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Fr anca, 2014 Adoção à Brasileira e os novos rumos das Jurisprudências Ingrid Juliane Dos Santos Ferreira 1 RESUMO: O presente artigo busca analisar as mudanças em relação ao tratamento dado à adoção à brasileira durante os últimos tempos através da análise de jurisprudências. Tal adoção é ilegal no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, é demasiadamente praticada no país. Observa-se que, após o advento do Estatudo da Criança e do Adolescente, do princípio do melhor interesse da criança e do advento do novo Código Civil de 2002 e da Lei Nacional 12.010/09, houve uma grande mudança nos paradigmas da adoção, graças à uma primazia do vínculo afetivo em detrimento do biológico, que corrobora significamente para a ocorrência de tal prática ilegal, assim como a sua não punição. Palavras-chave: Adoção à brasileira, socioafetividade, princípio do melhor interesse da criança, Estatuto da criança e do adolescente, Prioridade absoluta ABSTRACT: This article seeks to analyze the changes concerning the 1 Graduanda em direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Adoção à brasileira e os novos rumos da jurisprudência

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O presente artigo busca analisar as mudanças em relação ao tratamento dado à adoção à brasileira durante os últimos tempos através da análise da jurisprudência. Tal adoção é ilegal no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, é demasiadamente praticada no país. Observa-se que, após o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, do princípio do melhor interesse da criança e do advento do novo Código Civil de 2002 e da Lei Nacional 12.010/09, houve uma grande mudança nos paradigmas da adoção, graças a uma primazia do vínculo afetivo em detrimento do biológico, que corrobora significativamente para a ocorrência de tal prática ilegal, assim como a sua não punição.

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Franca, 2014 Adoo Brasileira e os novos rumos das Jurisprudncias Ingrid Juliane Dos Santos Ferreira

RESUMO:

O presente artigo busca analisar as mudanas em relao ao tratamento dado adoo brasileira durante os ltimos tempos atravs da anlise de jurisprudncias. Tal adoo ilegal no ordenamento jurdico brasileiro, contudo, demasiadamente praticada no pas. Observa-se que, aps o advento do Estatudo da Criana e do Adolescente, do princpio do melhor interesse da criana e do advento do novo Cdigo Civil de 2002 e da Lei Nacional 12.010/09, houve uma grande mudana nos paradigmas da adoo, graas uma primazia do vnculo afetivo em detrimento do biolgico, que corrobora significamente para a ocorrncia de tal prtica ilegal, assim como a sua no punio.

Palavras-chave: Adoo brasileira, socioafetividade, princpio do melhor interesse da criana, Estatuto da criana e do adolescente, Prioridade absolutaABSTRACT:

This article seeks to analyze the changes concerning the understanding of the courts related to the so called adoo brasileira by the examination of case law. Such a method of adoption is illegal according to the rules of Brazilian Law. Nonetheless, it is common practice in that country. After the adevnt of the Statute of the Child and of the Adolescent, of the principle of the best interests of the child, of the new Civil Code of 2002 and of the National Law of Adoption 12.010/09, there was a great transformation in the paradigms of the adoption, thanks to the primacy of the affective bond over the biological, which corroborates significantly to the occurrence of tis illegal practice, keywords: Brazilian adoption, socioafetividade, principle of the best interests of the child, status of children and adolescents, absolute priority

Palabras-chave: Adopcin de Brasil, socioafetividade, principio del inters superior del nio, el estado de los nios y adolescentes, prioridad absoluta

1) INTRODUO:

Preliminarmente, faz-se necessria uma abordagem sobre a evoluo histrica acerca do processo de adoo regular para que haja melhor entendimento sobre as mudanas ocorridas no tratamento dado adoo brasileira. Por isso, sero introduzidos todos os processos de adoo j existentes no ordenamento brasileiro, desde a gnese das normas formais referentes adoo at o sistema atual.

Observa-se que antes do advento do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8.069/1990), assim como da Lei Nacional de Adoo (Lei 12.010/2009) e do Cdigo Civil de 2002, o qual reiterou os princpios da dignidade humana e do melhor interesse da criana institudos pela Contituio Federal Brasileira de 1988, o sistema judicirio adotava uma postura mais rgida que a atual nas sentenas referentes adoo brasileira e sua punio. Hoje, percebe-se que as famlias que dispuseram desse meio ilegal para obter a guarda de uma criana conseguem sentenas favorveis, de tal sorte que a guarda da criana se mantm com aqueles que a obtiveram ilegalmente e estes, por sua vez, permanecem impunes.

A referida mudana est estritamente ligada s diferentes valoraes dadas afetividade ao longo dos anos pelo ordenamento jurdico. Hodiernamente, os princpios da socioafetividade e da dignidade humana passaram a ser os norteadores do Direito de Famlia, sendo frequentemente utilizados como fundamento de decises dos tribunais quanto ao reconhecimento do vnculo jurdico deste tipo filiao, assim como a no punio dos pseudo-adotantes.

2) ASPECTOS GERAIS DA ADOO NO BRASIL

A adoo no Brasil regulamentada pelo Cdigo Civil e pelo Estatuto da Criana e do Adolescente. Consiste, luz de Maria Helena Diniz:

No ato jurdico solene pelo qual, observados os requisitos legais, algum estabelece, independentemente de qualquer relao de parentesco consangunio ou afim, um vnculo fictcio de filiao, trazendo para sua famlia, na condio de filho, pessoa que, geralmente, lhe estranha.

A adoo d origem a uma relao jurdica de parentesco civil entre o adotante e o adotando, permitindo com que aqueles que no possam ter filhos pelo vis natural sejam possibilitados de exercer a ddiva da paternidade e tambm com que aqueles que no tm pais recebam assistncia e uma melhor condio de vida. Sendo, portanto, medida de proteo, bem como instituio de carter humanitrio.

O procedimento da adoo regulamentado pelo artigo 50 do Estatuto da Criana e do Adolescente, o qual sofreu alterao pela Lei 12.010/2009, e tem como requisitos legais bsicos: (i) plena capacidade do adotante, independentemente do estado civil; (ii) diferena mnima de 16 anos de idade entre o adotante e o adotando; (iii) consentimento do adotante, do adotando e de seus pais; (iv) irrevogabilidade da ao; (v) realizao de estgio de convivncia com o adotando; (v) comprovao de estabilidade familiar, caso a adoo se d por conjuges ou conviventes; (vi) acordo sobre guarda e regime de visitas se a adoo se der entre ex-companheiros, divorciados ou separados que pretendam adotar conjuntamente a mesma pessoa; e (vii) prestao de contas da administrao e pagamento dos dbitos por tutor ou curador que pretenda adotar pupilo ou curatelado.

Os candidatos interessados em adotar devem manifestar sua vontade em qualquer Vara da Infncia e Juventude atravs do preenchimento de fichas e entrega de documentos para que se d incio ao processo de adoo.

Posteriormente, os candidatos passam por um perodo de estudo psicossociopedaggico, realizado por psiclogos e assistentes sociais, os quais elaboraro parecer tcnico a ser encaminhado para o Ministrio Pblico. Sero desqualificados os canditados que no oferecerem ambiente familiar adequado, ou revelarem incompatibilidade com a natureza da adoo (art. 29 ECA), e aqueles que no oferecerem reais vantagens para o adotando (art. 43 ECA).

Aps a investigao feita pelos rgos tcnicos do juizado, ouvido o Ministrio Pblico, e tambm a uma preparao psicossocial e jurdica orientada pela equipe tcnica da Justia da Infncia e da Juventude preferencialmente com o apoio dos tcnicos responsveis pela execuo da poltica municipal de garantia do direito convivncia familiar os adotantes designados como aptos pelo juiz competente sero habilitados a entrar para a fila do Cadastro Nacional de Adoo, uma ferramenta criada para auxiliar e agilizar o servio de juizes das Varas da Infncia e da Juventude na conduo dos procedimentos de adoo atravs do mapeamento de informaes unificadas.

Os pretensos adotantes ao se inscreverem em tal cadastro j informam suas preferncias em relao ao futuro adotando quanto escolha do sexo, cor da pele, cor dos cabelos, idade e etc.. Consequentemente, quanto menos requisitos forem exigidos, menor ser o tempo de seleo.

Aps a escolha da criana atravs do cadastro e antes de se formalizar a adoo, exigido por lei um estgio de convivncia, no qual o adotando e o adotante vo gradativamente se conhecendo.

No estgio de convivncia, o adotante pode desistir da adoo, vez que esta ainda no est formalizada. Da mesma maneira, o Juizado, ao entender que h qualquer fator prejudicial para a criana, pode revistar as concesses de guarda provocando o retorno da criana ou adolescente ao Juizado, pois sua funo zelar pelo interesse do adotando. Ressaltando que aps o final deste estgio e formalizada a adoo, no mais poder o adotante desistir e simplesmente devolver o infante, pois a adoo tem carter irrevogvel.

Quando encerrado o processo de adoo legal, o adotando passa a gozar dos mesmos direitos dos filhos biolgicos, sem qualquer ressalva ou identificao que possa diferenci-lo. Alm disso, seus vnculos familiares anteriores so cancelados, no permitindo quaisquer questionamentos futuros. O processo de adoo por vias legais goza de total segurana e proteo judicial, caso estas se faam necessrias.

A lei no faz qualquer distino em relao ao estado civil do pretenso adotante. Contudo, na hiptese de ser casado ou manter uma relao de concubinato, a adoo dever ser feita, necessariamente, por ambos, sendo certo que a estabilidade da unio ser objeto de avaliao.

Vale ressaltar que os irmos no podem adotar os prprios irmos e os avs no podem adotar os seus netos. Contudo, podem obter a guarda dos seus irmos e netos, respectivamente.

Todo o processo para se adotar uma criana recebe muitas crticas quanto sua excessiva burocratizao, a qual aumenta ainda mais a morosidade na concluso da adoo, sendo a etapa mais longa a da escolha da criana a ser adotada, devido s vrias exigncias feitas pelos adotantes mormente em relao idade e etnia.

Contudo, tais trmites legais foram concebidos sob o ideal de garantia do melhor interesse da criana, de forma a se evitar potenciais negligncias, abusos ou rejeies.

3) EVOLUO HISTRICA E NORMATIVA DA ADOO NO BRASIL3.1) Adoo no Cdigo Civil de 1916

O Cdigo Civil de 1916 estabeleu as primeiras normas formais referentes adoo na legislao brasileira. priori, os candidatos interessados em adotar deveriam ser 18 anos mais velhos que o adotando e ter mais de 50 anos, pois acreditava o legislador que tal ato deveria ser efetuado apenas por aqueles detentores de maior grau de maturidade, vez que o arrependimento poderia gerar danos irreparveis para as partes.

Os adotantes tambm no poderiam ter descendentes legtimos ou legitimados e duas pessoas no poderiam adotar conjuntamente se no fossem marido e mulher. Era exigido o consentimento da pessoa que tivesse a guarda do adotado. A adoo no tinha carter irrevogvel e poderia ser dissolvida pela conveno entre as partes ou quando alegada a ingratido do adotado contra o adotante.

luz do Juiz de Direito da Vara da Infncia e da Juventude Gustavo Scaf Molon: Note-se que a exigncia de que o adotante no tivesse filhos legtimos ou legitimados comprova que a finalidade primordial da adoo era suprir a vontade de pessoas infrteis e no proteger a criana e garantir seu direito de ser criada em uma famlia.

Ademais, exceto quanto aos impedimentos para convolar npcias, o parentesco se dava apenas entre o adotante e o adotado. Os efeitos gerados pela adoo no eram extintos pelo nascimento posterior de filhos legtimos, exceto se a concepo tivesse precedido o momento da adoo.

Quanto aos direitos sucessrios, interessante se faz a anlise do recorte da seguinte apelao cvel do ano de 1916:N. 6719 Ribeiro Preto Apellantes Antonio Nogueira e outro. Appellado, espolio de d. Maria Alvim Nogueira

Em Ribeiro Preto surgiu numa causa certa esta questo: pode o filho adoptivo concorrer herana do pae adoptante com os filhos legtimos deste, ou mesmo com os filhos naturaes? O juiz decidiu que no e o Tribunal confirmou a sentena.

No caso em debate, declarou o sr. ministro Whitaker, nem existia a adopo no sentido legal. Para que haja adopo em face da lei, necessario que o acto do adoptante estabelecendo-a seja confirmada judicialmente, ella no ficar completa e no poder produzir effeitos em relao a terceiros. O que havia no caso era apenas a declarao do adoptante, feita em testamento, do que adoptava como filho a pessoa que ora invocara essa qualidade. Nada mais. exacto que o Cdigo Civil Brasileiro no exige essa formalidade de confirmao judicial para que a adopo se tenha por existente. Mas, o Cdigo Civil ainda no est em vigor. O que regula o caso a legislao vigente e essa no dispensa a confirmao judicial.

Mesmo, porm que a adopo estivesse completa, ainda assim o filho adoptivo no tinha direito que reclamava. Na legislao vigente os princpios dominantes em matria de adopo so estes: o filho adoptivo no fica equiparado aos filhos legtimos nem aos naturais simples; no pode, to pouco ser chamado de successo a successo ab intestato. O nico direito que elle tem o de pedir alimentos. As leis de successo no cogitam do filho adoptivo. No se, pde, nestas condies appelar para o Direito Romano e com base nelle estabelecer uma classe de herdeiros de que as leis patrias no curam. O prprio Cdigo Civil no d esse direito successorio em que estatue que no caso de morte do filho adoptivo, sem deixar descendentes, a successo dever ser recolhida pelo pae natural e no pelo pae adoptivo.

O Cdigo de 1916 ainda mantinha a vinculao pelo parentesco do adotado com a famlia natural e a possibilidade do rompimento da adoo, pois os direitos e deveres resultantes do parentesco natural permaneciam, exceto o poder familiar, que se transferia ao pai adotivo.

Neste contexto cabe salientar os dizeres de Jayme Abreu sobre a adoo no Cdigo Civil de 1916: Havia obstculos legais integrao total do adotando famlia do adotante. A criao do parentesco civil, exclusivamente entre adotado e sua famlia natural. A possibilidade do rompimento da adoo, de comum acordo, ou unilateralemente, pelo adotado, quando completasse a maioridade, e pelo adotante, por ato de ingratido.

Vale ressaltar que no Cdigo Civil de 1916 a adoo era feita por escritura pblica, sem a intromisso de um juiz, como afirma a regra prevista no artigo 375: A adoo far-se- por escritura pblica, em que se no admite condio, nem termo. O Cdigo Civil de 2002 aboliu tal medida e hoje no existe mais qualquer tipo de adoo por escritura pblica, sendo necesria a interferncia de um magistrado, a fim de garantir esse direito que de ordem pblica. No contexto hodierno, toda adoo deve ser assistida pelo poder pblico.

O advento, em 1957, da Lei n. 3.133 trouxe diversos avanos ao contedo do Cdigo de 1916. O refrido diploma mudou a idade mnima de 50 para 30 anos, a diferena para 16 anos e as pessoas que j possuiam filhos naturais passaram a ter permisso para adotar. Observa-se que a partir deste momento a adoo passou a apresentar natureza assistencial, embora ainda no houvesse direitos sucessrios ou igualdade de filiao.

Posteriormente, em 1965, foi aprovada a Lei n. 4.655; a qual previu a legitimao adotiva e constituiu a adoo por deciso judicial.

Em 1979, foi aprovada a Lei n. 6.697, que estabeleceu o novo Cdigo Brasileiro de Menores. Ressalta-se que antes do advento deste Cdigo, todas as adoes eram reguladas pelo Cdigo Civil, independentemente da idade do adotado.

No Brasil, apenas com a instituio do Cdigo de Menores que se observou maior progresso na questo da adoo. A aventada lei criou duas formas bsicas para adoo: a Adoo Simples, regulamentada pelo Cdigo Civil, e a Adoo Plena, regida pelo Cdigo de Menores. A Adoo Simples, tambm denominada adoo tradicional ou adoo civil, era realizada atravs de escritura em cartrio, um contrato entre as partes, enquanto a Adoo Plena era aquela em que o menor adotado passava a ser, de forma irrevogvel para os efeitos legais, filho dos adotantes.

A adoo plena desvinculava o adotando de qualquer vnculo com os pais biolgicos, pois tinha como finalidade acolher o desejo dos adotantes de trazer ao seio da famlia o menor abandonado como um filho e proteger a sua infncia. O instituto era, por conseguinte, destinado aos menores de 18 anos.

Com a introduo da Lei n 6.697/79, a adoo de menores deixou de ser um ato em que o principal interesse jurdico protegido era o do adotante. O Estado passou a ter uma participao mais ativa, por meio de autorizao judicial, sem a qual no haveria a adoo, pois sua interveno era necessria para que fossem preenchidas as formalidades para a consumao do ato adotivo. Protegia-se, assim, a pessoa e o bem-estar do adotado menor.

Fundamentando-se em vrias premissas do Cdigo de Menores, a Constituio Federal de 1988 consagrou o princpio da igualdade entre os filhos, encerrado no 6, do artigo 227, in verbis: "Os filhos, havidos ou no da relao de casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao".3.2.1) O Estatuto da Criana e do Adolescente

O Estatuto da Criana e do Adolescente surgiu como uma alternativa ao antigo Cdigo de Menores de 1979, numa nova tentativa de delimitar os direitos da criana e do adolescente como dever da famlia, da sociedade e do Estado. Esses direitos devem ser assegurados com prioridade absoluta, sob a premissa de que uma das prerrogativas mais bsicas e primordiais do ser humano o direito convivncia familiar e comunitria.

A base estruturante de tal Estatuto a doutrina de Proteo Integral, a qual proporcionou diversas mudanas para o ordenamento jurdico, pois reconheceu as crianas e os adolescentes como sujeitos de direito que merecem proteo especial devido sua condio peculiar de pessoas em desenvolvimento, no sendo mais comparados aos incapazes por ausncia de discernimento.

A proteo integral uma a nova perspectiva de proteo no mais focada no infante em si, mas nos seus direitos. Observa-se que houve o deslocamento da percepo da situao irregular da criana ou adolescente, visto que a irregularidade passou a ser vista no mais no infante, mas sim nos adultos, nas instituies e nos servios sociais ao violarem ou ao ameaarem os seus direitos. Outrossim, proporcionou uma atuao do juiz de forma mais tcnica, limitada pelas garantias judiciais e em mbito estritamente jurisdicional, evitando o paternalismo e a arbitrariedade judiciais.

Ademais, ocorreu a descentralizao das competncias decisrias, vez que a participao da sociedade, das crianas e dos adolescentes possui maior importncia, tendo os ltimos suas opinies levadas em conta durante o processo de adoo.

Atualmente a adoo regulamentada pelo artigo 39 do Estatuto da Criana e do Adolescente segue os mesmos princpios tanto para menores, como para maiores de 18 anos.

Como leciona Slvio de Slvio Venosa: no atual Estatuto da Criana e do Adolescente j no h distino: a adoo dos menores de 18 anos uma s, gerando todos os efeitos da antiga adoo plena. O estatuto menorista posiciona-se em consonncia com a tendncia universal de proteo criana, assim como faz a Constituio de 1988, que em seu art. 6, ao cuidar dos direitos sociais, refere-se maternidade e infncia. Nos arts. 227 e 229 so explicitados os princpios assegurados criana e ao adolescente, descreve que a criana ou adolescente tem direito fundamental de ser criado e educado no seio de uma famlia, natural ou substituta (art. 1)

Os filhos biolgicos foram equiparados em direitos aos filhos concebidos fora do casamento e aos filhos adotivos, sendo proibida qualquer forma de discriminao, de acordo com o art. 227, pargrafo 6, da Constituio Federal.

O ECA reconheceu a criana como uma pessoa em desenvolvimento, a qual passou a ser tratada com relevante importncia, e elevou o adotado condio de filho, com igualdade de direitos em carter irrevogvel.

Fato importante a relatar o de que no contexto atual, o vnculo afetivo passou a ser muito mais valorizado dentro da famlia, enquanto que o patrimnio e o sangue, que outrora eram vnculos tradicionais na formao da famlia, foram dispensados. Ou seja, a afetividade passou a ser o princpio norteador do direito de famlia, propiciando uma mudana nos paradigmas da adoo. A ttulo de exemplo, temos o art. 28, paragrafo 3, do Estatuto da Criana e do Adolescente, o qual determina seja apreciada a relao de afinidade ao se escolher famlias substitutas.

Depreende-se que agora as regras jurdicas da adoo visam prevalncia dos interesses, direitos e necessidades do adotando e que a parentalidade passou a ser encarada e construda a partir da vinculao afetiva, e no por laos biolgicos ou jurdicos.

A adoo baseada na afetividade possibilita a realizao de todos os sujeitos da relao familiar, seja a vontade de ter filhos dos adotantes que no os podem ter, seja a possibilidade de reconstruo do direito de convivncia familiar do adotando. O ato perde o sentido da caridade para se tornar uma verdadeira relao entre pais e filhos, na qual ambos se adotam e estabelecem vnculos de amor recprocos.

3.2) Cdigo Civil de 2002

Com o advento da Lei 10.406/2002 que instituiu o novo Cdigo Civil, a adoo no mais passou a ser celebrada entre partes, sem a interveno de magistrado. Isto , a sentena seria o nico meio de se conseguir a adoo, mesmo que seja de uma pessoa maior de 18 anos, de acordo com o art. 1.623, pargrafo nico, do referido texto normativo. Eis que a adoo deve sempre ser assistida pelo Poder Pblico. Ademais, o cdigo extinguiu a diferena entre as formas de adoo para maiores e menores de 18 anos e equiparou os adotandos aos filhos legtimos.

Observa-se que a adoo no Cdigo Civil de 1916 deixava o adotando em segundo plano, visando mormente os adotantes. Tal aspecto no mais se v pelo prisma do novo Cdigo Civil. A adoo passou a ser encara sob uma perspectiva assistencial, dando primazia afetividade entre os adotantes e os adotandos em detrimento de aspectos financeiros.

Vale ressaltar que o novo Cdigo Civil no alterou em nada o ECA e o princpio de proteo integral nele contido. 3.2.2) Lei Nacional 12.010/09

A adoo no Brasil foi reformulada pela chamada Lei Nacional de Adoo (Lei 12.010/09), a qual procurou obter uma maior simplicidade e rapidez nos processos de adoo atravs da desburocratizao, bem como promover a reduo do tempo de permanncia das crianas em abrigos para no mximo dois anos.

Criou-se o Cadastro Nacional de Adoo, que rene todas as pessoas desejosas por adotar um filho, assim como todas as crianas a serem adotadas. Houve uma ampliao da lista de famlias, pois o cadastro passou a ser nacional e no mais regional, visando aumentar as oportunidades para que as crianas venham a ter uma famlia.

A Lei Nacional de Adoo estabeleceu uma preparao psicolgica, promovendo adoo de pessoas mais velhas, com problemas de sade, indgenas ou negras e de um maior esclarecimento sobre o que a adoo.

Atravs do novo diploma criaram-se os conceitos de famlia substituta e famlia extensa, sendo a primeira aquela que acolhe a criana ou o adolescente desprovido de famlia natural e laos de sangue, e a segunda constituda por parentes prximos como tio, avs e outros, com os quais o adotando mantm vculos afetivos, tendo esta prioridade em detrimento da famlia substituta quanto ao encaminhamento da criana.

A nova lei passou a no mais exigir estado civil e sexo do adotante, permitindo a adoo unilateral por homossexuais. A adoo conjunta por unio homoafetiva, contudo, ainda no foi contemplada, sendo vedada pelo ordenamento jurdico pela exigncia de comprovao do estado de casado ou unio estvel.

A Lei Nacional de Adoo, em compasso ao quanto positivado no Estatuto da criana e do Adolescente, tem como foco garantir a convivncia familiar a todas as crianas e adolescentes, sendo uma tentativa de dar primazia s relaes afetivas em detrimento do vnculo biolgico.

Vale salientar, por fim, que irmos no podero mais ser separados e que, a partir dos 12 anos de idade, dever ser levada em considerao a opinio dos adotandos, os quais podem optar por escolher nova famlia.

5) A ADOO BRASILEIRA

A adoo brasileira trata-se daquela em que um casal registra, como sendo seu, filho de outrem. Esse tipo de adoo considerado ilegal pelo ordenamento jurdico brasileiro, de acordo com o art. 242 do Cdigo Penal (CP) e envolve outros trs tipos de crimes: o parto suposto; a entrega de filho menor a pessoa inidnea; e falsidade ideolgica.

O registro de crianas feito pelo Cartrio de Registro Civil, como prescreve o artigo 54 da Lei de Registros Pblicos (Lei 6.015/73), e no h nenhuma investigao que comprove os laos biolgicos ou a veracidade dos documentos apresentados, o que colabora para a prtica da adoo brasileira.

Outro fator que colabora informalidade o processo legal de adoo em si, o qual custa tempo e dinheiro pela tamanha burocracia de que dotado. H tambm o receio por parte dos adotantes de que seus pedidos sejam negados pelo juiz competente por uma possvel no correpondncia aos requisitos exigidos.

Neste contexto cabe salientar algumas crticas quanto s alteraes feitas pela Lei Nacional de Adoo. luz de Maria Berenice Dias: A chamada Lei da Adoo, em vez de agilizar o processo de adoo e reduzir o tempo de crianas e adolescentes institucionalizados, acabou impondo mais entraves para sua concesso. E, ao invs de esvaziar os abrigos, certamente, vai esvaziar a adoo.

Atualmente, a adoo precisa ser precedida de esclarecimento prestado por equipe interprofissional, em especial, sobre a irrevogabilidade da medida (art. 166, 2, ECA). Ademais, o consentimento dos responsveis do adotando precisa ser colhido em audincia pelo juiz, com a presena do Ministrio Pblico, depois de esgotados todos os esforos para a manuteno da criana junto famlia natural ou extensa (art. 166, 3, ECA).

Outrossim, no mais existe a possibilidade de se dispensar o estgio de convivncia, a no ser que a criana j esteja sob a tutela ou guarda legal do adotante ( art. 46, 1, ECA). Frisa-se que nem mesmo a guarda de fato autoriza a dispensa (art. 46, 2, ECA). O estgio ainda precisa ser acompanhado por uma equipe de profissionais responsveis pela execuo da poltica de garantia do direito convivncia familiar, os quais devero apresentar relatrio detalhado (art. 46, 4, ECA).

A adoo se tornou uma medida excepcional, qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manuteno da criana e do adolescente na famlia natural ou extensa (art. 39, 1, ECA), o que dificulta ainda mais a chance de milhares de crianas e adolescentes de conseguirem encontrar um lar, de forma que restam nfimas as chances de se tornar efetiva a limitao da permanncia institucional em dois anos da criana em abrigo (art. 19, 2, ECA).

Neste contexto, so dignos de nota os seguintes dizeres de Maria Berenice Dias: absolutamente equivocado o prestgio que se empresta famlia natural, quando se busca manter, a qualquer preo, o vnculo biolgico, na v tentativa de manter os filhos sob a guarda dos pais ou dos parentes que constituem a chamada famlia estendida. Essas infrutferas tentativas fazem com que as crianas, ao serem rejeitados por seus pais e parentes, acumulem sucessivas perdas e terrvel sentimento de abandono que trazem severas sequelas psicolgicas.

Alm da nsita dificuldade e morosidade dos meios formais de adoo, a prtica da adoo brasileira tambem tem como causa a excessiva especificao das caractersticas da criana pretendida, devido a muitos preconceitos existentes contra a adoo, os quais encontram lastro no ideal estereotipado de famlia modelo. Alm disso, muitas familias recorrem aos meios informais, pois desejam esconder da sociedade aquela adoo.

Ldia Weber realizou uma pesquisa com pais e filhos adotivos e com a populao em geral. O resultado indicou alguns determinantes para o desencontro de crianas e adolescentes institucionalizados e postulantes adoo. A principal varivel encontrada pela sua equipe resume-se em uma palavra: preconceito, seja ele consciente ou no.

De acordo com as opinies de boa parte da populao as pessoas: teriam medo de adotar crianas mais velhas (acima de 6 meses) pela dificuldade na educao; teriam medo de adotar crianas de cor diferente da sua pelo "preconceito dos outros"; teriam medo de adotar crianas com problemas de sade pela incapacidade de lidar com a situao e pelas despesas altas que teriam; teriam medo de adotar uma criana que viveu muito tempo em orfanato pelos "vcios" que traria consigo; medo de que os pais biolgicos possam requerer a criana de volta; medo de adotar crianas sem saber a origem de seus pais biolgicos, pois a marginalidade" dos pais seria transmitida geneticamente; culpabilizam somente os pais pelo internamento e abandono dos filhos e pensam que o governo deveria controlar o nmero de filhos, principalmente em mulheres pobres; pensam que uma criana adotada, cedo ou tarde, traz problemas; acreditam que a adoo visa primordialmente o adotante e no a criana, sendo um ltimo recurso para pessoas que no conseguem ter filhos biolgicos; acreditam que a adoo pode servir como algo para "desbloquear algum fator psicolgico" e tentar ter filhos naturais; acham que quando a criana no sabe que adotiva ocorrem menos problemas, assim, deve-se adotar bebs e "fazer de conta" que uma famlia natural; acham que as adoes realizadas atravs dos Juizados so demoradas, discriminatrias e burocrticas e recorreriam adoo " brasileira" caso decidissem adotar; consideram que somente os laos de sangue so "fortes e verdadeiros". (Weber; Gagno; Cornlio & Silva, 1994; Weber & Cornlio, 1995; Weber & Gagno, 1995)

Tais preconceitos alm de tornarem o processo de adoo lento, ferem a verdadeira tutela da filiao e da adoo, pois percebe-se que h uma procura por um biotipo e no um filho.

Observa-se tambm que h uma busca pela adoo informal pelo fato de esta possibilitar a escolha dos pais biolgicos, alm da criana, assim como sua etnia e idade. Reiterando, h um preconceito de que linhagem biolgica influencie na personalidade da criana, ou seja, se a criana for filho de marginal, consequentemente tambm o ser.

Outro problema que faz com que pessoas procurem a adoo informal o fato de os assistentes sociais, psiclogos e demais tcnicos considerarem aptas a adotar somente aquelas pessoas pertencentes umbrtica famlia modelo, ou seja, da famlia parental e monogmica estvel economicamente, demonstrando, portanto, uma postura preconceituosa e estereotipada, herdada historicamente.

Em suma, os pretensos adotantes acabam optando pela adoo brasileira pelos preconceitos supracitados, pois creem que tal adoo seja mais rpida e fcil e por terem receio de que seus perfis no sejam aceitos pelos avaliadores. Contudo, suas consequncias merecem considervel anlise.

A adoo brasileira, por no ter proteo legal, cria uma relao frgil, a qual, se descoberta, pode ser rompida mediante anulao da relao de filiao e do registro irregular. Portanto, alm de no receber proteo e segurana jurdica, no goza da irrevogabilidade dada adoo legal.

Essa dbil relao pode trazer consequncias ruins para as crianas, pois as deixam sujeitas a traumas pela abrupta retirada das famlias nas quais acabaram por construir vnculos afetivos, tendo que aprender a lidar com uma nova realidade e com uma perda da vida familiar que j era indispensvel. O sistema legal de adoo visa evitar essa situao diametralmente oposta ao princpio constitucional do melhor interesse da criana disposto no artigo 227 da Carta Magna.

Ademais, tal adoo pode ser praticada com fins lucrativos contribuindo para o trfico de crianas, tema delicado e que h muito faz parte da sociedade brasileira, como infere-se a partir do seguinte recorte de jurisprudncia produzida em 1916: legal o acto do juiz de orphos que tendo denuncia de que o pae vendera uma sua filha menor por um conto de ris, e que tanto o comprador como o vendedor pretendiam fugir com a mesma menor, mandou, depois de ouvido o curador de orphos, apprehendel-a e deposital-a no Asylo de Menores Abandonados, como medida provisria e indispensvel em todos os casos de processo para suspenso de poder familiar.

6) A EVOLUO DO CONCEITO DE ADOO BRASILEIRA ATRAVS DA ANLISE JURISPRUDENCIAL

A adoo brasileira vem tona geralmente quando h um arrependimento da me biolgica referente entrega da criana, ou um arrependimento por parte dos homens que registram filhos de suas companheiras que no so seus filhos biolgicos de fato, bem como quando filhos legtimos comparecem em juzo para tentar anular o registro feito, de tal sorte que a eles caiba maior parte na herana, dentre diversos outros motivos.

A adoo, para ter efeitos jurdicos plenos e proteo, deve ser processada e autorizada pela via judicial. O ato de receber uma criana para criar e registr-la no lcito, portanto, a adoo brasileira se constitui de um meio fraudulento, e no goza de proteo legal, sendo facilmente comprovvel por um exame do DNA.

Contudo, Apesar de ser ato ilcito, no gozar da proteo legal e ser passvel de punio, observa-se que h uma maior flexibilidade do judicirio em relao aos seus julgados quando referentes ao assunto. Tais mudanas sero relatadas a seguir.

Hodiernamente, luz de MARIA HELENA DINIZ:H uma prtica disseminada no Brasil da o nome eleito pela jurisprudncia de o companheiro da mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criana como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua crime contra o estado de filiao(CP, 242), no tem havido condenaes, pela motivao afetiva que envolve essa forma de agir.

Em muitos casos, rompido o vnculo afetivo do casal, ante a obrigatoriedade de arcar com alimentos a favor do filho, o pai busca a desconstituio do registro por meio de ao anulatria ou negatria de paternidade. A jurisprudncia, reconhecendo a voluntariedade do ato, praticado de modo espontneo, por meio da adoo brasileira, passou a no admitir a anulao do registro de nascimento, considerando-o irreversvel. No tendo havido vcio de vontade, no cabe a anulao, sob o fundamento de que a lei no autoriza a ningum vindicar estado contrrio ao que resulta do registro de nascimento (CC, art. 1604).

A adoo brasileira em tese revogvel por se tratar de ato ilcito, contudo, como exposto, vem sendo tratada pela jurisprudncia como irrevogvel quando referente pedidos de negao de paternidade, isto a partir do pressuposto de que se foi realizada por livre vontade de quem a praticou no pode, ento, se ter contestado o registro civil por falsidade ou erro, luz do artigo 1604 do Cdigo Civil de 2002, que de fato inadmissvel, pois viola os princpios da lealdade e da confiana que devem vigorar no direito.

Conforme diz, MARIA HELENA DINIZ: Toda doutrina unnime em salientar que a declarao da vontade elemento essencial do negcio jurdico. Para que este validamente exista, indispensvel a presena da vontade e que esta haja funcionado normalmente. S ento o negcio jurdico produz efeitos colimados pelas partes.

( . . . )

o caso em que se tm os vcios de consentimento, como erro, o dolo a coao, o estado de perigo e a leso que se fundam no desequilbrio da atuao volitiva relativamente a sua declarao.

Bem como a seguinte ao:AO ANULATRIA DE INEXISTNCIA DE FILIAO. ADOO BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.IMPROCEDNCIA DA AO.

A adoo brasileira, a exemplo da adoo legal, irrevogvel. a regra. Ausente qualquer nulidade no ato e demonstrado nos autos a filiao socioafetiva existente entre as partes, admitida pelo prprio demandado, no cabendo desconstituir o registro de nascimento vlido. Improcedncia da negatria de paternidade mantida. Precedentes jurisprudenciais. APELAO DESPROVIDA.

Caso seja de interesse do adotado, somente este pode pedir a anulao da adoo Brasileira.

Caracteriza violao ao princpio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem gentica, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicolgica de se conhecer a verdade biolgica.

Neste contexto cabe a anlise do seguinte recorte:DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLGICA REQUERIDA PELO FILHO. ADOO BRASILEIRA.

possvel o reconhecimento da paternidade biolgica e a anulao do registro de nascimento na hiptese em que pleiteados pelo filho adotado conforme prtica conhecida como adoo brasileira. A paternidade biolgica traz em si responsabilidades que lhe so intrnsecas e que, somente em situaes excepcionais, previstas em lei, podem ser afastadas. O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem gentica insere-se nos atributos da prpria personalidade. A prtica conhecida como adoo brasileira, ao contrrio da adoo legal, no tem a aptido de romper os vnculos civis entre o filho e os pais biolgicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurdico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectrios legais da paternidade biolgica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditrios. Dessa forma, a filiao socioafetiva desenvolvida com os pais registrais no afasta os direitos do filho resultantes da filiao biolgica, no podendo, nesse sentido, haver equiparao entre a adoo brasileira e a adoo regular. Ademais, embora a adoo brasileira, muitas vezes, no denote torpeza de quem a pratica, pode ela ser instrumental de diversos ilcitos, como os relacionados ao trfico internacional de crianas, alm de poder no refletir o melhor interesse do menor.

Vale ressaltar tambm que, luz do Cdigo Penal, os responsveis por uma adoo brasileira devem ser punidos com sanes que vo desde a anulao do ato retirada da criana, bem como uma recluso de 2 anos.

Todavia, no que tange punio verifica-se que as penas estabelecidas no vem sendo cumpridas, pois quando consideram que as atitudes foram tomadas por afeto e amor, ou seja, por causa nobre h a possibilidade de se conceder um perdo judicial com a justificativa de que o ato proporcionou dignidade ao adotando.

Infere-se tal flexibilidade na seguinte apelao:APELAO CRIMINAL - CRIME CONTRA A FAMLIA - REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRPRIO (CP, ART. 242, CAPUT)- COMPANHEIRA COAUTORA - PERDO JUDICIAL CONCEDIDO NA ORIGEM (CP, ART. 242, PAR. N.)- VIABILIDADE - MOTIVAO NOBRE VISLUMBRADA.

I - A consumao do delito de registro de filho alheio como prprio (CP, art. 242, caput) opera-se quando evidenciado o dolo especfico de alterar estado de filiao por meio de falseamento de registro civil de nascimento, conduta conhecida como "adoo brasileira" coibida com o fito de proteger-se a famlia, instituio reconhecida constitucionalmente como clula mater da sociedade, hiptese plenamente verificada quando o agente se dirige cartrio pblico e registra como seu filho que sabidamente de outro. No entanto, visando proporcionalizar as sanes aplicadas aos casos concretos, o legislador fez inserir o pargrafo nico ao aludido artigo, o qual traz uma pena de deteno em prazo menor que a de recluso prevista no caput e, ainda, a faculdade de o julgador deixar de aplicar esta sano, por meio de perdo judicial, para os casos em que o sujeito ativo age por motivo de reconhecida nobreza.

Bem como na seguinte Ementa:APELAO CRIMINAL - CRIME CONTRA A FAMLIA - REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRPRIO ( CP , ART. 242 , CAPUT)- RECURSO DO MINISTRIO PBLICO - ALEGADA "ADOO BRASILEIRA" - PLEITO DE CONDENAO - IMPOSSIBILIDADE - MOTIVAO NOBRE EVIDENCIADA - GENITORA QUE NO DESEJA FICAR COM A FILHA RECM NASCIDA - APLICABILIDADE DO ART. 242 , PARGRAFO NICO , DO CDIGO PENAL - CONCESSO DO PERDO JUDICIAL - SENTENA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

Para a presidente da comisso de adoo do IBDFAM, Silvana do Monte Moreira, percebe-se que a motivao que conduziu a conduta dos denunciados suficiente para afastar a punio pelo crime relatado no art. 242 do Cdigo Penal. Os denunciados, ao praticarem a conduta contida no artigo j mencionado, a fizeram com o intuito de proporcionar criana condies dignas de vida, cientes que estavam que a me biolgica poderia at jog-la no lixo, explica.

Silvana considera ainda que a conduta descrita no dispositivo de lei e que foi realizada pelos denunciados caracterizada como adoo brasileira, porm no houve qualquer interesse escuso ou meramente pessoal, ou seja, no havia interesse em burlar a ordem do Cadastro Nacional de Adoo, a famosa fila. Ela explica ainda que a adoo brasileira, prtica comum antes da instituio do Cadastro Nacional de Adoo, ainda acontece, mas com muito menos freqncia em razo do rigor das leis que deliberam sobre adoo. Porm temos que lembrar que nosso pas tem dimenses continentais e que h uma enorme dificuldade em fiscalizar todos os procedimentos adstritos prtica da adoo, completa.

Percebe-se que h uma mudana nos contedos jurisprudenciais, os quais passaram a priorizar a relao socioafetiva em detrimento do cumprimento da lei. A jurisprudncia passou, portanto, a aceitar a adoo brasileira ao buscar o melhor interesse da criana, garantindo-a convivncia familiar visando no desconstituir o vnculo parental em face do vnculo afetivo.

Como corrobora o Agravo de Instrumento do Tribunal de Justia de Santa Catarina: Pela interpretao teleolgica da Constituio Federal e do Estatuto da Criana e do Adolescente, evidencia-se como desaconselhvel sob todos os aspectos a retirada de uma menor do ambiente familiar onde se encontra h meses para coloc-la em abrigo ou em outra famlia. A excepcionalidade de tal providncia est reservada to-somente s medidas de proteo, cujas hipteses esto expressamente delineadas no art. 98 do Estatuto da Criana e do Adolescente. Como corolrio, deve a menor permanecer em companhia daqueles que a acolheram desde os primeiros dias de vida, com a anuncia da me biolgica, e passaram desde ento a prov-la de todos os cuidados necessrios sobrevivncia, includos educao, alimentao, lazer e, sobretudo, carinho familiar. Eventual repreenso a meios escusos utilizados, como, por exemplo, a denominada "adoo brasileira", por si s, no pode sobrepujar os interesses maiores e o bem-estar da criana.

A adoo brasileira tem se confrontado diretamente com o princpio do melhor interesse da criana e do adolescente e sempre que sua ilegalidade trouxer ao adotando menos prejuzos que o ato de adotar sem as formalidades legais, com base neste mesmo princpio, o formalismo ser superado pelo afeto e ao vnculo.

Em suma, mesmo que seja provada a ilegalidade da adoo, o fator decisivo o melhor Interesse da criana e do adolescente, sendo que a aplicao deste princpio serve como premissa a ser aplicada em todas as situaes que envolvam crianas e adolescentes.

Pode-se concluir, ento, que um novo registro de jurisprudncias sobre o assunto tem sido tomado,por exemplo, nas decises dos Tribunais de Justia de todo o pas e este novo rumo denota uma adaptao do sistema jurdico aos problemas enfrentados ao se deparar com lacunas no ordenamento. importante reconhecer o progresso que demonstra no s a capacidade de arranjo do sistema quando necessrio como tambm a preocupao com os interesses da criana.

7) CONCLUSO

As primeiras normas formais da adoo entraram em vigor com o cdigo de 1916, as quais evidentemente eram provenientes de uma sociedade patrimolialista. A adoo no possuia carter assistencialista e visava apenas a vontade de dar filhos a quem no os tinha. Ressaltando que o vnculo afetivo no tinha relevncia jurdica alguma.

Contudo, a partir do advento do Cdigo de 2002, o qual reiterou os princpios da Constituio Federal de 1988 de isonima entre os filhos e dignidade da pessoa humana, do Estatuto da criana e do adolescente e da Lei nacional de Adoo (12.010/09) os interesses a serem protegidos pelo Estado passaram a ser os das crianas.

O bem-estar da criana, assim com sua estabilidade familiar passaram a ter mais importncia dentro do ordenamento jurdico, importncia que se refletiu no sistema de adoo atual.

A adoo deixou de ser analisada apenas sob o prisma dos adotantes. Passou a ter um carter assitencialista, o qual no mais se leva somente em conta a vontade do adotante de poder ter filhos quando no os pode, mas tambm a oportunidade do adotando de receber um lar e poder ter um convvio familiar, que por sinal, agora uma garantia legal.

Observa-se, no campo jurdico-constitucional, que h um reconhecimento da famlia como um grupo social fundado essencialmente nos laos de afetividade e que o princpio da socioafetividade passou a ser o norteador das decises referentes lide do Direito de Famlia.

Como resultado, a adoo brasileira, dentro desse contexto de primazia das relaes afetivas em detrimento dos laos biolgicos e do princpio do melhor interesse da criana, comeou a receber um tratamento mais flexvel por parte dos operadores do direito.

8) REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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Graduanda em direito pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

Assim referidos, pois aquele que realiza a cognominada adoo brasileira no pode ser equiparado ao adotante, vez que este o individuo que se submete s exigncias legais do processo regular de adoo.

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Apelao Cvel N 70041393901, Stima Cmara Cvel

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