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Centeno - A Política Cultural Em Portugal Na Entrada Do Novo Século
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6º Congresso SOPCOM 2981
A política cultural em Portugal na entrada do novo século
Maria João Anastácio Centeno
Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa
Resumo
Vários têm sido os governos que a partir de 1974 têm encetado políticas que respeitam a
pluralidade criativa e “a crença pós-iluminista na razão civilizadora, associados à aposta
moderna nas responsabilidades e capacidades do Estado na estruturação da vida
cultural, seja pelo lado dos equipamentos, seja pelo lado da procura pública ou do
estímulo financeiro à criação, seja pelo lado da educação dos gostos” (Silva, 2004b: 16).
A bandeira da democratização da cultura, de que fazem parte a acessibilidade dos bens e
oportunidades culturais e a generalização de consumos culturais “esclarecidos”; o
compromisso estatal em torno da garantia de um serviço público de cultura e de
condições materiais e institucionais para a criação artística independente; e a
hipervalorização da educação ou formação dos “públicos”, como via real para a
qualificação do tecido e da prática cultural constituem o fio condutor das propostas
desenvolvidas ora mais à direita, ora mais à esquerda.
A política de descentralização dotou grande parte do território com equipamentos que, a
serem perspectivados como lugares de mediação e encontro, têm de ser vividos e
incorporados na experiência da população local como espaços sociais, para tal têm de
ser espaços vivos que inspiram um entendimento comum do lugar, que funcionem como
elementos unificadores e ajudem a forjar uma identificação e posse públicas desses
espaços - os espaços públicos devem ser feitos o mais públicos possível.
A presente comunicação pretende dar conta do contributo que as organizações culturais,
nomeadamente as que constituem a Rede Nacional de Teatros e Cine-Teatros, têm ou
poderão ter, enquanto novos espaços públicos, na promoção da discussão pública de
ideias.
A política cultural central
A transformação, a que temos vindo a assistir, das principais cidades
portuguesas, em que o motor económico é a cultura, tem passado por, numa primeira
fase, dotá-las de equipamentos a nível físico, como é exemplo a construção e/ou
recuperação de teatros e cine-teatros; no entanto, para que esses espaços sejam
vivenciados e sentidos como fazendo parte do colectivo, ou seja, como novos espaços
públicos há todo um trabalho a realizar pelas estruturas responsáveis por esses
equipamentos.
É nas cidades que se concentram trabalhadores qualificados, infra-estruturas
(equipamentos culturais), estabelecimentos de ensino especializado e superior,
proximidade a sedes de decisão, realização de grandes eventos culturais, meios de
transporte, etc., o que faz com que consigam responder às exigências de flexibilidade da
nova economia e se aproximem do conceito de „cidade criativa‟, termo introduzido por
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Franco Bianchini (especialista em planeamento cultural) em conjunto com Charles
Landry em 1995.
O espaço público por definição é aquele a que todos os cidadãos têm acesso,
onde as pessoas se reúnem para, espontânea ou deliberadamente, constituírem um
público e fazerem ouvir a sua voz política, “um lugar de dever cívico, fermento político
ou educação social” (Balibrea, 2003: 36), mas que pode ser limitado a fonte de
entretenimento.
Se a criação do espaço público for realizada combinando a lógica dos mercados
globais com as relações institucionais locais e não se atender às necessidades e desejos
da população local, desvirtua-se o sentido de espaço público como lugar de mediação e
encontro, o que nos coloca perante “uma redefinição de espaço público que sublinha a
sua função como espaço de lazer e de consumo cultural, desenfatizando a de lugar de
encontro e politização” (Balibrea, 2003: 36).
Os espaços culturais devem ser vividos e incorporados na experiência da
população local como espaços sociais, para tal têm de ser espaços vivos que inspiram
um entendimento comum do lugar, que funcionem como elementos unificadores e
ajudem a forjar uma identificação e posse públicas desses espaços; os espaços públicos
devem ser feitos o mais públicos possível.
Contrariamente à obra de arte, que inserida num recinto hermético e protegida da
degradação, é vista mas não usada, o espaço público pretende-se marcado pelo visitante
que não terá o papel de observador passivo, mas interveniente que deixa marcas e
rastos.
É claro que as organizações culturais não podem, nem é desejável que o
pretendam, controlar os significados que um espaço público pode gerar nos seus
utentes, aquilo que verdadeiramente podem e devem é potenciar o acesso15
, o uso desse
espaço da forma mais universal possível, para que esse espaço possa mediar a
subsequente produção social de negociações e conflitos e se converta num espaço social
e público.
A experiência repetida de usufruto e circulação pelos espaços construídos, o uso
desses espaços gera uma dinâmica de sentidos. “Insistir nesta dinâmica de construção
social do espaço permite politizar a presença” do novo espaço, porque “confere
representatividade, capacidade transformadora e entidade de sujeito (e não só de
15
Limitar de que forma fôr o acesso a um espaço público é tornar real a interpretação elitista da cultura.
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objecto) à comunidade local, frente à hegemónica força significadora (…) daqueles que
projectam, financiam e gerem os espaços urbanos de uso público” (Balibrea, 2003: 50).
A proposta passa por uma vinculação fluida, que tem de ser construída espacial e
discursivamente com a comunidade local, convertendo-a em protagonista da
significação identitária que se vai associando a esses espaços. “É possível conceber
espaços onde aconteçam as obras de culto pelas quais uma determinada comunidade se
identifica, se reconhece e se revitaliza. Afinal é isto programar!” (Ribeiro, 1998: 6).
O poder político em Portugal, independentemente de se situar mais à direita ou à
esquerda, tem vindo a reconhecer a autonomia relativa do campo cultural (com os seus
actores, as suas posições e relacionamento e as regras de jogo que lhe são próprias).
Vários têm sido os governos que a partir de 1974 têm encetado políticas que
respeitam a pluralidade criativa e “a crença pós-iluminista na razão civilizadora,
associados à aposta moderna nas responsabilidades e capacidades do Estado na
estruturação da vida cultural, seja pelo lado dos equipamentos, seja pelo lado da procura
pública ou do estímulo financeiro à criação, seja pelo lado da educação dos gostos”
(Silva, 2004b: 16).
“Direita e esquerda „clássicas‟ identificam objectivos e instrumentos comuns,
embora os apresentem, justifiquem e utilizem diferenciadamente. Tais são: a bandeira
da democratização da cultura, de que a acessibilidade dos bens e oportunidades culturais
e a generalização de consumos culturais „esclarecidos‟ constituem cara e coroa; o
compromisso estatal em torno da garantia de um serviço público de cultura e de
condições materiais e institucionais para a criação artística independente; e a
hipervalorização da educação ou formação dos „públicos‟, como via real para a
qualificação do tecido e da prática cultural” (Silva, 2004b: 16).
A partir de 199516
, a política cultural pública (designação que pressupõe a
cultura como uma categoria de intervenção pública) tem sido marcada por uma
vinculação a uma atitude cultural tradicional de “uma esquerda moderna que não renega
o clássico” (Silva, 2004b: 20)17
e que entende a cultura como uma visão do mundo, ou
mais concretamente as obras envolvem, além dos direitos autorais imputáveis a um acto
criativo, o discurso que é comunicado aos demais. “Aceitemos, assim, que as políticas
públicas em matéria cultural, sendo indispensáveis, devem crescentemente incorporar
16
Ano da institucionalização do Ministério da Cultura. 17
“Falar de modernidade deve querer dizer falar de uma actualidade como presente cronológico que
sincroniza tradição e modernidade” (Conde, 1998: 80).
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elementos de estimulação e co-responsabilização da pluralidade de actores e interesses
que se exprimem na chamada sociedade civil” (Silva, 1997: 44).
A intensificação do investimento do Estado central nomeadamente em redes de
estruturação da vida cultural ao longo do território, como são exemplos a Rede Nacional
de Bibliotecas Públicas lançada em 1986 e a de Teatros e Cine-Teatros lançada no ano
de 1999 no âmbito da política cultural desenvolvida pelo XIII Governo Constitucional,
desenvolveu no poder local um processo semelhante de alargamento de acção e
recursos, que em poucos anos fez com que a despesa dos municípios portugueses com o
sector cultural ultrapassasse o orçamento do Ministério da Cultura (tomando como
referência o ano de 2007, estamos a falar de 600 milhões de euros para o primeiro caso
contra metade para o segundo, mediante dados apresentados por Jorge Barreto Xavier,
Director-Geral das Artes; não podemos esquecer que a partir do ano 2000, com o
lançamento do Programa Operacional da Cultura18
, esta tendência saiu facilitada).
A política cultural local
Quase nenhuma política cultural camarária, apesar das diferenças de programa,
sensibilidade e meios materiais disponíveis, dispensa o investimento em acções de
prestígio e impacto mediático: sejam elas a aquisição e/ou recuperação de grandes
equipamentos físicos (como são exemplo os equipamentos que compõem a Rede de
Teatros e Cine-Teatros) ou acontecimentos culturais extraordinários (os grandes
acontecimentos como as exposições internacionais ou as capitais da cultura).
Atendendo às três características do poder local que influenciam na concepção e
estruturação da acção cultural municipal, nomeadamente o consensualismo (tendência
para apresentar a acção camarária como uma espécie de „emanação necessária da
vontade comunitária‟), o presidencialismo (que confere um poder reforçado ao
presidente da câmara na construção e gestão das redes sociais e na definição de
finalidades e procedimentos) e a formulação de prioridades em patamares (em que a
infra-estruturação do território se constitui como o primeiro e principal patamar), o que
sobressai é “a reduzida capacidade da acção cultural autárquica para gerar diferenciação
ideológica” (Silva, 2007: 13). O investimento na cultura constitui-se como uma
18
O Programa Operacional da Cultura teve início a 27 de Julho de 2000, no âmbito do III Quadro
Comunitário de Apoio (QCA III) para Portugal no período 2000-2006 e previa pela primeira vez um
apoio autónomo ao universo cultural e mais especificamente, através da Medida 2.1 a criação e animação
de uma Rede Fundamental de Recintos Culturais. O programa contribuiu com cerca de 40 milhões dos
mais de 71 milhões de euros de investimentos estimados.
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consequência lógica da abrangência de uma acção local comprometida com as
„necessidades das populações‟, o que faz com que o discurso político varie pouco em
função das visões do mundo e dos programas dos partidos com forte representação
autárquica.19
Os factores de oposição e mudança não estão predominantemente
associados aos partidos locais, o que mostra que “as câmaras municipais têm sido mais
receptoras do que produtoras de política cultural. Ou, dito com mais rigor: têm sido
parceiras, cada vez mais presentes e necessárias ao seu sucesso, de programas de origem
e enquadramento nacional” (Silva, 2007: 14), de que são bons exemplos as redes em
que a participação do poder local responde à solicitação do governo central de partilha
de custos de investimento de capital e mais tarde de gestão dos equipamentos. E estes
programas têm sido recebidos pelos municípios como oportunidades que raramente
desperdiçam. Outro exemplo foi o Programa de Difusão das Artes do Espectáculo20
(lançado mais uma vez pelo Ministério da Cultura) que entre 1999 e 2002 conquistou a
adesão de dezenas de localidades.
Os quatro pilares que caracterizam “um programa comum de intervenção
autárquica no Portugal dos anos 2000” são: a descentralização, o equipamento, a
formação de públicos e a aposta em eventos distintivos, o que denota que “não é na
lógica de diferenciação ideológico-política de matriz partidária, segundo o eixo
direita/esquerda, que a política cultural local se justifica e representa a si própria”
(Silva, 2007: 15). As políticas culturais autárquicas não se diferenciam por factores
locais de natureza político-partidária, tendem então a acompanhar, qualquer que seja a
força política liderante, a evolução das políticas culturais nacionais.
19
“Ora, os mais fortes, ao longo dos 30 anos do poder local democrático, vêm sendo o PSD e o PS e,
depois, noutro degrau, o PCP e o CDS. O PCP foi o primeiro a destacar, na sua doutrina e prática
autárquicas, o domínio da cultura, tal como, aliás, o da educação. E, durante parte importante daqueles
anos, influenciou sobremaneira o conjunto do discurso político local sobre a cultura: de facto, tópicos
estruturantes da doutrinação comunista – a ênfase na democratização, como generalização do acesso
gratuito a equipamentos e eventos culturais, a hipervalorização do associativismo local, como
protagonista dos processos de criação e recepção artísticas, a reivindicação de competências e recursos,
como condição necessária e suficiente para a alavancagem da vida cultural local, e a definição da cultura
como uma oportunidade maior para a legitimação social dos executivos e a projecção supralocal dos
territórios – todos foram tópicos em que o PCP foi pioneiro, face aos demais partidos, e que por assim
dizer moldaram, durante vários anos, o discurso político-cultural municipal” (Silva, 2007: 13). 20
Este programa foi “concebido como uma triangulação entre entidades proponentes de espectáculos
(estruturas de criação, produção e/ou formação no teatro, na música e na dança), autarquias e o organismo
competente do Ministério da Cultura, então chamado Instituto Português das Artes do Espectáculo. (…)
O PDAE recebia, sistematizava e divulgava a informação recebida das entidades proponentes, sobre
actividades em carteira e das autarquias, sobre as suas propostas de compra, e financiava as aquisições
municipais, numa base de 50%. (…) Entre 2000 e 2002 participaram no PDAE 115 das 278 autarquias do
Continente (41%). Em termos populacionais, essas 115 autarquias totalizam quase metade dos residentes
no território nacional” (Silva, 2007: 23/4).
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No entanto, não podemos deixar de atender ao lugar de destaque que as políticas
culturais têm vindo a alcançar no conjunto das políticas municipais, bem como ao lugar
dos serviços culturais no conjunto da administração autárquica. A autonomização do
pelouro da cultura é uma novidade com particular expressão nas décadas de 1990 e
2000, que denota “uma nova identidade e centralidade da política e da administração
cultural local, mas vale também como formação de uma tecnoestrutura local envolvida
nas dinâmicas culturais, composta por técnicos e quadros superiores” (Silva, 2007: 16).
Por outro lado, os próprios responsáveis políticos e técnicos municipais pelo
pelouro da cultura têm vindo a diferenciar-se segundo o género, a geração, a
qualificação académica, a condição socioprofissional e a sua maior ou menor
proximidade face a meios artísticos e académicos de âmbito nacional ou internacional, o
que também contribui para a forma como os respectivos cargos têm vindo a ser
exercidos. A cultura tem vindo a assumir uma centralidade no plano das representações
e dos discursos desses agentes sem precedentes na curta existência das políticas
culturais locais, o que deixa antever a possibilidade de essas mesmas políticas estarem
cada vez mais despertas para a importância que a cultura pode ter na identidade
colectiva local, afirmando a sua singularidade no contexto nacional.
Saber como uma dada política cultural identifica e procura superar os limites dos
processos de democratização cultural por simples generalização do acesso a bens
canónicos, como interpela a compartimentação institucional e disciplinar das formas
culturais e como concebe a extensão e a importância relativa dos sistemas de artes, é
essencial para compreender a sua „modernidade‟. Estará tanto mais próxima deste pólo
quanto mais defender que não bastam as „casas de cultura‟ e outros instrumentos
habituais de „disseminação‟ e que é preciso desconstruir a própria diferenciação entre
produtores e receptores, quanto mais recusar a rigidez das hierarquizações entre alta e
baixa cultura ou erudito e popular, quanto mais apostar nas zonas intermédias e de
intermediação entre formas e espaços culturais, quanto mais recusar a lógica dos
espaços reservados da cultura para articular territórios, espaços públicos e criações
culturais, quanto menos devedora for do sistema tradicional de literatura, teatro, música
e artes plásticas, monumentos e museus, e mais alargar o âmbito de incidência da
política cultural às „artes médias‟, ao domínio audiovisual e às práticas
transdisciplinares. (Silva, 2004b: 17-8).
Nos últimos anos, esta atitude tem vindo a reflectir-se nas políticas locais: “no
que toca a um equipamento não basta adquirir e conservar, embora as duas operações
tenham custado e custem muito dinheiro aos municípios. Não basta ainda geri-lo, no
sentido administrativo da palavra. É preciso animá-lo, usá-lo, fazer dele um pólo de
actividade cultural continuada. Neste plano, as câmaras têm disposto de três recursos:
ou asseguram internamente tal tarefa, coisa complicada para a generalidade delas, dada
a debilidade da sua estrutura técnica; ou procuram soluções de parceria e
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complementaridade com a administração central, apostando nos programas que esta
valoriza; ou recorrem aos protagonistas locais, quer eles se apresentem como criadores
ou produtores individuais, quer estejam reunidos nas associações e cooperativas” (Silva,
1995: 259). Ultimamente, os municípios têm tentado modificar os termos da relação de
patrocínio cultural autárquico, preferindo ao „subsídio‟ a compra de serviços aos
produtores, introduzindo alguma selectividade na concessão de apoios ou imprimindo
alguma singularidade à actividade cultural de cada cidade, de modo a criar, consolidar e
projectar acontecimentos ou estruturas emblemáticas21
.
A experiência da Rede Nacional de Teatros e Cine-Teatros
Da Rede Nacional de Teatros e Cine-Teatros fazem actualmente parte 12
equipamentos, ou seja, das 18 capitais de distrito que inicialmente foram pensadas para
virem a ser dotadas com salas de espectáculos, só 12 o foram na realidade. O Centro
Regional de Artes do Espectáculo (CRAE) de Évora lançado em 1996 e o CRAE de
Viseu lançado em 1998 justificam o facto de essas duas cidades não terem sido
contempladas pela rede; Lisboa “não foi identificada como cidade carenciada e, de
facto, dispõe de equipamentos culturais, nacionais ou privados em bom estado de
conservação e em actividade” (Silva, 2004a: 245); Porto, Coimbra e Setúbal não fazem,
por diferentes motivos, parte integrante da rede.
Metade dos equipamentos que compõe a rede depende directamente da autarquia
no sentido de a sua direcção ser assegurada por departamentos e divisões da câmara; a
outra metade é assegurada por empresas municipais, em que a direcção tem alguma
autonomia relativamente à orgânica da própria autarquia.
Sendo os Serviços Educativos, os responsáveis por promover a experiência
comunicacional dialógica, como diria Habermas, sabemos que estas organizações, ao
envolverem os diferentes públicos, não se limitam a apresentar manifestações culturais,
mas promovem a acção e a disputa argumentativa, ou seja, aumentam a esfera pública
no sentido intersubjectivo.22
É um trabalho a longo prazo, virado para a formação do
21
Augusto Santos Silva designa este tipo de acções por acções estruturantes, “aquelas que permitem
garantir suportes físicos, humanos, organizativos e financeiros às actividades dos agentes culturais, sejam
eles mais criadores ou mais usufruidores de bens culturais” (Silva, 1997: 44). Essas acções não se limitam
à construção e manutenção de equipamentos, como salas de espectáculo; implicam a dotação em museus,
bibliotecas, mediatecas, arquivos, escolas e a difusão organizada de bens patrimoniais. Augusto Santos
Silva acrescenta que é precisamente este tipo de acções que constitui a „obrigação primeira‟ do Estado. 22
“Nesta vontade de aproximar públicos e obras, cruzam-se actividades ligadas à produção-difusão e à
reprodução-formação, pretendendo-se, então, renovar o próprio processo produtivo. (…) A animação
pode contribuir para romper, utilizando uma expressão de Giddens, com a „fixidez espácio-temporal‟,
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gosto, vinculado ao princípio de que do despertar de apetências e hábitos de convivência
com bens e organizações culturais, desde a infância, depende o mais importante da
consolidação futura de públicos cultivados.
A análise da realidade de cada um dos equipamentos mostra-nos que
aproximadamente metade não dispõe de um serviço desta natureza; a realidade é
diferente se atendermos aos equipamentos que são dirigidos por empresas municipais,
dos 6 equipamentos, 5 têm serviço educativo. O que denota uma clara preocupação por
parte dos responsáveis em não só difundir as artes do espectáculo mas também em
desenvolver práticas educativas que permitam alcançar outro dos objectivos estratégicos
das políticas culturais, a formação de públicos, cuja realização constitui o melhor factor
de sustentação da oferta artística. “O que importa é facilitar e estruturar a aquisição
progressiva pelos sujeitos de disposições e competências necessárias ou favoráveis à
fruição cultural, o que se faz tanto melhor quanto mais oportunidades se gerar de
contacto precoce, cumulativo e prolongado com a multiplicidade das expressões, obras
e correntes que faz a riqueza da cultura” (Silva, 2004a: 261).
O conceito de “novos” públicos deve ser pensado em termos de faixa etária23
,
mas também e de acordo com o vector da democratização no acesso à cultura, a
possibilidade de realizar novas práticas e alargar as categorias sociais. “Na perspectiva
de democratização cultural que defendo, importa (…) criar condições para que, nos
diversos espaços de afirmação cultural, a recepção da obra se prolongue em
aproximação empático-sensorial ao acto criador (expressão/comunicação) e esta última
promova intervenções autónomas ou, no mínimo, atenue inibições, ao nível da criação
cultural propriamente dita” (Pinto, 1995: 195). Este processo de democratização tem
então uma dupla perspectiva, a de alargamento de públicos e a de atenuação de
distâncias entre recepção e criação, ou, como lhe chamaria Walter Benjamin, a
promoção de uma recepção táctil que desloca o espectador da contemplação para formas
de apropriação mais activas.
Cooperando regularmente com a comunidade envolvente e as suas forças
dinâmicas: escolas, associações, poderes e serviços públicos, empreendedores
subvertendo rotinas há muito institucionalizadas. Noutros casos, permite a fidelização, o alargamento e a
formação de públicos, contribuindo, mais ou menos decisivamente, para ultrapassar o mero efeito de
marketing cultural, imprescindível, sem dúvida, mas de cariz demasiado efémero (Santos, 1998: 249/50). 23
“Os jovens reentram nas preocupações culturais das câmaras municipais pela porta da educação dos
públicos e dos gostos. Mas os jovens enquanto estudantes, sobretudo nas escolas básicas e secundárias”
(Silva, 1995: 262).
6º Congresso SOPCOM 2989
económicos e sociais, criadores e estruturas de criação e produção24
, o equipamento
cultural “não está apenas a potenciar a sua procura e a assegurar o seu futuro: está
também a usar a porta nobre de entrada no meio social e o mais poderoso factor do
enraizamento nele” (Silva, 2004a: 280).
É fundamental, por outro lado, apostar na relação destes equipamentos culturais
às instituições associativas locais. “Assumir o movimento associativo, não como adorno
da democracia ou prolongamento instrumentalizado do poder administrativo, mas como
um interlocutor privilegiado e um agente dinâmico da concepção, execução e avaliação
das intervenções culturais na cidade, e em particular nos espaços públicos, parece ser a
atitude que, nesta matéria, melhor se compatibiliza com uma política simultaneamente
voluntarista e não dirigista de democratização social” (Pinto, 1995: 204). O movimento
associativo deve ser envolvido directamente na concepção das intervenções culturais.
“A debilidade das empresas culturais privadas faz com que, em cada cidade, se
destaquem como interlocutores da Câmara Municipal, para lá da administração central,
certas organizações locais de criadores e/ou consumidores, que assumem a forma de
associações ou cooperativas. (…) Nenhuma destas estruturas, que cumprem com maior
ou menor eficácia funções culturais, dispõe de meios financeiros próprios suficientes
para sustentarem as suas actividades, estando, portanto, em situações de mecenato
incipiente, dependentes de financiamento estatal. E eis outro factor de reforço do papel
das instituições do Estado na cena cultural urbana” (Silva, 1995: 258).
Por outro lado, deve atender-se à produção cultural local e às funções
patrimoniais das organizações e poderes públicos (mobilizar cidadãos para o debate e
participação colectiva sobre os futuros possíveis de cada cidade).
A intervenção cultural, “através da irrupção de configurações inovadoras de
sentido que arrasta, intervém efectivamente no estabelecimento de redes de acção
comunicacional que, em princípio, alargam o campo de compreensão dos possíveis e
apoiam o movimento dos sujeitos para se libertarem da dominação – expandindo as
„oportunidades de poder dizer e contra-dizer‟, criando „distância de emancipação‟,
mobilizando, em suma, energias e recursos político-comunicacionais recalcados” (Pinto,
1995: 201-2). Através do desempenho dos Serviços Educativos, a recepção não se
limita ao consumo ocasional de produtos-já-feitos, mas acompanha, „por dentro‟, as
24
Torna-se claro que a tríade associações, jovens e estudantes é fundamental, mas por outro lado é
também imprescindível atender a segmentos da procura e a públicos urbanos que não se reduzem aos
mencionados.
6º Congresso SOPCOM 2990
condições e os processos de produção cultural, os bastidores, as técnicas, os ensaios,
etc.
Em articulação com os organismos que trabalham em áreas sociais específicas,
abre-se ainda mais o leque de possibilidades de actuação: junto de desempregados, da
terceira idade, de grupos de risco, emigrantes, doentes e deficientes graves, ou seja, dos
excluídos. “Servem estas observações para nos fazerem compreender a excepcional
delicadeza de que se há-de revestir a concepção e aplicação de projectos de animação
cultural em espaços socialmente desqualificados. Além de terem de „gerir‟ a
complexidade inerente à heterogeneidade social dos públicos-alvo, compete-lhes
tentarem inserir-se de forma virtuosa em processos de recomposição identitária que
globalmente visem o combate à exclusão social” (Pinto, 1995: 205).
A aposta passa também pelos grupos de amigos e pelo voluntariado, pelo
trabalho prolongado ao longo do tempo.
“Importa reunir uma série de recursos: técnicos especializados, em particular
animadores/mediadores socioculturais, disseminados pelos espaços-tempos de
sociabilidade e de aprendizagem (nomeadamente as escolas e as associações) e
funcionando em rede; artistas dispostos a dialogarem e a desmistificarem a „aura‟
supostamente inacessível da criação; equipamentos com departamentos educativos
activos; domínio das problemáticas da diversidade cultural; abdicação de qualquer
„ponto de vista soberano‟, patente na tentação, tantas vezes implícita, de transmitir a
„boa e verdadeira cultura‟ ou, de um outro ângulo, as „boas maneiras‟ de se ser
espectador ou elemento de um público” (Lopes, 2003: 10).
Trata-se no fundo de redimensionar o conceito de público e dar-lhe a
abrangência suficiente para contemplar não só os visitantes e espectadores dos teatros,
mas também todos os que lhes correspondem em termos das dinâmicas locais e
regionais, estamos a falar de escolas, associações e cooperativas locais, bem como
criadores e estruturas de criação e produção.
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