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UNALE
União de Legisladores e Legislativos Estaduais GT Pacto
Federativo
O NOVO PACTO FEDERATIVO
A crise dos estados-membros no federalismo brasileiro
Aspásia Camargo VERSÃO PRELIMINAR-10 NOV 2011
O NOVO PACTO FEDERATIVO
A cnse dos estados-membros no federalismo brasileiro
Aspásia Camargo
O principal desafio de qualquer ''pacto federativo" é definir critérios comuns, legftimos, viáveis e confiáveis de divisão de competências e de recursos entre os membros que constituem a Federação. Quando tais critérios não existem ou não funcionam, instala-se uma guerra federativa, surda ou declarada, que a curto, médio ou longo prazo pode corroer a Federação, levando até mesmo à sua dissolução.
O segundo maior desafio tem a ver com a adequação das regras às características moifológicas, históricas e geográficas do território e com as condições sociais das populações que o ocupam. São estas características que devem definir os critérios e as regras do jogo em condições aceitáveis para todos, dentro de claros objetivos comuns ..
1. Federalismo Centralista ou Cooperativo? O esvaziamento econômico dos entes estaduais
Em um país marcado por um histórico centralista, originado em seu período
imperial e consolidado por duradouros governos autoritários no decorrer do século XX,
não é de surpreender que a crise do federalismo no Brasil seja fenômeno quase
permanente. No Brasil de 2011 podemos encontrar o mesmo perfil de concentração de
receitas na União que vigorava no período militar anterior à Nova República.
A par desses fatores que determinaram uma tradição de centralismo político
econômico, concorrem ainda para a crise do federalismo alguns problemas no modelo
jurídico-constitucional instituído em 1988, especialmente o sistema de federalismo trino,
bem como outros de natureza exógena ao sistema, como as crises econômicas que
permearam a história brasileira recente.
Se a dívida externa e a crise fiscal que se agravaram a partir dos anos 80 do
século passado determinaram, por pressão dos credores internacionais, uma nova
motivação para a recentralização de recursos na União, o cenário pós-Constituição de
1988, sem alterar, em sua essência, tal quadro de concentração de poder e recursos na
União, ainda acirrou as perdas dos estados-membros.
'\
Porém o mais grave dessa situação é o fato de que tal dinâmica de
concentração de receitas na União mais reflete a proeminência política do Ente Central do
que qualquer critério de ajuste ao quadro real das divisões de atribuições. No caso específico
dos estados-membros, sedimentados como relevante esfera de poder desde os tempos das
províncias pré-republicanas, realidade que propiciou, mesmo após período naturalmente
centralista do império, a adoção do federalismo no Brasil, é inegável que o afã municipalista
que permeou a Constituição de 1988 como um dos símbolos da redemocratização do país,
acarretou um declínio de sua importância na federação brasileira.
A ilustrar tal assertiva, vale verificar o quadro abaixo, que demonstra a díspar evolução das receitas disponíveis (aquelas que restam aos entes federados após as
transferências constitucionais obrigatórias) 1
----Em percentuais sobre o total arrecadado no país
UNIÃO
ESTADOS MUNICÍPIOS
13,48%
20,04%
1988
5,97% 2,98% 2010
8,66% 6,42%
Tomando-se como base o ano de 2008, do total nacional dessas receitas disponíveis, a
União ficou com 54% os Estados com 27% e Municípios com 19%. Em termos gerais, as
receitas da União retornaram a patamares semelhantes aos vigentes durante o período da
ditadura militar.
Boa parte dessa centralização dos recursos é explicada pelos mecanismos institucionais
de arrecadação e transferências em vigor. No Projeto de Lei Orçamentária Federal de 2012,
do total estimado de receitas que monta a 984 bilhões de reais, prevê-se 60% desse valor
advirão de contribuições, as quais não compõem os fundos de transferência obrigatória a
estados e municípios. Entre 2007 e 201 O, a arrecadação da União cresceu em termos reais
25,9%, enquanto as transferências apenas 15,3%.
Mas a revisão dos critérios de transferências não é só justa, necessária e oportuna, mas
também impositiva, diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal Lei Complementar
n. 62, de 28/12/1989,que, por unanimidade, declarou inconstitucional a continuação do rateio
do FPE com base na tabela rígida estabelecida, com expresso caráter de provisoriedade, pela
Lei Complementar no 62, de 28/12/1989.
Mais uma vez, o Congresso Nacional se omitiu e permitiu a judicialização de
1 Quadro extraído do texto "Relações Intergovernamentais no Brasil: Fatiar ou Repactuar?' de josé
Roberto Afonso, apresentado no Seminário Federação e Guerra Fiscal, promovido por IDP e FGV, em Brasília, em 15/0972011.
decisões de sua competência, tanto assim que o STF, que se deveria ater a julgar a
constitucionalidade da Lei, viu-se obrigado a atuar como agente regulador. Para não causar
um vácuo normativo que causaria sérios prejuízos aos estados, a Corte Constitucional limitou
a aplicabilidade da atual forma de rateio até 2012. A "bola" agora está com o Congresso.
Mantido o sistema atual desequilibrado, o cerne da questão é sempre o desequilíbrio entre
a soma das atribuições formais (competências constitucionais) e de fato assumidas pelos entes
e sua arrecadação, nem mesmo um substancial incremento de atividade econômica nos
estados mediante políticas públicas de atração de investimentos será capaz de modificar a
combalida capacidade de investimentos dos estados, dada a abismal desproporção entre os
valores arrecadados pela União nos estados e os valores a estes "devolvidos" por transferências.
Em 201 O, a União arrecadou no território do Rio de Janeiro cerca de 118 bilhões de reais e
transferiu ao Estado, a título de fundo de participação, cerca de 600 milhões, ou seja, 0,5% do
valor arrecadado.
Assim, parece racional e justo, no contexto de qualquer discussão acerca de perdas de
receitas estaduais já consolidadas, como se pretende agora resolver em desfavor dos estados
produtores de petróleo e gás, que se vislumbre o problema da capacidade econômicofinanceira dos estados de forma abrangente, afinal mesmo essa reivindicação dos demais
estados acerca dos royalties decorre mais de uma justificada busca de novas fontes de
recursos do que propriamente de questionamentos técnico-jurídicos.
E uma visão abrangente passa, necessariamente, pela negociação das dívidas dos
estados. Na negociação de 1997 com a União ficou estabelecido o refinanciamento das
dívidas estaduais pelo prazo de 30 anos, incidindo sobre os contratos juros entre 6% e 9%,
mais correção pelo IGP-DI. Como garantia, os contratos estabeleceram limite máximo de
comprometimento da receita corrente líquida.
Tais bases contratuais, que à época foram consideradas vantajosas para os estados,
foram fixadas quando a taxa de juros (Selic) estava em 38%. Hoje, com a Taxa Selic em 12%, os Estados pagam entre 17,3% e 20,3% Uuros de 6% a 9% mais o IGP-DI). Dessa forma, o
Tesouro Federal está lucrando com a dívida dos Estados. E essa dívida hoje é impagável. Por
exemplo, no caso de Alagoas, em 2000, a dívida era de R$1,6 bilhão, hoje está em R$6
bilhões; Minas Gerais: em 1997, era de R$17 bilhões, pagou R$18 bilhões, e agora ela está
em R$55 bilhões; Rio Grande do Sul, era de R$15 bilhões em 2000, está em R$37 bi lhões. A dívida do Estado do Rio de Janeiro, em 2000, era R$ 23 bilhões, agora está em quase R$ R$
40 bilhões e 700 milhões, que correspondem a cerca de 70% da Dívida Interna da
Administração Direta em nosso estado.
2. O Federalismo Assimétrico As atribuições estaduais no desenvolvimento regional
Acrescente-se que, como os contornos estaduais são de origem imperial patrimonial,
convivendo hoje com uma dinâmica de globalização e regionalização muito mais influente e
direta, cabe definir com extrema urgência o novo (e o velho) papel dos estados federados
como fator de equilíbrio e intermediação entre inúmeros municípios heterogêneos e carentes e
um Governo Federal centralizado, financeiramente forte. A tendência unitarista de aumentar as
distribuições voluntárias e de diminuir os repasses constitucionais tem sido um dos fenômenos
mais inquietantes e perigosos na evolução recente do nosso federalismo.
Não fossem a proeminência política ainda exercida pelos governadores, a
dependência dos pequenos municípios e a grave problemática da segurança pública,
competência material expressa dos estados-membros, já se teria até cogitado de sua
supressão da federação, o que representaria um erro de enormes proporções, pois que sua
maior vocação vai de encontro a um dos principais problemas deste país de enorme
território e realidades tão diversas: as desigualdades (inter e intra) regionais.
De fato, os fundamentos da Constituição nos oferecem como ponto de partida um
federalismo cooperativo para corrigir sua natureza assimétrica. Do ponto de vista jurídico,
sabemos que o excesso de competências comuns, exposto no artigo 23, jamais
regulamentado, é a prova concreta de que nosso legislador reagiu com insegurança e
perplexidade ao introduzir na Constituição o inédito Federalismo Trino, cuja distribuição de
competências não podia contar com nenhuma jurisprudência internacional.
Criar competências comuns foi a forma de reconhecer publicamente que a nova
fórmula precisaria ser antes testada e que caberia aos futuros legisladores regulamentar mais
adequadamente o tema. Esta visível desordem, instalada no âmago de nossa organização
federativa, se estimulou a cooperação, exacerbou também a competição política entre entes
federativos.
Quanto ao federalismo assimétrico, ele é uma injunção tanto de nossa História, de nosso
dinamismo econômico, exaurido em função de ciclos predatórios de expansão e decadência,
quanto de nossa Geografia. Nossas desigualdades regionais resultam de nosso
desenvolvimento cíclico, interrompido ou incompleto, que deixou como herança o
empobrecimento de amplos territórios, antes prósperos, posteriormente abandonados. Em
outros casos, a pobreza resulta da geografia, isto é, da imensidão de um território não-ocupado,
mal distribuído e pouco povoado.
3. Pacto Federativo Entre o abandono e a desfuncionalidade
A pressão para criar novos estados e municípios muitas vezes resulta, especialmente
na Amazônia e Centro-Oeste, da organização territorial baseada em áreas muito amplas,
deixando os distritos praticamente abandonados, longe das áreas mais povoadas e do
centro dinâmico da economia e da administração.
Nestes casos, o resultado pode ser politicamente mais confortável, mas as enormes
despesas de criação destes novos municípios IJ especialmente infraestrutura administrativa e
salários para funções políticas e administrativas 1 contrastam com a ausência de vocação
econômica e com a incapacidade de gerar renda própria .
A matriz da discussão sobre criação de novos entes não há de ser econômica. A falta
de provisão de serviços e investimentos em determinados distritos
população se sente abandonada, respectivamente, pela prefeitura ou
ou regiões, cuja
pelo Governo do
Estado, que concentram recursos em seus principais pólos, não serve, isoladamente, a
justificar a emancipação política e administrativa desses espaços territoriais. Se há essa
anomalia na distribuição dos recursos no território é porque falta política de desenvolvimento
regional.
A decisão de criar novo município ou estado há de decorrer mais de aspectos histórico
culturais, da eventual constatação de que determinado espaço e a população que o habita
constituem uma identidade própria que os faz diversos do ente do qual quer se desgarrar.
Certo, porém, que tais fatores passam por aferições difíceis e subjetivas, o que importa
mesmo, em se tratando de uma decisão de tão grande alcance político, econômico, cultural,
histórico, social e ambiental, é que os critérios e a decisão decorram de processos que
comportem participação federal, estadual e municipal, modelo complexo mas que tenderia a
evitar aventuras impulsionadas por meras rixas e interesses políticos setorizados como ocorreu
em passado recente ..
Nos casos de maior carência de infraestrutura econômica e social exige-se
planejamento estratégico regional e melhor definição das potencialidades e vocações
econômicas, devendo ser acompanhado de zoneamento econômico e ecológico e de formas de
financiamento adequadas ao desenvolvimento das regiões. Como o dinamismo internacional,
hoje, é mais regional do que nacional, cabe aos entes estaduais conduzir estes processos com a ajuda de instituições federais de planejamento regional e financiamento.
O esquartejamento destas instituições por partidos políticos e forças eleitorais vem
impedindo avanços em uma área critica e importante para o desenvolvimento
brasileiro. O sentido do Artigo 43 da Constituição Federal e da própria legislação estadual já
vigente, não é outro, prevendo intervenção de ambos, especialmente do Governo Federal, na
correção .dos desequilíbrios regionais. Fixar prioridades e metas deve ser, no entanto, estrita responsabilidade estadual.
Tantas anomalias contribuem enormemente para alimentar uma verdadeira guerra
federativa, muitas vezes necessárias para que estados menos desenvolvidos ou mais isolados
possam atrair capitais que alimentem suas economias. O recente episódio em torno dos
royalties contra os Estados Produtores deve ser entendido como sintoma de isolamento do
Estado do Rio de Janeiro, em função de sua situação peculiar, mas também como a
manifestação aguda de desconforto - ou de protesta dos pequenos e pobres municípios
brasileiros contra o gradual esvaziamento dos Fundos de Participação necessários ao seu
funcionamento.
É importante reconhecer que tais municípios, inclusive em estados mais prósperos,
carregam o ônus de desempenhar atribuições maiores do que o seu tamanho e renda, muitas
vezes preenchendo o vazio dos estados e do governo federal diante de populações carentes.
Aliás, não é a toa que não prosperam as propostas de reforma tributária que visam a rever a atual repartição de receitas. Carecem todas de um pressuposto lógico, qual seja, a clara determinação das atribuições dos entes federados e, no que refere às
competências comuns, dos modelos institucionais e formas de cooperação adequadas a cada caso, o que ainda não se atingiu.
4. O esvaziamento da competência dos estados Entre a indefinição e a omissão
Foram graves as conseqüências políticas da omissão da Constitu ição Federal no que
diz respeito às competências estaduais, tratadas como residuais. E de maneira extremamente
sucinta. De fato, sobrou para os estados o que não ficou claramente definido como
competência federal ou municipal. Pouco foi proibido mas nada ficou determ inado a não ser
as famosas competências comuns. Caberia ao Governo Federal a árdua tarefa de garantir a
todos direitos sociais de altos custos como saúde, previdência, recursos do FGTS para
saneamento e moradia popular e para os municípios uma infinidade de serviços de
interesse local. Ainda que mal definidos, tais direitos tiveram uma dinâmica social impositiva,
dada a proximidade do governo com a população, e o caráter imperioso de suas carências e
demandas sociais.
Os estados, ao contrario, permaneceram indefinidos, atuando como entes distantes
das pressões do dia a dia mas carentes também das fontes de recursos
necessários a dar impulso à economia, atender aos mais pobres e prestar serviços de
segurança resultantes das omissões e fragilidades da União. Casos extremos como o das
grandes capitais dominadas pelo tráfico de drogas e de armas são apenas o exemplo
dramático do que coube, como responsabilidade aos estados no rescaldo do
abandono de nossas fronteiras territoriais, aéreas e marítimas exclusiva competência federal.
de legítima e
Mais grave ainda foi o processo político de esvaziamento e de recuo não assumidos.
Os estados ficaram menos sedutores do que os municípios no processo de renovação política.
Afinal, eram forças antigas e tradicionais. E certamente, muito menos poderoso do que o
Governo Federal e processo de recuperação e convalescência do longo surto
hiperinflacionário. Não houve na época, como deve ser nosso propósito agora, a vontade
política de ocupar espaços que nos são reservados dentro das competências comuns e
tradicionais nas regras clássicas das Constituições brasileiras.
Esta não fo i a tendência geral dos municípios, premidos pela realidade dos fatos e
por eleições municipais cada vez mais difíceis e concorridas. No plano estadual, a tendência foi
apoiar-se no Governo Federal, quando possível, ou fazer-lhe oposição, sempre que necessário,
para obter mais recursos para projetos especiais com financiamentos federais.
O "oportunismo estadual" fruto de sua própria impotência, resultou em perdas
substanciais de competência ou em relações muitas vezes subalternas para garantir sobrevivência política e eleitoral. Houve, é importante reconhecer, uma tendência anti-histórica
à patrimonializacão das re lações de poder quando o esperado seria aprofundar a renovação da
democracia brasileira encontrando formas mais modernas de exercício da política e da gestão administrativa e do poder.
5. Os legislativos estaduais
dupla marginalidade e ilegitimidade
Se o problema é grave, por si mesmo, no âmbito dos estados, o que não dizer das
competências legislativas, esva ziadas ou congeladas, tanto nos planos federal quanto
estadual e municipal?
Cabe, neste particular, uma observação histórica sobre a transição brasileira recente,
cujo eixo dinâmico de ruptura e de expectativas perante a Opinião Pública, exerceu-se sobre
o poder Executivo, deixando o Congresso, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais
como simples forças de continuidade e inércia. É bom lembrar que a transição acabou
ocorrendo através de um acordo entre as forcas de oposição e uma dissidência do partido do
governo, o PFL, que garantiu a governabilidade desta mesma transição, mas deu um
tempero continuista ao processo de mudança,
especialmente no plano parlamentar.
O Poder Legislativo, por vontade do Poder Executivo (e diante de suas graves
tarefas, como restaurar a dignidade monetária e o equilíbrio fiscal do pais) deveria
restringir-se a mero coadjuvante, a linha auxiliar, tendo ainda em vista o reconhecido perigo
de que pudesse usar seu poder como instrumento de barganha para defender interesses
próprios. Negociar apoios entre Poderes é parte do regime democrático em qualquer país do
mundo, mas o que não se previa é o papel deletério da enorme fragmentação político
partidária de nosso pais, e que esta tenha, afinal, transformado a prática legislativa em palco
de intoleráveis barganhas.com altos custos para a imagem do parlamentar perante a
opinião pública.
Estamos convencidos de que o esvaziamento do poder Legislativo, ao invés de
facilitar, na realidade agrava os problemas de governabilidade, desviando muitas vezes o
parlamentar de suas funções mais nobres e legítimas para formas de compensação
auxiliar, que nem lhe trazem o reconhecimento público, nem o ajudam a consolidar sua
reputação perante seu próprio eleitorado, e reeleger-se.
O novo regime constitucional evitou, de certa maneira, o excesso de autonomia ou
de confronto, procurando-se garantir a governabilidade, na pior das hipóteses, pela
docilidade das alianças partidárias, na melhor, pela cooperação. Só assim podemos
explicar o excesso de medidas provisórias que entopem a pauta permanente do
Congresso, e a absoluta ausência de influencia efetiva do Legislativo na elaboração do
Orçamento, nos três níveis de governo.
Orçamentos autorizativos combinados com 80% de MPs restringem drasticamente a
função legislativa, provocando conseqüências nefastas como afastar profissionais de
talento e grupos representativos, ou encarecer consideravelmente os custos eleitorais,
elegendo aqueles que não terão reconhecimento nem compromissos com a opinião publica. Este é o caso dos suplentes senatoriais, em geral financiadores de campanha.
Afinal, o que tem de fato a apresentar como realização um deputado, federal ou
estadual, como realização e desempenho legítimos perante o seus ou os eleitores em
geral? Muito pouco, se não tiver o apoio dos governos aos quais deve servir em troca de
acordos para garantir sua reeleição.
Foram tais vícios de origem, respaldados na batalha pela estabilidade monetária e
fiscal , que desvalorizaram a função legislativa que, no Estado Democrático de Direito, deve
ser exercida com autonomia, responsabilidade e transparência, em torno da distribuição
dos recursos orçamentários, do controle permanente das funções executivas e das leis
e regras necessárias para garantir a boa governança, a curto, médio e sobretudo longo
prazos.
É fundamental, neste momentos histórico, resgatar o papel das forças políticas e
criativas da Democracia e da territorialidade. Recuperar funções legislativas que o Poder
Executivo vem controlando de forma absoluta mas também funções federais que reduzem o
federalismo brasileiro à uniformidade irracional e ineficiente.
No mundo inteiro, a democracia está ameaçada pela crise financeira mundial, mas
também pela desconfiança que cerca a classe política em todos os países. Os legislativos
são o elo mais frágil deste processo e precisam recapita lizar sua legitimidade em favor da
população, da democracia, do princípio da transparência e controle que são suas funções
precípuas.
O mesmo princ1p10 da subsidiariedade - implícito porém relevante em nossa
Constituição -que deve instruir o acirramento das transferências aos municípios de uma grande
parte das atribuições estatais, especialmente as que se concretizam em
serviços públicos prestados diretamente à população, deve servir também a fundamentar a
idéia de que as ações equalizadoras e compensatórias, necessárias à redução dos
desequilíbrios intra-regionais, devem caber principalmente aos estados e não apenas à União
Federal.
Neste caso, cabe restaurar a legitimidade da Iniciativa Legislativa, ta l como determina
a Constituição Federal. Existem também funções que jamais nos foram negadas mas que não
exercemos, pura e simplesmente. Este é o caso de uma necessária legislação urbanística
que, em termos e princípios gerais, pode e deve ser definida para o conjunto dos municípios
do estado. Afinal, se não interessa ao prefeito fazer o seu Plano Diretor ou seu planejamento
interno, o estado tem condições de cobrá-lo e, através do Legislativo e do sistema
pluripartidário, exercer a necessária fiscalização.
Tais princípios não devem ser entendidos como confronto mas como
complementaridade e autonomia entre poderes para que haja estímulo parlamentar capaz de
justificar o exercício e a cobrança da função pública.
E o momento para essa mudança é agora! Abandonemos a idéia de uma reforma
federativa radical e a substituamos por uma reforma gradativa, que desate os seus nós e
gargalos em observância ao fato de que, inexistindo modelo federativo único, seu
aperfeiçoamento depende, em grande medida, de uma certa dose de experimentalismo e de
correções constantes de rumo.
Uma relevante correção já se encontra encaminhada e decorre da decisão do
Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucionais as disposições da Lei Complementar
62/89 que impunham um modelo estático para a distribuição do Fundo de Participação dos
Estados (FPE}, fórmula que perpetua as desigualdades interestaduais.
No que diz respeito aos processos de melhor distribuição e equalização da renda
nacional entre os estados, convém extrair lições do federalismo alemão que, depois de um
período fortemente distributivistas em favor dos mais pobres, entendeu que era necessário
equilibrar melhor os processos distributivos para não desestimular a vocação de
empreendedorismo de cada um, criando o desestímulo à produção dos mais dinâmicos e a
dependência e clientelismo federativo dos mais fracos. Esta correção, rea lizada no início
desta década (2001 ), constitui lição importante para o Brasil, na medida em que é grande o
numero de municípios em nosso pais que não geram renda, vivendo exclusiva ou quase
exclusivamente dos fundos de participação.
Nesse mesmo sentido andariam bem reformas que garantissem aos estados um papel
coordenador em assuntos que ainda hoje remanescem com dúvidas acerca de titu laridade
(competência), como o saneamento e outras matérias afetas ao meio ambiente. Não se está
a propor qualquer supressão de competências municipais, mas, sim, um reconhecimento
explícito, formal, constitucional, de que os assuntos que demandam ações integradas devem
ser atendidos mediante soluções institucionais cooperativas, sob coordenação dos estados,
com o pleno assentimento dos municípios, desde que existam regras claras de cooperação
que não estimulem a manipulação indesejada do ente mais forte (governo federa l ou
estados) em detrimento do mais fraco (estados ou municípios). Regras iguais de tratamento
seriam
, em ambos os casos, as mais apropriadas.
Não pode o Poder Legislativo Federal mais uma vez, por omissão, deixar ao Poder
Judiciário decisões que lhe cabem, como ocorre também na questão das Regiões
Metropolitanas, instrumento institucional atribuído pela Constituição aos estados, mas cuja
eficácia ainda não se pode revelar por absoluta ausência de definição de seu real alcance no
campo das competências materiais e legislativas.
Cabe ainda considerar que o barril de pólvora que se concentra na periferia das
capitais é atemorizante para os estados descapitalizados, tendo em vista a gravidade e a
diversidade dos problemas existentes, todos eles implicando custos de atuação bastante
elevados. A presença da União e de seus órgãos de financiamento seria imprescindível, nestes casos, obrigando ao exercício do federalismo cooperativo, estimulado pela
abundância de competências comuns e indiferenciadas e pela concentração de recursos na
União.
Urge uma ruptura do dogma do federalismo unitarista, com rigidez excessiva de leis
federais válidas para todos os estados brasi leiros. A flexibi lização da lei do salário mínimo foi
um avanço que exigiu ousadia, mas outras questões essenciais precisam ser flexibilizadas,
tendo em vista a enorme diversidade de situações que prevalecem em um território como o
brasileiro, de dimensões continentais.
Um campo natural para rompimento desse modelo unitarista é o dos A i municípios, cuja quantidade e heterogeneidade demandam múltiplos tratamentos. As
capitais e outras grandes cidades, por exemplo, concentram uma gama de problemas
urbanos em boa parte decorrentes de fenômenos absolutamente exógenos em relação
a seu âmbito de ação (variáveis incontroláveis), o que deveria lhes propiciar fontes
diferenciadas de receitas próprias; assim como em geral dispõem de capacidades
técnicas e humanas que lhes permitem renunciar a ações administrativas tão
contundentes da União e dos Estados (hospitais federais e estaduais, fiscalização
ambiental federal e estadual etc.). Impõe-se um regime jurídico-constitucional
diferenciado e para tanto há experiências que nos poderiam inspirar, como as regiões
autônomas espanholas e o regime autônomo de Buenos Aires, entre outros.
De fato, a uniformidade não permite usufruir de uma das maiores qualidades
do modelo federativo, inventado pela democracia americana que outros países de
organização federativa seguiram, que é sua permeabilidade à experimentação. Em
países de federalismo estável, como os Estados Unidos, é comum que os governos
regionais sirvam de laboratório para políticas e ferramentas públicas que depois poderão ser adotados pela União ou pelos demais estados. Para tanto, a competência
legislativa dos estados deve aclarar-se, evitando-se sobreposições normativas que
desaguam, inevitavelmente, em embates judiciais que não tem vitoriosos
Sem pretensão de esgotar, nestas breves linhas, todas as variáveis dos
problemas hoje enfrentados pelos estados decorrentes do modelo federalista em
vigor, certo é que sem a (re)valorização de suas funções, necessária para propiciar a
colaboração equânime dos entes federados, não se atingirá toda a desejada dinâmica
do desenvolvimento regional , considerada essencial ao alcance da dimensão de
sustentabilidade que se quer garantir ao país. Vale, nesse sentido, destacar a lição
de Morbidelli2
"A tese de descentralização, em maior ou menor intensidade, é discutida com fundamento na cooperação, da interação federafestadual, em beneficio do interesse da coletividade (..). O federalismo cooperativo contemporâneo firma-se nas relações de colaboração. Seu objetivo é estimular a ação conjunta da União e dos Estadosmembros, que atuam como parceiros na solução de problemas sociais e econômicos.
2 Morbidelli, Janice Helena Ferreri. Um novo pacto federativo para o Brasil
São Paulo: e. Bastos, 1999.
PLANO DE AÇAO PARA O GT
Decálogo do Pacto Federativo
Consenso em torno das bases do Federalismo Cooperativo ( principio
constitucional) geográfica);
e do Federalismo Assimétrico (realidade histórico-
Necessidade de operacionalizar o conceito jurídico de subsidiaridade, inerente
ao federalismo cooperativo e base do federalismo alemão e da Federação Européia. O conceito determina que as atribuições sejam compatíveis em
complexidade e proximidade com a população, com os TRÊS níveis de
governo, local, estadual efederal;
Estudar, com a ajuda de técnicos especialistas, o/Federalismo fiscal, medindo
sua evolução, suas irracionalidades e desvios recentes. Como evoluiu da
descentralização inicial, base da Constituição de 1988, para a uniformidade,
dependência e centralização atual no Governo Federal. Listar e avaliar,
clerecendo estratégias de Ação para as questões consideradas pelo Grupo de
Trabalho como de alta prioridade política.
A questão da dívida dos estados (crescente), dos Fundos de Participação, da Lei
Kandir, das Regiões Metropolitanas, do ICMS têm que ser discutidas dentro de
uma visão conjunta com base nos principias do Federalismo Fiscal.
Como estabelecer o Pacto Federativo entre estados e municípios, que deve
preceder as negociações com o Governo Federal. É melhor consolidar a
aliança para baixo antes de enfrentar tensões e conflitos para cima.
Estudar cuidadosamente, consultando juristas renomados, as formas de ação
legislativa possíveis e compatíveis com os princípios constitucionais, tanto no que diz respeito às relações com o poder Executivo estadual
quanto Federal.
Da mesma forma, avaliar os espaços livres para a expansão das ações legislativas concorrentes com a Câmara e o Senado Federais. Estamos, em
realidade, também comprimidos pelas eventuais disputas com nossos irmãos do Legislativo Federal;
7. Cabe afirmar com clareza o papel dos estados no modelo do nosso Federalismo Assimé
trico, isto é, em função do desenvolvimento e do planejamento regional. É necessário aplicar
os princípios de distribuição de competências compatíveis com a natureza mais ou menos
frágil dos entes federativos, tanto estaduais quanto municipais. Neste caso, cabe aplicar aos
estados e municípios o principio geral da governança e da transparência, produzindo
informações e estatísticas regulares e comparáveis no âmbito da federação. Salário mínimo
regional, políticas salariais de modo geral precisam ser vistas à luz das diferenças e
necessidades regionais.
8. Organizar melhor a distribuição de competências visando a regulamentação do artigo 23 da
Constituição Federal, não apenas em áreas específicas, caso a caso, mas como princípio
geral tendo em vista a subsidiariedade e as condições reais dos entes federativos envolvidos.
Talvez este seja um dos principais temas de uma Constituinte Exclusiva. No caso especial da
saúde, vale a pena definir um ''Pacto pelo SUS" com as respectivas funções municipais,
estaduais e federais. O mesmo para a educação, examinando as condições atuais do FUN DEB.
9. Ajustar a distribuição automática dos recursos à distribuição automática das
competências, sempre usando como critério o pragmatismo político dentro de regras de
valor geral e universal. Com isso estamos estabelecendo princípios gerais que devem valer
para a Reforma não apenas Tributária, mas também Fiscal. Avaliar anomalias como o Código Nacional de Transito, cuja aplicação não cabe ao Governo Federal, a não ser nas estradas
federais.
10. Avaliar o estado atual de cumprimento das funções federais nos estados e dos recursos
( nem sempre utilizados) à sua disposição . Este é o caso das estradas asfederais, muitas vezes
sendo recuperadas pelos próprios estados, embora sem acesso ao fundo rodoviário respectivo, o CID, de competência federal. Da mesma forma, a conservação de bacias federais,
compostas de rios estaduais.