam jogos e, principalmente, atividades de alfabetização ou de reforço

pedagógico.

Com tais características, o AEE deve ser considerado como apoio limitado no tempo e na

frequência do alunado, além de merecer questionamentos quanto à sua efetividade.

Creio que nos faltam publicizar pesquisas qualitativas a esse respeito, bem como

precisamos dispor de informações sobre os mecanismos de acompanhamento do trabalho

que vem sendo realizado, em todo o Brasil.

Até mesmo no que se refere a dados estatísticos, tenho procurado informações sobre o

número de alunos que estão recebendo AEE.

Como não consegui encontrá-las recorri, por telefone, à Central de Atendimento do

Ministério da Educação – Fala Brasil. Liguei três vezes e recebi duas mensagens no meu

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9

correio eletrônico informando que o pedido estava sendo tratado pela área responsável -

SECAD-, isso em outubro deste ano.

- Da alínea /e/ consta: medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em

ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta da

inclusão plena.

Adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas

Considero que medidas de apoio individualizadas e efetivas são mais facilmente adotadas

em classes ou escolas especiais, porque as turmas são pequenas. Para as escolas

comuns representam um desafio que precisamos superar, em benefício da maximização

do desenvolvimento acadêmico e social.

O terceiro item diz respeito à possibilidade das pessoas com deficiência de

aprenderem as habilidades necessárias à vida e ao desenvolvimento social.

Na alínea /a/,referente às pessoas cegas e com visão reduzida, destaco a importância do

apoio e aconselhamento de pares.

-Os itens /b/ e /c/ dizem respeito, respectivamente: à facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda e - a garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdo-cegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação adequados às pessoas, em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.

Para ratificar e enfatizar esses direitos recorro ao item 9, das Normas sobre Equiparação

de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (93):

Devido às particulares necessidades de comunicação das pessoas surdas e surdas

e cegas, a sua educação pode porventura ser ministrada de forma mais adequada

em escolas que lhes sejam especialmente destinadas ou em aulas e unidades

especializadas dentro dos estabelecimentos de ensino comuns.

Esta mesma recomendação consta da Declaração de Salamanca (1994):

Face às necessidades específicas de comunicação de surdos e de surdoscegos,

seria mais conveniente que a educação lhes fosse ministrada em escolas especiais

ou em classes ou unidades especiais nas escolas comuns. (Política e Organização,

item 21, p.30).

A conveniência de escolas ou unidades especiais para a educação de surdos nas quais

lhes seja oferecida educação bilíngue está assegurada na Lei 10436/2002 e no Decreto

5626/2005 que trata da Escola Bilíngue.

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10

Cabe, portanto, reconhecer as veementes solicitações da comunidade surda que concorda

que o Brasil deve ter 100/% das crianças e jovens com deficiência na escola, mas discorda

que a escola regular inclusiva, no sentido que tem sido empregado, seja o único e o melhor

espaço onde todas essas crianças e jovens conseguem aprender, com boa qualidade..A

escola regular inclusiva pode ser uma opção educacional para alguns surdos e deficientes

auditivos, mas não para todos.

Insistem na transformação das escolas especiais de surdos em escolas regulares bilíngues que

não se baseiem na deficiência e, sim, na questão linguística; sendo a língua brasileira de sinais a

língua de instrução, como primeira língua, ao lado da língua portuguesa, escrita. Lembram que

LIBRAS não é recurso a ser utilizado nas Salas Multifuncionais. Trata-se de uma língua

com sintaxe e semântica próprias que precisa ser aprendida em escolas bilíngues.

Ambientes que favoreçam, ao máximo, o desenvolvimento acadêmico e social.

O reconhecimento da necessidade de ambientes que favoreçam, ao máximo, o

desenvolvimento acadêmico e social é bem antigo, como podemos constatar em textos de

vários documentos internacionais -Programa de Ação Mundial e Declaração de

Salamanca-, nos quais aparecem, respectivamente as expressões /na medida do possível/

e /sempre que possível/.

Embora similares, identifico diferenças sutis em ambas as mensagens que me permitiram

formular duas hipóteses:

A primeira é que a /medida do possível/ esteja atrelada às condições dos ambientes

para oferecerem, ou não, condições de boa qualidade na aprendizagem e na

participação de todos e todas;

A segunda hipótese, mais próxima do texto de Salamanca, é a de que a /medida do

possível/ esteja relacionada às condições individuais dos estudantes, isto é ao

/sempre que possível/, a eles.

Processos mentais associativos levam-me a relacionar ambas as expressões com o termo

/preferencialmente/ que consta do Inciso II do Art.208 de nossa Constituição de 1988.

Observe-se que o termo regular, usado no texto constitucional brasileiro, aplica-se à rede e

não ao ensino, evitando-se uma visão dicotômica e inaceitável entre educação especial e

educação comum, como duas redes de ensino.

O item 4 diz respeito às medidas apropriadas que os Estados Parte deverão tomar,

para empregar professores, inclusive professores com deficiência habilitados para o ensino

da língua de sinais e/ou do braile, e para capacitar profissionais e equipes atuantes em

todos os níveis de ensino. Esta capacitação deverá incorporar a conscientização da

deficiência e a utilização dos apropriados modos, meios e formatos de comunicação

aumentativa e alternativa, e técnicas e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas

com deficiência.

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Empregar, inclusive, professores com deficiência habilitados para o ensino da língua

de sinais e/ou do braile

Considero salutar a medida empregar professores com deficiência, habilitados para o

ensino da língua de sinais e/ou do braile, ainda que, no texto, pareça restringida a

professores surdos e cegos, sem explicitar, com iguais direitos, professores com outras

manifestações de deficiência. Embora tenha me gerado essa dúvida, a medida merece

destaque, no que se reporta à habilitação (bem diferente da expressão mais comum-

/preparação/- que considero inadequada).

Capacitar profissionais e equipes é uma das recomendações mais importantes,

requerendo a participação de Universidades e de grupos ou de associações de

especialistas

No item 5, a orientação é: Estados Parte deverão assegurar que as pessoas

com deficiência possam ter acesso à educação comum nas modalidades de ensino superior,

treinamento profissional, educação de jovens e adultos, e aprendizado continuado, sem

discriminação e em igualdade de condições com as demais pessoas. Para tanto os Estados Parte

deverão assegurar a provisão de adaptações razoáveis para pessoas com deficiência.

Possam ter acesso à educação comum

Constato que o verbo /poder/ está conjugado no modo subjuntivo14, o que me leva aos

labirintos semânticos de sua interpretação. É que a forma subjuntiva traz em si a ideia de

dúvida, permitindo-me inferir que nem sempre as pessoas com deficiência enquadram-se

no “possam ter acesso à educação comum”, seja por suas características biopsicossociais,

seja pelas características conjunturais de onde vivem, incluindo-se as ofertas

educacionais, além dos aspectos atitudinais dos que as cercam, nem sempre de aceitação.

Treinamento profissional

Identifico na normativa de treinamento profissional uma das mais urgentes e importantes,

embora prefira usar /qualificação profissional/, em vez de treinamento, por suas

conotações mecanicistas.

E para pessoas com deficiência intelectual e múltipla, onde será feita a habilitação

profissional?

Sem discriminação

14

O Modo Subjuntivo, assim como o indicativo, se caracteriza por um conceito semântico, é considerado o modo verbal

que ao invés de expressar uma certeza expressará uma ideia de dúvida, exprime uma ação irreal, hipotética. In http://www.infoescola.com/portugues/modo-subjuntivo-3/ acesado aos 25 de novembro de 2012.

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12

Para a recomendação do /sem discriminação/, busco respaldo na Convenção

Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra

pessoas portadoras de Deficiência (OEA,1999) e Decreto 3.956 de 8/10/2001,

sancionado pelo Presidente da República, no Brasil. lembrando que:

a) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para

promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência,

desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade

dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência.

Ou seja, não constitui discriminação a preferência pelo AEE contínuo, para garantir a

igualdade de direitos ao pleno desenvolvimento.

Não será uma forma sutil de discriminação a determinação da frequência de todos e todas

nas classes comuns do ensino regular? Como fica o direito à aprendizagem que se torna

muito exigente para inúmeros alunos incluídos? E como fica o direito de escolha das

próprias pessoas e, principalmente, de suas famílias?

Os pais têm direito inerente de serem consultados quanto à educação de seus filhos, o que

está em consonância com a Constituição Brasileira, cujo texto inovou ao dizer, claramente,

em seu artigo 205, que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família.

Antes da Constituição de 1988, a Educação era uma responsabilidade que competia,

exclusivamente, ao Estado.

Assegurar a provisão de adaptações razoáveis

No que respeita à /provisão de adaptações razoáveis/, a serem asseguradas, destaco a

acessibilidade arquitetônica, à tecnologia informática e a acessibilidade à aprendizagem e

à participação que, no meu entendimento, precisam ir além do significado de razoável

enquanto /aceitável/.

Encerro como comecei: em atitude de reverência e gratidão pela oportunidade de

compartilhar ideias, sentimentos e experiências, que se originaram nas salas de aula das

escolas comuns e especiais, nas quais tive o privilégio de ser professora primária, título

que ostento com mais orgulho do que os demais, conquistados ao longo de minha extensa

trajetória pessoal/profissional.

Sigo com os pés no chão, dentro das escolas, atualmente como pesquisadora em

neuropsicologia, usufruindo das oportunidades de aprender, sempre encantada com as

descobertas que faço com a ajuda dos alunos e alunas e de minhas colegas, educadoras.

Muito grata, boas festas e boa sorte!