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BOLETIM DA AFAP ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA n.º 51 • jUlhO • AGOSTO • SETEmbRO • OUTUbRO • nOvEmbRO • DEzEmbRO / 2013

BOLETIM DA AFAP

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BOLETIMDA

AFAP

ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA

n.º

51

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2 AFAP

BOLETIM DA AFAP N.º 51 • JULHO • AGOSTO • SETEMBRO • OUTUBRO • NOVEMBRO • DEZEMBRO / 2013 TIRAGEM 1500 EXEMPLARES

PROPRIEDADE Associação da Força Aérea Portuguesa • Av. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3º Dto. • 1050-010 LISBOATel.: 21 357 40 02 - 21 470 69 78 Fax: 21 355 04 08

[email protected][email protected]É-IMPRESSÃO/IMPRESSÃO/ACABAMENTO Alves&Albuquerque, RAL - SINTRA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Os novos Associados ...................................... 3

Editorial ........................................................... 6

Actividades da AFAP ....................................... 7

Ases da Aviação de Combate ......................... 9TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

O cantinho do Cardosão ............................... 12Major Pil(r) Adelino Cardoso

Espírito de Cavalheiros .................................. 18Coronel Pil Av (r) João Ivo da Silva

Infraestruturas da Força Aérea em África ...... 22Major ENGAED (r) Luis Ferreira Barbosa

O Combatente é: ........................................... 29

Os mísseis “Strela” na Guerra do Ultramar ... 30Ten Cor Pilav (r) José Manuel Pinto Ferreira Coronel PilAv(r) Miguel Pessoa

A operação dos Boeing 707 na Força Aérea Portuguesa ........................... 44Coronel Pil Av (r) João Ivo da Silva

Aqueles que partindo permanecem na nossa memória ................... 47

ínDIcE

3AFAP

OS nOSSOS nOVOS ASSOcIADOS

GALERIA DOS ANTIGOS E NOVOS ASSOCIADOSQUE SÃO BEM-VINDOS À VOSSA CASA

Sócio nº 45 FMaj. Gen. Alberto

Fernandes

Sócio nº 77 FDr. Francisco

Lancastre Freitas

Sócio nº 81 FDr. Adalberto Neiva

de Oliveira

Sócio nº 243Dr. Henrique Paulo das Neves Soudo

Sócio nº 438Cmdt. José Manuel

Inês Gonçalves

Sócio nº 567TCor. José Freire

de Sousa

Sócio nº 607TCor. José Manuel Guerreiro de Matos

Sócio nº 635Carlos Alberto Costa

Pires

Sócio nº 761TCor. Manuel da Silva

Faria

Sócio nº 813Cor. José Gil de

Matos

Sócio nº 824Cmdt. Florentino Lino

da Silva

Sócio nº 883Maj. Gen. Augusto de Jesus Melo Correia

Sócio nº 890Cap. José Mestre

Barreiros

Sócio nº 913Tem. Gen. José

Augusto Oliveira Simões

Sócio nº 1025Maj. Raul Pedroso

Guerra

Sócio nº 1070TCor. José João

Borges dos Santos

Sócio nº 1240Cap. Oswaldo Alves Duarte Bago D`uva

Sócio nº 1081Maj. Gen. Adriano de Aldeia Portela

Sócia nº 1315Maria Teresa Esteves

de Aguiar

Sócio nº 1127Ten. Gen. Guilherme

Pinto da Costa Santos

Sócio nº 1360Cap. Domingos Gomes Borlido

Sócio nº 1131Cor. José António

Solá da Cruz

Sócio nº 1414Cap. Manuel de Almeida Martins

Sócio nº 1167Maj. Gen. José

Cavaco Henriques

Sócio nº 1426Maj. António Baptista

Valente

4 AFAP

Sócio nº 1444Dr. Bento Manuel Grossinho Dias

Sócio nº 1459SAju. Ivo Simões de

Magalhães

Sócio nº 1544Maj. Gen. José Maria

Escarduça Dias

Sócio nº 1569Cor. Ilidio Pereira

Rodrigues

Sócio nº 1570Cmdt. António

Carvalheira

Sócio nº 2205Eng. Mário Marques

Ferreira Aleixo

Sócio nº 2242Cor. Alvaro Prata

Mendes

Sócio nº 2243António Taveiro

Rendeiro

Sócio nº 2302TCor. António Luis

dos Santos

Sócio nº 2314Cor. Anibal António

Gonçalves

Sócio nº 2330João Alberto Batista

Neves

Sócio nº 2337José Ventura da Silva

Barros

Sócio nº 2350Jaime Mendes Simão

Sócio nº 2352Cap. Alvaro de Melo

Gamboa

Sócio nº 2370Luis Manuel Oliveira

Manaia

Sócio nº 2371Cor. Pedro Pereira

Pontes

Sócio nº 2410Artur Alves da Silva

Sócia nº 2375TCor. Maria Alice Dias

Pereira

Sócio nº 2420Maj. Augusto Manuel

de Sousa Brites

Sócio nº 2376Cap. Horácio Pereira da Costa Marques

Sócio nº 2430TCor. José Azinheiro

Figueira

Sócio nº 2402Jorge Manuel Lapas

do Carmo

Sócio nº 2439Cor. José Manuel de

Almeida Pereira

Sócio nº 2403Cor. João Pereira

Araújo

Sócio nº 2440SAju. Manuel António

Amendoeira

5AFAP

Para que seja possível a inclusão da sua fotografia no próximo Boletim, desde já agradece-se

aos prezados associados que ainda não enviaram uma, do tipo passe, PARA A secretaria da afap,

que o façam com a brevidade possível

Sócio nº 2443Cor. Carlos Marcelino

Nunes Leitão

Sócio nº 2520António Lopes

Clemente

Sócio nº 2528Luis Filipe de

Campos Borges

Sócio nº 2529SSar. Carlos Américo dos Santos Ferreira

Sócio nº 2530Maj. Gen. Luis Manuel Pais de

Oliveira

Sócio nº 2531Cor. Francisco Jorge

da Costa Oliveira

Sócio nº 2532Cor. Fernando Manuel Sousa

Barbosa

Sócio nº 2534Maj. Gen. Carlos

Alberto Neves Brás

Sócio nº 2537TCor. António Pereira

Tomás

Sócio nº 2538René António

Cordeiro

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editorialCaríssimo Associado

A Direcção da AFAP, eleita para o biénio 2012-2013, está a breves dias de terminar o mandato que lhe foi outorgado pelo voto dos seus associados, reunidos em Assembleia Geral, há quase dois anos.

A missão de que esta Direcção foi incumbida, foi cumprida e os objectivos a ela asso-ciados, quase todos foram alcançados, apesar do contexto de crise financeira e de valores éticos do país, que vem induzindo perniciosos reflexos na vida de todos nós e, necessaria-mente, na de instituições, como a AFAP.

Assegurar um ambiente com o requinte que é devido a quem serve, ou serviu, a Causa do Ar, era um dos objectivos que esta Direcção se propôs alcançar e que, de algum modo, foi conseguido com as obras de conservação que foram possíveis levar a cabo nas insta-lações do “clube” AFAP, na Av. Gago Coutinho, em Lisboa, com as limitadas verbas, que estavam disponíveis.

Todavia, o preocupante objectivo de assegurar a sustentabilidade financeira da AFAP, através do aumento do número de associados, apesar de várias diligências, ficou muito aquém das expectativas desta Direcção, que se viu forçada a fazer uma depuração de só-cios com quotas em atraso, desde vários anos.

A tal crise financeira e de valores pátrios e éticos que se abate sobre Portugal, pode justificar, em parte, a falta de adesão de associados à AFAP, mas a razão principal assenta no divórcio que se vem verificando por parte de quem serve Portugal na Força Aérea Portu-guesa (Oficiais, Sargentos, Praças e Civis) que ainda não se aperceberam da invulgar riqueza patrimonial, cultural e associativa que está na AFAP, criada há já trinta anos, para os servir.

Atendendo a que alguns elementos desta Direcção não podem continuar por razões pessoais ou estatutárias, cumpre-me agradecer-lhes o modo abnegado e com excelsa dedi-cação com que colaboraram comigo na concretização dos objectivos e das acções relacio-nadas com a actividade da AFAP.

Cordiais saudações aeronáuticas para os Senhores Associados, a quem formulo, em nome de toda a Direcção cessante, os sinceros votos das maiores venturas para o Novo Ano que se aproxima.

O Presidente da Direção José Armando Vizela Cardoso Ten-General PilAv

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ATIVIDADES DA AFAP

nO SEgunDO SEMESTrE DE 2013 A AFAP LEVOu A cABO AS SEguInTES AcTIVIDADES: AssembleiA GerAl extrAordináriA

No dia 24JUL2013, na sede da AFAP, teve lugar a Assembleia Geral Extraordinária, onde os associados presentes aprovaram por unanimidade, as seguintes propostas apresentadas pela Direcção:

– Clarificação do que está escrito nos Es-tatutos, sobre sócio colectivo e fixação do valor da quota anual, em 360,00€, a cobrar aos sócios-colectivos que, entretanto entrem para associados da AFAP;

– Adesão da AFAP à PASC (Plataforma Ac-tiva da Sociedade Civil) que já reúne 36 associações (como a SEDES, etc);

– Análise do pedido de apoio da FPA (Fe-deração Portuguesa de Aeronáutica) à AFAP, com a cedência de espaço para ela poder desenvolver a sua actividade. (Nes-te ponto os sócios aprovaram a orienta-ção dada à Direcção para avaliar bem as condições de cedência de uma sala, onde a FPA (que se tornou o primeiro Sócio Colectivo da AFAP) possa desenvolver o seu trabalho, e para preparar um contrato de comodato. Logo que concluídas estas tarefas, este assunto voltará a uma As-sembleia Geral Extraordinária, para apro-vação final.

Almoços-ConferênCiAs

Nas instalações do seu “Clube”(Av. Gago Coutinho 129 -Lx), a AFAP em coordenação com a Associação de Comandos “Mama Sumé”, organizou os seguintes almoços-conferência:

– 05JUL2013, onde foi conferencista o Se-nhor Professor Dr Jorge Rangel, que abor-dou o tema “Posicionamento de Portugal no Mundo”;

– 27SET2013, onde o Senhor Coronel de In-fantaria “Comando” e ilustre Professor de História, José Henrique, abordou com a sua peculiar eloquência, o tema “A inde-pendência de Portugal; Percurso Histórico da sua Luta”;

– 25NOV2013, onde o Senhor Dr. Pactrick Monteiro de Barros, expôs sobre a “Situ-ação Energética a nível global; Sua influ-ência na economia, particularmente em Portugal.

A Direcção da AFAP reitera aos ilustres conferencistas o seu profundo reconheci-mento pela excelsa colaboração que, duma maneira desinteressada, nos vieram prestar, assegurando a concretização dos objectivos culturais da nossa associação.

30ªAniversário dA AfAP

No dia 19OUT2013, com a presença do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea e ou-tras ilustres individualidades, na sua maioria Sócios da AFAP, teve lugar nas instalações do Clube AFAP a sessão solene e o tradicio-

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nal almoço/convívio que marcaram as come-morações dos 30 anos de existência desta nossa Associação.

Na sessão solene, o Presidente da Di-recção, Ten-General PilAv(r) Vizela Car-doso proferiu um discurso onde agrade-ceu a presença do CEMFA e dos sócios nestas celebrações e focou as suas pre-ocupações em relação à sustentabilidade da AFAP, com base na quotização, pela pouca adesão de novos associados a que não é estranha a falta de espírito de so-lidariedade e de associativismo das novas gerações, que ainda servem nas fileiras.

O Senhor Professor Dr. Luiz Maria Pedro-sa dos Santos Graça, proferiu a tradicional palestra, falando com propriedade e elo-quência sobre “Portugal iluminista e as polí-ticas pombalinas”.

Esta sessão solene encerrou com a distri-buição de diplomas aos associados que com-pletaram 10 e 25 anos de Sócios da AFAP.

exPosição de Arte

De 25NOV2013 até fins de JAN2014, es-tarão expostos no Clube AFAP, alguns dos trabalhos de artes plásticas de autoria do Senhor Armando Magno.

APresentAção de obrA literáriA

A 27NOV2013 a Senhora Dr.ª Alexandra Marques fez a apresentação na AFAP, do seu trabalho literário dedicado aos últimos dias da descolonização de Angola, com o título “Segredos da Descolonização de An-gola”.

Cor. médiCo CAbrAl reGo

Foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica o Sr. Cor. Médico Cabral Rego, que tem colaborado com elevado espírito de ab-negação no apoio médico aos associados da AFAP.

A AFAP formula votos da sua rápida recu-peração.

donAtivos

A AFAP recebeu donativos em dinheiro das Empresas ANA, Aeroportos de Portugal, S.A. e DELTA CAFÉS, bem como de alguns dos nossos Associados, que com generosi-dade deram o seu contributo.

A todos a AFAP agradece reconhecida.

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ASES DA AVIAÇÃO DE cOMBATE

O FOKKEr Dr.I

Na Primavera de 1917, três Esquadras da Marinha Britânica equipadas com o novo avião Sopwith Triplane (com três asas) co-meçam a desenvolver operações aéreas na frente Oeste e, entre Maio e Junho desse ano os pilotos desta Unidade Aérea inglesa, abatem 88 aviões alemães.

Impressionados com a excelente “mano-brabilidade” do Sopwith Triplane britânico, os alemães deram início a uma serie de

projectos, com o objectivo de consegui-rem o seu próprio avião de três asas, que lhes pudesse trazer uma recuperação na vantagem no combate aéreo, que estava a pender para o lado aliado. Foram então construídos vários protótipos de aviões deste tipo “triplano” pelas fábricas Pfalz, Albatros e Fokker. Reinhold Platz, Che-fe de projectos da Fokker, desenhou um avião curto, de secção estreita e com três asas sobrepostas e em “cantilever”, para melhor se poder explorar os benefícios da sustentação e da resistência.

sopwith triplane

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Avião Albatros

Avião francês a ser perseguido pelos Albatros alemães

O novo avião da Fokker, foi designado de Dr. (abreviatura de Dierdecker que, em ale-mão, quer dizer “triplano”) I e era propulsio-nado por um motor “Oberursel”, de cilindros rotativos e com 110 hp de potência.

Werner Voss e Baron von Richthofen, ain-da em 1917, receberam os primeiros aviões Fokker Dr.I e encontraram nesta nova má-quina voadora uma elevada capacidade de manobra, em qualquer dos três eixos de mo-vimento da aeronave (em especial, no eixo vertical), e com uma razão de subida que era o dobro do veloz e ágil “caça” Albatros. Des-te modo, os alemães haviam encontrado um novo avião dotado de características essen-

ciais ao combate aéreo, que o piloto de caça tem de ter sempre presente:

> A capacidade e agilidade em manobrar em qualquer dos três eixos de movimento do avião, o que lhe possibilita fazer voltas mais apertadas e mudanças bruscas de atitude e de direcção;

> A capacidade para ganhar rapidamente al-titude e conseguir uma vantagem em ener-gia potencial que, a qualquer momento, ele pode trocar por velocidade.

Tanto Werner Voss como von Richthofen, acabaram por perder a vida nestes seus “tri-planos”; mas só depois de os terem usado com extrema eficácia, o que lhes proporcionou tornarem-se nos maiores Ases de Combate Aéreo da Alemanha, à data das suas mortes.

rittmeister (CAPitão de CAvAlAriA) mAnfred freiherr von riChthofen

Para não fugir a tradição, o jovem Manfred Richthofen, filho mais velho duma nobre fa-mília prussiana, na idade própria, alistou-se como cadete na arma de Cavalaria. Não de-morou muito tempo a ser transferido para o Serviço Aéreo, onde começou por ser obser-

fokker dr. i triplane

O triplano Fokker Dr é provavelmente o mais famoso avião de caça da primeira guerra mundial apesar de estar longe do me-lhor. Complicado na pilotagem, em parte devido ao seu motor rotativo, o avião era apesar de tudo, muito manobrável. O seu par de metrelhadoras, disparando através das pás do hélice,

davam-lhe uma grande vantagem.

Ataque do Albatros

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vador nos aviões em missões de reconhecimento e de correcção do tiro de artilharia.

Quis o destino que o Barão Manfred Richthofen se viesse a cruzar com Oswald Boelke (já abordado em artigo anterior) e, após esse encontro que o deixou muito impressionado pela perso-nalidade deste “As”, von Richthofen decidiu ser voluntário para fazer o curso de pilota-gem.

Logo que conseguiu as suas “asas” de pi-loto, von Richthofen foi convidado para servir na Esquadra de Voo “2”, então Liderada, pre-cisamente, por Oswald Boelke. Em Setem-bro de 1916, num primeiro voo como “asa” do avião de Boelke, von Richthofen conseguiu a sua primeira vitória num combate aéreo. Assim começou a lendária carreira de von Richthofen, marcada pela sua coragem, de-terminação e sagacidade táctica reforçada pelas suas qualificações que ia conseguindo como piloto de caça.

Em Novembro de 1916 já havia alcançado a sua 11a vitoria, ao abater o “As” britânico, Ma-jor Lanoe Walker. Quando conseguiu a sua 16a vitória, von Richthofen foi distinguido com a mais elevada condecoração da Prússia: - medalha “Para o Mérito”!

Em Janeiro de 1917, von Richthofen rece-beu o Comando da Esquadra de Voo N°ll e, durante a batalha de Áreas, no “sangrento Abril de 1917”, esta Unidade Aérea conse-guiu 89 vitórias, das quais 21 delas se ficaram a dever à sua destreza e capacidades de pilo-to de caça. Com esta proeza, neste período, Von Richthofen consegue a sua 52a vitória, o que o coloca bem a frente do famoso Oswald Boelke, o “As” que ele tanto admirava, que só tinha 40 aviões inimigos abatidos.

Em Junho de 1917 é formado o Grupo, JG1, que integrava quatro Esquadras de Voo, e o Comando desta nova Unidade Aérea é atri-buído a Von Richthofen.

Porque a pintura básica das aeronaves deste Grupo era o vermelho, depressa ele ficou conhecido como o “Circo Voa-

dor”. Porque o “Albatros” de von Richthofen era totalmente vermelho, começaram então a designá-lo por “Barão Vermelho”.

Em Outubro de 1917, os aviões Albatros foram substituídos pelos novos Fokker Dr.I e von Richthofen teve, efectivamente, uma adaptação muito fácil às características deste avião, sabendo-as explorar com a sensibilida-de que só um excelente piloto de caça pode fazer. O número de aviões aliados por ele aba-tidos, sobe vertiginosamente para 80!

A manobra de “immelman” com saída em “tonneaux” barrilado e em volta apertada a descer, dava a von Richthofen a possibilidade de forma rápida e eficaz, o alinhamento com a cauda do avião inimigo e o consequente abate.

No dia 21 Abril de 1918, durante um envolvi-mento com aviões aliados Sopwith Camel, da RFC 209, von Richthofen foi abatido, quando o combate já se desenrolava a baixa altitude.

O abate do Barão Vermelho é reclamado por uma bateria antiaérea inglesa e pelo pi-loto canadiano Roy Brown, voando um dos Sopwith Camel, de fabrico britânico.

Embora tenha sido Roy Brown a ficar com os “louros”, a questão sobre quem na verdade aba-teu este “lendário” As da aviação de caça, nunca terá possibilidade de vir a ser esclarecida!

tGenPilAv(r) José Armando vizela Cardoso

von richthofen

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MESTrES DE AcrOBAcIAS

Julgo que é aceite sem grandes algazar-ras intelectuais que as pessoas habilidosas bem-sucedidas na execução de determina-das tarefas, gostam do que fazem e orgu-lham-se disso. Pelo contrário, as que não têm aptidão para executar tarefas de for-ma a resultar qualquer coisa que se possa aproveitar, sempre encararão essas tarefas como abomináveis contrariedades.

Estou convicto que o prazer, ou repúdio, que as pessoas desenvolvem interiormente pela execução de certas tarefas, é conse-quência, não só de coisas melindrosas e ar-dilosas como os enredos das descendências hereditárias e os emaranhados genéticos, mas também da competência dos mestres na fase da aprendizagem responsável pela aquisição de conhecimentos que se instalam algures nos meandros misteriosos da massa encefálica e que são indispensáveis para a execução perfeita das tarefas aprendidas.

Dado que o comportamento dos Huma-nos não se encontra nas páginas amarelas das ciências exactas, a configuração gráfica colectiva do acima expresso num quadro de ordenadas e abcissas, resultaria num intrin-cado labirinto que abrangeria dados desde “génios” a “grandes nabos”.

Imagino os leitores intrigados e curiosos quanto à finalidade desta atamancada ex-planação pseudo-científica. Não se aflijam e relaxem: a finalidade é divulgar a razão por-que a acrobacia aérea foi arte para que nun-ca fui incentivado e nunca me motivou. Por isto, suspeito que, no curso de pilotagem, a minha classificação na modalidade terá sido, se não do nível de grande nabo, pelo menos de razoavelmente nabo!

Foi assim:

Deslizemos em marcha atrás até ao Ve-rão de 1954. Por essa altura, na Base Aérea Nº 1, Granja do Marquês, Sintra, o Curso de Pilotos P-1/54 explodia de actividade aérea, com os buliçosos alunos-pilotos - hipotéticos futuros pilotos - a voar nos North-American AT-6, T-6G Texan e em alguns SNJ-4, cujo estabilizador vertical deixava adivinhar a an-terior existência da âncora da Aviação Naval. Eu era um desses hipotéticos pilotos.

Como é óbvio, os alunos estavam distri-buídos aos molhinhos pelos vários pilotos-instrutores.

Os pilotos-instrutores eram, então, uns se-res investidos em deuses de classe B que se esforçavam em formatar os seus alunos com bases de dados similares às suas,

O cAnTInHO DO cArDOSÃO

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programando-os como clones. Obviamente que a concretização de programas de inspi-ração darwiniana da sobrevivência da espé-cie, apesar de meritória e narcisista, veio a revelar-se, em relação ao futuro dos alunos, excelente para uns e péssimo para outros.

O piloto-instrutor destinado a formatar-me no aperfeiçoamento da atrevida arte ornito-lógica de voar, não na forma simplista, tosca e desastrada do Ícaro, mas sim manobrando um barulhento artefacto mais pesado que o ar e mais ou menos complexo, era um jo-vem piloto miliciano, excelente no trato e que seria, supostamente, o magnífico ins-trutor a quem eu prestaria preito por toda a vida. Enfatizo o supostamente, porque, na realidade, a sua participação na minha for-mação de piloto foi praticamente nula. Mal tínhamos iniciado a instrução básica no atro-ador T-6, estampou-se com um motociclo de alta potência, do que resultou espatifar uns ossos, coisa de reparação demorada, pois que, para além do tempo necessário à co-lagem das partes danificadas do esqueleto, seguiram-se as indispensáveis judiarias dos fisioterapeutas para desemperrar as articula-ções viciadas na inércia de repouso.

Ainda antes da vitalidade locomotora ser reposta, já andava embrenhado na obtenção da licença civil de piloto comercial, o que pas-sou a absorver-lhe bastante tempo, deixando os seus alunos desamparados. Com os olhos postos na TAP, não demorou muito tempo até o seu nome constar na fabulosa e cobiçada pauta de vencimentos. Congratulo-me por poder afirmar que fez uma prestigiada carrei-ra profissional na transportadora nacional.

Neste cenário, eu era um aluno-piloto ór-fão de instrutor, que voava por caridade dos muitos e sortidos instrutores de momento disponíveis, hoje um e amanhã outro e de-pois ainda mais outro e por aí fora. Nestas

condições, os instrutores protelavam o voo de largado, chutando o voo de confirmação para o próximo voo, descarregando noutro instrutor a tremenda responsabilidade de me mandar voar só. Quero dizer: marcava pas-so no voo antes de largado, para meu deses-pero e agitação emocional!

Um dia, a tômbola dos instrutores dispo-níveis premiou-me com um jovem alferes piloto-aviador que ainda militava na lista dos não consagrados. Nesse dia, a pista em serviço era a que mais tarde deixou de ser usada, de terra batida, que, da estrada do Al-gueirão apontava à esquina do hangar Norte (hoje Museu do Ar), enviesada com a grande pista asfaltada. O voo estava a correr bem, ou, pelo menos, não estava a correr mal. Ao manobrar para o terceiro tocar-e-andar, as condicionantes do tráfego forçaram a que a aproximação final fosse exageradamente longa. Já bastante perto da cabeceira da pis-ta, tive a sensação que ia bater com as rodas antes da pista e apliquei uma pequena e bre-ve aceleração ao motor, empurrando o avião um pouco para a frente. A aterragem foi boa e, para minha surpresa, o instrutor mandou abortar a eminente descolagem e rolar para o parque de estacionamento. Saiu do avião e mandou-me fazer umas voltas de pista.

Eu nem queria acreditar: ia voar sozinho, ia ser largado!!!

O voo inaugural correu normalmente e, de-pois das habituais sevícias inerentes à praxe das largadas, o instrutor cumprimentou-me e esclareceu:

- Dissipei quaisquer dúvidas quanto à sua aptidão para voar só, quando, na aproxima-ção final e após bastante tempo com o mo-tor a potência reduzida, deu a “aceleradela” para “desengorjar” o motor, prova evidente que sabe conduzir um avião.

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Nunca lhe disse que, na realidade, não ti-nha sido bem assim…

Embora tivesse ganho asas para voar so-zinho, certo é que mantinha a situação de órfão de instrutor de voo de contacto, con-tinuando a depender da boa vontade da ge-neralidade dos instrutores, ainda que alguns resmungassem por lhes lixar o descanso no intervalo dos voos. Assim, saltitando de instrutor para instrutor, chegou a altura da instrução de acrobacia, sem que a minha or-fandade se alterasse.

Na sala de briefing (uma horrível e descon-fortável barraca metálica pintada às riscas amarelas e pretas) ouvia com atenção as narrativas dos meus companheiros sobre as suas acrobacias e cada vez me sentia mais marginalizado da instrução. Quando cumpria mais uma sessão de voo de contacto em voo-solo, que consistia em voltas e mais voltas a pranchamentos com ângulos diferentes e sempre com especial atenção para manter o nariz na linha do horizonte, era, invariavel-mente, acometido pela fúria de fazer um loo-ping, manobra que se afigurava como a mais simples e segura. Pese embora os instrutores muito avisarem para não nos anteciparmos ao programa da instrução, um belo dia resolvi passar a fora-da-lei e fazer um looping. Isto não foi uma atitude espontânea, já a tinha pla-

neado anteriormente. Cuidadosamente verifi-quei que não havia outros aviões por perto e aí vou eu, com o avião a picar e a ganhar velocidade mais depressa que eu pensava. Quando estava à beira da velocidade para in-terromper a picada e começar a subir, relam-pejou-me a ideia que estava a voar um novís-simo T-6G, que, devido aos equipamentos do voo por instrumentos, eram ligeiramente mais pesados que os veteranos AT-6. Com esper-teza de aluno, acrescentei algumas milhas à velocidade e iniciei o looping puxando o co-mando com muita força, para garantir que o avião, durante a subida, não iria perder a ve-locidade e, consequentemente, cair de cauda por falta de sustentação. Ia a meio da subida quando, subitamente, o avião dá um violento safanão, como que atingido por um relâmpa-go ou outra coisa diabólica. Meio sufocado pelo susto, tentei acalmar e perceber o que tinha acontecido, sem sucesso. Dei por mim a voar serenamente em sentido contrário ao da picada. O altímetro também me dizia que estava a voar um pouco acima da altitude a que tinha iniciado a picada. Esquisito… devo então ter admitido que fui atacado por uma nave extra terrestre…

Desconfiado, fui confirmando que o avião respondia bem aos comandos, não vislum-brei qualquer estrago nas asas e como tudo estava em boa ordem, passeei-me por ali, um pouco ao acaso, a fazer horas para ater-rar. Terminado o voo, narrei a minha aven-

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tura a um instrutor no qual depositava muita confiança, que começou por achar imensa piada ao meu grande susto, a seguir des-compôs-me por andar a fazer tontices para que ainda não estava preparado e, finalmen-te, fiquei a saber que o extravagante e as-sustador safanão foi a manifestação violenta de uma perda a alta velocidade, gracinha aerodinâmica que sucede quando se exce-de o limite aerodinâmico do avião. Resumin-do e concluindo: a manobra muito apertada provocou a perda de alta velocidade, que, por sua vez, fez o avião executar de forma autónoma a figura acrobática designada por Manobra de Immelman.

Depois disto, fiquei a desconfiar dos avi-ões que faziam acrobacia por vontade pró-pria. Conseguia assim resistir (mais ou me-nos…) à tentação de experimentar outras acrobacias sem aprendizagem prévia.

Pese embora esta e outras turbulentas aventuras, o certo é que continuei órfão de instrutor de voo que me ensinasse, com mé-todo e efectividade, as manobras que forço-samente tinha de aprender.

Enchi-me de coragem e derramei as lágri-mas do meu desconsolo no interior do pavi-lhão auricular do Director do Curso. Deu-me razão e comprovando a verdade do ditado popular optimista de que não há fome que não dê em fartura, rapidamente fui perfilha-do, não por um, mas por dois instrutores, que assumiram a penosa tarefa de fazerem de mim um acrobata exímio…ou perto disso!

Ambos sargentos, eram militares presti-giados e reconhecidos como bons instruto-res de voo. A diferença notável encontrava-se na constituição física. Um era esguio e magro, ossudo, macilento e bem fornecido de mazelas que, diziam, eram sequelas do pouco cuidado que dedicava a si próprio.

Era um homem frágil e doente. O outro, pelo contrário, era mais baixo, robusto e atlético, com boas cores que reforçavam a aparência saudável e vigorosa.

Poderá dizer-se que a partir de então a minha instrução de voo entrou na normali-dade, excepto no facto de ter instrutores em duplicado, que iam intercalando a minha ins-trução com a dos seus anteriores alunos. Às vezes não era fácil conciliar as disponibilida-des destes instrutores com os voos-solo, os de instrumentos, de formação e nocturno.

Quis o destino que os voos com os novos docentes se tenham iniciado com o instrutor vigoroso. Surpreendi-me com o seu estilo de voo tipo panela de pressão, continuamente comprimido pela força “G”. Sempre a aper-tar. Um autêntico torniquete! Dizia que sem-pre que o avião muda de atitude, temos de sentir a cadeira no rabo. Nos “looping’s” era a apertar a pontos de, por mais de uma vez, sofrer uma fugaz perda de visão (ver negro, na gíria dos pilotos). O avião tremelicava e eu tremelicava ainda mais. Terminava os voos exausto e esbugalhado e esfranga-lhado, em grande contraste com a frescura física do instrutor! Consegui copiar e aplicar a forma rude de manobrar o aeroplano e a instrução começou a correr melhor, mais ao gosto do “mestre torcionário”.

Depois das vigorosas sessões de voo, foi a vez de avançar o instrutor débil. Em voo, as-sim que comecei a manobrar o avião, fui ime-diatamente advertido que estava a ser brusco e bruto e avisado que estava a conduzir um avião e não um carro de combate, e que todo e qualquer voo é uma sequência suave e har-moniosa de mudanças de atitude.

Era uma filosofia de voo bem diferente da ouvida anteriormente, o que me pôs em aler-ta amarelo.

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Quando chegou a altura de fazer o “looping” esmerei-me para reproduzir na perfeição o que até então me tinha sido ensinado. Em voo picado, quando atingimos a velocidade esti-pulada para a execução da manobra, puxei o comando com valentia, vigor e firmeza, ao que o avião correspondeu com galhardia, interrom-pendo a descida e elevou o nariz, a amarinhar bem depressa pelo espaço acima, a caminho do topo do arco da figura. E continuaríamos a subir e ficaríamos de cabeça para baixo e sempre a sentir a cadeira a pressionar o rabo, se o instrutor lá atrás não deitasse a mão ao comando e aliviasse a carga de G’s. Gritava acusando-me de qualquer coisa no género de ser um troglodita que o queria matar por com-pressão!!! Fiquei absolutamente desconcerta-do. Tinha-me esmerado tanto para executar com perfeição e rigor aquela figura acrobática e afinal o instrutor estava a gritar nas minhas costas, lá da cabina da ré, que aquela excelsa manobra era uma atrocidade à arte das evolu-ções acrobáticas.

Aumentei a suspeita de que alguma coisa não encaixava bem. Coloquei-me em alerta laranja!!!

Depois de serenar o espírito e compor o físico, afirmou que o “looping” era uma

manobra suave e harmonio-sa. Exemplificou. Na picada, quando foi atingida a velocida-de devida, começou a puxar o comando suavemente e o na-riz foi subindo, foi subindo, foi subindo sem pressa. Quando chegámos ao topo do arco da figura fiquei de cabeça para baixo suspenso nos cintos e o avião à beira de entrar em perda. Era uma maneira dife-rente de fazer a mesma coisa! Fizemos umas tantas figuras no estilo macio e doce, até

achar que eu já estava mais civilizado. Nos “toneaux” demorava tanto tempo a enrolar os 360º em volta do eixo longitudinal que, para a minha imatura proficiência, era um milagre o avião não se despenhar por ali abaixo, apontado ao chão. Com o prosse-guimento dos voos, acabei por me habituar e apercebi-me da elegância do estilo sua-ve, muito embora exigisse mais perfeição e habilidade que o estilo violento. Decidi-damente, fui seduzido pelo estilo suave. Após alguns voos, o mestre dizia, suave-mente, que as cambalhotas já não estão a sair mal, mas ainda faz uns chouriços!!

Dois ou três voos depois lá estava eu ou-tra vez a contas com o instrutor a extravasar vigor que, perante a suavidade do meu novo estilo de pilotagem, perguntava-me se trans-portava ovos na mala do avião, ou se tinha bicos-de-papagaio inflamados e coisas as-sim que deslustravam a vitalidade dos meus vinte e poucos anos.

Então entendi claramente o que estava a encaixar mal: os estilos diferentes dos dois instrutores opunham-se e anulavam-se. Pro-jectavam em mim uma aprendizagem com transferência negativa de conhecimentos, que se anulavam e impediam o almejado

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progresso. Quando tentava justificar-me ale-gando que o outro instrutor tinha ensinado assim, ambos ficavam repentinamente sur-dos e mudos e não me davam atenção. Era como dizem os açorianos da Ilha Terceira: se queres falar comigo está calado!

Azar meu, e não havia remédio à vista! En-trei em alerta vermelho!!

Sentia-me bastante mal naquela situação de vou voar com o vigoroso, é apertar até ver negro ou então o voo é com o suave, é quase a cair em perda. Por isto, decidi que a situação não tinha jeito algum e, a abarrotar de presunção e água benta, entendi que o melhor seria inverter a situação e em vez de ser eu a acomodar-me aos estilos dos instru-tores, serem eles a aceitarem e avaliarem o meu próprio estilo de voo, especialmente no respeitante à acrobacia, que era o que mais me desgastava o miolo e o ego. Nos voos-solo treinava afincadamente a execução de manobras acrobáticas no estilo do mestre suave, que tinha adoptado por considerar que era a forma mais cómoda, elegante e harmoniosa.

Não foi uma solução inteligente da minha parte, porque os instrutores, quer o vigoroso quer o suave, consideraram que essa coisa do meu estilo era uma requintada parvoíce. Ambos depreciaram a minha aptidão acro-bática. Também não gostaram da minha re-belião independentista!

Assim, como consequência de ter sido perfilhado por dois instrutores teimosos e de estilos opostos, tramei-me, porque ambos devem ter-me qualificado de acrobata de ca-tegoria medíocre, classe nabo.

O futuro não me proporcionou a eventuali-dade de aperfeiçoar a arte das cambalhotas, pois que sempre fui colocado em esquadras

equipadas com aviões que não faziam acro-bacia: Junkers Ju-52/3m; Lockheed PV-2 Harpoon; Douglas C-47 Dakota; Nord Avia-tion N-2501 e 2502 Noratlas; CASA C-212 Aviocar. A única excepção terão sido os Curtiss Helldiver, que faziam umas figuras acrobáticas tortuosas, semelhantes às des-concertantes trajectórias das montanhas-russas.

Avião Curtiss helldiver

Ironicamente, bastantes anos depois, eu e outro piloto tentámos fazer um looping num trimotor Junkers Ju-52/3m, o máquinismo mais inconcebível para habilidades acrobá-ticas!

Junkers Ju-52/3m

E foi assim…

major Pil (r) Adelino Cardoso

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Por tradição, a aviação militar tem um es-pírito cavalheiresco.

Muitos são os episódios que, desde a primei-ra Guerra Mundial têm confirmado este espírito.

Vamos reportar um facto que, para além de representar um sentido verdadeiramente humanista, veio posteriormente a frutificar numa longa amizade entre dois homens que se confrontaram na guerra e se uniram como irmãos na vida.

São estes, o Tenente Charlie Brown da Força Aérea Americana, e o Tenente Franz Stigler da Luftwafe.

No dia 20 de Dezembro de 1943, o Tenen-te Charlie Brown fazia a sua primeira mis-são, como Comandante de B-17 do Grupo de Bombardeamento nº 379, sobre os céus da Alemanha, tendo como objectivo o com-plexo de Bremen.

A meio caminho do alvo, encontraram uma cortina de fogo antiaéreo extremamente for-te, que abateu pelo menos três aviões do esquadrão.

O avião do comandante da formação ficou severamente danificado.

O avião de Charlie Brown, que ia a asa direita do comandante, também foi seria-mente atingido na fuselagem, no motor Nº 2, que teve que ser embandeirado (parado com as pás dos hélices na perpendicular para reduzir a resistência ao avanço da ae-ronave) e no motor Nº 4 que perdeu bas-tante potência, o que lhe reduziu substan-cialmente a velocidade, ficando para trás da formação.

Charlie Brown ainda observou a queda do chefe da formação com o avião em chamas.

Muito limitado na manobra como uma ave ferida, o avião foi-se arrastando em direcção à fronteira para lugar seguro.

Subitamente, apareceram oito aviões Ale-mães que o metralharam causando-lhe pro-fundos danos na fuselagem. Mesmo assim, os seus metralhadores ainda abateram um dos aviões, havendo dúvidas no abate de um segundo avião.

Passado algum tempo, apareceram mais sete aviões que o atacaram pela retaguar-da que lhe infligiram profundos danos adi-cionais na cauda, destruindo-lhe o sistema de oxigénio para os tripulantes que, devido à altitude a que voavam, provavelmente en-traram em hipoxia (carência de oxigénio no sangue).

A bordo, um tripulante estava morto, e ou-tros três bastante feridos, incluindo Charlie Brown com um estilhaço num ombro.

ESPírITO DE cAVALHEIrOS

A tripulação do b-17 (Charlie brown é o segundo a contar da esquerda na primeira fila)

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Devido aos danos sofridos e ao estado de hipoxia dos pilotos, o avião entrou em voo invertido, perdendo bastante altitude, tendo sido recuperado da posição anormal já muito baixo por cima de um bosque. Os alemães, pensando talvez que o avião se tinha despe-nhado, abandonaram o ataque, permitindo a Charlie Brown recuperar alguma altitude, tendo ordenado ao co-piloto e ao mecânico que fossem à retaguarda para avaliarem os estragos, ficando só no Cockpit.

Nesse momento, olhando para fora, viu à sua direita um caça alemão em formação com o seu avião. Era pilotado pelo expe-riente Tenente Franz Stigler, um veterano da Guerra, abatido várias vezes, tendo sido

preso numa delas em África, conseguindo evadir-se.

O Tenente Franz Stigler tinha feito uma aproximação pela retaguarda para abater o B-17, mas não sentindo reacção do metra-lhador de cauda e vendo as metralhadoras apontadas para baixo, aproximou-se mais e constatou que o mesmo estava caído e co-berto de sangue.

Não teve coragem de abater o avião na-quelas condições.

Colocou-se então a asa do B-17, que mais pa-recia um passador coberto de buracos de balas, e viu só um piloto, Charlie Brown no Cockpit.

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Fez-lhe sinal e ordenou via comunicação rádio para o acompanhar e aterrar na Alema-nha ou ser abatido, mas Charlie Brown não reagiu e continuou o seu voo em direcção à fronteira.

Por opção da tripulação estava fora de questão saltarem em paraquedas.

Franz Stigler, bastante impressionado com o estado de destruição da B-17, tentou que Charlie Brown se dirigisse para a Suécia, que ficava a trinta minutos de voo, mas sem êxito.

O B-17 continuou a sua rota em direcção à Inglaterra.

Stigler acompanhou o avião até ao limite da sua autonomia de combustível. Depois, saudando o avião inimigo, regressou à Base.

Um verdadeiro acto de cavalheirismo!

Quando atingiu a costa, o B-17 foi escolta-do por dois P-47 que o encaminharam para uma pista segura.

Franz Stigler ainda fez mais algumas missões de combate no avião ME-262 a jacto na célebre Esquadra JV-44 dos ACE, sendo um dos primeiros caçadores a jacto do mundo.

Em 1953 emigrou para o Canadá onde se tornou um empresário de sucesso.

Charlie Brown continuou a carreira mili-tar, reformando-se em 1972 com o posto de Coronel.

republic P-47 thunderbolt

Charlie brown após aterragem em inglaterra franz stigler

b-17 à chegada

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Charlie brown franz stigler

Durante anos, esta história ficou desco-nhecida.

O piloto alemão nunca a reportou para evi-tar uma sanção disciplinar.

O piloto americano fez o relatório do facto, mas as autoridades americanas decidiram mantê-lo em segredo.

Em 1989, após ter divulgado o episódio numa reunião de antigos pilotos, Charlie Brown decidiu tentar encontrar o piloto que lhe tinha poupado a vida.

Finalmente, através do general alemão Adolf Galland, que tinha sido comandante de pilotos de caça alemães e chefe/amigo de Stigler, conseguiu que fosse publicada uma

carta no boletim da associação dos Pilotos de Caça Alemães, na qual relatava a ocor-rência e pedia o contacto de Stigler.

Passado pouco tempo, recebeu uma carta do Canadá com a morada de Franz Stigler.

Foi estabelecido o contacto e, após um encontro emotivo em 1990, tornaram-se os melhores amigos até ao fim das suas vidas, considerando-se como irmãos.

Franz Stigler faleceu em 22 Março de 2008. Charlie Brown faleceu em 24 Novem-bro de 2008.

Coronel Pil Av (r) J. Ivo da Silva

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InTrODuÇÃO

A construção das infraestruturas da Força Aérea em África iniciou-se em 1960, cerca de um ano antes do começo da guerra em Angola, tendo-se prolongado praticamente até ao final de 1974. A actividade de cons-trução desenvolvida foi muito intensa e da mesma resultou um número assinalável de aeródromos, que ainda hoje estão ao servi-ço nos países lusófonos onde se situaram os três teatros de operações da guerra do Ultra-mar, continuando a contribuir para o progres-so económico desses países.

A Força Aérea foi criada em 1952, fruto da fusão da Aeronáutica Militar do Exército e da Aviação Naval da Armada. A Direcção do Serviço de Infraestruturas da Força Aé-rea, que viria a ser responsável pela cons-trução dos aeródromos militares em África, foi criada em 1957, tendo transitado para essa Direcção uma série de oficiais da Arma de Engenharia do Exército, que tinham tido a seu cargo as obras das bases aéreas em Portugal continental e nos Açores nos anos anteriores à década de 50. Na altura as obras referidas eram da responsabilidade da Comissão Executiva de Obras Militares Ex-traordinárias (CEOME).

A Força Aérea esteve desde o seu início voltada para África. Na Ordem à Aeronáutica nº1, datada de 30/11/52, é transcrita a Lei nº2055 que cria a Força Aérea e que estabe-lece as bases da sua organização. Pode-se ler nessa Ordem à Aeronáutica, que estava prevista «a criação de Regiões Aéreas nos territórios de além-mar», que é a menção textual que se faz ás futuras Regiões Aéreas em África.

O inicio da projecção da Força Aérea para África dá-se em 1958, com uma missão a Angola chefiada pelo Sr. General Venâncio

Deslandes, mais tarde Comandante-Chefe e Governador-Geral de Angola. Esta missão tinha como objectivo seleccionar os locais onde a Força Aérea iria instalar as suas uni-dades em Angola. A missão revelou-se de importância capital, dado que em conse-quência da mesma, se mudou radicalmente a ideia com que se tinha partido relativa ao dispositivo a adoptar. O dispositivo inicial que se veio a estabelecer foi o da localização das unidades na parte norte da província, onde seria mais provável que se viessem a desen-rolar acções de guerrilha.

A projecção do Serviço de Infraestrutu-ras para África inicia-se com a criação de Direcções de Obras em Angola, em 1960, e em Moçambique, em 1961. Ainda em 1961 ascendem ambas as Direcções de Obras a Delegações da Direcção do Ser-viço, sendo chefiadas respectivamente pelos Tenente Coroneis Carloto de Castro e Kol de Carvalho. O primeiro foi mais tar-de Secretário das Obras Públicas de An-gola e o segundo Director do Serviço de Infraestruturas.

A acção do Serviço de Infraestruturas foi particularmente activa em Angola. Foi de tal modo, que quando eclodiu a guerra, em Março de 1961, no norte da província, já a Força Aérea estava pronta a operar a partir da Base Aérea nº9, em Luanda, e do Aeródromo Base nº3, no Negage, no distri-to do Uíge , um dos focos mais activos no principio da guerra. Esta última unidade foi construída de raiz pela Força Aérea. Houve muitas unidades em que o uso das pistas era compartilhado pela Força Aérea e pela Aeronáutica Civil e houve mesmo aeródro-mos em cuja construção se empenharam em conjunto as duas Organizações, daí se ter criado a certa altura em Angola um «Grupo de Trabalho Misto», com pessoal e máquinas de ambas.

InFrAESTruTurAS DA FOrÇA AÉrEA EM ÁFrIcA

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orGAniZAção dA forçA AéreA em áfriCA

A organização da Força Aérea em África no decurso da guerra do Ultramar era a se-guinte:

– Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné

Esta Zona Aérea incluía as unidades da Guiné e um Aeródromo de Trânsito na ilha do Sal, em Cabo Verde.

– 2ª Região Aérea

Esta Região Aérea incluía as unidades de Angola e um Aeródromo de Trânsito em S. Tomé e Príncipe.

– 3ª Região Aérea

Esta Região Aérea cobria as unidades de Moçambique.

Na altura a 1ª Região Aérea correspondia ao território de Portugal continental e ilhas adjacentes (hoje Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira), sendo que aos Aço-res correspondia a Zona Aérea dos Açores.

Em cada uma das duas Regiões Aéreas em África dispunha-se de uma Base Aérea, de vários Aeródromos Base e, na depen-dência de cada um destes, conjuntos de Aeródromos de Manobra, de Aeródromos de Recurso e por vezes de Destacamentos. Os Destacamentos podiam ocorrer, consoante as necessidades ditadas pelas operações, em aeródromos que não pertenciam ao dis-positivo habitual da Força Aérea.

2ª reGião AéreA, AnGolA.

Na 2º Região Aérea, em Angola, as uni-dades principais eram as seguintes:

– Base Aérea nº9, em Luanda.

– Aeródromo Base nº3, no Negage.

– Aeródromo Base nº 4 , em Henrique de Carvalho.

– Aeródromo Base nº 10, em Serpa Pinto.

– Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº21, em Belas na proximidade de Luanda.

dispositivo da força Aérea na 2ª região Aérea

A Base Aérea nº9 situava-se à ilharga do Aeroporto Internacional de Luanda, então designado por «Aeroporto Marechal Cra-veiro Lopes», hoje designado por «Aero-porto 4 de Fevereiro». Esta Base Aérea teve uma actividade operacional muito intensa no decurso de toda a guerra, es-tando nela sediadas várias esquadras, no-meadamente a esquadra dos helicópteros para fins múltiplos (transportes, evacua-ções e apoio de fogos às unidades terres-tres), a esquadra de Noratlas de transporte táctico e a esquadra de caças F-84, que na parte final da guerra chegou a operar com aviões B-26 para acções de bombardea-mento e outras.

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A Base Aérea nº9 tinha na sua depen-dência o Aeródromo de Manobra nº 95, em Cabinda, situado no enclave com o mesmo nome a norte de Angola e o Aeródromo de Recurso do Cuito Cuanavale, situado no sudeste de Angola, no distrito do Cuando-Cubango, então designado por «Terras do Fim do Mundo».

O Aeródromo Base nº3 situava-se no Ne-gage, no noroeste de Angola, no distrito do Uige. Como se referiu era um aeródromo ex-

clusivamente militar, de grande importância, sobretudo na fase inicial da guerra que se desenvolveu na frente Norte.

O Aeródromo Base nº3 tinha na sua depen-dência os Aeródromos de Manobra nº31 em Maquela do Zombo e nº 32 no Toto. Chegou a prever-se um Aeródromo de Manobra nº33 em Malange, mas não chegou a ser activado. Na zona noroeste de Angola houve ainda um aeródromo de grande importância, cuja cons-trução constitui um marco assinalável pela

base Aérea nº 9 luanda

Ab3- negage

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rapidez com que foi feita e pelas dificuldades de vária ordem que tiveram de ser superadas, que foi o aeródromo de Santa Eulália.

O Aeródromo Base nº4 situava-se em Henrique de Carvalho (hoje Saurimo), no nordeste de Angola, no distrito da Lunda.

O Aeródromo Base nº 4, tinha na sua de-pendência os Aeródromos de Manobra nº 41 em Portugália , nº 42 no Camaxilo e nº 43 no Cazombo e Aeródromos de Recurso em Gago Coutinho e na Nriquinha.Os três aeródromos de Manobra situavam-se per-to da fronteira Norte, enquanto que os dois Aeródromos de Recurso situavam-se bem a sul de Henrique de Carvalho, ao longo da fronteira Leste.

Um caso especial no Leste de Angola era o do Aeródromo do Luso que, sendo um des-tacamento do Aeródromo Base nº4, acabou por ter uma grande quantidade de meios aéreos destacados. No Luso passou a ficar sediado o Sector Aéreo do Leste (SECAR-LESTE), que dava apoio à Zona Militar Leste (ZML) do Exército.

O aeródromo Base nº10 situava-se em Serpa Pinto (hoje Menongue), capital do distrito do Cuando Cubango, nas «Terras do fim do Mundo» já anteriormente referidas. O Aeródromo Base nº10, em Serpa Pinto, começou a ser construído no final de 1971, mas não chegou a ser activado, dado a sua construção não estar concluída em 1974 no final da guerra.

Do 2º Região Aérea apresentamos foto-grafias da Base Aérea nº 9 (Luanda), do Ae-ródromo Base nº3 (Negage), do Aeródromo de Manobra nº95 (Cabinda) e do Aeródromo Base nº10 (Serpa Pinto).

A Base Aérea nº9 era, como se referiu, anexa ao Aeroporto Internacional de Luan-da, sendo as pistas existentes de utilização comum. Dispunha de uma grande placa de estacionamento, que foi ampliada no iní-cio da década de 70, quando a Força Aé-rea passou a operar os aviões B707, para o transporte das tropas entre a Metrópole e os diferentes teatros de operações. Para facilitar o embarque e desembarque dessas tropas foi construído, num curtíssimo espaço

Ab4 – henrique Carvalho

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de tempo, um edifício de Terminal de Pas-sageiros dimensionado para o número de passageiros em causa, que permitiu uma elevada velocidade de rotação dos aviões, optimizando a sua operação.

O Aeródromo Base nº3, no Negage, era de uma grande simplicidade, com uma pista única, um único caminho de circulação a es-tabelecer a ligação entre uma extremidade da pista e a ampla placa de estacionamento.

O Aeródromo de Manobra nº95, em Ca-binda, era também de pista única, mas com duas placas de estacionamento, uma militar e outra civil, situadas do lado Leste da pis-ta. Hoje em dia o aeródromo está comple-tamente rodeado de pequenas casas, que tornam a sua expansão problemática.

O Aeródromo Base nº 10, em Serpa Pin-to, foi a última unidade a ser construída pela Força Aérea no Ultramar. Tinha uma pista de mais de 3000m de comprimento por 30m de largura e duas grandes placas de estaciona-mento independentes, ambas do lado Sul da pista, uma para a aviação civil e outra para a aviação militar. O aeródromo foi e continua a ser muito utilizado pela aviação civil, não tendo a parte militar chegado a ser utilizada pela nossa Força Aérea.

Como se referiu foi construído na 2ª Re-gião Aérea, próximo de Luanda, o Quartel do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 21, que era a melhor infraestrutura da Força Aérea em Angola. O Plano Director da Uni-dade que foi inicialmente estabelecido foi cumprido com rigor e a sua manutenção e conservação foram sempre exemplares.

3ª reGião AéreA, moçAmbiQUe

Na 3ª Região Aérea, em Moçambique, as unidades principais eram as seguintes:

– Base Aérea nº 10, na Beira.

– Aeródromo Base nº 5, em Nacala.

– Aeródromo Base nº 6, em Nova Freixo.

– Aeródromo Base nº 7, em Tete.

– Aeródromo Base nº 8, em Lourenço Marques.

– Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 31, na Beira.

– Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 32, em Nacala.

Dada a configuração geográfica da 3ª Re-gião Aérea o número de Unidades da mes-ma era superior ao número de Unidades da 2ª Região Aérea.

A Base Aérea nº 10, situada na Beira, não tinha na sua dependência nenhum Aeródro-mo de Manobra, o que se deveria à distância

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a que esta Base se encontrava das zonas onde se desenrolavam as acções militares.

O Aeródromo Base nº 5, em Nacala, tinha na sua dependência os Aeródromos de Ma-nobra nº 51, em Mueda, e nº 52 em Nampula.

O Aeródromo de Manobra nº 6, em Nova Freixo, tinha na sua dependência os Aeró-dromos de Manobra nº 61 em Vila Cabral e nº 62 em Marrupa.

O Aeródromo Base nº7, em Tete, tinha na sua dependência os Aeródromos de Mano-bra nº71 em Furancungo, nº 72 em Chicoa e nº 73 em Mutarara.

O Aeródromo Base nº 8, em Lourenço Marques, não tinha unidades secundárias na sua dependência, por razões análogas às referidas para a Base Aérea nº 10.

Da 3ª Região Aérea apresentamos foto-grafias do Aeródromo Base nº 5, em Nacala, do Aeródromo Base nº 7, em Tete, e do Aeró-dromo de Manobra nº 51, em Mueda.

O Aeródromo Base nº 5, em Nacala, foi o melhor aeródromo construído pela Força Aérea no Ultramar. Tinha uma pista exten-sa e um caminho de circulação paralelo a todo o comprimento da pista, dispondo de 3 grandes placas de estacionamento. Dadas as suas qualidade e dimensão está actual-mente este aeródromo a sofrer trabalhos de melhoramento e ampliação para se tornar no aeroporto internacional do norte de Mo-çambique. Na vizinhança do aeródromo de Nacala situava-se o quartel do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 32.

O Aeródromo Base nº 7, em Tete, tinha a particularidade de ter uma placa para a aviação civil e outra para a aviação militar situadas em lados opostos da pista. Este

aeródromo vai ser também ampliado face ao desenvolvimento económico previsto para a região com a exploração das suas enormes jazidas de carvão.

O Aeródromo de Manobra nº 51, em Mue-da, no chamado planalto dos macondes, tinha uma configuração simples, com uma única placa de estacionamento dos aviões ligada à pista por dois pequenos caminhos de circulação. Teve uma actividade opera-cional intensa, tendo sido objecto de flage-lações por parte do inimigo, que chegaram a provocar o incêndio das suas instalações de combustíveis.

ZonA AéreA de CAbo verde e GUiné.

Na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné as unidades principais eram as seguintes:

– Base Aérea nº12, em Bissalanca.

– Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 11, em Bissalanca.

– Aeródromo de Trânsito nº 2, na ilha do Sal.

Havia ainda 3 Aeródromos de Manobra situa-dos em Nova Lamego, Aldeia Formosa e Cufar.

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Desta Zona Aérea apresentamos apenas fotografias da Base Aérea nº 12, em Bissa-lanca. O aeródromo tinha uma pista com um caminho de circulação paralelo em par-te da extensão da pista, dispunha de uma placa de estacionamento pequena para a aviação civil e de uma grande placa para a aviação militar. Esta Base Aérea teve uma actividade operacional muito intensa, che-gando a ter os aviões separados entre si por paredes de estrutura metálica preenchi-das com terra, como medida de protecção para evitar a propagação de estragos entre os aviões quando atingidos pelas flagela-ções do inimigo.

Como curiosidade apresentamos, ain-da da Guiné, uma fotografia de um T6 a operar na pista improvisada de Madina do Boé. Com esta fotografia prestamos home-nagem aos nossos pilotos que tinham de operar no seu dia-a-dia em condições tão adversas, ou piores, do que esta. Pistas deste tipo foram construídas às dezenas pelo Exército, nos três teatros de opera-ções, exercendo assim também uma acti-vidade de construção de aeródromos as-sinalável.

ConClUsão

Daquilo que foi apresentado pode-se in-ferir a dimensão de que se revestiu o dis-positivo da Força Aérea em África. Apesar de se terem utilizado nalguns casos pistas já existentes, foi assinalável o que se con-seguiu construir, com tamanha dispersão geográfica, em alguns lugares remotos e de difícil acesso e em tão curto espaço de tempo. As construções feitas não eram de alta tecnologia, cumpriam porém os requi-sitos militares mínimos para a partir delas se poder operar. Não querendo ser juiz em causa própria, atrevo-me a dizer que melhor seria difícil fazer, face aos meios escassos e em muitos casos bastante pri-mitivos de que se dispunha para a execu-ção dos trabalhos. Tudo isto foi possível pelo empenho e pela dedicação de todo o pessoal militar (dos quadros permanentes e milicianos) e civil que tomou parte neste esforço de guerra.

Apesar de todas as dificuldades encon-tradas e das limitações à época existentes, verifica-se que, passadas quase quatro dé-cadas sobre o final da guerra, ainda hoje muitos dos aeródromos construídos conti-nuam operacionais e ao serviço das econo-mias dos países onde se localizam. Pode-se sem exagero afirmar, que a actividade de construção desenvolvida pela Força Aérea constituiu um factor de desenvolvimento dos países lusófonos, em particular de An-gola e Moçambique.

Termino prestando a devida homena-gem a todos aqueles que deram o seu melhor na materialização do que ficou descrito e que deste mundo já partiram. BEM HAJAM.

major enGAed (r) luis ferreira barbosa

29AFAP

O cOMBATEnTE É:

Determinado, audaz e valenteAnte qualquer perigo não vacilaÉ obstinado, preciso e prevalenteGosta da vida espartana e tranquila.

No prélio, nunca se dá por vencidoE tem os pés bem assentes na terraÉ e será sempre amigo do seu amigoQuer haja paz ou em tempo de guerra.

E quando o sol já descia p’la savanaTal qual um soba d’oiro em estertorOuviram sibilar balas de ódio e tramaQue traziam, até eles, algum clamor.

Clamor mas não medo de enfrentarUm desfecho que podia ser terrívelMas que só o astro-rei, ao despertarLhes daria esse balanço imprevisível.

Nesse inferno, uma aparente calmaQue parecia aquietar-se ao anoitecerEm plagas onde deixaram a sua almaPor verem lá tantos jovens a morrer…

O combatente não é:

Subserviente, traidorPusilânime, medrosoOu um falso delator…

E tal como sempre foi, ele é lealEntão, porque não é herói nacional?

manuel Amendoeira

sócio efectivo nº. 2440

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I - A InTrODuÇÃO DO ‘STrELA’ nA guInÉ

1. O primeiro míssil russo Strela SA-7 (de-signação da NATO - Grail) foi mais sentido que visto quando uma parelha de Fiats G-91, pilotada pelos Ten Cor Brito e Ten Pessoa, executava uma missão junto à fronteira nor-te, em Campada – S. Domingos, no dia 20 de Março de 1973. O míssil passou entre os dois aviões sem atingir nenhum deles, mas tão próximo que o Ten Cor Brito sentiu o im-pacto da onda de choque do míssil.

Como era habitual sempre que um avião era alvejado, seguindo o rasto de fumo dei-xado, os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo o local de onde tinha sido fei-to o disparo, utilizando o armamento de que dispunham (bombas, 2 x 200Kg e 4 x 50Kg cada avião), com os parâmetros de tiro habi-tuais naquela época (3000 a 4000’ de altitu-de), o que poderia ter sido fatal para aqueles pilotos. No entanto não se verificou resposta por parte do IN.

imagem do míssil russo strela sA-7

A pedido do chefe da formação o segundo avião observou o exterior do outro, tentando detectar sinais de algum impacto, não tendo no entanto verificado qualquer anomalia. Os aviões regressaram à Base sem mais inci-dentes.

2. O segundo míssil, agora já detectado visualmente em 22 de Março de 1973, foi disparado contra um DO-27, pilotado pelo Fur Moreira, o qual se encontrava empe-nhado a fazer o Sector de Bigene. O piloto voava na área de Bigene e, pensando que se tratava de um disparo de RPG, como era habitual quando alguma aeronave era alvejada, pediu ao Centro de Operações Aéreas na BA12 que

enviasse para o local a parelha de Fiats de alerta.

A parelha de alerta, armada com fogue-tes e metralhadoras, descolou para Norte enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os dois pilotos dos G-91 eram os Ten. António Matos e Lourenço Marques.

Quando chegaram ao local o Fur. Morei-ra indicou o local do disparo como sendo na margem de uma mata, que corria para norte. Indicou também o local onde o tiro tinha caído, que ainda fumegava e que distava do ponto de disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu logo demasiado grande para um tiro de RPG porque o alcance máximo era de 400 metros.

OS MISSEIS “STrELA” nA guErrA DO uLTrAMAr

fiAt G-91

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Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo a orla da mata, de Sul para Norte. Neste circuito o nº 1 saía para a esquerda e o nº 2 para a direita.

Entretanto são verificados dois novos dis-paros, que não passam perto dos aviões, mas mais uma vez com um grande rasto de fumo e também com grande alcance. Mesmo assim, a surpresa continuou a fun-cionar, não tendo ocorrido a nenhum dos pilotos que se pudesse tratar de um míssil. Perante esta reacção do inimigo e porque entretanto ambos os aviões tinham esgotado o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois aviões, desta feita armados com bombas, 2 x 200 Kg e 4 x 50 Kg.

O nº 1 desta parelha não chegou a des-colar, pelo que só saiu o nº 2 que era o Co-mandante da Esquadra, Cap. Pinto Ferreira.

Chegado à zona recebe indicações da pa-relha anterior e inicia o bombardeamento. À saída do 3º passe de bombas, e já quando passava pelos 5.000 pés (1500 m), observou, vindo da sua direita, um longo rasto de um míssil em rápida aproximação ao seu avião.

Submetendo o avião aos “Gs” que a velo-cidade permitia, de imediato sentiu um forte impacto no avião, o que o levou a conside-rar ter sido atingido. No entanto, sem indi-cação na cabina de quaisquer danos, rumou em direcção à Base. Os outros dois aviões seguiram-no.

O Cap Pinto Ferreira aterra o G-91 em Bissau, constatando-se então não ter sido atingido por qualquer estilhaço.

Mais uma vez, um míssil passou demasia-do perto e o que o piloto sentiu foi a onda de choque.

3. O terceiro Strela atingiu o avião do Ten. Pessoa, em 25 de Março de 1973.

ten. miguel Pessoa

Sobrevoando o corredor do Guileje a 1.000’ (300 metros) de altitude para se fur-tar ao fogo das metralhadoras antiaéreas instaladas na Guiné-Conakry, numa missão de apoio ao quartel do Guileje, o avião do Ten. Pessoa é o primeiro a sofrer o impacto directo do míssil:

“Fui atingido na parte traseira do avião, fiquei sem motor e depois sem comandos, e deu-me a sensação de que não teria sido uma bateria antiaérea. A minha preocupa-ção, quando senti o impacto e a perda do motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar nor-malmente, com a esperança de fazer uma ignição de emergência. Procurei o aquartela-mento a que eu estava a fazer apoio de fogo, com vista à ejecção”.

O Ten. Pessoa acabou por perder o do-mínio do avião. Sem motor e sem coman-dos, sentindo o Fiat afundar-se rapidamen-te, decidiu ejectar-se. Como voava muito baixo, o pára-quedas não abriu completa-mente, mas a vegetação travou-lhe a que-da, depositando-o no chão com uma perna partida.

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Assim que se restabeleceu do choque, co-meçou a procurar um local donde pudesse disparar, relativamente abrigado das vistas do inimigo, a pistola de sinais que lhe per-mitiria ser localizado pelos aviões. Avaliando rapidamente as circunstâncias em que fora abatido, concluiu que devia estar próximo do aquartelamento de Guileje, e conseguiu determinar mesmo, e acertadamente, em que direcção ele se encontrava. Arrastou-se ainda, a muito custo, algumas centenas de metros, mas não conseguiu alcançá- lo, como era seu desejo.

Os guerrilheiros não se devem ter aperce-bido de que o piloto se tinha ejectado, pois a ejecção foi executada a muito baixa altitude. No decurso da noite, que passou dissimula-

do no meio da folhagem, Pessoa não detec-tou qualquer movimentação do inimigo nas cercanias.

Apenas no dia seguinte, quando os he-licópteros e os aviões começaram a voar na zona, é que eles poderão ter suspeitado da existência de pessoal militar no terreno. Mas quando tentaram localizar o piloto, já era tarde: pelas onze horas do dia 26 de Março de 1973, um grupo integrando ele-mentos das Operações Especiais e de pára-quedistas do BCP12, depois de o lo-calizar, transportou-o para um helicóptero onde a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes lhe prestou os primeiros socorros e o assistiu na sua evacuação para o Hospital Militar de Bissau.

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A heli-recuperação do Ten. Pessoa esteve longe de ser pacífica, tendo sido feitos dis-paros de mísseis contra os aviões de apoio à operação, nomeadamente a um T6 do Fur Carvalho, mas não causando estragos.

4. Três dias mais tarde, a 28 de Março de 1973, o Comandante do Grupo, Ten. Cor. Brito, não teve a mesma sorte da primeira vez em que fora alvejado, juntamente com o Ten. Pessoa, sendo atingido à vertical de Madina do Boé, por um míssil que provocou a explosão do seu avião.

Por volta das 12H00, o Centro de Opera-ções informara que, segundo a DGS, estaria em curso uma reunião de altos quadros do PAIGC, em Madina do Boé, considerada a capital do território independente da região abandonada em 1969 pelas nossas For-ças Terrestres (todo o sul do rio Corubal). Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi tomada a decisão de se fazer um reconheci-mento visual da zona, a baixa altitude, pelo que foi accionada a parelha de alerta, consti-tuída pelos Ten Cor Brito e Cap. Pinto Ferreira.

Chegados à área, a parelha comandada pelo Ten Cor Brito percorre para sul a estra-da que vai até à base do PAIGC na Guiné Conacri, conhecida por Kamberra, a baixa altitude, o que permitiu observar um cená-rio de viaturas militares destruídas, desde a altura em que o Exército abandonou aquela região. Não se verificou qualquer reacção do inimigo, mesmo quando sobrevoaram Kam-berra .

Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a norte em direcção a Madina do Boé. À ver-tical daquela posição, o nº 2 da formação, Cap. Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500 pés (150 m) sobre o terreno, é surpreendido pela explosão do avião do Ten. Cor Brito - que voava um pouco mais alto à sua frente - atingido por um Strela.

O IN lança outro míssil para o nº 2, que graças a manobras evasivas (mais de 3 G’s) e a baixa altitude, não é atingido.

De regresso à Base e reunidos os mais altos responsáveis do Comando da Região Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar àquele local para a recuperação do corpo do Ten. Cor Almeida Brito, apesar de haver vo-luntários para a operação.

Naturalmente que a perda do líder do Grupo Operacional da Guiné causou gran-de perturbação nos pilotos, na sua maioria jovens pilotos.

5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Nor-te do território da Guiné, a fortuna foi ainda mais madrasta para o Grupo Operacional 1201 da Guiné. Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Sil-va partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão, a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de

tenente-coronel Almeida brito

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Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.

Tendo-se perdido o contacto com aque-le avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbi-do de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje. O avião era pilotado pelo Fur Carvalho e leva-va a bordo a enfermeira pára-quedista Gisel-da Antunes.

Também este avião não chegaria ao seu destino: alvejado por um míssil Strela, que o não alcançou por muito pouco, os comandos do DO-27 ficaram tão danificados pela acção da onda de choque, que teve de regressar à base de origem. [Giselda Antunes e Miguel Pessoa vieram a casar mais tarde, tornando-se, com toda a probabilidade, num casal úni-co em todo o mundo: ambos foram alvejados por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os dois à morte.]Entretanto, para substituir o avião danificado partiu de Bissalanca outro DO-27, pilotado pelo Fur. António Carvalho Ferreira.

Tendo embarcado em Bigene o Major Ma-riz, comandante do Batalhão ali estacionado, este avião aterrou por fim em Guidaje, don-de descolou mais tarde com quatro pessoas a bordo: o piloto, o Major, um militar ferido e um enfermeiro para o assistir durante a viagem para Bissau. Apenas se sabe que, dadas as características da pista, descolou para norte, entrando por território do Sene-gal. Nunca mais foi visto!

O primeiro DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje. Transportado de imedia-to para o local em helicópteros, um pelotão de pára-quedistas limitou-se a constatar a morte dos quatro ocupantes. Nessa altura,

voando na área em protecção da acção ter-restre, o T-6 do major Mantovani foi abatido por outro míssil Strela, tendo o piloto morrido na queda do aparelho.

Manuel dos Santos, o homem que chefiara o grupo do PAIGC enviado à União Soviética para aprender a operar os mísseis, e que en-tão acumulava as funções de comissário po-lítico da Frente Norte com as de comandante dos mísseis em todo o território, podia dar-se por satisfeito: naquelas poucas semanas do primeiro semestre de 1973, os seus homens desferiram um duro golpe na capacidade operacional do inimigo.

6. O último avião a ser abatido por um Strela, antes da independência, teve lugar 9 meses depois, em 31 de Janeiro de 1974, numa missão de apoio próximo ao quartel de Canquelifá, no leste da Guiné; a parelha de Fiat’s era constituída pelos Tem. Cor Vas-quez e Tem. Gil.

O avião do Ten. Gil foi atingido ao fim do dia, durante a recuperação de um passe de bombas (a cerca de 7.000’), eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim no envelope do míssil.

O piloto ejectou-se, conseguindo fugir para Norte, passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao amanhecer, iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encon-trar a estrada Nova Lamego – Buruntuma.

Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento, constituídos por um DO-27 e Pára-quedistas transportados em ALIII, bem como uma parelha de Fiats em alerta, estacionada em Nova Lamego, com o Cap. Pinto Ferreira e o Ten. Matos.

O Ten. Gil avistou os aviões que o procu-ravam, só que, quando tal aconteceu, já se

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encontrava demasiado a Sul (que jeito teria feito um rádio... - só apareceram uns meses depois); continuou a andar e, cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa taban-ca onde pediu água.

Foi recebido de um modo amistoso, de-ram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 Pesos, a quem o levasse a um quartel da tropa. À vista de tal quantia, foi o próprio homem grande da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o levou ao posto da tropa mais próximo - Dunane, situado na estrada Piche-Canquelifá.

Aí chegados, e como os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levas-sem até um quartel com militares brancos, o que fez o homem grande pedalar rijo até Piche.

Foi desse posto avançado FT que, cerca das 17:00 e via rádio, informaram os Fiats que o “Papá Índia Lima Oscar Tango Os-car ia para (as duas letras do indicativo de Piche) de Bravo Índia Charlie Índia Charlie Lima Echo Tango Alfa”.

Chegado a Piche, o Ten. Gil pagou a dívida ao homem grande e foi transportado no Dako-ta para Bissau, onde chegou cerca das 23H00.

Devido aos excessos da comemoração acabou a noite no Hospital de Bissau; aí chegado, e como não houvesse camas dis-poníveis, foi obrigado a dormir na área da Psiquiatria; o enfermeiro, que entretanto entrara de serviço, como o viu demasiado agitado (era do chagrin ...) e estando na área dos PSICOS, resolveu amarrá-lo à cama, donde só muito mais tarde se con-seguiu libertar.

Regressou à Base na manhã de 2 Feverei-ro, sem mais problemas.

7. Em síntese, o sucesso inicial do PAIGC, teve como principal origem a falta de informa-ções sobre o sistema do míssil, seu envelope e capacidades, que deveriam ter sido anteci-padas aos operadores daquele teatro de ope-rações. Recorde-se que, o Strela ou SAM 7, era já bem conhecido da guerra do Vietname.

Foi preciso perderem-se 6 aviões e 4 pi-lotos, para se passar a operar com contra-medidas adequadas, o que permitiu não ter mais perdas durante cerca de 9 meses.

Refira-se que o PAIGC continuou a utilizar o Strela na Guiné, evoluindo para mísseis mais sofisticados, em que desapareceu o rasto de fumo que, no início, permitia o avião aperceber-se da sua aproximação supersó-nica, passando mais tarde a ser possível vis-lumbrar apenas um foco de luz, proveniente da cabeça do míssil.

Assim, a partir de Abril de 1973, na zona do objectivo o Fiat G-91 passou a manobrar por forma a manter um mínimo de 3 a 4 Gs e a retaliar de forma intensiva, com bombas de 750 libras, sempre que era lançado um míssil.

Este tipo de armamento, chegou a ser uti-lizado no apoio próximo a aquartelamentos na fronteira, caso do Guidaje onde foram largadas bombas de 750 libras no arame far-pado! Aliás este aquartelamento deixou de ser abastecido por terra, uma vez que as co-lunas militares não conseguiam passar. Ao ponto de uma coluna de veículos militares, carregados de armamento e explosivos, ter sido emboscada e abandonada pelo nossas FT, e ter sido dada a ordem ao Cap. Pinto Ferreira, para bombardear e destruir a referi-da coluna, o que foi feito.

Diga-se, em abono da verdade, que o apoio próximo habitual às tropas no terreno, com o DO-27 a fazer PCV com foguetes e o T-6 no

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acompanhamento das colunas no seu trajecto, deixou de ser exequível. O DO-27 ficou limitado às evacuações e o T-6 foi abolido. Os Fiats e os Helicópteros, com contra-medidas adequadas, continuaram a cumprir as suas missões.

ten Cor Pilav (r) José manuel Pinto ferreira

II - KurIcA DA MATA

1. 25 de Março de 1973, um domingo que tinha começado perfeitamente normal

Sento-me no chão, ainda estonteado com a sequência dos últimos acontecimentos. Procurando retomar por completo a consci-ência, tento levantar-me, mas sinto a perna esquerda falhar ao mesmo tempo que uma forte dor me atinge. Procuro uma explicação para o que me está a acontecer e tento rever o que se passou nos últimos minutos.

Começo a conseguir reconstituir toda a acção que me trouxe aqui - o apoio de fogo ao aquartelamento de Guileje, o sobrevoo do corredor do Guileje e a busca de indícios do IN na zona de Gandembel, o impacto violen-to sentido no avião, a perda total do motor, a minha tentativa de aproximação a Guile-je, o afundamento brusco do avião, a minha reacção imediata accionando o manípulo de ejecção, depois... nada!

Vejo-me agora isolado no meio da mata, com um pé torcido, segundo parece, e uma forte dor nas costas, que atribuo à violência da ejecção. Sinto que a minha vida está a andar para trás; e, afinal, o dia tinha come-çado perfeitamente normal...

Naquele Domingo, 25 de Março de 1973, tinha iniciado o meu trabalho às seis da manhã. Estava prevista uma actividade de

voo um pouco mais reduzida durante o dia, mas a parelha de alerta dos Fiats, constituída por mim e pelo meu camarada António Matos, estava a postos para o que desse e viesse; o mesmo sucedia com as outras tripulações que também tinham entrado de alerta à mesma hora: do DO-27, dos AL-III (o heli das evacuações e o heli-canhão) e as enfermeiras pára-quedistas prontas para qualquer evacuação que surgisse.

A manhã passou-se sem sobressaltos. Opto por almoçar qualquer coisa no pomposamente chamado Clube de Pilotos, junto às Esquadras de Voo. Esta sala de estar, com um bar adjacente, permite às tripulações a permanência dos pilotos junto das Esquadras, para poderem acorrer mais depressa a qualquer solicitação. O accionamento do alerta é exigente e não se compadece com comezainas demoradas - desde o accionamento do alerta até à descolagem temos um tempo máximo de 10 minutos, o que inclui sacar o equipamento de voo, dirigir-se às operações para receber instruções e os mapas 1/50.000 da zona a apoiar, ser transportado até ao avião, pôr em marcha, rolar para a pista e descolar... Exige alguma celeridade.

Aproximávamo-nos das treze horas e eu tinha começado a tomar o meu café. De repente soam os altifalantes estrategicamente colocados no corredor limítrofe das Esquadras: “Alerta aos Fiat’s!”. Imediatamente deslocamo-nos à sala de equipamentos de voo, onde sacamos o equipamento mínimo para a missão e seguimos em passo acelerado para as Operações. Aí, o Oficial de Operações do Grupo Operacional 1201 e o Oficial da Dia às Operações explicam-nos a situação.

Trata-se de um apoio de fogo solicitado pelo aquartelamento de Guileje, na

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sequência de uma flagelação com foguetões e canhões sem recuo sofrida pouco antes. Para aumentar o tempo sobre o objectivo é decidido escalonar a saída dos dois aviões, de modo a garantir uma pequena sobreposição na zona a apoiar. Sou mandado avançar em primeiro lugar; dirijo-me rapidamente para o avião e atiro-me de imediato lá para dentro - nestes casos o mecânico antecipou a inspecção exterior e poupa-nos tempo. A rolagem para a pista é feita mais depressa que o habitual e para poupar tempo faço uma descolagem de corrida. Rapidamente o Tigre Negro está no ar.

2. Quando um piloto está a mais no seu avião, só lhe resta... ejectar-se!

O percurso para o objectivo é feito com bastante potência para diminuir o tempo em rota; aproveito para verificar o armamento e o combustível e, já próximo, inicio os contactos via rádio na frequência terra-ar.

Guileje esclarece-me sobre a possível origem dos disparos e indica-me a zona do antigo aquartelamento de Gandembel como a mais provável. À medida que me aproximo da fronteira começo a baixar de altitude - o pessoal do lado de lá (Kandiafara e Simbeli, por exemplo) tem a mania de treinar as anti-aéreas se nos apanham a jeito, por isso manter os 1000 pés é uma solução de compromisso entre evitar os RPG e mantermo-nos fora da vista da AAA.

Já no local procuro indícios de movimento de pessoas ou veículos, tentando visualizar trilhos recentes. Inicio uma volta pela esquerda e nesse momento sinto um impacto forte na traseira do avião, a que se segue o ruído característico da paragem do motor, o que posso confirmar pelo decréscimo

rápido das rotações. Tento de imediato reacender o motor através da ignição de emergência enquanto, prevendo já o pior, prancho o avião para um lado e para o outro na tentativa de localizar e atingir a zona de Guileje. O motor continua parado e a velocidade não vai durar muito tempo. Quase de seguida, sinto a perda total dos comandos do avião, iniciando este uma descida brusca em direcção ao solo. Nem tenho tempo de alertar a Base - provavelmente nem me ouviriam dada a minha baixa altitude.

Estou a mais no avião e a única solução é ejectar-me. Puxo a argola de ejecção que está por cima da minha cabeça. A adrenalina multiplicou-me as forças de tal modo que nem sinto resistência ao accionar o sistema. A velocidade de raciocínio multiplicou-se igualmente. Imagino que falhou a ejecção e penso accionar a alavanca alternativa (na cadeira, em baixo, entre as pernas). Sinto então a explosão do cartucho da cadeira e deixo de ter consciência do que me rodeia. Afinal, passou-se 1/3 de segundo entre o accionamento do manípulo e a saída da cadeira...

Amparado a uma árvore, ainda tonto, tento fazer um ponto rápido da situação e deixo para mais tarde a análise do que se passou com o avião ou a maneira como acordei naquele sítio. O facto é que estou em terreno hostil, ainda distante do aquartelamento, num ambiente que é novo para mim, sozinho e quase incapacitado de andar. E se o IN viu a minha ejecção é natural que se dirija para o local para tentar apanhar-me. Pelo meu cálculo penso estar a sudoeste do antigo aquartelamento de Gandembel e considero ser a melhor opção avançar para NW, o que me aproximaria da estrada Aldeia Formosa-Guileje e do próprio aquartelamento.

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3. Obrigado ao meu kit de sobrevivência (very, very light)... e ao malogrado Ten. Cor Brito, comandante do G0 1201, que me detectou

Abro o pequeno kit de sobrevivência que nos tinha sido distribuído - na verdade o seu conteúdo é uma novidade para mim, pois embora tivesse uma ideia do que lá estava nunca tinha visto nenhum aberto. Aliás, o kit era coberto por um forro em flanela, todo cosido, o que tinha impedido uma exploração prévia do seu recheio...

O essencial é tentar iniciar a marcha com o tornozelo ainda quente, pois receio não conseguir andar quando a perna arrefecer. Estou num local bastante arborizado e com muita vegetação junto ao solo, o que dificulta a progressão. Avanço a coxear, tropeçando com frequência. Tenho receio de perder a bússola que vinha no kit, é minúscula e se a deixar cair, naquele terreno, arrisco-me a não conseguir encontrá-la. Opto por segurá-la entre os lábios, ficando com as mãos livres para me ir apoiando sempre que tropeço. Com o tempo aumentam as dores na perna e a progressão é cada vez mais difícil.

Parece-me começar a ouvir barulho de aviões a jacto - será o outro avião de alerta já à minha procura? Começo a alterar as minhas prioridades - agora a minha preocupação é tentar encontrar um local mais aberto de onde possa disparar os very-lights e ser localizado por um avião. E há que ter cuidado, que os meus recursos são limitados, para alimentar a caneta dos very-lights só tenho nove cargas - a dotação que nos era normalmente atribuída. Mas a copa das árvores não deixa muito espaço para manobra.

Finalmente, alcanço uma zona que está longe de ser a ideal mas que, dado o desnível

das copas das árvores, poderá permitir o disparo enviezado dos very-lights, o que talvez possibilite a sua visualização do ar. O facto é que já não consigo andar e as costas também me doem bastante. Não me parece que consiga sair dali pelos meus meios.

Não temos rádios distribuídos, mas no kit vêm uns fósforos presumivelmente anti-humidade. Pode ser que fazendo uma fogueira... No momento também não vejo grande utilidade no preservativo que vinha no kit. Se a ideia era servir de contentor de água, esqueçam, que aqui não há nenhuma... O mesmo para o anzol - só se for para as férias...

O ruído dos aviões começa a ser mais frequente, mas parece que a área de busca é ainda afastada. Mesmo que eles se dirijam na minha direcção não vou conseguir vê-los e eles também não irão localizar-me; a única esperança é que vejam um very-light.

Sento-me encostado a uma árvore, virado para a zona mais descoberta (ou, será melhor dizer, menos cerrada...). Ao fim de algum tempo sinto a aproximação de um jacto. Parece vir na minha direcção, mas não consigo vê-lo. A minha experiência permite-me ter uma ideia, pelo som, da direcção e da distância do avião em relação ao ponto em que me encontro; disparo o primeiro very-light - um verde, apesar de não me sentir em grandes condições físicas - mas os minutos seguintes não me dão qualquer indicação de que tenha sido visto; nem as duas horas seguintes - as minhas tentativas de ser visto não estão a resultar e já utilizei quatro dos nove very-lights (já comecei a gastar dos brancos, mas a verdade é que já estou a borrifar-me para as cores!).

Começam a aproximar-se as cinco da tarde - na Guiné a transição do dia para a

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noite ocorre cedo e com uma certa rapidez; sinto que já não tenho muito tempo para ser localizado antes de escurecer. Volto a detectar a aproximação de um avião e disparo mais um very-light. O avião passa próximo, sinto-o dar a volta e passar outra vez próximo de mim, a baixa altitude.

Fico com a esperança de ter sido visto, mas a hora seguinte não confirma as minhas expectativas. E a noite cai finalmente, avolumando-se com ela a minha apreensão, dada a minha visível inadaptação ao ambiente que me envolve. Sou perturbado por uma série de dúvidas que me assolam, para as quais não tenho resposta - Os pilotos terão visto algum very-light? Estará a ser organizada uma operação de recuperação? Como pensarão recolher-me? O IN terá detectado a minha ejecção? Irão tentar “agarrar-me à mão”?

4. Talvez a noite mais longa da minha vida

A noite vai ser certamente prolongada - e pouco dormida, seguramente. Aproveito para repousar um pouco o corpo, estendendo-me no chão, o que me permite reduzir as dores nas costas e simultaneamente dar menos nas vistas de quem se aproxime.

Tenho algum tempo para pensar no que me levou a esta situação. O IN terá pelos vistos atingido o Fiat, do que resultou a falha do motor, logo seguida da perda de comandos. Dadas as condições em que estava a voar, não tenho dúvidas de que a ejecção terá ocorrido nos limites da segurança, a baixa altitude e com uma acentuada razão de descida do avião desgovernado. Do modo como observei o pára-quedas, meio pendurado ao longo da árvore, começo a acreditar que ele apenas terá completado a sua abertura já no contacto com a árvore em que me enfeixei,

o que terá travado a velocidade da descida, acabando eu - mesmo assim - por entrar depressa demais pelo chão, provocando as lesões na perna esquerda. Calculo agora que será mais que uma entorse, embora não haja fractura completa da perna, nem fractura exposta.

Lembro-me que a minha arma pessoal - uma Walther PPK.22 - ficou guardada no anti-g, mas não tenho a certeza se não será melhor assim - a posse da arma dar-me-ia a tentação de a usar em situações em que tal não era recomendado. Bom, não tenho a arma, não vale a pena pensar mais nisso.

A noite é interminável - mantenho-me desperto embora por vezes o cansaço me faça dormitar, mas acordo logo, alertado por um qualquer barulho. A tensão da situação e a desidratação que começa a afectar-me também não contribuem para me acalmar. No escuro parece-me detectar o movimento de um insecto que brilha, mas trata-se afinal dos ponteiros luminosos do meu relógio, a que a minha visão desfocada (por falta de referências) parece dar uma sensação de movimento... Acordo outra vez com a sensação de algo encostado à minha perna (uma cobra?) - não me mexo, até porque cobras não são o meu forte; será a perna partida a latejar que dá aquela sensação de movimento? A verdade é que essa sensação passa - ou o animal se foi ou a perna deixou de latejar...

Cometo um erro ao poisar a cabeça no chão para repousar. Fico com uma orelha encostada ao chão, o que amplifica todos os sons produzidos à minha volta. O simples contacto de uma folha a cair, ao bater no chão, faz lembrar a progressão pé ante pé, de alguém que se aproxima. Apesar de a escuridão não o permitir, parece-me divisar duas sombras que se vão aproximando de mim...

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O amanhecer encontra-me exausto, mas satisfeito por ver a luz do dia. Fico a aguardar o regresso dos aviões para tentar perceber o que estão a planear. Finalmente começo a ouvi-los. É uma miscelânea de sons que vou identificando – Fiat’s, T-6, DO, AL-III. Começo a ter a certeza de que fui localizado. Pelo sim, pelo não, quando sinto a sua aproximação, disparo mais um very-light. Mas sistematicamente, parece que os AL-III se aproximam e a uma certa distância voltam para trás.

Os very-light esgotam-se finalmente. Resolvo despir a parte de cima do fato de voo e retirar a camisola interior, branca. Depois de vestido novamente o fato de voo, decido pôr a camisola interior por cima, à laia de pull-over. Espero ter assim mais possibilidades de ser detectado do ar, por fazer agora um maior contraste com a vegetação.

São nove horas da manhã - já passaram 3 horas de luz e nada. Tinha pensado que um AL-III com guincho chegaria à vertical e tentaria recuperar-me pelo ar... mas a verdade é que nenhum aparelho me sobrevoa.

Em desespero, resolvo fazer um fogo que seja visto do ar (má ideia, que ainda posso ficar carbonizado...) mas a natureza ajuda - a vegetação está húmida... e os tais fósforos anti-humidade também! Vários falham e não consigo acender nada. Quando risco o último, a cabeça salta, ainda por arder. Tiro as luvas e com a ponta dos dedos seguro a cabeça do fósforo, friccionando-a contra a lixa: começa a arder queimando-me os dedos mas apagando-se logo de seguida.

5. Um homem em apuros... mas bem educado e delicado

Resigno-me a esperar por auxílio, que da minha parte parece-me não haver

muito mais a fazer. Mas a desidratação e a tensão começam a pregar-me partidas. Pressinto a aproximação de pessoas, mas não as identifico. Começo a pensar que é pessoal do PAIGC que está a envolver-me, na esperança de poder preparar uma emboscada ao helicóptero ou helicópteros de salvamento. Chego à conclusão que o melhor é não chamar a atenção dos aviões, pois se eu pelos vistos já estou “aviado”, não vale a pena levar comigo algum camarada que esteja a tentar salvar-me.

Começo a divisar cabeças que se aproximam pelo meio da folhagem; são africanos, o que parece confirmar as minhas piores previsões; o armamento e uniformes também não são das tropas portuguesas. Sabem o meu nome (mas também não é difícil, têm provavelmente infiltrados na Base). Dizem-me para ir com eles - e eu peço-lhes “delicadamente” para se irem embora e me deixarem em paz.

Aparece o que parecia ser o chefe - de barbicha e óculos - e diz-me que é o Marcelino da Mata. Ora eu, pira de 4 meses da Guiné, embora conhecendo as referências do senhor, nunca o vi pessoalmente, mas é conhecido que ele costuma levar cantis com Fanta e Coca-Cola. Peço-lhe de beber, ao que ele anui. Provado o produto fica confirmada a identidade do meu interlocutor, o qual merece da minha parte, de imediato, um efusivo cumprimento: “Ah granda Marcelino!”.

Chega entretanto ao local pessoal meu conhecido do BCP 12 e renova-se a minha confiança em acabar bem o dia. Ao ponto de, quando sugerem a construção de uma padiola, ter recusado: “Entrei nesta mata de pé e é de pé que vou sair” - Pudera! Agora que já tenho as costas quentes...

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A deslocação até ao helicóptero não tem grande história, embora seja demorada e cansativa, pois a incapacidade da minha perna esquerda obriga-me a progredir no terreno apoiado em dois elementos das Operações Especiais, um de cada lado.

O pessoal do Marcelino tem pelos vistos a mania de provocar o IN pois, à medida que avançam no terreno, gritam para o mato “Eh F.... da P.... do C.......! Apareçam, seus C....!”, ao que eu lhes sugiro que primeiro me ponham no helicóptero e depois resolvam essa contenda com os outros, que por mim já tenho que me chegue. Só me falta que aqueles tipos comecem aos tiros uns aos outros, e eu sem me poder mexer!

Durante o percurso, noto que um dos pára-quedistas que vai à minha frente se vira para trás de vez em quando, tirando-me uma fotografia. Ora eu ainda estou um bocado descomposto e continuo com a camisola branca por cima do fato de voo. Peço uns momentos para tirar a camisola, que guardo num dos bolsos do fato de voo, e prossigo a caminhada com mais à-vontade, pois já me sinto razoavelmente enfarpelado e em condições de enfrentar a máquina fotográfica.

Apesar dos perigos, a nossa progressão começa a parecer um passeio turístico, pois chegamos a parar para tirar uma foto de grupo. O Marcelino resolve pôr uma pose mais agressiva, de catana na mão, o que,

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associado à minha cara de enfiado, mais faz parecer que fui apanhado pelo IN...

Chegamos finalmente à orla da mata, onde um AL-III nos espera.

Para apoiar aquela evacuação, o Serviço de Saúde da BA12 tinha destacado um médico.

Quando entro no heli, devo estar com um aspecto abatido pois ele decide dar-me um tónico qualquer que eu aceito de bom grado, que ainda estou com sede... E o facto é que fico com uma passada que ninguém me cala! Também, tinha estado quase 24 horas sem falar...

Coronel PilAv(r) miguel Pessoa

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AcOrDO DO ALVOr

Após o 25 de Abril, estabelecido o Gover-no de Transição para a independência de Angola, as ideologias de cada um dos movi-mentos de guerrilha e o seu enquadramen-to nas alianças internacionais, criaram um clima de confrontação que antecipava uma guerra civil a breve trecho.

O acordo do Alvor, assinado em 15 de Ja-neiro de 1975 entre o Governo Português e os três principais movimentos de libertação, MPLA, FNLA e UNITA, estabeleceu os parâ-metros para a partilha do poder entre esses movimentos, após a declaração da indepen-dência de Angola.

O regresso dos participantes no acordo do Alvor constituiu por si uma operação de certo modo complexa.

Os representantes do FNLA foram trans-portados por um avião governamental do Gongo Kinshasa posto à disposição pelo presidente Mobuto.

No dia seguinte à assinatura do acordo, o regresso do MPLA e UNITA foi garantido pela Força Aérea Portuguesa num voo para Lusaka, onde ficou a delegação da UNITA, prosseguindo para Luanda com a delegação do MPLA.

Esse transporte, a ser efectuado por um Boeing 707 apresentava várias condicionantes:

• O primeiro local de destino era a cidade de Lusaka na Zâmbia.

• O voo teria que ser efectuado a contornar a costa de África até ao espaço aéreo de Angola e dai directo até Lusaka

A OPErAÇÃO DOS BOEIng 707 nA FOrÇA AÉrEA POrTuguESA

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• O avião não podia aterrar em Angola, dado que os elementos da UNITA iam a bordo e o território, na altura dominado pelo MPLA, era hostil a esse partido.

• O sobrevoo e aterragem noutros territórios africanos ao longo da rota eram interditos à Força Aérea Portuguesa.

• O Aeroporto alternante disponível, mais próximo, era o da cidade da Beira em Moçambique.

• Teriam que ser tomadas várias precauções para evitar eventuais conflitos a bordo, onde viajavam as duas delegações, da UNITA e do MPLA, até à data beligerantes no terreno.

Feito um planeamento cuidado da viagem, verificou-se ser possível a sua realização desde que o avião estivesse com o combus-

tível máximo e o cruzeiro, logo que o peso do avião o permitisse, fosse efectuado a uma altitude de 41 mil pés.

Este voo representava uma operação no limite de performance do avião mas cumprin-do, no mínimo, todos os requisitos prescritos pelo manual do avião e pela legislação inter-nacional, nomeadamente no anexo 6 à Con-venção de Chicago (ICAO) no que se referia a reservas de combustível a bordo.

Este tipo da operação em “long range” era familiar às tripulações, dada a expe-riência adquirida nas viagens a Timor e à Austrália.

Todas as tripulações, incluindo pilotos, na-vegadores, mecânicos de bordo, operadores de comunicações, “load masters”, pessoal de cabine e mecânicos de terra, estavam rotinadas em operações sem o apoio das

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estruturas logísticas comuns às companhias aéreas comerciais.

Pode dizer-se que, quer as tripulações quer os aviões, reuniam todas as valências para uma operação autónoma, adequada às circunstâncias dos voos de transporte aéreo estratégico.

Tendo em consideração a longa duração do voo, foi escolhida uma hora de descola-gem em que se verificariam temperaturas mais baixas, que proporcionariam melho-res condições de performance e a con-sequente influência no consumo de com-bustível, bem como uma densidade mais elevada do combustível que permitiria au-mentar a autonomia do voo.

Cada minuto de voo adicional poderia ser crucial.

O voo, efectuado pelo avião 8801 foi cum-prido (e comprido!) de acordo com o planea-mento até às proximidades de Lusaka.

Como de costume, as tempestades as-sociadas à Frente Intertropical na área do Golfo da Guiné foram contornadas sem problemas de maior, tarefa facilitada dada a grande altitude de cruzeiro.

Na descida para Lusaka, a tripulação deparou-se com uma forte tempestade tro-pical que obrigou a frequentes desvios e a uma aproximação debaixo de forte turbu-lência e chuva diluviana.

A cerca de 10 mil pés de altitude, o lado esquerdo do nariz do avião foi atingido por uma faísca que, embora não tenha provoca-do qualquer dano no avião, varreu o mesmo no exterior da fuselagem até à cauda, cau-sando uma forte reacção nos passageiros.

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Finalmente, na altitude mínima de apro-ximação ILS, lá apareceram as luzes da pista, altamente distorcidas pelo efeito da chuva, tendo sido efectuada uma aterra-gem normal.

Quando o avião chegou ao estaciona-mento e os motores foram parados após cerca de 12 horas de voo (um dos voos mais longos efectuado pelos B-707 da For-ça Aérea Portuguesa), o Dr. Jonas Savimbi foi o primeiro a aproximar-se da porta de saída.

Como era rotina, o Comandante estava junto da mesma para apresentar as despe-didas às entidades transportadas.

Aberta a porta, verificou com espanto a presença no topo da escada de dois Zam-bianos com um grande chapéu-de-chuva com o pano aos gomos verdes e amarelos, sob uma chuva torrencial, que se voltaram para o Dr. Savimbi com esta frase:

HELLOW BROTHER!

Desembarcada a delegação da UNITA e abastecido o avião, o voo de regresso por Lu-anda foi efectuado sem qualquer problema.

Missão cumprida! Descolaram, aterra-ram, não partiram, foi um sucesso!

Coronel Pil Av (r) J. ivo da silva

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AQuELES QuE PArTInDO PErMAnEcEM nA nOSSA MEMÓrIA

Prof. António Simões Lopes1934-02.-03 — 2012-12-17

TCor. Mário da Luz y Campeans de Oliveira

1925-02-05 — 2013-05-12

Cor. António de Almeida Cardoso1934-02-16 — 2013-01-17

MGen. Abel da Silva Mendes1930-04-22 — 2013-05-12

Cor. José Guilherme Mansilha1935-08-21 — 2013-05-17

Cor. Vitor Manuel Maia Pita1955-08-12 – 2013-03-13

Ssar. João António Roballo Severino

1933-02-05 — 2013-05-13

António Ribeiro1940-07-05 — 2013-07-06

Rodrigo Nuno Pina e Freitas1936-05-24 — 2013-05-01

Maj. António Jorge Cardoso da Costa

1963-04-07 — 2013-07-11

ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESAAv. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3.º Dt.º • 1050-010 lISbOA

Um campo de EstrelasO Campo transmudou-se tão de repente,Quando se anunciava o nascimento de Jesus.As orquídeas não pareciam flores, tão fulguentes,Pareciam estrelas de magnífica e estranha luz!

Preparavam-se para a chegada do menino,Extasiavam de amor, perfume e emoção,Ficou tão lindo o campo, e o esplendor divino,Parecia ter colocado, em cada flor, um coração.

Não sabia se era o palpitar ou o refulgir,Que balançava sobre as hastes delicadas,Não eram flores que nos vinham seduzir,Brilhando e palpitando à beira das estradas.

Como um tapete de jóias fulgurantes,Essas orquídeas acenderam-se em grande luz!E só voltaram a ser flores, como antes,Para enfeitarem a menjedoura de Jesus.

Mírian Warttusch

A AFAP deseja aos prezados associados e famílias, Boas Festas e um Feliz Ano Novo de 2014