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ANA SUELLEN MARTINS
UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE
JOÃO CARLOS MARINHO
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do título de Mestra em
Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida
social).
Orientador: Prof. Dr. João Luís Cardoso
Tápias Ceccantini.
ASSIS
2013
0
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP
Martins, Ana Suellen
M386e Um estudo introdutório da literatura de João Carlos
Marinho / Ana Suellen Martins. Assis, 2013
245 f. : il.
Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras
de Assis - Universidade Estadual Paulista.
Orientador: Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini
1. Marinho, João Carlos, 1935- 2. Literatura infanto-juvenil.
3. História infanto - juvenis. I. Título.
CDD J028.5
1
ANA SUELLEN MARTINS
UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE
JOÃO CARLOS MARINHO
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do título de Mestre em
Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida
social).
Data da aprovação: 16/12/13
COMISSÃO EXAMINADORA
Presidente: PROF. DR. JOÃO LUÍS CARDOSO T. CECCANTINI – UNESP/ASSIS
Membros: PROF. DR. JOSÉ NICOLAU GREGORIN FILHO – USP/SÃO PAULO
PROFA. DRA. SANDRA APARECIDA FERREIRA – UNESP/ASSIS
ASSIS
2013
2
Aos meus pais,
José Roberto Severino Martins e Gelma Severino Martins,
e aos meus irmãos, Júnior e Bruno.
3
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida e pela oportunidade de realizar mais uma etapa em minha vida.
A minha família pelo apoio nos momentos mais difíceis dessa caminhada, sendo um porto
seguro em meio ao mar de incertezas.
Ao professor João Luís Ceccantini pelas orientações durante a realização da pesquisa e pela
paciência em cada etapa.
Ao escritor João Carlos Marinho que, tão gentilmente, esclareceu minhas dúvidas e sempre se
mostrou disposto a me ajudar, compartilhando um conhecimento que vai além dos livros.
À professora Sandra Aparecida Ferreira pelas sugestões no exame de qualificação e pelo título
de um dos capítulos deste trabalho.
Ao professor Marcio Roberto Pereira pelos apontamentos durante o exame de qualificação.
Ao professor José Nicolau Gregorin Filho pela disposição com que atendeu ao convite e por
disponibilizar seu tempo para leitura deste trabalho.
À professora Alice Aurea Penteado Martha por aceitar fazer parte da composição da banca.
À professora Rosa Maria Manzoni pela orientação quando me decidi enveredar pelo caminho
das Letras.
Aos amigos da Aliança Bíblica Universitária de Assis pelo suporte em cada etapa deste
trabalho e por suas orações.
À CAPES pelo financiamento da pesquisa, permitindo a dedicação exclusiva na reta final da
escrita da dissertação.
Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação pelo auxilio durante todo o processo de
participação do mestrado.
Às secretárias: Roseli Pinheiro Santili, do Departamento de Literatura, e Sônia Regina
Moraes, do Departamento de Linguística, pela gentileza e disposição com que sempre me
atenderam.
Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras de Assis por toda ajuda
prestada durante a realização do mestrado.
A todos os envolvidos neste processo que se iniciou antes do ingresso no Programa de Pós-
Graduação, que, mesmo não nomeados, possuem a minha sincera gratidão.
4
O homem é o único animal que ri e é rindo que ele mostra o animal que realmente é.
Millôr Fernandes
5
MARTINS, Ana Suellen. Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho.
2013. 245 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Paulista, Assis, 2013.
RESUMO
João Carlos Marinho (1935-) é um dos grandes nomes da literatura infantil e juvenil
brasileira, ainda em atividade. Embora sua produção literária seja legitimada por vários
estudiosos da área, não há um estudo panorâmico de suas obras voltadas para o público
infantil. Busca-se com este trabalho, assim, realizar um estudo introdutório da produção
infantojuvenil do escritor com destaque para a série criada por Marinho, com a Turma do
Gordo, que compreende doze narrativas: O gênio do crime (1969), O caneco de prata (1971),
Sangue fresco (1982), O livro da Berenice (1984), Berenice detetive (1987), Berenice contra o
maníaco janeloso (1990), Cascata de cuspe (1992), O conde Futreson (1994), O Disco
(1996), A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998), O gordo contra os pedófilos (2001) e
Assassinato na literatura infantil (2005). É objetivo do trabalho também fazer um resgate da
fortuna crítica sobre a obra do escritor, bem como compilar entrevistas dadas por Marinho em
diversas mídias. Foram cotejadas as várias edições lançadas pelo autor a fim de identificar as
mudanças ocorridas nos projetos gráfico-editoriais de cada livro e também alterações no
conteúdo do enredo. Para compreender a produção de Marinho no cenário literário brasileiro,
especificadamente, o infantojuvenil, enquanto processo de renovação do texto para crianças e
jovens foram utilizados estudos de Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho,
Edmir Perrotti, dentre outros pesquisadores da área. Foi possível perceber que Marinho, em
sua obra, soube valorizar o contexto histórico em que se insere a ação narrativa, revelando sua
percepção da realidade social, mas sem deixar em segundo plano a especificidade da
literatura, enfatizando o caráter estético da obra literária.
Palavras-chave: João Carlos Marinho. Turma do Gordo. Literatura infantojuvenil. Literatura
infantil. Literatura juvenil. Narrativa.
6
MARTINS, Ana Suellen. Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho.
2013. 245 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Paulista, Assis, 2013.
ABSTRACT
João Carlos Marinho (1935-) is one of the greats of children's literature in Brazil, still in
activity. Although his writing is legitimized by various scholars in the field, there is no
overview study of his works aimed at children. Searching with this work, so make an
introductory study of the production infantile-juvenile writer highlighting the series created
by Marinho, the Fat‟s Gang, which includes twelve narratives: O gênio do crime (1969 ), O
caneco de prata (1971), Sangue fresco (1982 ), O livro da Berenice (1984 ), Berenice detetive
(1987), Berenice contra o maníaco janeloso (1990), Cascata de cuspe (1992), Conde
Futreson (1994), O Disco ( 1996), A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998), O gordo contra
os pedófilos (2001) and Assassinato na literatura infantil (2005). Objective of the work is
also making a rescue of critical fortune of the author's work, as well as compiling interviews
given by Marinho in various mediums. Were collated the various editions released by the
author in order to identify the changes in graph - editorial projects of each book and also
changes in the content of the plot . To understand the production of the literary scene brazilian
of Marinho, specifically the infantile-juvenile while renewal process text for children and
youth were used studies of Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho, Edmir
Perrotti, among other researchers. It could be observed that Marinho, in his work, learned to
value the historical context in which it appears the narrative action, revealing their perception
of social reality, but in the background without leaving the specificity of literature,
emphasizing the aesthetic character of the literary work.
Keywords: João Carlos Marinho. Fat's Gang. Infantile-juvenile literature. Children's
literature. Youthful literature. Narrative.
.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
1. DO DIREITO À LITERATURA .......................................................................................... 13
2. COTEJO DAS EDIÇÕES .................................................................................................... 27
2.1 O GÊNIO DO CRIME (1969) E O CANECO DE PRATA (1971) ................................ 28
2.1.1 O gênio do crime ..................................................................................................... 28
2.1.2 O caneco de prata ................................................................................................... 34
2.2 DÉCADA DE 80: SANGUE FRESCO (1982), O LIVRO DA BERENICE (1984) E
BERENICE DETETIVE (1987) ........................................................................................... 40
2.2.1 Sangue Fresco ......................................................................................................... 40
2.2.2 O livro da Berenice .................................................................................................. 46
2.2.3 Berenice Detetive ..................................................................................................... 50
2.3 DÉCADA DE 90: BERENICE CONTRA O MANÍACO JANELOSO (1990),
CASCATA DE CUSPE (1992), O CONDE FUTRESON (1994), O DISCO I (1996), O
DISCO II (1998) ................................................................................................................... 53
2.3.1 Berenice contra o maníaco janeloso ....................................................................... 53
2.3.2 Cascata de cuspe ..................................................................................................... 57
2.3.3 O conde Futreson .................................................................................................... 62
2.3.4 O disco I .................................................................................................................. 66
2.3.5 O disco II ................................................................................................................. 69
2.4 DÉCADA DE 2000: O GORDO CONTRA OS PEDÓFILOS (2001) E
ASSASSINATO NA LITERATURA INFANTIL (2005) ................................................... 72
2.4.1 O Gordo contra os pedófilos ................................................................................... 72
2.4.2 Assassinato na literatura infantil ............................................................................ 74
3. UM TARANTINO DA LITERATURA INFANTIL ............................................................ 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 91
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 93
ANEXOS .................................................................................................................................. 97
ANEXO A: QUADRO COMPARATIVO DAS EDIÇÕES POR DÉCADA .......................... 98
ANEXO B: ALTERAÇÕES PRESENTES NO CONTEÚDO DAS OBRAS ....................... 102
ANEXO C: APÊNDICES PRESENTES NAS OBRAS DE JOÃO CARLOS MARINHO .. 161
ANEXO D: INFORMAÇÕES FORNECIDAS POR JOÃO CARLOS MARINHO NA SUA
PÁGINA NA GLOBAL EDITORA. ...................................................................................... 176
8
ANEXO E: ENTREVISTAS CONCEDIDAS POR MARINHO A REVISTAS,
PROGRAMAS E JORNAIS. ................................................................................................. 193
ANEXO F: PREFÁCIO DE FANNY ABRAMOVICH À PRIMEIRA EDIÇÃO DE SANGUE
FRESCO ................................................................................................................................. 209
ANEXO G: REPORTAGENS EM JORNAIS SOBRE OS LIVROS DE MARINHO .......... 211
ANEXO H: ENTREVISTA COM JOÃO CARLOS MARINHO CONCEDIDA PARA ESTA
PESQUISA (JANEIRO DE 2013) .......................................................................................... 217
ANEXO I: RESENHA DE LAURA SANDRONI ................................................................. 231
10
INTRODUÇÃO
A formação do leitor e as práticas de leitura realizadas em sala de aula me inquietam
desde a graduação no curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências (UNESP), campus de
Bauru. Ao estudar o tema, foi possível perceber que essas questões envolvem outras maiores
como a própria formação do professor, mediador no processo de leitura, e o acesso, por parte
dos docentes, a obras literárias que não se limitem àquelas mais difundidas pelas editoras ou
às distribuídas, gratuitamente, nas escolas pelos programas de incentivo à leitura. Muitos
escritores nacionais de literatura infantil e juvenil não são conhecidos por grande parte dos
profissionais responsáveis pela formação do leitor e também, mesmo quando reconhecidos
por teóricos da área, ainda não possuem um estudo panorâmico de suas obras. Um desses
autores é João Carlos Marinho, criador da Turma do Gordo1. O primeiro contato com a obra
do autor se deu durante a graduação nas aulas de Metodologia do ensino de língua portuguesa,
quando a Profª Drª Rosa Maria Manzoni, ao indicar vários livros e autores da literatura
infantil, destacava a qualidade literária de Sangue fresco (1982), terceiro livro da coleção
criada por Marinho.
Após o levantamento dos referenciais teóricos, foi possível perceber que João Carlos
Marinho se distingue na produção de livros para crianças pela qualidade estética de seus
textos e ainda consegue ser um fenômeno de vendas, tendo grande aceitação pelo público a
quem se dirige. Apesar disso, não havia um estudo que abordasse a produção infantojuvenil
do autor, englobando as doze narrativas: O gênio do crime (1969), O caneco de prata (1971);
Sangue fresco (1982); O livro da Berenice (1984); Berenice detetive (1987); Berenice contra
o maníaco janeloso (1990); Cascata de cuspe (1992); O conde Futreson (1994); O Disco
(1996); A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998); O gordo contra os pedófilos (2001) e
Assassinato na literatura infantil (2005).
O grupo de crianças é constituído, inicialmente, por Gordo, também conhecido como
Bolacha ou Bolachão, por Berenice, Edmundo e Pituca. Nas narrativas seguintes, essas
personagens são mantidas e outras são inseridas, como a Mariazinha, a Silvia, o Godofredo, o
Zé Tavares, o Biquinha e o Hugo Ciências, completando a turma. Além das crianças, há a
presença de adultos como o mordomo Abreu, o frade João, a professora Jandira, doutor
Marcelo e dona Celeste, pais do Gordo.
1 No presente trabalho, será grafado Gordo com letra maiúscula. Apenas nos trechos transcritos das narrativas,
será mantida a grafia usada por Marinho, que escreve o nome de sua personagem em minúscula.
11
Embora Marinho seja um escritor reconhecido por vários estudiosos da literatura
infantil e juvenil brasileira devido à qualidade de sua produção para crianças e jovens, há
poucas pesquisas a respeito de sua obra, cuja abordagem abranja a coleção por ele criada e
pela qual é mais conhecido. As teses e dissertações sobre João Carlos Marinho, geralmente,
abordam um tema específico ou a uma análise comparativa das obras, destacando a questão da
violência ou dos expedientes do romance policial.
Optou-se por trabalhar, numa primeira instância, com as obras que compõem a série
das aventuras da Turma do Gordo, que compreende um período de 36 anos entre a primeira
obra, em 1969, e a última, em 2005, sendo a produção que mais se destaca pela crítica
positiva e pelos prêmios recebidos. João Carlos Marinho também é autor de livros para
adultos, que não tiveram, porém, o mesmo sucesso de vendas que os infantojuvenis, não
passando das primeiras edições. São objetivos estabelecidos para o estudo, portanto:
Levantar a fortuna crítica sobre a obra de João Carlos Marinho presente em
livros, revistas, artigos científicos, dissertações, teses etc.
Encontrar o maior número possível de entrevistas concedidas pelo autor e
reportagens sobre ele;
Levantar todas as obras da série A Turma do Gordo;
Identificar as mudanças editoriais realizadas nas obras voltadas para as crianças
e jovens;
Fazer um estudo introdutório da produção infantojuvenil de João Carlos
Marinho.
Assim, busca-se disponibilizar para futuros estudiosos um material de pesquisa e
suscitar novos trabalhos referentes à obra de João Carlos Marinho, que se diferencia pela
originalidade e inovação na produção de textos para o público infantojuvenil. Para Nelly
Novaes Coelho (2006, p.360), “é um dos nomes que atuou de maneira fecunda no processo de
construção da literatura infantil e juvenil contemporânea, valor confirmado pelos vários
prêmios ou distinções que lhe têm sido atribuídos como Prêmio Mercedes-Benz de Literatura
Infantil e Juvenil de 1988 e Grande Prêmio da Crítica em Literatura Juvenil de 1982,
concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).”
Os dados apresentados referem-se à comparação da primeira edição com a última de
cada obra que compõe a Turma do Gordo. O caneco de prata (1971) foi a obra que mais
sofreu alterações no conteúdo, que segundo o próprio escritor, ocorreram com o intuito de
deixá-la menos abstrata e dar maior enfoque ao campeonato de futebol. Por isso, nesse
12
primeiro plano, houve essa análise mais atenta da obra, cotejando as duas primeiras edições
(1971 e 1973) e a última (2007). Foram extraídas informações sobre Marinho e o período em
que se dá a sua produção para crianças nas obras críticas de Regina Zilberman, Marisa Lajolo,
Nelly Novaes Coelho, Edmir Perrotti entre outros teóricos.
O presente trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo, Do direito à
literatura, traz a biografia de João Carlos Marinho como a sua produção para crianças e
adultos juntamente com um balanço dos referencias teóricos sobre a literatura infantil e
juvenil, com destaque às referências ao autor estudado nesta pesquisa. No capítulo seguinte,
Cotejo das edições, destacam-se as principais alterações nas obras da série decorrentes da
mudança de editora e da adequação ao formato de coleção nesta última edição pela Global
Editora. No capítulo intitulado “Um Tarantino da literatura infantil”, é feito um estudo
introdutório de um dos aspectos que se destacam na produção do autor como o humor,
principal característica apontada como inovação na sua produção para crianças e jovens,
ressaltando o exagero empregado para descrever as cenas de violência, além do nonsense.
13
1. DO DIREITO À LITERATURA
João Carlos Marinho Homem de Mello é conhecido no cenário literário como J.C.
Marinho Silva, João Carlos Marinho Silva ou, simplesmente, João Carlos Marinho, nome que
adota, ultimamente, em suas publicações. Nascido no Rio de Janeiro, em 25 de Setembro de
1935, filho de Roberto Silva e Hortense Marinho, aos cinco anos muda com a família para
Santos, no litoral paulista. Terminado o primário no Ateneu Progresso Brasileiro, dá
continuidade aos seus estudos em São Paulo, onde realiza o admissão e o ginásio como
interno no Instituto Mackenzie, retornando nos finais de semana e nas férias para Santos. Aos
treze anos, Marinho perde seu pai e passa a ser externo do instituto e a viver com seus avós
maternos, doutor João Marinho de Azevedo e dona Cecília do Val Marinho em São Paulo.
Em 1952, continua seus estudos na Suíça, cursando o colegial de janeiro desse ano até
abril de 1956, quando adquire o certificado de Maturité Fédérale Suisse, exame que
possibilitava o prosseguimento nos estudos universitários. Retornando ao Brasil, no ano
seguinte, passa no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Concluído o curso, em fins de 1961 passa a advogar em Guarulhos, inicialmente, em
sindicados e depois em escritório próprio. Em outubro de 1962, casa-se com Marisa, com
quem tem três filhos, Roberto, Cecília e Alex. Ainda trabalhando como advogado, começa a
escrever O gênio do crime, em meados de 1965, terminando três anos depois e sendo, em
1969, publicado pela Editora Brasiliense na coleção "Jovens do mundo todo", destinada à
juventude, organizada por Yolanda Cerquinho da Silva Prado, nos anos 60. Depois de dois
anos, o escritor e advogado carioca publica a segunda obra que dá continuidade à turma
criada. Marinho comenta em sua autobiografia2 que desde criança tinha o sonho de ser
escritor: "Publicando o Gênio do Crime eu senti que havia alcançado a minha verdadeira
vocação, aquela com que eu sonhava quando era criança". A partir de 1987, passa viver
exclusivamente dos direitos autorais de seus livros, deixando de advogar e se consolidando
como escritor. Ganhou vários prêmios com sua produção voltada para o público infanto-
juvenil, sendo reconhecido pela crítica pela originalidade de suas obras.
Sua produção também compreende dois romances Professor Albuquerque (1973);
Pedro Soldador (1976), um livro de contos, Pai Mental e Outras Histórias (1983), um de
2As informações biográficas foram retiradas da página que o escritor possui na Editora Global, escrita por ele
mesmo e disponibilizada na íntegra no Anexo D.
14
poesia, Anjo de Camisola (1988) e Dueto de gatos (e outros contos), publicado em 2012.
Marinho, grande admirador e leitor de Monteiro Lobato, também escreveu, em 1978, por
ocasião dos trinta anos da morte de Lobato, um ensaio sobre a obra do escritor, publicado,
originalmente, pela Editora Obelisco3 no mesmo ano e, depois, aparecendo em uma das
edições de O gênio do crime.
João Carlos Marinho surge no cenário literário em 1969, com a publicação de O gênio
de crime, que se torna um best-seller e apresenta a Turma do Gordo. Dois anos depois, em O
caneco de prata, a turma formada, inicialmente, pelo Gordo (Bolacha), Berenice, Edmundo e
Pituca é acrescida de novas personagens como Silvia, Mariazinha, Biquinha, Godofredo e Zé
Tavares. A partir de Sangue fresco, a turma conta com a presença de Hugo Ciências que se
transfere para a Escola Três Bandeiras, onde os amigos do Gordo estudam.
Suas obras foram premiadas com o prêmio Jabuti (1982) e o prêmio APCA (1982),
além do Prêmio Mercedes-Benz em 1988 e tendo obras consideradas altamente
recomendáveis pela Fundação Nacional (FNLIJ), sendo o mais recente o deste ano, pelo livro
Dueto de gatos (e outros contos), publicado no ano passado.
O período em que Marinho surge no cenário literário é de grande incentivo aos
escritores nacionais para atender aos programas de incentivo à leitura, criados pelo governo:
Multiplicam-se, nos anos 60, instituições e programas voltadas para o
fomento da leitura e a discussão da literatura infantil. É por essa época
que nascem instituições como a Fundação do Livro Escolar (1966), a
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de
Estudos de Literatura Infantil e Juvenil (1973), as várias Associações
de Professores de Língua e Literatura, além da Academia Brasileira de
Literatura Infantil e Juvenil, criada em São Paulo, em 1979.
(ZILBERMAN e LAJOLO, 2005, p.123)
Em o Panorama histórico da literatura infantil e juvenil, Nelly Novaes Coelho (1991,
p.254) acredita que a produção literária para crianças e jovens nos anos 60 foi um momento
em que permitiu preparar o terreno para o grande surto criativo que ocorreria na década
seguinte. Tal autora considera os anos 70 a 90 como os que foram de grande importância para
a literatura infantil e juvenil no Brasil, importância que vai além fronteiras como o Prêmio
Internacional Hans Christian Andersen concedido à obra de Lygia Bojunga Nunes, em 1983.
Ainda sobre o período, Coelho (1991) afirma que a palavra de ordem no período era:
3 SILVA, João Carlos Marinho. Conversando de Monteiro Lobato. São Paulo: Obelisco, 1978.
15
[...] o experimentalismo com a linguagem, com a estrutura narrativa e com o
visualismo do texto; substituição da literatura confiante/segura por uma
literatura inquietante/questionadora, que põe em causa as relações
convencionais existentes entre a criança e o mundo em que ela vive;
questionando também os valores sobre os quais a nossa Sociedade está
assentada. (COELHO, 1991, p.259). (Grifos da autora)
Pensando nessa inovação no texto para crianças, a obra de Marinho com seus
primeiros livros demonstram essa preocupação com o novo. A estrutura de O caneco de prata,
por exemplo, envolve o trabalho entre texto e imagem, obra em que esse experimentalismo à
que se refere Coelho (1991) fica mais evidente. Dentro desse período, Edmir Perrotti (1986),
em sua obra O texto sedutor na literatura infantil, destaca a obra de Marinho, O caneco de
prata, por marcar a crise do discurso utilitário na literatura infantil brasileira: "Na verdade, O
caneco de prata, dadas as suas características internas e o momento em que surgiu, pode ser
tomado como verdadeiro divisor de águas na literatura brasileira para crianças e jovens."
(PERROTTI, 1986, p.12). Para este autor, o que caracteriza o discurso utilitário é a intenção
precípua de ensinar, instruir, deixando de lado o valor estético, que caracteriza a obra de arte.
Marinho, em O caneco de prata, foi capaz de romper com o utilitarismo tão comum no texto
para crianças e conferir à literatura infantil, após o fenômeno Monteiro Lobato, um valor
estético:
Assim, se a invenção estética é condição exigida à literatura para crianças
por um Lourenço Filho, Fernando Azevedo, uma Lucia Miguel Pereira, uma
Cecilia Meireles, parece que, com o tempo, tal ideia foi ganhando novos
adeptos, abrindo espaço para a instituição de uma nova tendência discursiva
na literatura brasileira para crianças e jovens: a do discurso “estético”. E,
mais que uma nova tendência, cinquenta anos depois do primeiro Lobato,
finalmente, colocaríamos em crise uma outra forma de discurso: o discurso
“utilitário”. O exemplo mais radical da negação desta última forma foi – e
talvez continue sendo – O caneco de prata, obra de João Carlos Marinho
Silva, publicada em 1971, e que trazia um subtítulo indicativo: “epopeia
dodecafônica”. (PERROTTI, 1986, p. 79)
O caneco de prata (1971) rompe com a estrutura comum às narrativas tradicionais às
crianças, em que há linearidade no desenrolar dos acontecimentos, e adota uma postura
comum à obra modernista Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade.
Assim, como a história oswaldiana, os capítulo aparentemente não possuem relação entre si,
sendo possível acompanhar a evolução da narrativa, que no caso da obra de Marinho é o
campeonato. Para Nelly Novaes Coelho (1995), em O dicionário crítico de literatura infantil
e juvenil brasileira: séculos XIX e XX, afirma que na tentativa de inovar, Marinho acabou
16
exagerando e dificultando assim a compreensão do enredo pelo leitor mirim. Segundo a
autora, o leitor a quem se dirige o livro ainda não tem maturidade intelectual necessária para
compreender os recursos estilísticos utilizados, que, para ela, funciona bem com o leitor
adulto.
Coelho (1995), diferente de Perrotti (1986), analisa a obra a partir da recepção,
pensando na compreensão do público. Essa questão de a obra ser muito abstrata para o
público a que se refere, foi percebida por Marinho quando foi feita a segunda edição em 1973,
em que retira alguns capítulos, na tentativa de deixar o campeonato mais em evidência. Na
última edição, a obra passou por mais alterações, havendo a supressão de mais capítulos. Tal
postura da autora em julgar o livro como inapropriado ao público a que se dirige à obra, além
de ser polêmica, é muito taxativa, ao nivelar por baixo os leitores. Ainda mais que a autora
classifica como público leitor da obra crianças a partir de 12 anos, faixa etária em que a
própria autora classifica o leitor como crítico, no qual já possui: “Fase de total domínio da
leitura, da linguagem escrita, capacidade de reflexão em maior profundidade, podendo ir mais
fundo no texto e atingir a visão-de-mundo ali presente...” (COELHO, 1995, p. 19). Se o leitor
a quem Coelho (1995) classifica como crítico possui estas competências, muitos dos pontos
colocados como impedimento à compreensão da obra de Marinho não se justificariam.
Perrotti (1986) compreende O caneco de prata dentro do contexto literário, quando faz
o contraponto entre o discurso estético e o utilitário na literatura infantil brasileira,
considerando um marco na literatura infantil pós-Monteiro Lobato, como explicita abaixo:
Rompendo completamente com a tradição retórica vigente, herdada dos
centros europeus, e que postulava, explicitamente ou não, a estruturação da
narrativa a partir de critérios alheios à dinâmica interna da própria obra, João
Carlos Marinho Silva inscreve, com O caneco de prata, o discurso literário
produzido no país para o público infanto-juvenil não somente no âmbito da
contemporaneidade estética, como também o eleva à condição artística, tal
como a compreendemos hoje. Isto é: como realização “autônoma”,
estruturada “de dentro”, dotada de coesão interna, resultante de sua auto-
regulação. (PERROTTI, 1986, p.12).
O autor, ao analisar o discurso na obra de Marinho, afirma que “O caneco de prata é
não só exemplo acabado, mas certamente, a mais radical tentativa de renovação de nossa
literatura para crianças e jovens, no período: pela primeira vez a concepção representativa da
literatura é efetivamente colocada em crise.” (PERROTTI, 1986, p. 84). Ainda ressalta,
diferente de Nelly Novaes Coelho, o modo como a narrativa foi construída é que destaca a
17
obra pela valorização do discurso estético, em que várias instâncias, das mais diversas, unem-
se ao enredo principal do campeonato de futebol.
O caneco de prata, portanto, é a obra que mais difere das demais da coleção pela sua
estrutura, em que Marinho intercala no desenvolvimento do campeonato, que acontece
linearmente, situações marcadas pelo nonsense, apresentadas em microcapítulos, num ritmo
semelhante a flashes cinematográficos, como no capítulo 24, em que os fatos apresentados
pelo narrador mostram-se sem sentido em relação ao que acontece antes e depois do episódio:
A ARANHA ESTRABOSCÓPICA deu um pulo e comeu o mosquito.
E assim termina a rapidíssima participação da ARANHA
ESTRABOSCÓPICA nessa minha história. (MARINHO, 1971,
cap.24)
No capítulo 41, a narração é feita por meio de onomatopeias, contendo a intervenção
direta do narrador ao demonstrar a sua euforia diante da cena mostrada:
Vestiário do Três Bandeiras depois da partida
barulho do chuveiro CHHH CHHH CH
barulho do biquinha se ensaboando: COC
vapor da água quente: FUIM FUIM FUIM
eco das vozes no vestiário: Ô Ô Ô Ô Ô
grito do godofredo: Passa o sabão!
porta se abrindo: CRAC
corrente de ar: ZUUUUUM ZUUUUUM
grito do massagista: Olha a PORTA!
arrepio na pele dos jogadores: PRRRRRRRRR
porta batendo: PLAN
metabolismo desintoxicante: UUUF UUUUUUF
ainda os efeitos da corrente de ar: ATCHIM!
uma piada: RA RA RA
barulho da toalha sobre as costas: FLAP
esconderam meu sapato: POXA!
inveja da alegria sobre o massagista: como eu gostaria de ser criança
e estar tomando banho nessa festa.
REPÓRTER DE CAMPO: Posso entrar?
resposta espirituosa: RA RA RA
alguém disse: Meu pai está de carro, quem vai para o lado do Jardim
América?
cheiro gostoso de sabão no ar: MUF MUF MUF
Como Machado de Assis no capítulo LV de Memórias póstumas de Brás Cubas,
intitulado O velho diálogo de Adão e Eva, em que há apenas a pontuação, indicando o
transcorrer da ação, Marinho presta uma homenagem a um dos grandes nomes da literatura
18
nacional brasileira, incorporando essa estrutura no texto infantil. O autor se vale dos recursos
linguísticos para compor a narrativa, destacando a preocupação com o seu caráter estético. Do
mesmo modo que a organização interna da obra assemelha-se à obra oswaldiana já
mencionada, esse capítulo remete ao do escritor de Memórias de Póstumas de Brás Cubas.
Marinho cria um universo literário em que as mais diversas produções humanas circulam em
suas histórias, desde a mitologia grega com a sucuri que lembra à Fedra, passando por um
frade descendente de Frére Jean, personagem de Rabelais até às músicas populares nacionais
e propagandas, além das referências às personagens criadas por Monteiro Lobato como o Jeca
Tatu, o doutor Caramujo e o Visconde de Sabugosa.
Atualmente, a Turma do Gordo é composta por doze narrativas com a abordagem de
temas dos mais variados como futebol, pedofilia, sequestros, tortura, consumo, cultura de
massa, venda de sangue infantil, assassinatos, viagens espaciais, vampiros, sempre com um
toque de humor, ironia, nonsense e crítica social. A postura adotada por Marinho não visa
transmitir valores com cunho pedagógico ou moralista, mas o de promover a reflexão por
meio do humor com situações do dia a dia comuns às crianças e atento aos acontecimentos do
país e do mundo.
Marinho aborda, em seus livros, as contradições comuns nas relações sociais e,
sobretudo, a questão do avanço tecnológico e os relacionamentos humanos. À medida que a
sociedade avança tecnologicamente, as relações humanas tornam-se mais superficiais e
desiguais. No início do capítulo intitulado O direito à literatura, Antônio Candido (2004)
analisa as contradições da sociedade humana em que o máximo da racionalidade não foi
capaz de acabar com a barbárie tampouco acabar com as desigualdades sociais. Candido
também observa que mesmo que a barbárie ainda exista, ela não é propalada como um êxito
ou uma conquista como antigamente, sendo que a sociedade reconhece que deva ser algo a ser
ocultado. Apesar dessa consciência, a violência e a desigualdade ainda existem por mais que o
avanço tecnológico e científico tenha atingindo um patamar considerável na sociedade
contemporânea. Nesse contexto, o autor reflete sobre os direitos humanos e na sua
relatividade: será que reconheço como indispensável ao outro aquilo que considero para mim?
Assim, Candido compreende a literatura como um direito inalienável do sujeito a qual ajuda a
desenvolver características essenciais ao homem:
[...] como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para
com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos
problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do
mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a
19
quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 2004,
p.180)
Além do caráter humanizador da literatura, Candido também ressalta o papel do texto
literário como instrumento de desmascaramento das contradições sociais existentes. Valendo
de suas reflexões, é possível encontrar na obra de Marinho a postura crítica acerca do período
histórico e dos comportamentos humanos. Em meio a uma sociedade marcada pela repressão
política como a brasileira do início da década de 60, como valer-se do presente sem cair na
barbárie? Como a literatura poderia despertar a reflexão nos leitores sem perder a sua
especificidade? Para isso, o criador da Turma do Gordo, valeu-se do humor para desvelar
esse mundo e promover o questionamento do status quo.
Dentro desse contexto de inovação, Vera Maria Tietzmann Silva (1995), em Literatura
infanto-juvenil: poesia e prosa, no capítulo "O suspense juvenil", afirma que Marinho é
representante da vertente inovadora do gênero policial quando se refere ao universo infantil.
Sobre o gênero, Silva (1995) afirma que as narrativas juvenis situam-se entre o terceiro tipo
de romance policial, o de suspense, situada entre o romance de enigma e o negro, no qual a
autora se vale da definição dada por Todorov (1970):
Do romance de enigma ela conserva o mistério e as duas histórias, a do
passado e a do presente; recusa-se a reduzir a segunda a uma simples
detecção da verdade. Como no romance negro, é essa segunda história que
toma aqui o lugar central. O leitor está interessado não só no que aconteceu,
mas também no que acontecerá mais tarde, interroga-se tanto sobre o futuro
quanto sobre o passado. Os dois tipos de interesse se acham, pois, aqui
reunidos: existe a curiosidade de saber como explicam os acontecimentos já
passados; e há também o suspense: que vai acontecer às personagens
principais? Essas personagens gozavam de imunidade (...) no romance de
enigma; aqui elas arriscam constantemente a vida. O mistério tem uma
função diferente daquela que tinha no romance de enigma: é antes um ponto
de partida, e o interesse principal vem da segunda história, a que se
desenrola no presente. (TODOROV, 1970, p.102)
Em Como e porque ler a literatura infantil brasileira, no capítulo intitulado "Detetives
Mirins", Regina Zilberman (2005) ressalta a inovação na escolha da narrativa policial. A
autora afirma que esse tipo de gênero exige um cuidado redobrado para o escritor de literatura
infantil quando sua obra se destina aos leitores mirins: ele precisa relacionar ao universo da
criança para prender a sua atenção e garantir que chegue até o fim. Diante desse impasse:
20
Marinho resolve a questão com maestria em O Gênio do Crime, logo no
capítulo de abertura, o narrador enfatiza que uma “mania” tomara conta da
criançada paulista: o “concurso das figurinhas de futebol”, que conquistou os
meninos, levando-os a completar os álbuns a serem trocados por um jogo de
camisetas do clube predileto do colecionador. O assunto, próprio à faixa
etária visada pelo livro, captura de imediato a atenção, alimentada pelo
acontecimento seguinte: os vencedores não recebem o premio, porque o
fabricante das figurinhas não da conta dos pedidos; revoltados, os torcedores
mirins depredam a fábrica promotora do concurso. (ZILBERMAN, 2005, p.
111)
Em relação às narrativas policiais para crianças e jovens, Zilberman (2005) destaca
ainda que as posturas adotadas nos livros de Marinho refletem os processos pelos quais passa
a sociedade como a presença feminina nas histórias policiais, sendo as garotas policiais o que
também se reflete em outras narrativas do período como as de Marcos Rey e Pedro Bandeira.
Enfim, conclui: “O gênero policial que nasceu para divertir crianças e adolescentes leva-os
igualmente a refletir sobre a sua condição e posição na sociedade, proporcionando leitura
agradável, mas também conhecimento e reflexão.” (ZILBERMAN, 2005, p.126). A
participação de Berenice na resolução dos crimes é destacada pelo autor desde a primeira
obra, em que com sua inteligência descobre o disfarce do Gordo, além de valer-se da sua
intuição.
A trama construída por Marinho subverte os expedientes do gênero policial ao colocar
crianças na resolução do problema, sendo que neste caso nem sempre o crime seja
assassinatos, como em O gênio do crime, em que se busca encontrar a fábrica clandestina de
figurinhas. As crianças se tornam peças fundamentais na investigação, sendo capazes de
identificar pistas ignoradas pela polícia como em Berenice detetive, em que a garota que dá
nome ao livro, suspeita de que a escritora, cuja morte será motivo de investigação, tenha sido
assassinada.
Em Ao longo do caminho, Laura Sandroni (2003) selecionou algumas resenhas suas
publicadas no Jornal O Globo, nos anos de 1975 a 2002 no Caderno Família. Neste livro, as
obras O Gênio do crime e Sangue fresco apareceram analisadas pela escritora. Na resenha
escrita em 8 de Agosto de 1982, referente ao livro publicado naquele mesmo ano, Sangue
fresco, Sandroni afirma:
Outro aspecto marcante da obra de João Carlos Marinho é seu espírito crítico
onipresente. Nada resiste à sua visão devastadora – para ele, nada é sagrado.
A linguagem coloquial, eivada de gírias, remete constantemente a fatos,
pessoas e locais conhecidos, especialmente do leitor paulista. Leitura que
21
prende, faz rir, leva à reflexão e mostra que João Carlos Marinho está de
volta com força total. (SANDRONI, 2003, p.114)
Nessa mesma obra, há outra resenha feita pela autora a respeito da reedição de O gênio
do crime, que, a partir de 1986, passa a ser editado pela Global, com ilustrações do Estúdio
Gepp e Maia. Destacando a questão da criatividade no universo literário infantil, a escritora
destaca as reedições:
Mas a produção literária para crianças e jovens comporta também muitas
reedições. Entre elas, e talvez o título mais vezes reeditado de autor
contemporâneo, O Gênio do crime, de João Carlos Marinho, em 32ª edição.
Lançado em 1969, o sucesso imediato deveu-se principalmente a dois fatores
que permanecem e marcam a obra: enredo rocambolesco em cima de um
tema “quente” e uma linguagem coloquial e ágil. A notar-se ainda a
influência assimilada de formas modernas de comunicação, como o cinema e
os quadrinhos.
Em O Gênio do crime ele desenvolve, com muito talento, uma trama
recheada de suspense e aventura em torno da turma que colecionava
figurinhas de futebol. Esta edição, da Global, é valorizada pelas ilustrações
do Estúdio Gepp e Maia. (SANDRONI, 2003, p.201)
Embora Sandroni destaque as ilustrações como um fato de valorização da obra, é
possível identificar que as ilustrações trazem informações que discordam do texto. No
primeiro capítulo, por exemplo, o narrador relata que o gordo estava com cola no polegar, mas
na imagem mostra no dedo indicador. Embora se mantenha um projeto geral, percebe-se que
há mudança de ilustrador quando se compara as imagens. Na obra Sangue fresco também é a
mesma equipe que faz as ilustrações e apresenta a mesma situação como aponta Ceccantini
(2000) ao analisar essa obra. Há variações no estilo das imagens e em determinadas situações,
as ilustrações contradizem o texto verbal: “Um exemplo é o fato de o texto verbal reiterar que
todas as crianças vivem no acampamento só de calção, sem camisa e sem sapato, e as
ilustrações insistirem em representa-las vestidas e calçadas.” (p.139).
Os teóricos apresentados concordam entre si sobre o caráter inovador da obra de
Marinho e a sua participação na renovação da literatura infantil. Coelho (1991) apresenta
opinião divergente em relação ao livro O caneco de prata quanto à recepção da obra pelo
leitor jovem. O estilo de Marinho é marcado pelo ritmo vertiginoso e bem humorado das
situações cotidianas de São Paulo, cenário principal de suas histórias. Além de que Marinho,
na esteira da renovação da literatura infantil, produz um texto livre da preocupação
pedagógica. Seus personagens possuem as mais variadas atitudes, muitas delas egoístas e
22
impulsivas, mas sem perder o bom humor que confere à obra uma visão crítica das atitudes e
sentimentos humanos.
Nota-se que a crítica às obras de Marinho são referentes às primeiras em que há
detalhamento dos aspectos da narrativa como é possível identificar em Dicionário crítico da
literatura infantil, Nelly Novaes Coelho apresenta de modo sucinto as últimas narrativas, não
emitindo sua opinião crítica:
Depois de algum tempo em silêncio, João Carlos Marinho reaparece com a
mesma Turma do Gordo e uma nova linha novelesca, a da ficção científica: o
Disco 1 – A viagem (1997) e o Disco 2 – A Catástrofe do Planeta Ebulidor
(1998). Em 2001, volta à linha policial-satírica com nova aventura da Turma
do Gordo: O Gordo contra os Pedófilos. Em 2005, Assassinato na literatura
Infantil. Trama de crime e mistério, que começa com um concurso de
literatura infantil, cujo resultado ia ser definido, quando o último jurado (que
iria resolver o impasse) é morto com um tiro. A Turma do Gordo entra em
ação para ajudar a polícia. P. 365
As últimas obras são analisadas em artigos apresentados em eventos científicos ou em
jornais. Grande parte da crítica refere-se, portanto, às primeiras obras que conquistaram os
leitores e a crítica. O estilo de Marinho é o mesmo em todas as narrativas, embora a
quantidade de sangue tenha diminuído, pois longe das cabeças decapitadas e miolos
estourando, em sua última obra, há apenas um fio de sangue escorrendo. Em artigo ao Jornal
da Tarde, em 13 de Abril de 2001, Geraldo Galvão Ferraz comenta sobre o lançamento de O
gordo contra os pedófilos em que mais uma vez Marinho usa uma situação real e preocupante
que é a exploração infantil por meio da pornografia.
Impróprio para menores? Contudo, familiarizados com a Internet e
informados do que acontece, para eles pornografia e pedofilia é um dado da
realidade, e Marinho trata do tema assim, com naturalidade e sensibilidade.
O gordo contra os pedófilos pode ser visto até como um alerta para os
jovens. (FERRAZ, 2001)
Em meio aos horrores sofridos e diante da iminência da morte, Berenice elabora um
plano, mostrando a naturalidade e sensibilidade referida por Ferraz nessa mesma obra:
O cérebro da Berenice está desenvolvendo um plano um pouco sinistro, um
pouco cruel, mas que se apresentava como a única solução possível. O plano
era de escrever em um papel a descrição física do chefe, do Alicate e da
mulher dele e fazer um pacto com a Denise, a Célia e a Maria.
23
O pacto seria assim: a primeira menina a ser mandada embora para morrer
levaria o papel embaixo da roupa. A polícia descobriria o papel no corpo da
primeira que fosse assassinada.
[...] Se conseguisse executar esse plano, a próxima vítima seria a última e
morreria com um consolo: a morte era certa mas desta vez não seria uma
morte inútil. (MARINHO, 2001, p. 79)
Embora as crianças sejam vítimas de adultos mal intencionados como no caso de
Sangue fresco e nesta obra, são elas que investigam e descobrem os criminosos. Abordando
um tema polêmico, Marinho o faz de forma bem humorada, mas sem perder a veia crítica.
Meninas são sequestradas, drogadas e usadas para vídeos pornográficos que serão vendidos
para a Europa. Em condições desumanas no cativeiro, as meninas adoecem: “Andaram pelo
corredor, inspecionando todas as celas através do olho mágico. Em algumas celas o chefe se
demorava mais. Numa das celas uma menina, estendida no chão, tossia sem parar e cuspia
sangue. Baratas passavam por cima do corpo dela, indo e vindo.” (MARINHO, 2001, p.47). O
fim de cada menina era o estrangulamento feito por um dos integrantes da quadrilha e o corpo
abandonado em algum matagal da cidade de São Paulo. A descoberta do crime se dá pela
dedução do Gordo, a partir da palavra flor pronunciada por Dorotéia, responsável por raptar
as meninas, antes de morrer. As deduções do gordo levaram a turma a descobrir o cativeiro
onde Berenice estava. Desconfiados do envolvimento de algum agente da delegacia, as
crianças resolvem por si só encontrar o cativeiro onde Berenice está.
Temas polêmicos presentes nas narrativas juvenis de João Carlos Marinho, artigo de
Érica Antonia Caetano, apresentado durante 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários
realizado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), é um artigo que analisa as duas
últimas obras de Marinho. Destaca o modo como são mostradas as cenas de violência em cada
obra, inclusive, a abordagem de temas nas obras infanto-juvenis como a pedofilia e a morte.
Temas como esses já foram abordados em outros autores infantis como Lygia Bojunga
Nunes ao falar sobre a morte dos pais em Corda bamba (1979) ou tratar do tema do suicídio
em O meu amigo pintor (1987). São assuntos que passaram a ser tratados entre os leitores
mais jovens por fazerem parte do seu cotidiano, ainda mais quando a violência está presente
em todos os lugares e temas até então não imaginados passam a compor as páginas da
literatura infantil. Vera Teixeira de Aguiar, em A morte na literatura: da tradição ao mundo
infantil (2010) afirma que:
A literatura tem sido, através dos tempos, um dos modos de registro da
experiência humana. Nesse sentido, tem fixado os sentimentos mais
profundos por intermédio do depoimento do artista, que externa sua
24
inquietação diante das questões vitais como o amor, o ódio, a violência, a
solidariedade, a amizade, a fé e a morte. (AGUIAR, 2010, p.23)
Por mais que a literatura vá abordar temas presentes nas manchetes dos jornais ou dos
telejornais, o modo como isso será feito requer uma abordagem diferente, pois contará com a
sensibilidade do autor como fez Lygia Bojunga Nunes ou Marinho. Embora em estilos bem
diferentes, ambos os escritores conseguiram abordar temas polêmicos com poeticidade,
levando o leitor à reflexão e à compreensão do mundo e de si mesmo.
Após esse levantamento, foi realizada uma pesquisa no banco de dados da CAPES e
na Plataforma Lattes de dissertações e teses a respeito da obra de João Carlos Marinho, sendo
encontrados apenas três trabalhos que abordam pelo menos uma obra de Marinho: duas
dissertações de mestrado e uma tese de doutorado.
Em "A construção do romance policial em O caso da estranha fotografia, Berenice
detetive e Droga de Americana!", dissertação de mestrado apresentada por Adriana Pereira de
Jesus, em 2008, ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, em que faz uma análise comparativa entre a obra de Stella Carr, de João Carlos
Marinho e de Pedro Bandeira, respectivamente. A primeira obra foi publicada em 1977, a de
Marinho, em 1987 e a última, em 1999. A escolha dessas três obras se dá pelo ano de
publicação, atingindo, portanto três décadas diferentes. O destaque é para os expedientes que
compõem as três narrativas caracterizando-as como do gênero policial e a construção desse
tipo de obra para o público infantil e juvenil. São analisados o crime, as vítimas e a
investigação e como esses expedientes do gênero policial são construídos na literatura
infanto-juvenil.
Em "Violência e práxis na literatura infantil e juvenil: uma análise comparativista",
dissertação de Tatiana Colla Argeiro, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da USP, na
área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, há o estudo da obra Sangue
fresco, de João Carlos Marinho e Sofia, a desastrada e Meninas exemplares, ambos da
escritora russa Condessa de Ségur e De mãos atadas, de Álvaro Cardoso Gomes.
Respectivamente, as obras foram publicadas em 1982; 1856 e 1859; e a última em 2006. Na
sua análise, a violência na obra de Marinho é marcada por um distanciamento do real, do
cotidiano das crianças por não ser realizável. Situa a violência no maniqueísmo entre as forças
opressoras de Ship O'Connors e das crianças. É possível perceber que a autora, ao analisar,
Sangue fresco vale-se de vários fatos externos à obra para tentar justificar seu ponto de vista,
sendo que o conteúdo do texto não dá margem a certas interpretações. Na conclusão, afirma:
25
"Como percebemos durante a análise deste livro, sua intenção é representar a violência não
somente do período contextualizado, mas como instrumento de quebra de paradigmas,
especialmente com a alusão aos guerrilheiros do Araguaia." (ARGEIRO, 2008, p.90). No
corpo do texto, não é possível inferir à guerrilha do Araguaia, sendo este um dado referido por
João Carlos Marinho para explicar como conseguiu dar um desfecho verossímil ao livro ao se
valer do conhecimento de José Genoíno sobre como sobreviver na mata quando este guiava os
militantes durante o conflito no Araguaia. O contexto histórico está presente na obra de
Marinho, como é possível perceber nas demais narrativas da série, mas o texto em si não
permite fazer esse tipo de inferência.
Em sua tese de doutorado, intitulada "João Carlos Marinho e Pepetela: dois escritores
em ponto de bala - o gênero policial em Berenice detetive e James Bunda, agente secreto",
Luci Regina Chamlian quis identificar aspectos presentes nas duas obras que as classificassem
como do gênero policial. Embora pertencentes a sistemas literários distintos, um sendo
pertencente ao universo infanto-juvenil e o outro, ao adulto e também sendo autores de
nacionalidades diferentes: Marinho é brasileiro e Pepetela, angolano, Chamlian justifica a
abordagem dessas duas obras por possuírem semelhanças entre si a respeito do gênero
policial. A investigação consistiu em analisar à luz das teorias sobre o gênero policial,
aspectos que confirmassem ou não a inclusão dessas duas obras no gênero mencionado. A
autora pôde concluir que Berenice detetive possui expedientes do romance policial.
Quando se analisam as obras de Marinho, dois temas são comumente estudados: a
violência e o gênero policial. A série é composta por algumas narrativas que tem como fio
condutor a resolução de um crime em que envolve um assassinato como em Berenice detetive,
Berenice contra o maníaco janeloso ou Assassinato na literatura infantil, mesmo aquelas cuja
ênfase é a aventura, há sempre uma situação a ser resolvida seja numa vertente surrealista
como em O caneco de prata ou de ficção científica em O disco I e O Disco II.
É no gênero policial que Marinho se destaca como pode se confirmar nos prêmios
ganhos com as obras Berenice detetive e Assassinato na literatura infantil, sendo O gênio do
crime que projeta o escritor no cenário literário. Mesmo que Sangue fresco seja a obra mais
premiada do autor, ele é sempre lembrado pelo gênero policial.
É possível encontrar muita semelhança entre o modo de narrar de Lobato e Marinho:
uso do falar brasileiro coloquial e familiar em equilíbrio com os clássicos da literatura
mundial e nacional. Além da discussão de temas da contemporaneidade com as crianças, sem
menosprezá-las ou julgá-las frágeis em relação a um mundo hostil. Em entrevista para O
Estadão, em 29 de Abril de 2001, Marinho afirma que “Criança é forte pra burro” quando
26
questionado sobre o fato de abordar em O Gordo contra os pedófilos o tema da pornografia
infantil numa obra para o público jovem. Mesmo envolvidas nas mais diversas situações
adversas, as crianças conseguem resolvê-las e saírem delas com naturalidade. A violência
sofrida ao longo das aventuras deixam traumas e Marinho a descreve de um modo exagerado,
beirando o absurdo e o cômico como em Sangue fresco. Como nos livros policias infantis, a
turma do Gordo sempre luta contra as ações dos adultos, assim:
[...] o papel de vilão é sempre reservado a adultos. Assim, o desvendamento
do mistério por um protagonista criança representa uma espécie de confronto
entre o universo adulto e o infantil; e a vitória da criança sublinha sua
argúcia frente ao mundo dos grandes, o que sem dúvida é gratificante para os
leitores que se identificam com os heróis dessas histórias. (LAJOLO e
ZILBERMAN, 1999, p.139)
Desse modo, Marinho soube valer-se dos expedientes do gênero policial, das histórias
de aventura e das influências de Monteiro Lobato, como a linguagem próxima à da criança e
adotar uma postura ausente de preconceitos para atingir crianças e jovens. Muitos dos
primeiros leitores de O gênio do crime, já adultos, ainda se encantam com a obra, como
exemplo, a escritora Fanny Abramovich que relata sua experiência com as obras do autor em
O estranho mundo que se mostra às crianças (1983):
Ora, quando se fala de literatura – e se é boa! – é boa para qualquer idade...
Eu mesma, acabei de ler O Caneco de Prata e O Gênio do Crime do João
Carlos Marinho, saboreando o seu humor, a sua irreverência, com o mesmo
olhar deliciado de qualquer jovem ao qual ele (teoricamente) se destina...
(ABRAMOVICH, 1983, p.56)
Com “altas doses de originalidade, de humor e sátira” é assim que Maria Antonieta
Antunes Cunha (1998) caracteriza a obra de Marinho, no capítulo intitulado "Balanço dos
anos 60/70", presente no livro 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras.
Sendo o humor um dos aspectos marcantes na produção de Marinho, foi abordada, no terceiro
capítulo deste trabalho, a forma como ele se dá nas obras do autor.
27
2. COTEJO DAS EDIÇÕES
Neste capítulo, foram analisadas as obras que compõem a Turma do Gordo, sendo
organizadas por décadas. O gênio do crime e O caneco de prata foram colocadas juntas por
serem as únicas obras da década de 60 e 70 do século passado. Segue a divisão: 1969-1971: O
gênio do crime (1969) e O caneco de prata (1971); Década de 80: Sangue fresco (1982); O
livro da Berenice (1984); Berenice detetive (1987); Década de 90: Berenice contra o maníaco
janeloso (1990); Cascata de cuspe (1992); O conde Futreson (1994); O Disco (1996); A
catástrofe do Planeta Ebulidor (1998); Década de 2000: O gordo contra os pedófilo (2001) e
Assassinato na literatura infantil (2005). Desde 1986, seus livros passam a ser publicados
pela Global Editora. Também publicou um livro pela Editora Moderna, Cascata de cuspe
(1992), na Coleção Veredas e O disco (1996) pela Cia das Letras. Esses dois títulos também
foram publicados pela Global Editora.
A coleção criada por Marinho há mais de quatro décadas, era composta, inicialmente,
por Edmundo, Pituca e Bolachão, aparecendo no final de O gênio do crime, a personagem
Berenice. A partir das demais narrativas, a este grupo de crianças foram acrescentadas novas
personagens infantis: Biquinha, Godofredo, Mariazinha, Silvia, Hugo Ciências e Zé Tavares.
São crianças com idade entre nove e dez anos, como é possível perceber ao longo das
histórias. Personagens adultos também foram incorporados à trama e mantidos ao longo das
narrativas: Frade João, Professora Jandira, Mordomo Abreu, Doutor Paixão, Dona Belinha,
Doutor Marcelo e Dona Celeste, pais do Gordo. Pancho, pastor alemão do Gordo, pode ser
considerado um membro importante da turma, pois está sempre presente nas aventuras,
auxiliando na busca devido ao seu faro refinado, resultado do treinamento feito pelo Bolachão
e socorrendo o herói dos bandidos. Pancho veio substituir o Pirata morto durante a ação dos
capangas de Ship O‟Connors em Sangue fresco.
Foram comparadas a primeira e a última edição de cada livro, caso houvesse mais de
uma, atentando-se para o projeto gráfico, mudança de editora, alteração no conteúdo do texto
ou presença de paratextos. O caneco de prata é a obra de Marinho que mais passou por
transformações tanto na parte gráfica quanto no seu conteúdo. Segundo o próprio autor,
algumas mudanças ocorreram devido ao fato que alguns termos estavam muito abstratos
como foi discutido no capítulo I. Devido a esta quantidade de alterações, foram analisadas três
edições. No anexo A, consta um quadro com as obras analisadas em que são separadas
por período, constando a assinatura adotada pelo autor e as mudanças de editora, como
formato dos livros.
28
Segue o quadro com as obras que compõem as Aventuras da Turma do Gordo, de João
Carlos Marinho e as editoras em que foram lançadas cada livro:
Quadro 1: Editoras que publicaram livros de João Carlos Marinho de 1969 a 2005.
No anexo B desta dissertação, estão identificadas as alterações no conteúdo das quatro
primeiras obras da coleção como substituição de um termo ou expressão, síntese, supressão ou
acréscimo de trechos.
2.1 O GÊNIO DO CRIME (1969) E O CANECO DE PRATA (1971)
2.1.1 O gênio do crime5
João Carlos Marinho iniciou sua carreira como escritor na Editora Brasiliense, sendo
que seu primeiro livro, O gênio do crime, já está na sua 65ª edição desde a sua primeira
4 O gênio do crime e O caneco de prata foram publicados juntos em um único volume pela Editora Círculo do
Livro numa edição em capa dura. 5 Em 1973, O gênio do crime foi levado ao cinema com o nome de O Detetive Bolacha contra o Gênio do
Crime, direção de Tito Teijido. O primeiro livro da coleção também foi traduzido para o espanhol, em 2006, com
o título El genio del crimen.
Obra Editora
O gênio do crime (1969) Brasiliense Círculo do
livro4
Parma Ediouro Global
O caneco de prata (1971) Obelisco Círculo do
livro
Global
Sangue fresco (1982) Obelisco Global Global
O livro da Berenice (1894) Parma Global
Berenice detetive (1987) Global
Berenice contra o maníaco
janeloso (1990)
Global
Cascata de cuspe (1992) Moderna Global
O conde Futreson (1994) Global
O disco I: a viagem (1996) Cia das Letras Global
O disco II: a catástrofe no
planeta Ebulidor (1998)
Global
O gordo contra os pedófilos
(2001)
Global
Assassinato na literatura
infantil (2005)
Global
29
publicação em 1969. A primeira edição de O gênio do crime foi publicada pela Editora
Brasiliense na coleção "Jovens do mundo todo" organizada por Yolanda Cerquinho da Silva
Prado.
O gênio do crime é dividido em 40 capítulos, não nomeados, apenas numerados, esta
obra se refere à descoberta do falsificador de figurinhas de futebol da fábrica do seu Tomé.
Como há a falsificação, o dono da fábrica não consegue dar os prêmios a todos os ganhadores
que preenchem seu álbum, visto que um cambista adquire qualquer tipo de figurinha,
principalmente, as mais difíceis. Um dos ganhadores é Edmundo, que vai retirar seu prêmio:
uma bola e um jogo completo de camisas do time que escolhesse. No entanto, devido à
fraude, ele e outras crianças não conseguem receber os prêmios, e estas tentam depredar o
prédio da fábrica, mas são impedidas por Edmundo. Seu Tomé pede ajuda a ele, mas os pais
do menino não gostam da ideia de ver o filho envolvido numa investigação tão perigosa.
Edmundo decide ajudar na descoberta do "gênio do crime" como fica conhecido o
falsificador. Junto ao menino, mais dois amigos participam: Gordo e Pituca. As crianças
passam a investigar o cambista que vendeu as figurinhas. O Gordo tem a brilhante ideia de
seguir o vendedor pelo avesso e revirado, que permite que cheguem até a casa dele e ajude a
desvendar o mistério.
Há a contratação de um detetive escocês chamado Mister John Smith Peter Tony para
ajudar na investigação. O detetive invicto, como é conhecido, por nunca ter falhado em uma
investigação, conta com a ajuda de seu ajudante Jonas. As crianças e Mister John passam a
competir para saber quem descobre primeiro o falsificador, colocando à prova o título de
detetive invicto. O Gordo, por sua vez descobre o esconderijo do gênio do crime e o local
onde fabrica as figurinhas, mas é preso pelos bandidos. O mistério já poderia parar por aqui,
pois já se sabe onde é a fábrica, mas o suspense se mantém: será que o gordo conseguirá
escapar dos bandidos? Negando-se a confessar como conseguiu encontrar a fábrica
clandestina, o Gordo é torturado a fim de que conte:
O peludão abriu a estante e pegou o alicate de ponta fina.
_Arranque a unha dele – ordenou o chefe.
Almeidinha segurou forte o gordo. Bolachão quis se livrar mas o grandão
tinha mão de pilão e atarraxou o gordo na cadeira. Atlas enfiou o alicate na
unha do gordo, a do dedão, apertou e foi puxando para cima.
Dor assim o gordo nunca tinha sentido; a vista escureceu tudo e ele gritou:
_Chega! Eu falo. (MARINHO, 2009, p.101)
30
O leitor acompanha o Gordo desde o momento em que este segue o homem que anota
os pedidos de figurinha do filho do cambista até o instante em que conta como chegou ao
gênio do crime. A narrativa passa a contar o que aconteceu nesse meio tempo, enquanto o
Gordo saiu da escola em que se infiltrara para investigar o filho do cambista. O menino seria
dissolvido numa banheira com ácido para não deixar nenhum vestígio, o corpo poderia até ser
enterrado no terreno da fábrica, mas poderia ser descoberto posteriormente como diz o gênio
do crime:
_Nada de afoitezas Almeidinha. Costumo fazer as coisas perfeitas,
sem deixar pistas. Vamos dissolver o gordo num banho de ácido para
não deixar traço nenhum. A coisa mais difícil num assassinato não é
matar, é esconder o defunto; por mais que se pique e se enterre sempre
escapa um ossinho por aí. (MARINHO, 2006, p.90)
Faltando pouco para o Gordo ser colocado na banheira, o Mister John chega ao
esconderijo e consegue evitar que o Bolachão fosse morto pelos bandidos. Segue uma luta
entre o detetive e os bandidos:
Os grandões já vinham ferozes para cima do Mister, e vou te contar, luta
como essa nunca teve e nuca terá: era soco, cabeçada, mordida, dentada,
rasteira, cotovelada, joelhada, karatê, judoca, rabo de arraia, beliscão,
barrigada, chave de perna, gravata fura-olho, pé de ouvido, upercute,
sanduíche, unhada, pescoção, cama de gato, coice de mula, capoeira do
pastinha, trança-pé, paulistinha e daí para mais. (MARINHO, 2009, p. 132)
Após a briga com os capangas do anão, gênio do crime, o caso estava resolvido e o
Bolachão salvo. Mister John se despede da turma e retira as letras DI, que significavam
detetive invicto, de seu helicóptero, pois o Gordo descobrira a fábrica clandestina de
figurinhas.
O gênio do crime é a obra mais vendida de João Carlos Marinho, correspondendo à
metade das vendas dos livros da série conforme informa o próprio escritor. O livro já teve
uma versão de bolso pela Ediouro, na coleção Edijovem e pelo Círculo do livro, uma edição
de capa dura em que foi publicado junto com O caneco de prata. Nesta edição em que as duas
obras estão juntas, não há ilustração em O gênio do crime. Apenas é mencionado o nome do
capista, José Geraldo Degasperi.
Alguns trechos da obra passaram por alterações, como é mostrado na comparação
entre a primeira e a última edição do livro. Para facilitar a visualização, as alterações foram
31
divididas em acréscimos feitos, supressões ou sínteses do enredo original e trocas de
expressões ou colocação pronominal que está no anexo B deste trabalho.
Comparando a primeira edição com a última de O gênio do crime, à nível estrutural da
obra, esta se manteve com a mesma quantidade de capítulos. As alterações se dão no corpo
texto como se pode observar no uso de expressões mais atuais:
1ª edição de O gênio do crime (1969) 60ª edição de O gênio do crime (2009)
[...] sair por aí de pires na mão, ser chamado
de caloteiro, o que que é. (p.16)
[...] ser chamado de caloteiro, o que que é.
(p.16)
_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse
cara non parecer nada, mas Jonas ser fogo
[...] (p.54)
_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse
cara aí de inofensivo, mas Jonas ser
eficientíssima [...] (p.59)
Bolachão fez cara de bocó [...] (p.71) Bolachão fez cara de perturbado mental [...]
(p.76)
Bolachão chegou perto, de manso, para
assuntar, mas tinha um garoto pulando o
muro e o zelador foi lá dar um pito nele.
(p.72)
Bolachão aproximou-se cautelosamente para
tentar ouvir algum pedaço, mas como um
menino pulava o muro, o zelador afastou-se
para repreendê-lo. (p.77)
Quadro 2: Alterações nos termos ou expressões em O gênio do crime.
Embora em algumas possa ter melhorado a compreensão para o leitor mais
jovemcomo a substituição de “sair aí de pires na mão” por “ser chamado de caloteiro”, em
outro houve a perda da expressão. Se a postura adotada pelo narrador visa uma linguagem
mais coloquial, próxima do falar cotidiano, ao substituir uma gíria como “bocó” por
“perturbardo mental” confere um status mais formal à narrativa. Há uma perda no fluxo
narrativo próximo da oralidade e da linguagem infantil que é próprio do estilo de Marinho.
Inclusive, houve a mudança para o uso dos pronomes conforme a norma padrão, até mesmo
na fala das crianças como no exemplo seguinte. Na primeira edição, temos “_Sim, senhor, seu
lambão! Por que não foi encontrar a gente na cidade hoje?”, já na última: “_Sim, senhor, seu
lambão! Por que não foi encontrar-nos na cidade hoje?”. Ao longo da narrativa, é possível
perceber essas alterações em que há a adequação ao discurso escolar, ainda mais quando o
livro passa ser veiculado nessa instituição.
32
O próprio autor, na primeira edição, justifica o modo como escreve sua história,
sobretudo, pelo estilo adotado, valendo-se para isso de exemplos de grandes autores
brasileiros como Guimarães Rosa e Manuel Bandeira que também se valeram do
coloquialismo, intitulando como Conversa com professores e adultos preocupados com o bom
português6:
Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma
preocupação didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um
convênio didático com escola secundárias e por causa disso achei bom dizer
umas palavras para justificar o moderado informalismo gramatical que meu
livro tem.
Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original
porque o ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se
preocupa em estimular a criatividade do aluno, o que é certo e prático; há
cada vez mais profissões em que espontaneidade de criação é fundamental e
a obsessão de um purismo gramatical escolástico, além de fazer muito aluno
escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe tirar a oportunidade de
bons empregos.
Procuro um estilo que traduza a mobilidade e a autenticidade do pensamento
brasileiro, escrevi uma história e não um relatório, e é pelo estilo que o
escritor faz o enredo penetrar na sensibilidade do leitor – a formulação de
frases tem de obedecer a uma intuição e a um ritmo de comunicação afetiva,
sinão o que falamos bate na razão do leitor e fica congelado. (MARINHO,
1969, p.133)
Esse respeito ao ritmo próprio da oralidade é limitado pelas alterações feitas,
principalmente quando se há a preocupação do uso correto dos pronomes, remetendo-se a
uma linguagem artificial dentro do estilo do livro.
As mudanças ocorridas no projeto gráfico dos livros são justificáveis pela alteração de
editora e pelo alinhamento ao mercado editorial. Nessa última edição, todos os livros da
coleção, exceto O gordo contra os pedófilos, possuem o mesmo projeto de capa. Os livros
passam do formato 14 x 21 para o de 15,5 x 23 o que melhora a disposição do texto na página
e a sua visualização pelo leitor. A partir do momento que faz parte da Global Editora, todos os
livros passam a ser editados seguindo o mesmo padrão gráfico, sendo o projeto de capa dessa
última edição de Camila Mesquita.
Na primeira edição, há na capa o destaque às principais personagens da história, o
Bolacha, o Pituca, o Edmundo e o detetive Mister John, em que tem se a transcrição de uma
de suas falas. Já na última versão, é possível perceber certo mistério numa mão que se
apresenta ao leitor, mantendo o suspense no leitor.
6 O texto na íntegra está no anexo C deste trabalho.
33
Figura 1: Primeira edição de O gênio do crime (1969), capa e ilustrações de Alice Prado.
Figura 2: Projeto de capa de Camila Mesquita e ilustrações de Mauricio Negro.
34
2.1.2 O caneco de prata
Dois anos após publicar O gênio do crime, Marinho lança O caneco de prata, valendo-
se de alguns personagens que apareceram anteriormente como Gordo, Berenice, Pituca e
Edmundo. Assim, dava-se continuidade às aventuras da Turma do Gordo como passaria a ser
chamada a série criada. Numa linguagem cinematográfica, flashes são apresentados ao leitor,
além do fantástico que permeia obra e seu teor surrealista.
As alterações ocorridas na obra são bem nítidas, sobretudo no subtítulo da obra em
que “Epopeia dodecafônica” é substituída por “Literatura infantil” na sua segunda edição. Na
última edição, pela Editora Global, todos os livros apresentam-se como Uma aventura da
Turma do Gordo. Como mencionado no primeiro capítulo, esta obra de Marinho gerou
algumas divergências em relação à estrutura da obra e ao público a quem se destina como
apontou Nelly Novaes Coelho ao considerá-la exagerada e sem sentido para a criança:
Como sabemos esse processo "funciona" muito bem com o espírito adulto,
mas já não se pode dizer o mesmo em relação à mente imatura da
meninada... E se for exagerado, como acontece neste O CANECO DE
PRATA, falha totalmente; pois a mente infantil é muito mais dirigida pela
fantasia, pelas relações "ilógicas" da realidade do que pela lógica
convencional (resultante da completa adaptação do ser ao sistema cultura a
que pertence). (COELHO, 1995, p.389) (Grifos da autora)
O subtítulo já traz uma mistura de gêneros artísticos, a literatura e a música, e o
desenrolar da história revela a aparente construção caótica da narrativa. A primeira edição
contém 127 microcapítulos, apenas numerados, sendo que alguns, nem numeração
apresentam. Também não há números de página, característica presente nas três obras
analisadas neste trabalho. Além do desenrolar do campeonato de futebol, o leitor acompanha a
troca de correspondências entre Berenice e a inglesa Jane, um marciano que gosta de
morangos com chantilly e toma uísque, o juiz MM João Lambão que é internado em um
hospício, o suicídio de um psicanalista que gostaria de aparecer na televisão, o esquadrão da
morte engolido pelo leopardo verde.
O Giovani é diretor da escola primária Garibaldi do Cambuci, fanático por futebol,
tendo o time de futebol da escola ganhado o campeonato sete vezes: “Isto porque o professor
Giovanni era diretor do Garibaldi do Cambuci” (Capítulo 4). Os alunos da escola Três
Bandeiras, na qual o Gordo estuda, decidem que dessa vez irão conquistar o caneco de prata.
35
O leitor acompanha as etapas da competição por meio da tabela que vai sendo preenchida ao
longo do livro. Em meio ao campeonato, o leitor acompanha o treino dos dois times. O
professor Giovanni ao assistir os vídeo-tapes dos jogadores da Escola Três Bandeiras, fica
preocupado, pois as crianças jogam bem, e planeja algo para prejudicá-las. Assim, contrata
um alemão para colocar uma bomba bacteriológica na concentração do time adversário, que,
às pressas, vê-se obrigado a escalar o time reserva:
O Garibaldi do Cambuci iria enfrentar na final um adversário formado de
desnutridos e intelectuais, primeiros da classe, pernetas, enfim, toda essa
corja de imbecis que por uma neurose qualquer inexplicavelmente nunca
jogaram bola na vida. (MARINHO, 1971, Capítulo 109).
Diante da situação do time principal, Mariazinha e Berenice pedem ajuda ao Gordo,
que, mesmo não gostando de futebol e ainda a Berenice namorando o capitão do time, decide
ajudá-las. Para isso, conta com a ajuda de um equipamento tecnológico vindo dos Estados
Unidos em que consegue controlar a trajetória da bola. A escola Três Bandeiras, com a ajuda
da tecnologia, vence o campeonato e o professor Giovanni morre quando seu coração estoura
de tanta raiva. Segue a imagem do último capítulo:
De uma forma divertida e bem humorada, Marinho aborda situações do dia a dia da
época de forma crítica. O Brasil, no ano anterior a publicação de O caneco de prata, ganha a
Copa do Mundo de Futebol e o país comemora essa conquista. Além do mais, há uma ditadura
instaurada e os direitos reprimidos pelo AI-5. O milagre econômico ameniza os conflitos ao
mostrar um país do futuro. Inclusive, consta nas duas primeiras edições o seguinte trecho,
suprimido na última edição:
_Operário não entra em lanchonete – disse a Berenice. – Por que será que
operário não gosta de lanchonete?
_Eu acho que operário não gosta de cachorro quente com mostarda – disse o
Biquinha. (MARINHO, 1971, Cap. 6)
A observação de Berenice suscita uma reflexão acerca da economia no Brasil em que o
“milagre econômico brasileiro” desvelava uma sociedade marcada pela desigualdade social,
em que os da classe rica beneficiaram-se com as vantagens financeiras do período enquanto
maior parte da população sofria com a inflação. Pensando nesse contexto, qual será o real
motivo do operário não entrar em uma lanchonete? Será que suas condições de vida
permitiam que ele vá a uma lanchonete, num ambiente de convívio social das classes mais
ricas? Esse viés crítico tão comum à obra de Marinho, principalmente, em O caneco de prata,
36
perdeu um pouco esse peso quando suprimido esses trechos em que o autor de modo irônico
desvela as contradições presentes na sociedade.
Marinho retrata bem o ufanismo gerado pelo futebol numa paródia ao que o país
vivera em 1970. O professor Giovanni só consegue pensar em futebol e na necessidade de
ganhar mais uma vez o caneco de prata, a ponto de valer-se de artifícios para poder ganhar.
Quando seu sonho é frustrado, seu coração não aguenta e explode.
Perrotti (1986), ao analisar o discurso da obra de Marinho, afirma que “O caneco de
prata é não só exemplo acabado, mas certamente, a mais radical tentativa de renovação de
nossa literatura para crianças e jovens, no período: pela primeira vez a concepção
representativa da literatura é efetivamente colocada em crise.” (PERROTTI, 1986, p. 84)
Ainda, para tal autor, diferente de Nelly Novaes Coelho, o modo como a narrativa foi
construída é que destaca a obra:
Como se vê, a primeira vista, O caneco de prata poderia ser um livro
comum, com um desenvolvimento simples, onde maniqueisticamente o mal
é vencido pelo bem e é dada ao leitor uma lição sobre o comportamento
moral que deve nortear seus passos. Todavia, o que poderia ser um exemplo
acabado de discurso utilitário não o é, graças a intervenção de outras
instâncias narrativas que se juntam ao eixo da disputa do campeonato,
fazendo da obra em questão um marco decisivo do movimento que tenta
abandonar o discurso utilitário, adotando o discurso estético. (PERROTTI,
1986, p. 85)
O caneco de prata é a obra de Marinho que mais passou por alterações no conteúdo,
com a supressão e acréscimo de capítulos. A primeira edição contém 127 microcapítulos
dispostos em 126 páginas. Já na segunda, com a retirada de alguns, tem-se 104 capítulos
distribuídos em 116 páginas e, na última edição pela Editora Global, há 99 capítulos num total
de 112 páginas. Alguns capítulos, embora mantidos, foram modificados como a
correspondência, que aparece ao longo da narrativa, entre a Jane, amiga inglesa, e a Berenice:
1ª edição (1971) 2ª edição (1973)
ÚLTIMA CARTA DA INGLESINHA
Nossa querida amiga
Fumei muita maconha e porisso vomitei meu
fígado e pulmão.
O médico disse que eu só tenho quinze
segundos de vida.
É muito pouco não acha?
ÚLTIMA CARTA DA INGLESINHA
Nossa querida amiga
Por exemplo, das Sinfonias de Beethoven,
gosto da Heróica, a que ele ia dedicar a
Napoleão e depois sofreu aquela desilusão.
Eu não, continuo adorando Napoleão.
Compre a Sonata Kreutzer; diz a lenda que
37
Bom, meus quinze segundos estão acabando.
Tchau
um homem ficou louco ao ouvi-la.
Eu fiquei.
De Chopin, o Opus Dez, e se você quiser
comprar o Tríplice Concerto de Beethoven,
procure a gravação do Walter Hendi no
piano, John Corigliano no violino e Léonard
Rose no celo. Nada de Paganini e seu
melifluoso virtuosismo zingaresco. Quanto
aos livros, comece pelas "Conféssions d'un
Enfant du Siécle" de Musset. Como música
de fundo, enquanto estiver namorando o
Biquinha (back- gound-music) é inevitável
que ponha o Concerto de Schumann para
piano ou aquele de Mendelssohn para
violino, não se fez coisa melhor até hoje para
jovens enamorados.
Aqui me despeço, para sempre
JANE Quadro 3: Comparação entre a primeira e a segunda edição de O caneco de prata.
Já na última edição, o conteúdo é totalmente reformulado:
Querida Berê,
Descobri o que é o Brasil, sim, é uma bomba de chocolate cheia de
percevejo, colete camafeu e gorro lilás, subindo o barranco e
buzinando muito. Adeus para sempre.
Jane
O conteúdo das correspondências foram as que mais sofreram alterações em seu
sentido. Na carta presente na primeira edição, pode causar um choque pela naturalidade em
que é narrada uma morte por overdose, ainda mais que o público é o infantil a quem a obra se
destina. Também fica visível as escolhas feitas pelo autor para que a história pudesse ficar
mais próxima do universo do leitor, por meio da adoção das palavras “bomba de chocolate”,
“percevejo”, “colete”, “camafeu”, “gorro”. A organização da obra se manteve, sendo as
alterações realizadas à nível de conteúdo. Assim como foi destacado a principal alteração nas
cartas trocadas entre Berenice e a inglesa Jane, observa-se toda a referência ao que o
movimento hippie representava no momento em relação ao mundo pelo Festival de
Woodstock ocorrido em 1969. Na primeira edição, Jane é chamada de “inglesinha hippie” e
há a perseguição das caravanas de hippies pelo esquadrão da morte. Essa influência começava
a fazer parte do universo das crianças como a apontada por Berenice: “Pois ele me deu três
discos do JIMI HENDRIX. Com as caixas acústicas novas que eu comprei fica uma coisa.”
38
No intuito de evidenciar o campeonato para melhor compreensão dos leitores, muito do viés
crítico referente ao período se perdeu. O capítulo seguinte foi suprimido nas edições
posteriores em que é possível perceber a referência ao consumismo no Dia das mães, que
ocorre “nas vitrines comerciais”:
Houve o dia das mães nas vitrines comerciais.
O marciano andava peripatético pelas ruas ouvindo musiquinha de mãe e
entrou numa saudade dinosaura da mãe dele azulzinha lá longe em Marte.
Na esquina da rua São Bento com a Praça Patriarca o marciano chorou uma
lágrima azul clara e gritou:
_MAMÃE! (MARINHO, 1971, Cap. 33)
É possível perceber as alterações nas próprias capas para tornar mais convidativa ao
leitor. As duas primeiras capas mantém as mesmas cores utilizadas e, a princípio, não
apresentam relação com o conteúdo da obra, o que para o público infanto-juvenil pode causar
uma certa resistência, pois a capa é o primeiro contato do leitor com o livro. Ao analisar o
projeto gráfico das capas de O caneco de prata, percebe-se que houve alterações
significativas. A última capa, dentro de um projeto que compõem as edições recentes dos
livros da Turma do Gordo, seguindo o mesmo padrão em todas as obras, mostra-se mais
colorida e mais atrativa ao leitor mirim com elementos que fazem parte da narrativa. As
ilustrações no interior do livro mantiveram a mesma organização, sendo alterado apenas o
estilo devido à mudança de ilustrador.
A disposição da numeração dos capítulos, como a falta de paginação mantiveram-se
nas edições analisadas, em que o número dos capítulos aparece maior no canto superior
direito da página e o texto, na parte inferior, havendo um equilíbrio. Relembrando que nesta
pesquisa foram utilizadas apenas as três edições mencionadas para análise.
39
Figura 3: Capa e ilustração de Vera Ilce
(1971).
Figura 4: Capa de Roberto Barbosa e Norival
Blasquez e ilustrações de Roberto Barbosa
(1973).
Figura 5: Capa da última edição, ilustrações
de Érika Verzutti (2008).
40
2.2 DÉCADA DE 80: SANGUE FRESCO (1982), O LIVRO DA BERENICE (1984) E
BERENICE DETETIVE (1987)
2.2.1 Sangue Fresco
A história começa in media res. O leitor já é introduzido na narrativa com o rapto das
crianças. Já no final do primeiro capítulo, o ambiente de mistério está formado: “A clareira,
em toda a volta, tinha um limite: a floresta, verde-escuro, misteriosa, árvores de sessenta
metros” (p.14). Ainda neste clima, no próximo capítulo tem o incidente com Ricardinho: este
é engolido por uma sucuri, por desrespeitar as autoridades da Fresh Blood Corporation.
No terceiro capítulo, o leitor é familiarizado à rotina do acampamento e aos
procedimentos a serem tomados pelas crianças raptadas e a forma de extração de sangue. No
quarto capítulo, há uma digressão para explicar a origem da Fresh Blood Corporation
mencionada pelo holandês, Der Moltzer, durante o incidente com Ricardinho. Assim, é
informado a origem humilde de Ship O‟Connors, a sua formação em Medicina e
especialização em doenças de sangue e a abertura de seu consultório juntamente com seu
sócio, Schsnels. Este descobre, em abril de 1978, que sangue de crianças na faixa etária de 9 a
11 anos tem alto poder curativo, apenas nessa idade. Ambicioso e na expectativa de ficar rico
e famoso, sem hesitação, O‟Connors assassina Schsnels, que se recusou a obter benefícios
com a descoberta. O local escolhido para formar seu curral é o Brasil pelas suas inúmeras
vantagens: “[...] país imenso, onde a maioria do povo é pobre mas há em certos lugares gente
rica, com filhos bem nutridos, como em São Paulo, e oferecendo localização perfeita para um
curral escondido, nas desconhecidas florestas da Amazônia.” (MARINHO, 2006, p. 18). Após
fundar a Fresh Blood Corporation com mais dois sócios, um alemão e um japonês. O sangue
era levado para a Europa e de lá para o resto do mundo. Para evitar suspeitas, o médico norte-
americano fundou bancos de sangue autorizados por lei, e o sangue exportado por navio era
jogado fora. Assim, Ship O‟Connors pôde dar continuidade aos seus empreendimentos sem
levantar suspeitas. Em março de 1980, o sequestro de crianças em São Paulo se inicia, sendo
que, em poucos meses, mais de duas mil já haviam sido raptadas.
Após esse flash back, a narrativa é conduzida linearmente até o seu desfecho em
setembro de 1980. O narrador descreve a festa junina na casa do Gordo, em 29/06/1980.
Durante esse festejo, Ship O‟Connors conhece o Gordo e fica maravilhado. A intuição de que
o sangue dele é valioso, faz com que seus olhos brilhem e deseje sequestrá-lo. O seu instinto
estava certo: o sangue do Gordo é valiosíssimo, um capital de 20 bilhões de dólares.
41
Após uma tentativa frustrada de sequestro, O‟Connors não desiste de seu intento de
raptar o Gordo. Leva o seu capital de 20 bilhões de dólares mais os integrantes da turma para
o curral na Amazônia. A história passa a se desenvolver na floresta amazônica. Sabendo do
fim que as crianças que completassem 11 anos teriam (seriam jogadas no mar), o Gordo e sua
turma planejam uma fuga. A primeira tentativa não dá certo, mas não desistem. Mesmo com
poucos recursos, enveredam-se pela floresta. Enfim, como uma turma de crianças, moradora
na capital paulistana, entre 9 a 10 anos sobreviveria em plena selva amazônica? Não apelando
para o fantástico nem reduzindo a capacidade estratégica das crianças, Marinho vale-se de
suas experiências para dar um desfecho mais verossímil. Assim, o conhecimento da vegetação
permitiu que as crianças vencessem os mateiros enviados por Ship O‟Connors por meio do
boliche amazônico ou impuca:
_Aqui na floresta amazônica, como se vê, as raízes das árvores são
levantadas, não entram na terra, porque a terra não é fértil; elas se alimentam
da camada de folhagem. Por isso as árvores não estão bem fixas no solo, não
tem sustentação. Quando uma árvore apodrece de velha cai, ela encosta nas
outras, as outras não tem fixação e se forma um boliche amazônico, uma
porção de árvores vão de imboléu. É a impuca. (MARINHO, 1982, p.131)
Um dos aspectos que conferem originalidade à obra de Marinho apontado por
Zilberman (2005) é o fato de que as soluções encontradas pela turma do Gordo se dão pelo
uso da tecnologia, diferente das outras obras tradicionais, que tem a ajuda de um ser mágico.
Em Sangue Fresco, sem nenhum recurso tecnológico, as crianças valeram do seu
conhecimento para se livrarem dos criminosos, contando para isso com o Hugo Ciência e com
o Gordo. Único material que dispunham era um machado, trazido pelo Gordo, com o qual
constroem uma jangada para fugirem pelo rio.
Enfim, encontram um acampamento de frades capuchinhos e com a ajuda de frade
João e sua cruz de madeira, os capangas de Ship O‟Connors são derrotados. Frade João passa
a fazer parte da turma, aparecendo nas demais histórias, inclusive Ship O‟Connors, que terá
uma breve participação na obra seguinte O Livro de Berenice (1984).
Para conhecer essa história, o leitor é conduzido por um narrador que se encontra fora
da história, tendo momentos em que tece seus comentários e revela os pensamentos dos
personagens. Há vários momentos em que o narrador aproxima-se do leitor, estabelecendo
maior intimidade: “A nossa turma estava lá [...]” (p.27); “A expedição dos nossos heróis
caminha pela floresta [...]” (p. 124).
Há a emissão de comentários do narrador em alguns momentos da narrativa: “A zoada
era uma loucura, só mesmo, estando lá para saber o barulho que fazem duas mil crianças
42
conversando em uma ambiente fechado” (p. 18); “Fogueira é coisa fascinante. A gente olha,
demoradamente, em estado de graça.” (p.27); “[...] vejam o que é a formosura parelhada na
inteligência” (p.42); “Era doloroso de assistir, alguns ainda não tinham morrido, estavam sem
pele, gemendo. (p.153)”. Até os pensamentos de Ship O‟Connors é revelado pelo narrador:
“[...] esqueceu que era uma bandido senvergonho e de sua cabeça começaram a sair
pensamentos puros” (p.33).
Um dos traços característicos da produção de Marinho e presente em Sangue Fresco é
o exagero, por meio dele, as cenas de violência, principalmente, adquirem um efeito cômico,
como nos trechos abaixo:
[...] o Pirata [...] pulou no pescoço do chinês e deu uma tentada de tigre:
separou o chinês em dois, a cabeça de Huang rolou na lona do Cataraman e o
corpo descabeçado caiu no mar [...]. (p.52)
Pulou miolo da cabeça de Teng que dava para fazer uma fritada completa. O
chinês caiu no mar. (p.55)
Ninguém queira saber o que é chulé de pé de Gordo, entranhado num tênis
que levou suor de pé de Gordo [...] Edmund, Berenice, Pituca e Hugo
Ciência taparam o nariz, saíram correndo, dois gambás desmaiaram, uma
jaguatirica teve um troço. (p.155)
Marinho refere-se às obras da literatura nacional e mundial. Muitas referências são
dadas por meio da paródia, que para Hutcheon (1985, p.13), é “uma das formas mais
importantes da moderna auto-reflexividade; é uma forma de discurso interartístico”, não
sendo “apenas aquela imitação ridicularizadora”. Para que haja a compreensão do uso da
paródia, é necessário que haja um conhecimento comum entre codificador e descodificador
(HUTCHEON, 1985), em outras palavras, entre autor e leitor. A paródia só terá sentido, assim
como a ironia, se o leitor conseguir identificá-la. Embora a falta de conhecimentos às obras
parodiadas não comprometa o entendimento da história, caso o público leitor seja criança ou
jovem, pois essas referências enriquecem esteticamente o texto literário, quando identificadas
pelo leitor e potencializam o sentido do humor usado pelo autor.
Há trechos em que Marinho cita apenas um personagem como o Jeca Tatu, de Monteiro
Lobato ou Fedra, da mitologia grega; o estilo do livro de Mario de Andrade, Macunaíma, quando
Berenice afirma que seu livro terá um fim “rapsódico e dramático”; à poesia de Olavo Bilac; a
Skakespeare, inclusive a Bíblia, nas cenas do profeta no pedágio e de Frade João, respectivamente:
_Nhé Nhé Nhé. Malditos pecadores, todos vocês preparem-se para o Último
Pedágio, o Derradeiro Pedágio, o Pedágio Final. Tremam. Olhem para a
arquitetura do Pedágio, muito branco, reluzindo ao sol, é o TEMPLO DO
43
FIM, é o buraco-pelo-qual-os-pecadores-serão-cobrados. O mundo acabou
ontem. (MARINHO, 1982, p.44).
_Pá Pá Pá – disse frade – Nem todos os bandidos do mundo me fariam adiar
um bom almoço. Daí de comer a quem tem fome, dizem as Escrituras, eu
sou homem de fé, obedeço o mandamento, cada vez que tenho fome eu dou-
me de comer. (MARINHO, 1982, p.161)
Além de citar a ascendência de Frade João, menção feita a Frère Jean, personagem de
Rabelais, em Gargantua (2009), a descrição de como 180 capangas de Ship O‟Connors, armados com
metralhadoras, foram derrotados pelo uso de uma enorme cruz de madeira é semelhante à feita pelo
autor francês, quando a abadia em que Frère Jean morava era invadida e ele sozinho, matou várias
pessoas. Mais uma vez o exagero traz comicidade ao fato:
Frade João [...] macetou os ossos do cóccix dos sessenta, com tal força que
os fez vomitar a coluna vertebral, osso por osso, vértebra por vértebra, para
grande alegria os cachorros da missão que iam mordendo os ossos
fresquinhos e mastigando o tutano. (MARINHO, 1982, p. 164)
Quando Hugo Ciência recita os poemas de Olavo Bilac para Berenice pode namorar, a
garota diz: “_Deixe de ser burro Hugo! – disse a Berê – Isso é poesia do tempo da vovozinha.
Bota aí uma coisa moderna.” (MARINHO, 1982, p.80). o menino recita um poema
modernista de Oswald de Andrade, remetendo-se ao período Modernista e não ao sentido
contemporâneo enfatizado por Berenice.
O autor também faz referência a sua própria obra. Referindo-se a sua segunda obra da
coleção, O caneco de Prata, Berenice responde a respeito do seu “caso” com o Biquinha: “Foi
no tempo do Caneco de Prata, fiquei deslumbrada um pouquinho, só foi isso, só isso”
(MARINHO, 1982, p.70).
Embora sejam crianças, as atitudes da turma do Gordo não são infantilizadas. Gordo
chama de subliteratura o livro que Berenice quer publicar sobre as aventuras na Amazônia.
Berenice não se preocupa de trocar de namorado quando quer, tampouco de falar de gravidez
na infância, pois não se importa de “balançar a estrutura das mentalidades burguesas” quando
se refere ao seu diário Paixão amazônica, com pseudônimo de Anástacia Palova. Ela já sabe
quais são as características de um livro para que venda: “_A gente precisa de umas pitadas de
imaginação na história – falou Berenice – Um pouco de sal, para agradar o povão; se a gente
vai no tão-tá, o livro fica encalhado, não vende.” (MARINHO, 1982, p. 142).
O criador da turma do Gordo brinca com as instituições e pessoas como no caso da
professora Jandira, interesseira, mostrada de forma erotizada, e o professor de matemática que
dá zero a um aluno por ciúmes. Na reunião para mandar um manifesto ao Presidente da
44
República referente aos sequestros, as mães acabam colocando seus interesses pessoais em
primeiro plano. Embora o livro vá ser lido por pais e professores, João Carlos Marinho não
mede palavras: “Vocês sabem, vocês já viram, reunião de pais e mestres, com duas mães
presentes, ninguém aguenta, imagine aquela com quarenta mil - o desgraçado que inventou a
Reunião de Pais e Mestres deu uma contribuição inestimável para a discórdia humana.”
(MARINHO, 1982, p.61).
As autoridades brasileiras são mostradas como ingênuas como a mídia nacional: “os
jornais brasileiros se entusiasmaram, elogiavam Ship O‟ Connors, faziam entrevistas com ele,
um jornal proclamou que Ship O‟Connors estava provando ao mundo que o sangue brasileiro
era o melhor do mundo.” (MARINHO, 1982, p. 26). De forma bem humorada, Marinho faz
essa crítica às ideias veiculadas pelas diferentes mídias e que na verdade não condizem com a
realidade como no caso da exportação de sangue, em que Ship O‟Connors vale-se de uma
empresa de fachada para poder extrair ilegalmente o sangue das crianças.
Em relação ao projeto gráfico-editorial da obra, a última alteração é de 2006, em que
adquire novo formato de 15,5x23, sendo o projeto de capa de Camila Mesquita e ilustrações
de Alê Abreu. O livro contém seis ilustrações, que ocupam a página toda. A capa traz a
vegetação da floresta amazônica e a entrada de luz entre as árvores. Nessa nova versão, o
nome do ilustrador vem na capa no canto inferior esquerdo. O título e o nome do autor vêm
escritos em uma folha, que lembra a de um bloco de notas e em fontes diferentes. Essa nova
diagramação do livro é, visualmente, melhor pela disposição do texto na página.
O subtítulo da primeira edição é suprimido nas versões da Global Editora, sendo
incorporado na última versão da coleção, mas sofrendo uma alteração: de “Uma aventura de
Bolachão na Amazônia”, passa para “Uma aventura da turma do Gordo”. Este estará presente
em todas as obras da Turma do Gordo, após o título de cada livro. Essa alteração ocorreu nas
demais obras e conferem ao conjunto de histórias o seu caráter de coleção ao acrescentar em
todas “Uma aventura da turma do Gordo”.
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Figura 6: Capa e ilustração de Roland Matos.
Figura 7: Capa de Alê Abreu e ilustrações de Camila Mesquita (2006).
46
2.2.2 O livro da Berenice
Esta narrativa é dividida em 21 capítulos mais um epílogo. Nesta aventura da Turma
do Gordo, Berenice decide escrever um livro intitulado Ninguém faz a minha cabeça. Para
isso conta com a ajuda da turma já conhecida pelo leitor que acompanha a série, mais a
presença de Hugo Ciências que, após Sangue fresco, passa a compor a turma. Marinho aborda
todo o processo de produção do livro, da criação à venda.
No primeiro capítulo, temos a descrição da manhã do Gordo, assim que ele acorda
com a mensagem em seu computador que dali a um mês é aniversário da Berenice. Sem esse
lembrete, o Gordo se esqueceria do aniversário da namorada: “A Berenice ficava de mal
quando o gordo esquecia o aniversário dela, e já tinha acontecido duas vezes.” (MARINHO,
1984, p.7). O leitor é apresentado à turma do Gordo, todos estando no quinto ano da
admissão:
A turma vocês já conhecem: o Edmundo, o Pituca, a Berenice, a
Mariazinha, a Silvia, o Godofredo, o Biquinha e o Zé Tavares, muito
tímido, não falava nada, mas era indispensável para a formação
química do grupo.
Agora tinha mais o Hugo Ciências, o menino do QI 250, que gostou
tanto da turma que se transferiu do Pueri Domus para o Três
Bandeiras. (MARINHO, 1984, p. 13)
A Berenice decide escrever o melhor livro do mundo, dando continuidade à sua
vontade de ser escritora, que fora frustrada durante a aventura em Sangue fresco. Reunidos em
volta da piscina na casa do gordo, a turma discute a ideia de Berenice em escrever um livro,
ainda mais sendo uma criança. Em meio à escrita do livro, o leitor fica sabendo do
envolvimento da professora Jandira com o industrial grego Papoulos Scripopulos, que fica
muito interessado com a informação de que sua aluna está escrevendo a maior obra-prima da
literatura brasileira, talvez até mundial. Assim, o narrador revela a ideia do grego:
O cérebro do grego se iluminou.
Se conseguisse roubar o livro da Berenice e publicá-lo em seu nome, ia dar
uma nota, além da fama de artista que todo milionário persegue como um
colorido final da sua felicidade. (MARINHO, 1984, p.45)
Papoulos procura um jeito de roubar o livro da Berenice e publicar em seu nome. Para
isso, vai à casa do Gordo para ver um meio de pôr em prática seus planos. Com a ajuda de
Kuntz, veterano de guerra alemão, especialista em missões arriscadas, conseguiria instalar um
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o micro-computador-auditivo-transmissivo. Este dispositivo, sensível ao toque das letras da
máquina de escrever, transmitiria para um computador no apartamento do grego e também já
imprimiria milhões de cópia. O impasse acontece quando o grego, questionado pelo seu
capanga Mathias, sobre os capítulos anteriores, escritos antes do uso do microcomputador.
Mais uma vez, Kuntz entra em ação para roubá-los visto que só poderiam estar na casa do
Gordo. Numa operação digna de espionagem, o alemão vasculha toda a casa, “milímetro por
milímetro”. Só que o criminoso não contava com a astúcia do Gordo, que já desconfiara de
uma possível ação criminosa:
Depois das aventuras do Gênio do Crime, do Caneco de Prata e do Sangue
Fresco, o gordo não se iludia com a humanidade e sabia que todas as coisas
que a gente faz tem gente safada querendo se aproveitar. (MARINHO, 1984,
p.72)
No entanto, o que acontece em seguida provoca o humor da forma como é contada. O
gordo guardara cada capítulo datilografado debaixo do seu travesseiro. Quando o Kuntz ia
procurar bem onde o Gordo escondera, ele vê uma bandeja com brigadeiros e pega um, pois
gostava muito. “Prá que meu Deus!”, expressa o narrador. Sabendo que o mordomo sempre
comera os brigadeiros escondidos em seu quarto à noite, colocara o prato com os doces sobre
uma balança ultra-sensível, cujo dispositivo disparava um alarme a qualquer alteração de
massa. O alemão ficou desconcertado com a barulheira e com o fato de ter sua orelha cortada
pelo afiadíssimo cortador de papéis do Gordo. O pedaço de orelha que será guardado pelo
menino ajudará à turma chegar ao grego, pois o Pancho, cão pastor que substitui o Pirata,
morto durante a ação dos bandidos de Ship O‟Connors em Sangue Fresco, pelo seu faro muito
treinado irá em busca do dono da orelha. Essa primeira tentativa falha, sendo que o grego não
desanima e pede ajuda a professora Jandira, que por dois diamantes resolve ajudar o
namorado. Seduzindo Godofredo, Jandira pede ao menino que fotografe todos os capítulos
que faltam ao Papoulos Scripopulos. Chega a festa de aniversário de Berenice, em que estão
presentes o cambista e o seu Tomé, dono da fábrica de figurinhas, o detetive Mister John e o
anão de O gênio do crime, o Redimir, cozinheiro do acampamento da Amazônia e Ship
O‟Connors. O Gordo descobre o modo como a obra de Berenice estava sendo roubada
quando, junto com Hugo Ciência, “envenenavam” o computador para fazer uma surpresa à
aniversariante e o livro começa a passar na tela. Associando com a invasão ocorrida no quarto
do Gordo em que Kuntz perdera parte de sua orelha, descobre-se que é o grego. Pituca, o
frade João e o Gordo vão ao apartamento do Scripopulos para pegá-lo em flagrante. Sem
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armas para combater o grego e Mathias que atiravam, o Gordo usou o cortador e acerta o olho
do capanga, que morre. Ainda correndo perigo e sem condições de escapar dos tiros, frade
João improvisa um coquetel molotov com uma garrafa de vodca e pedaço de sua batina e atira
no Scripopulos, que morre carbonizado. Berenice finaliza sua obra e resolvido a questão da
busca de editor, o livro, finalmente é publicado. No epílogo do livro, há narração da tarde de
autógrafos:
Pouca gente compareceu à tarde de autógrafos do Ninguém Faz minha
Cabeça.
Mas foi um lançamento simpático, ali na Livraria Capitu, na rua Pinheiros.
A turma do gordo, os amigos, os parentes e alguns curiosos foram lá dar uma
força. (MARINHO, 1984, p. 128)
Como O livro da Berenice aborda o processo de produção do livro escrito pela
namorada do Gordo, num procedimento metalinguístico, a estrutura da obra também segue as
mesmas características de produção, em que há a presença do epílogo. Essa parte final que
arremata a narrativa é o momento final do processo: a recepção do público e tarde de
autógrafos. Marinho traz para o plano da forma o conteúdo do texto, pois ao tratar da escrita
de um livro, o conteúdo se iguala à forma.
Marinho mostra o processo de construção de um livro ao passar pela vontade do
escritor até a procura de um editor. O autor também revela as dificuldades de se publicar um
livro mesmo que ele seja considerado a obra mais importante da literatura mundial. Por meio
de um estilo marcado pelo exagero e pelo humor, procura instigar o leitor à reflexão além de
mostrar um dado real.
A voz narrativa é a mesma das obras anteriores em que é mostrada ao leitor a visão
onisciente do narrador. A história é permeada por várias referências de obras da literatura e de
seus autores, como no exemplo abaixo:
_Nenhum grande escritor brasileiro conseguiu ficar rico com literatura.
Machado de Assis vivia num empreguinho público, Guimarães Rosa vivia de
um empreguinho no Itamarati, Gracilianao Ramos e Clarice Lispector
viviam sabe Deus lá como, Carlos Drummond de Andrade também vivei de
um emprego público modestíssimo, a lista é grande e nunca leva para a
riqueza. (MARINHO, 1984, p.126)
Assim, Marinho vale-se de seu conhecimento sobre literatura e insere na narrativa de
um modo descontraído para o público infantil sem cair no pedagogismo. As informações são
usadas como um recurso estilístico para potencializar o efeito de sentido na obra.
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Além de saber que não ficará rica, Berenice também sabe que sua fama será discreta,
sendo que seus leitores a farão “uma pessoa imortal, silenciosamente imortal.” A fama virá
silenciosa, bem diferente do que Scripopulos e Berenice esperavam. Para ilustrar essa
realidade, o editor cita exemplos da literatura nacional embora tenham sido considerados
grandes autores, não conseguiram viver de seus escritos.
Figura 8: Imagem da capa da primeira edição de Arturo Condomí Alcorta e ilustração de D. M
Dellog .
50
Figura 9: Capa e ilustrações de Camila Mesquita (9ª edição, 2006).
2.2.3 Berenice Detetive
Berenice detetive recebeu o Prêmio Mercedes-Benz de literatura juvenil, na categoria
melhor obra publicada de 1986 a 1988 e no mesmo ano, 1988, considerada “Altamente
recomendável para o jovem” pela FNLIJ. Essa narrativa possui um caráter mais detetivesco,
em que a turma se empenha em descobrir quem matou a escritora e bióloga Rosinha. Berenice
que despertará o interesse da turma em descobrir o que de fato causou a morte e instaura a
dúvida se de fato não foi morta por envenenamento. Decidem fazer a necrópsia e certificar-se
da causa da morte.
O ritmo da narrativa é mais lento, acompanhando os passos dos detetives. Marinho
consegue olhar a realidade à sua volta e incorporar em seus textos sem torná-los simples
manual didático. Longe de ser uma preocupação com a pedagogia, pois nesta obra a mãe do
gordo que faz as suas tarefas. Diferente dos livros publicados para crianças aqui no país, a
turma do Gordo transgride a convenção de que as crianças devam ser submissas às
instituições familiares e escolares, sendo verdadeiros modelos de conduta aos seus leitores. A
51
violência e o humor estão presentes nas obras de Marinho, mas exige que o leitor analise esses
dados criticamente, sem ficar no imediatismo da leitura.
Na esteira de Lobato, Marinho conseguiu introduzir uma linguagem narrativa próxima
do leitor, valer-se dos expedientes da publicidade, do cinema e dos clichês presentes nas
diversas mídias para produzir uma obra voltada específica para o público infanto-juvenil.
A história se passa no ano de 1986. A turma se encontrava na casa do Gordo e estavam
alvoroçadas, pois no dia seguinte receberiam na escola a presença da escritora Rosinha e
todos combinaram de levar um presente a ela, ainda mais que ela estava hospitalizada.
Durante a entrevista na sala de aula, ao comer uma maçã dada por um dos alunos, cai morta.
Como Rosinha já estava debilitada por dois infartos, a polícia e o médico julgaram não
ser necessário fazer a necropsia. Berenice suspeita que a escritora possa ter sido envenenada e
fala à turma, que decide desenterrar o corpo e fazer as análises do intestino da vítima.
Confirmam-se as suspeitas de Berenice: a escritora foi morta por cianureto, o veneno dos
espiões, que mata rapidamente nas concentrações presentes. Para terem mais pistas para
descobrir o assassino vão até à casa da escritora. Chegando lá, encontram um homem pegando
alguns papeis e saindo sem deixar vestígios, posteriormente, sabe-se que era o amante da
escritora, o revisor e também escritor, Joaquim Serapião, pai da Eugênia da mesma sala da
turma. As crianças descobrem que a escritora recebia mensalmente um dinheiro depositado
por alguém. Para descobrir, a turma pede ao Hugo Ciências para invadir o sistema do Banco
do Brasil e revelar quem depositava esse dinheiro. Nicolai Nikiforovich, cônsul russo em São
Paulo, quem é o responsável pelos depósitos.
Descobre-se que Rosinha trabalhava, incialmente, com o cônsul dos Estados Unidos e
com o aumento da oferta pelo cônsul da Rússia, esta passou a desenvolver suas pesquisas
sobre genética:
_A Rosinha fazia pesquisas muito avançadas de genética, num laboratório
que ela tem em São Roque. Foi aluna predileta do professor Testar. Agora
que o Testar abandonou as pesquisas, a Rosinha era a pessoa mais entendida
no mundo em genética. (MARINHO, 1987, p.63)
Ficam-se sabendo que a família do Rodolfo receberia a herança da Tia Rosinha, mas
não suspeitaram deles porque ele não deu maçã e os investigados foram apenas quem dera a
fruta. Desconfiam do Serapião, pressupondo que sabendo do culpado, decidira chantageá-lo.
Descobre-se que a irmã de Rosinha planejara tudo para conseguir junto com o marido
ficar com a herança pois estava endividado. O escritor descobrira e decidira tirar proveito
52
disso e comentou com o guru que fez microfilmes das cartas de ameaça da irmã para poder
chantagear. Mistério aparentemente resolvido. Descobriu-se quem queria matar a Rosinha,
mas o que de fato a matou, foi a maçã dada pelo pai do Carlos Eduardo que não aguentava
mais ver seu sofrimento.
Além da investigação que é tão cara na obra de Marinho, o autor se vale para indicar
algum livro ou tradução como no caso de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol:
"_Agora vocês vão ler Alice no país das maravilhas. Recomendo a tradução de Sebastião
Uchoa Leite." (MARINHO, 1987, p.68). Berenice, na livraria Capitu, compra para a sua mãe
a biografia de Elvis Presley, escrita por sua mulher Priscila Presley e o livro Pé de Pilão, de
Mario Quintana, além do livro de poesia de Cecília Meireles.
Em meio à narrativa, há a presença e preocupação em relação à política externa como
mostrado na relação dos Estados Unidos com o Irã, além da Guerra Fria, representado pela
preocupação da Rússia e dos Estados Unidos em investir em pesquisas genéticas, visando à
criação do homem perfeito. Marinho aborda dados do cotidiano, tanto nacionais e
internacionais, incorporando na narrativa, mesmo que de modo exagerado.
Figura 10: Capa e ilustrações da primeira edição feita pelo Estúdio Gepp e Maia.
53
Figura 11: Capa e ilustrações de Camila Mesquita à última edição (14ª edição, 2007).
2.3 DÉCADA DE 90: BERENICE CONTRA O MANÍACO JANELOSO (1990),
CASCATA DE CUSPE (1992), O CONDE FUTRESON (1994), O DISCO I (1996), O
DISCO II (1998)
2.3.1 Berenice contra o maníaco janeloso
Berenice contra o maníaco janeloso traz mais uma aventura da turma do Gordo,
sendo esta ocorrida no segundo semestre de 1988. Alunos e professores são assassinados
durante as aulas por um “maníaco janeleiro” ou como Pituca o chama: maníaco janeloso.
Temendo serem as próximas vítimas, a turma decide ir à delegacia do Doutor Paixão, amigo
do pai do Gordo, para obter informações a respeito do atirador. Também estão presentes o
subdelegado doutor José e a psicóloga Neusa. Por meio de várias perguntas, as crianças tem
acesso ao retrato falado do criminoso. Consegue ver o retrato falado do maníaco. Berenice, ao
tentar pegar um táxi, pega carona com o maníaco janeleiro. Ao se dar conta que estava no
carro do criminoso, imagina um jeito dele não escapar, mas sem levantar suspeitas. Diz ao
motorista que esquecera seu caderno na Cultura Inglesa que ficava do lado da delegacia do
Dr. Paixão. A intenção da Berenice é avisar a polícia por telefone quando estivesse na Cultura
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Inglesa, que ficava próxima à delegacia. O maníaco sabendo da emboscada preparada por
Berenice, decide matá-la e sai em alta velocidade. Sem alternativa, a menina crava as suas
unhas no rosto do bandido, que, sem direção, capota o carro e este pega fogo. Berenice é
lançada antes do carro incendiar, o que a livra da morte, tendo apenas escoriações leves. O
maníaco acaba fugindo. No entanto, a garota desconfia da atitude do subdelegado, Doutor
José que finge não vê-la quando estava no carro do maníaco. As suspeitas da menina são
confirmadas, pois tanto o subdelegado como a psicóloga estão envolvidos no esquema de
tráfico de drogas, chamado de Cartel de Medellín, em que o real motivo dos assassinatos é a
queima de arquivo. Na verdade, a quadrilha está em busca do americano Harry que infiltrado
na quadrilha em São Paulo, torna-se a principal testemunha do esquema de venda de drogas.
Disfarçado de professor, passa a ser o alvo dos bandidos, sendo a morte dos alunos e demais
professores apenas um disfarce.
O professor Wanderley, que ministrava aulas de ciências para a turma do Gordo é
assassinado com um tiro na cabeça como as demais vítimas. Após o assassinato, o maníaco se
joga do prédio onde estava. A população enraivecida quer linchar o homem, mesmo morto.
Segue a descrição da cena, que pela forma como é apresentada pelo exagero e ironia causa um
efeito de riso:
A turma do lincha conseguiu furar o bloqueio: uma mulher dobrava o pé do
maníaco, a outra batia com o sapato na dentadura dele, cada um puxava o
cadáver para um lado, o cadáver abriu.
Um sujeito cheio de sangue, com o fígado do maníaco na mão, olhou
fixamente para o Pituca e falou:
_Menino, tome cuidado, você não está linchando, você é parente dele?
_Eu? – falou Pituca – O senhor que esta linchando muito devagar, o senhor
não está linchando honestamente, para falar a verdade o senhor está
linchando porcamente, estou começando a achar que o senhor é o tarado da
Vila Madalena.
As palavras de Pituca fizeram com que os outros linchadores olhasse
desconfiadamente para o sujeito do fígado e ele ficou inibido: continuou a
linchar quietinho e parou de ofender o Pituca.
Quarenta soldados, altos, gordos, fortes, sem pescoço, com olhar de QI-
menos-quatro, escudo transparente na mão esquerda, cassetetes elétricos na
mão direita, máscaras contra gás no rosto, desceram de dois caminhões.
Os linchadores atiraram pedras, garrafas e pedações do maníaco nos
soldados, as crianças se encolheram perto do doutor Paixão, sentiram
vontade de vomitar, uma sensação ruim, olhos em fogo: era o gás
lacrimogêneo. (MARINHO, 1990, p.87)
As crianças desconfiam que a intenção do atirador era matar o professor de inglês,
que, ao invés de dar a última aula, pediu para antecipar sua aula com o professor Wanderley,
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que acabou morto em seu lugar. As suspeitas das crianças são confirmadas quando o cônsul
dos Estados Unidos, Mister Stanley, sua esposa Deborah e o professor Harry, explicam a real
causa dos assassinatos. O professor Harry na verdade é um espião que se infiltrou na filial do
Cartel de Medellín em São Paulo para poder denunciar os envolvidos. No entanto, foi
descoberto e estavam querendo assassiná-lo, pois seu testemunho condenaria os envolvidos.
Numa operação de guerra, a casa do gordo é invadida e destruída e o americano Harry, morto.
Mesmo depois da morte dos criminosos e da destruição, ainda há humor ao narrar o mordomo
Abreu roubando os pertences dos mortos:
_Tive sorte – falou Abreu – Daqui a cinco minutos o corpo endurecia e não
havia Cristo que tirasse o paletó.
_O que você pretende? – perguntou Pituca.
_Gostei da camisa preta com gravata de seda amarela – falou Abre – Vai pro
meu enxoval.
_Muito brega – falou Pituca – Eu se fosse você, pegava a camisa azul-
clarinha daquele morto ali.
_Gosto não se discute – falou Abreu. (MARINHO, 1990, p. 110)
Enquanto acontecia tudo isso na sua casa, o Gordo e a Berenice saíram, sendo que ela
iria para a delegacia do Doutor Paixão denunciar o envolvimento do subdelegado José e o
gordo iria para a casa do pai do Anselminho, um dos colegas da sala. Chegando na delegacia,
ao entrar na sala do doutor Paixão, é trancada pela psicóloga Neusa e pelo subdelegado,
doutro José, de quem já desconfiava. O doutor José estava envolvido no esquema do Cartel de
Medellín e envolvido também nos assassinatos. Na hora em que estava tentando matar
Berenice asfixiada, o gordo chega e o Pancho ataca o homem e o mata, estilhaçando seu
pescoço.
Marinho mais uma vez atento aos acontecimentos, aborda em seu texto a questão do
tráfico de drogas representado pelo Cartel de Medellín, na Colômbia nas décadas de 70 e 80.
Por meio de uma das personagens, o leitor é informado sobre o que é esse cartel:
_O Cartel de Medellín é uma quadrilha que controla 80% da cocaína do
mundo. Pelo enorme lucro que dá a cocaína tornou desinteressantes as outras
atividades criminosas: todo marginal está entrando no negócio da cocaína.
(MARINHO, 1990, p. 103)
É mostrado também o envolvimento da polícia no esquema de tráfico e a banalização
da violência, pois para se obter os benefícios do crime pessoas inocentes são mortas, inclusive
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crianças. A postura adotada por Marinho para representar essa violência é do exagero como na
cena descrita do linchamento do maníaco ou a frieza para mostrar o ataque do cão do Gordo:
O Pancho não rosnava, o ataque dele era silencioso, ia tirando pedaços de
pescoço do doutor José. [...] O cadáver do doutor José, os olhos fixos,
imóveis, jazia no chão, rodeado por muito sangue e pedaços de pescoço que
o Pancho esmigalhou. (MARINHO, 1990, p. 120)
Em relação ao projeto gráfico-editorial, é interessante notar na capa a mudança de
perspectiva. Na primeira edição, o leitor tem a mira do atirador e os elementos que fazem
parte da narrativa como o local de onde atira e o tipo de arma usada. Já na última edição, há a
presença de uma garota e de um adulto, que representam olhar para o assassino, mas tomando
cuidado para não ser vistos, pois estão no canto da janela do prédio.
Figura 12: Capa e ilustração de Roberto Barbosa (1990)
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Figura 13: Ilustração de Alê Abreu e capa de Camila Mesquita (2007).
2.3.2 Cascata de cuspe
A história ocorre numa tarde bonita de junho de 1991 como descreve o narrador. O
Gordo é assaltado por um grupo de meninos de rua, conhecido como gangue do Ripa quando
estava indo à loja de eletrônicos do seu Alves. Ele descobre que o seu Alves contratara uma
equipe de matadores para exterminar a quadrilha do Ripa. Essa equipe é formada pelo Profeta,
líder do grupo, Adalberto e Belisário. Para isso, ao entrar no banheiro da loja do seu Alves,
ouve a conversa do dono com os capangas. Ao perceber que seria descoberto, finge que teve
um ataque epilético e baba muito, por isso receberá o nome de cascata de cuspe. Desse modo,
consegue que todos pensem que ele não ouviu nada da conversa. Incentivado pela Berenice, o
Gordo vai à delegacia fazer a denúncia a respeito do extermínio dos meninos da gangue do
Ripa. Todos que veem a demonstração da Cascata de cuspe dada pelo Gordo ficam extasiados
com o espetáculo. No entanto, Bernardo, o escrivão de polícia, é cúmplice dos bandidos e
conta tudo a eles, que conseguem despistar a polícia. Enfurecidos, decidem dar cabo da vida
do Gordo, principalmente o Profeta que fica com muito ódio por ter sido enganado. Decidem
sequestrar o Gordo para que o Profeta sinta-se melhor:
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[...] o Profeta precisa descarregar a raiva: do contrário ficará mentalmente
inválido e não poderá aproveitar a vida. (MARINHO, 1992, p.59)
Para isso, Doralice, prima de Belisário, irá se aproximar do mordomo Abreu para
poder descobrir os horários do Gordo para verem a melhor oportunidade de sequestrá-lo.
O Gordo é sequestrado pelo Adalberto e Belisário e levado para um sítio, onde será
morto para satisfazer a vingança do Profeta. O gordo terá suas glândulas salivares ligadas a
eletrodos que irão estimular a produção de saliva e assim morrer desidratado. Mais uma vez a
morte adquire um status de espetáculo:
_O gordo morre? _perguntou Adalberto.
_Acaba morrendo – disse o advogado. _Todo o líquido do corpo do gordo se
transformará em cuspe, morrerá desidratado, mas a morte demora de quinze
a vinte minutos, o bastante para o Profeta se divertir com a vingança.
_Podia até – falou Adalberto -, quando o gordo estiver no fim, morrendinho,
dar um peteleco no corpo dele e jogá-lo dentro da banheira.
_Afogado no próprio cuspe – falou Belisário. – Isso fecharia a vingança do
Profeta com chave de ouro. (MARINHO, 1992, p. 83)
Em meio a esse processo de assassinato, o narrador para descrever detalhadamente:
A saliva borbulhava e cascateava, densa, babosa, gorgulhante, sulfurosa,
sabonácea, leitosa, goticulante, estufada, salteante, respingófila, gaseificada,
percorrida e, acima de tudo, esparramosa. (MARINHO, 1992, p. 87)
Preocupados com Bolachão, o pai do Gordo liga para a delegacia e quem o atende é o
escrivão Bernardo, que se responsabiliza pelo caso, pois nem o doutor Paixão e a subdelegada
estão presentes. O escrivão envolvido com os bandidos faz de tudo para atrapalhar a busca. A
história caminha para a morte do Gordo, caso não fosse o uso do nonsense para permitir que
consiga sair salvo. A solução encontrada por Marinho é totalmente inusitada:
O acesso de tosse movimentou demais a cabeça do gordo e os fios
grudados pelas fitas isolantes mudaram um pouco de posição.
A corrente elétrica de trinta volts saiu do Centro Nervoso do Cuspe e
ligou-se diretamente ao Centro Nervoso de Propulsão Intermuscular. (MARINHO, 1992, p. 89)
Com uma força descomunal, o Gordo conseguiu bater em Belisário e em Adalberto e
deixar fora de combate o Doutor Tautásio e conseguir se proteger dos tiros disparados pelo
Profeta. Com a mesma naturalidade que as situações violentas ou fantásticas são narradas, o
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desfecho da história é mostrado de modo natural: como se fosse normal tudo que foi
apresentado. As crianças são muitos fortes a tudo que acontece em sua turma.
O escrivão Bernardo procurava uma atitude respeitosa com o Profeta, mas a
risada foi contagiando, foi comichando, o escrivão enfiou as unhas no braço
da poltrona, mordeu a língua, procurou pensar no cadáver do falecido pai,
todo deformado por um câncer no nariz; essa imagem do cadáver era forte,
evitou a gargalhada por dez segundos, mas o riso explodiu, o escrivão
Bernardo deu a maior gargalhada da vida dele, batendo com as mãos na
poltrona, batendo com os pés no chão, lacrimejando e soluçando.
(MARINHO, 1992, p.38)
Cascata de cuspe foi publicado pela Editora Moderna, na coleção Veredas, sendo o
primeiro livro do autor por essa editora. Também foi publicado pela Editora Global, mas nesta
edição não consta a nota mencionada abaixo:
Quando escrevi o primeiro livro, inicialmente, na minha cabeça, a turma do
Gordo não era ainda a turma do gordo, e sim a turma do Edmundo.
Edmundo era o herói principal, assessorado diretamente pelo Pituca, e o
gordo, muito no terceiro plano, um figurante que fazia alguma coisa curiosa
de vez em quando.
Pelo início do Gênio do crime pode-se perceber essa disposição.
(MARINHO, 1992, p.95)
Marinho aborda mais uma vez um tema comum, ainda mais no centro das grandes
cidades brasileiras, a questão das crianças de ruas, marginalizadas e recorrendo ao assalto
como forma de sobrevivência. A polícia não conseguindo contê-las e, tampouco as
instituições responsáveis pela socialização dessas crianças, os cidadãos recorrem ao que é
ilegal: o assassinato delas. Embora publicado em 1992 e a história narrada em 1991, o tema
abordado revela-se presente, como ocorreu no ano seguinte à publicação do livro, em julho de
1993 com as mortes de jovens na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, conhecido como
Chacina da Candelária. Desse modo, Marinho aborda uma questão presente nos grandes
centros urbanos que é a questão da marginalidade infantil e a atitude tomada pela população
para tentar se proteger das consequências disso. Embora o autor se valha da humor para tratar
dessa questão que permeia a obra, a reflexão sobre essa realidade se faz presente.
Cascata de cuspe, como já mencionado, foi publicado também pela Editora Moderna.
Comparando as capas, é possível perceber o enfoque dado em cada obra. Nas duas primeiras,
após o título vem escrito “Game over para o gordo” numa linguagem dos jogos de videogame
comum às crianças. Inclusive, o desenrolar da história se dá quando o Gordo vai comprar
60
jogos na loja de eletrônicos do seu Alves. No entanto, é substituído por “Uma aventura da
turma do gordo”, seguindo o mesmo projeto gráfico das demais edições.
As duas primeiras capas enfocam a cascata de cuspe produzida pelo Gordo no decorrer
da obra, diferente da última edição que traz os instrumentos usados para a morte do Bolachão,
a princípio não tendo nenhuma relação direta com o título da obra. A primeira capa pela
Editora Global traz o cuspe do Gordo como sendo realmente uma cascata em São Paulo em
meio aos arranha-céus da cidade.
61
Figura 14: Capa e ilustrações de Mauricio
Negro (1992). Figura 15: Capa e ilustrações de Roberto
Barbosa (1992).
Figura 16: Ilustrações de Mauricio Negro
e projeto de capa de Camila Mesquita
(2009).
62
2.3.3 O conde Futreson
Ao longo de vinte e quatro capítulos, o leitor acompanha a aventura da turma do
Gordo inspirada na obra do vampiro mais conhecido do mundo: conde Drácula. Após fazer a
descrição da casa da família do Gordo, num estilo que lembra os romances românticos, pelo
excesso de detalhes, e informar aos leitores a composição da turma do Gordo, o narrador
revela o motivo da reunião daquela tarde: a ida da professora Jandira à Itália e o seu
casamento com o conde Futreson de Lucra.
Depois de uma seleção com mulheres das principais capitais do mundo, Jandira é
escolhida para ser a nova esposa do conde italiano, no entanto, só aceita assim que assistisse a
um vídeo do futuro noivo. A turma fica curiosa para saber quem é o famoso conde, que se
casará com a bela e inteligente professora Jandira. No momento em que a turma e os demais
adultos, os pais do Gordo e o frade João assistem ao vídeo, aparece na tela a figura de um
grande mastim. Pancho começa a avançar na tela, sendo que o mastim acompanha a trajetória
do cão do Gordo. Este fica tão agitado, que estraçalha as caixas de som.
No dia do embarque de Jandira, Hugo Ciência tenta, inutilmente, alertar a turma de
que o conde na verdade é um vampiro, pois o nome dele, Futreson de Lucra, é um anagrama
de Nosferatu Drácula. Jandira vai à Itália e fica assustada com algumas coisas que ocorrem no
castelo onde mora o conde como a entrada misteriosa do mastim do vídeo em seu quarto além
do cheiro forte de amoníaco no ambiente. A professora estava certa ao temer o destino que a
esperava: o conde Futreson a transforma em uma subvampira, como ficam conhecidos aqueles
que são mordidos pelo vampiro.
O conde, ao ver uma foto da turma do Gordo mostrada pela sua noiva, fica comovido
ao ver a semelhança de Berenice com a camponesa, a quem fora apaixonado e se matara para
não ser amaldiçoada. Assim, o leitor é levado para o ano de 1487, quando é descrita o
encontro do conde com a jovem camponesa. A fim de encontrar-se com Berenice, o conde vai
ao Brasil com o objetivo de transformá-la em uma subvampira. A partir da chegada do conde
em São Paulo, coisas estranhas acontecem como a desobediência do Pancho, que passa a ficar
próximo do conde e ser agressivo com as pessoas conhecidas. Nesse meio tempo, o frade João
fica desconfiado do conde e pede ajuda a Roma para esclarecer suas dúvidas a respeito desse
misterioso homem, cujas suspeitas são confirmadas pelo fax enviado por frei Cristoforo
Petroluzzio, direto da Itália.
63
Edmundo e Silvia voltando do pronto-socorro, onde o menino fora cuidar do ferimento
causado pelo Pancho, encontra com o carro que conduzia o conde e decidem segui-lo. Assim,
como em O gênio do crime, Edmundo resolve investigar. Chegando na casa onde o carro
entrara, as duas crianças começam a observar cada cômodo. No porão se deparam com o
conde e a professora Jandira deitados sobre um caixão de terra muito preta que exalava um
cheiro forte de amoníaco. Constatando que ambos estão mortos, concluem que foram
assassinatos pelo Tafor, mordomo, e que este se prepara para fugir de helicóptero. Edmundo e
Silvia não sabiam que o conde e a sua noiva estavam apenas dormindo. Jandira desperta do
seu sono e vai em direção a Edmundo. Neste ponto a narrativa é interrompida, aumentando o
suspense no leitor, que lê a narração do que está acontecendo na casa do Gordo devido à
demora dos amigos.
Berenice fica preocupada por um pressentimento ruim. Ela sente que algo de ruim vai
acontecer e pede que o Gordo a acompanhe na sua casa e que não a deixe dormir sozinha. O
conde estava controlando a mente da menina para que ela o convidasse para entrar em seu
quarto e, assim, ter a sua amada de séculos. O Gordo deve que se ausentar do quarto de
Berenice, que controlada mentalmente pelo conde, permite que o vampiro entre. Quanto este
ia dar a mordida, a garota enfia um facão em seu próprio coração, dizendo as mesmas
palavras que a camponesa dissera ao se matar: “_Alma penada, cão danado”. Diante da morte
da amada, o conde transforma-se no mastim e uiva estrondosamente. O Gordo, ao abrir a
porta do quarto, é atacado pelo mastim, que acaba mordendo sua canela.
A garota é salva pela ação rápida do Gordo, que faz uma massagem cardíaca, para
reanimá-la, enquanto aguarda a chegada da ambulância. A menina sobrevive e, enquanto se
recupera no hospital, frade João, o Gordo e seu pai, seguindo as recomendações do frei, amigo
do frade, resolvem matar o conde e a Jandira para acabar com a maldição. Para que a alma da
professora seja salva, a sua morte é inevitável. O conde consegue escapar e a professora é
morta. Frade João alerta a turma de que, devido às circunstâncias, o conde voltará a atacar
Berenice. A turma toda se organiza para matar o conde no hospital, onde a namorada do
Gordo se recupera. Mesmo se transformando no frade João para tentar enganá-los, o conde é
descoberto pelo Gordo, que reconhece a farsa e ataca-o, pois o vampiro se esquecera de pegar
a corrente com a cruz que o frade João sempre usava.
O narrador mostra certas curiosidades sobre os nomes de alguns objetos ou sobre
detalhes da construção do castelo: "O enxoval que a professora mandara vir do Brasil já
estava arrumado direitinho nas grandes cômodas (que haviam substituído os incômodos baús
originais, vindo daí o seu nome de cômodas) e os livros nas estantes." (MARINHO, 1994,
64
p.24), e, “A janela abria para o pátio interno do castelo: naquele tempo não podia abrir-se para fora,
pois seriam atingidas por flechas incandescentes, pedradas ou outros engenhos. (MARINHO, 1994, p.
24)”. Além da descrição da tortura feita à família da camponesa, por quem o conde se
apaixonara, por métodos tão comuns no século XV:
O pai, a mãe e os irmãos da jovem camponesa foram torturados pelos vários
instrumentos que havia nos porões do castelo, colocados na roda dentada,
puxados pela máquina de esticar, atarrachados na prensa de crânio, e,
finalmente, quando os seus corpos eram mais do que informes pelotas de
carne macerada, foi-lhes colocado o funil nas bocas e por ali derramado
chumbo fundido. (MARINHO, 1994, p.43)
Por meio da voz do narrador, o leitor é informado de certas peculiaridades ou
curiosidades como as mencionadas acima. Ao longo da narrativa, Marinho incorpora
curiosidades sobre o período dos acontecimentos ou sobre a origem dos nomes como no caso
das formas de tortura e da cômoda, respectivamente.
Sobre as capas, embora sendo do mesmo ilustrador, Mauricio Negro, o enfoque dado é
diferente. Na primeira edição, há a presença do conde escrevendo uma carta à professora
Jandira, em meio a uma vasta biblioteca, em que o leitor olha de trás a ação da personagem. Já
na última edição, observa-se o clima de suspense por ser mostrada uma imagem do castelo
envolta com morcegos, numa noite de lua cheia. Na capa da primeira edição, pela escolha
feita pelo ilustrador, o leitor pode remeter o ambiente da história ao universo da nobreza pela
personagem ser um conde. Já na segunda capa, introduz o leitor no universo próprio da
história que é a questão do vampiro representado pelo conde Futreson num intertexto com o
conde Drácula, sendo o nome do conde um anagrama de conde Drácula, pois há a imagem de
um castelo rodeado de morcegos.
Atendendo ao novo projeto gráfico da última edição, houve a mudança da capa, mas as
ilustrações mantiveram-se as mesmas no interior das obras nas duas edições analisadas. O
estilo das ilustrações na primeira edição é o mesmo da capa, diferente da última:
65
Figura 17: Imagem da primeira edição, capa e ilustrações de Mauricio Negro (1994).
Figura 18: Imagem da capa da última edição (9ª edição, 2009), ilustrações de Mauricio Negro.
66
2.3.4 O disco I
A primeira edição é pela Companhia das Letras, sendo dividido em duas partes: Livro
principal: a viagem e Livro final: Voltando para casa. Essa é apenas a alteração realizada na
obra que difere da publicada pela Editora Global em relação à estrutura interna da obra. O
título da obra deixa de ser apenas O disco para O disco I: A viagem. A quantidade de capítulos
mantém-se a mesma: 29 capítulos.
Essa é a primeira história em que Marinho se envereda pela ficção científica, passando
grande parte da história no espaço. Tudo começa quando Doutor Marcelo, pai do Gordo,
compra uma fazenda em Monte Verde, Minas Gerais, e juntamente com a turma decidem
passar as férias de julho lá.
As crianças ficaram alvoraçadas diante a novidade e das possibilidades de passearem
na fazenda. Berenice na mesma noite foi ver o estábulo, quando é surpreendida por um
arbusto que rasga sua orelha. Ela consegue se desvencilhar do estranho vegetal com a ajuda
de Pancho que o ataca. Ferido, o arbusto foge. Preocupados com a segurança das crianças,
Doutor Marcelo, o marceneiro e Pituca foram atrás do estranho invasor, apelidado de Zé-
Folha por Pituca. No dia seguinte, vão em busca do arbusto. Ao encontra-lo, já ferido ouvem
as últimas palavras: que os ovo postos serão os responsáveis pelo retorno à Terra e para
tomarem cuidado com os sevetrérios.
No mesmo instante, as crianças são encurraladas por uns homens e uma mulher,
apelidadas de brucutu por Pituca, com uma força descomunal, e levam todos para uma parte
plana e veem surgirem um disco voador e são levados em direção ao planeta desses seres.
Inicialmente, a turma não entendia o idioma dos brucutus. Aos poucos, foram
aprendendo o que permitiu que compreendessem a razão de terem sidos sequestrados. Para os
brucutus, a nave era Potroan, sendo os humanos responsáveis pela construção de um barco
que os faria viajar quando quisessem para a Terra.
Em meio à viagem, os ovos postos pelo Zé-Folha nasceram, após serem chocados pela
Berenice e pelo Gordo. O arbusto chocado pelo Gordo chamou-se Zé-Folhinha e da Berenice,
Discraniado, pois devido a uma deformação do ovo, nasceu sem cabeça.
Em meio à descoberta do fim dos tripulantes terrestres, pois não resistiriam à
gravidade do planeta dos brucutus. O gordo diz que achará uma solução. A solução
encontrada foi de deixar zero a gravidade, o que faria com que tivessem vantagem em relação
aos brucutus, pois o Zé-Folhinha conseguiu reduzir a gravidade apenas num dos
67
compartimentos da nave o que possibilitou que a turma treinasse os movimentos de luta
necessários para lançar os brucutus da nave quando estivesse chegado no planeta deles.
A luta foi fácil para a turma, pois já estavam treinados para o combate. No entanto,
quando faltava apenas o chefe dos brucutus, que se agarrou ao gordo e iam juntos sair pela
porta da nave, caso não fosse o espirro do gordo que desviou a trajetória:
Acontece que o chefe era excessivamente peludo. Abraçado ao peito dele,
aqueles pêlos entraram no nariz do gordo, coçou lá dentro, e o gordo deu o
maior espirro da vida. Desses espirros que a pessoa dá uma só vez e não
esquece: o pulmão se rebate todo, junto com a garganta, a boca e a cabeça, e
aquilo faz uma explosão que parece que a alma da pessoa foi espirrada junto.
(MARINHO, 1996, p.105)
Após baterem nas paredes do disco, o Gordo e o chefe perderam a velocidade e
pararam. Com um empurrão, o frade João empurrou o brucutu em direção à porta e assim que
colocou os pés para fora, foi chupado rapidamente pela gravidade do planeta.
A turma decide voltar para casa, contado com isso com a ajuda de Zé-Folhinha. N
entanto, como os arbustos se alimentavam de orelhas e as orelhas restantes não seriam
suficientes para o retorno à Terra. Zé-Folhinha sugere que vão até o seu planeta e pegue duas
vacas cujas orelhas compridas e que crescem como unha serviria de alimento aos irmãos até o
retorno ao seu planeta.
No caminho encontram-se com os sevetrérios, piratas do espaço que roubam as naves
desacompanhadas, além de venderem seus tripulantes como escravos.
A turma retorna ao seu planeta no mesmo local de onde partiram há um ano e 13 dias.
Dona Celeste permanecera na propriedade aguardando o retorno. A mãe do Gordo tratou de
comprar bolos para comemorar o aniversário das crianças, que agora tem onze anos. O
Discraniado e o Zé Folhinha permaneceriam com a turma junto com as vacas trazidas do
planeta deles, que na próxima narrativa, o leitor saberá que se chama Ebulidor.
Essa aventura espacial continuará no próximo livro da coleção, agora com a presença
de Dona Celeste, frade João e o Pancho.
68
Figura 19: Capa e ilustrações de Carlos Matuck (1996).
Figura 20: Ilustrações de Mauricio Negro e capa de Camila Mesquita (2006).
69
2.3.5 O disco II
Esta obra é a única que tem um pequeno resumo referente à turma do Gordo para
situar o leitor, como diz Marinho em nota na introdução do livro:
As aventuras da turma do gordo não são seriadas. Os livros são
independentes e dispensam a leitura dos demais.
Mas ao longo destes trinta anos foram se acumulando muitas personagens e
coisas.
Se eu tivesse que interromper o fluxo natural da história para a cada
momento dizer quem é quem e que coisa é que coisa, isso desviaria o ritmo
da narração.
Por isso faço um breve resumo de como está a turma do Gordo antes desta
história começar. (MARINHO, 1998, p.7)
Após o número do capítulo, o autor já recomenda: "(É aconselhável consultar a
introdução na página 7 e seguintes)". Apenas na primeira edição consta essa informação, não
aparecendo na última analisada neste trabalho.
Esta narrativa dá continuidade à anterior, O disco. No entanto, o título desta narrativa é
A catástrofe do planeta Ebulidor, que na última edição juntamente com o projeto gráfico da
editora muda para O disco II – A catástrofe do planeta Ebulidor.
Nesta história, chega a primeira ministra do planeta do Zé-Folhinha, Iafonda, e sabe-se
que o Zé-Folha, que na verdade se chamava Ectocondor era rei do planeta Ebulidor. Ela veio
buscar os filhos do rei para que pudesse casar e assumir o trono. Iafonda e Zé-Folhinha vão ao
Planeta Ebulidor, mas Berenice lembra-se que somete o Zé-Folhinha sabe pilotar o disco.
Numa tentativa de entrar em contato para que retornem e a turma possa ir ao casamento. A
turma tenta o contato com o planeta para que possam ir ao casamento, visto que somente o
Zé-Folhinha pode pilotar a nave.
O Gordo consegue descobrir a senha do disco e todos, exceto o mordomo Abreu, vão
para o planeta Ebulidor. No meio da viagem, conseguem captar a nave de Zé-Folhinha e
estabelecer contato. Chegam ao planeta Ebulidor e são recepcionados com festa.
No dia do casamento, o Gordo, a Berenice, o Edmundo, o Pituca, o Biquinha foram
sequestradas pelo Sovotrau, cientista de Ebulidor, que traíra o planeta. As crianças estavam
agora sob o poder dos sevetrérios. O sol do planeta Ebulidor iria explodir, sendo questão de
tempo, o que tornaria inviável a vida na superfície do planeta. A ida do pai do Zé-Folhina era
70
para ver a possibilidade de levar o planeta à atmosfera do planeta Terra, mas a sua nave foi
sabotada. Com o disco pretendia levar o planeta à uma atmosfera parecida com a de Ebulidor.
O planeta é traído pelo cientista que cuidava da parte de segurança e do projeto de
salvação do planeta Ebulidor, estando aliado ao chefe dos sevetrérios.
É descoberto que para ativar a senha do disco é necessário um catalisador e um
mentalisador que se torna o comandante. Na primeira vez, o Gordo foi o catalisador e o Zé-
Folhinha, o mentalisador. Quando o Gordo comandou o disco para ir ao Planeta Ebulidor,
quem foi o catalisador, foi o Pancho. No entanto, devido ao desgaste, Pancho estava se
recuperando e só depois poderia ser usado pelo Zé-Folhinha.
Enquanto isso, o doutor Sovograu usou um meio de descobrir a senha e usar o Gordo
como catalisador, para que o imperador dos sevetrérios consiga controlar o disco, considerada
a máquina mais que perfeita. O gordo é deixado dopado para que o Imperador possa controlar
o disco sem a intervenção do menino. Berenice decide tomar uma iniciativa para que possa
junto com os outros prisioneiros livrar-se dos sevetrérios e resgatar o Gordo. A turma que está
sob o poder de sevetrérios aproveita que eles estão bêbados ao comemorar a chegada do disco
e ataca-os, enquanto Edmundo tenta se comunicar com o Ze-Folhinha. A tentativa é frustrada.
Enquanto se pensava que o catalisador era o gordo ou o Pancho, na verdade, quem
fazia esse papel era o Discraniado. Berenice, percebendo isso, consegue dominar o disco. As
crianças são salvas mais uma vez.
Mesmo acontecendo no espaço, é possível perceber algumas características humanas
nas atitudes dos extraterrestres e que são descritas na narrativa. O Imperador dos sevetrérios
queria construir um Zoológico dos Seres Pensantes do Universo e deixar as crianças à mostra.
Além do misticismo que é descrito abaixo:
Uma sevetréria velha falou que tinha roçado no pé do gordo e curara do
reumatismo. A notícia espalhou: quem encostasse no gordo recebia uma
graça.[...]
O Imperador achou mais político organizar aquele misticismo: uma vez por
semana fazia-se uma fila quilométrica e cada pessoa tinha dez segundos para
entrar e dar um toque na sola do tênis do gordo.
Reproduções do gordo eram impressas em moedinhas, estatuetas ou
medalhões e vendidas por ambulantes. (MARINHO, 1998, p.108)
Desse modo, a vontade de obter status perante o seu povo e os benefícios que ele
obteria, faz com que o Imperador tenha essa postura, não se importante com as outras pessoas.
Essa atitude de conseguir vantagem por meio da crença das pessoas é algo usado hoje em dia,
em que isso já virou comércio.
71
Marinho procura trazer o conteúdo do que é narrado para o plano da forma: “Era uma
coisa assim que delírio das alturas é confundir águia com urubu, mas estava interrompido, não
fazia muito sentido.” (MARINHO, 1998, p.18)
Figura 21: Capa e ilustração de Mauricio Negro (1998).
Figura 22: Ilustração de Mauricio Negro e projeto de capa de Camila Mesquita (2007).
72
2.4 DÉCADA DE 2000: O GORDO CONTRA OS PEDÓFILOS (2001) E
ASSASSINATO NA LITERATURA INFANTIL (2005)
2.4.1 O Gordo contra os pedófilos
Em O Gordo contra os pedófilos (2001), João Carlos Marinho aborda a questão da
pedofilia e da pornografia infantil. A turma companha pelo noticiário que algumas meninas
desaparecem misteriosamente. A Berenice é sequestrada e obrigada, junto com outras
meninas, a fazerem cenas sensuais enquanto são filmadas. Esses vídeos serão vendidos
para a Europa. Mais uma vez as crianças brasileiras são vítimas de exploração para
satisfazer os desejos de adultos estrangeiros como ocorreu em Sangue fresco com a
exportação ilegal de sangue infantil. A turma mais uma vez se empenha para descobrir o
paradeiro de Berenice.
No entanto, o uso de tecnologias não ajudará na investigação, pois os bandidos
pensaram em todos os detalhes ao gravar seus vídeos, inclusive, no som de fundo dos
vídeos para confundir nas investigações. Por meio do isolamento dos sons vindos de fundo
na filmagem, a polícia poderia ter uma noção de onde o estúdio ficaria. A única pista agora
é a palavra Flor, dita por uma das integrantes da quadrilha, antes de morrer. Na primeira
tentativa de pesquisar as empresas que tivessem em seu nome a palavra Flor, a turma não
obteve nenhum êxito. O gordo então acredita que na verdade, Doroteia antes de morrer
queria indicar o local onde a quadrilha se escondia e ao pronunciar a palavra flor, quis na
verdade dizer, Colibri, como também é conhecido o beija-flor. Seguindo a intuição, mas
dentro da lógica estabelecida por Marinho, as crianças juntamente com o Pancho, que seria
fundamental na descoberta do paradeiro de Berenice, investigam cada empresa cujo nome
tinha a palavra Colibri. Enquanto a turma procura meios de encontrar Berenice, que
também tenta imaginar formas de fugir do cativeiro. Com a ajuda de Pancho, o Gordo
consegue identificar onde a garota está e assim planejar uma ação para libertá-la. Com a
ajuda de Frade João, Dona Celeste, o Pancho e o Gordo, conseguem chegar até o cativeiro
de Berenice e resgatá-la, mas sem antes haver a clássica luta entre heróis e vilões, com uma
boa dose de humor dada por Marinho. Os bandidos são presos e se descobre que mais uma
vez a polícia estava envolvida no crime.
73
Marinho faz a sua crítica a acontecimentos da época como o uso da Internet em
crimes de pedofilia. Ao mesmo tempo que a rede de computadores permite a disseminação
rápida de informações, possibilitou que a turma encontra rapidamente, em questão de
"milisegundos" o encontro das empresas em que poderia estar a Berenice.
Assim como em O gênio do crime, o sumiço do Gordo gerou uma comoção
nacional, com emissoras de TV e jornais dando ênfase ao desaparecimento, a população
ficava atenta a qualquer situação estranha. Assim, como nesta história, a participação da
população é ativa que se torna até cômica:
O delegado entrevistou a menina com cuidado. A cidade estava muito
assustada e nas últimas 24 horas ele já havia recebido centenas de
denuncias de crianças que foram abordadas de modo suspeito e vai ver
não era nada. No Morumbi, um velhinho todo encurvadinho quis ser
gentil com uma menina que levava dois pacotes enormes, e muito
timidamente, perguntou se ela deixava ele levar. O motorista de um
ônibus que passava viu aquilo, parou o ônibus, desceu e deu porrada que
quebrou o velho em três. (MARINHO, 2001, p.42)
É interessante notar que quando há o apelo da mídia, as pessoas ficam mais atentas
e sensibilizadas. Até então, o desaparecimento das meninas não era mostrado como algo a
ter a atenção necessária. Inclusive, a turma do Gordo só se mobiliza para encontrar os
pedófilos quando Berenice desaparece.
Esta obra de Marinho possui apenas uma edição cujo projeto gráfico difere dos
anteriores da década de 90. Com 134 páginas, ilustração e capa de Mauricio Negro,
publicado em 2001 pela Editora Global no formato 14x21. A assinatura da obra mantém a
mesma das obras anteriores pela Editora Global: João Carlos Marinho.
74
Figura 23: Capa e ilustrações de Maurício Negro (2001).
2.4.2 Assassinato na literatura infantil
Se a primeira aparição da turma do Gordo se deu por meio de uma história
investigativa, a última segue a mesma linha: procurar o assassino de um dos jurados do
Prêmio Visconde de Sabugosa. Esse prêmio era concedido ao autor da melhor obra infantil
publicada recentemente, organizado pela Sociedade Cultural, cuja diretora era dona
Celeste, mãe do Gordo. Mais uma vez o universo literário permeia a obra, além da menção
à personagem criada por Monteiro Lobato, Visconde de Sabugosa. Acostumados às mais
diversas situações, a turma decide investigar quem assassinou o jurado, o filósofo Rolando
Verdilucci, cujo voto decidiria o vencedor do prêmio. Os principais suspeitos são os cinco
escritores finalistas do concurso mais uma autora que fora desclassificada, não entrando na
seleção final.
As crianças mais uma vez, neste caso, Berenice e Bolachão tornam-se os
investigadores do crime. A polícia não se atentou para os detalhes, cabendo ao Gordo e
Berenice juntarem as pistas e descobrirem o criminoso. A princípio, a pista é o formato da
75
orelha que Berenice vê durante o momento em que ocorre o assassinato. Tendo em mente
essa pista, procuram as pessoas que tenham aquele formato da orelha, mas logo é
descartada, pois em meio à confusão, a Berenice viu a própria orelha do assassinado e
pensou que fosse do assassino. No entanto, não desistem de descobrir o verdadeiro
culpado. Numa trama em que várias hipóteses são elaboradas, algumas rapidamente
refutadas, a turma consegue chegar ao verdadeiro culpado por meio da intuição do Gordo.
Mesmo partindo de uma suspeita, o garoto estabelece uma linha de raciocínio até chegar
no verdadeiro culpado. Berenice e o Gordo descobrem o esquema de venda de diplomas
falsos de Direito pelo filho do jurado morto. Ainda assim, o menino não se convence que
tenha encontrado o culpado e decide continuar a investigação. Os motivos da morte do
jurado só são revelados no final da história, como uma boa história investigativa. Na
verdade, quem matou foi um dos jurados, a poetisa Valkyria Waleyra que não queria que o
filósofo a denunciasse por ter adquirido um diploma falso com seu filho, na Faculdade de
Direito Verdilucci, o qual era proprietário. Seu filho Jaime Ernesto Verdilucci estava
vendendo diplomas falsos de Direito e vendera à poetisa. O narrador descreve a frieza com
que a assassina relatou o crime:
A maneira fria como a poetisa Valkyria Waleyra contou detalhadamente o
seu crime deixou os outros quatro jurados com muita raiva e muito ódio.
Se ao menos ela tivesse mostrado arrependimento, tivesse chorado: o que
se via era uma pessoa totalmente egoísta, nem sequer tinha qualquer
remorso por ter matado o bom filósofo que quis ajudá-la. E tentou jogar a
culpa numa escritora inocente. (MARINHO, 2005, p.121)
Diferente dos outros livros em que há o exagero, a presença do nonsense para
tornar verossímil as ações narradas, em Assassinato na literatura infantil isso não
acontece. Apenas em um trecho, quando o Gordo e a Berenice, escondidos no armário da
sala de Jaime-Ernesto, filho do jurado assassinado, saem de onde estão e surgem
repentinamente, há a explicação do narrador:
As pessoas que vinham buscar o diploma eram adultos e não costumavam
sair de dentro do armário mas, naquelas alturas, o Gregório com um
revólver na mão, o Jaime-Ernesto apavorado de levar um tiro, ninguém
mais sabia onde estava a realidade, onde estava a fantasia, um filósofo
assassinado, uma escritora presa, todo mundo pedindo diploma, um
sujeito fugindo para a Malásia, muito normal que um gordinho saísse do
armário e pedisse diploma também. (MARINHO, 2005, p.93)
76
O destaque da obra, portanto, é a sua veia investigativa em que o Bolachão, mais
uma vez consegue desvendar um crime, auxiliando a polícia como o próprio delegado do
caso destaca:
_Esse gordinho aí, sentado entre vocês, ele é um gênio, o cérebro deste
gordo é um fenômeno que ainda não foi explicado. Sem ele eu nunca
pegaria o verdadeiro assassino. Ontem ele descobriu a lógica do crime e
hoje veio aqui de manhã, saímos pela cidade e achamos as provas da
lógica do crime. (MARINHO, 2005, p. 111)
De forma divertida, no final da obra, o autor aborda a questão da violência. Quando
estava indo embora para casa, o delegado presencia a discussão entre a secretária e a
subdelegada a respeito do ano de morte de Madre Teresa de Calcutá e é perguntado a ele
sobre a data, sendo sua resposta:
_Não sei se foi 87, não sei se foi 97, não acompanho as notícias
internacionais, eu chego em casa com a cabeça quente, eu só quero saber
do National Geografic, eu só quero saber de esquilo, de castor, de
elefante, de baleia, de pica-pau, de urso, de pato, de marreco, de foca, de
pinguim, agora eu vou para casa correndo porque vai passar aquele
documentário das zebras atravessando o rio e os crocodilos esperando,
sabe gordo, as zebras chegam na beira do rio, ficam com medo, os
crocodilos olhando, indo para lá e para cá, aqueles olhões saindo fora
d‟água, de repente uma zebra toma coragem e atravessa, as zebras todas
atravessam atrás, e puxa e rasga e morde e come e afunda e afoga e pula e
foge, é uma tempestade naquele rio, tem vez que não é zebra, é outro
bicho, mas a emoção é a mesma, gordo eu já assisti vinte vezes e nunca
canso, é a minha maior higiene mental. Eu fico renovado, eu lavo a alma,
eu esqueço da vida. (MARINHO, 2005, p.123)
O modo de relaxar do delegado ainda está vinculado à violência, só que no mundo
animal. Por mais que tente se desligar do universo violento a que sua profissão está
vinculada, nos momentos de lazer, é a ela que o delegado recorre. Além da referência à
Madre Teresa de Calcutá, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, sendo símbolo de caridade e
serviço ao próximo, num momento em que o posicionamento do delegado revela violência.
Assim como nas demais obras, a participação das crianças na resolução dos crimes
ou na busca de saídas se dá de um forma independente da ação dos adultos, por mais que
estes auxiliem como no desfecho de Sangue fresco em o frade João mata os capangas de
Ship O‟Connors. A perspicácia da turma, sobretudo de Berenice e do Gordo, mostra-se
77
superior à dos adultos, pois ela decide ir até o fim dos casos, mesmo quando parecem
solucionados.
Na revista Entrelivros, edição 6 de outubro de 2005, João Carlos Marinho a respeito
desta obra, diz que a turma volta em uma missão mais policial. Referente ao sucesso, diz
que ele se dá na construção de uma história com humor e uma trama elaborada, que prende
o pequeno leitor. Nessa mesma matéria, é destacada a relação do gênero policial na
formação do leitor, como porta de entrada para outros gêneros. Mesmo que a influência
seja norte-americana e muitas histórias sejam “enlatados” importados, os escritores
brasileiros, com destaque para Marinho, souberam valer-se desses expedientes sem cair na
cultura de massa, produzindo obras de qualidade para o leitor.
Assassinato na literatura infantil foi considerada “Altamente recomendável para o
jovem” pela FNLIJ, confirmando a qualidade estética da obra. Mesmo que o ritmo dos
acontecimentos não seja frenético como se espera dos textos de Marinho, o autor soube
prender o leitor nessa ação em que predomina a resolução do crime.
Esta obra é publicada pela Global Editora, sob o mesmo projeto gráfico dos demais
livros, possuindo apenas uma edição com 126 páginas, dividida em 20 capítulos, cujo
formato é 15,5x23. As ilustrações e a capa são de Camila Mesquita. As ilustrações ocupam
a página inteira e são no total de 10. A ilustradora vale-se de objetos ou situações presentes
nos capítulos e os dispõem misturados na página como se fossem recortes. Embora seja da
mesma ilustradora a capa e as imagens no interior do livro, é possível perceber diferença
no estilo da capa e das ilustrações no interior.
Observando a quarta capa em que há a lista de todas as obras da série, mas
seguindo a classificação de “As grandes aventuras e os grandes sucessos”; “Aventura
surrealista” e “Aventuras de menos sucesso, só para fanáticos”. O interessante é que esta
obra já é classificada como de grande sucesso, sendo uma definição dada pela própria
editora visto que não era possível do público ou da recepção da obra ser considerada.
79
3. UM TARANTINO DA LITERATURA INFANTIL
Após o levantamento das edições das obras de Marinho e do olhar da crítica, é
possível identificar a convergência para um dos pontos de destaque da produção do autor a
que se refere ao humor e à violência.
Henry Bergson (1980), no livro O riso, chama a atenção para o fato de que só há
comicidade dentro do que é propriamente humano. Quando rimos de um objeto ou de outro
ser vivo, fazemo-lo por associar a alguma característica humana. Bergson ainda relembra
que já se definiu o homem como o “único animal que ri”. Para compreender o riso,
segundo o teórico, é preciso analisá-lo em seu ambiente natural que é a sociedade, devendo
corresponder a certas exigências da vida comum com uma significação social. Por isso, a
comicidade varia de acordo com a sociedade, o que causa o riso em determinado grupo
pode não causar em outro, talvez por não compartilhar dos mesmos códigos como acontece
comumente com a recepção de determinadas piadas ou textos humorísticos.
Marinho se aproveita das características humanas para promover o riso em seus
leitores como para mostrar as facetas mais sórdidas do comportamento humano ao
exagerá-las: frade glutão, professora interesseira, crianças mimadas, empregados
insubordinados, autoridades corruptas, criminosos impiedosos etc. Para Nelly Novaes
Coelho (2006), o autor retrata em suas obras o mundo-cão em que o planeta se tornou,
devendo ser entendida como uma “denúncia irônica ou satírica de uma sociedade
apodrecida e que precisa urgentemente ser recuperada” ( COELHO, 2006, p.364)
Quem já assistiu a um filme de Quentin Tarantino deparou com muito sangue,
violência exacerbada e o exagero que tornam cômica as cenas. Assim como nos filmes de
Tarantino, a obra de Marinho é marcada pela violência, situações inusitadas e exageradas,
chegando ao ponto de que para algumas personagens é matar ou morrer. Pelo modo como
são apresentadas ao leitor ou ao telespectador, tornam-se cômicas. Marisa Lajolo ao se
referir a Sangue Fresco em artigo ao Jornal da Tarde em 12 de Novembro de 1982, conta
que “o sangue começa espirrar nas primeiras páginas” quando é descrita a morte de
Ricardinho. Nas palavras de Marisa Lajolo (1982):
Mas, se o assunto em que João Carlos Marinho inspira sua história é
jornalístico, seu texto é definitivamente literário. Sem concessão
nenhuma o romancista trabalha a violência da matéria de que trata pela
intensificação e redundância. Os mortos são tão numerosos, a sangria é
tão copiosa, as formas de matar e morrer são tantas e tão variadas – enfim
80
a violência se repete tanto que se torna outra coisa. Por exemplo,
ingrediente do absurdo. (Jornal da Tarde, 12 de Novembro de 1982)
Além da morte de Ricardinho há a tentativa de sequestro das crianças, as cenas de
violência já revelam o estilo de Marinho e a semelhança com os filmes de Tarantino:
Pulou miolo da cabeça de Teng que dava para fazer uma fritada completa.
O chinês caiu no mar.
Era uma sangueira no oceano, boiavam os cadáveres de Angelo Fabrizio,
de um chinês sem cabeça, de Mão de Onça e de Teng, tudo furado de
bala; na lancha, O Pirata, ainda vivo, sangrava muito, e na lona do
Cataraan, conforme as marolas, a cabeça de Huang ia para lá e para cá,
feito um mamão: uma cena como o diabo gosta, pior que briga de marido
e mulher. (MARINHO, 1982, p. 40)
[...] (o gordo) olhou para a cabeça de Huang, pôs o pé direito embaixo,
levantou, matou no peito, baixou na lona e meteu um sem-pulo. Ajudada
pelo vento, a cabeça foi cair dentro da feijoada de um farofeiro que estava
tomando Skol e latinha e emporcalhando a praia de Ilhabela.
(MARINHO, 1982, p. 40)
O cortador entrou no olho de Mathias, esguichou sangue pela sala, atingiu
o cérebro e Mathias caiu morto no chão. (MARINHO, p. 1984, p.110)
O frade deu uma risada e falou:
_Perfeito! Fiz um coquetel Molotov. Era assim que os guerrilheiros
russos, que tinham poucas armas, combatiam os alemães na segunda
guerra mundial.(MARINHO, 1984, p.116)
O grego soltou um urro, uma labareda levantou-se do peito dele,
arregalou os olhos e morreu.
Era uma vez um ladrão literário. (MARINHO, 1984, p.116)
O professor Wanderley caiu, um buraco na cabeça, de onde esguicharam
sangue miolos brancos: o barulho do tiro veio junto, seco, breve, curto.
(MARINHO, 1990, p.83)
O cadáver do doutor José, os olhos fixos, imóveis, jazia no chão, rodeado
por muito sangue e pedaços de pescoço que o Pancho esmigalhou.
(MARINHO, 1990, p. 124)
Ainda se referindo à originalidade da obra, Zilberman (2005) destaca a perspectiva
carnavalizada adotada pelo autor em que acontecimentos e pessoas são apresentados de
modo caricatural. Para isso a fantasia presente na narrativa é “igualmente uma máscara que
recobre as personagens, conferindo-lhes faceta caricata, como acontece ao professor
Giovanni, treinador e comedor compulsivo de macarrão, ou o pai do Gordo, consumidor
81
obcecado por dispositivos eletrônicos.” (ZILBERMAN, 2005, p.118). Em constantes
passagens é mencionada a representação caricatural dos personagens: o almoço do frade
em O livro da Berenice dura três horas.
Pensando na postura adotada por Marinho, em Literatura infantil brasileira:
história e histórias, Lajolo e Zilberman (1999) discorrem sobre o modo de narrar escolhido
pelo autor:
Sua crítica a uma realidade social como a brasileira, pautada pelo
consumo e pela violência, não se faz nem pelo discurso condenatório,
nem pela inclusão, no texto, dos despossuídos, cuja miséria e pobreza
constituem denúncia da desigualdade e da injustiça social. A forma pela
qual o texto desse autor envereda por uma representação crítica do real é
muito sutil e rigorosamente literária: por via da redundância vertiginosa e
agressiva dos detalhes da violência, ou paradoxalmente, na naturalidade
de registro de ações e instrumentos mirabolantes, ou ainda na sucessão de
apelos recursos sofisticados da técnica, seus livros ferem a nota crítica.
(LAJOLO E ZILBERMAN, 1999, p.142)
As cenas de violência são descritas com naturalidade, independentemente de
envolverem crianças ou adulto que matam. Quando os criminosos são mortos, como o
grego Papoulos Scripopulos pelo frade João ou o seu comparsa Mathias pelo Gordo que
lança seu cortador, é para salvar a suas vidas. No entanto, ao representar assim, Marinho
ameniza o impacto que pode causar no leitor a princípio ao se valer do grotesco, dando
comicidade ao fato. Vladimir Propp em Comicidade e riso (1992) revela que o grotesco
como forma de comicidade só “é possível nas artes e impossível na vida”. Para ilustrar essa
situação, Propp diz: “Sua condição sine qua non é uma certa relação estética com os
horrores representados. Os horrores da guerra, fotografados para fins documentais, não têm
e não podem ter caráter grotesco.” (PROPP, 1992, p. 92) Essas mesmas ações narradas em
uma notícia de jornal ou fotografia causariam um outro impacto e reação em que lê ou vê.
As situações representadas por Marinho, por mais que remeta o leitor a situações reais,
ainda se faz de modo cômico pelo exagero e por fazer parte de uma obra literária. No
momento em que o Gordo é torturado em O gênio do crime ou quando é descrito o efeito
do Napalm em Sangue fresco.
Embora algumas de suas histórias remetam-se a investigações de crimes e
assassinatos, Marinho vale-se do humor para narrar as peripécias de sua turma. Por meio
do exagero, do nonsense, da ironia, o leitor é levado ao mundo do cômico. O ritmo é
frenético na narrativa, mas o autor sabe pausar no momento correto, por exemplo na
82
narração da morte de Ricardinho. Se a narrativa é apresentada de modo rápido, nestes
momentos há a descrição detalhada:
O holandês tirou a chave o bolso, abriu o cadeado, atirou Ricardinho na
gaiola e fechou.
A sucuri meneou, fez que sim, fez que não, e deu o bote.
Foi coisa de um instante, enlaçou-se no menino com os anéis, que foram
apertando, quebrando as costelas, Ricardinho ficou azul e ia se
transformando numa pasta mole, o bicho verde abraçando ele. [...]
A sucuri esmagou o crânio de Ricardinho, depois que o menino virou
basta, ela foi soltando baba lubrificante sobre ele, a baba escorrendo da
boca horrenda, às vezes parava um pouco e esticava o pescoço, em
seguida babava de novo: quando Ricardinho estava bem babado, a sucuri
engoliu tudo, em espasmos, a gente via o diâmetro dela estufar.
Ficaram de fora os pés de Ricardinho calçando os dois tênis verticais e
paralelos como se o menino estivesse dormindo num vagão leito.
(MARINHO, 1982, p. 16)
No momento em que se prepara a banheira com ácido para matarem o Gordo,
Marinho narra cada passo:
O anão pegou o conta-gotas, mergulhou no vidro com muito cuidado e
pingou quatro gotinhas marrons na banheira. Cada gota que caia chispava
zigue-zague feito busca-pé-peixe-louco no meio da água e fazia fuim-
fuim.
O chefe explicou:
_Este ácido é para dissolver os ossos; foi inventado recentemente.
(MARINHO, 1969, p.127)
As situações do cotidiano comuns às crianças como ir à escola, reunir-se com os
amigos, viajar com os pais, são mescladas com situações de nonsense ou fantásticas. Por
mais absurdas que a resolução de alguns problemas pareça, o leitor não julga inverossímil,
pois o universo criado pelo autor permite determinadas ações. Seu estilo é marcado pelo
uso do exagero, pela paródia, uso de clichês da época. O narrador se vale de uma
linguagem carnavalizada em que divino e profano se misturam, há a subversão da ordem
normal das coisas, a começar pelas crianças que resolvem problemas que os adultos não
conseguem. Se antes na literatura para crianças estas eram submissas ao adulto, na obra de
Marinho elas são independentes, mais espertas que os adultos e enfrentam os criminosos.
Em Literatura infantil: gostosuras e bobices, ao se referir ao humor na literatura
infantil, Fanny Abramovich (1995) destaca os trabalhos de Monteiro Lobato, Sylvia Orthof
e João Carlos Marinho. Em relação a este, destaca o ritmo vertiginoso de sua narrativa em
83
que tudo pode acontecer, pois realidade e fantasia se misturam, permitindo que os exageros
sejam aceitáveis no universo da narrativa. As personagens são crianças comuns,
semelhantes aos seus leitores, o que facilita a identificação e a aceitação da obra, vivendo
normalmente: indo à escola, participando de festas, viajando, sujeitas aos mesmos
incidentes. As inserções de non sense dão ar lúdico à obra e permite que o leitor aceite as
situações fantásticas como plausíveis no desenrolar da história.
Em Purismo e coloquialismo nos textos infanto-juvenis, Maria Alice de Oliveira
Faria afirma que: “Ora, os melhores escritores de literatura infanto-juvenil hoje são
aqueles que, competentes na criação de uma linguagem literária de seu tempo, incorporam
com naturalidade o coloquial, a gíria, ou mesmo as frases desestruturadas do monólogo
interior.” (FARIA, s/d, p.3). Com essa postura carnavalizada, o autor mescla a linguagem
cotidiana com o erudito e atitudes nem sempre louváveis, ou politicamente corretas para
crianças em idade escolar. Em um apêndice na primeira edição de O gênio do crime,
Marinho explica aos professores e pais as razões de adotar uma linguagem menos formal
(Anexo B):
Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma
preocupação didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um
convênio didático com escola secundárias e por causa disso achei bom
dizer umas palavras para justificar o moderado informalismo gramatical
que meu livro tem.
Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original
porque o ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se
preocupa em estimular a criatividade do aluno, o que é certo e prático; há
cada vez mais profissões em que espontaneidade de criação é
fundamental e a obsessão de um purismo gramatical escolástico, além de
fazer muito aluno escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe
tirar a oportunidade de bons empregos. (MARINHO, 1969)
Acontece também a quebra de paradigmas. As atitudes dos personagens não são
nada louváveis e revelam que a intenção é conseguir obter vantagens. Além da
naturalidade com que as ações violentas são apresentadas pelo narrador e pelas crianças.
Em O livro de Berenice, o Gordo afirma que nunca lera um livro, apenas gostava de
histórias em quadrinhos. Embora não se reconhecesse um leitor de obras literárias, é
possível perceber que se interessava por outras formas de leitura. Ele colecionava selos,
gostava de saber sobre raças de cães e adestramento e sobre peixes e para isso ele
pesquisava muito, além de participar dos eventos da área. Algumas informações são
apresentadas ao leitor por meio do narrador, mas se sabe que é um conhecimento que o
84
Gordo já possuía. Assim, Marinho mostra um modelo de personagem que é inteligente,
pois desde a primeira narrativa, é o Gordo quem descobre a fábrica clandestina em O gênio
do crime, sem se valer, portanto, do conhecimento enciclopédico presente nos livros
escolares. Apesar de não gostar de ler livros, o Gordo gosta de histórias em quadrinhos.
A professora Jandira é uma boa profissional como o narrador informa ao leitor,
principalmente pelas aulas de Português em O livro da Berenice. Se antes a figura da
professora na literatura infantil era idealizada e, muitas vezes, estereotipada, Marinho
desconstrói essa imagem ao criar essa personagem. Jandira é interesseira, sendo capaz de
não se importar que crianças sejam mortas após terem seu sangue roubado ou que se
apropriem indevidamente da obra de Berenice:
O grego afastou o prato e pegou na mão da professora Jandira.
Jandira retirou a mão e disse:
_Não sou qualquer uma. Não vou dando a mão logo de cara.
Papoulos Scripopulos pegou um diamante luminoso e deu de presente
para a professora Jandira.
Jandira pôs o diamante na bolsa e deixou o grego pegar na mão dela.
(MARINHO, 1984, p.45)
Jandira sabe da sua beleza e se vale dela para obter benefícios:
_Escute, Berê. Eu posso ajudar. Não tenho falsa modéstia, sei que sou
linda, sei que sou de fechar o comércio, sei que sou uma mulher de
quatrocentos talheres. Vou lá no editor, bem vestida, ele se apaixona por
mim e publica seu livro logo. (MARINHO, 1984, p.116)
A personagem, a pedido de Papoulos Scripopulos, aproveita-se da paixão de seu
aluno para seduzi-lo e assim roubar o livro que estava sendo escrito pela Berenice. Em
Leitura, literatura infanto-juvenil e educação, numa nota de rodapé, Célia Fernandes
(2007) observa que a imagem de professora sensual parece ter sido inaugurada com a
professora Jandira criada por Marinho. (FERNANDES, 2007, p. 195). Em um trecho
presente na primeira edição de O livro da Berenice, a professora Jandira beija na boca seu
aluno Godofredo:
Dizendo isso, largou o volante, abraçou Godofredo e deu-lhe um beijo na
boca.
Godofredo via arco-íris, via a Via Láctea, agradecia ao Criador.
O beijo foi tão chupado que a Jandira engoliu um dente de leite do
Godofredo, que estava meio bambo.
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“Pô” – pensou Jandira – “Namorar criança dá nisso, a gente acaba
engolindo dente de leite.” (MARINHO, 1984, p. 86)
Esse trecho foi substituído nas outras edições, sendo narrado que a professora
Jandira dá um beijo na bochecha do Godofredo. Para atenuar o impacto que a cena causa,
pois a professora beija a boca de seu aluno, Marinho exagera ao dizer que Jandira engole
um dente de leite do Godofredo. Diante dessas situações, são usadas imagens exageradas
que acabam causando o humor.
Além da influência da produção de Lobato, João Carlos Marinho possui traços da
prosa de François Rabelais, tendo como representante o frade João, que aparece pela
primeira vez em Sangue Fresco: “–Somos capuchinhos – falou o frade forte – Meu nome é
frade João, sou descendente do Frère Jean des Entommeures, não sei se vocês ouviram
falar. [...]” (MARINHO, 1982, 120). As atitudes de frade João assemelham-se às do seu
antepassado com a cena final em que com uma cruz acaba com os 180 capangas de Ship
O‟Connors bem ao estilo rabelaisiano:
Frade João [...] curvou-se, pegou o pau da enorme cruz, levantou a meia-
altura, deu uma volta em círculo, a cruz pegou impulso, a ponta da cruz,
zunindo rasgou a barriga de quarenta e nove capangas [...] macetou os
cóccix dos sessenta, com tal força que os fez vomitar a coluna vertebral,
osso por osso, vértebra por vértebra [...]. (p.164)
A figura do Frade João também é representada de modo carnavalizado. Embora
suas atitudes sejam boas como a proteção dos indígenas e das crianças, o modo como o faz
é marcado pela violência exacerbada. A respeito de Frère Jean, personagem de Rabelais,
Bakhtin afirma:
Em Rabelais, frei Jean é a encarnação da grande força paródica e
renovadora que representa o clero de tendência democrática. Ele é um
grande conhecedor “em matéria de breviário”, o que quer dizer que é
capaz de transpor qualquer texto sagrado ao plano do comer, do beber, do
erotismo, que ele sabe fazer disso um prato gordo, “salgado”. Pode-se
encontrar, disseminada por toda parte na obra de Rabelais, uma
importante quantidade de textos e sentenças sagradas transpostas.
(BAKHTIN, 1996, p.74)
Bakhtin (1996) referindo-se aos elementos que compõem a praça pública e causam
o sentido do humor, está a cena de Frei Jean quando despedaça os corpos e há a descrição
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minuciosa de cada parte do corpo sendo dilacerado pela cruz. Sobre o nome de Frei Jean,
Bakhtin afirma:
As imagens de corpos despedaçados, de dissecações de todos os tipos
desempenham um papel de primeiro plano no livro de Rabelais. Por esse
motivo, o tema dos juramentos integra-se perfeitamente no sistema das
imagens rabelaisianas. É sintomático observar que frei Jean fervoroso
amante de juramentos, tem o sobrenome “d‟Entommeure”, ou seja, carne
para patê, picadinha. Sainéan vê nesse fato uma dupla alusão, de um lado
ao espírito marcial do monge, e do outro à sua marcada predileção pela
boa comida. (BAKHTIN, 1996, p. 168)
A referência à personagem de Rabelais se dá também pelo nome além da
personalidade. João em francês é Jean. Marinho traduz o nome da personagem da Idade
Média em pleno século XX mantendo as mesmas características como a glutonaria, a
violência e a paródia dos textos bíblicos. Além da apresentação em que fala sobre sua
ascendência, frade João sempre é mostrado bebendo vinho e comendo muito:
_Puxa – falou a Berenice – O frade João comeu trinta frangos!
_E vou comer mais trinta, se Jesus me ajudar. Se você tivesse acordado às
quatro da manhã, derrubado e desgalhado uma árvore de sessenta metros
para fazer uma cruz, estaria com tanta fome como eu. (MARINHO, 1982,
p.122)
_Eu converso bebendo. Sou como meu antepassado, o Frère Jean des
Entommeures. Fico contente em rever os amigos que eu salvei do tal
americano. (MARINHO, 1984, p.25)
_Nunca confie em memória de escritor e de padre – falou o frade. – Olhe
a palma de minha mão.
E frade João mostrou a enorme mão esquerda onde estava escrita a reza
do Pai Nosso que Estais no Céu. (MARINHO, 1984, p. 122)
[...] Sabem por que Eva se interessou tanto pela maça? É porque Adão era
um chato, ficava só admirando a maravilha do paraíso e não conversava.
(MARINHO, 1984, p.21)
Um dos pontos principais em sua narrativa é a linguagem carnavalizada adotada.
Bakhtin chama de literatura carnavalizada àquela que “direta ou indiretamente, através de
diversos elos mediadores, sofreu a influência de diferentes modalidades de folclore
carnavalesco.” (BAKHTIN, 1981, p.92). Durante os festejos carnavalescos, as hierarquias
e distinções sociais eram deixadas de lado e uma nova ordem surgia, invertendo essas
relações. A vida “extracarnavalesca” com suas proibições e restrições eram revogadas
87
durante as festas carnavalescas, pois o festejo ser um momento em que não havia
separação entre todos os homens. Ainda destaca como característica do carnaval a
profanação, formada por sacrilégios carnavalescos, “por todo um sistema de descidas e
aterrissagens carnavalescas, pelas indecências carnavalescas, relacionadas com a força
produtora da terra e do corpo, e pelas paródias carnavalescas dos textos sagrados e
sentenças bíblicas, etc.” (BAKHTIN, 1981, p.106). Ainda em relação à profanação,
Bakhtin observa essa característica em Rabelais. A figura do Frei Jean representada em o
frade João, mostra a carnavalização por meio da subversão de textos bíblicos. Bakhtin
procura compreender a relação do carnaval enquanto manifestação popular e os traços
presentes na literatura. O autor parte dos ritos realizados durante as comemorações que não
se limitavam à praça pública, mas adentravam às casas das pessoas.
Se durante as festas de carnaval da Idade Média havia a mistura de sagrado e
profano nos rituais, Marinho mescla erudição e popular e o sagrado e o profano. Por mais
que o texto será veiculado nas escolas, não é sua intenção fazer um manual de conduta,
pelo contrário, adota uma postura crítica que sugere invés de impor. Para isso, é necessário
que o leitor compreenda os efeitos de humor adotados pelo autor. Aliás, só causará o riso
no leitor se este for capaz de identificar os mecanismos usados para causar esse efeito.
O primeiro aspecto pode ser considerado a linguagem adotada por Marinho para
descrever o cotidiano de crianças paulistanas de classe média. Além de adotar uma
linguagem coloquial, faz com certo humor: as pessoas agem por impulso. O universo
criado pelo autor permite que as ações se desencadeiem de modo vertiginoso sem causar
estranhamento no leitor. O pacto de leitura está estabelecido. “A adoção de uma postura
narrativa que adere à ausência de preconceitos e à falta de cerimônia de suas personagens é
responsável pelo caráter inovador da obra de João Carlos Marinho.” (LAJOLO E
ZILBERMAN, 1999, p.142)
Marinho transpõe para o plano da narrativa o ritmo dos acontecimentos em
determinados momentos, em que o conteúdo é colocado no plano da forma. Para mostrar a
desordem ocasionada pela chegada da televisão, parentes e curiosos, o narrador apresenta
de modo a causar esse efeito de bagunça no leitor:
E chegou repórter, chegou rádio, chegou televisão, chegou polícia
técnica, chegou parente, chegou delegado, chegou povo, e o galpão tava
uma quizomba que só mesmo. Os câmeras da TV cruzavam pelo galpão
em cima daquelas máquinas altas de rodinhas e como eram muitos canais
o fio de um enrolava no fio do outro; o do canal 4 puxava o do canal 5;
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um fio tava ali quieto, de repente dava um bote: era o cara do canal 7 que
puxou o fio do canal 13, e reclama e grita e bate chapa e tropeça e não me
empurra, todo mundo fumando e a fumaceira subindo e a confusa foi por
aí indo. (MARINHO, 2006, p.135)
Ao descrever a descida do Gordo atrás do cambista, narra sem pontuação,
indicando o modo como se desce uma rua muito íngreme e a velocidade empregada pela
personagem:
E riscou pela ladeira, minha Nossa Senhora, como essas pedras que rolam
que rolam da encosta até o vale, asteroide caminhão sem breque inclinado
oblíquo para frente muito compenetrado e os pés lá trás pedalando
pedalando. (MARINHO, 2006, p. 30)
Marinho introduz em meio à narrativa uma cena, com a estrutura de um roteiro
dramático. O tempo de narrar também muda: do pretérito perfeito para o presente do
indicativo, dando a sensação de que o leitor assiste à cena assim como o espectador no
teatro, no momento em que ela ocorre:
Cada um vai para a sua carteira, Jandira entra na classe, atravessa-a,
ouvem-se assobios, fiu-fiu, barulhos com a boca de quem saboreia coisa
gostosa, nhame-nhame.
Jandira alcança sua mesa e passa-se a seguinte cena:
Jandira: Bom dia, meus alunos.
Alunos (os masculinos): Bom dia professora, sempre boa?
Jandira: E vocês, sempre bons?
Coro masculino: Nem tanto quanto você, tia.
Jandira: Que dia maravilhoso hoje, vocês não acham?
Coro masculino: Maravilhosa é você.
Biquinha: Qual o pé mais bonito do mundo?
Coro masculino: É dela.
Godofredo: Qual o joelho que Deus caprichou?
Coro Masculino: É dela.
Biquinha: Qual a cinturinha mais coisinha?
Coro masculino: É dela.
Godofredo: Já ganhou?
Coro masculino: Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!
Jandira: Muito obrigada, muito obrigada. É agradável ser elogiada, todo
mundo gosta, quem diz que não gosta é mentiroso, eu gosto. Agora
vamos começar a aula, quero que todos fiquem calmos e quietinhos.
Assim, assim, calam. Muito bem. A aula de hoje é sobre o café da
economia brasileira. (MARINHO, 1982, p.42)
Outro ponto a se destacar é a banalização da violência na obra de Marinho,
ressaltando que esta é uma crítica à sociedade caótica como nas palavras de Nelly Novaes
89
Coelho. As relações são marcadas pelo interesse e o indivíduo transforma-se em coisa,
sendo seu valor medido pelo que ele pode oferecer:
Aquele anão se via que não estava com raiva, ia matar porque
precisava, para não estragar o negócio; a morte do gordo não era
uma vingança quente, era uma operação comercial. (MARINHO,
2006, p. 112)
Ship O‟Connors fazia a contagem das crianças como quem conta cabeça
de gado. (MARINHO, 2005, p. 45)
_De jeito nenhum! O Ship O‟Connors mata a agente. O gordo representa
um capital de vinte bilhões de dólares. O sangue dele é especial, será
vendido pelo décuplo do preço no exterior. (MARINHO, 2005, p.56)
Em Sangue fresco, as crianças são meras mercadorias, cujo valor reside no que elas
podem oferecer, neste caso o seu sangue. Quando completam a idade de 11 anos, já não
possuem mais nenhuma serventia e são mortas.
Ainda pensando nesse processo de degradação humana, a cena descrita abaixo
ilustra essa sociedade marcada pelo espetáculo, que vê beleza na morte do outro:
_Não mata agora não Atlas, estraga a festa de amanhã. Não tem graça
nenhuma tacar um morto na banheira que o chefe falou, é como jogar um
saco de batata. Tô numa curiosidade mãe para ver esse ácido dissolvente,
quero ver o gordo cair vivinho ensopado lá dentro presunto mocotó, as
bolhas, a mexeção, já imaginou? Vai ser belo. (MARINHO, 2006, P. 115)
Logo em seguida, levou três empurrões e foi parar no pátio de um
estacionamento.
O gordo olhou em volta: o dono do estacionamento, atrás da janelinha da
bilheteria, olhava para o lado, fingindo que não via; o manobrista fazia
igual, temiam represálias.
Um velho que passava na rua indignou-se, estufou o peito, a mulher
puxou-o pela camisa e foram embora.
O gordo viu que não adiantava nem gritar [...] (MARINHO, 2006, p.20)
Em Berenice contra o maníaco janeloso, revela a condição em que vive as pessoas
marcadas pela violência que as paralisam diante das situações, sendo incapazes de
tomarem uma atitude em prol do outro:
Berenice gritava e batia as mãos no vidro da janela, o carro começou a
ganhar velocidade, virou esquina de novo, umas pessoas viram Berenice
90
bater desesperadamente na janela, mas como a população de São Paulo
está acorvadada e indiferente perante o crime, essas pessoas fingiram que
não viram e não tomaram nenhuma providência. (MARINHO, 2007,
p.63)
Nas obras de Marinho há a veia crítica em desnudar ao leitor um mundo em
constante transformação e ao mesmo tempo, mostrar as contradições humanas. As
personagens infantis não são representadas de forma maniqueísta, sendo suas atitudes as
mais diversas como as de qualquer criança de sua idade. As atitudes, muitas vezes, podem
não condizer com o fato de serem crianças, pois possuem uma independência muito grande
em relação aos adultos, sobretudo, no modo de pensarem e agirem.
Em O estético e o ético na literatura infantil, Maria Zaira Turchi comenta:
“Considerar o livro para crianças um objeto estético é reconhecer-lhe o estatuto de arte,
não de obra paradidática, e perceber sua capacidade de construir um espaço
plurissignificativo de ser humano diante do mundo.” (TURCHI, 2004, p.38). Assim,
Marinho desvela fatos da realidade por meio de suas histórias, mas sem deixar seu texto
pedante ou querer ensinar ao público a quem se dirige normas de conduta. Desse modo,
Marinho rompe com o discurso utilitário a que Perrotti (1986) se refere e demonstra que é
possível fazer obra para crianças com qualidade.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
João Carlos Marinho é considerado um dos grandes nomes da literatura infanto-
juvenil brasileira pela crítica especializada. Embora sua produção seja pequena se
comparada com a de outros escritores como Ruth Rocha, Ana Maria Machado ou Pedro
Bandeira, Marinho conseguiu conquistar gerações com a Turma do Gordo, fato confirmado
pelas várias edições de seus livros. Foi possível perceber que Marinho, em sua obra, soube
valorizar o contexto histórico em que se insere a ação narrativa, revelando sua percepção
da realidade social, mas sem deixar em segundo plano a especificidade da literatura,
enfatizando o caráter estético da obra literária. Homenageando grandes nomes da literatura
nacional e internacional tanto as considerada do universo adulto ou infantil, Marinho
incorpora em suas histórias personagens, situações, expressões dos autores consagrados no
cenário literário, conferindo grande valor estético à sua obra ao fazer esse diálogo.
Marinho se vale das características de seus personagens e as exagera, tornando-as
caricaturais: um frade enorme que adora pernil e vinho, capaz de comer até 60 frangos, o
Gordo com um apetite voraz e envolto em brinquedos sofisticados, Berenice, uma garota
que se apaixona com facilidade, um mordomo despojado que engana os patrões com
atestados médicos falsos. Assim, como afirmou Bergson (1993), a comicidade só se dá
naquilo que é essencialmente humano. Nada mais humano como as qualidades e defeitos
dessa turma, que Marinho destaca por meio das atitudes de suas personagens. O discurso
adotado difere pela postura adotada pelo escritor em que há a ausência de preconceitos,
mas sem deixar de revelar um mundo marcado pela contradição nas relações sociais.
Ao comparar as edições, principalmente em O gênio do crime foi possível
identificar uma preocupação com a norma culta na última edição, em que algumas frases
foram modificadas. Essa mudança provoca um contraste entre o ritmo da narrativa, em
que, originalmente, as expressões eram mais coloquiais e as falas das personagens
próximas da oralidade. Entre as alterações feitas nessa obra está a que se refere à
contradição existente no Brasil em que se fala um idioma e escreve outro: “_Este Jonas ser
de morte, ele pensar que na Brazil o gente falar espanhol. Mim já explicar ele que a Brazil
ser uma país muito curiosa, onde o gente falar em brasileiro e escrever em português.”
(MARINHO, 1969, p.54). Essa fala expressa os contrastes de um país que mesmo
independente ainda é dominado pela língua de quem o colonizou. Nessa mesma edição, há
um apêndice que justifica a escolha da linguagem e o vocabulário adotados em seu livro
92
voltado para os “preocupados com o bom português”. No entanto, com o passar dos anos, a
nível gramatical, o preocupação prevaleceu, pois as alterações revelaram uma adequação
ao mercado escolar. Em O Caneco de Prata várias mudanças ocorreram em seu conteúdo a
fim de se aproximar do universo do leitor, o que de certa forma, perdeu um pouco daquela
carga crítica em que a obra foi escrita originalmente.
Sobre sua produção, a crítica destaca a originalidade, as doses de humor que
permeiam as aventuras e investigações mais variadas dos integrantes da Turma do Gordo.
Se durante o regime militar, suas obras foram consideradas altamente nocivas pelo
Conselho Estadual de Educação, hoje em dia é altamente recomendável aos leitores,
interessados em uma boa aventura e história de suspense. Embora Marinho tenha se
enveredado também pela ficção científica, foi nas histórias de aventura e suspense que ele
atingiu o seu ápice enquanto escritor, recebendo vários prêmios.
Assim, a postura adotada por Marinho na forma de conduzir as narrativas envereda
por uma representação cômica das situações do cotidiano seja nas relações familiares,
escolares e nas demais instituições. Por meio de uma leitura crítica do momento histórico,
o autor usa do consumismo, dos clichês, das propagandas, por meio da ironia, da sátira e
paródia para mostrar as contradições sociais presentes no país. O escritor soube articular
em sua obra fatos históricos com um universo marcado pelo nonsense em que as crianças
podiam agir com tranquilidade sem menosprezar seu leitor. Além de se preocupar com a
especificidade do texto literário, criando imagens de grande teor poético, mesmo em meio
ao caos de uma sociedade violenta. No entanto, esse aspecto fica mais evidente nas quatro
primeiras obras, em que o ritmo da narrativa é mais frenético, mais intenso e as expressões
mais coloquiais e próximas da oralidade, diferente das demais em que há maior
formalidade. Inclusive, a questão da violência é abordada de forma mais explícita nos
primeiros livros da coleção e a forma como ela é mostrada, de modo tão exagerado, que o
impacto esmaece e causa o humor.
Marinho com sua sensibilidade e percepção soube compor um mundo próximo de
seus leitores e personagens que lhe são parecidos com os mesmos sentimentos bons e
maus, valendo-se do exagero, da ironia, da sátira, da caricatura, revelando a hostilidade
humana, mas sem perder o caráter estético de sua obra.
93
REFERÊNCIAS
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<www.globaleditora.com.br/joaocarlosmarinho>. Acesso em 01 de jul. de 2013.
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SILVA, João Carlos Marinho. O gênio do crime. São Paulo: Brasiliense. 1969. (Coleção
Jovens do Mundo Todo)
________. O caneco de prata: uma epopéia dodecafônica. São Paulo: Obelisco, 1971.
MARINHO, João Carlos. O caneco de prata. 2 ed. São Paulo: Obelisco, 1973.
________ Sangue fresco: uma aventura de Bolachão na Amazônia. São Paulo: Obelisco,
1982.
________. O livro da Berenice. São Paulo: Parma, 1984.
________. Berenice detetive. São Paulo: Global, 1987.
________. Berenice contra o maníaco janeloso. São Paulo: Global, 1990.
________. Cascata de cuspe. São Paulo:Moderna, 1992. (Coleção Veredas)
96
________. O conde Futreson. São Paulo: Global Editora, 1994.
________. O disco. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
________. A catástrofe do planeta Ebulidor. São Paulo: Global, 1998.
________. O gordo contra os pedófilos. São Paulo: Global, 2001.
________. Assassinato na literatura infantil. São Paulo: Global, 2005.
________. Cascata de cuspe. 11 ed. São Paulo Global, 2006.
________. O disco I: A Viagem. 3 ed. São Paulo: Global Editora, 2006.
________. O livro da Berenice. 25 ed. São Paulo: Global, 2006.
________. Sangue fresco. 25 ed. São Paulo: Global, 2006.
________. Berenice detetive. 14 ed. São Paulo: Global, 2007.
________. O caneco de prata. 17 ed. São Paulo: Global, 2007.
________. O Disco II: A catástrofe do Planeta Ebulidor. 3 ed. São Paulo: Global, 2007.
________. Berenice contra o maníaco janeloso. 8 ed. São Paulo: Global, 2007
________. O conde Futreson. 9 ed. São Paulo: Global Editora, 2009.
________. O gênio do crime. 59 ed. São Paulo: Global, 2009. (Edição comemorativa)
________. O gênio do crime. 60 ed. São Paulo: Global, 2009.
98
ANEXO A: QUADRO COMPARATIVO DAS EDIÇÕES POR DÉCADA
DÉCADA DE 60 E 70
Obra Tipo de
assinatura
Ano da
primeira edição
Edição/Ano Formato N° de
páginas
Ilustrador Capa Editora
O gênio do crime J.C. Marinho Silva 1969 1ª/1969 14x21 138 Alice Prado Alice Prado Editora
Brasiliense
O gênio do crime J. C. Marinho
Silva
1969 2ª/1970 14x21 130 Alice Prado Alice Prado Editora
Brasiliense
O gênio do crime:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1986 (pela
Editora Global)
60ª/2009 15,5x23 140 Maurício
Negro
Camila
Mesquita
Editora
Global
O caneco de prata:
epopeia
dodecafônica
João Carlos
Marinho Silva
1971 1ª/1971 14x21 126 Vera Ilce Vera Ilce Obelisco
O caneco de prata João Carlos
Marinho Silva
1971 2ª/1973 14x21 116 Roberto
Barbosa e
Norival
Blasquez
Roberto
Barbosa
Obelisco
O caneco de prata:
Uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1986 (pela
Editora Global)
14ª/2008 15,5x23 112 Erika Verzutti Camila
Mesquita
Global
Editora
99
DÉCADA DE 80
Obra Tipo de
assinatura
Ano da
primeira edição
Edição/Ano Formato N° de
páginas
Ilustrador Capa Editora
Sangue Fresco:
Uma aventura de
Bolachão na
Amazônia
João Carlos
Marinho
1982 1ª/1982 14x21 172 Roland Matos Roland Matos Obelisco
Sangue Fresco:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1986 (pela
Editora Global)
25ª/2006 15,5x23 126 Alê Abreu Camila
Mesquita
Global
Editora
O livro da Berenice João Carlos
Marinho
1984 1ª/1984 14x21 134 Arturo
Condomí
Alcorta
D. M. Dellog Editora
Parma
O livro da
Berenice: uma
aventura da turma
do gordo
João Carlos
Marinho
1986 (pela
Editora Global)
9ª/2006 15,5x23 127 Camila
Mesquita
Camila
Mesquita
Global
Editora
Berenice detetive João Carlos
Marinho
1987 1ª/1987 14x21 156 Estúdio Gepp
e Maia
Estúdio Gepp
e Maia
Global
Editora
Berenice detetive:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1986 (pela
Editora Global)
14ª/2007 15,5x23 156 Camila
Mesquita
Camila
Mesquita
Global
Editora
100
DÉCADA DE 90
Obra Tipo de
assinatura
Ano da
primeira edição
Edição/Ano Formato N° de
páginas
Ilustrador Capa Editora
Berenice contra o
maníaco janeloso
João Carlos
Marinho
1990 1ª/1990 14x21 156 Roberto
Barbosa
Roberto
Barbosa
Global
Editora
Berenice contra o
maníaco janeloso:
uma aventura da
turma do gordo.
João Carlos
Marinho
1990 8ª/2007 15,5x23 156 Alê Abreu Camila
Mesquita
Global
Editora
Cascata de cuspe:
game over para o
gordo
João Carlos
Marinho
1992 1ª/1992 14x21 96 Roberto
Barbosa
Roberto
Barbosa
Editora
Moderna
Cascata de cuspe:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1992 10ª/1998 14x21 108 Maurício
Negro
Mauricio
Negro
Global
Editora
Cascata de cuspe:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1992 11ª/2006 15,5x23 128 Maurício
Negro
Camila
Mesquita
Global
Editora
O conde Futreson João Carlos
Marinho
1994 1ª/1994 14x21 128 Mauricio
Negro
Mauricio
Negro
Global
Editora
O conde Futreson:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1994 9ª/2009 15,5x23 148 Maurício
Negro
Camila
Mesquita
Global
Editora
101
DÉCADA DE 90
Obra Tipo de
assinatura
Ano da
primeira edição
Edição/Ano Formato N° de
páginas
Ilustrador Capa Editora
O disco João Carlos
Marinho
1996 1ª/1996 14x19 146 Carlos
Matuck
Carlos
Matuck
Global
Editora
O disco I - A
viagem: uma
aventura da turma
do gordo
João Carlos
Marinho
2006 3ª/2006 15,5x23 128 Maurício
Negro
Camila
Mesquita
Global
Editora
O disco II –
A catástrofe do
planeta Ebulidor
João Carlos
Marinho
1998 1ª/1998 14x21 128 Maurício
Negro
Maurício
Negro
Global
Editora
O disco II –
A catástrofe do
planeta Ebulidor:
uma aventura da
turma do gordo
João Carlos
Marinho
1998 3ª/2007 15,5x23 142 Maurício
Negro
Camila
Mesquita
Global
Editora
ANOS 2000
Obra Tipo de
assinatura
Ano da
primeira edição
Edição/Ano Formato N° de
páginas
Ilustrador Capa Editora
O gordo contra os
pedófilos
João Carlos
Marinho
2001 1ª/2001 14x21 134 Maurício
Negro
Maurício
Negro
Global
Editora
Assassinato na
literatura infantil
João Carlos
Marinho
2005 1ª/2005 15,5X23 126 Camila
Mesquita
Camila
Mesquita
Global
Editora
102
ANEXO B: ALTERAÇÕES PRESENTES NO CONTEÚDO DAS OBRAS
O GÊNIO DO CRIME
Alteração de um termo, expressão ou troca de pronome.
1ª edição (1969) Editora Brasiliense 60ª edição (2009) Editora Global
_Acho besteira fazer incêndio; que que
adianta? O melhor é ir na polícia denunciar
esse cara. É capaz da polícia obrigar ele a dar
os prêmios. (p.13)
_Acho tolice fazer incêndio; de que adianta?
O melhor é ir na polícia denunciar esse
homem. É capaz da polícia obrigá-lo a dar os
prêmios. (p.13)
Daí a cinco dias todos receberam uma
cartinha [...] (p.14)
Daí a cinco dias todos receberam uma carta
[...] (p.14)
A turma do Edmundo festejou o uniforme do
Corinthians dando uma goleada no time da
outra rua: 7 a 1. (p.14)
Os amigos do Edmundo festejaram o
uniforme do Corinthians dando uma goleada
no time da outra rua: 7 a 1. (p.14)
[...] sair por aí de pires na mão, ser chamado
de caloteiro, o que que é. (p.16)
[...] ser chamado de caloteiro, o que que é.
(p.16)
O senhor está maluco? (p.17) O senhor endoideceu? (p.17)
[...] o seu Tomé tinha bolado [...] (p.18) [...] o seu Tomé tinha criado [...] (p.19)
Nas duas da tarde [...] (p.18) Às duas da tarde [...] (p.20)
Pulem cá pra dentro. (p.18) Pulem cá dentro. (p.20)
Esse cara [...] (p.18) Esse pirralho [...] (p.19)
Esses retangulinhos [...] (p.19) Esses pequenos retângulos [...] (p.20)
[...] e fez ele compor um bloco [...] (p.19) [...] e mandou-o compor um bloco [...] (p.21)
[...] biblioteca, muito granfa [...] (p.20) [...] biblioteca muito elegante [...] (p.21)
[...] pra levarem chocolatinhos. (p. 21) [...] para levarem chocolatinhos. (p. 22)
Duas da tarde [...] (p.22) Às duas da tarde [...] (p.23)
Custa tutu, sabe? (p.22) Custa muito, sabe? (p.23)
Pituca estava zonzado com o palavratório,
mas gostou do boa pinta. (p.22)
Pituca estava desnorteado com o discurso
mas gostou do elogio. (p.23)
Tinhas uns que eram mais falantes [...] (p.22) Havia uns que eram mais falantes [...] (p.23)
[...] entrou em um ônibus [...] (p.23) [...] montou em um ônibus [...] (p.24)
[...] o cambista tornou o pescoço [...] (p.23) [...] o cambista virou o pescoço [...] (p.24)
Nessa viagem é que não vou que não sou Nessa viagem é que não vou que não sou
103
tatu. (p.23) ingênuo. (p.23)
Entre na Brigadeiro. (p.24) Entra na Brigadeiro. (p.27)
O cambista tinha pegado um DKW vermelho
e o táxi do menino foi varando feito doido,
passando todo mundo [...] (p.24)
O cambista tomara um DkW vermelho e o
táxi do menino foi varando, passando todo
mundo [...] (p.27)
Bem que o seu Tomé disse que o homem era
bicho em despistação. (p.24)
Bem que o seu Tomé disse que o homem era
hábil em despistação. (p.27)
[...] encontrar a gente [...] (p.25) [...] encontrar-nos [...] (p.29)
[...] taquei a conversa no homem [...] (p.27) [...] envolvi o homem na conversa[...] (p.30)
_Brincando de milico, heim? (p.29) _Brincando de meganha hein? (p.32)
Pra mim isso aí é macumba [...] (p.33) Para mim isso aí é macumba [...] (p.36)
Como é metido esse gordo. (p.32) Como é petulante esse gordo. (p.36)
A gente espera o cambista [...] (p.33) Esperamos o cambista [...] (p.36)
[... ] a gente fica no lugar [...] (p.33) [...] ficamos no lugar [...] (p.37)
_Grande gordo! Você é o máximo. (p.34) _ Esse é o gorinho mais respeitabilíssimo que
eu conheço. (p.37)
[...] o cambista tinha aparecido antes. (p.35) [...] o cambista aparecera antes. (p.35)
[...] não enxergava a frente e nem os lados,
parecia um bicho [...] (p.35)
[...] não enxergava nem de frente nem do
lado feito bicho [...] (p.38)
Andamos ao contrário. Sabe que isso me
embrulha[...] (p.37)
Andamos ao contrário. Sabe que isso me
confunde. [....] (p.41)
[...] pra pegar a primeira aula. (p.37) [...] para pegar a primeira aula. (p.41)
É o que eu tô falando. Pra mim era a primeira
[...] (p.37)
É o que estou falando. Para mim era a
primeira [...] (p.41)
Estamos xecados; desse jeito não dá para
seguir do avesso. (p.37)
Estamos derrotados; assim é impossível
seguir do avesso. (p.41)
[...] admiro cada vez mais o tamanho da
generosidade sua. Gostaria de ajudá-lo , mas
carece da licença do escocês [...] (p.42)
[...] admiro cada vez mais o tamanho da
camaradagem sua. Gostaria de ajudá-lo, mas
precisa da licença do escocês [...] (p.46)
Chupitou um trago valente e veio que veio
um calorão de estufa, queimando na cabeça.
(p.44)
Virou um gole forte e cresceu uma caloria de
estufa ardendo a cabeça. (p.48)
[...] prestando atenção em coisa nenhuma.
(p. 45)
[...] prestando atenção em coisa alguma.
(p. 49)
104
[...] dever ter disintupido alguma artéria no
côco do gordo. (p.38)
[...] dever ter desentupido alguma artéria
cerebral do gordo. (p.42)
[...] deve ser dez pras uma [...] (p.39) [...] deve ser dez para uma [...] (p.43)
[...] pelo jeito dos canteiros [...] (p.39) [...] pelo aspecto dos canteiros [...] (p.43)
[...] costumava receber ele [...] (p.39) [...] costumava recebê-los [...] (p.43)
[...] foram atendidos por um moço bem
vestido, esticadinho [...] (p.39)
[...] foram atendidos por um moço
esticadinho bem trajado [...] (p.43)
[...] e envaidece-me. Tenho dito. (p.40) [...] e envaidece-me. (p.43)
[...] rir com a gozação do gordo [...] (p.40) [...] rir com o deboche do gordo [...] (p.43)
[...] a coisa funcionava do mesmo jeito.
(p.41)
[...] a coisa funcionaria igualmente. (p.45)
Pituca olhava com ar de sem graça. (p.33) Pituca olhava aparvalhadamente. (p.37)
O gordo tinha emprestado [...] (p.35) O gordo havia emprestado [...] (p.38)
_Então conte-nos suas aventuras. (p.46) _Então conte prá nós suas aventuras. (p.50)
_Que pena; o tiro acertou logo nos dois livros
que o seu Tomé gostava mais e ainda tirou
uma lasca deste jacarandá da Bahia da
estante. (p.46)
_Que lástima; o tiro acertou logo nos dois
livros que o seu Tomé gostava mais e ainda
tirou uma lasca do jacarandá da Bahia da
estante. (p.50)
[...] e essas bossas que os adultos batizaram
[...] (p.47)
[...] e essas tretas que os adultos batizaram
[...] (p.51)
[...] e que a bem da verdade, só aporrinham a
paciência da criança [...] (p.47)
[...] e que a bem da verdade, só aporrinham a
paciência da juventude nacional [...] (p.51)
_Gozado o gordo [...] (p.48) _Interessante o gordo [...] (p. 52)
[...] vou puxar o meu ronco [...] (p.49) [...] vou dormir [...] (p.49)
[...] quebrando para esquerda. (p.50) [...] surgindo para esquerda. (p.55)
[...] tô seguindo um restaurante [...] (p.50) [...] estou seguindo um supermercado [...]
(p.55)
Esse cara dorme de boca aberta [...] (p.50) Esse cretino dorme de boca aberta [...] (p.56)
[...] ficar paquerando [...] (p.51) [...] ficar espionando [...] (p.56)
A gente pensa e não entende. (p.51) Cada um pensa e não entende. (p. 56)
[...] deixei ele lá. (p.51) [...] deixei-o lá. (p.56)
[...] e dê pro gordo [...] (p.52) [...] e dê ao gordo [...] (p.57)
[...] dez pra uma [...] (p.53) [...] dez para uma [...] (p.58)
105
_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse
cara non parecer nada, mas Jonas ser fogo
[...] (p.54)
_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse
cara aí de inofensivo, mas Jonas ser
eficientíssima [...] (p.59)
_Rá! Rá! Rá! Rárrárrárrá! Seguir pela
revirada, good! good! Ser uma tamanhíssima
dum idéia, minha Deus do Céu, que que este
gorda ter no dentro do cabeça para imaginar
o traçado duma pensamento assim! De trás
para adiante, good, good, ser do pá virado,
ser do arco da velha, só mesma esse gorda.
(p.55)
_Rá! Rá! Rá! Rárraárraárrá! Seguir pela
revirada, good! good! Ser uma tamanhíssima
dum idéia, minha Deus do Céu, que que este
gorda ter no dentro do cabeça para imaginar
um pensamento assim! De trás para adiante,
good, good, ser da pá- virado, ser do arco da
velha, só mesma esse gorda. (p.60)
Tá todo mundo doido, seu! (p.56) Tá tudo doido, seu! (p.61)
Às dez pra uma. (p.56) Às dez para uma. (p.61)
Moraram? (p.56) Perceberam? (p.62)
[...] e a gente não tem capacidade [...] (p.58) [...] não temos capacidade [...] (p.63)
_ Não carece [...] (p.60) _ Não precisa [...] (p.65)
Esse mundo é gozado, a mesma turma que
ficou brava porque o gordo não cascava o da
frente revoltou-se contra o gordo porque ele
cascou demais. Foi uma bagunça da danada
[...] (p. 61)
Esse mundo é curioso, a mesma turma que se
zangara porque o gordo cascava pouco,
revoltou-se agora porque cascou demais. Foi
uma bagunça danada [...] (p. 67)
Por enquanto estava meio a zero [...] (p.62.) Por enquanto estava indeciso [...] (p.67)
[...] com jeito de bandido [...] (p.66) [...] com forma de bandido [...] (p.72)
[...] amigão mais chapa [...] (p.66) [...] amigo mais chapa [...] (p.72)
_Três a um pro Corinthians. (p.66) _Três a um para o Corinthians. (p.72)
_Coitado, é mania, mas não é burro. Não
risca não. (p.66)
_Coitado, é mania, não risca não, ele não é
tão incapacitado. (p.72)
Cho Choc, os alunos puseram os mapinhas
em cima das carteiras.
(p.68)
Cho Choc, os alunos puseram os mapas em
cima das carteiras. (p.73)
Tinha desconfiado da entrega dos mapas pro
Zé Tavares [...] (p.70)
Desconfiei da entrega dos mapas ao Zé
Tavares [...] (p.75)
[...] suspendia na hora o contato com a [...] suspendia imediatamente o contato com
106
fábrica clandestina e volta tudo patrás [...]
(p.70)
a fábrica clandestina e volta tudo para trás
[...] (p.75)
Bolachão fez cara de bocó [...] (p.71) Bolachão fez cara de perturbado mental [...]
(p.76)
Bolachão chegou perto, de manso, para
assuntar, mas tinha um garoto pulando o
muro e o zelador foi lá dar um pito nele.
(p.72)
Bolachão aproximou-se cautelosamente para
tentar ouvir algum pedaço, mas como um
menino pulava o muro, o zelador afastou-se
para repreendê-lo. (p.77)
[...] me ajudou a trocar os pneus [...] (p.73) [...] ajudou-me a trocá-los [...] (p.77)
O gordo que ficou meio cabreiro, isso não se
faz, gozação em cima dele [...] (p.74)
O gordo é que ficou passado, isso não se faz,
caçoada com ele [...] (p.79)
[...] a gente tem é que descobrir os bandidos,
oras. (p.74)
[...] nosso propósito é descobrir os bandidos,
não lhe parece? (p.79)
[...] tinham levantado todas as hipóteses [...]
(p.80)
[...] levantaram todas as hipóteses [...] (p.80)
O chefe a gente vai saber depois. (p .76) O chefe saberemos depois. (p.81)
_Pera aí, tenho uma ideia, acho que descobri
[...] (p.76)
Tenho uma ideia, acho que descobri [...]
(p.81)
[...] a gente não pode se mexer. (p..76) [...] não podemos nos mexer. (p.81)
[...] depois que o Mister me gozou perdi a
concentração. (p.76)
[...] depois que o Mister debochou de mim,
perdi a concentração. (p.81)
Carece de um desaforo muito grande. (p. 76) Carece de um desaforo muito enorme. (p.81)
[...] dar uma camomila pro gordo [...] (p.76) [...] dar uma camomila para o gordo [...]
(p.81)
_ E a perna tá ficando branca. Vai dar
enchente no coco dele. (p.77)
_ E a perna está ficando branca. Vai dar
enchente no cérebro dele. (p.81)
_Veja, a cabeça do gordo está vermelhando.
O sangue tá descendo. (p.77)
_Veja, a cabeça do gordo está avermelhando.
O sangue está descendo. (p.82)
[...] não leva a lista das figurinhas pra escola.
(p.78)
[...] não leva a lista das figurinhas para
escola. (p.83)
[...] mim non ser tatu [...] (p. 78) [...] mim non ser ingênua [...] (p. 83)
[...] um trago na boca do Mister e o Mister
mamou gostoso[...] (p. 78)
[...] um trago na boca do Mister, que mamou
deleitoso [...] (p.83)
107
[...] ele aparece aí dando sopa e você afinou
[...] (p. 78)
[...] ele aparece aí, dando sopa, e você
afrouxou [...] (p. 83)
_Não precisa esfregar assim, bolotas. Não
pedi pra me lixar. (p. 80)
_Não precisa esfregar assim. Não pedi para
ser lixado. (p. 85)
Puxa, quanta sujeira tá saindo. Vou limpar a
mancha preta essa aqui. (p. 80)
Puxa, quanta sujeira está saindo. Vou limpar
a mancha esta mancha preta. (p. 86.)
[...] o gordo não tem imbigo! (p.81) [...]o gordo não tem umbigo! (p.86)
Achei o imbigo dele, lá no fundo. (p. 81) Achei o umbigo dele, lá no fundo. (p. 86)
[...] e você está pronto pra luta. (p. 81) [...] e você está pronto para luta. (p. 86)
[...] e não posso perder essa jogada [...]
(p. 82)
[...] e não posso perder esta ocasião [...]
(p. 88)
Na hora que o senhor virou de banda, para
escrever, o gordo viu que ele era narigudo
muito. (p. 82)
Na hora que o senhor virou de lado, para
escrever, o gordo viu que era muito narigudo.
(p.87)
O gajo estava entrando num Aero–Willys [...]
(p. 83)
O homem estava entrando num Aero- Willys
[...] (p.88)
[...] para deixar o pé leviano. (p. 81) [...] para deixar o pé leve. (p. 86)
[...] o cara desceu e saiu [...] (p.84) [...] o homem desceu e saiu [...] (p. 90)
Bolachão ficou caçando um lugar para se
esconder; não podia ficar no carro. (p.84)
Bolachão buscava um lugar para se esconder,
não podia permanecer no carro. (p. 90)
[...] que mandaria os milicos cercarem,
invadirem e prenderem a quadrilha [...]
(p 84)
[...] que mandaria a polícia cercar, invadir e
prender a quadrilha [...] (p. 90)
[...] que coçou a orelha dele com a outra
mão. (p. 86)
[...] que coçou-lhe a orelha com a outra mão.
(p. 92)
Era um baita de um pastor. (p. 86) Era um colosso dum pastor. (p.91)
[...] e olhou no relógio [...] (p. 88) [...] e olhou o relógio [...] (p. 93)
[...] na frente do prédio tinha uma lâmpada
que que alumiava fraco duma nuvenzinha
[...] (p.88)
[...] na frente do prédio uma lâmpada
alumiava fraco rodeada duma nuvem [...]
(p. 93)
Outro menor e mais baixo que dava para o
gordo pular, se estivesse fechado, e pelo jeito
nem estava. (p. 88)
Outro menor e mais baixo suficiente, para o
gordo pular, se estivesse fechado, e parecia
que nem estava. (p.93)
108
[...] carecia de dar o endereço total da fábrica
[...] (p. 89)
[...] precisava dar o endereço da fábrica [...]
(p.94)
“Batata, é aqui [...] (p. 88) “Hum, é aqui [...]” (p.94)
[...] pensei que tinha matado você [...] (p.89) [...] pensei que o tinham matado [...] (p. 95)
Mas é que estava afobado [...] (p.91) Mas que estava precipitado [...] (p. 96)
[...] diálogo com o gordo era assim mesmo.
(p. 91)
[...] diálogo com o gordo era conciso assim
mesmo. (p. 96)
[...] que a gente não conhecia. (p.91) [...] que ninguém não conhecia. (p.97)
Não há perigo nenhum, estamos garantidos.
(p. 92)
Não há perigo, estamos garantidos. (p. 97)
“[...] podia ter pedido socorro pros
operários.” (p. 94)
“[...] podia ter pedido socorro aos operários.”
(p. 99)
[...] a gente enterra aqui mesmo. (p. 94) [...] enterramos aqui mesmo. (p. 100)
[...] mas a gente nunca sabe o futuro. (p. 95) [...] mas do futuro nunca se sabe. (p.101)
[...] cheia de papéis [...] (p. 95) [...] repleta de papéis [...] (p. 100)
_Abanque-se [...] (p. 95) _Sente-se [...] (p. 100)
[...] estou sonado de fome [...] (p. 96) [...] estou perturbado de fome [...] (p. 101)
[...] você que moeu sozinha essa ideia?
_ Cuei e moei. (p. 96)
[...] você é que encontrou sozinho essa ideia?
_Sim. (p. 101)
[...] o mesmo pensamento que a Berenice
tinha feito. (p. 97)
[...] o mesmo pensamento que a Berenice
tivera. (p. 103)
Foi distraído pelo pedido do gordo [...]
(p. 97)
Distraiu-se pelo pedido do gordo [...] (p. 103)
Ter coiso aí. (p. 97) Ter xaveco aí. (p. 103)
O gordo é de morte, não pegam ele assim
fácil não. (p.98)
O gordo não é trouxa, não o apanharão
facilmente. (p. 105)
[...] nem toco de cigarro[...](p.98) [...] nem bituca de cigarro [...] (p. 104)
O Mister sabia que era pista fraca porém o
bom detetive não despreza pista.(p.98)
O Mister sabia que era pista fraca porém o
bom detetive não as despreza. (p.104)
O Jonas classificou elas e grudou num
caderno, por ordem alfabética, que era para
conferir com outras poeirinhas [...] (p. 98)
O Jonas classificou-as e grudou num caderno
por ordem alfabética, para conferir com
outras poeirinhas [...] (p. 104)
O palpite do Mister deu certo [...] (p. 100) O palpite do Mister confirmou-se [...] (p.
109
107)
O gordinho devia estar afobado, quem sabe
acossado pelos bandidos. (p.100)
O gordinho devia estar alarmado, quem sabe
acossado. (p. 107)
Só o Mister é que conhecia ela da classe;
Edmundo e Pituca conheciam de ouvir o
gordo contar e ficaram admirados dela ser
tão bonita. (p. 100)
Só o Mister é que a conhecia da classe;
Edmundo e Pituca conheciam de ouvir o
gordo contar e ficaram admirados dela ser
resplandecente assim. (p.107)
[...] o gordo explicou que estava afobado [...]
(p. 101)
[...] o gordo explicou que estava aflito [...]
(p. 108)
[...] sem responder a uma pergunta que ele
fizera. (P.101)
[...] sem responder a uma pergunta que lhe
fizera. (p.108)
_Gorda dizer que estava afobada? Senhor
Tomé sentir afobaçon no voz de gorda? (P.
101)
_Gorda dizer que estava aflita? Senhor Tomé
sentir afliçon na voz de gorda? (p. 108)
_Pela que vocês contar [...] (p. 102) _Pelo que vocês contar [...] (p. 109)
[...] uma gole de uísque ser um coisa gostoso.
(p.103)
[...] uma gole de uísque ser um coisa
indispensável. (p.110)
[...] escapou da grutinha da celulinha cerebral
onde ele morava [...] aprumou-se pra riba e
veio subindo. (p. 107)
[...] escapou da grutinha da célula cerebral
onde ele morava [...] aprumou-se para cima e
veio subindo. (p. 114)
O coco do gordo funcionava [...] (p. 107) O cérebro do gordo funcionava [...] (p. 114)
“Se eu escrevo o recado a mão, além de dar
muito na vista, só vai dar para escrever em
poucas e terei uma possibilidade muito
pequena.” (p. 107)
“Se escrevo o recado a mão, além de dar
muito na vista, só conseguirei escrever em
poucas e terei uma possibilidade muito
pequena.” (p. 115)
__Chefe, esse moleque aí [...] (p. 108) __Chefe, esse paspalho [...] (p. 115)
[...] não faz diferença, né chefe? (p. 108) [...] não faz diferença não é chefe? (p. 115)
Vai ser o máximo! (p. 108) Vai ser belo! (p. 115)
Não tinha pensado isso [...] (p. 108) Não tinha pensado nisso [...] (p. 115)
_Chefe, o gordo tá falando sozinho. Me dá
aflição. (p. 108)
_Chefe, o gordo está se agitando. Me dá
aflição. (p. 115)
[...] pago uma cerveja e uma pizza pra vocês.
(p. 109)
[...] pago uma cerveja e uma pizza. (p. 116)
110
_Depois do lanche, a agente dá uma limpada
[...] (p. 109)
_ Depois do lanche, damos a limpada [...]
(p. 116)
[...] naquilo tinha prestado atenção [...]
(p. 110)
[...] naquilo prestara atenção [...] (p. 117)
[...] no apertar [...] (p. 110) [...] ao apertar [...] (p.117)
[...] mas foi em frente. (p. 110) [...] mas prosseguiu. (p. 117)
[...] a caixa dos tipos [...] (p.110) [...] a caixa de tipos [...] (p.117)
[...] até achar o manejo certo [...] (p. 110) [...] até achar o roteiro certo [...] (p. 117)
[...] mas aí se afobou [...] (p. 111) [...] mas aí se precipitou [...] (p.118)
[...] aquele xilique tradicional [...] (p. 113) [...] aquele chilique tradicional [...] (p. 120)
[...] uns partirem para a gozação [...] (p. 113) [...] uns partirem para o deboche [...] (p. 120)
O porteiro fez eles entrarem e os levou [...]
(p.114)
O porteiro fê-los entrar e levou-os [...]
(p.122)
_Cara de anão que tem gordo escondido.
Pituca gozou:
_Essa menina é biruta. (p. 117)
_Cara de anão que tem gordo escondido.
_Essa menina é zureta. (p. 125)
[...] depositou ele deitado [...] (p. 118) [...] depositou-o deitado [...] (p. 125)
_Estás famoso, heim?
Aquilo não, era o fim, o gordo ficou
congelado. (p.120)
_Estás consagrado [...] (p.126)
_Legal chefe. Manda brasa! (p.121) _Perfeitamente chefe. (p. 127)
[...] Que bacana [...] (p. 120) [...] Que pomposo [...] (p.127)
_Tratemos do gordo agora. (p.122) _Tratemos do peralvilho agora. (p.129)
[...] tá branco de medo. (p.122)
[...] está branco de medo.
_E o lábio está tremendo, perdeu a
dignidade, pensei que fosse mais machão.
(p.129)
Os grandões já vinham feitos para cima do
Mister [...] (p. 123)
Os grandões já vinham ferozes para cima do
Mister [...] (p. 131)
Mas grandão de queda tava ali [...] (p. 124) Mas era um grande resistente [...] (p. 132)
[...]e virou de banda [...] (p.126) [...] e virou de lado [...] (p.136)
[...] fui eu quem salvou ele [...] (p.126) [...] fui eu quem o salvou [...] (p.136)
[...] minha mão é muito grossa para lidar [...] minha mão é muito grossa para pingar
111
conta-gotas. (p. 127) gotinha. (p. 137)
Alterações em que houve acréscimo ao texto original
1ª edição (1969) Editora Brasiliense 60ª edição (2009) Editora Global
_O pai me deu um aumento. (p.18) _ O pai não me dá mesada, tenho conta livre,
saco quanto quero, não sou funcionário.
(p.20)
_Este Jonas ser de morte, ele pensar que na
Brazil o gente falar espanhol. Mim já
explicar ele que a Brazil ser uma país muito
curiosa, onde o gente falar em brasileiro e
escrever em português. (p.54)
_Este Jonas ser de morte, mim tentar ensinar
o Jonas a falar brasileira pela processo de
leitura dinâmica, mas o Jonas só sabe dizer
"saludos amigos". Mim estar no dúvida se
Jonas non compreender mesmo ou se estar
fingindo de sonsa para se divertir à minha
custa. (p.59)
_Minha cabeça não é pra tirar besteira; não
sou bicho de circo. (p.57)
_Meu intelecto não apetece cuidar de
mediocridades manuais, isso é serviço para
servente ou meio-oficial. Não sou
metalúrgico. (.62)
O gordo achava, danada duma azucrinada,
mas tinha graças da mulher. Falava aquilo
tudo sem ridículo nenhum, muito natural,
essas coisas, mas o gordo já estava frio da
idéia e continuou calado para ver até que
ponto ia dar o embalo da moreninha [...]
(p.64)
O gordo achava, danada duma azucrinada,
mas mulher bonita azucrinada fica mais
encantadora, geralmente, embora mulher
bonita azucrinada também. Falava aquilo
tudo sem ridículo nenhum, muito natural,
mas o gordo já estava frio da idéia e
continuou calado para ver até que ponto ia
dar o desempenho da moreninha[...] (p.70)
_Só o Paulo, prefiro namorar os do admissão
ou do quarto ano, têm mais conversa, sabe.
(p.66)
_Só o Paulo, prefiro namorar os do quinto ou
do quarto, esses do segundo só sabem contar
anedotas elementares. (p.71)
_Berenice, Berenice – brincou Pituca.- O
gordo quer ficar cheiroso pra moreninha. Já
vi tudo, estamos roubados, detetive
apaixonado não descobre nem o caminho da
_Berenice Berenice – brincou Pituca. – O
fedegoso quer ficar perfumado para a
moreninha. As mulheres influem
negativamente sobre a capacidade de
112
casa dele. (p.80) percepção dos detetives, perturbam-lhes a
intuição e modificam-lhes o ritmo cerebral.
(p. 85)
[...] como é que pode um peixão legal ficar
nesse dengo pelo Bolacha, meu Bolachinha,
meu pipipinha; não entendo, não entendo!
_Mim também non entender os mulheres,
Pituca. Ninguém na mundo entender esses
bichinhas. (p. 102)
[...] como é possível cair nessa fascinação
pelo Bolacha, meu Bolachinha, meu pipinha;
não entendo, não entendo! O mundo está
errado!
_Realmente, se non existissem gordas, e nem
mulheres que gostar de gordas, a mundo seria
diferente. (p. 109)
_Mim namorar os dois ao mesmo tempo,
mim ser muito namoradeira. (p. 103)
_O pergunta ser difícil de responder, mas, se
o Berenice ter o minha idade e eu fosse o
Berenice, e o Berenice fosse seu Tomé, e ter
que escolher para namorar entre o seu Tomé
e o gerente, mim preferir seu Tomé. (p. 110)
Alterações em que houve supressão ou síntese do texto original
1ª edição (1969) Editora Brasiliense 60ª edição (2009) Editora Global
Tinha comprado toneladas de envelopinhos e
o Rivelino não saía, virou a cidade nos
abafas até de Vila Matilde e do Tucuruvi e,
num dia, foi num treino do Corinthians falar
com o próprio Rivelino. O jogador riu muito
e respondeu que ele também colecionava e
não achava jeito de encontrar a figura dele
mesmo. O Paulo Borges estava do lado e
brincou:
_Olha menino, nós pegamos o Rivelino e
colamos as costas dele aí no quadrado vazio
do álbum. Depois levamos na fábrica e quero
ver!
O velho Dino Sani rematou:
Comprara toneladas de envelopinhos e o
Rivelino não saía, virou a cidade nos abafas
até de Vila Matilde e do Tucuruvi e num dia
foi num treino do Corinthians falar com o
próprio Rivelino, inutilmente, porque o
jogador também colecionava e não conseguia
encontrar a figura dele mesmo. (p.9)
113
_Fica quieto, Paulo, você é figurinha fácil,
não tem que dar palpite.
Os jogadores fizeram uma porção de
trocadilhos e gozações, Edmundo se divertiu,
mas voltou para casa sem resolver o
problema. (p.9)
Edmundo fechou o caderno de português,
trocou o chinelo pelo sapato e desceu
escorregado pelo corrimão. (p.15)
Edmundo fechou o caderno de português,
trocou o chinelo pelo sapato e desceu. (p.15)
Desse jeito vou é à falência [...] (p.16) Vou é à falência. (p.16)
[...] comprou uma no Largo de São Bento
[...] (p.16)
[...] comprou no Largo de São Bento [...]
(p.16)
Ah, meu bom Jesus! Quanto mais a gente
vive é que aprende melhor que as coisas
acontecidas são mais impossíveis que as
coisas imaginadas. (p.17)
Ah, meu bom Jesus! (p.17)
Falar de aventura de detetive para um
menino da idade e da saúde de Edmundo é
como falar de alface para cabrito. Topou é
lógico. (p.18)
Falar de aventura de detetive para um
menino da idade e da saúde de Edmundo é
uma ideia sedutora. (p.19)
E depois também, Seu Tomé merecia ser
ajudado. Numa época em que as fábricas [...]
(p.18)
E seu Tomé merecia ser ajudado; numa época
em que as fábricas [...] (p.19)
[...] o problema é teu. Nessa eu não embarco.
(p.18)
[...] o problema é teu. (p.19)
[...] a fábrica clandestina. Aí avisaremos a
polícia. O que peço a vocês não é prender os
ladrões, não quero que se arrisquem. É só
descobrir o endereço desta fábrica de
falsários. (p.19)
[...] a fábrica clandestina. (p.20)
[...] tipografia, que era onde [...] (p.19) [...] tipografia, onde [...] (p.20)
[...] conversas animadas que ouviam dos pais
e dos tios [...] (p.20)
[...] conversas animadas que ouviam dos pais
e tios [...] (p.21)
114
O gordo dormia que dormia encolhido no
sofá [...] (p.20)
O gordo dormia absorvido da vida encolhido
no sofá [...] (p.21)
[...] seria mas é o burro do crime. (p.21) [...] seria é o burro do crime. (p.22)
[...] por o gordo nisso, tá vendo? (p.21) [...] por o gordo nisso. (p.23)
É. Vá fazer a encomenda. (p.21) Vá fazer a encomenda. (p.23)
_Te aguenta aí meu chapinha, não se
afobemos; tô dizendo que tu leva quinze mas
não paga quinze, morou? Paga só quatorze,
te faço um abatimento. Leva quinze e morre
com quatorze, uma de graça. (p.22)
_Estou dizendo que leva quinze mas não
paga quinze. Paga só catorze, faço um
abatimento. Leva quinze e morre com
catorze, uma de graça, pelo certo, ponta a
ponta. (p.23)
_Pense bem, meu chapinha, quem escapa de
fazer negócio bom, se arrepende depois; a
sorte não bate todo dia na porta da gente;
mais pior, tem vez que ela bate e a gente não
está. Agora estou aqui, te fazendo uma
proposta que não faço pra nenhum, só porque
me simpatizai com tua pinta de distinto, boas
famílias. Sabe que tu é o dono da pinta, meu
boa gente? (p.22)
_Pense bem meu chapinha, a sorte não
desfruta e se arrepende depois. (p.23)
[...] lengue com lengue [...] (p.22) [...] lengue-lengue [...] (p.23)
[...] pela rua de São Bento [...] (p.23) [...] pela rua São Bento [...] (p.24)
Na certa está querendo ver se tem algum
detetive seguindo ele. (p.23)
Na certa está querendo ver se está sendo
seguido por algum detetive. (p.25)
[...] função de olhar todo mundo.
"Ora pamonhas" _ pensou Edmundo. "Esse é
o rei da paquera." (p.23)
[...] função de olhar todo mundo. (p.26)
Reparou que quando relou nele [...] (p.23) Edmundo reparou que, quando relou nele [...]
(p.26)
O sujeito que inventou bagunça por certo se
sentiria encabulado se visitasse o arraial do
Bolacha: uma esparramação de mexidos pelo
assoalho. (p.25)
O sujeito que inventou bagunça por certo se
sentiria encabulado se visitasse o arraial do
Bolacha [...]. (p.28)
_Devia ter ido _ insistiu Pituca.
_Me diga uma coisa: o plano não era o Pituca
fazer a encomenda e o Edmundo seguir?
_Devia ter ido _ insistiu Pituca. (p.28)
115
_Era.
_Então eu ia lá práque? Para ficar
aplaudindo? (p.26)
[...] que era o teleférico, semelhante Pão de
Açúcar [...] (p.25)
[...] que era o teleférico Pão de Açúcar [...]
(p.28)
Assim que virou, deu de cara com o próprio
dito cujo do cambista [...] (p.29)
Assim que virou deu de cara com o cambista
[...] (p.32)
_De em desde o começo, botei meus
holofotes no carango preto de vocês,
seguindo o ônibus. (p29)
_Desde o começo notei o automóvel preto de
vocês seguindo o ônibus. (p.33)
_Aprenda uma coisa seu coió, tenho um
sistema infalível de despistação; querer me
seguir é tomar sopa de garfo. (p.29)
_Aprenda uma coisa, seu coió, tenho um
sistema infalível de despistação. (p.32)
Agora é que te furo as tripas. (p.33) Agora é que te furo. (p.33)
[...] estava entrando num bonde aberto e o
bonde tinha dado a saída e ia indo embora.
Nesse tempo ainda tinha bonde em São
Paulo, era desses bondes abertos, com
estribo. (p.31)
[...] entrava num bonde aberto que dava a
saída e ia indo embora. (p.34)
[...] danado de tigre, não dá pé. (p.32) [...] danado de tigre. (p.35)
[...] trajetos despistantes. Capito? (p.33) [...] trajetos despistantes.? (p.36)
Dia seguinte [...] (p.35) No dia seguinte [...] (p.38)
[...]. Largo de São Bento. (p.35) [...]. Largo de São Bento. Chovia. (p.38)
_Tá certo Bolacha, boa sorte. Vamos a nossos
lugares. (p.35)
Perfeito, vamos a nossos lugares. (p.39)
Pituca, enfiado no binóculo, deu sinal: (p.35) Pituca no binóculo, deu sinal: (p.38)
[...] vem pra cá, pacatum, pacatum. (p.36) [...] vem pra cá pacatum. (p.39)
Estamos mas é facilitados [...] (p.37) Estamos é facilitados [...] (p.42)
Economizava o dinheiro das camisas e ainda
sobrava para botar uma campanha de
publicidade na televisão Ia ser um estouro.
Publicidade é tudo, meninos, olhem esses
debilóides que fazem sucesso na TV; não
sabem nem compor e cantar, mas são
Economizava o dinheiro das camisas e ainda
sobrava para lançar uma campanha de
publicidade na televisão, ia ser um sucesso.
Podem voltar a seus brinquedos [...] (p.45)
116
organizados e fazem sucesso. Em nome da
eficiência, podem voltar para seus
brinquedos [...] (p.41)
[...] e preciso sua ajuda. (p. 42) [...] e preciso de ajuda. (p.46)
[...] tudo o que você pedir [...] (p.42) [...] tudo que você pedir [...] (p.46)
[...] e acabou convencendo eles. (p.43) [...] e acabou convencendo. (p.47)
_Essa foi boa! _exclamou Pituca, olhando de
zomba para o gerente. _Caramujo é que leva
a casa nas costas.
_Ser bem dito _ apoiou o Mister. _ Mim
ouvir uma samba do poeta Vinicius de
Moraes, no minha vitrola de pilha, que falar
que o vida do gente ser pra valer, ser uma só,
e que o gente precisar escolher muito
direitinha o caminho do vida, porque quando
o caminho acabar, non ter uma outra non,
para experimentar de novo. E agora que
menina Pituca falar de caramuja, mim pensae
que o gente ter dois escolhas: ser caramuja
ou então passarinha. Mim escolher ser
passarinha.
_Nós também! _ aprovou Edmundo. _ Então
o Mister deixa a gente continuar? (p.46)
_Essa foi boa! _ exclamou Pituca, olhando
ironicamente para o gerente.
_Então o Mister deixa a gente continuar?
(p.50)
[...] e ficou tudo perfeito [...] (p.47) [...] e ficou perfeito [...] (p.51)
Toda essa fazeção [...] (p.47) Essa fazeção [...] (p.51)
[...] de descobrir esse raio de fábrica
clandestina e poristo eu já ponho os três
meninos andando na Marginal, às cinco da
tarde, procurando um lugar de botarem
acampamento. (p.47)
[...] de descobrir a fábrica clandestina e por
isto eu já ponho os três meninos andando na
Marginal, às cinco da tarde, procurando um
lugar de armarem acampamento. (p.52)
Andavam pela beira do rio, entre o capim
alto, e fuçando fuçando [...] (p.47)
Andaram pela beira do rio, entre o capim
alto, e, fuçando [...] (p.52)
[...] e esqueces da vida. Já era tempo de ter [...] e esqueces da vida. (p.56)
117
me revezado. (p.50)
Você devia estar dormindo! (p.51) Devia estar dormindo! (p.56)
A MARGINAL foi ficando clara com o sol
da manhã, os favelados iam para o batente e
a criançada saia chispada dos barracos, para
inventar brincadeiras nos terrenos baldios e
na beira do rio. Mais no longe, a carreira
branquicenta dos arranha-céus dava a nota de
cartão postal de cidade grande. (p.53)
O sol da manhã iluminava a Marginal; os
favelados caminhavam para as fábricas e a
molecada chispava entre os terrenos vazios,
inventando brinquedos. Ao lado do longe era
uma carreira cartão-postal de arranha-céu
desenhando a maravilha de São Paulo no céu
da cidade grande. (p.58)
[...] careca que puxava na mão um gordinho.
(p.58)
[...] careca puxando na mão um gordinho.
(p.63)
_Meu bom menino, vocês fazem de mim
gato e botina, eu um homem sério [...] (p.60)
_Meu bom menino, eu um homem sério [...]
(p.65)
[...] as mentiras é que pulam da minha boca,
desasnei completo. (p.60)
[...] as mentiras é que vão saindo sozinhas e
contentes da minha boca. (p.65)
O gordo tinha que observar detalhes os mais
mínimos [...] (p. 62)
O gordo precisava observar detalhes [...] (p.
67)
[...] algum gesto brusco, tudo, tudo. (p.62) [...] algum gesto brusco, tudo. (p.62)
[...] a sua especulação, com os cuidados do
detetive e por isso meteu o dedão na boca
[...] (p.63)
[...] a sua especulação e por isso meteu o
dedão na boca [...] (p.69)
Um lugar comum chama isso de cair do
cavalo, mas no caso do gordo a expressão é
fraca muito. Bolachão desmoronou-se
inteiro, ele, o bom, o geniozonho, tricotando
fio a fio para pegar um suspeito, e vem uma
coisiquinha duma menininha e pega o
pegador, assim no estalo, é fora de conta.
Uma lambada desse tamanho não dava tempo
para o gordo pensar, só se fechou em copas
para ter folga de recuperar o prumo e a linha
normal da cabeça: fez que não entendeu e
deu outra chupitada no dedão. (p.63)
Um lugar comum chama isso de cair da
carroça, mas no caso de gordo a expressão é
fraca. Bolachão desmoronou-se, e, na fala de
uma resposta pronta, encolheu-se em si
buscando uma folga de recobrar o prumo da
cabeça, pôs o dedão na boca e disse [...]
(p.69)
_Não tem um nem dois. Já ouviste falar da
intuição feminina? (p.63)
_Não tem um nem dois. Você é detetive.
(p.69)
118
_Intuição feminina é isso que eu tenho, pego
no ar a entre-coisa das coisas. E te peguei,
reparei uns modos e olhares em você que só
menino inteligente tem e se um menino
inteligente vem aqui encapuçado de
retardado, só pode ser descobrir crime, então
é detetive. (p.63)
_Gordo não seja pernóstico, acho melhor que
confesse. Vou te aprender um negócio: um
detetive por mais que disfarce, carrega seu
detetivismo até na maneira especial de soar o
nariz. (p.69)
[...] e aos bocadinhos foi recuperando o
controle do pensamento. A garotinha podia
estar jogando no verde para colher a fruta
caída, podia ser da quadrilha [...] (p.64)
[...] e aos bocados foi recuperando o
controle. A garotinha podia ser da quadrilha
(p.69)
[...] não era papagaio pra dar o pé louro,
imagine; o negócio correto [...] (p.64)
[...] não era papagaio para dar o pé louro; o
negócio correto [...] (p.70)
_Eu adoro história de mistério, gordinho, e
meu sonho era topar um detetive de verdade,
para namorar. Sei que você está desconfiando
de mim, e tem razão, bota meu nome aí na
sua lista dos suspeitos, ninguém escapa. Sabe
qual é o primeiro nome que o bom detetive
põe lá em cima da lista? (p.64)
_Gordinho, você tá com cara de menino
colando pegado em flagrante fingindo de
calmo e olhando espantado. (p.70)
_O dele mesmo, pode ter dupla
personalidade, já vi um filme, investigou
investigou e prendeu a si mesmo, gozado,
né? O camarada passa duma pra outra e a
uma não lembra o que a outra fez. Como é
que você se chama? (p.64)
Como é que você chama redondinho? (p.70)
Xeque-mate. Bolachão não tinha escapulida
[...] (p.64)
Bolachão não tinha escapulida [...] (p.70)
A COISA estava no vai ou racha; ou a
menina atrapalhava a investigação duma vez
[...] (p.66)
A coisa estava periclitante; ou a menina
atrapalhava duma vez [...] (p.71)
O gordo teve um arrepio na espinha de
satisfação e emocionado também, porque a
coisa estava quente e ele estava na estrada
boa. (p.70)
O gordo sentiu um arrepio na espinha de
satisfação e de emocionado também porque
estava na estrada boa. (p.75)
119
E conversa vai conversa vem [...] (p.73) Conversa vai conversa vem [...] (p.77)
_ Mim agradecer very much o atençon que
vocês me dar, amanhã mim continuar o resto
da aula. Vocês meninos ser o esperança do
mundo, porque vocês ser alegres, gostar de
brincar e nom ter maldade em dentro do
cabeça. Mim aconselhar vocês de ter muito
cuidada com os adultos e nom deixar ele
botar os idéias ruins que eles ter no cabeça de
vocês. os gente grande ser um calamidade,
minhas meninos, mim conhecer os gente
grande do mundo toda, dos Estados Unidos,
do Rússia, do China, do Ásia e do Europa, e
agora os da Brazil, e ser tudo o mesmo
porcaria. Eles viver e falar como esses
bonecos que, o gente dar corda, repetir
sempre os mesmos frases quadrados,
confundir o salvaçon do pátria com o
salvaçon do dinheirinha e do vaidade de eles,
e ficar muito bravos quando um filho de eles
quebrar uma xícara de café, mas ficar
satisfeitíssimas e tocar até o banda de
música, quando um avion que eles jogar um
bomba no cabeça de uma outro que pensar
diferente do deles. (p.74)
_ Mim agradecer very much o atençon que
vocês me dar. (p.79)
[...] Raimundo. Nada, neris. Depois [...]
(p.75)
[...] Raimundo. Depois [...] (p.80)
Badalo não dá pra bandido. Esse vai ser
deputado ou senador quando crescer. (p.75)
Badalo não tem vocação para bandido. (p.81)
[...] já deu um ponta-pé nele [...] (p.76) [...] já deu um pontapé e xingou [...] (p.81)
[...] tá um furacão aí nessa cabeça [...] (p. 76) [...] tá um furacão nessa cabeça [...] (p.81)
_Quando viu a cara do gordo chegar, até o rio
Tietê riu.
_Chi – emendou Pituca. – Essa do rio está
muito mar.
Edmundo repicou:
_Melhor que a do rio você não foz.
Pituca pensou pensou, não achou o mote e
por isso perdeu o jogo de trocas.
- Olha- disse Edmundo. – Vamos dar uma
última tentativa, antes do gordo dormir.
_Quando viu a cara do gordo chegar, até o rio
Tietê riu.
Pituca achou engraçadíssimo e Edmundo
continuou:
– Vamos dar uma última tentativa, antes do
gordo dormir. Quem sabe pondo mais sangue
na cabeça, a idéia que ele tinha começado
sai. (p.82)
120
Quem sabe pondo mais sangue na cabeça, a
idéia que tinha começado sai. (p. 76)
_É, o gordo está bloqueado por um
pensamento obsessivo – disse o Edmundo.
_Que bicho é esse? – indagou Pituca.
_ Ouvi de um tio meu, psiquiatra.
_Rá! Rá! (p. 77)
_É, o gordo está bloqueado por um
pensamento obsessivo – disse o Edmundo.
_Rá! Rá! (p. 82)
[...] então o senhor suspeitou na escola, né?
(p.78)
[...] então o senhor suspeitou na escola?
(p.83)
[...] passava bem junto da cabana, todo
barrento e marulhando no capim. (p.80)
[...] passava junto da cabana, barrento e
marulhando no capim. (p.85)
No alto da escada tinha sala pequena com um
sofá e uma mesa de telefone. (p. 82)
No alto da escada tinha uma sala pequena
com um sofá e uma mesa de telefone. (p.87)
[...] atrás do banco do chofer. Dava justinho.
(p. 82)
[...] atrás do banco do chofer. (p. 87)
[...] só que mais confortável, que o espaço
era maior. (p. 83)
[...] só que mais confortável com o espaço
maior. (p. 88)
Daí tocou o automóvel pela cidade, num
caminho bastante demorado. Ia cantarolando
um samba que terminava assim:
“A minha vida não é mole não
Entro em cana toda hora sem apelação
Eu já ando assustado
E sem paradeiro
Sou um marginal
Brasileiiiro.”
Um samba muito bom até, que mostrava o
bom gosto do fulano e o progresso dos
bandidos brasileiros, que teve um tempo só
assoviavam bolero. O gordo é que não podia
apreciar a música, ia é batucando as banhas
no chão do carro e respirando devagar, para o
bandido não desconfiar.
Daí tocou o automóvel pela cidade, num
caminho bastante demorado, cantarolando
um samba; o gordo é que não podia apreciar
a música, ia batucando as banhas no chão do
carro e respirando devagar para o bandido
não desconfiar.
Finalmente pararam. (p.88)
121
Foi foi pararam. (p. 83)
[...] só um caramelo de café no bolso e
desembrulhou ele para almoçar. (p. 86)
[...] só um caramelo de café no bolso. (p.91)
“Se o pastor sente medo é aí que avança...”
(p.86)
“Se o pastor sente medo é que avança [...]”
(p.91)
“Que raio de bicho-bolinha é esse aí na
minha casinha?”
Tinham ensinado ele a atacar gente em pé, e
bolinha sentada ainda mais com cheiro forte
de desodorante, trapalhava o faro dele. Mas
foi um instante só e as rosnada entre-dentes
anunciou que o cachorro já classificara o
ramo da espécie zoológica da bolinha: era
gentinha gordo, bicho de se atacar.
Mas o Bolacha estava dono de si. (P. 86)
“Que bicho-bolinha é esse aí na minha
casinha?”
Tinham-lhe ensinado a atacar gente em pé, e
bolinha, sentada com cheiro forte de
desodorante, confundia-lhe o faro. Mas foi
um instante só e a rosnada entredentes
anunciou que o cachorro preparava-se para o
ataque. (P.91)
“Lá se foi meu rico caramelo.” (P.86) “Lá se foi meu caramelo.” (P.92)
O cachorro dormia bem, embaralhado no
gordo, quentinho, respirando de boca aberta.
(P. 88)
O cachorro dormia embaralhado no gordo,
quentinho, respirando pela boca. (P. 93)
... para imprimir as figurinhas falsas, mas não
era não. (P. 92)
[...] para imprimir as figurinhas falsas, mas
não. (P. 97)
Bem no meio do galpão[...] (p. 92) No meio do galpão[...] (p. 97)
_Menininho turrão, não é ? (p. 94) _Menininho turrão não? (p. 99)
[...]pode haver um terremoto, essas coisas,
algum acaso, o ocaso é o maior inimigo dos
crimes perfeitos[...] (p. 95)
[...] pode haver um terremoto, algum acaso, o
ocaso é o maior inimigo dos crimes perfeitos
[...] (p. 100)
Processo de falsário, a gente arruma um bom
advogado e até absolve a gente. O negócio é
dissolver o gordo. (P. 95)
Processo de falsário arruma-se um bom
advogado e até absolve. Temos que dissolver
o gordo. (p. 100)
Teu pai de educou mal, seu gordo, mas o meu
estatuto é diferente, vais aprender
obediência. Atlas traga o alicate. (P. 95)
Teu pai de educou mal, seu gordo. Atlas,
traga o alicate. (P. 100)
_É, começo a lhe respeitar. (P.96) _Começo a lhe respeitar. (P. 101)
122
[...] prendeu na Escócia um amigo que eu
gostava muito. (P. 96)
[...] prendeu na Escócia um amigo meu que
eu gostava muito. (P. 101)
O gordo ia xingar o chefe dum palavrão
tamanhudo[...] (p. 96)
O gordo ia xingar o chefe dum palavrão[...]
(p. 101)
_Professor, qual que é mais forte? (P. 97) _Professor, qual é mais forte? (P. 103)
[...] e a classe viu um acontecido que classe
nenhuma do mundo tinha visto antes[...] (p.
97)
[...] e a classe viu o que classe nenhuma do
mundo tinha visto antes [...] (p. 104)
[...]o dono não sabia não. (P. 98) [...] o dono não sabia. (P.104)
O guarda que mandava o trânsito[...] (p.98) O guarda que dirigia o trânsito [...] (p. 104)
[...]numa aflição muito grande[...] (p.98) [...]numa aflição grande[...] (p. 104)
[...] a problema fundamental do vida não ser
chata. Um non chato sem razon valer um
milhon de chatos com razão, valer muito
mais até. (P. 99)
[...] a problema fundamental do vida não ser
chata. (P. 105)
Seu Tomé disse que, de primeiro [...] (p. 101 Seu Tomé disse que primeiro [...] (p. 108)
Seu Tomé trouxe um café com leite e umas
bolachinhas. (P. 102)
Seu Tomé trouxe um café com leite e pão
preto. (P. 102)
Seu Tomé serviu o café com leite e as
bolachinhas[...] (p. 103)
Seu Tomé serviu o café com leite e o pão
preto[...] (p. 110)
Aquele anão, sua calma, se via que não
estava com raiva nenhuma dele[...] (p. 105)
Aquele anão se via que não estava com
raiva[...] (p. 112)
[...] operação comercial. Como o gordo tinha
investigado tanto, resolveu tirar a dúvida:
_Como é que passam as figurinhas para o
cambista?
O anão respondeu, sem levantar a cabeça dos
papéis que escrevia:
_Tenho um depósito de figurinhas na rua
Florêncio de abreu; logo que o narigudo me
telefona eu telefono para o depósito, dou as
encomendas, meu capanga manda o filho
dele falar com o cambista, como se fosse
[...] operação comercial.
O anão terminou a escrivinhação[...] (p. 112)
123
freguês, e entrega as figurinhas. Cada dia o
menino vai disfarçado dum jeito, um dia
moreno, outro loiro, outro de mulatinho, para
ninguém desconfiar.
O gordo olhou para a parede e viu uma
estante carregada de livros; andou até ali e
ficou olhando os títulos. O anão reparou na
curiosidade e falou:
_É minha biblioteca de livros de crime, a
maior parte é em línguas estrangeiras, como
você está vendo. Nós bandidos também
escrevemos livros e teorias científicas,
falando dos melhores modos de enganar a
policia e fazer crimes perfeitos.
Devia ser porque a morte estava perto, a
verdade é que o gordo estava mais
comunicativo e falante. Ficou tirando livros,
sapeando, e deu até uma risadinha, pela
primeira vez nessa história, quando viu o
título de um: “O Genial Sistema Fritz.” O
anão terminou a escrivinhação[...] (p. 105)
[...]regulamento do concurso, dava o
endereço da fábrica e essas coisas. (P. 105)
[...] regulamento do concurso e dava o
endereço da fábrica. (P. 112)
Vai sumir, vocês vão ver. (P. 106) Vai sumir, vão ver. (P. 112)
_E trabalhem mais depressa[...] (p. 106) _E trabalhem depressa[...] (p. 113)
Bolachão encostou o cotovelo dele na porta e
ficou pensando. Tinha que achar uma ideia
para fugir, porque “a conjuntura era
problemática e as perspectivas sombrias”
como escreveu um comentarista de jornal
que eu li outro dia e que traduzido em
brasileiro, quer dizer: a coisa tá preta.
Deixou o pensamento solto, porque ideia boa
Bolachão encostou o cotovelo na porta e
deixou o pensamento solto porque ideia boa
não sai forçada; o primeiro pensamento que
saiu foi: (p. 114)
124
não sai forçada; o primeiro pensamento que
saiu foi: (p. 107)
[...] era divertimento bom saudável [...] (p.
108)
[...] era divertimento saudável [...] (p. 115)
[...] para ver esse tal de ácido dissolvente [...]
(p. 108)
[...] para ver esse ácido dissolvente [...]
(p. 115)
O gordo pensou três palavrões [...] deu uma
palmada na testa:
_Peguei-te! (p. 108)
O gordo cogitou três palavrões [...] deu uma
palmada na testa. (p. 115)
[...] e coisando coisando foi improvisando
[...] (p.110)
[...] e coisando foi improvisando [...] (p.117)
[...] limpou as manchas de sangue com um
pedaço de estopa e debruçou-se [...] (p.111)
[...] limpou as manchas de sangue e
debruçou-se [...] (p.119)
“Pombas, que quanto a.” (p.111) “Pombas, quanto a.” (p.119)
“Ô seu Bolacha, tu és uma besta! Nessas
letrinhas quem é que vai reparar se Campinas
tem s. Vai de Campina mesmo.” (P. 112)
“Ô seu Bolacha! Nessas letrinhas quem é que
vai reparar se Campinas tem s. Vai de
Campina mesmo.” (P. 119)
Deu umas parafusadas depressa - vai gordo
que nós tamos torcendo aqui! – e terminou.
Mas a afobação era muita e o bloco ficou
meio bambo [...] (p. 112)
Deu umas parafusadas depressa e terminou.
Mas a afobação era muita, o bloco ficou
meio bambo [...] (p. 119)
Lá na Fábrica de Figurinhas Escanteio [...]
(p. 113)
Na Fábrica de Figurinhas Escanteio [...]
(p. 120)
_Seu escrivão, urgente, mande uma patrulha
para a esquina da São João com a Duque de
Caxias, tá quebrando um pau firme! (p. 113)
_Seu escrivão, urgente, mande uma patrulha
para a esquina da São João com a Duque de
Caxias (p. 120)
O anão estava lá, dando ordens [...] (p. 115) O anão estava dando ordens [...] (p. 122)
O que é para ajudar os outros eu sempre faço,
sou diretor de uma associação de caridade. Já
ouviu falar da campanha “A Sobremesa do
Pobre”?
_Eu já – disse Pituca. _ Vi na televisão.
_Então fui eu que inventei, sou de opinião
O que é para ajudar os outros eu sempre faço,
temos que cooperar ativamente uns com os
outros para a edificação de um mundo
melhor, o senhor não acha? (p.125)
125
que nós industriais devemos usar uma parte
do nosso ganho ajudando os menos
favorecidos pela sorte. O senhor não acha? –
perguntou olhando para o Mister. (p. 117)
[...] cara de anão que não tem. Vocês não
percebem mas eu percebo, é a intuição
feminina, a gente vê a entre-coisa das coisas.
O Mister respeitava, muito, a intuição
feminina e porisso voltou patrás e entrou de
novo no escritório do anão. (p. 117)
[...] cara de anão que não tem.
O Mister respeitava a percepção de Berenice
e por isso voltou atrás e entrou de novo no
escritório do anão. (p. 124)
O helicóptero pulou e foi.
As seis da tarde, na Fábrica de Figurinhas
Escanteio, um empregado veio chamar seu
Tomé.
_ Seu Tomé, telefone da agência de Santos
para o senhor.
_Agência de Santos? Manda que liguem
amanhã, só recebo chamados que falem da
procura do gordinho.
_Está bem.
Dali a pouco o empregado voltava.
_Insiste em falar com o senhor. Diz que é
coisa de máxima urgência.
Seu Tomé atendeu e o empregado ficou de
lado.
_Alô, aqui é Tomé. Que você quer, Asdrúbal?
Hum, hum, sei, sei. Não me diga? Minha
Santíssima Trindade! Coitadinho do bom
menino, está lá embaixo, heim? Vou
providenciar já já.
Seu Tomé desligou e o empregado
perguntou:
_Que foi seu Tomé? Coisa grave?
O helicóptero pulou e foi. (p.125)
126
_Foi bom eu ter atendido, imagine que
quebrou um encanamento na agência e a
água está pingando bem em cima da cama do
filho do Asdrúbal, que está sem dinheiro para
consertar. Mande nosso encanador para
Santos. (p.119)
[...] lesse o seu recado [...] (p.120) [...] lesse o recado [...] (p. 126)
[...] era uma fotografia que o pai tinha tirado
[...] (p.120)
[...] era uma fotografia, tirada pelo pai [...]
(p.126)
E o chefe? Não ficou parado não, vinha mas
é do escritório trazendo um revorvão e, como
era calmo, descansou o braço na beira da
máquina para fazer a pontaria certinha na
cabeça do Mister. O gordo viu e veio
puxando o fio até ali e encostou a pontinha
descascada no cano do revólver: ixi, eta
faísca! e o chefe ficou bem torrado, porque
as lentes dos óculos dele ficaram preto-
carvão. Míope de óculos preto e que levou
choque é parada fácil e o gordo descontou o
completo troco todo da raiva engasgada [...]
(p.124)
E o chefe? Não ficou parado, vinha do
escritório com um revorvão e, como era
calmo, descansou o braço na beira da
máquina para fazer a pontaria certinha na
cabeça do Mister. O gordo viu e veio
puxando o fio até ali e encostou a pontinha
descascada no cano do revólver: ixi faísca!
As lentes dos óculos ficaram preto-carvão e a
pele do chefe assumiu um colorido de frango
assado. O gordo descontou o completo troco
todo da raiva engasgada [...] (p.133)
O Mister já estava um pouco cansado e o
peludão agarrou um golpe no pescoço dele
[...] (p. 124)
O Mister estava cansado e o peludão
agarrou-lhe um golpe no pescoço dele [...]
(p. 133)
[...] todo espichado _ que mergulho, seu! _ e
quando [...] (p.125)
[...] todo espichado e quando [...] (p.133)
_Olha Pituca, vai ter milagre mesmo, o gordo
está afetivo! Tá virando gente, seu. (p.126)
_Olha Pituca, vai ter milagre mesmo, o gordo
está afetivo! (p.136)
A ponta dum galhinho fino da jabuticabeira
enfiou no cabelo amarelo dele [...] (p. 129)
A ponta dum galhinho fino da jabuticabeira
enfiou no cabelo dele [...] (p. 139)
_Até logo Mister, o senhor é homem
garantido, e mostrou pra nós como homem
_Até logo Mister.
O Mister pôs a cabeça fora do helicóptero,
127
deve ser; a gente só tem uma vida e não pode
espediçar ela pra arquibancada, a gente tem
que ir direto, como sente no fundo de nós.
O Mister olhou uma última vez nos meninos
e disse, no seu português desengonçado, que
o Edmundo estava com a razão certa, eles
que crescessem e vivessem direto e sincero,
sem imitar os adultos que gastam a vida deles
na embromação e na badalação, repetindo
frases batidas feito macaco de repetição, e
por ricos que fiquem e por medalhas que
ganhem, esses adultos, na hora que a morte
chega perto, olham para dentro de si e
sentem o amargo de quem viu o fundo e o
fim dum saco vazio.
Apesar do barulho do motor do helicóptero,
os meninos ouviram e guardaram bem aquilo
que o Mister falou e então o Mister se
despediu e rematou: (p. 130)
olhou uma última vez os meninos, e falou
articuladamente para que o barulho do motor
não impedisse que fosse ouvido: (p.139)
128
O CANECO DE PRATA
Capítulos que constam apenas na primeira edição
O pai do gordo instalou na mansão um circuito fechado de TV.
A cozinheira parava um pouco de trabalhar e conversava com a copeira mas o pai do
gordo acendia uma luz vermelha na cozinha.
O gordo deu um cascudo na cabeça do irmãozinho e levou um pito pelo alto-falante.
O gordo reclamou que o pito era injusto mas o pai do gordo deu uma risada e passou o
VIDEO-TAPE do cascudo. (Capítulo 11)
FICHA TÉCNICA DO DODGE DART DO VIZINHO DO PAI DO GORDO
Oito cilindros V
198 HP
Suspensão independente com barras de torsão longitudinais – Feixe de molas semi-
elíptico
EQUIPAMENTO OPCIONAL: ar condicionado, luzes de emergência, espelho
retrovisor de controle remoto, direção hidráulica, barra estabilizadora, bancos
individuais (SEPARTED SEATS), conta-giros, vizinho do pai do gordo.
Desempenho: 0 a 100 Km em 12 segundo.
Toque máximo: 41, 5 mkg a 2.400 rpm (SAE)
Carburador duplo descendente
Consumo: 1 litro por 5 km (tanque de 62 litros) (Capítulo 13)
A festa do gordo estava uma festa genial.
Berenice morenava milagres e o movimento que o corpo fazia ela ser música.
O cabelo dela no ombro dela o cabelo dela o cabelo dela ah o cabelo dela no ombro dela
muito rapidamente.
A Berenice estava número um. (Capítulo 15)
Capítulos que constam apenas na primeira edição
O pai do gordo tomou doze litros de uísque, uivou grunhou relinchou e começou a fazer
papelão na festa.
Cuspiu numa tigela e gritou gol.
Fechou uma cigarra na geladeira e disse:
_AGORA DANCE!
Invadiu a cozinha e comeu um pastel.
Saiu correndo e deu um beijo na cozinheira.
A cozinheira dizia:
_Mas seu doutor que que é isso! Que que é iiisso seu doutor. A mãe do gordo assistia o
papelão do marido pelo circuito interno de TV.
Apertou um botão abriu um alçapão e o pai do gordo caiu no porão. (Capítulo 20)
o biquinha engraxou o sapato
e saiu em são paulo para ver
a berenice
129
nas frestas de asfalto ele subia
em cimento seu cheiro recente
de sabonete no peito dele pisando sapato camisa colorida
a menina linda cruzou a rua
e muitas meninas
lindas depressa de saia
são paulo era um sol prazeiroso
de sangue alegre (Capítulo 28)
Houve o dia das mães nas vitrines comerciais.
O marciano andava peripatético pelas ruas ouvindo musiquinha de mãe e entrou numa
saudade dinosaura da mãe dele azulzinha lá longe em Marte.
Na esquina da rua São Bento com a Praça Patriarca o marciano chorou uma lágrima azul
clara e gritou:
_MAMÃE! (Capítulo 33)
Capítulos que constam apenas na primeira edição
DIÁLOGO QUE NÃO HOUVE ENTRE A INGLESINHA HIPPIE E A BERENICE
(Não houve porque a Jane estava no sul e a Berenice em São Paulo mas se estivesse aqui
poderia ter havido)
JANE: Que que você faz no mar?
BERENICE: Eu nado e acho bom?
JANE: E que que você faz com o sol?
BERENICE: Eu recebo na pele e acho bom.
JANE: E que que você faz com a paisagem?
BERENICE: Eu vejo e acho bom.
JANE: Pois eu sou hippie e meu corpo tem uma intimidade maior com a matéria e as
coisas inanimadas. (Capítulo 36)
Das gentes populares, uns aprovam
A guerra com que a pátria se sustinha;
Uns as armas alimpam e renovam,
Que a ferrugem da paz gastadas tinha;
Capacetes estofam, peitos provam,
Arma-se cada um como convinha;
Outros fazem vestidos de mil cores,
Com letras e tenções de seus amores. (Capítulo 49)
130
(Capítulo 59)
a) Se você cuspiu você está recalcado demais. Sua agressividade é tão grande que
não consegue mais estravar-se através das vias normais de escape. Você está
prestes a explodir.
b) Pode ser também que você não tenha cuspido porque é bem educado demais.
Nesse caso meus parabéns.
c) Mas é possível que não tenha cuspido porque você é um QUADRADO.
d) Mais provavelmente você não cuspiu por inibição. Então, seu tímido, volte a
página e cuspa. Ainda é tempo de entrar para o time dos DISINIBIDÕES.
e) Se você cuspiu pode ser prova de uma espontaneidade feliz, mas também pode
ser prova de péssimo caráter.
f) Se o livro não é seu, mas do seu amigo, pode cuspir, mas limpe depois, se é que
tem a intenção de devolvê-lo. (Capítulo 60)
O pai do gordo mandou noventa mil secretárias botar endereços em oitocentos milhões
de votos de boas festas.
O PAI DO GORDO
DESEJA
A VOCÊ E SUA DISTINTA FAMÍLIA
OS
MELHORES VOTOS DE FELIZ NATAL
E FELIZ FELICIDADE
COMPLETA (Capítulo 61)
O pai do gordo mandou um cartão de votos de boas festas para a Jane nos pampas.
A Jane recusou-se a receber os votos de boas festas.
131
O carteiro insistiu e ela disse que não assinava o canhoto.
O pai do gordo falou:
_É absolutamente necessário que os votos de boas festas cheguem ao destinatário.
(Capítulo 62)
Então o pai do gordo contratou uma esquadrilha de doze helicópteros equipados com
fortíssimos amplificadores de som.
Os helicópteros pararam no ar pertinho do chão e transmitiram:
O PAI DO GORDO DESEJA A VOCÊ E SUA DISTINTA FAMÍLIA OS MELHORES
VOTOS DE FELIZ NATAL E FELIZ FELICIDADE COMPLETA.
Os hippies correram para suas guitarras elétricas e tentaram abafar a mensagem com a
música.
Mas não foi possível porque a mensagem já tinha sido repetida duas vezes antes deles
começarem a tocar e havia penetrado no cérebro deles. (Capítulo 63)
O dono dos helicópteros voltou a São Paulo e mostrou ao pai do gordo a radiografia do
cérebro dos hippies.
Acendeu a luz por trás da chapa e mostrou:
_A mensagem de BOAS FESTAS está aqui. Queiram ou não queiram ela está aqui.
O pai do gordo deu uma gorjeta grande. (Capítulo 64)
Edmundo está copiando uma colaboração na matriz, muito cuidadosamente, Cecília vai
tirando as folhas brancas dos pacotes e fazendo três maços de cem (o jornal terá cem
exemplares de três páginas) Valtinho coloca álcool – 96 graus –no orifício do
mimeógrafo em cima da mesa estão as colaborações – colaborações demais – a maioria
vai sobrar, Mariazinha lê uma colaboração sobre a bomba atômica e a angústia da
juventude, que que você acha Edmundo, porcaria, poesias, piadas, críticas de livros, vai
amassando, as colaborações são bolinhas que correm no chão entre os pés dos redatores
Edmundo xinga porque errou, estava na metade, tenho que começar outra matriz tudo de
novo tem aqui um artigo bom da Berenice sobre moda de verão, mas está um pouco
longo, ela pega o lápis e vai riscando, pronto, está razoável, toque toque, a máquina bate,
Valtinho começa a rodar a manivela do mimeógrafo e Cecília vai pegando e pondo numa
pilha, os quatro vão olhar o efeito da primeira página ainda úmida de álcool, Mariazinha
volta para o maço de colaborações, uma análise do Pequeno Príncipe, mas essa turma
não desconfia, meu Deus, craque craque, a análise do Pequeno Príncipe vira outra
bolinha, Edmundo está esperando na máquina para bater a segunda matriz, Mariazinha,
você é muito exigente, anda logo, tem ainda duas matrizes para fazer, então vá batendo
esse artigo de moda da Berenice enquanto eu procuro outro, chega o Ademar com o
gravador portátil, fiz uma entrevista com o coveiro do cemitério da Consolação, enterro
de crianças, sabe, poxa mas que idéia cavernosa. Ademar, liga esse troço aí, os cinco
sentam em volta do gravador, o Valtinho vai escrevendo, o Ademar vai voltando a fita
para ele escrever, as perguntas do Ademar, as respostas do coveiro, têm morrido muitas
crianças por causa de acidentes de trânsito, a voz do Ademar, o senhor acredita que o
uso obrigatório dos cintos de segurança vai melhorar a situação? Os quatro riem, mas
Ademar, essa não, que pergunta imbecil, nunca vi, como é que você me sai com uma
132
burrice dessas? (Capítulo 66)
Domingo no hospício é dia de visita. Então o filho do MM João Lambão foi visitá-lo e
levou uma caixa de bombom e o jornal do dia. Na sala de visita do hospício havia
rodinhas, em cada rodinha um louco estava conversando com a família ou com amigos.
O MM João Lambão comeu avidamente a caixa de bombom e leu as notícias
internacionais com um sorriso irônico. De vez em quando um enfermeiro forte passeava
de avental pela sala e dava umas paradas numas rodinhas para ouvir se tinha algum
louco (ou alguma visita) falando mal do hospício. O MM João Lambão ficou
observando o filho e disse:
_Meu filho, estou reparando que você está muito calmo e muito equilibrado.
_Sim – disse o filho – no meu boletim está escrito que eu estou muito calmo e muito
equilibrado.
O MM João Lambão deu uma gargalhada e falou:]
_Não se preocupe meu filho, isso é uma fase, eu também já tive isso uma vez. (Capítulo
68)
HISTORINHA DE SCIENCE FICTION QUE O ROBÔ CONTOU PARA O PAI DO
GORDO
Mister X inventou a máquina de viajar no tempo.
Mister X foi numa Faculdade de Direito e fez sua inscrição.
Mister X apertou um botão e chegou na festa de formatura. (Capítulo 69)
O marciano continuava na casa da Berê pensando coisas bonitas com bichos e com
flores.
Mas de repente pensou uma coisa feia.
O pai da Berenice gravou o pensamento feio do marciano no vídeo-tape.
Chamou o marciano no escritório, fechou a porta e disse:
_VEJA O QUE O SENHOR PENSOU!
O marciano foi expulso o da casa da Berê. (Capítulo 76)
A mãe do gordo ficou apaixonada por um MUSTANG SUPER ESPORTE que estava na
vitrine.
A mãe do gordo fugiu para o Uruguai com o MUSTANG SUPER ESPORTE.
Casaram-se em Montevidéu. (Capítulo 80)
O padre fez uma preleção antes de por as alianças:
_Que a senhora continue apaixonada por seu carro até o fim da vida.
Depois enfiou uma aliança no dedo da mãe do gordo e pendurou outra na antena do
MUSTANG.
O tocador cassete do MUSTANG SUPER ESPORTE tocava a marcha nupcial mas o
padre achou quadrado e trocou a fita.
O padre subiu na tampa do motor do MUSTANG e dançou um iêiêiê com a mãe do
gordo. (Capítulo 81)
A Berenice pegou de novo no telefone e ligou para a casa do leopardo.
Triiiiiim.
_Alô, aqui fala o...
_Leopardiiinhooo chaaatooo (Capítulo 84)
133
Depois de ter expulso o marciano da casa dele, o pai da Berenice chamou a filha no
escritório e falou:
_É proibido pensar coisa feia nesta casa, entendeu?
A Berenice deu um beijo no pai e falou:
_Graças a Deus, já imaginou se fosse obrigatório? (Capítulo 86)
O pai do gordo ficou na varanda da mansão ouvindo colibri.
Depois mandou o mordomo encher a piscina de gasolina.
Vestiu uma bermuda cor de cenoura e botou boiando na piscina um quadrado grande de
isopor.
Sentou-se no quadrado e ficou boiando.
Quando o quadrado de isopor chegou bem no centro da piscina o pai do gordo começou
a recitar poesia concretista em voz alta. (Capítulo 87)
O vizinho do pai do gordo assistia da janela os movimentos interessantes do pai do
gordo delirando no isopor concretista da piscina de gasolina.
Então pegou no gravador e ficou gravando barulho do motor do DODGE DART até
fazer uma fita estereofônica de duas horas.
Não deixava ninguém entrar no quarto de modo que a mulher ficou passando comidinha
por baixo da porta.
A mulher durante uma semana ouvia lá de fora o barulho RRRRRRRR dia e noite sem
parar. (Capítulo 88)
_Queridinho por favor desliga esse gravador.
_Não é o gravador, sou eu, faz dois dias que o gravador enguiçou.
_Mas queridinho, está um dia bonito, vamos levar nossos filhos n clube de campo.
O vizinho do pai do gordo deu uma buzinada. (Capítulo 89)
A
CASA CLARK
FOI NO
MAPPIN
E COMPROU UM
TUBO DE
TRIM (Capítulo 95)
PENSAMENTO RAPIDÍSSIMO DO PSICANALISTA QUANDO SEU CORPO ESTAVA A
DOIS METROS DA CALÇADA DA RUA SÃO LUÍS
Morrer é uma experiência que sempre serve para amadurecer a gente um pouquinho
mais. (Capítulo 103)
O filho do psicanalista ficou inconsolável com a morte do pai e chorava chorava
chorava.
A mãe estava com raiva do Jorginho ter sido tão safado e mandou o filho parar de
chorar.
_Meu filho, os imorais e os mulherengos não merecem ser pranteados!
O filho levantou a cara do braço e falou:
_Mãe, vá, deixa eu chorar, afinal de contas PAI SÓ MORRE UMA VEZ. (Capítulo 104)
Poeminha da pílula
Antigamente
134
a turma dizia: farei tudo
para ser
muito muito muito
feliz
Hoje
a gente se contenta
em dizer:
Graças a Deus que eu nasci! (Capítulo 105)
Capítulos que constam apenas na 2ª edição
O professor Giovanni fez voltar atrás o vídeo-tape, botou na câmera lenta, perscrutou,
analisou, procurando encontrar um defeito no Biquinha, que permitisse à defesa de evitar
seus dribles inimagináveis.
Depois de oito horas de estudo o professor Giovanni, despenteado e pálido, jogou o sapato
na televisão.
_Se o Biquinha jogasse no meu time eu seria o ítalo-brasileiro mais feliz do mundo,
porém, como ele não joga, eu sou o ítalo-brasileiro MAIS DESGRAÇADO!
Levantou da poltrona, foi na cozinha, abriu a geladeira, tomou um copo dágua com açúcar,
e pensou:
_Que que é isso Giovanni, afinal eu venci na vida, sou diretor de colégio, tenho bens
imóveis, um terreno na Praia Grande, sou respeitado, ganhei sete Canecos. Caneco! Que
que adianta os outros sete? EU QUERO ESSE DESSE ANO! (Capítulo 54)
Domingo no hospício é dia de visita. Então o filho do MM João Lambão foi visitá-lo e
levou uma caixa de bombom e o jornal do dia. Na sala de visita doo hospício havia várias
rodinhas, em cada rodinha um louco estava conversando com a família ou com os amigos.
O MM João Lambão comeu avidamente a caixa de bombom e leu as notícias
internacionais com um sorriso irônico. De vez em quando um enfermeiro forte passeava de
avental pela sala e dava umas paradas em umas rodinhas para ver se tinha algum louco (ou
alguma vista) falando mal do hospício. (Capítulo 56)
O REPORTER JOVEM penetrou no recipiente do Hospício, com a finalidade de
entrevistar o MM João Lambão, munido de seu inestimável gravador portátil, eis que a
sentença do MM João Lambão havia feito enorme sucesso na redação, parecendo o
advento de outro ídolo da juventude.
REPORTER JOVEM: Oi, bicho! Tua sentença, joia, entendes, tua jóia-sentença foi uma
tranza, curtimos ela paca, poxa, que tu pensas, né? O maior BARATO encucado
bacaninha que eu desbaratinei. Jóia!
MM JOÃO LAMBÃO: Si vous voulez parler français, quand même, allez y, mon pot,
mais l‟africain je ne le comprends pas, je suis pas Scipion moi. Pétard!
REPORTER JOVEM: Corta essa bixo, que grilo que tu botou na sociedade e consumo,
que que tu pensa, essa tranza toda, o conflito de gerações, esses desbunde, esse
transbunde, vidramos na ligação, que que tu pensa? Entendeste?, Né? Eu, né, prá fala a
verdade, tô noutra, não tenho diálogo com meus pais. Cê entendeu?
MM JOÃO LAMBÃO: Eu, da minha parte, tenho que, em primeiro lugar, criança que
não respeita o pai deve levar uma cacetada deeeeeste tamanho. (E, dizendo isto, o MM
João Lambão pegou no ancinho do jardineiro do hospício e rachou a cabeça do
REPÓRTER JOVEM, da qual saiu um disco de música pop, um slide de azeite de dendê,
135
e mais nada.) (Capítulo 71)
Conforme constava do programa, o professor Giovanni iria ler, para o time, durante o
almoço, trecho de grande vulto da literatura nacional, para arejar o espírito. Naquele dia,
porém, optou por fazer um resumo de importante obra de autor italiano, melhor dizendo,
Os Noivos de Alessandro Manzoni.
_Meus alunos e caros atletas, Renzo Tramaglini queria casar-se com Lúcia Mondella,
moravam à beira do lago de Como, no Piemonte, sendo que, naquele tempo, por não ser
ainda o macarrão conhecido no norte da Itália, comiam polenta. As magníficas paisagens
manzonianas, os pequenos caminhos costeando as montanhas, o reflexo do crepúsculo
sobre o lago. É o Manzoni, meninos. Don Abbondio, o padre do lugar, iria esposá-los,
mas Don Abbondio, um ricão que morava em um palácio, cismou de gostar da Lucia,
pobre camponesa, embora bela, apostou com um primo que a conquistaria, mandou dois
capangas ameaçarem Don Abbondio, assim diz Manzoni, não era tão valente quanto o
Princípe de Condé, o qual dormira profundamente na véspera da batalha de Rocroi, e,
sendo covarde, contou o caso para a perpétua , sua empregada, que, atilada, aconselhou-o
a fingir-se de doente, com o que teria uma desculpa para dilatar o casamento; mas Renzo
acaba por descobrir a razão, parlamenta com Agnese, mãe de Lucia Mondella, procura
um advogado, o Doutor Azzeca-garbugli, buscando proteção legal, inutilmente, pois o
tratante do Azzeca-gabugli era amigo cortesão de Don Rodrigo. Que fazer? Eis que surge
Frei Cristoforo, que os protege, prepara-lhes a fuga, Renzo para o Bergamasco, Lucia
para Milão, sob a custódia de Gertrude, a Abadessa de Monza, e Don Rodrigo pede a
ajuda ao Inominado, um bandoleiro, mais poderoso do que ele, e o Inominado rapta
Lucia da Abadia, leva-a trêmula e chorosa para o seu castelo, com o fito de, na manhã
seguinte, entregar a presa a Don Rodrigo. Aí acontece o milagre, aquele homem rude, o
Inominado, que cometera centenas de crimes, sem pestanejar, à vista daquela frágil
donzela, passa noite a remoer-se por dentro e, na manhã seguinte, acorrendo ap Cardeal
Frederico Borromeo, homem ilustre (e a conversão do Inominado pelo Cardeal Frederico
Borromeo é um fato histórico), confessa seus pecados, muda de vida, liberta Lucia, a
qual havia feito um voto, e vem a peste, que peste!, meus meninos e atletas, jamais autor
nenhum descreveu uma peste com a beleza e realismo do Manzoni, a peste cujo contágio
fora talvez facilitado pela guerra e pelos soldados vindos da Germânia, aquelas guerras
que se faziam, vocês sabem, naquele tempo, por caprichos e coisas de família,
infelizmente não tínhamos na Itália ainda um Cavour para pensar e um Garibaldi para
lutar, pois se a nossa escola primária leva o nome de Garibaldi do Cambuci, é justamente
para que, no campo de futebol, na grande final, vocês lutem com o sentido de honrar a
combatividade do guerreiro da unidade itálica, com técnica sim, mas com aguerrimento,
nada de delicadezas, DURO NAS DIVIDIDAS! Bom apetite. (Capítulo 75)
Capítulos que constam apenas na última edição
O professor Giovanni fez um curso de intensivo de LEITURA RÁPIDA.
Pegou o exemplar de Os Miseráveis de Vitor Hugo e leu as 1.200 páginas em dois minutos.
No jantar, Filomena demorou uma hora e meia para contar uma briguinha que houve na
feira.
O professor Giovanni foi roendo as unhas, roeu todas as unhas, roeu a mesa, roeu a cadeira e,
quando a Filomena colocou ponto final, o professor Giovanni falou:
_Esse negócio de leitura rápida torna o casamento uma coisa INSUPORTÁVEL. (Capítulo
21)
136
O Biquinha, o Edmundo e o Pituca passeavam na Chácara de Guaratinguetá comendo uns
doces que a Mariazinha, a Sílvia e a Berenice tinham mandado pelo correio.
Chegaram perto de um canteiro de rosas e o Biquinha falou:
_Na final vamos dirigir o jogo todo pela direita porque o lateral esquerdo deles é uma sopa.
Acontece que dentro de uma rosa havia um microfone colocado pelo professor Giovanni.
O professor Giovanni ouviu aquilo e matriculou na escola dele um menino uruguaio que era
melhor lateral esquerdo infantil do mundo.
Mandou o uruguaio quebrar a perna do Biquinha, assim que começasse o jogo, na primeira
bola dividida.
O professor Giovanni, usando um boneco como cobaia, mostrou ao menino uruguaio como
se quebra a perna do adversário numa dividida, de modo que o juiz ache que foi um lance
natural. (Capítulo 53)
O representante do Brasil na ONU convocou uma ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES
UNIDAS e falou: _Vocês dos Estados Unidos e da Europa sempre nos trataram como
CRETINOS. Não há nenhum fundamento cientifico para os Estados Unidos e a Europa
estarem lá em cima do mapa do mundo e a América do Sul aqui em baixo.
O marciano foi ouvido como testemunha e falou:
_Eu sei bem porque vejo lá de Marte. A Terra é uma bola. Não tem lugar de cima nem de
baixo. A Europa está lá em cima porque desenhou o mapa primeiro que os outros.
O representante do Brasil pegou o mapa do mundo pregado na parede, virou de cabeça par
baixo e falou:
_AGORA É ASSIM!
O gordo estava numa excursão indo para a Disneylândia.
O avião dele teve que fazer meia-volta. (Capítulo 55)
As meninas da escola Três Bandeiras foram passar uma tarde em Guaratinguetá para dar uma
força ao time.
Chegaram a Berenice, a Mariazinha, a Sílvia, a Flávia, a Adriana, a Gisele e a Naja.
Puseram a fita no toca-fitas, em volume bem alto, e, no meio das árvores, dançaram o Balé
Quebra-Nozes.
Os meninos aplaudiram e atiravam flores sobre as dançarinas.
Quando terminou, o Griegori se animou e dançou dança russa.
O Anderson fez sapateado.
O Biquinha dançou um tango com a Berenice.
O professor Giovanni, através dos microfones instalados, ouviu aquilo muito interessado e
falou:
_Não tinha pensado nisso. Mulherada pra divertir o time na concentração. Fui muito burro,
achei que tinha pensado em tudo.
Telefonou para a Itália e mandou trazer um caminhão carregado de meninas. (Capítulo 61)
O aquário do gordo
Tinha três peixões
Então a Berenice comprou
Vinte peixinhos
Pequenininhos
137
Que só andam
Juntinhos
Pra baixo
Pra cima
Parado
Pra frente
Pra trás
Em diagonal
De cabeça pra baixo
De marcha a ré
O gordo riu
Desmaiou de alegria! (Capítulo 68)
Como a TELEVISÃO continuava ignorando o psicanalista ele mandou publicar uma matéria
paga em todos os jornais dizendo que ia se suicidar às 17 horas se jogando do alto do
EDIFÍCIO ITÁLIA.
O psicanalista compareceu pontualmente ao compromisso.
Mas nenhum canal de televisão foi, com que o doutor Jorginho achou que estava provado
que sua vida não tinha mais sentido.
Ele não tinha nascido para ser anônimo.
Então se jogou lá de cima. (Capítulo 76)
O gordo ligou para a polícia do Paraguai. O delegado de lá falou que o disco voador tinha
sido roubado pelo Esquadrão da Morte e levado para Assunção contendo 40 quilos de
cocaína e 2 presuntos.
Em um segundo o disco voador estava no jardim do gordo. O marciano despediu-se e como
lembrança da Terra (este curioso planeta) levou 1 quilo de paçoca feita em casa e uma
goiabada cascão.
O disco subiu e deu uma raspada no para-choque dum satélite americano novinho. Os
Estados Unidos multaram o marciano.
O embaixador de Bruzunganga acusou os Estados Unidos de ganância, incivilidade e
prepotência espacial. (Capítulo 84)
O gordo telefonou para o CABO KENNEDY, via Embratel.
Mandou chamar o Warner Fon Bron.
_Alô, Warner, você tem alguma maquininha aí que faz um time grosso ganhar de um time
bão? (Capítulo 85)
Capítulos presentes apenas nas duas primeiras edições
Mas o vizinho da mansão do gordo tinha um fusca e o pai do gordo esnobava a
grandiosidade do LTD branco hidramático dele.
O fusca do vizinho entrava rápido e nervoso na garagem e o LTDezão entrava suave como
um transatlântico.
O pai do gordo descia devagar do LTD e o vizinho descia depressinha do fusca.
O vizinho ficou com ódio.
138
Então comprou um DOGDE DART e o pai do gordo ficou espiando escondido atrás da
cortina o DODGE DART entrar na garagem. (Capítulo 6/6)
Ia acontecer o ANO NOVO.
_Filomena, me avisa quando for meia-noite.
_Meia-noite, Giovanni.
O professor Giovanni acendeu o rojão e ficou olhando da janela o foguete explodir.
_Me desculpa Giovanni, eu errei, ainda falta cinco minutos. mas não faz mal Giovanni,
toma esse outro rojão que você solta na hora do ano novo.
O professor Giovanni deu um pontapé na cadeira e gritou:
_Agora num adianta mais Filomena! Já perdeu a graça Filomena. Tem umas coisinhas
que se a gente não faz na hora certa ESTRAGA A FESTA DA GENTE (Capítulo 26/ 22)
A mulher do psicanalista ficou desesperada porque o marido a tinha largado pela sueca.
Foi visitar o pai e falava:
_Papai papai o Jorginho quem diria, quem diria papai, o Jorginho era um marido tão bom.
O pai estava sentado na poltrona com os pés em cima de um banquinho. Acendeu o
cachimbo, deu duas bufadas e falou:
_Esse Jorginho nunca me enganou. Pra mim sempre foi um chato. (Capítulo 75/ 62)
O enfermeiro passava de novo entre as rodinhas e um louco meio badalão ofereceu ao
enfermeiro uma laranja que a mulher tinha trazido na visita. O enfermeiro tirou do bolso
um canivete dourado e muito pequeno e ficou descascando e calmamente a laranja e
depois chupou, tirou o lenço do bolso, limpou as mãos, agradeceu, e nesse momento
ouviu a gargalhada do MM João Lambão.
O enfermeiro andou até a poltrona onde estava sentado o MM João Lambão (o filho
estava sentado no braço da poltrona) e ficou ali parado algum tempo para ver se o MM
João Lambão estava falando mal do hospício.
O MM João Lambão fingiu que estava assobiando e, embora fosse um homem acostumado
às grandes situações, naquele momento sentiu um pouco de aflição. Depois o enfermeiro
afastou-se e sumiu suas costas numa porta.
O MM Lambão colocou a mão no ombro do filho e disse:
_EU DETESTO O OLHARZINHO BOVINO DOS EQUILIBRADÕES! (Capítulo 90/69)
A sueca foi fazer compras e o psicanalista descobriu na gaveta dela um mosquito e um
código cifrado.
Decifrou o código cifrado e descobriu que sueca era espiã russa.
Mas a sueca pegou no disco voador e fugiu para Moscou. O psicanalista subiu no último
andar do EDÍFICIO ITÁLIA para se suicidar.
Antes, porém, tomou um CINZANO na TERRAZZA MARTINI. (Capítulo 99/ 79)
O psicanalista continuava tomando um CINZANO na TERRAZA MARTINI que fica no
último andar do EDIFÍCIO ITÁLIA.
Balançou o gelinho no copo e pensou:
_Eu gostaria de tomar MARTINI na TERRAZA CINZANO, ou, melhor ainda, um
NEGRONE na TERRAZZA CAMPARI.
O psicanalista saiu correndo da mesa deu um salto espetacular e quebrou-se em mil
pedacinhos na calçada da rua São Luís. (Capítulo 100/80)
O gordo ouviu o relatório dos clientes e recostou na poltrona girante de plástico musgo.
Tomou um ar penseroso e tocou a campainha para o mordomo trazer uma laranjada.
Depois mandou encher a piscina de Crush e continuou pensando.
O gordo estava muito executivo.
Berenice achou admirável o jeito do gordo tomar laranjada pensando. (Capítulo 111/88)
139
O gordo falou que primeiro ia resolver a queixa do marciano.
Não tomou Phantom.
Preferiu Mirage e numa noite escura derrubou cinco Migs e aterrissou numa plantação de
batata perto de Moscou.
Rastejou rastejou e chegando em Moscou pegou o disco voador e trouxe de volta para o
Brasil. (Capítulo 112/89)
Consta na segunda e última edição
Na Chácara de Guaratinguetá havia mangueiras, abios, cambucás, banana ouro, cabeludinha,
zebu, guzerá, capim gordura, pássaro preto, azulão, canário da terra, martim pescador, e, pela
manhã, quando cada jogador abria sua janela, avistava a serra da Mantiqueira, tudo
esplêndido e agradável.
Depois de alguns exercícios, iam em alegre companhia tomar leite no curral trado na hora, o
qual bebiam com grande prazer. (Capítulo 50/49)
Alterações no conteúdo do texto
1ª edição (1971) pela Obelisco 2ª edição (1973) pela
Obelisco
17ª edição (2008) pela
Global Editora
CARTA DA INGLESINHA
Nossa querida amiga
Estou atravessando o mapa do
Brasil na direção do sul mas os
índios vendo que eu sou loira
não desconfiam que sou
inglesa e acham que sou
brasileira. O leopardo verde vai
bem, coitado, outro dia estava
com fome e comeu um
prefeito, embora a imprensa
local tenha visto nisso um ato
de protesto. Eu por mim vou
indo andando e respirando
porque bom é ter pé ter braço
ter perna e a felicidade é uma
fajutice.
Beijos da
Jane
CARTA DA INGLESINHA
Nossa querida amiga
Estou atravessando o mapa
do Brasil na direção do sul
mas os índios vendo que eu
sou loira não desconfiam
que sou inglesa e acham que
sou brasileira. O leopardo
verde vai bem, coitado,
outro dia estava com fome e
comeu um prefeito, embora
a imprensa local tenha visto
nisso um ato de protesto.
Beijos da
Jane.
CARTA DA INGLESINHA
Querida Berê
Estou atravessando o mapa
do Brasil na direção do sul
mas os índios vendo que eu
sou loira não desconfiam que
sou inglesa e acham que sou
brasileira. O leopardo verde
vai bem, coitado, outro dia
estava com fome e comeu
um prefeito, embora a
imprensa local tenha visto
nisso um ato de protesto.
Beijos da
Jane.
Querida Jane
Agora estou namorando o
Biquinha aquele que te falei
que joga no time. Ele é capitão
do time e também bonito paca.
Eu morro de rir com as coisas
que ele fala. Está fazendo uns
dias bonitos aqui e ontem eu vi
o Opala do marciano na estrada
de Santos. Não se preocupe
Querida Jane
Agora estou namorando o
Biquinha aquele que te falei
que joga no time. Ele é
capitão do time e também
muito bonito. Eu morro de
rir com as coisas que ele
fala. Está fazendo uns dias
bonitos aqui e ontem eu vi o
Opala do marciano na
Querida Jane
Agora estou namorando o
Biquinha aquele que te falei
que joga no time. Ele é
capitão do time e também
muito bonito. Eu morro de
rir com as coisas que ele
fala. Está fazendo uns dias
bonitos e ontem eu vi o
Opala do marciano na
140
que eu nunca ficarei folclórica.
Deus me livre. O Godofredo,
lembra daquele altão que joga
no gol? Pois ele me deu três
discos do JIMI HENDRIX.
Com as caixas acústicas novas
que eu comprei fica uma coisa.
Beijão da
Berê
estrada de Santos. O
Godofredo, lembra daquele
altão que joga no gol? Pois
ele me deu quatro Sinfonias
de Brahms. Prefiro a
segunda. E você? Hoje vou
sair com o Biquinha em São
Paulo, é o nosso primeiro
encontro, marcamos às três
horas em frente da Igreja da
Consolação; estou contando
os minutos e os segundos.
Beijão da
Berê
estrada de Santos. O
Godofredo, lembra daquele
altão que joga no gol? Ele
está perdidamente
apaixonado pela professora.
Na Inglaterra tem disso?
Hoje vou sair com o
Biquinha em São Paulo, é
nosso primeiro encontro,
marcamos às três horas em
frente da Igreja da
Consolação; estou contando
os minutos e os segundos.
Beijão da
Berê
Em frente da Escola Primária
Três Bandeiras há uma
lanchonete acrílica com um
balcão vermelho, e um toldo
amarelo cobre as mesas em
cima da calçada. Ali, depois
das aulas, depositando os
cadernos no balcão ou nas
mesas nas, os alunos bebem
refrescos e comem hots.
_Operário não entra em
lanchonete – disse a Berenice.
– Por que será que operário
não gosta de lanchonete?
_Eu acho que operário não
operário não gosta de cachorro
quente com mostarda – disse o
Biquinha.
O garçom de uniforme amarelo
ia trazendo mais hots e mais
refrescos e o Biquinha estava
sentado para trás com os pés
em cima da mesa. Chegaram o
Edmundo, a Cecília, o gordo, o
Eduardo, o Godofredo e o
Ademar. Então reuniram duas
mesas vermelhas para caber
todo mundo. Em frente deles
estava parado o Corcel do
diretor da escola, muito bem
lavado, e no meio da rua o
guarda de trânsito ia parando o
trânsito para as crianças
atravessarem a rua e entrarem
Igual ao da primeira edição Em frente à escola Três
Bandeiras há uma
lanchonete com balcão
vermelho e um toldo
amarelo cobrindo as mesas
da calçada.
Ali, depois das aulas,
depositando os cadernos no
balcão ou sobre as mesas, os
meninos e as meninas
tomam refrigerantes, sucos e
sorvetes ou comem
hambúrgueres.
A turma foi chegando: o
gordo, a Berenice, o
Edmundo, o Pituca, o Zé
Tavares, a Sílvia, a
Mariazinha, a Adriana, a
Gisele, o Godofredo e os
outros.
O garçom ia e voltava
servindo os pedidos.
Reuniram três mesas para
caber todo mundo. Em frente
deles o Corcel da professora
Jandira, muito bem lavado e
lustrado, e, no meio da rua, o
guarda de trânsito ia parando
o trânsito para as crianças
atravessarem.
O gordo pôs uma meleca
embaixo da mesa e falou:
_O lado de baixo da mesa foi
inventado para colocar
141
na lanchonete. O gordo pôs
uma meleca no lado de baixo
na mesa e falou:
_O lado de baixo da mesa foi
inventado para colocar meleca.
_A professora de matemática
está namorando com o noivo
da professora de inglês – disse
a Cecília.
_Não _ disse o Biquinha. _ Eu
acho que é a professora de
inglês que está noivando com o
namorado da professora de
matemática.
A Berenice ria e todos riam
mas a Mariazinha disse:
_Gostei mais da graça do
gordo, muito mais fina.
_Claro – disse o Godofredo –
nós fazemos graças grossas e o
gordo faz magras graças.
O garçom deu uma gargalhada
e foi contar a graça para o dono
da lanchonete. O dono da
lanchonete deu uma
gargalhada. O diretor da escola
entrou no Corcel e abriu-se
uma brecha no meio-fio na
frente das mesas entre um
Galaxie e um caminhão. Por
entre a brecha, do outro lado da
calçada, a gente via as crianças
rirem. O gordo olhava
apaixonadamente para a
Berenice. Então arrancou uma
folha do caderno espiral e
escreveu: EU GOSTO MAIS
DE VOCÊ DO QUE DA
AMÉRICA DO SUL.
A folha do caderno foi
passando de mão em mão e a
lanchonete tremia de tanta
gargalhada. A Cecília enfiou o
cotovelo na mesa e soltava
lágrimas de tanto rir.
_Esse gordo tem cada ideia.
A Mariazinha proclamou
novamente a superioridade do
gordo.
_O gordo é mais espirituoso
meleca.
O garçom achou aquilo uma
verdade profunda e foi
contar para o dono da
lanchonete.
O Biquinha conversava com
o Edmundo, o Pituca e o
Godofredo sobre o
campeonato. Estava
preocupado porque a escola
Garibaldi do Cambuci tinha
campo com medidas-padrão,
ginásio coberto para treinar
em dias de chuva, e todos os
aparelhos para
aperfeiçoamento físico. A
escola Três Bandeiras não
tinha nada, só um
espaçozinho cimentado para
os alunos ficarem durante o
recreio.
_Vamos treinar no Ibirapuera
de manhã – falou Edmundo
– Meu tio empresta a Kombi
dele.
_Eu fico apitando para
marcar o ritmo – falou
Mariazinha.
_Eu levo os sucos para vocês
tomarem depois dos
exercícios – falou Sílvia.
A professora Jandira saiu da
escola, atravessou a rua e foi
andando na direção do
Corcel. O Godofredo era
apaixonado pela professora
Jandira e ficou olhando a
andadinha dela enquanto o
sorvete derretia.
O Corcel saiu e abriu-se uma
brecha no meio-fio entre um
Gálaxie e um caminhão. Por
entre a brecha, do outro lado
da rua, a gente vias as
crianças rirem e
conversarem.
Enuqnto o Godofredo olhava
o Corcel da professora
Jandira sumir no horizonte, o
gordo olhava a Berenice.
142
que todos vocês.
O Biquinha fez um sorriso
superior e respondeu:
_È, mas eu sou mais bonito
que o gordo.
Ficaram todos olhando para a
resposta que o gordo ia dar e o
gordo ficou olhando o pé do
Biquinha, pensando. Então
falou:
_ Não me ocorre no momento
nenhuma resposta espirituosa.
Todo mundo ria e pediam mais
refrescos e todo mundo que
passava na calçada olhava o
riso delirante das crianças em
flor. O garçom ia e vinha
contando as graças para o dono
da lanchonete. O Edmundo
levantou-se, subiu na mesa e
falou:
_Gordo, nós vamos fazer um
minuto de silêncio para você
meditar bastante e achar uma
resposta espirituosa.
Foi feito o silêncio, o
Edmundo marcava os segundos
no seu relógio e o garçom (que
era baiano) ficou parado sem
se mexer e prestando muita
atenção na cara do gordo.
Um segundo
Dois segundos
Três segundos
Quatro segundos
Cinco segundos
O guarda também prestava
atenção e esqueceu de pedir
um documento
Seis segundos
Sete segundos
Uma menina muito bonita
passou de bicicleta na frente da
lanchonete
Oito segundos
Nove segundos
Dez segundos
Então uma mocinha,
terrivelmente aflita com aquela
falta de barulho,
Pegou uma folha de caderno
espiral e escreveu:
EU GOSTO MAIS DE
VOCÊ DO QUE DO
BRASIL
A folha do caderno espiral
foi passando de mão em mão
até a Berenice. O garçom leu
por cima do ombro do Pituca
e foi contar para o dono da
lanchonete.
Pituca olhou para o
Godofredo e falou:
_E você, você gosta mais da
professora Jandira do que o
quê?
Godofredo pediu um minuto
de silêncio para pensar na
resposta.
Todo mundo ria e pedia mais
refrescos e mais sucos e todo
mundo que passava na
calçada olhava o riso
delirante das crianças em
flor.
Biquinha apertou o
cronômetro e começou a
contagem de um minuto para
o Godofredo achar a
resposta.
Houve um silencia enorme;
todos olhavam para a cara do
Godofredo.
Um segundo
Dois segundos
Três segundos
Quatro segundos
Cinco segundos
O guarda também prestava
atenção e esqueceu de pedir
um documento.
Seis segundos
Sete segundos
Uma menina muito bonita
passou na frente da
lanchonete.
Oito segundos
Nove segundos
Dez segundos
Então uma mocinha,
143
desesperadamente abriu uma
janela do décimo andar do
arranha-céu e gritou:
VAMOS PARAR COM ESSE
SILÊNCIO! VOCÊS TÃO
PENSANDO QUE ISSO
AQUI É A ÁFRICA? (Capítulo
7)
terrivelmente aflita com
aquela falta de barulho,
desesperadamente abriu uma
janela do décimo andar do
arranha-céu e gritou:
VAMOS PARAR COM
ESSE SILÊNCIO! VOCÊS
TÃO PENSANDO QUE
ISSO AQUI É A ÁFRICA?
(Capítulo 6)
Nesse momento um pernilongo
deu uma ferrada no braço do
marciano e o marciano
espantou-o com um tapa. O
psicanalista deu um pulo e
falou:
_Não tente me agredir! Olhe
que eu chamo uma viatura!
(Capítulo 17)
Nesse momento um
pernilongo deu uma ferrada
no braço do marciano e o
marciano espantou-o com
um tapa. O psicanalista deu
um pulo e falou:
_Não tente me agredir! Olhe
que eu chamo uma viatura!
(Capítulo 14) Parte retirada
na última edição do capítulo
13
REUNIÃO DO ESQUADRÃO
DA MORTE
Machão n. º 1: Eu sou
MACHO.
Machão n. º 2: Eu também sou
MACHO.
Machão n. º 3: Eu sei karatê.
CORO DOS MACHÕES:
Vamos matar todo mundo que
pensa coisa feia.
Machão n. º 1: Vocês já
limparam suas metralhadoras?
CORO DOS MACHÕES: Sim
meu irmão.
Machão n. º 1: E bala dum-
dum?
CORO DOS MACHÕES: Sim
meu irmão. (Capítulo 31)
REUNIÃO DO
ESQUADRÃO DA MORTE
Machão n. º 1: Eu sou
MACHO.
Machão n. º 2: Eu também
sou MACHO.
Machão n. º 3: Eu sei karatê.
CORO DOS MACHÕES:
Vamos matar todo mundo
que pensa coisa feia.
Machão n. º 1: Vocês já
limparam suas
metralhadoras?
CORO DOS MACHÕES:
Sim meu irmão.
Machão n. º 1: E bala dum-
dum?
CORO DOS MACHÕES:
Sim meu irmão. (Capítulo
27)
REUNIÃO DO
ESQUADRÃO DA MORTE
Machão n. º 1: Eu sou
MACHO.
Machão n. º 2: Eu também
sou MACHO.
Machão n. º 3: Eu sei caratê.
CORO DOS MACHÕES:
Vamos desinfectar o Brasil
dessa raça de vagabundos.
Nada de ficar dando
comidinha na prisão pra
esses cearenses e esses
negrinhos.
Machão n. º 1: Vocês já
limparam suas
metralhadoras?
CORO DOS MACHÕES:
Sim, meu irmão.
Machão n. º 1: E bala dum-
dum?
CORO DOS MACHÕES:
Sim, meu irmão. (Capítulo
26)
2ª REUNIÃO DO
ESQUADRÃO DA MORTE
(à beira de uma rodovia
predeterminada)
Machão nº2: Quem é a sombra
2ª REUNIÃO DO
ESQUADRÃO DA MORTE
(à beira de uma rodovia
predeterminada)
Machão nº2: Quem é a
2ª REUNIÃO DO
ESQUADRÃO DA MORTE
(à beira de uma rodovia
predeterminada)
Machão nº2: Quem é a
144
que se aproxima?
Relações Públicas do
Esquadrão da Morte: Sou eu e
trago notícias. Há um problema
no Rio Grande do Sul.
Machão nº3: Quais são as
coordenadas?
O Relação Públicas do
Esquadrão da Morte abre o
mapa e desenha a latitude e a
longitude do problema. Depois
entrega um papel dobrado
escrito assim:
tem uma inglesinha chamada
Jane
O Machão nº1 enfia o papel no
casacão bonito de couro
grosso. (Capítulo 37)
sombra que se aproxima?
Relações Públicas do
Esquadrão da Morte: Sou
eu e trago notícias. Há um
problema no Rio Grande do
Sul.
Machão nº3: Quais são as
coordenadas?
O Relação Públicas do
Esquadrão da Morte abre o
mapa e desenha a latitude e
a longitude do problema.
Depois entrega um papel
dobrado escrito assim:
tem uma inglesinha
chamada Jane
O Machão nº1 enfia o papel
no casacão bonito de couro
grosso. (Capítulo 43)
sombra que se aproxima?
Relações Públicas do
Esquadrão da Morte: Sou eu
e trago notícias. Há um
problema no Rio Grande do
Sul.
Machão nº3: Quais são as
coordenadas?
O Relação Públicas do
Esquadrão da Morte abre o
mapa e desenha a latitude e a
longitude do problema.
Depois entrega um papel
dobrado escrito assim:
tem uma estrangeira que
tirou fotografias da gente
levando automóvel roubado
para o Paraguai
O Machão nº1 enfia o papel
no casacão bonito de couro
grosso. (Capítulo 36)
O marciano andava aborrecido
por terem explodido o Opala
dele e resolveu ir ao Teatro
Municipal para assistir uma
peça de Shakespeare.
O Teatro Municipal é aquele
que fica em frente ao Mappin.
A Berenice ficou com pena e
levou o marciano para morar
na casa do tio dela.
Na hora da janta o marciano
limpou a travessa com miolo
de pão e o pai da Berenice
passou um pito no marciano.
_Tenha modos, seu azulzinho!
A Berenice entrou com ação na
Justiça para anular o pito que o
pai dela passou o marciano.
(Capítulo 45)
O marciano andava
aborrecido por terem
explodido o Opala dele e
resolveu ir ao Teatro
Municipal para assistir uma
peça de Shakespeare.
O Teatro Municipal é aquele
que fica em frente ao
Mappin.
A Berenice ficou com pena e
levou o marciano para morar
na casa do tio dela.
Na hora da janta o marciano
limpou a travessa com miolo
de pão e o tio da Berenice
passou um pito no marciano.
_Tenha modos, seu
azulzinho!
A Berenice entrou com ação
na Justiça para anular o pito
que o tio dela passou o
marciano. (Capítulo 40)
O marciano andava
aborrecido por terem
explodido o Opala dele e
resolveu ir ao Teatro
Municipal para assistir uma
peça de Shakespeare.
O Teatro Municipal é aquele
que fica em frente ao
Mappin.
A Berenice ficou com pena e
levou o marciano para morar
na casa do tio dela.
Na hora da janta o marciano
limpou a travessa com miolo
de pão e o tio da Berenice
passou um pito no marciano.
_Tenha modos, seu
azulzinho!
A Berenice entrou com ação
na Justiça para anular o pito
que o tio dela passou o
marciano. (Capítulo 39)
A senhorita Berenice propôs a
presente Ação Anulatória de
Pito com a finalidade de anular
o pito que o senhor pai dela
passou no marciano por ter
limpado o molho da travessa
com miolo de pão. Foram
A senhorita Berenice propôs
a presente Ação Anulatória
de Pito com a finalidade de
anular o pito que o senhor
tio dela passou no marciano
por ter limpado o molho da
travessa com miolo de pão.
A senhorita Berenice propôs
a presente Ação Anulatória
de Pito com a finalidade de
anular o pito que o senhor tio
dela passou no marciano por
ter limpado o molho da
travessa com miolo de pão.
145
ouvidas cinco testemunhas e
juntados aos autos uma
travessa e um miolo de pão. Os
doutos advogados debateram
brilhantemente o processo.
Este é o relatório. Decido:
Este senhor pai da Berenice é
uma besta quadrada. Pô. O
advogado do pai da Berenice é
outro imbecil. O marciano está
certo, é muito mais
democrático todos limparem
seus miolos na mesma
travessa. Esta educação
hipócrita de SALA DE
JANTAR é responsável por
todos os crimes e guerras da
humanidade. A sala de jantar
tem que ser um templo de
alegria para a gente dar
gargalhadas altíssimas, dar
garfadas monstruosas na
travessa, dar murros na mesa
de satisfação, jogar a comida
pela janela quando estiver ruim
(batendo o pé e vaiando) e que
quando estiver boa deve ser
comida para lambuzar até as
orelhas, e deve ser sobretudo
um lugar para a gente cantar
canções alegres na sobremesa e
muitos abraços com a mão
LAMBUZADA que deixem
marcas de molho de carne nas
costas de nossos amigos. Dito
isto Anulo o Pito. O Pito está
Anulado para todos os Efeitos.
Fu para os quadradões! Fu para
os fedorentos!
Assinado: João Lambão
JUIZ DE DIREITO (Capítulo
46)
Foram ouvidas cinco
testemunhas e juntados aos
autos uma travessa e um
miolo de pão. Os doutos
advogados debateram
brilhantemente o processo.
Este é o relatório. Decido
Este senhor titio da Berenice
é uma besta. O advogado do
titio da Berenice é outro
imbecil. O marciano está
certo, é muito mais
democrático todos limparem
seus miolos na mesma
travessa.
A sala de jantar tem que ser
um templo de alegria para
que cada um dê gargalhadas
altíssimas, garfadas
monstruosas na travessa,
murros na mesa de
satisfação, jogue a comida
pela janela quando estiver
ruim (batendo o pé e
vaiando) e que, quando
estiver boa, deve ser comida
para lambuzar até as orelhas,
e deve ser sobretudo um
lugar para cantarmos
canções alegres na
sobremesa e muitos abraços
com a mão LAMBUZADA
que deixem marcas de
molho de carne nas costas
de nossos amigos. Dito isto
Anulo o Pito. O Pito está
Anulado para todos os
Efeitos o Pito. O Pito está
Anulado para todos os
Efeitos. Fu para os
empedernidos! Fu para os
fedorentos!
Assinado: João Lambão
JUIZ DE DIREITO
(Capítulo 41)
Foram ouvidas cinco
testemunhas e juntados aos
autos uma travessa e um
miolo de pão. Os doutos
advogados debateram
brilhantemente o processo.
Este é o relatório.
Decido
Este senhor titio da Berenice
é uma besta. O advogado do
titio da Berenice é outro
imbecil. O marciano está
certo, é muito mais
democrático todos limparem
seus miolos na mesma
travessa.
A sala de jantar tem que ser
um templo de alegria para
que cada um dê gargalhadas
altíssimas, garfadas
monstruosas na travessa,
murros na mesa de
satisfação, jogue a comida
pela janela quando estiver
ruim (batendo o pé e
vaiando) e que, quando
estiver boa, deve ser comida
para lambuzar até as orelhas,
e deve ser sobretudo um
lugar para cantarmos
canções alegres na
sobremesa e muitos abraços
com a mão LAMBUZADA
que deixem marcas de molho
de carne nas costas de
nossos amigos. Dito isto
Anulo o Pito. O Pito está
Anulado para todos os
Efeitos o Pito. O Pito está
Anulado para todos os
Efeitos. Fu para os
empedernidos! Fu para os
fedorentos!
Assinado: João Lambão
JUIZ DE DIREITO
(Capítulo 40)
O psicanalista continuava
dando volta na Terra de disco
voador.
O psicanalista continuava
dando volta na Terra de
disco voador.
O psicanalista continuava
dando volta na Terra de
disco voador.
146
Quando passava em cima do
mapa do Brasil avistava a
coluna do ESQUADRÃO DA
MORTE caminhando para o
sul.
Desceu no mapa da Suécia
para comprar um maço de
cigarro e trouxe uma sueca de
biquíni dentro do disco.
Quando a mulher do
psicanalista viu a sueca de
biquíni sentada na copa falou:
_Esse Jorginho eu acho que ele
anda com alguma necessidade
de afirmação. (Capítulo 47)
Quando passava em cima do
mapa do Brasil avistava a
coluna do ESQUADRÃO
DA MORTE caminhando
para o sul.
Desceu no mapa da Suécia
para comprar um maço de
cigarro e trouxe uma sueca
de biquíni dentro do disco.
Quando a mulher do
psicanalista viu a sueca de
biquíni sentada na copa
falou:
_Esse Jorginho eu acho que
ele anda com alguma
necessidade de afirmação.
(Capítulo 42)
Quando passava em cima do
mapa do Brasil avistava a
coluna do ESQUADRÃO
DA MORTE caminhando
para o sul.
Desceu no mapa da Suécia
para comprar um maço de
cigarro e trouxe uma sueca
de biquíni dentro do disco.
Quando a mulher do
psicanalista viu a sueca de
biquíni sentada na copa
falou:
_Esse Jorginho, já não chega
disco voador, você ainda
quer sueca?
_Estou realizando minhas
fantasias mas ainda falta a
principal.
_Qual é?
_Dar entrevista na televisão.
(Capítulo 41)
A Berenice desconfiou e
combinou com o Biquinha uma
coisa.
De noite tocou telefone para o
Biquinha e o agente secreto
botou o gravador na linha.
A Berenice escovava
barulhentamente os dentes do
lado de cá e do lado de lá o
Biquinha fritava uma sardinha.
Havia um fundo musical de
JIMI HENDRIX do lado da
Berê e um de ROLLING
STONES do lado do Biquinha.
O agente secreto adorou a
gravação e deu de presente
para o filho dele no
aniversário. (Capítulo 51)
A Berenice desconfiou e
combinou com o Biquinha
uma coisa.
De noite tocou telefone para
o Biquinha e o agente
secreto botou o gravador na
linha.
A Berenice escovava
barulhentamente os dentes
do lado de cá e do lado de lá
o Biquinha fritava uma
sardinha.
Havia um fundo musical de
BÉLA BARTÓK do lado da
Berê e um de GUSTAV
MAHLER do lado do
Biquinha.
O agente secreto adorou a
gravação e deu de presente
para o filho dele no
aniversário. (Capítulo 45)
A Berenice desconfiou e
combinou com o Biquinha
uma coisa.
De noite tocou telefone para
o Biquinha e o agente
secreto botou o gravador na
linha.
A Berenice escovava
barulhentamente os dentes
do lado de cá e do lado de lá
o Biquinha fritava uma
sardinha.
Havia um fundo musical de
BÉLA BARTÓK do lado da
Berê e um de GUSTAV
MAHLER do lado do
Biquinha.
O agente secreto adorou a
gravação e deu de presente
para o filho dele no
aniversário. (Capítulo 44)
Letra da música de gozação
que a Mariazinha fez para o
Maracanã cantar na hora do
OLÉ
Giovani não é mais aquele
Que-que a gente faz com ele?
(Capítulo 56)
Letra da música de
provocação que a
Mariazinha fez para o
Maracanã cantar na hora
do OLÉ
Giovani não é mais aquele
Que-que a gente faz com
Letra da música de
provocaçãoque a
Mariazinha fez para o
Maracanã cantar na hora do
OLÉ
Giovani não é mais aquele
Que-que a gente faz com
147
ele? (Capítulo 51) ele? (Capítulo 50)
O professor Giovanni comprou
o vídeo-tape dos últimos jogos
do Três bandeiras e ficou
estudando uma tática para
ganhar deles na final.
Conforme o professor
Giovanni ia vendo as jogadas
do Godofredo e do Biquinha ia
se assustando.
O Biquinha fez uma jogada
espetacular no vídeo-tape.
O professor Giovanni deu um
tiro na televisão. (Capítulo 58)
O professor Giovanni
comprou o vídeo-tape dos
últimos jogos do Três
bandeiras e ficou estudando
uma tática para ganhar deles
na final.
Conforme o professor
Giovanni ia vendo as
jogadas do Godofredo e do
Biquinha ia se assustando.
O Biquinha fez uma jogada
espetacular no vídeo-tape.
(Capítulo 53)
O professor Giovanni
comprou o vídeotape dos
últimos jogos do Três
bandeiras e ficou estudando
uma tática para ganhar deles
na final.
Conforme o professor
Giovanni ia vendo as
jogadas do Godofredo e do
Biquinha ia se assustando.
O Biquinha fez uma jogada
espetacular no vídeotape.
(Capítulo 52)
_Outro dia eu quase virei o
barco – disse o pescador –
muito vento, o tempo correu
ruim, e a água contra, não do
vento leste que vem por aqui
assim, mas do noroeste que
vem assim por fora.
A Jane estava deitada no barco
e depois de pensar bastante
falou:
_A onda. É a própria onda do
vento que faz. (Capítulo 91)
_Outro dia eu quase virei o
barco – disse o pescador –
muito vento, o tempo correu
ruim, e a água contra, não do
vento leste que vem por aqui
assim, mas do noroeste que
vem assim por fora.
A Jane estava deitada no
barco e depois de pensar
bastante falou:
_A onda. É a própria onda
do vento que faz. (Capítulo
70)
_Outro dia eu quase virei o
barco – disse o pescador –
muito vento, o tempo correu
ruim, e a água contra, não do
vento leste que vem por aqui
assim, mas do noroeste que
vem assim por fora.
A Jane estava deitada no
barco e depois de pensar
bastante falou:
_A onda. É a própria onda
do vento que faz.
Como um Juiz de Direito foi
internado no Hospício, a
coisa foi muito comentada
na cidade.
Os repórteres das televisões
e dos jornais foram fazer
uma ENTREVISTA
COLETIVA com o MM João
Lambão, que estava sentado
num banco, embaixo da
jabuticabeira do Hospício.
O dono do Hospício fez o
regulamento da
ENTREVISTA COLETIVA.
Art. 1º Só será admitida uma
pergunta. Não se trata de
uma pergunta por cada
repórter. Os repórteres
escolherão uma
representante para fazer uma
pergunta só, que deve ser
isenta e serena.
Art. 2º O MM. João Lambão
não poderá responder à
148
pergunta. (Capítulo 69)
A Berenice e a Mariazinha
acharam bom de irem pedir
uma idéia ao gordo para ver se
resolvia o problema do time de
futebol.
E o marciano leu no jornal a
morte do psicanalista e ficou
com esperança de recuperar o
disco voador que haviam
roubado dele.
Resolveu ir na mansão do
gordo pedir uma idéia também.
O GORDO ACHOU
GOSTOSO SER BADALADO
JUNTO POR TANTA GENTE.
(Capítulo 110)
A Berenice e a Mariazinha
acharam bom de irem pedir
uma idéia ao gordo para ver
se resolvia o problema do
time de futebol.
E o marciano leu no jornal a
morte do psicanalista e ficou
com esperança de recuperar
o disco voador que haviam
roubado dele.
Resolveu ir na mansão do
gordo pedir uma idéia
também.
O GORDO ACHOU
GOSTOSO SER
BADALADO JUNTO POR
TANTA GENTE. (Capítulo
87)
A Berenice, a Mariazinha e a
Sílvia resolveram pedir
ajuda ao gordo para resolver
o problema do time de
futebol.
Encontraram o marciano
vendendo churrasquinho na
praça da Sé e o levaram
também.
O gordo estava sentado junto
à piscina tomando uma
laranjada.
Sentaram em volta do gordo
e contaram os problemas.
O gordo falou que primeiro
ia tentar recuperar o disco
voador do marciano.
(Capítulo 83)
Inscrição que a Mariazinha fez
no degrau de cimento do
Maracanã
Meu grande amor terá que ser
assim meio Pão de Açucar
Tucuruvi Nescafé fazer
filhinho também ainda não
achei meu Super Mouse ver o
sol nascer por trás da
margarida (Capítulo 122)
Inscrição que a Mariazinha
fez no degrau de cimento do
Maracanã
Meu grande amor terá que
ser assim meio Pão de
Açucar Tucuruvi Nescafé
fazer filhinho também ainda
não achei meu Super Mouse
ver o sol nascer por trás da
margarida (Capítulo 99)
INSCRIÇÃO QUE A
MARIAZINHA FEZ NO
DEGRAU DE CIMENTO
DO MARACANÃ
o mingal do professor
Giovanni acabou (Capítulo
94)
151
SANGUE FRESCO
Alteração de um termo ou expressão ou troca de pronome.
1ª edição pela Editora Obelisco (1982) Última edição pela Editora Global (2005)
_O pai do gordo tem quarenta e cinco anos e
a mãe do gordo tem trinta e seis. Nove anos
de diferença, igual eu. (p. 48)
_Meu pai tem quarenta e cinco anos e minha
mãe tem trinta e seis. Nove anos de
diferença, igual eu. (p. 35)
Pegavam troncos caídos, ou galhos grossos,
iam serrando [...] (p.135)
Pegaram troncos caídos, ou galhos grossos,
iam serrando [...] (p. 100)
Os dois apareceram para Berenice, Hugo e
Pituca, trazendo os despojos do combate:
quatro carabinas Remington, quatro
revólveres Smith and Wesson, munição e
cinturões.
_Não trouxemos mantimentos – falou o
gordo – Era muita coisa para carregar. Desde
o princípio fiz questão que fôssemos leves.
(p. 132)
As crianças aproveitaram os despojos do
combate: quatro carabinas Remington e
bastante munição, uma boa ajuda para caçar
e matar a fome dali para a frente.
_Não levaremos mantimentos – falou o
gordo – É muita coisa para carregar. Desde o
princípio fiz questão que fôssemos leves.
(p. 98)
_Achamos os cossacos mortos pela impuca.
Foram assassinatos, tinha sinal de facão.
(p.145 )
_Achamos os cossacos mortos pela impuca.
Isso com certeza foi arte do gordo. (p.109)
O cheiro de um prefeito, gesticulante,
fazendo discurso num palanque, em Alagoas,
foi descomputado, mas fez o satélite ter
engulho.
“Como fede esse Brasil” – pensou o satélite
espião. (p.148)
O cheiro de um prefeito, gesticulante,
fazendo discurso num palanque, foi
descomputado, mas fez o satélite ter engulho.
“Como fede esse Brasil” – pensou o satélite
espião. (p.111)
Alterações em que houve supressão ou síntese do texto original
1ª edição pela Editora Obelisco (1982) Última edição pela Editora Global (2005)
Não teve tempo de terminar a frase [...]
Os que não tinham morrido direito foram
rapidamente degolados por Edmundo e
Bolachão, que surgiram da floresta, enfiando faca
no que sobrava dos russos.
_Pronto – falou Bolachão – Esses aí vão dançar
balalaika e cantar otichórnia no quinto dos
infernos.
Não teve tempo de terminar a frase [...]
Não teve tempo de terminar a frase [...]
Tinha acontecido o seguinte [...] (p. 97)
152
(p. 131)
O mavioso canto do uirapuru se fez ouvir na
floresta.
O gordo pegou a carabina, deu um tiraço, o
uirapuru.
_ Era só o que faltava – disse o gordo –
Uirapuru. Minha mãe tem um disco, feito por
um alemão desses, que gravou o canto desse
passarinho palerma; quando chega visita em
casa ela põe na vitrola, uma tortura
psicológica, e vem me perseguir até na
Amazônia! Tá pensando o quê?
_Sabe de uma coisa, gordinho – falou a
Berenice – Vou te fazer uma surpresa.
(p.140)
_Um dia eu mato esse Torquato – disse o
gordo – Bicho tapado, vive remedando a
gente fala.
_Sabe de uma coisa, gordinho – falou a
Berenice – Vou te fazer uma surpresa.
(p.105)
Alterações em que houve acréscimo ao texto original
1ª edição pela Editora Obelisco (1982) Última edição pela Editora Global (2005)
[...] se agacharam e ficaram de tocaia, os
facões na mão.
Quando os cossacos passaram [...] (p. 132)
[...] se agacharam e ficaram de tocaia, os
facões na mão.
_Você tem certeza de que eles vão passar
exatamente aqui? – falou Pituca.
_ Lógico – disse o gordo – Onde a gente
passou eles estão passando atrás. São
profissionais.
Quando os cossacos passaram [...] (p. 98)
[...] Tome o mapa aqui.
Michael Pat entrou no Phanton [...] (p. 149)
[...] Tome o mapa aqui.
Michael Pat encostou a mão na asa do
Phanton, olhou para o chão, olhou para Ship
O‟Connors e perguntou:
_Chefe, será que a gente pode com esse
gordo?
_Sua pergunta é inútil – disse Ship
O‟Connors – Até as paredes sabem que o
gênio sou eu.
Michael Pat entrou no Phanton [...] (p. 112)
153
O LIVRO DA BERENICE
Alterações em que houve acréscimo ao texto original
1ª edição (1984) Editora Parma Última edição (2006) Editora Global
[...] Esse negócio de contar me atrapalha, é
meu defeito, sempre passei colando nos
exames de matemática.
_Fazer uma boa cola é complicado – disse o
mordomo- Fiz uma cola tão caprichada para
passar no vestibular que, na hora, não
consegui decifrar. Por isso sou mordomo, não
ganhei diploma.
_É que você não usa saia – falou o frade – As
mulheres e os frades sempre foram
beneficiados com a cola. Aqui, nas dobras da
minha batina, cabe uma enciclopédia, em
tiras e tiretas. (p.24)
[...] Esse negócio de contar me atrapalha, é
meu defeito.
_Eu também sou ruim de matemática – disse
o Abreu _ Fiz uma cola tão caprichada para
usar no vestibular, mas na hora não consegui
decifrar, por isso não passei.
_Se você fosse frade passava – disse o frade.
_As dobras da batina são muito práticas para
esconder cola, cabe uma enciclopédia em
tiras e tiretas.
_Quem vê você falar fica achando que você
sempre passou colando – disse o Abreu.
_Tive vontade – disse o frade. – Sempre tive
vontade, mas como é pecado não colei.
_Já sei – disse o Abreu. – Só olhou por cima
do ombro do que estava na frente.
_Não- disse o frade. _ Eu só colo em coisa
que pode, recitar missa, falar reza. (p.26)
Frade João agarrou o grego pelo colarinho e
começou a sacudi-lo:
_Seu verme! Seu pulga! Então é você que faz
esse macarrão sem farinha de trigo, que só
tem química e corantes? Quase me matou de
dor de barriga! Não tem vergonha? Vou te
torcer o pescoço como se faz a um frango.
O chapéu panamá caiu da cabeça de
Papoulos Scripopulos e a cara do grego ia
ficando branca, sem sangue, o pescoço
apertado nas mãos do frade.
O pai do gordo teve que usar muita
diplomacia para convencer o frade a largar o
pescoço do grego. (p. 54)
Frade João olhou com certo desprezo para o
grego e falou:
_Uma vez comi o seu macarrão. Não tem
farinha de trigo e esta cheio de química e de
corantes.
O grego ficou vermelho de raiva e falou:
_Eu acho que frade não tem nada a ver com
macarrão. Negócio de frade é rezar, não tem
nada na Bíblia que fale de macarrão. Jesus
Cristo nunca falou de macarrão.
Com muita suavidade o frade falou:
_Você está falando comigo com um tom de
voz desagradável. Não gosto que ninguém
alargue a voz comigo.
Frade João sorria, mas o seu olhar penetrante
fez o grego empalidecer. Papoulos
Scripopulos empalideceu, olhou no relógio,
falou que estava atrasadíssimo para o
dentista, fez meia-volta e foi embora
depressinha. (p. 54)
154
Todos os folhetos de propaganda,
distribuídos aos compradores, impressos em
papel de primeira e com fotografias coloridas
mostrando a delícia da vida à beira-mar,
traziam o lema da imobiliária escrito em
verde e amarelo:
NÃO VENDA O BRASIL – COMPRE-O
(p. 56)
Os folhetos de propaganda da Marinha-
Mathias eram impresso em papel de
primeira. Desses papéis grossos, cheirosos, e
tinham fotografias coloridas mostrando as
delícias da vida à beira-mar.
A Barraca Mathias, colocada no lado direito
da praia vendia lagostas, camarões,
sardinhas, e, naturalmente, muita cerveja,
cerveja sem parar, incrivelmente gelada, e
também champanhe francês para quem
quisesse. A duzentos metros da praia havia
um Shopping Center, que também chamava
Mathias, com ar condicionado a 16 graus, e,
ao lado, uma casa noturna que varava as
madrugadas tocando um som adoidado.
(p.55)
_Nessas minúcias de guerra e de
espionagem, alemão é o melhor do mundo.
São perfeitos. Tudo que eles fazem dá certo.
A única coisa que não aprenderam até agora
foi ganhar uma guerra.
_É porque os outros reagem, chefe.
_Deve ser por isso. (p.60)
_Nessas minúcias de espionagem os alemães
são muito bons – disse Mathias. – Eles têm
um amor pelos detalhes e um ótimo senso de
observação.
_Sem dúvida – falou Papoulos Scripopulos. –
Basta ver que mesmo nos filmes de guerra
que os americanos fizeram os espiões
alemães são espertos.
_O inimigo reconhece – falou Mathias.
(p.59)
_O jogo de futebol está estragando o
gramado – falou a mãe do gordo – Vou
proibir.
_Não seja uma idiota repressora – disse o
mordomo.
_Que mordomo atrevido! – exclamou a mãe
do gordo – Acho que vou evaporar, vou
sumir, esse mundo está muito virado. (p.61)
Como jogavam sempre ali, o gramado tinha
ficado meio pisado e bastante amarelo
naquele pedaço.
Depois do João Bobo, onde o Biquinha deu
um drible da vaca no Zé Tavares, ficaram
vendo quem fazia mais embaixada. O Abreu
não conseguia mais de duas seguidas, falou
que era por causa do sapato apertado, tirou o
sapato mas não adiantou nada, ficou pior
porque foi dar um chute e quebrou a unha do
dedo do pé. (p.60)
_Imagine. Essa Berenice da Fonseca resolve
ser gênio na minha casa, se aboleta aqui, faz
acampamento aqui, toda tarde, por causa
desse livrinho, e agora cisma de comemorar
o aniversário aqui. Já se viu?
_Não é culpa dela, bem – falou o pai do
O pai do gordo entrou na cozinha e veio
ajudar a fazer os pratos salgados.
_Eu adoro este clima de festa – falou dona
Celeste. _Levanta o astral da gente.
_ Nosso filho teve uma boa ideia de fazer a
festa da Berenice aqui – disse o pai do gordo.
155
gordo – Foi o Bolacha quem ofereceu. A
Berenice mora num apartamento pequeno,
não ia caber tanto convidado.
A mãe do gordo continuou protestando e
fazendo doce, protestando e fazendo bolo, no
que se revelava melhor que muita mãe aí que
só protesta e não faz nada. (p.93)
– No apartamento dela não ia dar, é muito
pequeno, só dois quartos.
_Você já esteve lá, Marcelo? – perguntou
dona Celeste.
_Não, mas passei em frente, fica na rua
Fradique Coutinho – disse o pai do gordo.
(p.92)
_Resolveu o problema com o diretor da
Funai que estava prejudicando os índios? –
perguntou Mariazinha.
_Resolvi sim. Atirei ele no Amazonas mas as
piranhas acharam carne dele ruim. Tive que
pôr um molho de pimenta no diretor da Funai
para elas comerem. Mesmo assim tiveram
indigestão. Me arrependi. Diretor da Funai
polui mais o rio Amazonas do que mancha de
petróleo. (P. 96)
_Resolveu o problema com o agente do
governo que foi demarcar as terras dos
índios? – perguntou Mariazinha.
_Deixei os índios resolverem- disse o frade –
Não gosto muito de interferir no sistema dos
índios, eles têm o sistema deles.
_Qual foi o sistema deles?
_Amarraram o agente do governo em cima
de um formigueiro e deram um papel para ele
assinar – disse o frade. (P. 94)
[...] o que o outro já sabe.
As meninas foram jogar voleibol no
gramado.
Nadia sacava Jornada nas Estrelas e Simone
sacava Viagem ao Fundo do Mar. (p. 100)
[...] o que o outro já sabe.
_Você viu, chefe? – falou Mathias. – A flor
preferida da Berenice é o rodocentro. Eu
acho isso decepcionante. Devia ser rosa. Eu
acho rosa muito melhor.
_É que você é uma besta, Mathias – falou
Papoulos Scripopulos. – A Berenice tem
razão, nada se comparar à excepcional e
fulgurante beleza das flores purpúreas e por
vezes alvíssimas do rodocentro.
As meninas foram jogar voleibol no gramado
.(p.96)
Alterações em que houve supressão ou síntese do texto original
1ª edição (1984) Editora Parma Última edição (2006) Editora Global
Vou escrever um manual sobre as mil
utilidades de uma batina. As mulheres são
fascinadas por uma batina. Ela veste o
personagem. (p. 26)
Vou escrever um manual sobre as mil
utilidades de uma batina. (p. 27)
Desceu ao andar térreo, tomou a refeição
matinal, a mãe continuava discutindo com o
pai, tentando convencê-lo de que a Berenice
O gordo esquentou e manobrou o Mercedes
do pai [...] (p. 32)
156
não prestava.
Esquentou e manobrou o Mercedes do pai
[...] (p. 30)
_Obrigado, frade.
_A gente deve dizer obrigada quando se é
mulher – corrigiu Silvia.
_Nunca! – exclamou o frade – Isso são
besteiras linguísticas. É como dizer meio-dia
e meia. Uma vez eu rachei a cabeça de um
sujeito porque ele disse que era meio dia e
meia.
_Está vendo – falou Berenice para Silvia _
Você me força a escrever meio-dia e meia.
Vou corrigir de novo e botar meio-dia e meio.
Isto quando a Alice fala. Agora, quando são
“eles” que falam “eles” vão dizer meio-dia e
meia. É típico vocabulário “deles”.
_A professora Jandira obriga a gente a
escrever meio-dia e meia – falou Pituca.
_Deve ser um péssimo caráter essa
professora – falou o frade.
Godofredo deu uma pedrada no frade e partiu
de soco para cima dele. (p.50)
_Obrigada – falou Mariazinha.
_ Me diga uma coisa – disse o frade. – Você
ainda gosta desse menino que é apaixonado
pela professora?
_Infelizmente – falou Mariazinha. _ A gente
não pode controlar essas coisas.
_Ela é bonita mas tem um caráter duvidoso _
disse o frade. – Não digo que a professora
Jandira seja ruim, tem qualidades, mas não
resiste às tentações, o diabo faz o que quer
com ela.
Godofredo deu uma pedrada no frade e partiu
de soco para cima dele. (p.50)
A mãe do gordo providenciou a medicação,
protestando:
_A mania de meu filho de ter estes monstros
dentro de casa. O próximo que ele morder eu
jogo esse cachorro no rio Tietê.
_Bom – disse o frade [...] (p.52)
A mãe do gordo foi buscar esparadrapo, água
oxigenada, gaze, algodão e mercurocromo,
fez uma limpeza na ferida, aplicou a
medicação e depois a deixou protegida.
(p.52)
_Esse mordomo entende muito bem os seus
direitos mas não quer saber dos seus deveres
– disse a mãe do gordo.
_Isso é uma frase feita que está escrita na
cabeça de cada patrão – respondeu o
mordomo.
A mãe do gordo gritou:
_Marcelo! Não suporto mais as
impertinências dessa figurinha. Despeça-o se
for homem!
O pai do gordo tomou mais uma dose de
uísque e permaneceu num mutismo
eloquente. (p.64)
_Esse mordomo entende muito bem os seus
direitos mas não quer saber dos seus deveres
– disse a mãe do gordo. (p.62)
Dizendo isso, largou o volante, abraçou Dizendo isso, largou o volante, abraçou
157
Godofredo e deu-lhe um beijo na boca.
Godofredo via arco-íris, via a Via Láctea,
agradecia ao Criador.
O beijo foi tão chupado que a Jandira engoliu
um dente de leito do Godofredo, que estava
meio bambo.
“Pô” – pensou Jandira – “Namorar criança dá
nisso, a gente acaba engolindo dente de
leite.” (p. 86)
Godofredo e deu-lhe um beijo estalado na
bochecha.
Foi um beijo pressionado e estalado que
deixou batom dos lábios da Jandira marcando
a forma dos lábios dela na bochecha do
Godofredo. (p.86)
O gordo andava pelo meio da festa, distraído,
sem prestar atenção em nada. O Mister
chegou nele e falou:
_Descobri a morte de seus peixes. É o
mordomo, aquele ali, cabeludo e de tênis.
Sou testemunha. Vi e filmei. Tenho o vídeo-
cassete no bolso, ele destramelando o
termostato.
_Como entrou em casa? – perguntou o
mordomo, tremendo.
_Me disfarcei de pai do gordo – falou o
Mister – sou perfeito em disfarces. O gordo
negou mil e duzentos para você e você se
vingou.
_O que é pouco cristão – disse o frade. Pena
que esse mordomo seja tão simpático, sinão
eu dava uma surra nele já. É impossível ter
raiva dele. Tem gente que nasce assism: vive
fazendo besteira e ninguém castiga. Já outros
levam uma vida impecável, como anjos, e na
primeira besteirinha o mundo se levanta
contra eles.
_É como esse tal de Henry, o correspondente
filatélico do gordo- falou o Mister – Sempre
foi bom cidadão, ótimo pai, esposo
amantíssimo, herói de guerra, ajudava os
pobres, só assassinou uma velha e eu prendi.
E recuperei o selo da velha no quarto do
gordo.
Tirou do bolso o One Penny Black do gordo
e mostrou.
O gordo ficou acabrunhado. Num dia só
perder os peixes e o selo de sua vida! O
Mister deu um tapinha nas costas do gordo e
_E o namoro com esse gordo – disse o
Mister. – Como vai?
_Total! – falou Berenice.
_O gordo é a criança mais inteligente que eu
vi na minha vida – disse o Mister.
_Dá pro gasto – falou Pituca.
_Você veio só para o meu aniversário ou
aproveitou para descobrir algum mistério
aqui no Brasil? – perguntou Berenice.
_Vim para o seu aniversário – disse o Mister.
– Mas como estava aqui aproveitei e
desvendei um crime na alta sociedade de São
Paulo.
_Foi difícil? – perguntou Pituca.
_Foi tão fácil que nem deu para comemorar –
disse o Mister. – o marido tinha picado a
mulher em pedaços e entrerrado no jardim.
_Você está falando português sem sotaque
[...] (p. 96)
158
falou:
_Vamos lá, heia, ânimo seu gordo. A vida
não é só feita de selos e peixes. A vida é uma
aventura diversificada.
Você está falando português sem sotaque...
(p.99)
Alcides estava irresistível.
_Olha lá – disse a mãe do gordo – Olha lá a
cigana da Berenice. Já está toda risonha, se
desmanchando para aquele Alcides. Eu disse
para você, Marcelo, a Berenice não presta.
O pai do gordo parou de tocar o contra-baixo
e falou:
_Acho que você tem razão desta vez eu te
dou razão. A Berenice está conversando
muito pertinho do Alcides.
_E estão entrando no bambuzal de mãos
dadas.
O gordo também observava aquilo.
_Hoje perdi peixe, perdi selo, mas a Berenice
é que não! – exclamou o gordo.
O gordo pegou o afiadíssimo cortador de
papel [...] (p.101)
Alcides estava irresistível.
O gordo pegou o afiadíssimo cortador de
papel [...] (p.97)
_Misturar cuspe com cuspe, beijar homem –
disse o gordo – Eu, heim? (p. 109)
_Eu, hein? (p.104)
Alteração de um termo ou expressão ou troca de pronome.
1ª edição (1984) Editora Parma Última edição (2006) Editora Global
_Só se você não ficar de recuperação –
respondeu Jandira – Não caso com
vagabundo. E tira a mão do meu joelho seu
sem-vergonha, tem gente olhando.
Mister John Smith Peter Tony aterrissou o
helicóptero azul no gramado. (p.98)
_Só se você não ficar de recuperação –
respondeu Jandira – Não caso com
vagabundo.
Mister John Smith Peter Tony aterrissou o
helicóptero azul no gramado. (p.95)
_Ainda não me acostumei com esse monstro.
Cada vez que o vejo levo um susto. Essas
manias do gordo, cachorros caríssimos,
peixes caríssimos, selos caríssimos, a crise
econômica está aí, Marcelo, se a gente fica
pobre de repente esse menino não vai se
adaptar. Ele pede dinheiro e você: tó.
_E você quer que eu faça o que, meu bem? –
perguntou o pai do gordo.
_Marcelo, o nosso filho está gastando demais
com esse cachorro, ontem eu paguei a conta
do Pet Shop, uma loucura. E ele está
gastando desordenadamente. Acho que
devemos começar com a mesada semanal,
nem mais um centavo. Estudos psicológicos
provam que a mesada semanal é essencial
para a formação do cérebro da criança. Dá
uma noção de previsão, de ordem, de uma
159
_É preciso instituir a mesada semanal – falou
a mãe do gordo – Tanto por semana, nem
maus um centavo, isto prepara para o futuro.
_Quem pensa muito no futuro, acaba
esticando ele de verdade e compra um
túmulo – disse o pai do gordo.
_Você é um imbecil, Marcelo – falou a mãe
do gordo.
_A psicologia ensina que os pais não devem
ter cenas na frente dos filhos – disse o pai do
gordo.
_Então eu te dou um bofetão quando o gordo
sair _falou a mãe do gordo.
_Isto é mais científico – concordou o pai do
gordo. (p.9)
hierarquia de gastos.
O pai do gordo pensou um pouco e falou:
_Li outros estudos psicológicos que dizem
que a mesada semanal cria uma antecipação
desnecessária do mundo adulto e interfere
negativamente na liberdade imaginativa.
_Então estamos empatados – disse a mãe do
gordo.
_Vamos tirar no par ou ímpar – disse o pai do
gordo.
_Par – disse dona Celeste.
_Ímpar – disse o doutor Marcelo.
Atiraram as mãos fechadas para a frente e
abriram. Deu três.
_Sem mesada – disse o pai do gordo.
_Você vive ganhando – disse a mãe do gordo.
(p.12)
Os pais que vinham buscar os filhos na porta
da escola brecavam subitamente os carros e
ficavam olhando a Jandira, se remoendo de
raiva por terem casado com mulheres tão
feias, quando a natureza produzia fêmeas
miraculosas como aquela. (p.41)
Os carros brecavam subitamente para os
motoristas poderem admirar a beleza
miraculosa e superesplenderosamente da
Jandira, o que causava batidas,
engarrafamentos, brigas e discussões. (p. 42)
[...] foi convocado por bom preço pelo
governo racista da África do Sul para ir lá
torturar uns negrinhos que estavam
incomodando, finalmente veio ao Brasil e
instalou uma fábrica de macarrão em São
Paulo. (p.42)
[...] foi convocado por bom preço pelo
governo racista da África do Sul para ir lá
torturar uns negros do Congresso Nacional
Africano, finalmente veio ao Brasil e instalou
uma fábrica de macarrão em São Paulo.
(p.43)
O pai do gordo, sentado numa cadeira
preguiçosa vermelha, tomava um uísque e
conversava com a mãe do gordo.
_Escute, benzinho, você não acha que o
jardineiro pôs barrilha demais e sulfato de
menos na água da piscina?
_Isso não me interessa – disse a mãe do
gordo – O que me deixa furiosa é esta
Berenice da Fonseca vir se instalar em nosso
jardim e ficar escrevendo livro com essa cara
de quem diz: eu sou escritora e o Bolacha
não é.
_É uma interpretação sua, benzinho. Eu não
acho que a cara da Berenice esteja dizendo
O pai do gordo, sentado numa cadeira
preguiçosa, ficou olhando para a piscina e
falou:
_Escute, Celeste, você não acha que o
jardineiro pôs barrilha demais e sulfato de
menos na água da piscina?
_Talvez – disse a mãe do gordo. – Mas eu
não estou pensando na água da piscina, eu
estou pensando na Berenice, que veio aqui
escrever um livro.
_Eu acho uma ótima idéia – falou o pai do
gordo.
_O problema não é o livro – disse a mãe do
gordo. _Eu acho a Berenice um amor, mas
160
isso. Ela está só entusiasmada com o livro.
_Você não é psicólogo, Marcelo. Olhe a cara
dela lá, está escrito na cara dela: eu sou
escritora e o Bolacha não é. Desaforada.
O pai do gordo colocou mais um gelinho no
Balantines e falou:
_O que eu acho, benzinho, é que de segunda
a sexta vá, mas pelo menos no sábado devia
parar de falar asneira. (p.46)
ela é inconstante, primeiro largou o nosso
filho pelo Biquinha, depois voltou para o
gordo, depois largou ele pelo Alcides, depois
voltou de novo. Pode deixar nosso filho
inseguro. Afetos que voltam, afetos que
fogem, você sabe.
_Eu acho que nosso filho tem que encarar –
falou o doutor Marcelo. (p.47)
_Que cara é essa, meu filho? Você viu o
bicho-papão?
_Não, mãe. Eu beijei a onça encantada.
(p.88)
_Que marca é essa na sua bochecha?
_São os lábios da onça – falou Godofredo.
(p.87)
161
ANEXO C: APÊNDICES PRESENTES NAS OBRAS DE JOÃO CARLOS MARINHO
Conversa com professores e adultos preocupados com o bom português – texto presente
na primeira edição de O gênio do crime (1969), escrito pelo próprio autor.
Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma preocupação
didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um convênio didático com escola
secundárias e por causa disso achei bom dizer umas palavras para justificar o moderado
informalismo gramatical que meu livro tem.
Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original porque o
ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se preocupa em estimular a
criatividade do aluno, o que é certo e prático; há cada vez mais profissões em que
espontaneidade de criação é fundamental e a obsessão de um purismo gramatical escolástico,
além de fazer muito aluno escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe tirar a
oportunidade de bons empregos.
Procuro um estilo que traduza a mobilidade e a autenticidade do pensamento
brasileiro, escrevi uma história e não um relatório, e é pelo estilo que o escritor faz o enredo
penetrar na sensibilidade do leitor – a formulação de frases tem de obedecer a uma intuição e
a um ritmo de comunicação afetiva, sinão o que falamos bate na razão do leitor e fica
congelado.
Uso bastante formas de expressão que os próprios cultos falam em família, mas não
sou retratista. Isto de fazer graça com gíria, retratismo, cor local, são truques baratos já
enterrados. Sei que a linguagem escrita e falada são diferentes, mas a linguagem falada tanto
pelos cultos como pelo povo, nos dá um instrumento – jamais uma regra – de transmitir
espontaneamente o que queremos dizer. E não se trata de pescar vocábulos ou expressões
isoladas, mas de apreender o balanço (o bam-balanço) inteiro da comunicação espontânea.
No meu livro os personagens pulam de solecismos brasileiros, para português correto,
assim como o próprio narrador. Nós próprios, quando falamos à vontade, empregamos na
mesma frase um pra e um para, um tava e um estava, é só reparar. Por que? Porque
inconscientemente nosso ritmo de comunicação achou que o tava ficava bem aqui e mais
adiante não. Não há regra.
A incorporação dos brasileirismos à própria linguagem do narrador (e não somente
quando retrata um personagem falando ou quando quer fazer graça ou dar cor local) já é
clássica em nossa literatura, os maiores poetas brasileiros deste século já o faziam antes de eu
nascer.
162
Veja-se o Manuel Bandeira no “Vou-me embora pra Pasárgada”: após uma sucessiva
utilização de pra (Mando chamar a mãe dágua, Pra me contar as histórias de e menino, etc.)
ele usa a forma clássica – “Para a gente namorar”. O ouvido do poeta exigiu o pra aqui e o
para ali. Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade usam de mais o pra, de
preferência sem apóstrofe, pulando do para ao pra, do para aos pros, etc.
O quedê, quede, cadê, da linguagem oral estão incorporados definitivamente à mais
pura linguagem literária, inclusive, o quédele. Veja-se a sucessão do quedes no poema “Caso
do Vestido” de Carlos Drummond de Andrade, e do mesmo poeta: “Dorme que o capeta- está
perguntando – quedê a mulher acordada.” E no “Carnaval Carioca”, de Mário de Andrade,
temos: “Quédele o tempo em que Felipe Neri”.
Manuel Bandeira, no “Trem de Ferro” diz: “Vou mimbora, vou mimbora”; Mário de
Andrade e Carlos Drummond usam alternamente o melhor e o milhor, senão e sinão, à-toa e
atôa, se e si, para que e pra que, etc.
Drummond e Mário usam o maginando em trechos líricos e sérios e um dos mais
lindos poemas de Mário de Andrade começa assim:
“Andorinha, andorinha
Andorinha avoou”
A regra da uniformização pronominal já nenhum escritor leva a sério, serve só pata
cartas comerciais. O famoso poema “Balada do Amor Através das Idades” de Carlos
Drummond, é o exemplo clássico do pula-pula usual que fazemos todo dia do tu ao você e,
além disso, começa por desconhecer a transitividade indireta do verbo gostar:
“Eu te gosto, você me gosta
Desde tempos imemoriais
Eu era grego, você troiana”
“Na porta da catacumba
encontrei-te novamente
Mas quando vi você nua”
“Mas quando ia te pegar
e te fazer a minha escrava
você fez o sinal da cruz”
A comunicação espontânea do pensamento do pensamento brasileiro não gosta das
formas oblíquas pronominais. Veja-se o Macunaíma:
163
“Os manos ficaram tristes de ver o herói assim e levaram ele visitar o
Leprósio de Guapira”
Ou
“Então as cunhatãs agarraram na mãe, amarraram bem ela”
Fica muito melhor que se tivesse dito “levaram-no” ou “amarraram-
na”.
E tem essa do Carlos Drummond, ainda na “Balada”:
“o leão comeu nós dois”
Quanto às concordâncias de tempo de verbo, também não as observamos
rigorosamente na comunicação espontânea do pensamento. É muito comum chamarmos o
imperfeito no lugar do condicional (eu podia ter ido, eu ter ido). Os infinitos plurais também
ficam muito mal conforme a frase.
Há um poema de Vinicius de Moraes, dos mais bonitos, “Poema de Auteil”, todo ele
escrito em puríssima linguagem, em que só há um solecismo, que é o uso do devia em vez do
deveria.
“A coisa é bem essa
Não há nenhuma razão no mundo (ou talvez só tu Tristeza!)
Para eu estar andando nesse meio dia por estrangeira com nome
estrangeiro
Eu devia estar andando numa rua chamada Travessa Di Cavalcanti
No Alto da Tijuca, ou melhor na Gávea, ou melhor ainda, no lado de
dentro de Ipanema
E não vai nisso nenhum verde amarelismo. De verde quereria apenas
um colo de morro e de amarelo um pé de acácias respontando de um
quintal entre telhados.
Deveria vir de algum lugar
Um dedilhar de menina estudando piano ou o assovio de um ciclista
[...]” etc.
Veja-se que Vinicius não se prende a nenhum esquema contra o condicional, tanto que
põe quereria e o próprio deveria na forma correta depois. E, mais importante, a inspiração do
poema não obedece a uma motivação de linguagem popular e corriqueira, pelo contrário. Mas
a intuição comunicativa do poeta exigiu o devia gramaticalmente errado, ali onde ele pôs e
ficou lido.
No que se refere à concordância de número há duas frases no meu livro que parecem
erros crassos e não são nada. A primeira é quando digo:
164
“O jardim estava um ajuntamento de crianças, para mais de cem e os
ares dela era de gente muito contrariada.”
E a outra é: “Chegou os milicos.”
Tanto no primeiro caso como no segundo caso o era e o chegou se referem a um grupo
compacto e que o leitor sente como singular. Os ares delas está no lugar de o aspecto delas, o
jeito delas, a aparência delas, e quando digo os ares, o leitor sente um todo não dividido em
partículas. Saliento isso porque escrevi intuitivamente a frase e depois, na revisão, corrigi e
pus correto, os ares deles eram de gente muito contrariada. E aí o meu ouvido protestou tão
violento que deixei como antese, por curiosidade, examinei a razão psicológica de uma
rejeição tão marcada e vi que meu ouvido estava certíssimo, eu não podia pôr no plural onde a
sensibilidade exigia um singular, pela forma e ritmo como comuniquei o panorama do jardim.
Guimarães Rosa, ao descrever o ajuntamento na hora do sensacional julgamento de Zé
Bebelo (Grande Sertão Veredas) diz:
“Que é que aquela gente pensavam?”
O plural vem aí porque Guimarães Rosa estava mostrando os diversos grupos
jagunços, com ideias diferentes sobre o destino a dar ao Zé Bebelo e o ritmo inconsciente da
transmissão punha na cabeça do leitor os grupos divididos e, daí a gente era um coletivo
dividido, o contrário do que aconteceu nas duas frases que eu fiz.
Os clássicos de antes da literatura moderna usavam o plural com substantivos
coletivos, mas nunca diretamente ligando o sujeito ao predicado como Guimarães fez, usavam
na segunda oração onde o eles vinha oculto por elipse, como por exemplo - “O povo inundou
a praça e olhavam furiosos para o palácio do rei.” Isto aqui é uma “liberdade” gramatical, bem
comportadinha, pois a própria palavra “liberdade gramatical” sugere uma exceção que
confirma a regra, o fulano está preso mas pode dar umas voltinhas de vez em quando. Na
frase de Guimaraes já é a libertação gramatical, como nas que citei dos outros poetas
modernos.
Libertação gramatical não quer dizer jogar a gramática no lixo; ela é imprescindível ,
mas é apenas um instrumento que ajuda a escrever, já não manda nada. A libertação
gramatical não é contra o estudo da gramática, pelo contrário, a gente gosta muito mais de um
auxiliar amigo e precioso do que um carcereiro ranhento e a formulação de agramaticalismos
165
arrojados e de bom gosto pressupõe no escritor muito mais estudo de gramática do que
escrever na quadrinha como discurso de deputado. E também não quer dizer obrigação de
escrever gírias, brasileirismos e solecismos, sinão a gente caía numa regra e ficava escolástico
igual. A atual geração de compositores da música popular que está espantando a gente numa
espécie de Século de Luís XIV da música e da poesia popular, Vinícius, Edu, Chico, Gil,
Caymmi e tantos intermináveis, escrevem muitas letras sem nenhum deslise que possa torcer
o nariz do mais fanático dos puristas, mas libertação é isso, obedecer a gramática quando é
conveniente e desobedecer quando é hora de desobedecer, tudo conforme o embalo do
momento, a personalidade do escritor e o assunto a transmitir.
A libertação do formalismo preciso das regras do “bom português” importado da
metrópole não é divertimento para ser original, foi a luta de toda uma geração de poetas e
escritores na busca de um estilo que levasse a uma autêntica comunicação com a sensibilidade
do leitor. Olavo Bilac intuiu isso e escreveu o dramático Inania Verba; era um poeta colossal
mas percebeu com uma clareza notável que estava rendendo menos que 30% de sua enorme
potencialidade, sentia um turbilhão de coisas lá dentro e, na hora de escrever, a palavra era
pesada, era sepulcro de neve. Não tinha condições históricas para achar a solução que era
largar de lado o “bom português” junto com seus modelos parnasianos da França e aprender o
bam-balanço do português brasileiro que estava ali no nariz dele. Mas deu o grito.
Mário de Andrade, num trecho de Macunaíma (Carta às Amazonas) pôs o dedo na
ferida: o brasileiro tinha dupla personalidade linguística: falava muito saboroso “nas vozes de
brincar” e na expressão familiar e quotidiana do pensamento, mas quando se sentava na
escrivaninha e pegava na pena, virava um bicho diferente e escrevia em estrangeiro, na língua
de Camões. Saía arranjadinho porque usava sinônimos para não repetir palavras, metáforas,
antíteses, e evitava choques de sons e isso tudo que no fim a gente não sabia se ria ou se
chorava de dó do coitado que escreveu.
Manuel Bandeira, na linda “Evolução do Recife” foi outro que pegou o gato pelo rabo:
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada”
166
Veio Drummond (“As palavras não nascem amarradas – Elas saltam, se beijam, se
dissolvem”), veio Vinicius (Carta aos Puros), veio Oswald de Andrade e muitos muitos e,
ainda outro dia aconteceu um fato raro: numa eleição disputada por dois poetas de alto
gabarito, a Academia Brasileira de Letras elegeu por unanimidade seu novo membro, João
Cabral de Melo Neto, que fala assim do purismo gramatical:
“se refere em caieiras
se apurando sem fim a corrosão e a ira
o purismo e a tolerância inquisidora
de beata e gramatical, somente punitiva;
se a deixassem sair, sairia roendo tudo
(de tudo, até as coisas nem nascidas),
e no fim roídas as fichas e indicadores,
se roeria os dentes: enfim autopolícia.”
A luta desta geração deu um fruto chamado Guimarães Rosa que, assim perto, ainda é
difícil de julgar sua dimensão total, mas eu pressinto (e não só eu, no estrangeiro já o
compararam a Cervantes) que para as gerações futuras ele será colocado na reduzida galeria
dos super-gênios que já houve em toda a humanidade. Sérgio Milliet já disse que “Grande
Sertão Veredas” é o grande acontecimento literário e linguístico do século e que depois dele
“será preciso reescrever a gramática do português no Brasil”.
Guimaraes apreendeu, até o último de seus maneirismo, a técnica total do balanço
popular de expressão e, sublinhando- o literariamente, libertando-se da retratação de
vocábulos e expressões regionalistas, conseguiu esse milagre de estilo em milhares de páginas
de seus livros, é uma poesia profunda m cada frase, uma atrás da outra, sem parar, sem altos e
baixos, tudo batendo lá no fundo da gente. Guimarães fez com o “bom português” o que
Cervantes fez com a cavalaria andante: deu a espinafrada final. Daqui para a frente, quem se
meter no Brasil a escrever sem intuir a alma do povo brasileiro, está na cova antes da saída,
vai de Rocinante.
Sou advogado trabalhista há sete anos, lidando com povo humilde, vindo de todo
canto do Brasil e, quando recentemente, peguei os livros de Guimarães, senti um
deslumbramento: o estilo de Guimarães, não pelos regionalismos (que é o que menos importa
nele, assim como pouco importam os neologismos) mas pelo ritmo, a batida, era, sublimado,
o ritmo espontâneo no qual há muitos anos meus clientes me contam seus casinhos, é o
pensamento do povo brasileiro escrito no papel, pulando do papel.
167
Bom, aqui fico, advogado que sou, enfiei minha jurisprudência e justifiquei que meu
estilo, ou minha procura de estilo, cabe numa coleção que tem convênio didático com escolas.
Se o usei bem ou mal, já é outro problema, isto fica para os leitores.
168
AUTOR E OBRA – Texto presente na obra Cascata de Cuspe pela Editora Moderna
(1992), escrito pelo próprio autor.
Algumas observações sobre a turma do gordo
Quando escrevi o primeiro livro, inicialmente, na minha cabeça, a turma do gordo não
era ainda a turma do gordo, e sim a turma do Edmundo.
Edmundo era o herói principal, assessorado diretamente pelo Pituca, e o gordo, muito
no terceiro plano, um flagrante que fazia alguma coisa curiosa de vez em quando.
Pelo início do Gênio do crime pode-se perceber essa disposição.
Mas, conforme fui escrevendo, o gordo foi crescendo, foi tomando conta.
A Berenice só aparece no fim do Gênio do crime: ela não era da turma, nem existia,
não est ava no projeto.
É mais ou menos como a vida da gente: volta e meia surge um personagem que não
estava programado. Criaturas não-chamadas invadem o nosso espaço.
O resto da turma e dos artistas acompanhantes (Abreu, Frade João, professora
Jandira, doutor Marcelo, dona Celeste, doutor Paixão) foi surgindo nos livros posteriores.
Cascata de Cuspe é o sétimo livro da turma do corpo.
Nele a turma comparece integralmente: gordo (Bolachão), Edmundo, Berenice, Pituca,
Mariazinha, Sílvia, Biquinha, Zé Tavres, Godofredo e Hugo Ciências.
Além do Pancho.
A turma fechou acho que não há lugar para mais ninguém.
João Carlos Marinho
169
Sugestões para um método de trabalho em classe feitas pelo próprio autor, presente em
uma das edições de O gênio do crime.
Até hoje a editora não preparou nenhuma “ficha de leitura”, “ficha de interpretação”
do Gênio do Crime, como é uso em todos os livros dados em classe, a pedido meu. Acho que
tais ficjas limitam a apreciação do livro e a uniformizam.
Nas visitas que tenho feito em classe, desde 1969, encontrei nos professores que,
segundo o seu critério e segundo o adiantamento da classe, adotam este ou aquele tipo de
trabalho, muitos excelentes e originais.
Não é minha intenção impor um método de trabalho sobre o Gênio do Crime. Os
professores que já experimentaram seus métodos particulares devem continuara a fazê-lo. O
método ideal de exercício surge sempre da conjunção do modo de ser do professor como o
modo de ser da classe, coisa personalíssima, e que uma ficha de leitura não pode prever.
Acontece que a editora, há vários anos, continua recebendo solicitações para que o
Gênio do Crime venha acompanhado de uma ficha de leitura. Atendendo estes pedidos
elaborei as seguintes alternativas de método de trabalho.
II Redações variadas
Conforme o adiantamento da classe, o professor poderá escolher um dos temas de
redação abaixo, sendo que uns são mais simples do que os outros.
a) No penúltimo paragrafo do capítulo 23 está escrito: Dali a pouco dormiam bem e o
gordo pela primeira vez não sonhou com comida e sonhou com mulher”. Escreva
este sonho do gordo.
b) O Mister volta para a Escócia e seu Tomé escreve uma carta agradecendo. Escreva
uma carta fazendo de conta que é seu Tomé e adotando o estilo de seu Tomé.
c) Você gostou dos personagens e resolve visitar Edmundo, Pituca, Berenice e o filho
do Atlas, que estão reunidos no quarto de brinquedos do gordo. Descreva o diálogo
que você teve com eles. (Nota: a ideia deste tema me foi sugerida pelas inúmeras
cartas que recebo onde as crianças demonstram o desejo de participar da turma do
Bolacha).
170
d) Edmundo, Pituca e Bolachão formam uma turma. Analisar pelo desenvolvimento
do livro e pela psicologia dos três, como funciona esta enturmação e qual q
dinâmica dela.
e) Embora o livro siga uma linha realista, existem coisas que são irreais. Quais são?
Enumere e explique.
f) No capítulo 30, O mister diz ao gerente: “Senhor gerente, a história do mundo
mostrar que os chatos ser bichos muito lógicos e ter sempre razon. Mas o problema
fundamental do vida non ser chata”. Desenvolva este tema.
g) Tente seguir alguém do avesso, um amigo, seu pai, seu professor, e escreve como
foi a experiência, mesmo que incompleta.
h) Faça de conta que o autor esqueceu de escrever o ultimo capitulo do livro e
escreva-o você, de forma diferente.
III EXERCICIOS VARIADOS
Da mesma forma que nos temas de redação há exercícios mais do fáceis do que os
outros
a) Vamos supor que o autor não goste mais do título do livro O Gênio do Crime e
resolva mudar de título, colocando outro que não tenha a palavra gênio e nem
crime. Qual outro título você poria?
b) O gordo não tem nome. Só apelidos que são gordo e Bolachão. Escolha um
nome que tenha cara e jeito de nome de Gordo para o Bolacha. Não vale copiar
o nome de um gordo que você conheça. Concentre-se no nome. O importante é
que o nome tenha jeito de nome de gordo.
c) Em determinado ponto do livro Edmundo faz um trocadilho. Qual é? Explique
este trocadilho.
d) No livro existem alguns termos de gíria e algumas frases faladas da linguagem
familiar. Cite exemplos de ambos.
e) No capítulo 17, seu Tomé, conversando com o diretor da escola cita um
provérbio: “Deus ajuda quem cedo madruga.” O que é um provérbio? Dê um
sinônimo de provérbio. Cite três provérbios.
f) Chover no molhado e cair do cavalo são expressões idiomáticas. Faça uma
frase com cada uma delas. De exemplos de outras expressões idiomáticas.
171
g) O que quer dizer excomungado? Em que sentido é empregada esta palavra no
fim do capítulo 21?
h) No capítulo 20 Berenice diz: “esses do segundo ano só sabem contar anedotas
elementares e são muito prosaicos. “ Copie a frase substituindo as palavras
em negrito por sinônimos.
i) Dê um sinônimo para cada um destas palavras usadas no livro: compenetrado,
alarmado e encabulado.
IV Desenho
a) Faça com cartolina a capa e a contra-capa do livro inventando uma
ilustração diferente e escrevendo duas orelhas de sua invenção.
b) Desenhe duas ilustrações para o livro.
c) Faça uma história em quadrinhos de no máximo oito quadros resumindo o
livro.
d) Desenhe a briga que houve no porão da fábrica clandestina.
e) Desenhe o Mister, colorido.
172
Introdução à obra A catástrofe do planeta Ebulidor (1998), feita pelo escritor.
As aventuras da turma do Gordo não são seriadas. Os livros são independentes e
dispensam a leitura dos demais.
Mas ao longo destes trinta anos foram se acumulando muitas personagens e coisas. Se
eu tivesse que interromper o fluxo natural da história para cada momento dizer quem é quem
e cada coisa é cada coisa, isso desviaria o ritmo da narração.
Por isso faço um breve resumo de como está a turma do Gordo antes desta história
começar.
ATENÇÃO
O leitor pode ler esta introdução duma vez ou, se preferir, consultá-la apenas quando
aparece uma pessoa ou coisa das histórias passadas e que o leitor não conhece.
1) Turma do gordo
São dez crianças. O gordo, a sua namorada Berenice, EDmundo, Pituca, Sílvia,
Mariazinha, Godofredo, Zé Tavares e Hugo Ciência. Nesta aventuranão participam Zé
Tavares e Hugo Ciência. O Pancho, cão pastor do gordo, pode ser considerado como da
turma.
2) Idade
Todos tem onze anos. Até a aventura anterior (O disco) tinham dez anos, mas
passaram um ano e doze dias no Espaço, de 2 de julho de um ano até 13 de julho do outro.
Por isso fizeram onze anos.
3) Lugar onde estão
Estão no casarão do pai do gordo,nas montanhas de Minas Gerais, perto de um vilarejo
chamado Monte Verde.
4) Gente que habitualmente convive com a turma do gordo:
a) Doutor Marcelo: pai do gordo.
b) Dona Celeste: mãe do gordo.
173
c) Frade João: um frade capuchinho que tem uma missão na Amazônia onde ajuda os
índios krikyorabas. Está sempre visitando a família do gordo.
d) Abreu: jovem mordomo.
5) Zé-folha
Um extraterrestre. Tem a forma de um arbusto vivo. Foi assim apelidado pelo Pituca
mas o seu nome verdadeiro saberermos na atual história. Foi encontrado pela turma na
montanha e antes de morrer botou dois ovos. Pediu que a Berenice chocasse um e o gordo
chocasse outro. Falou que os filhos salvariam a turma.
6) Zé-folhinha
Nasceu do ovo que o gordo chocou. Conforme a previsão do pai salva a turma.
Extraterrestres na forma de seres incrivelmente fortes e peludos sequestram a turma e a leva
no disco voador. Zé-folhinha consegue controlar o disco voador e a transmissão de
pensamento, deixa os alienígenas no planeta deles e traz a turma de volta para a Terra. Pousa
no alto da montanha que fica perto do casarão do pai do gordo.
7) Discraniado
O ovo que a Berenice jogou rachou um pouqinho. Por isso o irmão do Zé-folhinha
nasce sem cabeça e Pituca botou-lhe o nome de Discraniado.
8) Hábitos alimentares da raça dos arbustos vivos
Só comem orelha porque a cartilagem contém uma vitamina essencial. Na viagem do
disco voador, Zé-folhinha e o Discraniado comem as orelhas da turma, do pai e do frade.
Deixaram crescer os cabelos para tapar. A falta de orelhas não impede de ouvir. A diferença
para pior é mais ou menos a de um som estereofônico para um mono.
9) Poderes dos arbustos vivos
Aprendem as linguas quase instantaneamente. Possuem uma saliva anestésica.
10) Vacas extraterrestres
Na volta para a Terra (O disco) os dois arbustinhos já tinham comido as orelhas de
todos. Para resolver o problema aterrissam rapidamente no planeta dos arbustos vivos pegam
174
duas vacas orelhudas e as levam no disco. As orelhas dessas vacas são como as nossas unhas
ou nossos cabelos, crescem de novo depois que são cortadas.
11) Visita ao planeta dos arbustos vivos
É muito rápida e não fazem contato com os governantes e nem visitam a cidade.
Descem num campo, no interior do planeta só para pegar as duas vacas. Mas um habitante,
pensando que os terrestres haviam arrancado a cabeça do Discraniado por maldade, dá um tiro
de raio paralisante no pai do gordo qye fica petrificado por dois dias e depois volta ao normal.
O gordo consegue tirar a pistola do atacante e dá um tiro de raio paralisante nele.
12) Sevetrérios
São piratas do espaço que moram em asteróides. Algumas naves dos sevetrérios
atacam o disco voador mas não são derrotadas. As naves dos sevetrérios têm a forma de
charutos voadores.
13) Disco voador
Todos os seus controles, inclusive os computadores, são microscópicos. O comandante
pode determinar que o disco fique visível ou invisível. É totalmente transparente, o próprio
chão é transparente. Transforma energia em matéria e vice-versa. É comandado por
transmissão de pensamento.
A energia que move o disco é a força da gravidade qye existe no Espaço. Tem um
grande salão, uma grande mesa para refeições e quartos com banheiro.
14) Lugar onde pousa o disco voador
Aqui na Terra o disco voador fica pousado numa saliência plana de terreno que fica ao
lado de uma grande pedra chamada Chapéu do Bispo. Esta pedra fica no alto da montanha,
perto do casarão do pai do gordo.
15) Quem participou da primeira viagem
O gordo, Berenice, Edmundo, Pituca, Sílvia, Mariazinha, Biquinha, Godofredo, o pai
do gordo e o frade João participaram da viagem inteira. Zé-folhinha e o Discraniado
começaram a viagem em forma de ovos e nasceram dentro do disco. Os alienígenas peludos
participaram da saída da Terra, onde sequestrarm a turma, mas foram deixados no planeta
deles e não fizeram a viagem de volta.
175
16) Quem não participou da primeira viagem
A mãe do gordo, o Abreu e o Pancho ficaram aqui e não participaram da primeira
viagem.
17) Dois períodos de gira-a-gira
A rotação rapídissima do sol do planeta dos arbustos vivos, combinada com a atração
das quarenta e quatro luas faz com que o disco, ao aproximar-se, rode que nem pião por duas
vezes.
18) Refeições no disco voador
A comida, os pratos, os talheres, as jarras, surgem no ar, perto do teto e descem
lentamente até a mesa. É a transformação de energia em matéria. Depois do almoço os pratos,
jarras e talheres sobem até o teto e se transformam em energia de novo. O disco voador tem
um sistema autolimpante: todas as superfícies ondeulam para absrover a sujeira.
19) Origem do disco voador
É desconhecida. Zé-folhinha tirou o Disco dos homens peludos. Mas os homens
peludos não sabiam a origem do disco. Só sabiam qe estava no planeta deles há milhares de
anos.
176
ANEXO D: INFORMAÇÕES FORNECIDAS POR JOÃO CARLOS MARINHO NA
SUA PÁGINA NA GLOBAL EDITORA.
Autobiografia de João Carlos Marinho, presente no site do autor.
Quando eu era criança o meu sonho era ser escritor, morava em Santos e vivia
escrevendo pequenas histórias em caderno espiral só para mostrar para os amigos e para a
família. Nisso eu tinha especial incentivo do meu pai Roberto Silva e do seu querido amigo
Artur Neves. A amizade deles havia começado no Presídio Maria Zélia onde a ditadura do
Getúlio Vargas trancava os presos políticos. O meu pai havia ensinado inglês para o Artur
Neves na cadeia, e o Artur Neves tinha jeito para língua, saiu da prisão falando correntemente.
O Artur Neves me introduziu ao mundo dos livros de Monteiro Lobato. Esta aproximação faz
parte de um artigo à parte que o leitor encontrará logo no topo da seção Notícias deste site. O
Jardim da Infância (era o nome do pré) e o primário eu fiz no Ateneu Progresso Brasileiro, das
inesquecíveis dona Ida e dona Jandira, ali na Avenida Ana Costa. A minha casa ficava perto,
na rua Galeão Carvalhal, e no meu aniversário de cinco anos eu fiz um comício em casa,
dizendo que não admitia mais que a empregada me levasse para a escola, que aquilo era
ridículo, me colocava numa situação de incompetente. A discussão foi forte, a minha mãe era
totalmente contra, mas eu ganhei. Vejam o azar, no primeiro dia, andei sozinho até a escola e,
na frente da escola, quando atravessei da ilha da Av. Ana Costa para a calçada de lá, veio uma
bicicleta na contramão, fui atropelado e sofri um grave ferimento na cabeça que se chocou
contra a quina do meio-fio. Eu não gemia de dor, eu gemia de raiva! O naufrágio dos meus
argumentos. Voltei a ser escoltado, até fazer seis anos. O bafo quente, denso, pesado, daqueles
verões de Santos permanece na minha memória, o sol batia muito forte, derretia o asfalto das
ruas, queimava o pé das pessoas, mas eu, tirando fora cinema, circo, mágico e escola, eu
andava sempre descalço, criei cascão no pé, por isso não me incomodava. A minha mãe
aproveitava o sol forte para fazer cocadas ao sol, um petisco muito bom.
Foi nessa época, entre cinco e seis anos, que aconteceu o caso muito interessante da
empregada que lia em voz alta. Como eu ia ao Jardim da Infância à tarde, a minha mãe queria
encher o meu tempo de maneira educativa de manhã e a empregada que arrumava a casa se
ofereceu para ler em voz alta histórias para mim. Se a história era muito longa ela devia só ler
um pedaço. O lugar que eu gostava de ouvir história era na ponta do canal três, naquele
pedaço que o canal vai entrando no mar e às vezes uma onda respinga. A base da mureta era
larga, eu sentava ao lado da empregada, ela abria o livro e lia. E um dia o meu pai resolveu
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me ensinar a ler pelo sistema da cartilha antiga que tinha uma sólida capa de papelão. Uma
capa séria, sem ilustração nenhuma, não queria seduzir ninguém, não estava afim de
gracinhas. Aquela cartilha do Ba, Bé, Bi , Bó , Bú que não tinha grandes sutilezas
pedagógicas, era pão com queijo, mas sou testemunha de que funcionava muito bem. Às seis
da tarde o meu pai chegava do trabalho, sentava na poltrona grande da sala, pegava a cartilha
e eu sentava na perna dele, de cavalinho. Dia a dia comecei a entrar nos mistérios da leitura. E
a empregada continuou a me levar todo dia na ponta do canal e a me ler uma história. Eu
gostava do jeito que ela lia, punha muita vida naquela leitura, sabia dar uma emoção. Só que,
um dia, por causa das aulas de alfabetização do meu pai, comecei a acompanhar no livro as
frases que ela lia. Fiquei perplexo. Esfreguei os olhos. Achei que estava tendo um delírio. O
que ela falava não combinava com o que estava escrito. Essa sensação de delírio era real
porque foi a primeira vez que eu li alguma coisa fora da cartilha, o meu pai ainda me achava
insuficiente, eu não tinha alvará para sair lendo geral por aí. Só tinha lido cartilha, nas aulas
do meu pai. Então a história acabou, resolvi tirar a limpo no dia seguinte se aquilo era delírio
ou não era. O livro ficava com ela, ela não emprestava para mim. No dia seguinte, na ponta do
canal três, a leitura dela continuou. E eu acompanhei desde o começo. Era uma coisa muito
estranha. O olhar dela acompanhava as linhas, como se estivesse lendo, e ela falava. Quando o
olhar dela terminava de percorrer a ultima linha de uma página, ela a virava muito devagar,
aspirava profundamente, olhava para o céu, soltava o ar do pulmão, punha o dedo indicador
em cima da primeira linha da próxima página, e continuava falando. Mas o que ela falava não
era o que estava escrito. A história era aquela, a estrutura da história era a do livro. Mas com
outras palavras, outras imagens, outros diálogos. A explicação é que a empregada era
analfabeta. De noite, depois do serviço, na casa dela, fazia alguém ler para ela o que ela ia me
ler no dia seguinte. E guardava na cabeça! O fantástico é que ela gostava das histórias, ela
punha vida nas histórias. E que talento teatral! Nem sei mais o nome dela, uma artista popular,
uma mulher esplêndida, que ficou anônima, mas leva o eterno carinho das minhas memórias
infantis. Como eu já podia ler por mim mesmo, ela foi dispensada da leitura e continuou
arrumando a casa. Deve ter sofrido. A vocação dela não era arrumar casa, ela gostava mesmo
é de ornamentar história para mim. Colocar a interpretação dela. Com ênfase.
Ao terminar o curso primário fui cursar o admissão e o ginásio como interno no
Instituto Mackenzie em São Paulo, e continuei residindo em Santos para onde eu voltava
todos os fins de semana e férias. Quando eu fiz 13 anos o meu querido pai morreu, fiquei
externo e passei a viver com os meus avós, o doutor João Marinho de Azevedo, médico e
professor aposentado da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a dona Cecília do Val
178
Marinho. Eles moravam na rua Vitorino Carmilo 620 que fica assim numa espécie de
interseção de Barra Funda, Santa Cecilia e Campos Elisios. Morando exclusivamente em São
Paulo, o meu divertimento principal passou a ser de assistir futebol no Pacaembu que não
ficava longe da casa de vovô. Assistir futebol, ler a Gazeta Esportiva, o Esporte, o Mundo
Esportivo, ouvir os comentários da rádio Tupi e da rádio Panamericana, eu virei uma
enciclopédia de futebol. Duvido que tenha havido no mundo um estádio mais bonito e mais
poético do que aquele Pacaembu antigo. E mais aconchegante. Fídias não teria feito melhor.
Harmonioso do lado de fora e do lado de dentro. Cheio de vegetação, de chorões, de
gramados em ladeira, num bairro do sobe e desce, bem coisa de São Paulo. Durante os jogos
noturnos era uma festa para os olhos as dezenas de milhares de pontas acesas de cigarro, ainda
não ofuscadas pela iluminação moderna. Nos lances agudos, no perigo de gol, a turma tragava
com mais força, as luzinhas brilhavam mais. Outra marca registrada era o ritual do bêbado
brigão que dois guardas traziam pelo colarinho e faziam desfilar na frente das arquibancadas.
Ele sempre era preso lá no fim da ferradura, do lado da Concha Acústica. A perua Ford de
presos, que chamava Pingüim, porque era branca e preta, ficava do lado oposto, no portão de
entrada (Portões Monumentais). Então os guardas tinham que desfilar com o o bêbado ao
longo do alambrado. O bêbado vinha de lá do fundo, aos tropeções, trazido e levado, muito
passivo, mas quando chegava na frente do grupo dois da numerada, o povo fazia um silêncio,
era a hora que todos olhavam, então o bêbado (de paletó e gravata, polidos e velhos, mas
sempre limpos) dava um tranco nos guardas, se soltava, fazia gestos desafiadores, aquilo era
um gol de Baltazar, a gente levantava e aplaudia, assobiava, um guarda dava-lhe uma
cacetada, Meu Deus! nem as massas desencadeadas que tomaram de assalto a Bastilha teriam
mostrado tanto ódio contra o símbolo da opressão, todos os palavrões da língua caiam sobre
os guardas, uma gritaria infernal, e o cortejo dos dois guardas e do bêbado ia caminhando, na
direção do Pingüim, quando chegava no fim do grupo 3, onde só tinha arquibancada de cima
em baixo, o bêbado dava um bis, não havia muita variação, nem a gente pedia, a gente queria
aquilo mesmo.
Em janeiro de 1952, em companhia de minha tia Heloisa, voei para a Europa num
Constelation da SAS. O meu avô havia determinado que eu cursasse o colegial na Suíça, não
me acompanhou pessoalmente porque estava muito velho e as viagens naquele tempo não
eram esta facilidade de hoje. Só o meu vôo de avião desde o Galeão até Zurique, com escalas
em Recife, Dakar e Madrid, demorou vinte e oito horas. Era um avião de hélice que voava
baixo e a velocidade era muito inferior à de um jato atual. Voar baixo tinha uma vantagem
inestimável: a gente via todos os detalhes da paisagem, nunca esquecerei aquele vôo sobre os
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mares verdes claros e tão brilhantes do nordeste, mares de José de Alencar, totalmente
transparentes, apareciam em baixo d'água as redes dos pescadores, muito nítidas, e depois, no
dia seguinte, atravessando a França, uma colina atrás da outra, todas cultivadas, os rios e os
riachos, os bosques, as cidades, as estradas, o trem andando. Outra vantagem dos
Constelations daquele tempo, comparados com os jatos de hoje, é que eram muito largos,
espaçosos, a aeromoça puxava uma cama do teto, a gente pulava dentro, ela fechava a cortina
e ia trazendo coisa para a gente comer, inclusive o café da manhã. Largo também era o
corredor do avião, lembro que havia um grupo de meninas adolescentes, muito alegre,
sentamos no chão do corredor do avião e ficamos jogando baralho. E vinha de lá a mãe de
uma delas, resolvia jogar também, sentava no chão, cabia todo mundo naquele corredor do
Constelation, sobrava lugar para os comissários de bordo e para os outros passageiros irem
passando, podia passar no meio da gente, se queria passava do lado, lugar é que não faltava.
Fui matriculado como aluno interno na Ecole Nouvelle de lá Suisse Romande que
ficava em Lausanne, no bairro de Chailly e lá morei de janeiro de 1952 a abril de 1956
quando consegui o meu certificado de Maturité Fédérale Suisse. A Suíça fica bem no centro
da Europa rica, apesar de muito pequena faz fronteira com Itália, Alemanha, Áustria e França.
Em janeiro de 1952, seis anos apenas depois do fim da segunda grande guerra, a Alemanha, a
Itália e a França em processo de recuperação, a Suíça era de fato um paraíso de segurança e
prosperidade. Então eu vi a mundialização muito antes de existir esta palavra. Dificilmente
você sentava na mesa com duas pessoas da mesma nacionalidade. Na minha escola o que
tinha mais eram iranianos, siameses (os tailandeses eram chamados assim) e italianos, mas
isoladamente (como eu, o único brasileiro) havia alunos de todos os lugares como Bélgica,
Holanda, Luxemburgo, Islândia, Grécia, França, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Áustria,
Estados Unidos, Uruguai, Argentina, Colômbia, Turquia, Argélia, Madagascar, Congo Belga,
Afeganistão, e mais os suíços, alemães, franceses, italianos. O Brasil, que fica no hemisfério
sul, fora das rotas internacionais, mesmo hoje apresenta um número pequeno de estrangeiros.
Nem nos cinco anos de escola primária, nem nos quatro anos de ginásio eu nunca tive um
colega estrangeiro. Agora eu estava dividindo o quarto com um grego (Salmonas), um italiano
(Paolazzi) e um suíço (Hench).
A Suíça era uma condensação daquilo, mas a Europa é uma família. Quando em 1955
o nosso professor de história Monsieur Yves Brassler, visivelmente emocionado, nos explicou
o início da formação do Mercado Comum Europeu, eu, que já vivia há mais de três anos
naquela Europa, indo para baixo e para cima nas férias, entendi que aquilo era uma coisa
absolutamente lógica. São populações inter-relacionadas há muitos séculos, a Europa é um
180
espaço geográfico e histórico comum para eles. Totalmente ao contrário de nós, na América
do Sul.
O ambiente da escola era acolhedor, caloroso, impossível querer melhores amigos e
melhores professores, e muito liberal em matéria de saídas e acima de tudo em matéria de não
se meterem de modo nenhum com a vida particular da gente e o nosso modo de pensar.
Ensino puxadíssimo, mas com muita aula particular eu resolvi aquilo. Morar num internato
que tem instalações esportivas é igual morar em um clube, só quem não quer é que não vira
atleta em pouco tempo. Eu virei. Até doze anos, em Santos e no Mackenzie eu havia jogado
no gol, eu era um excelente goleiro. Eu fazia até um treino especial na grande varanda da
minha casa na rua Galeão Carvalhal: amassava um pouco uma bola de pingue pongue, jogava
contra a parede e deixava ela bater no chão para depois eu defender. Com o formato irregular
do amassado a bola tomava direções impreviseis, aprimorando os meus reflexos. É claro que
aquilo era irradiado e era comum que o locutor (que era eu) falasse com muita ênfase: João
Carlos acaba de fazer uma defesa sensacional! Mirabolante! Na pre-adolescência quando
comecei a jogar no campo grande do Mackenzie, enfrentando alunos maiores, verifiquei, a
custa de muita bolada no peito e muito dedo torcido, que eu era excessivamente magro para
aquela posição e passei a jogar na frente. Ali na Suíça, no começo, estranhei o futebol deles,
com muito uso do choque de corpo, mas fiquei forte, acostumei, acabei ficando capitão do
time por três anos.
O meu querido avô era um grande missivista, escrevia cartas muito amorosas, muito
bonitas, muito compridas, e muito numerosas, duas por mês. Quando chegava carta de vovô
os meus colegas mais chegados se reuniam no meu quarto e pediam para eu traduzir. Vovô
opinava sobre tudo, dava muitos conselhos. Ele escrevia: “namore as nativas, será útil para
desenvolver o seu francês, melhor do que ficar ouvindo o francês mal tratado destas italianas
de pensionato.” Ou então: “não lhe esqueça de vigiar os dentes; que feio não apareceria no
pretório um advogado com falha no frontispício da dentadura”. No começo eu tive certo
pudor, temia que o meus amigos achassem o meu avô ridículo. Foi o contrário, eles adoravam,
começaram a sentir um enorme carinho pelo meu avô. E o público foi aumentando, dali a
pouco tinha gente sentada sobre a minha escrivaninha ou sentada no chão.
Só quem morou e estudou em pais de língua francesa é que pode ter idéia da força e da
influência que o teatro de Molière tem na vida desses povos. Está presente em tudo. Todas as
escolas fazem representações teatrais, com as crianças, com adolescentes, e invariavelmente
uma farsa ou peça curta de Molière é levada ao palco, dirigidas de maneira muito profissional.
E nas classes mais avançadas estuda-se e discute-se profundamente e com entusiasmo as
181
comédias mais nobres, como o Misantropo, o Tartufo, a Escola de Mulheres, a Escola de
Maridos, o Avaro, o Burguês Fidalgo, etc. As tiradas a gente fica sabendo de cor e são usadas
diariamente em situações da vida onde elas parecem ter cabimento, igual nos países de língua
inglesa fazem com as citações de Shakespeare. Quando a gente sai de país francês tem-se a
impressão de que o Shakespeare é o único Deus mundial do teatro, mas lá dentro o Deus do
teatro é o Molière. Onde você vai você não escapa de esbarrar numa coisa do Molière. Fui
contagiado pela paixão do teatro, acabei escrevendo duas peças pequenas, só para serem
representadas no Natal, na cerimônia de encerramento do ano, onde os parentes compareciam,
e tiveram bastante sucesso. Qualquer pessoa que tenha familiaridade com os meus livros da
turma do Gordo percebe que eu faço avançar as minhas histórias através de diálogos: tenho
certeza de que devo isso à intimidade que tive com as peças do Molière. Os diálogos dele
“batem bola”, como a gente diz, a fala de um personagem traz uma resposta dinâmica e
natural, que provoca outra resposta em cima, aquilo vive e avança: o diálogo vai dando o
andamento da ação sem que o espectador se sinta guiado por um artifício do autor. Neste
ponto Molière foi o meu mestre.
Alguns dias antes do meu exame de Maturité recebi a triste notícia do falecimento de
meu avô. Chorei vários dias sem parar e nunca esquecerei o amoroso e firmíssimo consolo
que a minha namorada Françoise Dubuis me trouxe, não saindo do meu lado. Este afeto que
eu recebi da Françoise foi inesquecível. E também do meu querido amigo Alex Thalberg.
Devo a eles ter chegado lúcido e combativo para passar aquele exame tão difícil, considerado
uma proeza até para os próprios suíços. E pronto, com o exame embaixo do braço era voltar.
“Nada é para Sempre” é o título de um belo filme do Robert Redford. Ao entrar no
Constelation da Air France, em 20 de abril de 1956, não adiantava eu me consolar me dizendo
que eu era moço, que a vida estava na minha frente, não adiantava, eu estava deixando para
trás o sonho de fadas de uma adolescência muito feliz, outros sonhos eu viveria, mas aquele
terminava ali, na porta do avião da Air France. Nada é para sempre.
Cheguei no casarão da Vitorino Carmilo 620. Onde viviam a minha avó, a minha mãe
e a minha irmã Dunia. Agora eu era o único homem daquela casa, e, com certa solenidade,
penetrei no escritório do meu avô e sentei na escrivaninha dele. No ano seguinte prestei
vestibular na São Francisco e passei a cursar a Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Participei da política universitária, tendo sido redator chefe do Boletim do Centro
Acadêmico XI de Agosto e também por um tempo redator do jornal da União dos Estudantes
Universitários (UEE), sem esquecer que fui redator, ainda calouro de um jornal acadêmico de
curtíssima duração (dois números) que tinha o nome de FAN – Frente Acadêmica
182
Nacionalista. Comecei a dar assistência jurídica a sindicatos, o que me levou a aprofundar os
meus estudos de Direito do Trabalho, matéria em que me especializei de maneira muito
sólida. O treino que recebi no escritório trabalhista do doutor Altivo Ovando, quando
estudante, foi muito importante na influência que teve no meu estilo de advogar. Magnífico
foi também o curso de Direito do Trabalho ministrado pelo professor Cesarino Junior, de
longe o professor que eu mais admirei na Faculdade do Largo de São Francisco.
Em fins de 1961 passei a advogar em Guarulhos, primeiro para sindicatos e depois no
meu próprio escritório. Eu estava muito bem preparado e o sucesso veio rapidamente. Casei
com a Marisa em outubro de 1962, em agosto de 1964 nasceu o nosso filho Roberto. Em fins
de 1965 eu já tinha condições de contratar um advogado assistente, o Dr. Orlando Cruz Leite
que trabalhou dezesseis anos comigo e até hoje é um amigo do coração. A chegada do Dr.
Orlando tem um significado especial para a minha estréia na literatura. Enquanto eu advogava
sozinho, com uma grande clientela, eu não tinha tempo para mais nada. É certo que antes eu
havia contratado alguns advogados recém-formados mas eram instáveis e não me davam a
confiança e a performance que eu precisava. Com o Dr. Orlando eu pude dividir o trabalho e
ficar em casa no período da manhã. Nestas manhãs livres foi-se formando na minha cabeça a
idéia do Gênio do Crime. Começaram a visitar a minha imaginação as cenas da minha
infância e, entre elas, as dos concursos de figurinhas de futebol. Eu tinha vivido muito estes
concursos, batendo abafa (que hoje chama “bafo”), colecionando figurinhas, colando no
álbum, que a minha avó Cecília ajudava a organizar, colocando um papel de seda entre as
páginas para que elas não colassem umas nas outras. A cola era indispensável, as figurinhas
não colavam só com cuspe, como os selos de hoje, tinha que besuntar de cola, e como eu
besuntava muito a cola espirrava e as páginas colavam. As emoções destes concursos foram
muitas, e, partindo delas, eu formei o enredo do Gênio do Crime que foi publicado algum
tempo depois, em fevereiro de 1969.
Publicando o Gênio do Crime eu senti que havia alcançado a minha verdadeira
vocação, aquela com que eu sonhava quando era criança. Ao terminar a minha temporada
suíça, entrando no Constelation da Air France, senti o terrível travo amargo na boca de um
sonho bonito que terminava, marcando o fato que na vida da gente “nada é para sempre”.
Agora um outro sonho começava. Os anos passando escrevi e publiquei outros livros, e as
notícias sobre a minha carreira o leitor encontrará muitas e variadas na seção Notícias deste
site, onde existe a transcrição de um longo Chat meu na Uol com os meus leitores, uma longa
entrevista minha para a Uol Crianças, uma notícia bem detalhada de como aconteceu o meu
encontro com a literatura de Monteiro Lobato, uma interessante entrevista comigo feita pelo
183
crítico Geraldo Galvão Ferraz, e vários artigos e apreciações de professores de literatura e
escritores sobre a minha obra. Na seção Home do site o leitor encontrará a lista de meus
livros, clicando neles aparecerá uma notícia sobre o enredo e a capa. Depois de ver tudo isso,
se alguém quiser saber mais, só tem que ir na seção Fale com o Escritor e me mandar um e-
mail que receberá pronta resposta.
184
Meu álbum
Transcrição:
Eu dediquei o meu livro O gênio do crime a minha queria avó Cecilia Duval Marinho
porque ela me deu uma grande ajuda nas coleções de figurinhas de futebol que eu fazia na
década de 40 quando eu era criança. Ela começou me ajudando a vencer as dificuldades que
eu encontrava para colar figurinhas no álbum. Naquele tempo, não havia essas coisas
autocolantes também não havia esses bastões sólidos de cola, havia apenas a cola liquida que
a gente chamava de goma arábica. Essa cola liquida ficava dentro de um vidro a gente
mergulhava o pincel no vidro e depois besuntava o verso da figurinha e com o verso da
figurinha besuntado de cola a gente colava a figurinha no álbum. E aconteceu muitas vezes de
eu besuntar demais. Eu colocava cola demais e quanto eu fazia aquela pressão para aderir a
figurinha no álbum, aquela pressão fazia que a cola demais espirrasse para os lados e quando
eu fechava o álbum a página de cima grudava na pagina de baixo e dava muito trabalho para
separar a pagina de cima da pagina de baixo. Demorava às vezes muito tempo até eu
conseguir separar as páginas e em algumas vezes eu inutilizava figurinhas porque um pedaço
da figurinha ficava colado na página de cima. Minha vó viu aquilo e falou que eu deixasse a
cargo dela de colar as figurinhas no álbum. Então o jeito da minha avó colar era bem diferente
do meu. Ela não punha muita cola como eu fazia. Ela colocava só umas gotinhas de cola...
muito econômicas... e depois para aderir para colar a página no álbum ela não colava com
aquela força que eu fazia com aquela maneira brusca que eu fazia. Ela... a mão dela descia
suavemente sobre álbum, e muito docemente fazia a figurinha aderir ao álbum. De modo que
nunca mais houve página de cima colando na página de baixo. E outra ajuda que a minha vó
deu também referente ao álbum é que se você olhasse para o álbum as figurinhas eram mais
ou menos assim mais ou menos assim [o escritor mostra o movimento de um pêndulo]. O meu
álbum tinha muitas figurinhas tortas. Umas muito tortas e outras pouco tortas. E depois que a
minha vó passou a ser a gerente, né, passou ser a administradora do meu álbum todas as
figurinhas eram retas, perpendiculares à base do álbum e paralelas entre si. O meu álbum
ficou muito bonito parecia assim uma formação militar geométrica. De Soldadinhos numa
parada. E outra ajuda que a administração da minha vó trouxe pro álbum, porque a
administração da minha vó só trazia coisa boa pro meu álbum. E que o meu álbum ficou mais
limpo. Aliás, ficou limpo de tudo depois que a minha vó passou a administrar. Porque antes
ele não era muito limpo, tinha marca de dedão, tinha uma machinha aqui tinha uma
manchinha ali, coisa que criança faz e com a administração da minha vó aquilo ficou
185
maravilhoso, um espelho reluzente o meu álbum. Outra coisa que a minha vó me ajudou foi
de separar a figurinha da bala futebol. Hoje vocês quando compram figurinhas de futebol, elas
vem embaladas dentro de envelopinhos, mas naquele tempo a embalagem totalmente
diferente e a figurinha vinha enrolada numa bala muito açucarada, muito doce. Então, tinha a
bala, a figurinha vinha enrolada em volta da bala e em cima daquilo tudo tinha um papel
vermelho que era a embalagem geral. Tirar o papel vermelho era fácil, mas na hora de você
desenrolar a figurinha da bala, acontecia algumas vezes, eu digo algumas vezes nem sempre,
geralmente era fácil, mas algumas vezes acontecia da figurinha ficar grudada naquela
substancia açucarada da bala e ficava muito difícil, precisava também de muita paciência para
destacar a figurinha da bala sem ferir a figurinha e algumas vezes eu ficava com um pedaço
da figurinha na minha mão e o outro pedaço ficava na bala, inutilizando também a figurinha,
sobretudo... é a coisa era mais aflitiva. Se fosse uma figurinha difícil como aconteceu algumas
vezes. Minha vó viu aquela preocupação minha e falou: João Carlos, deixa que eu colo a
figurinha. Deixa que eu separo, deixa que eu separo a figurinha da bala. Então dali para
frente, todas vezes que aparecia uma figurinha grudada na bala eu entregava para a minha vó.
E ela colocava a figurinha e a bala na ponta do bico de uma chaleira de água fervente e o
vapor que saia daquela chaleira Ele amolecia a bala, a bala ficava mole e ficava fácil destacar
a figurinha da bala. Então a vovó passava a figurinha debaixo de uma torneira de água para
tirar aqueles fragmentos da bala que ficaram e entregava a figurinha perfeita para mim. Então
eu cresci, parei de colecionar figurinhas, me formei em Direito, casei-me, tive filhos e, em
1969, eu publiquei o Gênio do crime. Em fevereiro de 1969 foi publicado o gênio do crime
com a dedicatória para a minha vó. Dedico este livro a minha querida avó Cecília Duval
Marinho. A minha vó nesse tempo, em fevereiro de 1969, ela ia fazer oitenta anos em julho de
1969. Então ela ia fazer oitenta e nove para noventa anos e ela ficou muito emocionada. Ficou
muito comovida com aquela dedicatória. Eu não esperava, eu esperava que ela gostasse, mas
não podia antecipar que ela ficasse tão comovida e ela queria por toda lei saber ler aquele
livro e saber qual era aquela história que era dedicada pra ela. Mas a minha vó já estava
chegando perto dos noventa anos e como algumas pessoas nessa idade ela estava andando
pouquinho desligada, mas não totalmente desligada. Dava pra conversar, ver a novelazinha da
televisão, mas para ver um livro, eu acho que a cabeça, a cabeça dela, certamente não
conseguia mais ler um livro inteiro. Então minha mãe supria essa dificuldade, esse obstáculo
e minha mãe toda noite lia um capitulo do gênio do crime pra ela. De modo que a minha vó,
leu. A minha vó pode ouvir todos os capítulos do Gênio do crime, um lido a cada dia por
186
minha mãe. Essa historia da minha vó Cecilia e do meu álbum de futebol. Eu agradeço a
atenção e até logo.
187
Sangue fresco por João Carlos Marinho
Transcrição:
O Ship O‟ Connors é o chefe de uma quadrilha internacional que sequestra crianças e
as leva para a Amazônia onde o sangue delas é retirado para ser vendido na Europa e nos
estado unidos. Depois de fazer um primeiro sequestro com sucesso, o Ship O‟ Connors está
escolhendo as vítimas para o segundo sequestro que ele pretende realizar. Com esta finalidade
ele visita a casa do Gordo onde está sendo realizado a festa de são Pedro em 29 de junho de
1980. Quando o Ship O‟ Connors vê o Gordo, ele fica maravilhado, ele fica estupefato. A cor
da pele do Gordo, ele olha pro Gordo e fica... tem a certeza de que o Gordo tem o sangue mais
mais rico do mundo. Que o sangue do Gordo vai fazer ele milionário. Que o sangue do Gordo
vai ser vendido por uma fortuna na Europa e nos Estado Unidos.
Então ele promete a si mesmo que irá sequestrar o Gordo. Essa festa junina que eu
descrevo de maneira tão viva e com tantos detalhes no livro Sangue Fresco, é a cópia,
transposição da real festa junina que eu dei na mesma data em 29 de Junho de 1980 na minha
casa de Guarulhos da Avenida Salgado Filho. Foi uma festa muita alegre, eu comprei muitos
fogos, muita comida muita bebida. Botei muita música houve muita dança. Inclusive eu
transcrevo no livro Sangue Fresco a segunda estrofe da música da letra da música noite de
junho de Alberto Ribeiro e do João De Barro que eu toquei na minha festa essa... essa estrofe
que está transcrita no livro foi tocada na minha festa. Essa estrofe é assim: "Os balões devem
ser com certeza as estrelas aqui desse mundo. E as estrelas do espaço profundo são os balões
lá do céu." Saindo da festa do Gordo com a aquela ideia na cabeça, né, o Ship O‟Connors
tenta um primeiro sequestro do Gordo, mas o Gordo escapa, mas aí ele tenta um segundo
sequestro e consegue levar o Gordo e mais a turma dele e mais outras crianças para a clareira
na Amazônia para retirar o sangue deles e efetivamente esse sangue começa a ser
semanalmente retirado.
A descrição dessa clareira na Amazônia que era o campo de concentração das crianças
não foi difícil para mim porque em janeiro de 1973, eu visitei na Amazônia, no centro da
floresta amazônica, uma fazenda experimental de gado que justamente era uma clareira que
tinha sido aberta na floresta de onde tinham sido derrubadas as grandes árvores. A primeira
coisa que me chamou a atenção ao pisar nesta clareira foi o chão de areia, o chão era de uma
areia muito fina, muito branca. Parecia que eu estava pisando numa praia. Isso mostrava o que
tinha aprendido na escola e nos livros de que solo da Amazônia não é fértil. Ele não é
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alimentício para as arvores e por isso mesmo aquelas grandes arvores aquelas majestosas
arvores elas penetram as raízes muito pouco no chão. As raízes dessas árvores se espalham
lateralmente, se espalham do lado e vão procurar alimento na camada de folhas ou das folhas
que caem da própria arvore e das folhas que caem das arvores vizinhas. Por esse motivo, essas
árvores são estáveis, não tem uma boa sustentação, e disso aproveitou o Gordo para fazer o
boliche amazônico e se livrar com isso dos capangas do Ship O‟ Connors que os perseguiam
na fuga pela floresta. Eu fiz vários capítulos se desenrolarem nessa clareira mas chegou num
momento em que o livro precisava ir adiante, o livro precisava continuar, o livro precisava ter
um desenvolvimento dramático e esse desenvolvimento dramático era justamente a fuga das
crianças pela floresta a perseguição que os bandidos fazem dessa fuga e finalmente as
crianças encontram um ponto de salvação em algum lugar. Nesse ponto de descrever as
crianças sozinhas vários dias dentro da floresta amazônica o meu conhecimento livresco não
servia para nada. Eu precisava de conversar com alguém que me desse uma descrição viva e
minuciosa de como é a floresta amazônica. E o meu cunhado Carlos Alberto Sterenberg me
falou que ele conhecia o guia, aquele que foi guia da guerrilha do Araguaia e que guiava
pessoas de noite na floresta justamente para evitar a perseguição do exercito e era uma pessoa
que era unha e carne com a floresta amazônica.
Era a pessoa que podia resolver o meu problema apara terminar Sangue fresco. O
nome dele é José Genoíno. Eu nunca tinha ouvido falar no José Genoíno porque o José
Genoíno tinha sido liberado a pouco pela lei da anistia trabalhava modestamente num
cursinho e ainda não tinha se envolvido na política. Eu marquei um encontro com José
Genoíno no bar batoque na rua São Luís. A Marisa, minha mulher, foi comigo e levou um
caderno para fazer anotações. ali o José Genoíno na minha frente e a Marisa do lado tomando
anotações durante três horas e meia eu bombardeei o José Genoíno com perguntas. Eu falo
três horas e meia porque eu marquei no relógio. Foram três horas e meia. E eu perguntei tudo
aquilo que eu queria saber. Perguntei como é que as crianças ia se orientar dentro na selva
sem bussola sem mapa, como é que elas iam achar o igarapé para fazer uma jangada e se
afastar dos bandidos como é que elas iam se alimentar e sobreviver vários dias naquela
floresta, quais o perigos que elas iam encontrar como é que elas iam contornar esses perigos
como é que eram as noites na floresta, como é que eram os cheiros da floresta como que eram
os sons da floresta.
Enfim toda uma série de perguntas eu fui fazendo para o José Genoíno e com muita
bondade e com muita boa vontade ele foi me respondendo. Graças a ele, eu pude aproveitando
essas anotações escreve a parte final de Sangue Fresco a fuga das crianças pela floresta até
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que elas encontram a salvação no frade João e aí eu terminei sangue fresco que foi lançado em
maio de 1982 na livraria Capitu ali na rua pinheiro e ali ele começou a carreira dele na
literatura nacional. Eu agradeço a atenção de vocês e muito boa tarde.
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Histórico do Conde Futreson, escrito pelo próprio autor
O meu livro tem a sua fonte no Drácula de Bram Stoker. Adaptei o Drácula
de modo que ele pudesse fazer parte de uma aventura da turma do gordo, no
Brasil. Mesmo com as mudanças que eu fiz esse livro não poderia ser publicado
sem licença do autor caso pelo decurso do tempo após a morte do autor a obra não
tivesse caído no domínio público.
Em 1922 foi lançado o famoso filme alemão Nosferatu, considerado um
clássico, onde os produtores fizeram várias alterações no enredo (o Conde Drácula
era chamado de Conde Orlok) mas não escaparam. A viúva do Bram Stoker
processou o filme por plágio e a sua exibição foi proibida, só vol tando aos
cinemas quando o livro caiu no domínio publico ou com licença da viúva ou dos
herdeiros.
O segundo filme famoso sobre o livro, chamado também Drácula, saiu em
1931, mas os produtores obtiveram licença da viúva em troca de um pagamento. É
um filme americano, que também ficou histórico, estrelado por Bèla Lugosi.
A verdade é que o Bram Stoker não só inventou o vampiro Drácula mas foi
o primeiro a fazer um enredo bem estruturado sobre o assunto. Um enredo tão
vivo, tão genial, possuidor de uma dinâmica e uma força dramática inigualáveis,
que inibiu futuros autores de se aventurarem numa história original de vampiro
que se afastasse do molde inventado por Bram Stoker.
Antes de Bram Stoker existiam lendas de vampiro, chupadores de sangue,
entre todos os povos do mundo, mas eram lendas muito fraquinhas, sem estrutura
e sem consistência. O vampiro fez a sua primeira entrada na literatura em 1819,
época em que as histórias fantásticas com monstros começavam a entrar na moda.
E tanto estavam na moda que o autor, John William Polidori estava fazendo uma
vilegiatura nas margens do Lago de Genebra, junto a Lord Byron, Percy Shelley e
Mary Shelley, a qual trabalhava na sua famosa obra Frankestein. O livro de John
chamou-se The Vampyre, teve algum sucesso de época e desencadeou uma onda de
histórias de vampiro, todas elas muito frouxas, geralmente almas penadas
(undead) que voltavam para sugar sangue.
O irlandês Bram Stoker que morava em Londres, onde era agente teatral e
também escritor, foi quem botou vida na his tória do vampiro com o seu Drácula
publicado em 1898. Muitos hoje pensam que ele se inspirou numa lenda da
191
Transilvania, o que é completamente errado. Pelo contrário Bram Stoker deu de
presente para a Transilvania a história do Drácula. O autor já tinha n a cabeça a
estrutura da história e estava procurando um título para o livro. Na cabeça dele o
livro ia chamar-se Vampiro (Wampyr) mas, como passava umas férias na cidade
litorânea de Whitby, e freqüentando a biblioteca local, encontrou o nome do
duque húngaro Vlad Tepes que tinha a alcunha de Dracul. Na margem daquele
livro estava escrito à mão por um leitor desconhecido: “Dracul quer dizer Diabo”
(Dracul meant Devil). Bram Stoker achou que era um ótimo nome para o seu
vampiro, inclusive porque era nobre e o associava a batalhas passadas contra os
turcos.
Isso quer dizer que se não fosse esse acaso e se não fosse o Bram Stoker,
ninguém estaria hoje associando a Transilvânia com vampiros, nem os próprios
habitantes do lugar. Ganharam de presente e estão fazendo bom proveito com o
turismo. A magia dessa história não veio da tão decantada “pureza do folclore
popular” e sim da cabeça e do cérebro de um escritor.
Note-se que o lugar onde o barco fantasmagórico do Drácula aportou na
Inglaterra foi justamente a cidade de Whitsby, onde, no livro, Mina e Lucy
passavam férias e a cidadezinha é descrita com fidelidade no livro, tanto assim
que ela oferece roteiros aos turistas baseados no livro de Bram Stoker, pois uma
parte fundamental da ação se passa ali.
Houve mais dois filmes famosos sobre o livro: o Drácula de 1958 e o
Drácula de 1992. O Drácula de 1958, feito na Inglaterra (cujo título foi
posteriormente mudado para The Terror of Drácula, para evitar confusão com o
filme de Bèla Lugosi) nos presenteou com as melhores representações do Conde
Drácula (por Christopher Lee) e do Doutor Van Elsing (pelo formidável Peter
Cushing). O Drácula de 1992, dirigido por Francis Ford Coppola atribui -se uma
maior fidelidade com o livro original mas ainda assim apresenta um série de
mudanças, entre elas o rejuvenescimento do Conde e o seu demorado namoro
formal, copiando um namoro real, com Mina. Não é defeito fazer adaptações, a
passagem de livro para filme as exige, o defeito foi querer transformar uma
história de entretenimento em “obra de arte”, no que resultou um evidente
esnobismo que tirou a vida, a vibração e a força da história, sem falar que Gary
Oldman como Drácula e Anthony Hopkins como Doutor Van Helsing estão
lamentáveis, mormente se comparados a quem anteriormente nos f ez vibrar nos
192
mesmos papéis, como Christopher Lee, Bèla Lugosi e acima de todos Peter
Cushing.
Voltando ao meu Conde Futreson, a base da estrutura dinâmica foi copiada
do livro de Bram Stoker, daí ser confessadamente um plágio. O nome do conde
(Futreson da Lucra) é um anagrama de Drácula, ele é um morto vivo, nobre, que
mora em um castelo em um país distante, alimenta-se de sangue humano, a sua
picada tem o poder contagioso de transformar os mordidos em sub -vampiros que
passam a obedecer cegamente ao conde, cujos sub-vampiros por sua vez
transformam em sub-vampiros aqueles a quem picam. O estrangeiro que o visita
não é o inglês Johanatan Harker, mas é a brasileira Jandira (Lucy), onde, vendo a
fotografia da Berenice (Mina) o conde efetua a longa viagem, não para a
Inglaterra, mas para São Paulo, sempre levando o seu carregamento de terra, vital
para a sua existência. No Brasil o conde investe contra a sua presa
(Berenice/Mina) mas terá que lutar contra o seu formidável adversário, o frade
João (Doutor Van Helsing). Como no livro de Bram Stoker o conde pode circular
durante o dia e a luz apenas limita os seus poderes mas não o mata, ao contrário
do que aconteceu nos filmes Nosferatu de 1922 e no Drácula de 1958. Sem falar
do louco do meu sanatório, uma cópia do Renfield que estava confinado ao
sanatório do Dr. Seward e acima de tudo da maneira de matar vampiro enfiando
uma estaca no coração (por razões práticas omiti a necessidade de conjuntamente
cortar a cabeça).
Sem esse molde, copiado do original, seria impossível o meu livro. O resto
ficou por conta da minha imaginação.
Curiosidade: Ao final do filme Drácula de 1931, aparece na tela o ator
Edward Van Sloan, ainda no papel de Doutor Van Helsing, que dirige um
monólogo para a platéia onde aconselha os espectadores a ficarem atentos pois
“os vampiros existem na realidade”. Com base numa lei de 1934 este monólogo
foi retirado do filme por ocasião de sua reapresentação em 1936, sob a alegação
de que isto apavorava além da medida a muita gente.
193
ANEXO E: ENTREVISTAS CONCEDIDAS POR MARINHO A REVISTAS,
PROGRAMAS E JORNAIS.
O Estado de São Paulo, 01 de dezembro de 1988.
Um prêmio derruba velhos preconceitos
Por Sérgio Pinto De Almeida
João Carlos Marinho e Márcia Kupstas recebem hoje no Teatro Sesc-Pompéia o prêmio
Mercedes-Benz de Literatura de 88, este ano atribuído à categoria juvenil. O júri, formado por
Antônio Dimas, Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Fanny Abramovich, Eliana Yunes, Edmir
Perrotti e Ray-Güde Mertin, analisou 375 obras de autores nacionais e escolheu Berenice
Detetive de João Carlos Marinho, o melhor livro juvenil,lançado entre janeiro de 86 e julho de
88, e criou o pr~emio Revelação, entrgeue a Márcia Kupstas pelo livro Crescer é perigoso.
Criado em 86 e entregue em sua primeira edição à escritora Zulmira Tavres Ribeiro, pelo
romance O nome do Bispo, tem a partiicpação do Instituto Goethe na sua promoção, já qie o
premio inclui uma passagem aérea à Alemanha, com um roteirocultural organizado de acordo
com os interesses do premiado, além de 1.500 OTN‟s (Cz$ 7.186.335,00) e mais uma quantia
equivalente a cinco mil marcos (Cz$1.707.000,00) para ajuda no custo de tradução e
publicação do livro na Alemanha. Márcia Kupstas como autora revelação receberá 350 ONT‟s
(Cz$1.676.811,50).
Temas malditos, ousadia de João Carlos Marinho
Por Sérgio Pinto de Almeida
Todo dia por volta das 10 horas, ele deixa seu apartamento na Rua Joaquim Antunes,
em Pinheiros, e faz uma caminhada pela vizinhança. Anda exatos 5250 metros, medidos
previamente pelo velocímetro de seu Voyage bege. Seu destino, invariavelmente, é uma das
quatro livrarias preferidas no bairro: Siciliano, Saraiva, Canto de Prosa e Capitu. Na Capitu,
então, ele se esbalda, entra falando alto chamando a atenção de quem não o conhece senão
pelo volume da voz, pelo jeito estranho – misto de atabalhoado e maluco. Olhos verdes
esbugalhados – “mas que podem ficar azuis dependendo do dia, esse é o mistério” -, uma
barbicha largada no queixo, dentes maltratados, uma gargalhada espalhafatosa e gestos
grandiloquentes.
Imediatamente começa a fuçar as prateleiras, encontra um livro que lhe interessa e
inicia a leitura, sempre entusiasmado. Pode ficar de 15 minutos a duas horas na livraria, lendo.
194
Depois pega um marcador, coloca-o no ponto em que a leitura foi interrompida e devolve a
prateleira. Começa então a torcer para que ninguém o desmarque ou o exemplar não seja
vendido. Desse jeito, sem pagar nada, na manhã, leu durante dias seguidos O Testamento de
Oscar Wilde, de Peter Ackroyd, François Villon, tratados de sociologia e politica.
“Nunca imaginei que o ócio fosse tão maravilhoso. Há um ano fechei meu escritório
de advocacia e só vivo de escrever. Pensei que fosse ficar maluco sem fazer nada, mas
descobri que fazer nada é extraordinário”, afirma João Carlos Marinho.
Best-seller da literatura infanto-juvenil, unanimidade entre os críticos – que aponta sua
obra como inovadora, por ter incorporado ao gênero temas antes malditos, como a violência, e
a completa eliminação do mundinho amarelo-patinho-onde-tudo-acaba-bem -, ele não
frequenta rodas literárias e raramente visita escolas para falar de seus livros. Culto, não
responde nada sem uma citação, sem referencia a um escritor, um filósofo ou um músico.
Pode ir de Montaigne a Dostoievski sem a menor cerimônia e garante não ler quase nada de
infanto-juvenil.
“Já passei dessa fase. Vou aos clássicos, a Machado, Eça, Proust. Este ano li duas
vezes Em Busca do Tempo Perdido. Aliás, por que busca? Busca é busca pé, busca e
apreensão. A tradução deveria ser “procura”, uma palavra poética, bonita.”
E lá vem longas reflexões sobre Proust, cuja obra principal ele já leu nove vezes,
incluindo as duas leituras este ao. Se não for interrompido, desanda a falar e sai de baixo. Seu
tom não é antipático ou arrogante, no máximo discursivo demais, possivelmente herança do
tempo de advogado em Guarulhos, onde defendeu os sindicatos dos metalúrgicos, químicos,
dos trabalhadores na indústria de papel e papelão, tecelagem e da construção civil. Em 64,
após o golpe, os interventores desses sindicatos o afastaram, mas ele continuou trabalhando e
morando em Guarulhos e só em 69 lançou Gênio do Crime, seu maior sucesso, em torno de
um milhão de exemplares vendidos até hoje. E lá vem mais uma história.
“Comecei tarde a escrever, mas Rousseau – sem querer me comparar – também
começou. Ele não tinha escrito nada até os 33 anos e, motivado por um concurso, escreveu
Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens e se lançou como
escritor. E você sabe que no concurso ele tirou o terceiro lugar?” E quem ficou com o
primeiro?
“Não sei. Aliás, Guimarães Rosa também foi o terceiro colocado num concurso com
Sagarana e um dos jurados, que inclusive justificou seu voto, foi Graciliano Ramos! E
alguém sabe, hoje, quem foram os dois primeiros?”
195
Essa história de Guimarães Rosa já é bastante conhecida, a de Rousseau nem tanto,
mas ambas servem para que João Carlos justifique um certo desdém em relação a prêmios ou
vendagem. Diz enfático que, se não vendesse tanto, continuaria escrevendo do mesmo jeito,
tanto que está lançando este ano um livro de poesia, sinônimo de pouca vendagem no Brasil.
“Uma vez, Degas, conversando com Mallarmé, disse que tinha uma idéia para
escrever. A resposta de Mallarmé foi exemplar: „Poesia são palavras, não são idéias‟.”
“Vamos em frente, que atrás vem gente” também é uma citação, como poderia ser
uma frase de John Waine, aos seus comparsas, diante de um iminente ataque de um cruel
bando de caras-pálidas. E John Waine, Gary Cooper, Errol Flyn, caubóis e aventureiros – sem
esquecer Tarzã, é claro – são os grandes e fascinantes aventureiros do mundo de João Carlos
que ele, a seu modo, também passa nas suas citações. Com uma turma de dez personagens
fixos mais os eventuais, constrói histórias cheias de suspense, muitas vezes com sangue. Aos
que o criticam por expor violência às crianças, responde convicto:
“Só ignorantes ou hipócritas evitam temas às crianças. Se ninguém morre em livro de
aventura, não há aventura. Quando eu era criança íamos em bando ver os massacres de índios
no cinema, urrávamos de felicidade. Sem contar que Moby Dick é massacrda, e tudo bem
ora.”
Seus livros já foram tachados de pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo,
durante o regime militar, de “altamente nocivos”, e uma professora do Colégio Rainha da Paz
foi até detida por ter adotado Caneco de Prata – o que levou João Carlos a depor na
famigerada Oban, Operação Bandeirantes. Hoje tá limpo.
“Tô muito feliz da vida. Morando em São Paulo, separado, xiita corintiano e com
crédito no Gorducho, o restaurante onde como bife de tira, hoje, e só pago no dia 10 do mês
que vem.”
196
O gênio do crime
Entrevista concedida por Marinho ao programa Entrelinhas.
Transcrição:
João Carlos Marinho: "Era mês de outubro em São Paulo, tempo de flores e dias nem muito
quentes nem muito frios, e acriançada só falava no concurso de figurinhas de futebol. Deu
mania forte dessas que ficam comichando o dia inteiro na cabeça da gente, e não deixa pensar
em mais nada."
Eu pensei em fazer uma aventura com figurinhas de futebol. Então eu imaginei que ia
ter uma fábrica honesta que vendia figurinhas e dava prêmios fabulosos que ia ter uma
fábrica de um bandido que falsificava as figurinhas e que atrapalhava a vida das crianças que
colecionavam e as crianças seriam chamadas então a, pausa por que era uma história infantil,
a solucionar o crime a prender o dono da fábrica clandestina e o seu vendedor de rua, que era
o cambista. Quem enchia o álbum ganhava prêmios bons.
"... e jogava abafa pela cidade: São Paulo estava de cócoras; batendo e virando. Batia-
se de concha, de mão mole, de quina, com efeito, de mão dura, conforme o tamanho do bolo,
o jeito do chão e o personalismo estilo de cada um."
Tinha que surgir uma turma, porque uma criança sozinha não existe. a criança tem que
ser em turma. Cada um de um jeito não e o Bolachão Gordo, super gênio o Edmundo mais
forte mais... mais... assim mais determinado e o Pituca aquele brincalhão aquele gozador fiz
aqueles contrastes que facilitaram o desenvolvimento da história. Foi o meu primeiro livro.
Ele foi publicado em fevereiro de 1969 sem tarde de autógrafo, apenas o Caio Graco ligou prá
mim e falou: João, o seu livro tá na rua e aí começou a história do gênio do crime.
ENTREVISTADOR: O gênio do crime é publicado em 1969 num dos momentos Mais
sombrios da história do Brasil. O momento político pesou no enredo do livro?
João Carlos Marinho: Não. Acho que não. Acho que... o momento político se incomodou com
O gênio do crime porque tem uma hora que pro Bolacha confessar uma coisa arrancam...
pegam um alicate para arrancar a unha dele e aí cismaram com isso e foi proibido nas escolas
públicas. O que de uma maneira muito brasileira ninguém ligou e continuaram dando O gênio
do crime nas escolas publicas. A agressividade que existe naturalmente em uma aventura
porque sem conflito não há aventura, sem perigo não há aventura ... ela se dilui porque são
comédias, pessoas... a reação de toda criança que lê O gênio do crime é uma profunda alegria
Você já leu. E dá muito risada. (Reportagem de Manuel da Costa Pinto )
197
Entrevista de João Carlos Marinho para A Revista Direcional, em Novembro De 2005.
O GÊNIO DAS AVENTURAS INFANTIS
O autor de O Gênio do Crime é mestre em enredos com muita aventura e suspense
e há quase 40 anos atrai as crianças para a leitura.
Quem está na faixa dos 40 e poucos anos na certa tem um exemplar de O Gênio
do Crime na estante. Os filhos dessa geração também já leram ou estão lendo o livro.
Lançado em 1969, e hoje na 58ª edição, O Gênio do Crime é até agora o maior sucesso
do autor João Carlos Marinho. Ele se orgulha de que o livro, além de adotado pelas
escolas, é presença freqüente nas livrarias e procurado pelos leitores. “Escrevo meus
livros para crianças, não para escolas ”, sentencia.
Depois do Gênio do Crime, o autor lançou outros 11 títulos com a mesma Turma
do Gordo, o Bolachão e seus amigos Berenice, Edmundo e Pituca. No primeiro livro,
eles ajudam seu Tomé, proprietário de uma fábrica de figurinhas de futebol, a encontrar a
fábrica clandestina de figurinhas difíceis. Vieram outros sucessos, como O Caneco de
Prata, onde a Turma do Gordo resolve ganhar o campeonato mirim de futebol, até então
ganho pela escola do fanático professor Giovanni, e Sangue Fresco. Na trama, as crianças
são vítimas de um bandido que as seqüestra e leva-as para a Amazônia, com a intenção de
retirar seu sangue e exportá-lo. Sangue Fresco venceu o Prêmio Jabuti de 1982, o Grande
Prêmio de Literatura Juvenil de 1982 da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA)
e foi considerado Altamente Recomendável para o Jovem pela Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
Assassinato na Literatura Infantil (Global Editora) é o último lançamento de
Marinho. Recém chegado às livrarias, ele segue a trilha de suspense, aventura e muita
ação. Desta vez, a turma do Gordo tem de desvendar o assassinato de um dos membros
do júri de um concurso literário promovido pela mãe do Gordo. Mais uma vez, São Paulo
é o cenário para as aventuras dos garotos. A ação se passa no bairro de Pinheiros, também
onde mora o autor.
Aliás, é em Pinheiros que Marinho tem percebido uma sutileza dos tempos
modernos.
198
O bairro é famoso pelas suas inúmeras lojas de móveis. Quando mudou para lá, há
18 anos, ele se recorda de que em todas as vitrines era comum encontrar estantes de
diversos modelos e tamanhos.
“Hoje não se acha mais uma estante. Só rack para computador, DVD, televisão.
As estantes sumiram do mercado”, diz o escritor. O sumiço das estantes prova que a
leitura tem perdido espaço no mundo contemporâneo.
“Mudou inclusive a própria importância que se dá ao escritor. Quando eu era
criança, um escritor era uma pessoa muito importante. Na cultura ocidental,
tradicionalmente o escritor tinha uma situação privilegiada.
O escritor não é mais uma figura tão importante. Mas o livro não deixou de ser
importante, apesar da concorrência que sofre”, afirma.
Em todos esses anos de literatura infantil e visitando escolas (atualmente, é mais
comum ele receber alunos no salão de festas de seu prédio do que ir até as salas de aula),
João Carlos acompanhou com tristeza uma transformação. “Nos anos 1960 e 1970 eu via
nas escolas públicas a mesma disciplina, a mesma euforia, a mesma agradável bagunça, a
mesma liberdade e vontade de ler que eu encontrava nas escolas particulares de elite.
Hoje, infelizmente, isso não acontece mais, a escola pública foi muito transformada.
Professores são agredidos e isso não acontece só no Brasil. Vemos pela TV a toda hora
problemas de agressão e de extorsão nas escolas, em países desenvolvidos”, constata.
Em meio a essa transformação, João Carlos ainda acredita na força da leitura. E
lembra de como tornou os próprios filhos bons leitores. “Eu já era um escritor
reconhecido e meu filho de 12 anos, que era hiperativo, nunca tinha lido um livro meu.
Quando publiquei Sangue Fresco coloquei uma foto dele comigo na capa e consegui fazer
com que ele lesse o livro. Isso mostra, embora fato empírico, que um estímulo que projete
o hiperativo na leitura vai fazê-lo sentir-se gratificado e o estimulará a ler”, acredita.
Para os pais que não são escritores, e não podem usar argumentos como uma foto
do filho na capa, ele se lembra de outra história. Quando crianças, seus três filhos tinham
o hábito de chegar da escola e ir para o quarto da bagunça, onde passavam horas
assistindo a TV. Então, João Carlos resolveu enchê-los de histórias em quadrinhos.
“Comprava todas, e três exemplares de cada, para que cada um tivesse a sua historinha
individualizada. O dono da banca de jornal adorava, eu tinha conta por mês. A minha
idéia era criar um concorrente para a televisão, que pelo menos, por poucas que fossem,
tivesse palavras e frases. A linguagem escrita, com a sua sintaxe e a sua riqueza, é o
instrumento que forma o nosso pensamento, é o nosso pensamento. Foi um sucesso
199
fenomenal! Nunca, nem por um segundo, eles olharam para a televisão enquanto
devoravam os quadrinhos. Não sei explicar a mágica, mas eu fiquei admirado, parecia
um milagre”, comemora.
Em meio aos compromissos que envolvem o lançamento de Assassinato na
Literatura Infantil e às comemorações pelas recentes vitórias do seu time do coração, o
Corinthians, João Carlos Marinho recebeu Direcional Escolas para a seguinte entrevista.
DIRECIONAL ESCOLAS - Depois de quase 40 anos escrevendo e lançando
livros infanto-juvenis, a sensação ainda é a mesma de ver uma nova obra sua nas
prateleiras das livrarias?
João Carlos Marinho – Hoje, é mais forte ainda, porque eu vejo que a minha
literatura durou todo esse tempo e não foi um fenômeno passageiro. Isso me dá uma
imensa satisfação. Qualquer escritor prefere ser um clássico do que um best-seller, uma
moda. Quando eu vejo a minha permanência isso me dá uma emoção muito grande, mais
até do que no começo. Quando você começou a escrever a literatura infantil era muito
diferente de hoje...
Quem era best-seller era Monteiro Lobato. Comecei na Brasiliense, que era uma
das maiores editoras do Brasil daquele tempo. Freqüentava a Livraria Brasiliense da Rua
Barão de Itapetininga. Na época, eu estudava Direito no Largo São Francisco e na
livraria aconteciam reuniões de estudos e do movimento estudantil.
Já tinha esse laço com a Brasiliense antes de lançar o Gênio do Crime. 60% das
vendas da livraria eram edições completas de Monteiro Lobato. Os pais da minha geração
tinham lido Lobato quando crianças e era obrigatório dar a obra do autor para os filhos.
Não comprávamos apenas um livro, mas a obra completa, que vinha numa caixa.
Lembro que custava caro e que comprei a prestação para os meus filhos.
Depois, quando eu comecei a escrever, um grande sucesso da literatura infantil
era Odete de Barros Mott.
Mas, o que levou um advogado a se tornar autor de livro infantil?
Outro dia assisti a uma entrevista do escritor João Ubaldo Ribeiro onde ele falava
que o maior pecado que uma pessoa pode fazer é contrariar a sua vocação. Eu sempre tive
vocação para ser escritor mas eu tinha dúvidas da minha competência para alcançá-la.
200
Monteiro Lobato era uma pessoa que eu admirava muito. Eu queria muito fazer coisas
parecidas com o que Lobato fazia. Mas, já adulto vi que precisava sustentar uma família
então resolvi ser advogado, já que não tinha tendências para ser médico ou engenheiro.
Estudei muito para me firmar na profissão, durante três anos eu só pensava em Direito.
Consegui que meu escritório crescesse e pude contratar um advogado assistente. Aí entra
a literatura, porque eu podia ficar em casa de manhã escrevendo. Assim surgiu o Gênio
do Crime, nesse espaço que eu achei na minha vida para trabalhar um pouco menos.
Felizmente, meu primeiro livro foi o que teve mais sucesso. Até hoje metade das vendas
dos meus livros são do Gênio. Ele me abriu um caminho, até que em 1987 resolvi deixar
de lado a advocacia e viver dos meus direitos autorais.
Até hoje ele é muito adotado nas escolas?
Sim, mas prefiro usar o termo lido do que adotado. Sempre tive esse orgulho,
porque muitos livros infantis vão diretamente da editora para a escola mas os meus livros
sempre foram objeto de procura do leitor isolado, sempre estiveram nas livrarias. Escrevo
para as crianças e não para as escolas.
O Gênio do Crime é uma aventura, com toques policiais. Você tinha idéia de
que ele seria um sucesso editorial?
O livro estava praticamente pronto desde 1966. Mas, eu queria ter uma noção de
como O Gênio do Crime seria recebido, se ele era realmente uma literatura infantil.
Então, entreguei uma cópia do livro para os garotos Plininho e Fran de Arruda Sampaio,
filhos de Plínio de Arruda Sampaio. A recepção foi muito acima do que eu esperava. Eles
brigavam pelo livro, deliravam, foi um anúncio do que seria o sucesso do Gênio do
Crime.
Fiquei muito confiante com aquele resultado. O lançamento aconteceu em
fevereiro de 1969, mas não foi um lançamento como os de hoje, com autógrafos, até
porque eu não era um autor conhecido. O editor apenas avisava: „Seu livro saiu‟. Quando
eu recebi o meu livro pronto fiquei até um pouco decepcionado porque ele não tinha capa
dura, como tinham os de Monteiro Lobato, que era a única literatura infantil que eu
conhecia.
201
A que você credita o sucesso do livro?
Escrevo comédias, a criança se apaixona e acha graça. A comédia tem um
esqueleto formado pela luta com um bandido, um pouco inspirada nas histórias em
quadrinhos. No início, Edmundo seria meu herói. O Gordo nunca era para ser herói, mas
de repente lá estava ele para resolver as situações. Somos um pouco levados e não
podemos contrariar o momento. No primeiro livro de Lobato, as Reinações de Narizinho,
Lúcia seria a heroína dele, mas a Emília roubou o posto dela. Lobato disse que isso
aconteceu independente da vontade dele. Mas, nem todos meus livros são histórias de
detetive. O Caneco de Prata, O Disco, A Catástrofe do Planeta Ebulidor não são.
Histórias típicas de detetive, com crime e suspeito não declarado são só duas: Berenice
Detetive e Assassinato na literatura infantil. São suspenses clássicos, no estilo Agatha
Christie, onde você convive com o suspeito mas não sabe quem é.
Os meus outros livros são aventuras. O que eu gosto é de botar vida na coisa.
Você foi criticado pelo estilo das suas aventuras?
O Caneco de Prata e O Gênio do Crime foram proibidos nas escolas públicas na
ditadura militar. Sangue Fresco recebeu muita crítica quando foi publicado, em 1982.
Realmente há muita violência no livro. Mas tive boas defesas de críticos e professores
mostrando que, sendo meus livros comédias, a violência se dilui na comédia e acaba
sendo até uma coisa engraçada. Há casos em que os escritores são censurados e tolhidos
pelos próprios editores. Mas, eu sempre fui contra essa ditadura do politicamente correto,
sempre denunciei esse tipo de superproteção que se faz às crianças. Havia uma certa
denúncia na literatura infantil de que livro infantil não podia ter briga, nem morte. Essa
esquizofrenia chegou a tal ponto que mudaram a letra de „Atirei o pau no gato‟. Agora é
„Não atirei o pau no gato‟. Tratar a criança como um indivíduo de tal fragilidade que vai
prejudicar sua vida interior a canção „Atirei o pau no gato‟ é uma coisa esquizofrênica.
Me sinto bem escrevendo para crianças porque elas são muito inteligentes e muito fortes.
Não acredito que uma criança será mal influenciada porque há uma morte ou uma briga
num livro que ela lê. Crer nisso é desconhecer a fortaleza da criança. Morei na Europa
depois da guerra e convivi com adolescentes que passaram pela guerra. Todos eram muito
fortes, estavam tocando a vida pra frente. Recentemente, li uma entrevista da Neli Novaes
Coelho, crítica de literatura infantil, na revista Entre Livros, onde ela declara que o
202
enigma, o mistério, a narrativa de um crime seduz os jovens e podem desencadear a
reflexão.
O que fazer para a criança de hoje ter interesse pela leitura?
Há o bom leitor, que é uma vocação. Para ele a leitura pode até ser proibida que
ele vai atrás. Esses sempre irão existir. Já para os outros, não adianta o professor ter uma
atitude derrotista, dizer que não há o que fazer. Para os que não são bons leitores, ou que
até ali não demonstraram ser, eu acho que pode funcionar uma entrevista com o aluno,
buscando descobrir que tipo de leitura vai interessá-lo ou sobre o que ele gostaria de
escrever. Uma coisa que, pela época dos meus filhos achei que não funciona, são os
chamados trabalhos de leitura em equipe, tentando uma espécie de competição. Isso não
resultava em nada. Ter uma biblioteca à mão é sempre bom, pois cada pessoa se apaixona
por um livro. Não sou professor, nem tenho experiência em pedagogia, mas sei por
múltiplos depoimentos que crianças completamente avessas à leitura se apaixonaram pelo
Gênio do Crime. Outras terão se apaixonado por outros livros.
As pessoas de minha idade nasceram numa época onde o humanismo imperava,
livro era sempre assunto na mesa, aquilo impregnava o ar que a gente respirava, na escola
também. Isso acabou, e não se pode "reviver o passado", como diz a personagem Daisy
do Grande Gatsby. Acredito que o professor já deve estar munido de uma sorte de
conformismo, não passivo, mas filosófico, de que ele vai se dedicar muito a promover a
leitura e que talvez esse esforço, não dando frutos imediatos, plante uma semente que no
futuro despertará na cabeça do aluno.
203
“O Gênio do Crime” e a onda das figurinhas da Copa
Publicado, em 27/4/2010, na revista eletrônica Trópico por Haroldo Ceravolo
Sereza.
Autor do cultuado livro infantil, João Carlos Marinho rejeita comparações entre
sua história e a nova mania
A nova mania de colecionar figurinhas da Copa do Mundo traz à mente um
cultuado livro infantil, “O Gênio do Crime”, lançado em 1969 e hoje na 58ª
edição. O livro começa com a busca empreendida por uma turma de crianças por
uma figurinha muito difícil para preencher o á lbum. Aos poucos, se transforma
numa história de suspense policial. Para o autor da obra, João Carlos Marinh, não
é possível, porém, fazer muitas comparações entre seu livro e a febre agora
provocada pelo álbum da Copa.
Num e-mail pessoal, mas avisado de que as respostas poderiam ser
publicadas na internet, Marinho diz que elementos relacionados ao futebol são
pouco significativos ou estão mesmo ausentes da trama.
De fato, a figurinha difícil do jogador Rivelino, então no Corinthians, que
os personagens Edmundo e Pituca tentam obter no início do livro, funciona apenas
como motivo inicial da obra.
Depois que a aventura se inicia, o problema da figurinha fica menor diante
das revelações que o livro traz. Primeiro, é explicado o mistério da figurinha
difícil: é ela que gera a febre e a busca incessante por novos envelopes, que
garantem o lucro do fabricante.
Mas o fabricante enfrenta a concorrência desleal que, hoje em dia,
chamamos de pirataria. E uma pirataria comandada por um gênio do crime,
investigado por crianças que andam por toda a cidade de São Paulo, do centro à
beira do rio Tietê.
“Se eu permitisse que uma força tão vibrante como o futebol fosse se
intrometendo no livro a cada instante, isso me tiraria o foco dramático intenso da
perseguição do cambista, dos perigos por que passa o (personagem) Gordo, a
aventura dos meninos para acharem a fábrica e salvarem o Gordo, eu estaria
204
tirando o leitor continuamente para „fora do livro‟, o que seria uma coisa de
amador”, diz Marinho.
Com ironia, ele completa: “Uma façanha incomum, tanto mais que o autor,
eu, sou fanático por futebol, mas pela literatura eu faço qualquer sacrifício”.
Marinho, que era um advogado trabalhista em 1969, quando publicou “O
Gênio do Crime”, escreveu logo em seguida “Caneco de Prata”, um livro infantil
de narrativa não-linear – que ele apresenta aos leitores como uma “aventura
surrealista”. Em 1983, voltou a publicar um livro de grande sucesso, “Sangue
Fresco”, em que a turma do Gordo é sequestrada e levada para a Amazônia.
Há alguns anos, quando preparava um dos seus livros mais recentes (são 12
obras que têm como protagonista a turma de “O Gênio do Crime”), Marinho foi
entrevistado por mim. Eu havia lido seu livro no começo da década de 1980, ainda
criança, pouco antes ou pouco depois de tentar completar, sem sucesso, um álbum
de figurinhas distribuídas em chicletes.
Naquela conversa, realizada em Monte Verde, cenário de algumas de suas
obras, ele falou bastante de literatura, mas, sobretudo, de futebol.
Desde então, Marinho costuma responder meus e-mails, exceto quando
sugiro que ele publique, num único volume e para adultos, todos os livros da
coleção -sobre o que ele sempre silencia.
Diante da nova onda do álbum da Copa e das notícias de roubo de
figurinhas na região do ABC (SP), enviei meia dúzia de perguntas despretenciosas
(reproduzidas abaixo) a ele, que respondeu com um misto de impaciência e
amizade.
Nas respostas, Marinho também conta que “Gênio do Crime” deve ganhar
uma nova versão cinematográfica. A primeira foi feita em 1973. D irigido por Tito
Teijido, o filme se chamou “O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime”. Para
o autor, a violência urbana atual será um assunto que terá que ser enfrentado pelo
novo produtor.
Leia a seguir a carta e as respostas de Marinho.
*
“Caro Haroldo,
Você é um amigo que sempre deixa saudade, vê se aparece. Para responder
as suas perguntas é preciso estabelecer um corolário básico que tanto na intenção
do autor como na reação do público, não deixa margem a dúvidas.
205
A paixão futebolística, a vibração com os ídolos e com os estádios, a
atenção sobre os campeonatos em andamento, a lembrança dos passados, a
própria relação física entre as figurinhas e seus representados são elementos
total ou absolutamente ausentes em “O Gênio do Crime”.
Nem mesmo chega a ser um livro sobre figurinhas de futebol, a não ser de
maneira extremamente secundária e quase imperceptível.
As crianças são as que sabem melhor disso: nesses 40 anos de contato com
os leitores não recebi mais de oito perguntas sobre futebol, nunca sobre o enredo,
mas como curiosidade marginal referente à camisa do Corinthians, que o Alex
leva na fotografia da quarta capa.
As únicas pessoas que perguntam sobre isso são as que perguntam sobre
isso são as que não leram o livro ou as que, como você, excitadas pelo fato novo
desse álbum novo, são levadas automaticamente a fazerem uma aproximação com
um livro que, embora "en passant", falou de figurinhas.
Mas você foi um bom leitor do “Gênio”, então é fácil lembrar:
1) O livro começa com Edmundo querendo encher o álbum e com uma
fábrica que dá prêmios bons. O futebol não entra em cena.
2) Edmundo e Pituca procuram o Rivelino com a única finalidade de saber
se o Rivelino pode ser útil a eles, dando-lhes a figurinha dele. Nem pedem
autógrafo. Nem elogiam, nem se referem a nenhum jogo do Rivelino, nem se
interessam em assistir a algum deles.
3) Compram o Rivelino do cambista, e daí para a frente tanto o futebol
como a paixão por figurinhas somem do livro. Os dramas únicos são encher álbum
(revolta na fábrica) e depois o único e exclusivo drama é seguir o cambista, achar
a fábrica clandestina, depois achar o Gordo, que ficou preso, depois soltá -lo e se
despedir do Mister.
4) O álbum de futebol deu um colorido inicial e depois tantos problemas,
que a simples existência do mundo no futebol é considerada não existente.
5) É fácil notar que o livro se desenvolve por várias semanas, onde há o
jogo do próximo domingo, e o jogo do domingo que passou: ninguém toca em uma
palavra sobre isso, ninguém discute uma escalação ou um lance, daí a minha
afirmação de que a "emoção" do futebol está excluída de “Gênio do Crime”.
Ninguém dá a mínima. Depois que começam a seguir o cambista, podia ser uma
206
coleção de borboletas, animais caçadores, e isso não mudaria nada. É claro que a
pitada de futebol em cima deu o pontapé inicial no livro: só.
A razão é muito simples: se eu permitisse que uma força tão vibrante como
o futebol fosse se intrometendo no livro a cada instante, isso me tiraria o foco
dramático intenso da perseguição do cambista, dos perigos por que passa o
(personagem) Gordo, a aventura dos meninos para acharem a fábrica e salvarem o
Gordo, eu estaria tirando o leitor continuamente para „fora do livro‟, o que seria
uma coisa de amador.
Obedeci ao velho Boileau: unidade de ação .
Uma façanha incomum, tanto mais que o autor, eu, sou fanático por futebol,
mas pela literatura eu faço qualquer sacrifício.
Agora as suas perguntas:
Você está acompanhando a febre desencadeada por este novo álbum de
figurinhas?
Não estou acompanhando a febre do novo álbum. Eu só me interessei por
álbum de futebol até 13 anos, depois nunca mais. Uma coisa em comum com o
livro é que, quando eu colecionava, eu pouco estava me importando com a
qualidade, a personalidade ou o time da figurinha, eu só queria saber se era fácil
ou difícil. E, sobretudo, eu só queria consegui -la. Nunca personalizei as
figurinhas fora do que elas valiam no álbum, nem fiz relações delas com o mundo
do futebol.
Você está colecionando? Tem alguma figurinha difícil?
Não estou colecionando.
Na região do ABC, foram roubadas milhares de figurinhas. Qual é o
significado disto, mais de 40 anos depois da publicação de “O Gênio do
Crime”?
Não fiquei sabendo, mas pelo jeito não em relação com uma "fábrica
clandestina", nem com um "anão de óculos", nem com um "cambista".
Hoje o Gordo teria dificuldades para circular em São Paulo. Como ele
faria a investigação desse crime?
Sem dúvida, infelizmente o Gordo não teria hoje uma cidade tão acolhedora
e poética para circular, seria difícil os meninos ficarem sozinhos de noite, num
tenda, no matinho à beira do rio. Lembre-se daqueles adolescentes que foram
207
acampar na periferia, o moço fugiu, mas a moça ficou prisioneira e foi
barbaramente estuprada e feito "escrava" por mais de uma semana.
O Gordo não tinha que enfrentar o ódio e a violência gratuitas, tão bem
antecipados por Truman Capote no seu “A Sangue Frio”, de 1959, no qual, por
US$ 200, dois bandidos exterminam e torturam uma família inteira. O contrato
para a nova filmagem do “Gênio do Crime” está sendo elaborado e será assinado
até 19 de maio: o produtor vai ter que enfrentar ou contornar esse problema.
Por que, mesmo com internet, as pessoas preferem o álbum de papel às
informações digitais?
Acho que o álbum de papel -como também o de selos e de outras coleções-,
ficou muito marcado, assim como o livro de papel. Tem aquele manuseio, o ato de
virar página, de levar por aí, abrir, olhar... A internet ainda não substituiu os
livros e os álbuns.
Teve gente que usou o álbum para defender que Neymar substituísse
Adriano. E aí, qual seria seu time para a Copa?
Há elementos mais poderosos do que o álbum para achar que Neymar seja
colocado no lugar de Adriano. O Adriano, segundo o próprio Tostão, é um grosso,
um gordo, só chuta com um pé. A convocação do Neymar é obvia. Primeiro,
porque ele não iria como titular, seria o reserva do Luis Fabiano, mas teria
condição de ganhar a posição.
Se o Luis Fabiano tivesse outro reserva, o Dunga poderia argumentar, com
as dezenas de exemplos de "fenômenos de três meses" que não deram nada depois,
muitos deles tendo começado infinitamente melhores do que começou Neymar,
como o Sávio, o Giovanni, o Edmilson, o Caio, o França, o Dodô, o Gil, o David.
Isso, sem contar os que pareciam gênios e não passaram de jogadores
apenas regulares, como Djalminha, o Muller, o Diego do Santos, o Renato do
Santos etc., que todo mundo jurava de pé junto que seriam gênios e sempre
desapareceram com a camisa da seleção.
Mas tem um exemplo muito mais forte que o Neymar ai na nossa frente, a
exigir convocação: é o meio de campo Thiago Mota do Milan, que vem jogando
maravilhas e colocou o Messi no bolso.
Sobre o meu time para a Copa, acontece que o Brasil não tem um bom
plantel, excetuando a defesa. Kaká é bom, mas não chega aos pés dos
208
supercraques do passado e do presente, de um Cristiano Ronaldo, por exemplo. E
o Kaká tem um problema físico.
Não temos um excepcional meio de campo e não temos ataque. De modo
que eu acabo concordando com o Dunga: tem que funcionar na união, na base do
trabalho feito, na valentia, “alla italiana” (que ganhou a Copa de 2006 na base da
fibra, só).
A Espanha tem o melhor meio do campo do mundo, mas não tem boa defesa
nem bom ataque. A Inglaterra é um dos candidatos, mas depois que um jogador
começou a dormir com a mulher do outro a coisa azedou. Acho que a Argentina
tem o time mais equilibrado, eu apostaria neles.
Não é uma boa safra, sobretudo na frente. Eu escalaria: Julio Cesar,
Maicon, Lucio, Juan e um lateral a escolher, Gilberto Silva (na base do trabalho
bem feito), Elano, Thiago Mota e Kaká, Luis Fabiano e Robinho.
Observação: O Daniel Alves, que muitos gostariam de ver no meio, tem
feitos partidas pobres, tem mostrado recursos técnicos muito limitados, e seu
potencial técnico foi exagerado.
Um abraço saudoso,
João
209
ANEXO F: PREFÁCIO DE FANNY ABRAMOVICH À PRIMEIRA EDIÇÃO DE
SANGUE FRESCO
Depois de 10 anos a gente reencontra com toda a turma do Caneco de Prata e do Gênio
do Crime... E é incrivelmente gostoso a gente rever o gordo, a Berenice, o Edmundo, Pituca
dispostos a tudo bolando soluções inacreditáveis prá qualquer coisa, corajosos como pouca
gente grande é (embora diga que não tem medo de nada e coisas no estilo que os adultos são
mestres em dizer e correm rapidinho de fazer...)
Neste Sangue Fresco, o autor pega a gente desde o comecinho. Cria um clima
tenebroso, daqueles que vai dando um arrepio, um medão bravo, uma acelerada nos
batimentos do coração, mas que é ótimo de ler e de viver... E se tem medos, sustos pânicos,
dúvidas se a turma vai conseguir resolver ou não aquela situação (e mais milhares de outras
que vão acontecendo) toda a leitura é uma torcida e uma luta sofrida... E história que se preze
tem que ter tudo isto, ora, ora... Mas nem tudo és susto... Tem tristesuras bonitas, como
quando morre o Pirata, o cachorro valente... Tem momentos muito violentos, de uma baita
crueldade adulta (como quando jogam Napalm, mas isto não é bem uma ideia de João Carlos
Marinho, aconteceu no Vietnam e não faz muito tempo não...) Tem toda a violência bruta, sem
sentido, covarde que a todo o momento se fica sabendo que aconteceu em algum outro lugar
deste mundo louco que nós moramos... E tem amores impossíveis, tem conquistas difíceis,
tem dengos prá todos os lados tem gente que não sabe mesmo o que quer desta vida em
matéria de amoresquando já tem uns bons 1º anos de idade...
E João Carlos Marinho vai debochando de tudo que as pessoas ditas adultas acham
importantes e levam muito a sério mesmo: das etiquetas em todas as coisas que usam, dos
elogios verdadeiros que a professora gosta de receber, dos profetas de um mundo novo
totalmente adoidados (e pior com seguidores!), dos namoricos e das ciumeiras, da mania da
mulher dar toque pessoal nos lugares que não são feitos exatamento prá isso, dos planos de
vingança pensados com todos os requintes de maldades possíveis, das explicações germânico-
cientificas prá todo acontecimento que não compreendem: “É a loucura amazônica”, da falta
de qualquer vergonha na cara prá ganhar dinheiro custe o que custar, da falta de parar prá
pensar (um bocadinho só...) no que faz e em nome do que... Levam o que merecem estes
senhores e senhoras, sem dúvida...
Agora as crianças são é inteligentíssimas, muito mais do que os adultos. E isto é uma
maravilha da gente ler e constatar! Porque em geral são mesmo, só que os autores não
210
concordan e botam sempre elas debilóides e dependendo dos adultos prá perceber e fazer
qualquer coisa.
Neste livro, os jovens-personagens vivem coisas de todo o mundo. Contam mil
mentiras sobre as férias maravilhosas que tiveram (e que foram chatérrimas), se apaixonam
pela professora (que hoje pode ser muito velha, mas daqui alguns anos, a diferençade idade
não vai ser tanta assim...), ganham nota zero do professor que ficou enciumado porque não
recebeu tantos presentes quando a outra, ouvem declarações de mães que são uma confusão só
(como costuma ser cabeça de mãe em reunião e em estado de pânico...), aguentam aqueles
meninos chatos que sabem decor tudo que é inutilidade (como o Hugo Ciência)... Escrevem
livros só com as coisas que têm na cabeça e nunca aconteceram de verdade (como faz a
Berenice e que ainda tem a petulância de chamar de diário)...
E se são gente como todo o mundo, não são modelos de perfeição, destes que a gente
só vê nos livros e que nunca conheceu ninguém igual... Claro, tem dedo-duro, tem delator,
tem medroso paca, tem ataques de raiva por razões muito sérias, contam histórias do arco-da-
velha, tem horas que têm idéias gênio, tem horas qye não sabem o que fazer... Têm medos e
pavores (prá lá de justificados, afinal...) mentem quando é preciso e sobretudo só têm
confiança na sua turma (e quem que não é assim?)
E se a história é muito ótima e os personagens são parecidos com todo o mundo, o
melhor deste livro é o jeito do João Carlos Marinho escrever. É gostosíssimo! Ele escreve do
jeito que a gente fala, não empola nunca, vai botando no papel que passa na cabeça (é de
morrer de rir como junta coisas e idéias...). Os capítulos são curtos, não fica nunca enchendo
linguiça e acontece e acontece coisas sem parar... De tirar o fôlego!!! A cada momento,
quando se pensa que vai dar uma respiradinha, lá vem outra... Tem personagem a dar com
pau: milhares deles, que aparecem, somem e tornam a aparecer lá pro fim da história... E
sempre (mas sempre mesmo!) é muito diferente, muito engraçado, muito solto... Idéias
incríveis, bem boladas e bem escritas...
Uma maravilha de irreverência, de malcriação saudável, de molecagem solta, de
deboche por tudo que é visto como “sério” este Sangue Fresco... Eu queria ser desta turma,
prá viver todas suas experiências fantásticas que eles vivem e encontrar as soluções que eles
encontram... Enquanto não sou, fico lendo, rindo adoidado, trocendo, sofrendo, cortando a
respiração e me divertindo e vivendo todas as coisas que existem numa história, quando ela é
boa prá valer!
211
ANEXO G: REPORTAGENS EM JORNAIS SOBRE OS LIVROS DE MARINHO
O CANTO DE FÉ À LITERATURA EM „O LIVRO DA BERENICE‟
O Estado de São Paulo, 15 de setembro de 1984.
Por Edmir Perrotti
Depois de “O Gênio do Crime”, “O Caneco de Prata” e o “Sangue Fresco”, a turma do
“gordo” volta a circular para alegria da garotada que, com toda razão faz de João Carlos
Marinho um dos mais lidos autores brasileiros da atualidade apesar de uma obra
numericamente pequena, cinco títulos em uma carreira iniciada em 1969 incluindo aí o novo
título a ser lançado hoje, às 15 horas, na Livraria Capitu (Rua Pinheiros, 39), “O Livro da
Berenice”.
Todavia, o pouco numérico tem também pouca importância em literatura. “O Caneco
de Prata”, sozinho graças a seu estonteante grau de inovação na literatura para público
infanto-juvenil, ocasionou polêmicas enormes e, até hoje, continua insuperável, passados 13
anos de sua publicação. “Sangue Fresco” assusta ainda muitas que não entraram nos novos
tempos de abertura. Bastaria um dos dois títulos e o lugar privilegiado de João Carlos
Marinho na literatura para jovens já estaria assegurado.
Mas o autor continua vivo, remexendo-se para todos os lados, deslocando-se a todo
momento, condição que Barthes julga indispensável a todo autor que se preze. Vale dizer a
todos os que não aceitaram as facilidades dos lugares comuns, a estratificação, a mesmice.
Assim, se o leitor de “O livro de Berenice” depara-se com a turma conhecida,
encontra-a agora em outro lugar: o da literatura e o de suas complicadas relações com o
social.
“O Livro de Berenice” conta a história de um livro, seu processo de criação, Berenice,
um dos elementos da “turma” decide escrever um livro,“o melhor livro do mundo”. Ajudada
pelos companheiros – que as vezes mais atrapalham que ajudam – vai realizando seu projeto
tranquilamente, até que um milionário quase arruinado resolve roubar-lhe os originais para
publicá-los em seu nome, pois “o melhor livro do mundo” traria a ele, além da fama, a fortuna
perdida. Para o roubo, este se arma de imensa parafernália tecnológica, quase conseguindo
seu intento, não fosse o “Gordo”, namorado da Berenice, possuidor também de idêntica
parafernália que, por acaso, acaba prestando serviços de contra-espionagem e salvando os
direitos de criação de Berenice. A menina termina seu livro, publica-o, e graças a um
212
miraculosa intervenção de Frade João (um dos mais deliciosos momentos do livro), lança-o
em tarde de autógrafos a que “pouca gente compareceu”.
“O livro de Berenice” é uma homenagem à literatura. O recurso à garota escritora é
forma de Marinho expressar seu profundo amor a esta arte tão impura, mas ao mesmo tempo
soberbamente imaculada, capaz de resistir a todo tipo de degradação. Ameaçada, golpeada,
ela renasce em outro lugar, ilesa, explosão vital que não se submete. Tal canto de fé na
literatura chega de forma aos ouvidos do leitor, tomando-o e envolvendo-o em um ritual
amoroso pleno de gozo e satisfação. A literatura é “mania” que “O livro de Berenice” cultiva e
João Carlos Marinho oferece ao jovem leitor, para que este compartilhe com ele de fato suas
doçuras.
213
Sangue fresco
Jornal da tarde, em 12 de novembro de 1982.
Por Marisa Lajolo
Sangue fresco (Ed. Obelisco, 17 páginas), de João Carlos Marinho, é um romance
curto, de leitura devorada e vertiginosa. O sangue começa a espirrar logo nas primeiras
páginas, quando a rebeldia chorona de Ricardinho sofre castigo exemplar e o menino é moído
e devorado por uma sucuri.
A sangria continua desatada nas refregas subsequentes entre heróis e vilões: não falta,
por exemplo cabeça decapitada, driblada como bola e que termina por aterrissar em meio a
piqueniqueiros da Ilhabela. Noutra cena, sobram braços, rins, fígado, olhos e demais miúdos,
apresentados ao leitor com frieza e precisão com que o autor enumera, por exemplo, o menu
do café da manhã do Gordo, ou os xingamentos preferidos do heroico frade João.
Mas que as patrulhas antiviolência sosseguem seu coração: a violência do texto não
faz mal a ninguém. É, ao contrário, essencial numa história que faz os leitores, grandes e
pequenos, acompanharem, emocionados e solidários, o rapto de crianças paulistas, levadas
para um acampamento da Amazônia, onde eu sangue é semanalmente extraído e
clandestinamente exportado.
Como se vê, o texto não poderia ser mais atual: não faz tanto tempo assim, jornais,
revistas e televisões denunciavam o comércio de sangue brasileiro, indignando e comovendo
meio mundo.
Mas, se o assunto em que João Carlos Marinho inspira sua história é jornalístico, seu
texto é definitivamente literário. Sem concessão nenhuma o romancista trabalha a violência da
matéria de que trata pela intensificação e redundância. Os mortos são tão numeroso, a sangria
é tão copiosa, as formas de matar e morrer são tantas e tão variadas – enfim a violência se
repete tanto que se torna outra coisa. Por exemplo, ingrediente do absurdo.
É por isso que o banho de sangue não respinga nos leitores. Nem mesmo os mais
sensíveis se horrorizam com o numero de cadáveres do livro. De tão repetida e intensificada, a
violência aponta para o absurdo e, entre napalm e vísceras espalhadas, o leitor experimenta a
mesma sensação de absurdo e nonsense que preside a outras cenas nada violentas, como por
214
exemplo, a do sorveteiro que preconiza o Juízo Final na fia da Via Dutra, anunciando a
presença de Deus no pedágio.
Como leitores, as personagens (as mesmas dos outros livros) passam por incólumes
pelo banho de sangue e violência. Cada qual a seu modo, os protagonistas interagem com a
violência e com o absurdo com igual desenvoltura, bom humor e inventividade. Manipulam
tecnologias e equações complicadas na mesma sequencia em que um deles, Hugo Ciência,
declama versos de Bilac e Shakespeare, logo depois, fazem uma sucuri (a mesma que
almoçou Ricardinho) dar um ní em si mesma e mais adiante provocam um curto-circuito no
satélite espião dos vilões, sensível demais ao cheiro do tênis do Gordo.
Mas, se o sangue não respinga nenhum leitor, o bom leitor não fica imune ao jogo de
cintura dos personagens, que esbanjam lições de vivência e sobrevivência. Toda a corja de
bandidos raptores, exemplarmente derrotados no final, como só acontece nos bons romances
do gênero, tem nomes que soam familiares e quase simbólicos: Ship O‟Connors, Der
Molttzer, Fritz Von Kramer, Davydovich e Astakov são por assim dizer a quintessência do
vilão moderno, ao menos o da tradição do best-seller: o vilão sem enhum escrúpulo, e que se
vale do que há de mais moderno e sofisticado na tecnologia de assustar, perseguir e matar.
Fechado o livro e, como já se disse, poupado dos respingos de sangue, o leitor começa
a perceber os contronos da paisagem que o livro fê-lo percorrer: um universo de violência, de
crueldade, de absurdo. O que vale dizer, o universo eu se vive hoje.
E Sangue fresco propicia a crítica desse mundo-nosso-de-cada-dia pelo nonsense e
pelo humor. Em poucas palavras, um bom livro. Sem contra-indicações. Para menores e
maiores de 18 anos.
215
O livro da Berenice
Jornal da Tarde, de 15 de Abril de 1984.
Tatiana Belinky e seu marido, Júlio Gouvea forma pioneiros na
apresentação do Sitio do Pica-pau Amarelo na televisão brasileira (TV Tupi)
O Livro da Berenice, de João Carlos Marinho publicação pela Editora Para
a turma vocês conhecem: O Edmundo, O Pituca, a Berenice, a Marizainha, a
Silvia, o Godofredo, o Biquinha, o Zé Tavares... e mais o Hugo Ciência, o menino
do QI 250, que gostou tanto da turma que se transferiu do Pueri Domus para o
Colégio Três Bandeiras.
Então, esta é a mais nova aventura do gordo e de sua turma – depois de
depois de O Gênio do Crime, de O Caneco de Prata e de Sangue Fresco: os três
best-sellers de João Carlos Marinho, useiro e vezeiro em esgotar edições das
estrepolias daquela patota, com seus heróis e heroínas de 10 a 11 anos de idade.
A trama é simples: a Berenice, qual outra Emília, põe as mãos na cintura e
proclama a sua decisão de escrever o melhor livro do mundo. A turma coopera,
cada um a seu modo, na feitura da obra-prima que se chamará Ninguém Faz a
Minha Cabeça. Só que, ao tomar conhecimento do futuro best -seller milionário,
um escroque internacional de nome estrambótico resolve surrupiar o original antes
mesmo de terminado, à medida que vai sendo “tipado” (como diria Monteiro
Lobato) – e isto por meios eletrônicos ultramodernos. Ou seja, por meio de um
computador que vai roubando o texto, registrando e traduzindo a distância as
batidas da máquina de escrever da autora. Claro que, depois de uma pá de
peripécias, umas incruentas, outras nem tanto, o texto é resgatado, os vilões
flagrados, e tudo termina com a tarde de autógrafos da Berenice, sendo a primeira
dedicatória para o rabelesiano Frade João (que lembra também Friar Tuck das
lendas de Robin Hood). O qual, por sinal, merece um livro só para ele, “anti -
super-herói” que é truculento e picaresco, com qualidades que não são mágicas,
mas muito melhores. E mais engraçadas.
Mas contar o enredo assim, esqueleticamente, não dá nem a mais pálida
ideia do “barato”, de ponta a ponta que esta delícia de livro proporciona ao leitor,
tenha ele dez ou 110 anos. O que Marinho consegue socar em meras 130 páginas
216
de curtição pura sem mistura em forma de gozação, de informação -formativa
jogando com a “informação” consumista, brincando com marcas nomes,
endereços, slogans publicitários, frases feitas, psicologismos de salão, mod ismos,
costumes, preconceitos, frescuras de ricaços, não dá para enumerar. E o melhor é
que através de todo esse ludismo, quanta abertura para o mundo, quantas ideias,
participação social, para a literatura, para a cultura – e com quanta confiança e
respeito pela inteligência do jovem leitor!
E o estilo de Marinho, então? Quem leu O Caneca de Prata vai lembrar-se
da originalidade, da vivacidade, do “staccato” das frases, do jeito enxuto, “short
and to the point”, sem adiposidades adjetivais, literalmente de rrubando o leitor
com seu humor agudo, certeiro, ao mesmo tempo demolidor e construtivo. A
ponto de alguns acharem O Caneco de Prata muito “sofisticado” para as crianças.
Mas as crianças da era da informática são mesmo sofisticadas – em certas áreas. E
a melhor prova é que O Caneco de Prata já teve sete edições. Verdade que O
Gênio do Crime já teve 21 edições, sendo só dois anos anterior ao Caneco – talvez
por sua trama “policial”. Acontece, no entanto, que este O Livro da Berenice
(que, por sinal, João Carlos Marinho estará autografando hoje, às 15 horas, na
Livraria Capitu, rua Pinheiros, 339) reúne o mais gostoso dos outros dois – e com
algo mais. O que não é pouco.
Só mais uma palavrinha sobre as ilustrações de Arturo Condomi Acorta: são
poucas e boas, em preto e branco, mostrando pouco, sugerindo muito – como quer
o autor que, dentro do texto, faz um dos personagens comentar que os livros de
Monteiro Lobato foram tão bem ilustrado que não deixaram nada à imaginação
dos leitores.
217
ANEXO H: ENTREVISTA COM JOÃO CARLOS MARINHO CONCEDIDA PARA
ESTA PESQUISA (JANEIRO DE 2013)
1. Como, quando e por que a senhor começou a escrever?
Com a intenção e a determinação de publicar literatura, eu comecei em setembro de
1965 os primeiros esboços do Gênio do Crime. Desde os seis anos eu escrevia historinhas,
como é comum, para a família, para a classe, para os amigos. Nesse tempo os meus leitores
prediletos eram o meu pai e o Artur Neves, que trabalhava na Cia. Editora Nacional e virou
editor na Brasiliense (tanto numa editora como na outra era ele quem se ocupava de Monteiro
Lobato). Numa dessas historinhas ele deixou enfaticamente escritas as impressões dele e o
futuro que me aguardava, mas o elogio é tão exagerado e feito de uma maneira tão bombástica
que empalidece a espontaneidade, nem eu acreditei, é a típica “mamãezada” para o filho do
amigo. Eu me lembro muito bem que lamentei aquilo, ele podia ter sido mais espontâneo,
como ele era no quotidiano. Mas o interesse dele por mim e a minha afinidade com ele eram
muito reais. Quando morei na Suíça escrevi duas peças, ou farsas, de teatro, curtas, de um só
ato, para a representação que a escola sempre fazia no Natal e convidava os parentes. Posso
dizer que foi aí que eu tive o “carimbo” de que eu era capaz de levar uma plateia ao delírio,
que foi real, eu prestei muita atenção na cara e na linguagem corporal dos espectadores (o
pessoal de teatro geralmente faz isso, é um excelente termômetro). E tive a sorte de ter aulas
de literatura francesa com um extraordinário professor, Monsieur Aloys de Marignac, que me
fez devorá-la com paixão, especialmente na parte dos renascentistas e do século de Luis XIV,
Rabelais, Montaigne, Ronsard, Villon, Du Bellay, Racine, Corneille, Moliére, La Fontaine,
Boileau, Saint Simon, Desde que entrei na faculdade e até começar a escrever o Gênio do
Crime, não tentei literatura, mas colaborava sempre em jornais acadêmicos, tendo sido editor
do Jornal Semanal ( ou quinzenal )do XI de Agosto e editor do Jornal da União Estadual dos
Estudantes. E ainda fora da literatura como advogado, nunca parei de escrever diariamente
que é a rotina da profissão. Quanto a dizer porque eu comecei a escrever, quando eu era mais
moço eu titubeava um pouco em achar a resposta mas agora, olhando retrospectivamente, me
parece evidente que foi uma vocação que se impôs, esse destino estava em mim. Eu gosto
muito do ditado francês “Ne chassez pas la nature, elle revient par la fenêtre”. Eu tinha
“expulsé la nature” porque uma carreira liberal é uma maneira muito mais palpável e
previsível de você se organizar para ganhar a vida. Não poderia, nesta pergunta sobre
influências no surgimento da vocação, esquecer o meu querido avô, João Marinho de Azevedo
218
que, com a morte de meu pai quando eu tinha 13 anos, assumiu o comando de minha
educação, que em parte já havia assumido a partir dos 10 anos quando eu vim para São Paulo
estudar no Mackenzie. Ele foi um grande educador, os seus alunos da Faculdade de Medicina
(todos falecidos) jamais esqueceram as suas aulas e foi um grande humanista, tinha uma
biblioteca de mais de 20 mil exemplares, o que será fácil perceber lendo a incomum carta que
ele me mandou em outubro de 1952, um mês depois de eu ter feito 17 anos. Coloquei faz
alguns dias essa carta na minha página do Facebook, mas você poderá tê-la no seu arquivo
através desse link:
http://www.globaleditora.com.br/joaocarlosmarinho/carta_avo.htm
2. O senhor acredita que alguns autores e obras tenham exercido influência
marcante na sua produção? Que autores e obras? Que tipo de influências?
A leitura constante dos grandes gênios me fez ir penetrando cada vez mais no mundo
particular da literatura. Isso foi indispensável para a minha formação de escritor. Mas é muito
diferente contribuir, entre outras coisas, para a formação de um estado de espírito, do que
algum autor atuar como motor determinante e específico para a minha obra. O jeito que eu
sou, o percurso da minha vida, com a sua multidão de experiências, entre elas as leituras, é
que vai formar a minha vida interior. Quando eu escrevo eu não penso em autor nenhum, não
me sinto discípulo de nenhum autor particular, o meu guia é a minha vida interior. Por
exemplo, se eu pego o Frère Jean do Rabelais, é que esse personagem me foi útil naquele
momento, não tem nenhuma diferença de quando eu pego o Hélio, mordomo do meu cunhado
Plinio de Ribeirão Preto, e transformo ele no Abreu, que como o frade João, vão percorrer a
minha obra. O Hélio não está em autor nenhum mas certas particularidades dele entraram na
minha vida interior e quando eu precisei de um mordomo o meu pensamento foi lá. Quando
eu digo que eu fiquei deslumbrado pelos diálogos do Molière, é que, no fim da minha
adolescência foi o primeiro genial dialogador que encontrei, me abriu a porta para a
observação do diálogo. Depois eu vim a ter intimidade com o Proust e o Guimarães Rosa que
são superiores ao Molière na elaboração dos diálogos de seus personagens, eu sinto os
personagens deles falando como se estivessem na minha frente. Aquilo vai para a minha vida
interior e lá se mistura a milhares de outras coisas. Quando eu digo que ao escrever os
capítulos curtos do Caneco de Prata eu me senti tranquilo ao ver que o Oswald de Andrade fez
igual no Memórias Sentimentais de João Miramar, isso nem é inspiração, isso é uma coisa
mecânica, igual eu me senti tranquilo ao nunca dar títulos aos meus capítulos ao ver que
muitos escritores faziam igual. Muito mais importante, na disposição estética dos mini-
219
capítulos do Caneco foi a pintora Vera Ilce, que me resolveu genialmente o quebra-cabeças,
determinando que se jogassem os capítulos na base da página, se deixasse um grande espaço
grande em cima e se colocassem números grandes bem em cima para equilibrar. Essa sim, eu
devo diretamente à Vera Ilce, aquela linda paginação não existe em autor nenhum. Então a
resposta à sua pergunta é: não sou tributário de nenhum autor específico e sim da literatura.
Dentro desse ângulo eu posso fazer dois destaques: Em primeiro lugar a Monteiro
Lobato que foi o primeiro autor que eu li, na infância, com paixão e que me abriu a porta para
a literatura e para eu ser escritor pois me deu a chave de tudo que eu iria fazer depois. Me
lembro que eu devia ter nove anos e, após ter lido e relido Lobato eu pensei assim (lembro
perfeitamente): “eu já li tanta coisa porque será que só esse Lobato me emocionou tanto?” E
achei imediatamente a resposta: Porque ele deu vida aos livros dele. Não se contentou em
fazer livros apenas bem feitos e inteligentes. Essa chave de entrada ficou para sempre. E,
sobre as leituras posteriores à infância, seria cansativa a lista dos que eu percorri e gostei
muito, mas hoje aos 77 anos é fácil eu destacar os quatro livros que eu gostei mais que todos,
pela incomum frequência que a eles eu volto e leio de novo (todos disparando acima de dez
releituras) que são( os títulos vão na língua que os leio ):
Les Essais : Michel de Montaigne
Guerra e Paz: Leon Tolstoi
A la Recherche du Temps Perdu: Marcel Proust
Grande Sertão Veredas: João Guimarães Rosa
3. O senhor poderia comentar o seu processo de criação literária?
Uma coisa eu senti de maneira palpável desde o começo: aquela frase de que numa
obra tem que ter 99% de transpiração e 1% de inspiração, isso é totalmente falso. Qualquer
trabalho nesta vida precisa de concentração, suor, perseverança, sacrifício, doação de si. Isso é
o que os franceses chamam de “une vérité à la Palisse “Milhões de autores se mataram de
trabalhar e acabaram fazendo livros medíocres. A única porta para a obra de arte é a
inspiração. Ela é 100% da obra de arte, o resto é comer, dormir, beber e trabalhar,ou seja, o
resto é o óbvio. Para mim é uma felicidade quando acho a inspiração, e é um mistério do jeito
que ela chega, não há fórmula para isso (do contrário existiriam faculdades de escritores,
diplomas de escritores), em alguns livros, como acontece com todos os bons escritores, eu sou
mais inspirado, em outros menos. Eu não vou atrás da inspiração, deixo que ela aconteça
normalmente, de onde você vê que eu escrevi poucos livros, e relativamente curtos (110 pgs. ,
por aí ). Mas não é uma norma geral. Escritores muito mais importantes do que eu, como
220
Molière e Shakespeare eram obrigados a uma produção continua de peças de teatro, e para
eles era fundamental desenvolverem um certo sistema de achar inspirações. Que foram
maravilhosas. O que eu pude observar é que certas ideias (como o álbum de figurinhas, a
transfusão de sangue) levam a um livro bom, e outras ideias não. É o que o Monteiro Lobato,
em carta a Godofredo Rangel, chama de “sementes mágicas”. É uma relação, evidentemente
muito pessoal, que a idéia inicial tem com o autor, porque a semente mágica, como descreve o
Lobato, entra lá dentro e cria raízes, quando a gente acorda no dia seguinte essas raízes já
estão começando a entrar em todas as partes do cérebro e da sensibilidade, como se fosse uma
poderosíssima célula cancerosa. Entra na circulação, toma conta da gente. Outras ideias que
aparentemente são esplendidas, riquíssimas, chegam a nos seduzir, e até entusiasmar
inicialmente, mas não conseguem se implantar, não se espalham. Deixa indiferentes os
automatismos da nossa vida interior e não a contaminam.
4. Onde o senhor encontra estímulos ou pretextos para escrever?
Creio que isto está respondido na pergunta anterior.
5. Que relação o senhor mantém com a linguagem, o estilo?
Para mim, escrever literatura(aqui estou falando especificamente de escrever e não da
inspiração da obra, da qual já falei acima) foi fundamental ter lido muito, e ler muito, os
grandes autores que eu gosto e mesmo os que não me impressionaram tanto mas são
considerados pela boa crítica como fundamentais ( por exemplo o Ulysses do Joyce, tive um
trabalho enorme lendo aquilo, gravando tudo, ouvindo e ouvindo de novo, até entender os
mínimos detalhes, foram dezenas, com certeza mais de cem horas de trabalho e não voltei
depois, mas não podia deixar de “entrar naquilo” ). Isso me deu uma referência e mais que
tudo um exercício muito grande, indispensável. Observar também o jeito que os outros falam.
Nesse ponto o fato de eu ter sido advogado trabalhista, eu adorava ouvir a ritmo e a colocação
fraseológica daqueles analfabetos ou semi-letrados que vinham do interior, ou de outros
Estados, de Minas sobretudo onde eu descobri maravilhado que o Guimarães Rosa foi o único
a realmente penetrar nesse ritmo, nessa “construção mental” do idioma brasileiro, toda a
literatura dele pegou o sistema dessa estrutura brasileira de falar, de falar “pensando em voz
alta”, indo, voltando, parando. Outros autores souberam, nos diálogos, reproduzir, de ouvido,
o diálogo do brasileiro, mas ficavam nisso, só o Guimarães entrou lá dentro, desvendou a
estrutura e o sistema e o incorporou inclusive à sua maneira de pensar e de escrever. Eu
preenchi vários cadernos com a fala de meu clientes: era Guimarães Rosa! Isso até os anos 70
221
ou 70 e pouco, quando a televisão não tinha ido para o interior e as novelas ainda não faziam
parte do quotidiano do povo. A partir daí houve uma padronização desta linguagem do povo.
Mas a minha maneira básica de escrever é a linguagem materna, o delicioso português
brasileiro que se falava em casa. Qualquer pessoa que tenha o costume de conversar comigo
percebe logo que eu sou o autor dos meus textos literários. Eu ponho nos livros o mesmo
“balanço” que eu tenho falando e pensando. Houve influências durante a vida, mas sempre
filtradas por esse núcleo. Quando eu estou escrevendo um texto explicativo, não literário, ou
como advogado, ou como esse que eu estou escrevendo para você agora, esse núcleo de
linguagem materna se faz menos sentir, mas na literatura é total. Como quando eu converso. A
linguagem materna e uma coisa muito forte. Por exemplo, eu não consigo dizer: dois gramas.
Seria uma violência, iria doer, fazer mal, não pela gramática, mas “duas gramas” está no meu
modo de formação da linguagem, não dá para mudar, igual meio-dia-e-meio. Eu não iria por
num livro, porque iria desviar a atenção do leitor da história para uma irrelevante
perplexidade gramatical. Então escrevo meio dia e vinte. Mas meio dia e meia jamais
escreverei. Nem direi. É horrível. Dói na cabeça. Uma violência. Como observou Monteiro
Lobato a gente usa muito pouco os pronomes oblíquos da terceira pessoa: eu lhe disse, eu o
vi, em vez disso a gente fala “eu disse a ele”, “eu vi ele”, mas o te eu misturo muito com você,
como se fazia em casa e como se faz em São Paulo e no Rio. A gente não chama ninguém de
tu, mas o te se usa muito. Eu te amo. Eu te disse. Mesmo que na sequência da mesma frase a
gente passe a usar o você de novo. É um ritmo delicioso que se aprende no berço e que forma
uma estrutura dentro da gente: é a própria estrutura da gente. Você vê que o Gênio do Crime
está lá há 43 anos, nada foi mudado, e as crianças de todo o Brasil entendem imediatamente a
minha linguagem. Que é a mesma que eu uso quando falo com eles. Ou com qualquer pessoa.
A mesma que eu uso para pensar ou quando eu digo alguma coisa sozinho. Isto leva à
conclusão obrigatória (explicarei mais adiante na outra pergunta) que eu nunca colocarei uma
palavra, mesmo que seja atual, apenas pensando no leitor. A palavra tem que passar pelo
metabolismo do meu cérebro e ter sido aprovada. A não ser quando eu quero fazer a caricatura
depreciativa do falar de alguém, mas mesmo assim acho que foi muito raro (O Abreu
pontuando as frases com o “veja bem”ou o Abreu usando o pendular pedante do “não
apenas...mas também” ) Mas geralmente quando eu faço alguém falar eu faço com palavras e
jeito que eu gosto, como é o caso do Redimir , cozinheiro baiano do acampamento dos
bandidos.
222
6. Por que escrever literatura juvenil?
Eu não escrevo literatura juvenil, escrevo literatura infantil, que são coisas
completamente diferentes no meu modo de ver (ver minha resposta à pergunta número sete) E
escrevo literatura infantil pelo mesmo motivo que o Monteiro Lobato. Eu funcionei
maravilhosamente bem ali. Achei a minha vocação ali. “Onde a gente funciona e onde a gente
não funciona.” isso é uma coisa importantíssima na vida. Sempre digo para as crianças e é
uma colocação que elas entendem com facilidade. Aos dez anos (que é a idade básica de meus
leitores) as crianças já puderam perceber em que campos elas funcionam bem e em que outros
elas são um desastre. Esse determinismo biológico vai determinar a escolha das profissões
delas. Como exemplarmente está claro há mais de um século, a divisão dos últimos anos do
ensino secundário em exatas e humanas que antes eram clássico e cientifico. Puro
determinismo biológico que a prática do ensino teve que reconhecer.
7. O senhor acredita numa especificidade da literatura juvenil? É muito diferente
escrever para crianças, jovens ou adultos? Por quê?
Geralmente os escritores infantis e os tratadistas têm imensa dificuldade, ou pudor, de
reconhecer que a literatura infantil é uma literatura menor, se comparada com a literatura em
geral. Mas evidentemente que é. Vamos dizer assim: é uma linda arte menor, uma adorável
arte menor, uma maravilhosa arte menor, mas é uma arte menor. A literatura infantil é uma
literatura simplificada para poder ser lida por crianças. Você tem que tirar dela a experiência
da vida. Você tem que simplificar as abstrações intelectuais de que lança mão. Os personagens
devem ser obrigatoriamente estereotipados, com mais arte ou menos arte conforme o escritor.
Acontece que Monteiro Lobato tinha um legítimo orgulho de ser um grande escritor infantil,
eu também. Por ser uma arte simplificada isso não quer absolutamente dizer que ela seja fácil,
precisa de muito talento para se entrar lá dentro, precisa ter tido uma infância muito rica ( a
infância é uma viagem extraordinária ) que te deixou gravadas uma porção de sensações que
irão ser a matéria prima de seus livros. É uma arte riquíssima. Mas a minha opinião pessoal é
que não pode ser colocada em pé de igualdade com a Grande Literatura, que vai penetrar no
destino da gente, sem limites, sem restrições. Falei da literatura infantil, que se dirige para
crianças até o começo da adolescência. Os meus livros, a meu pedido e segundo a experiência
que tive, se destinam a crianças entre 8 e 12 anos. Não me interessa fazer teorias biológicas ou
sociológicas, eu me guio apenas pela minha experiência pessoal quando passei da infância
para a adolescência e pela experiência pessoal que eu tenho através da resposta dos leitores do
223
Brasil durante 43 anos. Dos 13 anos em diante os leitores não captam os meus textos com a
mesma sensibilidade e o mesmo gosto instintivo. Eles se dispersam, fazem raciocínios
esdrúxulos, enfim “não penetram no negócio”. A não ser uma minoria que é irrelevante do
ponto de vista estatístico. Esse é o fato. A razão, acredito, é que a metamorfose violenta do
organismo na adolescência já é um rompimento radical com a infância. A adolescência é o
começo da vida adulta, a infância já terminou. Eu me lembro perfeitamente que isso
aconteceu comigo. E aconteceu com a multidão de leitores que eu encontrei. Não é uma
conclusão científica, não estudei a matéria, eu só digo que não me interesso por literatura para
adolescentes (juvenil) por causa disso. Eu só recebo no auditório de meu prédio (pois não vou
em escolas) até o sexto ano. Dali para a frente se a professora realmente quiser vir deve
escolher seis alunos que serão atendidos, junto com ela, na sala de estar de meu apartamento,
que poderão filmar, gravar, mas grupo de pré-adolescentes eu não recebo porque a prática
mostrou que não se estabelece afinidade entre os meus livros e eles. No que diz respeito à
Grande Literatura, pelo que eu já disse, é evidente que eu quis entrar nela e publiquei três
livros: O Professor Albuquerque e a Vida Eterna, Pedro Soldador e o livro de poemas Anjo de
Camisola. Nenhum deles passou da primeira edição que ficou encalhada, com toda razão, pois
eu reconheço que não consegui fazer bons livros, são falhos dramaticamente, não têm vida.
Mas não os renego, para mim foram experiências muito válidas. Me serviram muito. E no ano
passado eu lancei o meu livro de contos Dueto dos Gatos (e outros duetos), que me deixou
feliz. Ainda não tive uma repercussão consistente, mas tenho certeza de que consegui o que eu
tanto queria. Entrar nesse mundo também. Não tenho pretensão de ser “cacique” ou
“tutumumbuca” aqui, como sou na literatura infantil, mas tenho a convicção de que o Dueto
dos Gatos é boa literatura.
8. Em que medida o senhor acredita que o mercado afete a sua produção literária?
No caso da literatura para jovens, essa influência assume características diferenciadas?
Por quê?
Eu encontrei no Alceu Amoroso Lima a resposta perfeita para o meu relacionamento com o
mercado. Diz ele que nenhum grande escritor ignora o público, quando uma pessoa publica
está se dirigindo ao público. Mas de outro lado nenhum bom escritor se apaga diante do
público. O escritor escreve para um público que tem afinidades com ele. Eu escrevo para um
publico que tem afinidades comigo e com o João Carlos de dez anos (que é o meu público
alvo). Surpreendentemente são muitas crianças, mas não é todo mundo.Eu não escrevo para
“todo mundo”, escrevo para “esses caras lá”. Isso me dispensa de prestar atenção no mercado.
224
9. Nas primeiras histórias, em algumas das edições da Turma do Gordo, há a
presença de fichas de leitura. O que acha de algumas edições terem essas fichas e outras
não? Como o senhor analisa essas fichas em livros para jovens?
Quando eu tive conhecimento de que em outros livros havia ficha de leitura a minha primeira
reação foi de repugnância. Vi aquilo como uma estereotipação do livro. Mas depois de algum
tempo o meu editor de então, o Luiz Fanelli, me pediu licença para colocar uma ficha de
leitura porque os tempos estavam mudando, estava crescendo uma certa faixa de professores
que tinham dificuldade de dar uma aula sobre literatura infantil, e eles professores,
imploravam por uma ficha de leitura para ajudá-los a preencher esta deficiência pessoal. Em
vista disto eu mesmo fiz uma ficha de leitura para o Gênio do Crime e se me lembro bem pedi
a uma professora muito competente que fizesse para o Sangue Fresco. Mas eu não gosto. Faz
muito tempo que os meus livros não têm ficha de leitura e se tiverem, pelo que eu saiba,
seriam aquelas que autorizei, pois a editora precisa pedir a minha autorização para introduzi-
la.
10. Houve várias mudanças nas edições de Sangue Fresco, tanto na capa e 4ª capa,
nas ilustrações e, inclusive, um prefácio feito pela Fanny Abramovich na primeira
edição, que não consta nas demais. Você participou dessas alterações? Chegou a sugerir
algum detalhe para a obra nas outras edições?
Todas as alterações que houve foram autorizadas por mim, mesmo essas de ilustração
precisam ser autorizadas por mim, pelos contratos que assinei. Todos, menos a primeira
edição do Gênio do Crime. Acontece que esse fantástico ilustrador da primeira capa do
Sangue Fresco morreu e, como eu passei para outra editora, a Global, onde estou há 27 anos,
as editoras não costumam pegar as ilustrações da outra editora porque isso complica direitos
autorais e essa coisa toda. Ainda mais ilustração de uma pessoa que morreu, a família pode
entrar no meio e fazer exigências. Porque pelo contrato, e pela lógica, ao passo que o texto é
coisa intima minha e ninguém pode mexer, as ilustrações devem ser aprovadas por mim e pela
editora e as editoras gostam de trabalhar com ilustradores que elas conhecem. Os dois devem
aprovar. Não impede que um ilustrador que trabalhou em uma editora não possa trabalhar na
outra, como aconteceu com o Roberto Barbosa. Sobre o prefácio da Fanny, eu pedi a ela para
fazer pois, como você observa mais adiante, eu fiquei mais de dez anos sem publicar livros
infantis e a Fanny, além de ser minha amiga pessoal, ela estava sempre muito presente com
artigos nos jornais sobre livros infantis. Era ainda o tempo em que os jornais não haviam
morrido de todo (porque agora são mortos vivos ) e havia ainda aquela tradição de critica
225
literária que corria nos jornais. Esse prefácio só tinha razão de ser para anunciar a “minha
volta”, na primeira edição, logo depois não precisava mais porque o Sangue Fresco “pegou
fogo” violentamente.
11. O senhor é um grande leitor e admirador de Monteiro Lobato. Este, ao reeditar
suas obras, acrescentava capítulos ou alterava os seus títulos. Houve alguma alteração
em suas obras em relação ao conteúdo?
Antigamente todo escritor não resistia à tentação de ajustar um pouquinho o livro dele
a cada edição porque no tempo da tipografia, com os chumbinhos, a cada edição tudo precisa
ser feito de novo, o escritor se estivesse vivo) ia fazer de novo a revisão, e quem é que resiste?
Porém, mais ou menos a partir da segunda edição do Caneco de Prata (1973?) a impressão
eletrônica começou a entrar em cena e os livros eram filmados e reimpressos sobre o filme.
Com os computadores não sei o sistema exatamente, mas as editora guarda uma matriz.
Acabou-se aquela rotina pessoal da reimpressão, ela é automática. Então, com as duas
maneiras, se o escritor quiser mudar uma coisinha isso vai dar um enorme trabalho. Acabou-
se aquele “convite” de mexer no livro. Quando há quatro ou cinco anos a Global resolveu
aumentar a altura do livro (que ficou mais bonito) foi preciso fazer tudo de novo, e todas as
provas passaram pela minha mão, com liberdade evidente de mexer onde eu queria. Mas eu
mexi muito pouco, uma coisinha ou outra muito irrelevantes, pode-se dizer que todos
continuaram exatamente os mesmos. Menos no Caneco, esse aí já sofreu três grandes
alterações. Primeiro, e principalmente, porque a primeira edição saiu pouco infantil, as
crianças, mesmo as que têm inclinação a gostarem do Caneco, ficavam perdidas. Então eu
retirei alguns capítulos para que a parte que dá continuidade ao livro, que é o campeonato de
futebol, ficasse mais evidente. E as outras duas alterações foram porque a estrutura do
Caneco, com capítulos que muitas vezes não tem muita relação entre si, permite essas
mudanças, quando houver uma outra oportunidade capaz de eu mexer de novo. Aliás, essa
última mudança eu resolvi caprichar, convidei uma pintora ilustrar e supervisionar a
paginação, gostei do que ela fez.
226
12. Seus livros são bem estudados na academia devido à qualidade literária e
repercussão com o público leitor. O senhor disse que os trabalhos universitários ao
classificar a sua obra como “suspense”, limita-a. Isso o incomoda? Como o senhor
analisa essa classificação da sua obra?
É normal que os trabalhos universitários, que precisam lidar com um grande número de livros,
procurem certos padrões para facilitar a coisa. Sempre foi assim. De uns anos para cá entrou
na moda (e isso eu vi claramente nos trabalhos exigidos das crianças que me visitam) o
chamado padrão de “narrativa enigma”. Os professores gostaram porque é um estimulo para
eles darem enigmas para os alunos. Acontece que para mim a estrutura da aventura é apenas o
esqueleto, a ossatura, sobre a qual eu faço viver o livro, eu vou lá e dou vida ao livro. Com
humor, com alegria, com relacionamentos curiosos entre as pessoas. Isso que é a literatura.
Fiquei até rouco de tanto repetir isso. Eu falo assim: olha eu não posso escrever um livro
sobre a vida diária e o relacionamento de umas crianças entre si e com os outros, sem que eu
coloque uma estrutura dramática que faça eles se movimentarem. Tenho que botar um
bandido, um enigma que seja, que os desafie, que os faça se moverem, trocarem de lugar. Do
contrário ia ficar um olhando pro outro e conversando e contando piada, e almoçando, e
jantando e dormindo. Então eu pego o desgraçado desse enigma ou dessa aventura, que é o
secundário, para que ele movimente o principal, que é a vida do livro. Isso que eu falo. Porque
me incomoda ver o meu livro transformado num quebra cabeça. Me incomoda em parte,
porque eu sinto claramente que as crianças se divertem e se apaixonam pela vida do livro, e
nesse ponto eu continuo a me sentir realizado. O enigma não ia segurar nenhum leitor por 43
anos. Nem esses pais e essas mães que nunca esquecem e que me escrevem. A originalidade
da minha literatura e do meu humor, da vida que eu ponho, é que os encanta. No fundo acho
normal que na hora de “interpretar” haja coisas esquemáticas. A vida é assim. A minha filha
encontrou em um ônibus, faz alguns anos, uma criança que deu um exemplo do que é a reação
de meus leitores ao lerem os meus livros. Ela estava no fundo do ônibus, o ônibus estava
lotado e ela estava de pé. De repente uma enorme e aguda gargalhada ecoou pela ônibus. Era
uma gargalhada de criança que vinha lá da frente do ônibus. Minha filha andou até lá e viu
que tinha uma criança sentada, lendo o Gênio do Crime e rindo sem parar. Ela falou para a
criança: Olha, esse livro que você está lendo foi o meu pai que escreveu. :A criança virou pra
ela e falou: Eu estou lendo pela décima vez. Então, digo eu, se ela estivesse atrás do enigma,
já estaria cansada de saber.
227
13. Como seus leitores reagem à violência presente em suas obras? Eles costumam
comentar sobre elas? Se sim, quais tipos de leitores?
À medida que o tempo foi passando e que aquela época tão calma em que foi
publicado o Gênio do Crime foi dando lugar à um tempo de mais e mais violência, era normal
que, em uma literatura tão vigiada como a literatura infantil, surgissem pessoas que
estranhassem a violência ingênua que existe nos meus livros. Não havia como evitar, era
esperado, previsível. Vão continuar a surgir estes protestos. Mas o principal é que eles não
atrapalham, as crianças continuam lendo, as professoras continuam dando em classe, os pais
continuam adorando porque o fato evidente de que estas violências são colocadas com arte,
dentro de histórias alegres e humorísticas, cheias de vida, esse fato tem uma autoridade
enorme e sempre prevalece. O que acontece com algumas mães, ou professores (poucos) que
protestam é o que acontece por exemplo com um ou outro jornalista a quem dão a missão de
dar uma olhada rápida nos meus livros para fazerem uma resenha ou darem um palpite. O
jornalista quando está assim meio no ar, ele precisa pegar num motivo pra desenvolver: na
rapidez da leitura, a experiência profissional dele vai procurar um motivo fácil para chamar a
atenção e conduzir o artiguinho dele: então ele fatalmente vai, por exemplo, cair logo de cara
numa sucuri comendo um menino. Pronto, está feita a matéria dele. Mas quem prevalece é a
realidade: a sucuri é adorável, os pais, as mães, as crianças, acho que você também, todo
mundo ama aquela sucuri. A minha Fedra: “de l‟amour j‟ai toutes les fureurs”
14. O senhor aborda no universo da literatura infantil formas de violência realmente
vivenciadas como a tortura, em O Gênio do crime, e o uso de Napalm, em Sangue Fresco,
entre outras. Como se dá essa relação do contexto histórico (regimes autoritários,
guerras) com a produção da narrativa para crianças?
Eu busco fatos que vão funcionar dentro do meu livro, só. De onde eles vem não
importa. A verossimilhança é fundamental nas minhas histórias. O gordo é orgulhoso, detesta
ordens, o bandido manda ele falar e ele não fala. Desafia o bandido. A única solução que um
bandido pode pensar nesse instante é arrancar uma unha. É evidente. Jamais eu pensaria em
regime político nessa hora, nem em mandar uma mensagem, eu penso no que está
acontecendo. Com napalm mesma coisa, os aviões dos bandidos não tinham bombas guiadas
por lazer, que só foram aparecer na Guerra do Golfo em 1991, para atingirem exclusivamente
a turma, precisavam de uma bomba que espalhasse o seu efeito mortífero por uma larga área,
matasse tudo, e essa arma era o napalm. Eu me preocupo só com a minha história e com o que
pode funcionar bem nela.
228
15. Já surgiu a oferta de fazerem um filme sobre Sangue Fresco, visto que é uma
obra cheia de aventuras? Ou de qualquer outro livro, além de O Gênio do crime?
Não.
16. Depois de 11 anos, após o lançamento de O caneco de prata (1971), é publicado
Sangue Fresco (1982). Comparando o ano de publicação de todos os seus livros, este é o
que teve um intervalo maior de tempo entre uma obra e outra. Você já tinha em mente a
continuidade da turma do gordo, após O caneco de prata? Ou Sangue Fresco foi a obra
que mais lhe exigiu tempo para conclusão?
O que exigiu mais tempo foi o Genio do Crime. Mas Sangue Fresco deu muito
trabalho, como você pode ler no meu texto COMO ESCREVI PASSO A PASSO SANGUE
FRESCO que está na seção Noticias do meu site. Houve o intervalo porque eu me ocupei em
escrever O Professor Albuquerque e a Vida Eterna, Pedro Soldador (que foram publicados) e
cheguei a completar uma tradução de Rabelais para o português arcaico, que me deu muito
trabalho mas que é inviável publicar porque eu me apaixonei pelo português arcaico e fiz uma
tradução muito mais arcaica que o francês do Rabelais, só inteligível por especialistas e
portanto sem viabilidade de publicação. Mas adorei e pude ter mais intimidade com o Frade
João, que é um personagem muito querido desde a adolescência na Suíça.
17. Sangue Fresco foi uma das obras que foram compradas, em 2006, pelo Ministério
da Educação para ser distribuída nas escolas públicas do país pelo Plano Nacional da
Biblioteca da Escola. Como você analisa a escolha dessa obra e não a de qualquer outra
da turma do gordo? Qual característica você destacaria da obra para que fossem
distribuídas nas escolas?
Pelo meu contrato a editora está livre de, sem me consultar, de fazer e vender edições
especiais pelo preço que lhe convém. Sempre foi assim. Sempre houve estas edições
especiais, em maior ou menor número, para São Paulo ou outros estados. É um fato
corriqueiro. Não é assunto que desperte o meu interesse, eu fico sabendo quando recebo os
relatórios semestrais das vendas feitas. O meu contato com o meu editor é o de dois grandes
amigos, ele é absolutamente correto nunca atrasou um pagamento, nem de um dia, se eu
estivesse interessado em esclarecimentos ele me daria todos. Fico contente ao verificar que
um livro está com ótima saída, muito. Acaba chegando nas minhas mãos, muito bem
explicado, duas vezes por ano. Sobre a parte da pergunta que versa sobre os motivos da
229
preferência escolar, também não me interesso em saber. Eu já sei, pela experiência, quais os
livros que vendem mais e a minha vivência de escritor infantil me mostrou imediatamente,
desde o começo, que o meu papel não é o de educador , é de escritor, é de artista, e que não
tem propósito eu ficar esquadrinhando os programas escolares, suas motivações, nem ir em
escolas , nem ficar dando conselho pedagógico para ninguém. As escolas me procuram na
minha casa porque acham que a boa literatura é importante. E eu procuro fazer boa literatura.
18. O senhor sabe quantos exemplares teriam sido, até hoje, vendidos de Sangue
Fresco, incluindo vendas governamentais? O total geral e o total específico de vendas
para o governo?
Se eu quisesse era só somar o número vendido de livros cada semestre que eu obteria
um total geral. Mas nunca somo. Olho só como está o panorama. Muitos escritores fazem a
contagem, eu acho legítimo, o Lobato fazia, é o jeito que eu sou, eu fico feliz de ver que a
coisa está andando bem. Acho que o Sangue Fresco está na 31ª edição, mas não tenho aqui
porque meus netos e sobrinhos rapam tudo, não perdoam. Só que a contagem das edições
agora é diferente. O Sangue Fresco está na 6ª reedição da 25ª edição, o que resulta na 31ª.
Antigamente cada reedição era uma edição, isso pode causar uma certa perplexidade,
sobretudo se for para uma 26ª edição, talvez se perca a conta por completo, pois talvez não
constem as reedições da 25ª. Não sei.
19. Qual o seu livro mais vendido? Quais outras obras vendem mais? Quais as
tiragens?
Essa eu vejo com facilidade nos relatórios. O Gênio do Crime está sempre na frente,
disparado. Depois vem o Sangue Fresco, também com destaque evidente sobre os outros.
Depois pela ordem: Conde Futreson, Assassinato na Literatura Infantil e Berenice Detetive.
No terceiro grupo estão os outros, que vendem continuamente, continuam ativos no mercado,
todos, mas vendem menos. As tiragens vêm sempre indicadas nos relatórios mas eu não presto
atenção.
20. Para o senhor, qual o papel da literatura hoje?
Há quatro ou cinco anos, na França, foi dado um tema de dissertação de Baccalauréat
que me chamou a atenção: Porque a beleza é absolutamente fundamental para a vida humana?
Esse tema responde à sua pergunta.
230
21. É provável que esta entrevista venha a ser lida por especialistas em literatura
infanto-juvenil, professores e mesmo alunos de Ensino Fundamental e Médio. Há algo
em especial que o senhor gostaria de dizer a esses leitores? Gostaria de dar algum
depoimento sobre qualquer outro tópico não contemplado pelas questões anteriores?
Acho que as suas perguntas colocaram os pontos fundamentais. E feliz aniversário. Se
eu esqueci alguma coisa me avise.
João Carlos Marinho
231
ANEXO I: RESENHA DE LAURA SANDRONI
Resenha Sangue fresco
O Globo, 08/08/1982
Sangue fresco. João Carlos Marinho. Il. Roland Matos. São Paulo. Obelisco. 172p.
Autor de apenas dois títulos, O gênio do crime e O caneco de prata, ambos best-
sellers da literatura infantil brasileira, João Carlos Marinho volta ao gênero depois de dez
anos sem nada publicar. Sangue fresco, em perfeita coerência com a obra anterior, vem para
reforçar os conceitos antagônicos que dividem seus leitores, de um lado, críticos e crianças
estão de acordo quanto a seu fascínio, de outro, aqueles professores e pais mais conservadores
se escandalizam com a total irreverência do texto.
Já pela trama pode-se sentir o quanto o autor se distancia dos cânones consagrados
pelo gênero. Um médico americano descobre, por acaso, que o sangue de crianças entre nove
e onze anos é muito mais eficiente na cura de determinadas doenças do que o sangue dos
adultos. No entanto, doação ou venda de sangue infantil é proibida por lei. Então, ele monta
um grande acampamento, em plena selva amazônica, para onde leva milhares de crianças
sequestradas na cidade de São Paulo. Quando a turma de Bolachão é agarrada, tem inicio uma
série de aventuras que envolvem, além das tentativas de fuga, o relacionamento afetivo dos
principais protagonistas.
A técnica usada em cortes rápidos, típica da linguagem cinematográfica, e usada pelo
autor em sua obra anterior, é aqui menos evidente. O que ele busca desta vez transpor em seu
discurso é a carga excessiva de violência e agressividade que se encontra no desenho
animado. Essa técnica, levada ao paroxismo, traz em si mesma os elementos que
desmascaram o horror proposto e levam ao riso. Esse humor negro está presente nas 172
páginas. A criança, muito mais afeita que o adulto à leitura daquela linguagem, imediatamente
a identifica sob a nova aparência e, percebendo o jogo, entra nele sem preconceitos.
Outro aspecto marcante da obra de João Carlos Marinho é seu espírito crítico
onipresente. Nada resiste à sua visão devastadora – para ele, nada é sagrado. A linguagem
coloquial, eivada de gírias, remete constantemente a fatos, pessoas e locais conhecidos
especialmente do leitor paulista. Leitura que prende, faz rir, leva à reflexão e mostra que João
Carlos Marinho está de volta com força total.
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Prêmios
_Altamente Recomendável para o Jovem, 1982, da FNLIJ.
_Jabuti, 1982, na categoria Juvenil.
_APCA, 1982, Grande Prêmio da Crítica.
A partir de 1986, passou a ser editado pela Global, com ilustrações do Estúdio Gepp e
Maia.
Resenha O gênio do crime
O Globo, 23/02/1990
O gênio do crime. João Carlos Marinho. Il. Estúdio Gepp e Maia. São Paulo. Global, 1989.
128p.
Os anos de 1988 e 1989 marcaram o aparecimento de um novo escritor que todos os
concurso literários nas categorias conto e poesia. Marcos Bagno tem dois títulos publicados, e
um deles, destinado ao público infantil, foi vitorioso no tradicional concurso João de Barro,
da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte. Trata-se de O papel roxo da maçã, escolhido
pelas crianças que formam o júri infantil e editado pela Lê, na coleção momentos.
Duas homenagens marcantes surgem no texto. A primeira – referente à temática e ao
próprio título – é prestada a seu inspirador, o também poeta mineiro e autor laureado
Bartolomeu Campos Queirós, citado na epígrafe inicial. A segunda, no terreno da linguagem,
diz respeito a Guimarães Rosa.
Uma menina recebe de seu pai um presente, o “O presente da risonha Rosinha Rosa
foi uma nunca antes vista fruta vermelha, da pele fina e lisa, que chegou embrulhadinha numa
coisa simplesmente linda, um papel de seda roxo... Ai, sem saber por que, Rosinha encostou a
orelhinha no papel roxo como se estivesse ouvindo alguma coisa lá dentro. E parece que
ouviu, pois logo responde: „isso, mãe, é uma maçã...‟”
O espanto foi geral, pois essa fruta não fazia parte do universo da menina.
Impressionados, pai e mãe verificam que esse dom de adivinhar é da sua natureza, capaz de
saber o que contém um livro sem ainda ler. Bastava colocá-lo junto ao ouvidinho esquerdo.
Rosinha, no entanto, não se espanta, ela sabe que todas as suas amigas adivinham o que está
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dentro dos livros e mais “o que dizem as vacas e cães e automóveis e choro e ranger de dentes
e telefones e tempestades e apitos de trem...”
Uma bela história sobre o imaginário infantil, tecida numa linguagem criativa e
enriquecedora, com ótimas ilustrações em preto e tons de amarelo, de Cláudio Martins.
Mas a produção literária para crianças e jovens e comporta também muitas reedições.
Entre elas, e talvez o título mais vezes reeditado de autor contemporâneo, O gênio do crime,
de João Carlos Marinho, em 32ª edição. Lançado em 1969, o sucesso imediato deveu-se
principalmente a dois fatores que permanecem e marcam a obra: enredo rocambolesco em
cima de um tema “quente” e uma linguagem coloquial e ágil. A notar-se ainda a influência
assimilada de formas modernas de comunicação, como o cinema e os quadrinhos.
Em O gênio do crime ele desenvolve, com muito talento, uma trama recheada de
suspense e aventura em torno da turma que colecionava figurinhas de futebol. Esta edição, da
Global, é valorizada pelas ilustrações do Estúdio Gepp e Maia.