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ANA SUELLEN MARTINS UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE JOÃO CARLOS MARINHO ASSIS 2013

ANA SUELLEN MARTINS

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ANA SUELLEN MARTINS

UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE

JOÃO CARLOS MARINHO

ASSIS

2013

1

ANA SUELLEN MARTINS

UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE

JOÃO CARLOS MARINHO

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e

Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual

Paulista para a obtenção do título de Mestra em

Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida

social).

Orientador: Prof. Dr. João Luís Cardoso

Tápias Ceccantini.

ASSIS

2013

0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP

Martins, Ana Suellen

M386e Um estudo introdutório da literatura de João Carlos

Marinho / Ana Suellen Martins. Assis, 2013

245 f. : il.

Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras

de Assis - Universidade Estadual Paulista.

Orientador: Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini

1. Marinho, João Carlos, 1935- 2. Literatura infanto-juvenil.

3. História infanto - juvenis. I. Título.

CDD J028.5

1

ANA SUELLEN MARTINS

UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE

JOÃO CARLOS MARINHO

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e

Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual

Paulista para a obtenção do título de Mestre em

Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida

social).

Data da aprovação: 16/12/13

COMISSÃO EXAMINADORA

Presidente: PROF. DR. JOÃO LUÍS CARDOSO T. CECCANTINI – UNESP/ASSIS

Membros: PROF. DR. JOSÉ NICOLAU GREGORIN FILHO – USP/SÃO PAULO

PROFA. DRA. SANDRA APARECIDA FERREIRA – UNESP/ASSIS

ASSIS

2013

2

Aos meus pais,

José Roberto Severino Martins e Gelma Severino Martins,

e aos meus irmãos, Júnior e Bruno.

3

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida e pela oportunidade de realizar mais uma etapa em minha vida.

A minha família pelo apoio nos momentos mais difíceis dessa caminhada, sendo um porto

seguro em meio ao mar de incertezas.

Ao professor João Luís Ceccantini pelas orientações durante a realização da pesquisa e pela

paciência em cada etapa.

Ao escritor João Carlos Marinho que, tão gentilmente, esclareceu minhas dúvidas e sempre se

mostrou disposto a me ajudar, compartilhando um conhecimento que vai além dos livros.

À professora Sandra Aparecida Ferreira pelas sugestões no exame de qualificação e pelo título

de um dos capítulos deste trabalho.

Ao professor Marcio Roberto Pereira pelos apontamentos durante o exame de qualificação.

Ao professor José Nicolau Gregorin Filho pela disposição com que atendeu ao convite e por

disponibilizar seu tempo para leitura deste trabalho.

À professora Alice Aurea Penteado Martha por aceitar fazer parte da composição da banca.

À professora Rosa Maria Manzoni pela orientação quando me decidi enveredar pelo caminho

das Letras.

Aos amigos da Aliança Bíblica Universitária de Assis pelo suporte em cada etapa deste

trabalho e por suas orações.

À CAPES pelo financiamento da pesquisa, permitindo a dedicação exclusiva na reta final da

escrita da dissertação.

Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação pelo auxilio durante todo o processo de

participação do mestrado.

Às secretárias: Roseli Pinheiro Santili, do Departamento de Literatura, e Sônia Regina

Moraes, do Departamento de Linguística, pela gentileza e disposição com que sempre me

atenderam.

Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras de Assis por toda ajuda

prestada durante a realização do mestrado.

A todos os envolvidos neste processo que se iniciou antes do ingresso no Programa de Pós-

Graduação, que, mesmo não nomeados, possuem a minha sincera gratidão.

4

O homem é o único animal que ri e é rindo que ele mostra o animal que realmente é.

Millôr Fernandes

5

MARTINS, Ana Suellen. Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho.

2013. 245 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras,

Universidade Paulista, Assis, 2013.

RESUMO

João Carlos Marinho (1935-) é um dos grandes nomes da literatura infantil e juvenil

brasileira, ainda em atividade. Embora sua produção literária seja legitimada por vários

estudiosos da área, não há um estudo panorâmico de suas obras voltadas para o público

infantil. Busca-se com este trabalho, assim, realizar um estudo introdutório da produção

infantojuvenil do escritor com destaque para a série criada por Marinho, com a Turma do

Gordo, que compreende doze narrativas: O gênio do crime (1969), O caneco de prata (1971),

Sangue fresco (1982), O livro da Berenice (1984), Berenice detetive (1987), Berenice contra o

maníaco janeloso (1990), Cascata de cuspe (1992), O conde Futreson (1994), O Disco

(1996), A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998), O gordo contra os pedófilos (2001) e

Assassinato na literatura infantil (2005). É objetivo do trabalho também fazer um resgate da

fortuna crítica sobre a obra do escritor, bem como compilar entrevistas dadas por Marinho em

diversas mídias. Foram cotejadas as várias edições lançadas pelo autor a fim de identificar as

mudanças ocorridas nos projetos gráfico-editoriais de cada livro e também alterações no

conteúdo do enredo. Para compreender a produção de Marinho no cenário literário brasileiro,

especificadamente, o infantojuvenil, enquanto processo de renovação do texto para crianças e

jovens foram utilizados estudos de Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho,

Edmir Perrotti, dentre outros pesquisadores da área. Foi possível perceber que Marinho, em

sua obra, soube valorizar o contexto histórico em que se insere a ação narrativa, revelando sua

percepção da realidade social, mas sem deixar em segundo plano a especificidade da

literatura, enfatizando o caráter estético da obra literária.

Palavras-chave: João Carlos Marinho. Turma do Gordo. Literatura infantojuvenil. Literatura

infantil. Literatura juvenil. Narrativa.

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MARTINS, Ana Suellen. Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho.

2013. 245 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras,

Universidade Paulista, Assis, 2013.

ABSTRACT

João Carlos Marinho (1935-) is one of the greats of children's literature in Brazil, still in

activity. Although his writing is legitimized by various scholars in the field, there is no

overview study of his works aimed at children. Searching with this work, so make an

introductory study of the production infantile-juvenile writer highlighting the series created

by Marinho, the Fat‟s Gang, which includes twelve narratives: O gênio do crime (1969 ), O

caneco de prata (1971), Sangue fresco (1982 ), O livro da Berenice (1984 ), Berenice detetive

(1987), Berenice contra o maníaco janeloso (1990), Cascata de cuspe (1992), Conde

Futreson (1994), O Disco ( 1996), A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998), O gordo contra

os pedófilos (2001) and Assassinato na literatura infantil (2005). Objective of the work is

also making a rescue of critical fortune of the author's work, as well as compiling interviews

given by Marinho in various mediums. Were collated the various editions released by the

author in order to identify the changes in graph - editorial projects of each book and also

changes in the content of the plot . To understand the production of the literary scene brazilian

of Marinho, specifically the infantile-juvenile while renewal process text for children and

youth were used studies of Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho, Edmir

Perrotti, among other researchers. It could be observed that Marinho, in his work, learned to

value the historical context in which it appears the narrative action, revealing their perception

of social reality, but in the background without leaving the specificity of literature,

emphasizing the aesthetic character of the literary work.

Keywords: João Carlos Marinho. Fat's Gang. Infantile-juvenile literature. Children's

literature. Youthful literature. Narrative.

.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

1. DO DIREITO À LITERATURA .......................................................................................... 13

2. COTEJO DAS EDIÇÕES .................................................................................................... 27

2.1 O GÊNIO DO CRIME (1969) E O CANECO DE PRATA (1971) ................................ 28

2.1.1 O gênio do crime ..................................................................................................... 28

2.1.2 O caneco de prata ................................................................................................... 34

2.2 DÉCADA DE 80: SANGUE FRESCO (1982), O LIVRO DA BERENICE (1984) E

BERENICE DETETIVE (1987) ........................................................................................... 40

2.2.1 Sangue Fresco ......................................................................................................... 40

2.2.2 O livro da Berenice .................................................................................................. 46

2.2.3 Berenice Detetive ..................................................................................................... 50

2.3 DÉCADA DE 90: BERENICE CONTRA O MANÍACO JANELOSO (1990),

CASCATA DE CUSPE (1992), O CONDE FUTRESON (1994), O DISCO I (1996), O

DISCO II (1998) ................................................................................................................... 53

2.3.1 Berenice contra o maníaco janeloso ....................................................................... 53

2.3.2 Cascata de cuspe ..................................................................................................... 57

2.3.3 O conde Futreson .................................................................................................... 62

2.3.4 O disco I .................................................................................................................. 66

2.3.5 O disco II ................................................................................................................. 69

2.4 DÉCADA DE 2000: O GORDO CONTRA OS PEDÓFILOS (2001) E

ASSASSINATO NA LITERATURA INFANTIL (2005) ................................................... 72

2.4.1 O Gordo contra os pedófilos ................................................................................... 72

2.4.2 Assassinato na literatura infantil ............................................................................ 74

3. UM TARANTINO DA LITERATURA INFANTIL ............................................................ 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 91

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 93

ANEXOS .................................................................................................................................. 97

ANEXO A: QUADRO COMPARATIVO DAS EDIÇÕES POR DÉCADA .......................... 98

ANEXO B: ALTERAÇÕES PRESENTES NO CONTEÚDO DAS OBRAS ....................... 102

ANEXO C: APÊNDICES PRESENTES NAS OBRAS DE JOÃO CARLOS MARINHO .. 161

ANEXO D: INFORMAÇÕES FORNECIDAS POR JOÃO CARLOS MARINHO NA SUA

PÁGINA NA GLOBAL EDITORA. ...................................................................................... 176

8

ANEXO E: ENTREVISTAS CONCEDIDAS POR MARINHO A REVISTAS,

PROGRAMAS E JORNAIS. ................................................................................................. 193

ANEXO F: PREFÁCIO DE FANNY ABRAMOVICH À PRIMEIRA EDIÇÃO DE SANGUE

FRESCO ................................................................................................................................. 209

ANEXO G: REPORTAGENS EM JORNAIS SOBRE OS LIVROS DE MARINHO .......... 211

ANEXO H: ENTREVISTA COM JOÃO CARLOS MARINHO CONCEDIDA PARA ESTA

PESQUISA (JANEIRO DE 2013) .......................................................................................... 217

ANEXO I: RESENHA DE LAURA SANDRONI ................................................................. 231

10

INTRODUÇÃO

A formação do leitor e as práticas de leitura realizadas em sala de aula me inquietam

desde a graduação no curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências (UNESP), campus de

Bauru. Ao estudar o tema, foi possível perceber que essas questões envolvem outras maiores

como a própria formação do professor, mediador no processo de leitura, e o acesso, por parte

dos docentes, a obras literárias que não se limitem àquelas mais difundidas pelas editoras ou

às distribuídas, gratuitamente, nas escolas pelos programas de incentivo à leitura. Muitos

escritores nacionais de literatura infantil e juvenil não são conhecidos por grande parte dos

profissionais responsáveis pela formação do leitor e também, mesmo quando reconhecidos

por teóricos da área, ainda não possuem um estudo panorâmico de suas obras. Um desses

autores é João Carlos Marinho, criador da Turma do Gordo1. O primeiro contato com a obra

do autor se deu durante a graduação nas aulas de Metodologia do ensino de língua portuguesa,

quando a Profª Drª Rosa Maria Manzoni, ao indicar vários livros e autores da literatura

infantil, destacava a qualidade literária de Sangue fresco (1982), terceiro livro da coleção

criada por Marinho.

Após o levantamento dos referenciais teóricos, foi possível perceber que João Carlos

Marinho se distingue na produção de livros para crianças pela qualidade estética de seus

textos e ainda consegue ser um fenômeno de vendas, tendo grande aceitação pelo público a

quem se dirige. Apesar disso, não havia um estudo que abordasse a produção infantojuvenil

do autor, englobando as doze narrativas: O gênio do crime (1969), O caneco de prata (1971);

Sangue fresco (1982); O livro da Berenice (1984); Berenice detetive (1987); Berenice contra

o maníaco janeloso (1990); Cascata de cuspe (1992); O conde Futreson (1994); O Disco

(1996); A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998); O gordo contra os pedófilos (2001) e

Assassinato na literatura infantil (2005).

O grupo de crianças é constituído, inicialmente, por Gordo, também conhecido como

Bolacha ou Bolachão, por Berenice, Edmundo e Pituca. Nas narrativas seguintes, essas

personagens são mantidas e outras são inseridas, como a Mariazinha, a Silvia, o Godofredo, o

Zé Tavares, o Biquinha e o Hugo Ciências, completando a turma. Além das crianças, há a

presença de adultos como o mordomo Abreu, o frade João, a professora Jandira, doutor

Marcelo e dona Celeste, pais do Gordo.

1 No presente trabalho, será grafado Gordo com letra maiúscula. Apenas nos trechos transcritos das narrativas,

será mantida a grafia usada por Marinho, que escreve o nome de sua personagem em minúscula.

11

Embora Marinho seja um escritor reconhecido por vários estudiosos da literatura

infantil e juvenil brasileira devido à qualidade de sua produção para crianças e jovens, há

poucas pesquisas a respeito de sua obra, cuja abordagem abranja a coleção por ele criada e

pela qual é mais conhecido. As teses e dissertações sobre João Carlos Marinho, geralmente,

abordam um tema específico ou a uma análise comparativa das obras, destacando a questão da

violência ou dos expedientes do romance policial.

Optou-se por trabalhar, numa primeira instância, com as obras que compõem a série

das aventuras da Turma do Gordo, que compreende um período de 36 anos entre a primeira

obra, em 1969, e a última, em 2005, sendo a produção que mais se destaca pela crítica

positiva e pelos prêmios recebidos. João Carlos Marinho também é autor de livros para

adultos, que não tiveram, porém, o mesmo sucesso de vendas que os infantojuvenis, não

passando das primeiras edições. São objetivos estabelecidos para o estudo, portanto:

Levantar a fortuna crítica sobre a obra de João Carlos Marinho presente em

livros, revistas, artigos científicos, dissertações, teses etc.

Encontrar o maior número possível de entrevistas concedidas pelo autor e

reportagens sobre ele;

Levantar todas as obras da série A Turma do Gordo;

Identificar as mudanças editoriais realizadas nas obras voltadas para as crianças

e jovens;

Fazer um estudo introdutório da produção infantojuvenil de João Carlos

Marinho.

Assim, busca-se disponibilizar para futuros estudiosos um material de pesquisa e

suscitar novos trabalhos referentes à obra de João Carlos Marinho, que se diferencia pela

originalidade e inovação na produção de textos para o público infantojuvenil. Para Nelly

Novaes Coelho (2006, p.360), “é um dos nomes que atuou de maneira fecunda no processo de

construção da literatura infantil e juvenil contemporânea, valor confirmado pelos vários

prêmios ou distinções que lhe têm sido atribuídos como Prêmio Mercedes-Benz de Literatura

Infantil e Juvenil de 1988 e Grande Prêmio da Crítica em Literatura Juvenil de 1982,

concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).”

Os dados apresentados referem-se à comparação da primeira edição com a última de

cada obra que compõe a Turma do Gordo. O caneco de prata (1971) foi a obra que mais

sofreu alterações no conteúdo, que segundo o próprio escritor, ocorreram com o intuito de

deixá-la menos abstrata e dar maior enfoque ao campeonato de futebol. Por isso, nesse

12

primeiro plano, houve essa análise mais atenta da obra, cotejando as duas primeiras edições

(1971 e 1973) e a última (2007). Foram extraídas informações sobre Marinho e o período em

que se dá a sua produção para crianças nas obras críticas de Regina Zilberman, Marisa Lajolo,

Nelly Novaes Coelho, Edmir Perrotti entre outros teóricos.

O presente trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo, Do direito à

literatura, traz a biografia de João Carlos Marinho como a sua produção para crianças e

adultos juntamente com um balanço dos referencias teóricos sobre a literatura infantil e

juvenil, com destaque às referências ao autor estudado nesta pesquisa. No capítulo seguinte,

Cotejo das edições, destacam-se as principais alterações nas obras da série decorrentes da

mudança de editora e da adequação ao formato de coleção nesta última edição pela Global

Editora. No capítulo intitulado “Um Tarantino da literatura infantil”, é feito um estudo

introdutório de um dos aspectos que se destacam na produção do autor como o humor,

principal característica apontada como inovação na sua produção para crianças e jovens,

ressaltando o exagero empregado para descrever as cenas de violência, além do nonsense.

13

1. DO DIREITO À LITERATURA

João Carlos Marinho Homem de Mello é conhecido no cenário literário como J.C.

Marinho Silva, João Carlos Marinho Silva ou, simplesmente, João Carlos Marinho, nome que

adota, ultimamente, em suas publicações. Nascido no Rio de Janeiro, em 25 de Setembro de

1935, filho de Roberto Silva e Hortense Marinho, aos cinco anos muda com a família para

Santos, no litoral paulista. Terminado o primário no Ateneu Progresso Brasileiro, dá

continuidade aos seus estudos em São Paulo, onde realiza o admissão e o ginásio como

interno no Instituto Mackenzie, retornando nos finais de semana e nas férias para Santos. Aos

treze anos, Marinho perde seu pai e passa a ser externo do instituto e a viver com seus avós

maternos, doutor João Marinho de Azevedo e dona Cecília do Val Marinho em São Paulo.

Em 1952, continua seus estudos na Suíça, cursando o colegial de janeiro desse ano até

abril de 1956, quando adquire o certificado de Maturité Fédérale Suisse, exame que

possibilitava o prosseguimento nos estudos universitários. Retornando ao Brasil, no ano

seguinte, passa no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Concluído o curso, em fins de 1961 passa a advogar em Guarulhos, inicialmente, em

sindicados e depois em escritório próprio. Em outubro de 1962, casa-se com Marisa, com

quem tem três filhos, Roberto, Cecília e Alex. Ainda trabalhando como advogado, começa a

escrever O gênio do crime, em meados de 1965, terminando três anos depois e sendo, em

1969, publicado pela Editora Brasiliense na coleção "Jovens do mundo todo", destinada à

juventude, organizada por Yolanda Cerquinho da Silva Prado, nos anos 60. Depois de dois

anos, o escritor e advogado carioca publica a segunda obra que dá continuidade à turma

criada. Marinho comenta em sua autobiografia2 que desde criança tinha o sonho de ser

escritor: "Publicando o Gênio do Crime eu senti que havia alcançado a minha verdadeira

vocação, aquela com que eu sonhava quando era criança". A partir de 1987, passa viver

exclusivamente dos direitos autorais de seus livros, deixando de advogar e se consolidando

como escritor. Ganhou vários prêmios com sua produção voltada para o público infanto-

juvenil, sendo reconhecido pela crítica pela originalidade de suas obras.

Sua produção também compreende dois romances Professor Albuquerque (1973);

Pedro Soldador (1976), um livro de contos, Pai Mental e Outras Histórias (1983), um de

2As informações biográficas foram retiradas da página que o escritor possui na Editora Global, escrita por ele

mesmo e disponibilizada na íntegra no Anexo D.

14

poesia, Anjo de Camisola (1988) e Dueto de gatos (e outros contos), publicado em 2012.

Marinho, grande admirador e leitor de Monteiro Lobato, também escreveu, em 1978, por

ocasião dos trinta anos da morte de Lobato, um ensaio sobre a obra do escritor, publicado,

originalmente, pela Editora Obelisco3 no mesmo ano e, depois, aparecendo em uma das

edições de O gênio do crime.

João Carlos Marinho surge no cenário literário em 1969, com a publicação de O gênio

de crime, que se torna um best-seller e apresenta a Turma do Gordo. Dois anos depois, em O

caneco de prata, a turma formada, inicialmente, pelo Gordo (Bolacha), Berenice, Edmundo e

Pituca é acrescida de novas personagens como Silvia, Mariazinha, Biquinha, Godofredo e Zé

Tavares. A partir de Sangue fresco, a turma conta com a presença de Hugo Ciências que se

transfere para a Escola Três Bandeiras, onde os amigos do Gordo estudam.

Suas obras foram premiadas com o prêmio Jabuti (1982) e o prêmio APCA (1982),

além do Prêmio Mercedes-Benz em 1988 e tendo obras consideradas altamente

recomendáveis pela Fundação Nacional (FNLIJ), sendo o mais recente o deste ano, pelo livro

Dueto de gatos (e outros contos), publicado no ano passado.

O período em que Marinho surge no cenário literário é de grande incentivo aos

escritores nacionais para atender aos programas de incentivo à leitura, criados pelo governo:

Multiplicam-se, nos anos 60, instituições e programas voltadas para o

fomento da leitura e a discussão da literatura infantil. É por essa época

que nascem instituições como a Fundação do Livro Escolar (1966), a

Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de

Estudos de Literatura Infantil e Juvenil (1973), as várias Associações

de Professores de Língua e Literatura, além da Academia Brasileira de

Literatura Infantil e Juvenil, criada em São Paulo, em 1979.

(ZILBERMAN e LAJOLO, 2005, p.123)

Em o Panorama histórico da literatura infantil e juvenil, Nelly Novaes Coelho (1991,

p.254) acredita que a produção literária para crianças e jovens nos anos 60 foi um momento

em que permitiu preparar o terreno para o grande surto criativo que ocorreria na década

seguinte. Tal autora considera os anos 70 a 90 como os que foram de grande importância para

a literatura infantil e juvenil no Brasil, importância que vai além fronteiras como o Prêmio

Internacional Hans Christian Andersen concedido à obra de Lygia Bojunga Nunes, em 1983.

Ainda sobre o período, Coelho (1991) afirma que a palavra de ordem no período era:

3 SILVA, João Carlos Marinho. Conversando de Monteiro Lobato. São Paulo: Obelisco, 1978.

15

[...] o experimentalismo com a linguagem, com a estrutura narrativa e com o

visualismo do texto; substituição da literatura confiante/segura por uma

literatura inquietante/questionadora, que põe em causa as relações

convencionais existentes entre a criança e o mundo em que ela vive;

questionando também os valores sobre os quais a nossa Sociedade está

assentada. (COELHO, 1991, p.259). (Grifos da autora)

Pensando nessa inovação no texto para crianças, a obra de Marinho com seus

primeiros livros demonstram essa preocupação com o novo. A estrutura de O caneco de prata,

por exemplo, envolve o trabalho entre texto e imagem, obra em que esse experimentalismo à

que se refere Coelho (1991) fica mais evidente. Dentro desse período, Edmir Perrotti (1986),

em sua obra O texto sedutor na literatura infantil, destaca a obra de Marinho, O caneco de

prata, por marcar a crise do discurso utilitário na literatura infantil brasileira: "Na verdade, O

caneco de prata, dadas as suas características internas e o momento em que surgiu, pode ser

tomado como verdadeiro divisor de águas na literatura brasileira para crianças e jovens."

(PERROTTI, 1986, p.12). Para este autor, o que caracteriza o discurso utilitário é a intenção

precípua de ensinar, instruir, deixando de lado o valor estético, que caracteriza a obra de arte.

Marinho, em O caneco de prata, foi capaz de romper com o utilitarismo tão comum no texto

para crianças e conferir à literatura infantil, após o fenômeno Monteiro Lobato, um valor

estético:

Assim, se a invenção estética é condição exigida à literatura para crianças

por um Lourenço Filho, Fernando Azevedo, uma Lucia Miguel Pereira, uma

Cecilia Meireles, parece que, com o tempo, tal ideia foi ganhando novos

adeptos, abrindo espaço para a instituição de uma nova tendência discursiva

na literatura brasileira para crianças e jovens: a do discurso “estético”. E,

mais que uma nova tendência, cinquenta anos depois do primeiro Lobato,

finalmente, colocaríamos em crise uma outra forma de discurso: o discurso

“utilitário”. O exemplo mais radical da negação desta última forma foi – e

talvez continue sendo – O caneco de prata, obra de João Carlos Marinho

Silva, publicada em 1971, e que trazia um subtítulo indicativo: “epopeia

dodecafônica”. (PERROTTI, 1986, p. 79)

O caneco de prata (1971) rompe com a estrutura comum às narrativas tradicionais às

crianças, em que há linearidade no desenrolar dos acontecimentos, e adota uma postura

comum à obra modernista Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade.

Assim, como a história oswaldiana, os capítulo aparentemente não possuem relação entre si,

sendo possível acompanhar a evolução da narrativa, que no caso da obra de Marinho é o

campeonato. Para Nelly Novaes Coelho (1995), em O dicionário crítico de literatura infantil

e juvenil brasileira: séculos XIX e XX, afirma que na tentativa de inovar, Marinho acabou

16

exagerando e dificultando assim a compreensão do enredo pelo leitor mirim. Segundo a

autora, o leitor a quem se dirige o livro ainda não tem maturidade intelectual necessária para

compreender os recursos estilísticos utilizados, que, para ela, funciona bem com o leitor

adulto.

Coelho (1995), diferente de Perrotti (1986), analisa a obra a partir da recepção,

pensando na compreensão do público. Essa questão de a obra ser muito abstrata para o

público a que se refere, foi percebida por Marinho quando foi feita a segunda edição em 1973,

em que retira alguns capítulos, na tentativa de deixar o campeonato mais em evidência. Na

última edição, a obra passou por mais alterações, havendo a supressão de mais capítulos. Tal

postura da autora em julgar o livro como inapropriado ao público a que se dirige à obra, além

de ser polêmica, é muito taxativa, ao nivelar por baixo os leitores. Ainda mais que a autora

classifica como público leitor da obra crianças a partir de 12 anos, faixa etária em que a

própria autora classifica o leitor como crítico, no qual já possui: “Fase de total domínio da

leitura, da linguagem escrita, capacidade de reflexão em maior profundidade, podendo ir mais

fundo no texto e atingir a visão-de-mundo ali presente...” (COELHO, 1995, p. 19). Se o leitor

a quem Coelho (1995) classifica como crítico possui estas competências, muitos dos pontos

colocados como impedimento à compreensão da obra de Marinho não se justificariam.

Perrotti (1986) compreende O caneco de prata dentro do contexto literário, quando faz

o contraponto entre o discurso estético e o utilitário na literatura infantil brasileira,

considerando um marco na literatura infantil pós-Monteiro Lobato, como explicita abaixo:

Rompendo completamente com a tradição retórica vigente, herdada dos

centros europeus, e que postulava, explicitamente ou não, a estruturação da

narrativa a partir de critérios alheios à dinâmica interna da própria obra, João

Carlos Marinho Silva inscreve, com O caneco de prata, o discurso literário

produzido no país para o público infanto-juvenil não somente no âmbito da

contemporaneidade estética, como também o eleva à condição artística, tal

como a compreendemos hoje. Isto é: como realização “autônoma”,

estruturada “de dentro”, dotada de coesão interna, resultante de sua auto-

regulação. (PERROTTI, 1986, p.12).

O autor, ao analisar o discurso na obra de Marinho, afirma que “O caneco de prata é

não só exemplo acabado, mas certamente, a mais radical tentativa de renovação de nossa

literatura para crianças e jovens, no período: pela primeira vez a concepção representativa da

literatura é efetivamente colocada em crise.” (PERROTTI, 1986, p. 84). Ainda ressalta,

diferente de Nelly Novaes Coelho, o modo como a narrativa foi construída é que destaca a

17

obra pela valorização do discurso estético, em que várias instâncias, das mais diversas, unem-

se ao enredo principal do campeonato de futebol.

O caneco de prata, portanto, é a obra que mais difere das demais da coleção pela sua

estrutura, em que Marinho intercala no desenvolvimento do campeonato, que acontece

linearmente, situações marcadas pelo nonsense, apresentadas em microcapítulos, num ritmo

semelhante a flashes cinematográficos, como no capítulo 24, em que os fatos apresentados

pelo narrador mostram-se sem sentido em relação ao que acontece antes e depois do episódio:

A ARANHA ESTRABOSCÓPICA deu um pulo e comeu o mosquito.

E assim termina a rapidíssima participação da ARANHA

ESTRABOSCÓPICA nessa minha história. (MARINHO, 1971,

cap.24)

No capítulo 41, a narração é feita por meio de onomatopeias, contendo a intervenção

direta do narrador ao demonstrar a sua euforia diante da cena mostrada:

Vestiário do Três Bandeiras depois da partida

barulho do chuveiro CHHH CHHH CH

barulho do biquinha se ensaboando: COC

vapor da água quente: FUIM FUIM FUIM

eco das vozes no vestiário: Ô Ô Ô Ô Ô

grito do godofredo: Passa o sabão!

porta se abrindo: CRAC

corrente de ar: ZUUUUUM ZUUUUUM

grito do massagista: Olha a PORTA!

arrepio na pele dos jogadores: PRRRRRRRRR

porta batendo: PLAN

metabolismo desintoxicante: UUUF UUUUUUF

ainda os efeitos da corrente de ar: ATCHIM!

uma piada: RA RA RA

barulho da toalha sobre as costas: FLAP

esconderam meu sapato: POXA!

inveja da alegria sobre o massagista: como eu gostaria de ser criança

e estar tomando banho nessa festa.

REPÓRTER DE CAMPO: Posso entrar?

resposta espirituosa: RA RA RA

alguém disse: Meu pai está de carro, quem vai para o lado do Jardim

América?

cheiro gostoso de sabão no ar: MUF MUF MUF

Como Machado de Assis no capítulo LV de Memórias póstumas de Brás Cubas,

intitulado O velho diálogo de Adão e Eva, em que há apenas a pontuação, indicando o

transcorrer da ação, Marinho presta uma homenagem a um dos grandes nomes da literatura

18

nacional brasileira, incorporando essa estrutura no texto infantil. O autor se vale dos recursos

linguísticos para compor a narrativa, destacando a preocupação com o seu caráter estético. Do

mesmo modo que a organização interna da obra assemelha-se à obra oswaldiana já

mencionada, esse capítulo remete ao do escritor de Memórias de Póstumas de Brás Cubas.

Marinho cria um universo literário em que as mais diversas produções humanas circulam em

suas histórias, desde a mitologia grega com a sucuri que lembra à Fedra, passando por um

frade descendente de Frére Jean, personagem de Rabelais até às músicas populares nacionais

e propagandas, além das referências às personagens criadas por Monteiro Lobato como o Jeca

Tatu, o doutor Caramujo e o Visconde de Sabugosa.

Atualmente, a Turma do Gordo é composta por doze narrativas com a abordagem de

temas dos mais variados como futebol, pedofilia, sequestros, tortura, consumo, cultura de

massa, venda de sangue infantil, assassinatos, viagens espaciais, vampiros, sempre com um

toque de humor, ironia, nonsense e crítica social. A postura adotada por Marinho não visa

transmitir valores com cunho pedagógico ou moralista, mas o de promover a reflexão por

meio do humor com situações do dia a dia comuns às crianças e atento aos acontecimentos do

país e do mundo.

Marinho aborda, em seus livros, as contradições comuns nas relações sociais e,

sobretudo, a questão do avanço tecnológico e os relacionamentos humanos. À medida que a

sociedade avança tecnologicamente, as relações humanas tornam-se mais superficiais e

desiguais. No início do capítulo intitulado O direito à literatura, Antônio Candido (2004)

analisa as contradições da sociedade humana em que o máximo da racionalidade não foi

capaz de acabar com a barbárie tampouco acabar com as desigualdades sociais. Candido

também observa que mesmo que a barbárie ainda exista, ela não é propalada como um êxito

ou uma conquista como antigamente, sendo que a sociedade reconhece que deva ser algo a ser

ocultado. Apesar dessa consciência, a violência e a desigualdade ainda existem por mais que o

avanço tecnológico e científico tenha atingindo um patamar considerável na sociedade

contemporânea. Nesse contexto, o autor reflete sobre os direitos humanos e na sua

relatividade: será que reconheço como indispensável ao outro aquilo que considero para mim?

Assim, Candido compreende a literatura como um direito inalienável do sujeito a qual ajuda a

desenvolver características essenciais ao homem:

[...] como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para

com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos

problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do

mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a

19

quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e

abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 2004,

p.180)

Além do caráter humanizador da literatura, Candido também ressalta o papel do texto

literário como instrumento de desmascaramento das contradições sociais existentes. Valendo

de suas reflexões, é possível encontrar na obra de Marinho a postura crítica acerca do período

histórico e dos comportamentos humanos. Em meio a uma sociedade marcada pela repressão

política como a brasileira do início da década de 60, como valer-se do presente sem cair na

barbárie? Como a literatura poderia despertar a reflexão nos leitores sem perder a sua

especificidade? Para isso, o criador da Turma do Gordo, valeu-se do humor para desvelar

esse mundo e promover o questionamento do status quo.

Dentro desse contexto de inovação, Vera Maria Tietzmann Silva (1995), em Literatura

infanto-juvenil: poesia e prosa, no capítulo "O suspense juvenil", afirma que Marinho é

representante da vertente inovadora do gênero policial quando se refere ao universo infantil.

Sobre o gênero, Silva (1995) afirma que as narrativas juvenis situam-se entre o terceiro tipo

de romance policial, o de suspense, situada entre o romance de enigma e o negro, no qual a

autora se vale da definição dada por Todorov (1970):

Do romance de enigma ela conserva o mistério e as duas histórias, a do

passado e a do presente; recusa-se a reduzir a segunda a uma simples

detecção da verdade. Como no romance negro, é essa segunda história que

toma aqui o lugar central. O leitor está interessado não só no que aconteceu,

mas também no que acontecerá mais tarde, interroga-se tanto sobre o futuro

quanto sobre o passado. Os dois tipos de interesse se acham, pois, aqui

reunidos: existe a curiosidade de saber como explicam os acontecimentos já

passados; e há também o suspense: que vai acontecer às personagens

principais? Essas personagens gozavam de imunidade (...) no romance de

enigma; aqui elas arriscam constantemente a vida. O mistério tem uma

função diferente daquela que tinha no romance de enigma: é antes um ponto

de partida, e o interesse principal vem da segunda história, a que se

desenrola no presente. (TODOROV, 1970, p.102)

Em Como e porque ler a literatura infantil brasileira, no capítulo intitulado "Detetives

Mirins", Regina Zilberman (2005) ressalta a inovação na escolha da narrativa policial. A

autora afirma que esse tipo de gênero exige um cuidado redobrado para o escritor de literatura

infantil quando sua obra se destina aos leitores mirins: ele precisa relacionar ao universo da

criança para prender a sua atenção e garantir que chegue até o fim. Diante desse impasse:

20

Marinho resolve a questão com maestria em O Gênio do Crime, logo no

capítulo de abertura, o narrador enfatiza que uma “mania” tomara conta da

criançada paulista: o “concurso das figurinhas de futebol”, que conquistou os

meninos, levando-os a completar os álbuns a serem trocados por um jogo de

camisetas do clube predileto do colecionador. O assunto, próprio à faixa

etária visada pelo livro, captura de imediato a atenção, alimentada pelo

acontecimento seguinte: os vencedores não recebem o premio, porque o

fabricante das figurinhas não da conta dos pedidos; revoltados, os torcedores

mirins depredam a fábrica promotora do concurso. (ZILBERMAN, 2005, p.

111)

Em relação às narrativas policiais para crianças e jovens, Zilberman (2005) destaca

ainda que as posturas adotadas nos livros de Marinho refletem os processos pelos quais passa

a sociedade como a presença feminina nas histórias policiais, sendo as garotas policiais o que

também se reflete em outras narrativas do período como as de Marcos Rey e Pedro Bandeira.

Enfim, conclui: “O gênero policial que nasceu para divertir crianças e adolescentes leva-os

igualmente a refletir sobre a sua condição e posição na sociedade, proporcionando leitura

agradável, mas também conhecimento e reflexão.” (ZILBERMAN, 2005, p.126). A

participação de Berenice na resolução dos crimes é destacada pelo autor desde a primeira

obra, em que com sua inteligência descobre o disfarce do Gordo, além de valer-se da sua

intuição.

A trama construída por Marinho subverte os expedientes do gênero policial ao colocar

crianças na resolução do problema, sendo que neste caso nem sempre o crime seja

assassinatos, como em O gênio do crime, em que se busca encontrar a fábrica clandestina de

figurinhas. As crianças se tornam peças fundamentais na investigação, sendo capazes de

identificar pistas ignoradas pela polícia como em Berenice detetive, em que a garota que dá

nome ao livro, suspeita de que a escritora, cuja morte será motivo de investigação, tenha sido

assassinada.

Em Ao longo do caminho, Laura Sandroni (2003) selecionou algumas resenhas suas

publicadas no Jornal O Globo, nos anos de 1975 a 2002 no Caderno Família. Neste livro, as

obras O Gênio do crime e Sangue fresco apareceram analisadas pela escritora. Na resenha

escrita em 8 de Agosto de 1982, referente ao livro publicado naquele mesmo ano, Sangue

fresco, Sandroni afirma:

Outro aspecto marcante da obra de João Carlos Marinho é seu espírito crítico

onipresente. Nada resiste à sua visão devastadora – para ele, nada é sagrado.

A linguagem coloquial, eivada de gírias, remete constantemente a fatos,

pessoas e locais conhecidos, especialmente do leitor paulista. Leitura que

21

prende, faz rir, leva à reflexão e mostra que João Carlos Marinho está de

volta com força total. (SANDRONI, 2003, p.114)

Nessa mesma obra, há outra resenha feita pela autora a respeito da reedição de O gênio

do crime, que, a partir de 1986, passa a ser editado pela Global, com ilustrações do Estúdio

Gepp e Maia. Destacando a questão da criatividade no universo literário infantil, a escritora

destaca as reedições:

Mas a produção literária para crianças e jovens comporta também muitas

reedições. Entre elas, e talvez o título mais vezes reeditado de autor

contemporâneo, O Gênio do crime, de João Carlos Marinho, em 32ª edição.

Lançado em 1969, o sucesso imediato deveu-se principalmente a dois fatores

que permanecem e marcam a obra: enredo rocambolesco em cima de um

tema “quente” e uma linguagem coloquial e ágil. A notar-se ainda a

influência assimilada de formas modernas de comunicação, como o cinema e

os quadrinhos.

Em O Gênio do crime ele desenvolve, com muito talento, uma trama

recheada de suspense e aventura em torno da turma que colecionava

figurinhas de futebol. Esta edição, da Global, é valorizada pelas ilustrações

do Estúdio Gepp e Maia. (SANDRONI, 2003, p.201)

Embora Sandroni destaque as ilustrações como um fato de valorização da obra, é

possível identificar que as ilustrações trazem informações que discordam do texto. No

primeiro capítulo, por exemplo, o narrador relata que o gordo estava com cola no polegar, mas

na imagem mostra no dedo indicador. Embora se mantenha um projeto geral, percebe-se que

há mudança de ilustrador quando se compara as imagens. Na obra Sangue fresco também é a

mesma equipe que faz as ilustrações e apresenta a mesma situação como aponta Ceccantini

(2000) ao analisar essa obra. Há variações no estilo das imagens e em determinadas situações,

as ilustrações contradizem o texto verbal: “Um exemplo é o fato de o texto verbal reiterar que

todas as crianças vivem no acampamento só de calção, sem camisa e sem sapato, e as

ilustrações insistirem em representa-las vestidas e calçadas.” (p.139).

Os teóricos apresentados concordam entre si sobre o caráter inovador da obra de

Marinho e a sua participação na renovação da literatura infantil. Coelho (1991) apresenta

opinião divergente em relação ao livro O caneco de prata quanto à recepção da obra pelo

leitor jovem. O estilo de Marinho é marcado pelo ritmo vertiginoso e bem humorado das

situações cotidianas de São Paulo, cenário principal de suas histórias. Além de que Marinho,

na esteira da renovação da literatura infantil, produz um texto livre da preocupação

pedagógica. Seus personagens possuem as mais variadas atitudes, muitas delas egoístas e

22

impulsivas, mas sem perder o bom humor que confere à obra uma visão crítica das atitudes e

sentimentos humanos.

Nota-se que a crítica às obras de Marinho são referentes às primeiras em que há

detalhamento dos aspectos da narrativa como é possível identificar em Dicionário crítico da

literatura infantil, Nelly Novaes Coelho apresenta de modo sucinto as últimas narrativas, não

emitindo sua opinião crítica:

Depois de algum tempo em silêncio, João Carlos Marinho reaparece com a

mesma Turma do Gordo e uma nova linha novelesca, a da ficção científica: o

Disco 1 – A viagem (1997) e o Disco 2 – A Catástrofe do Planeta Ebulidor

(1998). Em 2001, volta à linha policial-satírica com nova aventura da Turma

do Gordo: O Gordo contra os Pedófilos. Em 2005, Assassinato na literatura

Infantil. Trama de crime e mistério, que começa com um concurso de

literatura infantil, cujo resultado ia ser definido, quando o último jurado (que

iria resolver o impasse) é morto com um tiro. A Turma do Gordo entra em

ação para ajudar a polícia. P. 365

As últimas obras são analisadas em artigos apresentados em eventos científicos ou em

jornais. Grande parte da crítica refere-se, portanto, às primeiras obras que conquistaram os

leitores e a crítica. O estilo de Marinho é o mesmo em todas as narrativas, embora a

quantidade de sangue tenha diminuído, pois longe das cabeças decapitadas e miolos

estourando, em sua última obra, há apenas um fio de sangue escorrendo. Em artigo ao Jornal

da Tarde, em 13 de Abril de 2001, Geraldo Galvão Ferraz comenta sobre o lançamento de O

gordo contra os pedófilos em que mais uma vez Marinho usa uma situação real e preocupante

que é a exploração infantil por meio da pornografia.

Impróprio para menores? Contudo, familiarizados com a Internet e

informados do que acontece, para eles pornografia e pedofilia é um dado da

realidade, e Marinho trata do tema assim, com naturalidade e sensibilidade.

O gordo contra os pedófilos pode ser visto até como um alerta para os

jovens. (FERRAZ, 2001)

Em meio aos horrores sofridos e diante da iminência da morte, Berenice elabora um

plano, mostrando a naturalidade e sensibilidade referida por Ferraz nessa mesma obra:

O cérebro da Berenice está desenvolvendo um plano um pouco sinistro, um

pouco cruel, mas que se apresentava como a única solução possível. O plano

era de escrever em um papel a descrição física do chefe, do Alicate e da

mulher dele e fazer um pacto com a Denise, a Célia e a Maria.

23

O pacto seria assim: a primeira menina a ser mandada embora para morrer

levaria o papel embaixo da roupa. A polícia descobriria o papel no corpo da

primeira que fosse assassinada.

[...] Se conseguisse executar esse plano, a próxima vítima seria a última e

morreria com um consolo: a morte era certa mas desta vez não seria uma

morte inútil. (MARINHO, 2001, p. 79)

Embora as crianças sejam vítimas de adultos mal intencionados como no caso de

Sangue fresco e nesta obra, são elas que investigam e descobrem os criminosos. Abordando

um tema polêmico, Marinho o faz de forma bem humorada, mas sem perder a veia crítica.

Meninas são sequestradas, drogadas e usadas para vídeos pornográficos que serão vendidos

para a Europa. Em condições desumanas no cativeiro, as meninas adoecem: “Andaram pelo

corredor, inspecionando todas as celas através do olho mágico. Em algumas celas o chefe se

demorava mais. Numa das celas uma menina, estendida no chão, tossia sem parar e cuspia

sangue. Baratas passavam por cima do corpo dela, indo e vindo.” (MARINHO, 2001, p.47). O

fim de cada menina era o estrangulamento feito por um dos integrantes da quadrilha e o corpo

abandonado em algum matagal da cidade de São Paulo. A descoberta do crime se dá pela

dedução do Gordo, a partir da palavra flor pronunciada por Dorotéia, responsável por raptar

as meninas, antes de morrer. As deduções do gordo levaram a turma a descobrir o cativeiro

onde Berenice estava. Desconfiados do envolvimento de algum agente da delegacia, as

crianças resolvem por si só encontrar o cativeiro onde Berenice está.

Temas polêmicos presentes nas narrativas juvenis de João Carlos Marinho, artigo de

Érica Antonia Caetano, apresentado durante 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários

realizado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), é um artigo que analisa as duas

últimas obras de Marinho. Destaca o modo como são mostradas as cenas de violência em cada

obra, inclusive, a abordagem de temas nas obras infanto-juvenis como a pedofilia e a morte.

Temas como esses já foram abordados em outros autores infantis como Lygia Bojunga

Nunes ao falar sobre a morte dos pais em Corda bamba (1979) ou tratar do tema do suicídio

em O meu amigo pintor (1987). São assuntos que passaram a ser tratados entre os leitores

mais jovens por fazerem parte do seu cotidiano, ainda mais quando a violência está presente

em todos os lugares e temas até então não imaginados passam a compor as páginas da

literatura infantil. Vera Teixeira de Aguiar, em A morte na literatura: da tradição ao mundo

infantil (2010) afirma que:

A literatura tem sido, através dos tempos, um dos modos de registro da

experiência humana. Nesse sentido, tem fixado os sentimentos mais

profundos por intermédio do depoimento do artista, que externa sua

24

inquietação diante das questões vitais como o amor, o ódio, a violência, a

solidariedade, a amizade, a fé e a morte. (AGUIAR, 2010, p.23)

Por mais que a literatura vá abordar temas presentes nas manchetes dos jornais ou dos

telejornais, o modo como isso será feito requer uma abordagem diferente, pois contará com a

sensibilidade do autor como fez Lygia Bojunga Nunes ou Marinho. Embora em estilos bem

diferentes, ambos os escritores conseguiram abordar temas polêmicos com poeticidade,

levando o leitor à reflexão e à compreensão do mundo e de si mesmo.

Após esse levantamento, foi realizada uma pesquisa no banco de dados da CAPES e

na Plataforma Lattes de dissertações e teses a respeito da obra de João Carlos Marinho, sendo

encontrados apenas três trabalhos que abordam pelo menos uma obra de Marinho: duas

dissertações de mestrado e uma tese de doutorado.

Em "A construção do romance policial em O caso da estranha fotografia, Berenice

detetive e Droga de Americana!", dissertação de mestrado apresentada por Adriana Pereira de

Jesus, em 2008, ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana

Mackenzie, em que faz uma análise comparativa entre a obra de Stella Carr, de João Carlos

Marinho e de Pedro Bandeira, respectivamente. A primeira obra foi publicada em 1977, a de

Marinho, em 1987 e a última, em 1999. A escolha dessas três obras se dá pelo ano de

publicação, atingindo, portanto três décadas diferentes. O destaque é para os expedientes que

compõem as três narrativas caracterizando-as como do gênero policial e a construção desse

tipo de obra para o público infantil e juvenil. São analisados o crime, as vítimas e a

investigação e como esses expedientes do gênero policial são construídos na literatura

infanto-juvenil.

Em "Violência e práxis na literatura infantil e juvenil: uma análise comparativista",

dissertação de Tatiana Colla Argeiro, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da USP, na

área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, há o estudo da obra Sangue

fresco, de João Carlos Marinho e Sofia, a desastrada e Meninas exemplares, ambos da

escritora russa Condessa de Ségur e De mãos atadas, de Álvaro Cardoso Gomes.

Respectivamente, as obras foram publicadas em 1982; 1856 e 1859; e a última em 2006. Na

sua análise, a violência na obra de Marinho é marcada por um distanciamento do real, do

cotidiano das crianças por não ser realizável. Situa a violência no maniqueísmo entre as forças

opressoras de Ship O'Connors e das crianças. É possível perceber que a autora, ao analisar,

Sangue fresco vale-se de vários fatos externos à obra para tentar justificar seu ponto de vista,

sendo que o conteúdo do texto não dá margem a certas interpretações. Na conclusão, afirma:

25

"Como percebemos durante a análise deste livro, sua intenção é representar a violência não

somente do período contextualizado, mas como instrumento de quebra de paradigmas,

especialmente com a alusão aos guerrilheiros do Araguaia." (ARGEIRO, 2008, p.90). No

corpo do texto, não é possível inferir à guerrilha do Araguaia, sendo este um dado referido por

João Carlos Marinho para explicar como conseguiu dar um desfecho verossímil ao livro ao se

valer do conhecimento de José Genoíno sobre como sobreviver na mata quando este guiava os

militantes durante o conflito no Araguaia. O contexto histórico está presente na obra de

Marinho, como é possível perceber nas demais narrativas da série, mas o texto em si não

permite fazer esse tipo de inferência.

Em sua tese de doutorado, intitulada "João Carlos Marinho e Pepetela: dois escritores

em ponto de bala - o gênero policial em Berenice detetive e James Bunda, agente secreto",

Luci Regina Chamlian quis identificar aspectos presentes nas duas obras que as classificassem

como do gênero policial. Embora pertencentes a sistemas literários distintos, um sendo

pertencente ao universo infanto-juvenil e o outro, ao adulto e também sendo autores de

nacionalidades diferentes: Marinho é brasileiro e Pepetela, angolano, Chamlian justifica a

abordagem dessas duas obras por possuírem semelhanças entre si a respeito do gênero

policial. A investigação consistiu em analisar à luz das teorias sobre o gênero policial,

aspectos que confirmassem ou não a inclusão dessas duas obras no gênero mencionado. A

autora pôde concluir que Berenice detetive possui expedientes do romance policial.

Quando se analisam as obras de Marinho, dois temas são comumente estudados: a

violência e o gênero policial. A série é composta por algumas narrativas que tem como fio

condutor a resolução de um crime em que envolve um assassinato como em Berenice detetive,

Berenice contra o maníaco janeloso ou Assassinato na literatura infantil, mesmo aquelas cuja

ênfase é a aventura, há sempre uma situação a ser resolvida seja numa vertente surrealista

como em O caneco de prata ou de ficção científica em O disco I e O Disco II.

É no gênero policial que Marinho se destaca como pode se confirmar nos prêmios

ganhos com as obras Berenice detetive e Assassinato na literatura infantil, sendo O gênio do

crime que projeta o escritor no cenário literário. Mesmo que Sangue fresco seja a obra mais

premiada do autor, ele é sempre lembrado pelo gênero policial.

É possível encontrar muita semelhança entre o modo de narrar de Lobato e Marinho:

uso do falar brasileiro coloquial e familiar em equilíbrio com os clássicos da literatura

mundial e nacional. Além da discussão de temas da contemporaneidade com as crianças, sem

menosprezá-las ou julgá-las frágeis em relação a um mundo hostil. Em entrevista para O

Estadão, em 29 de Abril de 2001, Marinho afirma que “Criança é forte pra burro” quando

26

questionado sobre o fato de abordar em O Gordo contra os pedófilos o tema da pornografia

infantil numa obra para o público jovem. Mesmo envolvidas nas mais diversas situações

adversas, as crianças conseguem resolvê-las e saírem delas com naturalidade. A violência

sofrida ao longo das aventuras deixam traumas e Marinho a descreve de um modo exagerado,

beirando o absurdo e o cômico como em Sangue fresco. Como nos livros policias infantis, a

turma do Gordo sempre luta contra as ações dos adultos, assim:

[...] o papel de vilão é sempre reservado a adultos. Assim, o desvendamento

do mistério por um protagonista criança representa uma espécie de confronto

entre o universo adulto e o infantil; e a vitória da criança sublinha sua

argúcia frente ao mundo dos grandes, o que sem dúvida é gratificante para os

leitores que se identificam com os heróis dessas histórias. (LAJOLO e

ZILBERMAN, 1999, p.139)

Desse modo, Marinho soube valer-se dos expedientes do gênero policial, das histórias

de aventura e das influências de Monteiro Lobato, como a linguagem próxima à da criança e

adotar uma postura ausente de preconceitos para atingir crianças e jovens. Muitos dos

primeiros leitores de O gênio do crime, já adultos, ainda se encantam com a obra, como

exemplo, a escritora Fanny Abramovich que relata sua experiência com as obras do autor em

O estranho mundo que se mostra às crianças (1983):

Ora, quando se fala de literatura – e se é boa! – é boa para qualquer idade...

Eu mesma, acabei de ler O Caneco de Prata e O Gênio do Crime do João

Carlos Marinho, saboreando o seu humor, a sua irreverência, com o mesmo

olhar deliciado de qualquer jovem ao qual ele (teoricamente) se destina...

(ABRAMOVICH, 1983, p.56)

Com “altas doses de originalidade, de humor e sátira” é assim que Maria Antonieta

Antunes Cunha (1998) caracteriza a obra de Marinho, no capítulo intitulado "Balanço dos

anos 60/70", presente no livro 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras.

Sendo o humor um dos aspectos marcantes na produção de Marinho, foi abordada, no terceiro

capítulo deste trabalho, a forma como ele se dá nas obras do autor.

27

2. COTEJO DAS EDIÇÕES

Neste capítulo, foram analisadas as obras que compõem a Turma do Gordo, sendo

organizadas por décadas. O gênio do crime e O caneco de prata foram colocadas juntas por

serem as únicas obras da década de 60 e 70 do século passado. Segue a divisão: 1969-1971: O

gênio do crime (1969) e O caneco de prata (1971); Década de 80: Sangue fresco (1982); O

livro da Berenice (1984); Berenice detetive (1987); Década de 90: Berenice contra o maníaco

janeloso (1990); Cascata de cuspe (1992); O conde Futreson (1994); O Disco (1996); A

catástrofe do Planeta Ebulidor (1998); Década de 2000: O gordo contra os pedófilo (2001) e

Assassinato na literatura infantil (2005). Desde 1986, seus livros passam a ser publicados

pela Global Editora. Também publicou um livro pela Editora Moderna, Cascata de cuspe

(1992), na Coleção Veredas e O disco (1996) pela Cia das Letras. Esses dois títulos também

foram publicados pela Global Editora.

A coleção criada por Marinho há mais de quatro décadas, era composta, inicialmente,

por Edmundo, Pituca e Bolachão, aparecendo no final de O gênio do crime, a personagem

Berenice. A partir das demais narrativas, a este grupo de crianças foram acrescentadas novas

personagens infantis: Biquinha, Godofredo, Mariazinha, Silvia, Hugo Ciências e Zé Tavares.

São crianças com idade entre nove e dez anos, como é possível perceber ao longo das

histórias. Personagens adultos também foram incorporados à trama e mantidos ao longo das

narrativas: Frade João, Professora Jandira, Mordomo Abreu, Doutor Paixão, Dona Belinha,

Doutor Marcelo e Dona Celeste, pais do Gordo. Pancho, pastor alemão do Gordo, pode ser

considerado um membro importante da turma, pois está sempre presente nas aventuras,

auxiliando na busca devido ao seu faro refinado, resultado do treinamento feito pelo Bolachão

e socorrendo o herói dos bandidos. Pancho veio substituir o Pirata morto durante a ação dos

capangas de Ship O‟Connors em Sangue fresco.

Foram comparadas a primeira e a última edição de cada livro, caso houvesse mais de

uma, atentando-se para o projeto gráfico, mudança de editora, alteração no conteúdo do texto

ou presença de paratextos. O caneco de prata é a obra de Marinho que mais passou por

transformações tanto na parte gráfica quanto no seu conteúdo. Segundo o próprio autor,

algumas mudanças ocorreram devido ao fato que alguns termos estavam muito abstratos

como foi discutido no capítulo I. Devido a esta quantidade de alterações, foram analisadas três

edições. No anexo A, consta um quadro com as obras analisadas em que são separadas

por período, constando a assinatura adotada pelo autor e as mudanças de editora, como

formato dos livros.

28

Segue o quadro com as obras que compõem as Aventuras da Turma do Gordo, de João

Carlos Marinho e as editoras em que foram lançadas cada livro:

Quadro 1: Editoras que publicaram livros de João Carlos Marinho de 1969 a 2005.

No anexo B desta dissertação, estão identificadas as alterações no conteúdo das quatro

primeiras obras da coleção como substituição de um termo ou expressão, síntese, supressão ou

acréscimo de trechos.

2.1 O GÊNIO DO CRIME (1969) E O CANECO DE PRATA (1971)

2.1.1 O gênio do crime5

João Carlos Marinho iniciou sua carreira como escritor na Editora Brasiliense, sendo

que seu primeiro livro, O gênio do crime, já está na sua 65ª edição desde a sua primeira

4 O gênio do crime e O caneco de prata foram publicados juntos em um único volume pela Editora Círculo do

Livro numa edição em capa dura. 5 Em 1973, O gênio do crime foi levado ao cinema com o nome de O Detetive Bolacha contra o Gênio do

Crime, direção de Tito Teijido. O primeiro livro da coleção também foi traduzido para o espanhol, em 2006, com

o título El genio del crimen.

Obra Editora

O gênio do crime (1969) Brasiliense Círculo do

livro4

Parma Ediouro Global

O caneco de prata (1971) Obelisco Círculo do

livro

Global

Sangue fresco (1982) Obelisco Global Global

O livro da Berenice (1894) Parma Global

Berenice detetive (1987) Global

Berenice contra o maníaco

janeloso (1990)

Global

Cascata de cuspe (1992) Moderna Global

O conde Futreson (1994) Global

O disco I: a viagem (1996) Cia das Letras Global

O disco II: a catástrofe no

planeta Ebulidor (1998)

Global

O gordo contra os pedófilos

(2001)

Global

Assassinato na literatura

infantil (2005)

Global

29

publicação em 1969. A primeira edição de O gênio do crime foi publicada pela Editora

Brasiliense na coleção "Jovens do mundo todo" organizada por Yolanda Cerquinho da Silva

Prado.

O gênio do crime é dividido em 40 capítulos, não nomeados, apenas numerados, esta

obra se refere à descoberta do falsificador de figurinhas de futebol da fábrica do seu Tomé.

Como há a falsificação, o dono da fábrica não consegue dar os prêmios a todos os ganhadores

que preenchem seu álbum, visto que um cambista adquire qualquer tipo de figurinha,

principalmente, as mais difíceis. Um dos ganhadores é Edmundo, que vai retirar seu prêmio:

uma bola e um jogo completo de camisas do time que escolhesse. No entanto, devido à

fraude, ele e outras crianças não conseguem receber os prêmios, e estas tentam depredar o

prédio da fábrica, mas são impedidas por Edmundo. Seu Tomé pede ajuda a ele, mas os pais

do menino não gostam da ideia de ver o filho envolvido numa investigação tão perigosa.

Edmundo decide ajudar na descoberta do "gênio do crime" como fica conhecido o

falsificador. Junto ao menino, mais dois amigos participam: Gordo e Pituca. As crianças

passam a investigar o cambista que vendeu as figurinhas. O Gordo tem a brilhante ideia de

seguir o vendedor pelo avesso e revirado, que permite que cheguem até a casa dele e ajude a

desvendar o mistério.

Há a contratação de um detetive escocês chamado Mister John Smith Peter Tony para

ajudar na investigação. O detetive invicto, como é conhecido, por nunca ter falhado em uma

investigação, conta com a ajuda de seu ajudante Jonas. As crianças e Mister John passam a

competir para saber quem descobre primeiro o falsificador, colocando à prova o título de

detetive invicto. O Gordo, por sua vez descobre o esconderijo do gênio do crime e o local

onde fabrica as figurinhas, mas é preso pelos bandidos. O mistério já poderia parar por aqui,

pois já se sabe onde é a fábrica, mas o suspense se mantém: será que o gordo conseguirá

escapar dos bandidos? Negando-se a confessar como conseguiu encontrar a fábrica

clandestina, o Gordo é torturado a fim de que conte:

O peludão abriu a estante e pegou o alicate de ponta fina.

_Arranque a unha dele – ordenou o chefe.

Almeidinha segurou forte o gordo. Bolachão quis se livrar mas o grandão

tinha mão de pilão e atarraxou o gordo na cadeira. Atlas enfiou o alicate na

unha do gordo, a do dedão, apertou e foi puxando para cima.

Dor assim o gordo nunca tinha sentido; a vista escureceu tudo e ele gritou:

_Chega! Eu falo. (MARINHO, 2009, p.101)

30

O leitor acompanha o Gordo desde o momento em que este segue o homem que anota

os pedidos de figurinha do filho do cambista até o instante em que conta como chegou ao

gênio do crime. A narrativa passa a contar o que aconteceu nesse meio tempo, enquanto o

Gordo saiu da escola em que se infiltrara para investigar o filho do cambista. O menino seria

dissolvido numa banheira com ácido para não deixar nenhum vestígio, o corpo poderia até ser

enterrado no terreno da fábrica, mas poderia ser descoberto posteriormente como diz o gênio

do crime:

_Nada de afoitezas Almeidinha. Costumo fazer as coisas perfeitas,

sem deixar pistas. Vamos dissolver o gordo num banho de ácido para

não deixar traço nenhum. A coisa mais difícil num assassinato não é

matar, é esconder o defunto; por mais que se pique e se enterre sempre

escapa um ossinho por aí. (MARINHO, 2006, p.90)

Faltando pouco para o Gordo ser colocado na banheira, o Mister John chega ao

esconderijo e consegue evitar que o Bolachão fosse morto pelos bandidos. Segue uma luta

entre o detetive e os bandidos:

Os grandões já vinham ferozes para cima do Mister, e vou te contar, luta

como essa nunca teve e nuca terá: era soco, cabeçada, mordida, dentada,

rasteira, cotovelada, joelhada, karatê, judoca, rabo de arraia, beliscão,

barrigada, chave de perna, gravata fura-olho, pé de ouvido, upercute,

sanduíche, unhada, pescoção, cama de gato, coice de mula, capoeira do

pastinha, trança-pé, paulistinha e daí para mais. (MARINHO, 2009, p. 132)

Após a briga com os capangas do anão, gênio do crime, o caso estava resolvido e o

Bolachão salvo. Mister John se despede da turma e retira as letras DI, que significavam

detetive invicto, de seu helicóptero, pois o Gordo descobrira a fábrica clandestina de

figurinhas.

O gênio do crime é a obra mais vendida de João Carlos Marinho, correspondendo à

metade das vendas dos livros da série conforme informa o próprio escritor. O livro já teve

uma versão de bolso pela Ediouro, na coleção Edijovem e pelo Círculo do livro, uma edição

de capa dura em que foi publicado junto com O caneco de prata. Nesta edição em que as duas

obras estão juntas, não há ilustração em O gênio do crime. Apenas é mencionado o nome do

capista, José Geraldo Degasperi.

Alguns trechos da obra passaram por alterações, como é mostrado na comparação

entre a primeira e a última edição do livro. Para facilitar a visualização, as alterações foram

31

divididas em acréscimos feitos, supressões ou sínteses do enredo original e trocas de

expressões ou colocação pronominal que está no anexo B deste trabalho.

Comparando a primeira edição com a última de O gênio do crime, à nível estrutural da

obra, esta se manteve com a mesma quantidade de capítulos. As alterações se dão no corpo

texto como se pode observar no uso de expressões mais atuais:

1ª edição de O gênio do crime (1969) 60ª edição de O gênio do crime (2009)

[...] sair por aí de pires na mão, ser chamado

de caloteiro, o que que é. (p.16)

[...] ser chamado de caloteiro, o que que é.

(p.16)

_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse

cara non parecer nada, mas Jonas ser fogo

[...] (p.54)

_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse

cara aí de inofensivo, mas Jonas ser

eficientíssima [...] (p.59)

Bolachão fez cara de bocó [...] (p.71) Bolachão fez cara de perturbado mental [...]

(p.76)

Bolachão chegou perto, de manso, para

assuntar, mas tinha um garoto pulando o

muro e o zelador foi lá dar um pito nele.

(p.72)

Bolachão aproximou-se cautelosamente para

tentar ouvir algum pedaço, mas como um

menino pulava o muro, o zelador afastou-se

para repreendê-lo. (p.77)

Quadro 2: Alterações nos termos ou expressões em O gênio do crime.

Embora em algumas possa ter melhorado a compreensão para o leitor mais

jovemcomo a substituição de “sair aí de pires na mão” por “ser chamado de caloteiro”, em

outro houve a perda da expressão. Se a postura adotada pelo narrador visa uma linguagem

mais coloquial, próxima do falar cotidiano, ao substituir uma gíria como “bocó” por

“perturbardo mental” confere um status mais formal à narrativa. Há uma perda no fluxo

narrativo próximo da oralidade e da linguagem infantil que é próprio do estilo de Marinho.

Inclusive, houve a mudança para o uso dos pronomes conforme a norma padrão, até mesmo

na fala das crianças como no exemplo seguinte. Na primeira edição, temos “_Sim, senhor, seu

lambão! Por que não foi encontrar a gente na cidade hoje?”, já na última: “_Sim, senhor, seu

lambão! Por que não foi encontrar-nos na cidade hoje?”. Ao longo da narrativa, é possível

perceber essas alterações em que há a adequação ao discurso escolar, ainda mais quando o

livro passa ser veiculado nessa instituição.

32

O próprio autor, na primeira edição, justifica o modo como escreve sua história,

sobretudo, pelo estilo adotado, valendo-se para isso de exemplos de grandes autores

brasileiros como Guimarães Rosa e Manuel Bandeira que também se valeram do

coloquialismo, intitulando como Conversa com professores e adultos preocupados com o bom

português6:

Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma

preocupação didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um

convênio didático com escola secundárias e por causa disso achei bom dizer

umas palavras para justificar o moderado informalismo gramatical que meu

livro tem.

Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original

porque o ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se

preocupa em estimular a criatividade do aluno, o que é certo e prático; há

cada vez mais profissões em que espontaneidade de criação é fundamental e

a obsessão de um purismo gramatical escolástico, além de fazer muito aluno

escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe tirar a oportunidade de

bons empregos.

Procuro um estilo que traduza a mobilidade e a autenticidade do pensamento

brasileiro, escrevi uma história e não um relatório, e é pelo estilo que o

escritor faz o enredo penetrar na sensibilidade do leitor – a formulação de

frases tem de obedecer a uma intuição e a um ritmo de comunicação afetiva,

sinão o que falamos bate na razão do leitor e fica congelado. (MARINHO,

1969, p.133)

Esse respeito ao ritmo próprio da oralidade é limitado pelas alterações feitas,

principalmente quando se há a preocupação do uso correto dos pronomes, remetendo-se a

uma linguagem artificial dentro do estilo do livro.

As mudanças ocorridas no projeto gráfico dos livros são justificáveis pela alteração de

editora e pelo alinhamento ao mercado editorial. Nessa última edição, todos os livros da

coleção, exceto O gordo contra os pedófilos, possuem o mesmo projeto de capa. Os livros

passam do formato 14 x 21 para o de 15,5 x 23 o que melhora a disposição do texto na página

e a sua visualização pelo leitor. A partir do momento que faz parte da Global Editora, todos os

livros passam a ser editados seguindo o mesmo padrão gráfico, sendo o projeto de capa dessa

última edição de Camila Mesquita.

Na primeira edição, há na capa o destaque às principais personagens da história, o

Bolacha, o Pituca, o Edmundo e o detetive Mister John, em que tem se a transcrição de uma

de suas falas. Já na última versão, é possível perceber certo mistério numa mão que se

apresenta ao leitor, mantendo o suspense no leitor.

6 O texto na íntegra está no anexo C deste trabalho.

33

Figura 1: Primeira edição de O gênio do crime (1969), capa e ilustrações de Alice Prado.

Figura 2: Projeto de capa de Camila Mesquita e ilustrações de Mauricio Negro.

34

2.1.2 O caneco de prata

Dois anos após publicar O gênio do crime, Marinho lança O caneco de prata, valendo-

se de alguns personagens que apareceram anteriormente como Gordo, Berenice, Pituca e

Edmundo. Assim, dava-se continuidade às aventuras da Turma do Gordo como passaria a ser

chamada a série criada. Numa linguagem cinematográfica, flashes são apresentados ao leitor,

além do fantástico que permeia obra e seu teor surrealista.

As alterações ocorridas na obra são bem nítidas, sobretudo no subtítulo da obra em

que “Epopeia dodecafônica” é substituída por “Literatura infantil” na sua segunda edição. Na

última edição, pela Editora Global, todos os livros apresentam-se como Uma aventura da

Turma do Gordo. Como mencionado no primeiro capítulo, esta obra de Marinho gerou

algumas divergências em relação à estrutura da obra e ao público a quem se destina como

apontou Nelly Novaes Coelho ao considerá-la exagerada e sem sentido para a criança:

Como sabemos esse processo "funciona" muito bem com o espírito adulto,

mas já não se pode dizer o mesmo em relação à mente imatura da

meninada... E se for exagerado, como acontece neste O CANECO DE

PRATA, falha totalmente; pois a mente infantil é muito mais dirigida pela

fantasia, pelas relações "ilógicas" da realidade do que pela lógica

convencional (resultante da completa adaptação do ser ao sistema cultura a

que pertence). (COELHO, 1995, p.389) (Grifos da autora)

O subtítulo já traz uma mistura de gêneros artísticos, a literatura e a música, e o

desenrolar da história revela a aparente construção caótica da narrativa. A primeira edição

contém 127 microcapítulos, apenas numerados, sendo que alguns, nem numeração

apresentam. Também não há números de página, característica presente nas três obras

analisadas neste trabalho. Além do desenrolar do campeonato de futebol, o leitor acompanha a

troca de correspondências entre Berenice e a inglesa Jane, um marciano que gosta de

morangos com chantilly e toma uísque, o juiz MM João Lambão que é internado em um

hospício, o suicídio de um psicanalista que gostaria de aparecer na televisão, o esquadrão da

morte engolido pelo leopardo verde.

O Giovani é diretor da escola primária Garibaldi do Cambuci, fanático por futebol,

tendo o time de futebol da escola ganhado o campeonato sete vezes: “Isto porque o professor

Giovanni era diretor do Garibaldi do Cambuci” (Capítulo 4). Os alunos da escola Três

Bandeiras, na qual o Gordo estuda, decidem que dessa vez irão conquistar o caneco de prata.

35

O leitor acompanha as etapas da competição por meio da tabela que vai sendo preenchida ao

longo do livro. Em meio ao campeonato, o leitor acompanha o treino dos dois times. O

professor Giovanni ao assistir os vídeo-tapes dos jogadores da Escola Três Bandeiras, fica

preocupado, pois as crianças jogam bem, e planeja algo para prejudicá-las. Assim, contrata

um alemão para colocar uma bomba bacteriológica na concentração do time adversário, que,

às pressas, vê-se obrigado a escalar o time reserva:

O Garibaldi do Cambuci iria enfrentar na final um adversário formado de

desnutridos e intelectuais, primeiros da classe, pernetas, enfim, toda essa

corja de imbecis que por uma neurose qualquer inexplicavelmente nunca

jogaram bola na vida. (MARINHO, 1971, Capítulo 109).

Diante da situação do time principal, Mariazinha e Berenice pedem ajuda ao Gordo,

que, mesmo não gostando de futebol e ainda a Berenice namorando o capitão do time, decide

ajudá-las. Para isso, conta com a ajuda de um equipamento tecnológico vindo dos Estados

Unidos em que consegue controlar a trajetória da bola. A escola Três Bandeiras, com a ajuda

da tecnologia, vence o campeonato e o professor Giovanni morre quando seu coração estoura

de tanta raiva. Segue a imagem do último capítulo:

De uma forma divertida e bem humorada, Marinho aborda situações do dia a dia da

época de forma crítica. O Brasil, no ano anterior a publicação de O caneco de prata, ganha a

Copa do Mundo de Futebol e o país comemora essa conquista. Além do mais, há uma ditadura

instaurada e os direitos reprimidos pelo AI-5. O milagre econômico ameniza os conflitos ao

mostrar um país do futuro. Inclusive, consta nas duas primeiras edições o seguinte trecho,

suprimido na última edição:

_Operário não entra em lanchonete – disse a Berenice. – Por que será que

operário não gosta de lanchonete?

_Eu acho que operário não gosta de cachorro quente com mostarda – disse o

Biquinha. (MARINHO, 1971, Cap. 6)

A observação de Berenice suscita uma reflexão acerca da economia no Brasil em que o

“milagre econômico brasileiro” desvelava uma sociedade marcada pela desigualdade social,

em que os da classe rica beneficiaram-se com as vantagens financeiras do período enquanto

maior parte da população sofria com a inflação. Pensando nesse contexto, qual será o real

motivo do operário não entrar em uma lanchonete? Será que suas condições de vida

permitiam que ele vá a uma lanchonete, num ambiente de convívio social das classes mais

ricas? Esse viés crítico tão comum à obra de Marinho, principalmente, em O caneco de prata,

36

perdeu um pouco esse peso quando suprimido esses trechos em que o autor de modo irônico

desvela as contradições presentes na sociedade.

Marinho retrata bem o ufanismo gerado pelo futebol numa paródia ao que o país

vivera em 1970. O professor Giovanni só consegue pensar em futebol e na necessidade de

ganhar mais uma vez o caneco de prata, a ponto de valer-se de artifícios para poder ganhar.

Quando seu sonho é frustrado, seu coração não aguenta e explode.

Perrotti (1986), ao analisar o discurso da obra de Marinho, afirma que “O caneco de

prata é não só exemplo acabado, mas certamente, a mais radical tentativa de renovação de

nossa literatura para crianças e jovens, no período: pela primeira vez a concepção

representativa da literatura é efetivamente colocada em crise.” (PERROTTI, 1986, p. 84)

Ainda, para tal autor, diferente de Nelly Novaes Coelho, o modo como a narrativa foi

construída é que destaca a obra:

Como se vê, a primeira vista, O caneco de prata poderia ser um livro

comum, com um desenvolvimento simples, onde maniqueisticamente o mal

é vencido pelo bem e é dada ao leitor uma lição sobre o comportamento

moral que deve nortear seus passos. Todavia, o que poderia ser um exemplo

acabado de discurso utilitário não o é, graças a intervenção de outras

instâncias narrativas que se juntam ao eixo da disputa do campeonato,

fazendo da obra em questão um marco decisivo do movimento que tenta

abandonar o discurso utilitário, adotando o discurso estético. (PERROTTI,

1986, p. 85)

O caneco de prata é a obra de Marinho que mais passou por alterações no conteúdo,

com a supressão e acréscimo de capítulos. A primeira edição contém 127 microcapítulos

dispostos em 126 páginas. Já na segunda, com a retirada de alguns, tem-se 104 capítulos

distribuídos em 116 páginas e, na última edição pela Editora Global, há 99 capítulos num total

de 112 páginas. Alguns capítulos, embora mantidos, foram modificados como a

correspondência, que aparece ao longo da narrativa, entre a Jane, amiga inglesa, e a Berenice:

1ª edição (1971) 2ª edição (1973)

ÚLTIMA CARTA DA INGLESINHA

Nossa querida amiga

Fumei muita maconha e porisso vomitei meu

fígado e pulmão.

O médico disse que eu só tenho quinze

segundos de vida.

É muito pouco não acha?

ÚLTIMA CARTA DA INGLESINHA

Nossa querida amiga

Por exemplo, das Sinfonias de Beethoven,

gosto da Heróica, a que ele ia dedicar a

Napoleão e depois sofreu aquela desilusão.

Eu não, continuo adorando Napoleão.

Compre a Sonata Kreutzer; diz a lenda que

37

Bom, meus quinze segundos estão acabando.

Tchau

um homem ficou louco ao ouvi-la.

Eu fiquei.

De Chopin, o Opus Dez, e se você quiser

comprar o Tríplice Concerto de Beethoven,

procure a gravação do Walter Hendi no

piano, John Corigliano no violino e Léonard

Rose no celo. Nada de Paganini e seu

melifluoso virtuosismo zingaresco. Quanto

aos livros, comece pelas "Conféssions d'un

Enfant du Siécle" de Musset. Como música

de fundo, enquanto estiver namorando o

Biquinha (back- gound-music) é inevitável

que ponha o Concerto de Schumann para

piano ou aquele de Mendelssohn para

violino, não se fez coisa melhor até hoje para

jovens enamorados.

Aqui me despeço, para sempre

JANE Quadro 3: Comparação entre a primeira e a segunda edição de O caneco de prata.

Já na última edição, o conteúdo é totalmente reformulado:

Querida Berê,

Descobri o que é o Brasil, sim, é uma bomba de chocolate cheia de

percevejo, colete camafeu e gorro lilás, subindo o barranco e

buzinando muito. Adeus para sempre.

Jane

O conteúdo das correspondências foram as que mais sofreram alterações em seu

sentido. Na carta presente na primeira edição, pode causar um choque pela naturalidade em

que é narrada uma morte por overdose, ainda mais que o público é o infantil a quem a obra se

destina. Também fica visível as escolhas feitas pelo autor para que a história pudesse ficar

mais próxima do universo do leitor, por meio da adoção das palavras “bomba de chocolate”,

“percevejo”, “colete”, “camafeu”, “gorro”. A organização da obra se manteve, sendo as

alterações realizadas à nível de conteúdo. Assim como foi destacado a principal alteração nas

cartas trocadas entre Berenice e a inglesa Jane, observa-se toda a referência ao que o

movimento hippie representava no momento em relação ao mundo pelo Festival de

Woodstock ocorrido em 1969. Na primeira edição, Jane é chamada de “inglesinha hippie” e

há a perseguição das caravanas de hippies pelo esquadrão da morte. Essa influência começava

a fazer parte do universo das crianças como a apontada por Berenice: “Pois ele me deu três

discos do JIMI HENDRIX. Com as caixas acústicas novas que eu comprei fica uma coisa.”

38

No intuito de evidenciar o campeonato para melhor compreensão dos leitores, muito do viés

crítico referente ao período se perdeu. O capítulo seguinte foi suprimido nas edições

posteriores em que é possível perceber a referência ao consumismo no Dia das mães, que

ocorre “nas vitrines comerciais”:

Houve o dia das mães nas vitrines comerciais.

O marciano andava peripatético pelas ruas ouvindo musiquinha de mãe e

entrou numa saudade dinosaura da mãe dele azulzinha lá longe em Marte.

Na esquina da rua São Bento com a Praça Patriarca o marciano chorou uma

lágrima azul clara e gritou:

_MAMÃE! (MARINHO, 1971, Cap. 33)

É possível perceber as alterações nas próprias capas para tornar mais convidativa ao

leitor. As duas primeiras capas mantém as mesmas cores utilizadas e, a princípio, não

apresentam relação com o conteúdo da obra, o que para o público infanto-juvenil pode causar

uma certa resistência, pois a capa é o primeiro contato do leitor com o livro. Ao analisar o

projeto gráfico das capas de O caneco de prata, percebe-se que houve alterações

significativas. A última capa, dentro de um projeto que compõem as edições recentes dos

livros da Turma do Gordo, seguindo o mesmo padrão em todas as obras, mostra-se mais

colorida e mais atrativa ao leitor mirim com elementos que fazem parte da narrativa. As

ilustrações no interior do livro mantiveram a mesma organização, sendo alterado apenas o

estilo devido à mudança de ilustrador.

A disposição da numeração dos capítulos, como a falta de paginação mantiveram-se

nas edições analisadas, em que o número dos capítulos aparece maior no canto superior

direito da página e o texto, na parte inferior, havendo um equilíbrio. Relembrando que nesta

pesquisa foram utilizadas apenas as três edições mencionadas para análise.

39

Figura 3: Capa e ilustração de Vera Ilce

(1971).

Figura 4: Capa de Roberto Barbosa e Norival

Blasquez e ilustrações de Roberto Barbosa

(1973).

Figura 5: Capa da última edição, ilustrações

de Érika Verzutti (2008).

40

2.2 DÉCADA DE 80: SANGUE FRESCO (1982), O LIVRO DA BERENICE (1984) E

BERENICE DETETIVE (1987)

2.2.1 Sangue Fresco

A história começa in media res. O leitor já é introduzido na narrativa com o rapto das

crianças. Já no final do primeiro capítulo, o ambiente de mistério está formado: “A clareira,

em toda a volta, tinha um limite: a floresta, verde-escuro, misteriosa, árvores de sessenta

metros” (p.14). Ainda neste clima, no próximo capítulo tem o incidente com Ricardinho: este

é engolido por uma sucuri, por desrespeitar as autoridades da Fresh Blood Corporation.

No terceiro capítulo, o leitor é familiarizado à rotina do acampamento e aos

procedimentos a serem tomados pelas crianças raptadas e a forma de extração de sangue. No

quarto capítulo, há uma digressão para explicar a origem da Fresh Blood Corporation

mencionada pelo holandês, Der Moltzer, durante o incidente com Ricardinho. Assim, é

informado a origem humilde de Ship O‟Connors, a sua formação em Medicina e

especialização em doenças de sangue e a abertura de seu consultório juntamente com seu

sócio, Schsnels. Este descobre, em abril de 1978, que sangue de crianças na faixa etária de 9 a

11 anos tem alto poder curativo, apenas nessa idade. Ambicioso e na expectativa de ficar rico

e famoso, sem hesitação, O‟Connors assassina Schsnels, que se recusou a obter benefícios

com a descoberta. O local escolhido para formar seu curral é o Brasil pelas suas inúmeras

vantagens: “[...] país imenso, onde a maioria do povo é pobre mas há em certos lugares gente

rica, com filhos bem nutridos, como em São Paulo, e oferecendo localização perfeita para um

curral escondido, nas desconhecidas florestas da Amazônia.” (MARINHO, 2006, p. 18). Após

fundar a Fresh Blood Corporation com mais dois sócios, um alemão e um japonês. O sangue

era levado para a Europa e de lá para o resto do mundo. Para evitar suspeitas, o médico norte-

americano fundou bancos de sangue autorizados por lei, e o sangue exportado por navio era

jogado fora. Assim, Ship O‟Connors pôde dar continuidade aos seus empreendimentos sem

levantar suspeitas. Em março de 1980, o sequestro de crianças em São Paulo se inicia, sendo

que, em poucos meses, mais de duas mil já haviam sido raptadas.

Após esse flash back, a narrativa é conduzida linearmente até o seu desfecho em

setembro de 1980. O narrador descreve a festa junina na casa do Gordo, em 29/06/1980.

Durante esse festejo, Ship O‟Connors conhece o Gordo e fica maravilhado. A intuição de que

o sangue dele é valioso, faz com que seus olhos brilhem e deseje sequestrá-lo. O seu instinto

estava certo: o sangue do Gordo é valiosíssimo, um capital de 20 bilhões de dólares.

41

Após uma tentativa frustrada de sequestro, O‟Connors não desiste de seu intento de

raptar o Gordo. Leva o seu capital de 20 bilhões de dólares mais os integrantes da turma para

o curral na Amazônia. A história passa a se desenvolver na floresta amazônica. Sabendo do

fim que as crianças que completassem 11 anos teriam (seriam jogadas no mar), o Gordo e sua

turma planejam uma fuga. A primeira tentativa não dá certo, mas não desistem. Mesmo com

poucos recursos, enveredam-se pela floresta. Enfim, como uma turma de crianças, moradora

na capital paulistana, entre 9 a 10 anos sobreviveria em plena selva amazônica? Não apelando

para o fantástico nem reduzindo a capacidade estratégica das crianças, Marinho vale-se de

suas experiências para dar um desfecho mais verossímil. Assim, o conhecimento da vegetação

permitiu que as crianças vencessem os mateiros enviados por Ship O‟Connors por meio do

boliche amazônico ou impuca:

_Aqui na floresta amazônica, como se vê, as raízes das árvores são

levantadas, não entram na terra, porque a terra não é fértil; elas se alimentam

da camada de folhagem. Por isso as árvores não estão bem fixas no solo, não

tem sustentação. Quando uma árvore apodrece de velha cai, ela encosta nas

outras, as outras não tem fixação e se forma um boliche amazônico, uma

porção de árvores vão de imboléu. É a impuca. (MARINHO, 1982, p.131)

Um dos aspectos que conferem originalidade à obra de Marinho apontado por

Zilberman (2005) é o fato de que as soluções encontradas pela turma do Gordo se dão pelo

uso da tecnologia, diferente das outras obras tradicionais, que tem a ajuda de um ser mágico.

Em Sangue Fresco, sem nenhum recurso tecnológico, as crianças valeram do seu

conhecimento para se livrarem dos criminosos, contando para isso com o Hugo Ciência e com

o Gordo. Único material que dispunham era um machado, trazido pelo Gordo, com o qual

constroem uma jangada para fugirem pelo rio.

Enfim, encontram um acampamento de frades capuchinhos e com a ajuda de frade

João e sua cruz de madeira, os capangas de Ship O‟Connors são derrotados. Frade João passa

a fazer parte da turma, aparecendo nas demais histórias, inclusive Ship O‟Connors, que terá

uma breve participação na obra seguinte O Livro de Berenice (1984).

Para conhecer essa história, o leitor é conduzido por um narrador que se encontra fora

da história, tendo momentos em que tece seus comentários e revela os pensamentos dos

personagens. Há vários momentos em que o narrador aproxima-se do leitor, estabelecendo

maior intimidade: “A nossa turma estava lá [...]” (p.27); “A expedição dos nossos heróis

caminha pela floresta [...]” (p. 124).

Há a emissão de comentários do narrador em alguns momentos da narrativa: “A zoada

era uma loucura, só mesmo, estando lá para saber o barulho que fazem duas mil crianças

42

conversando em uma ambiente fechado” (p. 18); “Fogueira é coisa fascinante. A gente olha,

demoradamente, em estado de graça.” (p.27); “[...] vejam o que é a formosura parelhada na

inteligência” (p.42); “Era doloroso de assistir, alguns ainda não tinham morrido, estavam sem

pele, gemendo. (p.153)”. Até os pensamentos de Ship O‟Connors é revelado pelo narrador:

“[...] esqueceu que era uma bandido senvergonho e de sua cabeça começaram a sair

pensamentos puros” (p.33).

Um dos traços característicos da produção de Marinho e presente em Sangue Fresco é

o exagero, por meio dele, as cenas de violência, principalmente, adquirem um efeito cômico,

como nos trechos abaixo:

[...] o Pirata [...] pulou no pescoço do chinês e deu uma tentada de tigre:

separou o chinês em dois, a cabeça de Huang rolou na lona do Cataraman e o

corpo descabeçado caiu no mar [...]. (p.52)

Pulou miolo da cabeça de Teng que dava para fazer uma fritada completa. O

chinês caiu no mar. (p.55)

Ninguém queira saber o que é chulé de pé de Gordo, entranhado num tênis

que levou suor de pé de Gordo [...] Edmund, Berenice, Pituca e Hugo

Ciência taparam o nariz, saíram correndo, dois gambás desmaiaram, uma

jaguatirica teve um troço. (p.155)

Marinho refere-se às obras da literatura nacional e mundial. Muitas referências são

dadas por meio da paródia, que para Hutcheon (1985, p.13), é “uma das formas mais

importantes da moderna auto-reflexividade; é uma forma de discurso interartístico”, não

sendo “apenas aquela imitação ridicularizadora”. Para que haja a compreensão do uso da

paródia, é necessário que haja um conhecimento comum entre codificador e descodificador

(HUTCHEON, 1985), em outras palavras, entre autor e leitor. A paródia só terá sentido, assim

como a ironia, se o leitor conseguir identificá-la. Embora a falta de conhecimentos às obras

parodiadas não comprometa o entendimento da história, caso o público leitor seja criança ou

jovem, pois essas referências enriquecem esteticamente o texto literário, quando identificadas

pelo leitor e potencializam o sentido do humor usado pelo autor.

Há trechos em que Marinho cita apenas um personagem como o Jeca Tatu, de Monteiro

Lobato ou Fedra, da mitologia grega; o estilo do livro de Mario de Andrade, Macunaíma, quando

Berenice afirma que seu livro terá um fim “rapsódico e dramático”; à poesia de Olavo Bilac; a

Skakespeare, inclusive a Bíblia, nas cenas do profeta no pedágio e de Frade João, respectivamente:

_Nhé Nhé Nhé. Malditos pecadores, todos vocês preparem-se para o Último

Pedágio, o Derradeiro Pedágio, o Pedágio Final. Tremam. Olhem para a

arquitetura do Pedágio, muito branco, reluzindo ao sol, é o TEMPLO DO

43

FIM, é o buraco-pelo-qual-os-pecadores-serão-cobrados. O mundo acabou

ontem. (MARINHO, 1982, p.44).

_Pá Pá Pá – disse frade – Nem todos os bandidos do mundo me fariam adiar

um bom almoço. Daí de comer a quem tem fome, dizem as Escrituras, eu

sou homem de fé, obedeço o mandamento, cada vez que tenho fome eu dou-

me de comer. (MARINHO, 1982, p.161)

Além de citar a ascendência de Frade João, menção feita a Frère Jean, personagem de

Rabelais, em Gargantua (2009), a descrição de como 180 capangas de Ship O‟Connors, armados com

metralhadoras, foram derrotados pelo uso de uma enorme cruz de madeira é semelhante à feita pelo

autor francês, quando a abadia em que Frère Jean morava era invadida e ele sozinho, matou várias

pessoas. Mais uma vez o exagero traz comicidade ao fato:

Frade João [...] macetou os ossos do cóccix dos sessenta, com tal força que

os fez vomitar a coluna vertebral, osso por osso, vértebra por vértebra, para

grande alegria os cachorros da missão que iam mordendo os ossos

fresquinhos e mastigando o tutano. (MARINHO, 1982, p. 164)

Quando Hugo Ciência recita os poemas de Olavo Bilac para Berenice pode namorar, a

garota diz: “_Deixe de ser burro Hugo! – disse a Berê – Isso é poesia do tempo da vovozinha.

Bota aí uma coisa moderna.” (MARINHO, 1982, p.80). o menino recita um poema

modernista de Oswald de Andrade, remetendo-se ao período Modernista e não ao sentido

contemporâneo enfatizado por Berenice.

O autor também faz referência a sua própria obra. Referindo-se a sua segunda obra da

coleção, O caneco de Prata, Berenice responde a respeito do seu “caso” com o Biquinha: “Foi

no tempo do Caneco de Prata, fiquei deslumbrada um pouquinho, só foi isso, só isso”

(MARINHO, 1982, p.70).

Embora sejam crianças, as atitudes da turma do Gordo não são infantilizadas. Gordo

chama de subliteratura o livro que Berenice quer publicar sobre as aventuras na Amazônia.

Berenice não se preocupa de trocar de namorado quando quer, tampouco de falar de gravidez

na infância, pois não se importa de “balançar a estrutura das mentalidades burguesas” quando

se refere ao seu diário Paixão amazônica, com pseudônimo de Anástacia Palova. Ela já sabe

quais são as características de um livro para que venda: “_A gente precisa de umas pitadas de

imaginação na história – falou Berenice – Um pouco de sal, para agradar o povão; se a gente

vai no tão-tá, o livro fica encalhado, não vende.” (MARINHO, 1982, p. 142).

O criador da turma do Gordo brinca com as instituições e pessoas como no caso da

professora Jandira, interesseira, mostrada de forma erotizada, e o professor de matemática que

dá zero a um aluno por ciúmes. Na reunião para mandar um manifesto ao Presidente da

44

República referente aos sequestros, as mães acabam colocando seus interesses pessoais em

primeiro plano. Embora o livro vá ser lido por pais e professores, João Carlos Marinho não

mede palavras: “Vocês sabem, vocês já viram, reunião de pais e mestres, com duas mães

presentes, ninguém aguenta, imagine aquela com quarenta mil - o desgraçado que inventou a

Reunião de Pais e Mestres deu uma contribuição inestimável para a discórdia humana.”

(MARINHO, 1982, p.61).

As autoridades brasileiras são mostradas como ingênuas como a mídia nacional: “os

jornais brasileiros se entusiasmaram, elogiavam Ship O‟ Connors, faziam entrevistas com ele,

um jornal proclamou que Ship O‟Connors estava provando ao mundo que o sangue brasileiro

era o melhor do mundo.” (MARINHO, 1982, p. 26). De forma bem humorada, Marinho faz

essa crítica às ideias veiculadas pelas diferentes mídias e que na verdade não condizem com a

realidade como no caso da exportação de sangue, em que Ship O‟Connors vale-se de uma

empresa de fachada para poder extrair ilegalmente o sangue das crianças.

Em relação ao projeto gráfico-editorial da obra, a última alteração é de 2006, em que

adquire novo formato de 15,5x23, sendo o projeto de capa de Camila Mesquita e ilustrações

de Alê Abreu. O livro contém seis ilustrações, que ocupam a página toda. A capa traz a

vegetação da floresta amazônica e a entrada de luz entre as árvores. Nessa nova versão, o

nome do ilustrador vem na capa no canto inferior esquerdo. O título e o nome do autor vêm

escritos em uma folha, que lembra a de um bloco de notas e em fontes diferentes. Essa nova

diagramação do livro é, visualmente, melhor pela disposição do texto na página.

O subtítulo da primeira edição é suprimido nas versões da Global Editora, sendo

incorporado na última versão da coleção, mas sofrendo uma alteração: de “Uma aventura de

Bolachão na Amazônia”, passa para “Uma aventura da turma do Gordo”. Este estará presente

em todas as obras da Turma do Gordo, após o título de cada livro. Essa alteração ocorreu nas

demais obras e conferem ao conjunto de histórias o seu caráter de coleção ao acrescentar em

todas “Uma aventura da turma do Gordo”.

45

Figura 6: Capa e ilustração de Roland Matos.

Figura 7: Capa de Alê Abreu e ilustrações de Camila Mesquita (2006).

46

2.2.2 O livro da Berenice

Esta narrativa é dividida em 21 capítulos mais um epílogo. Nesta aventura da Turma

do Gordo, Berenice decide escrever um livro intitulado Ninguém faz a minha cabeça. Para

isso conta com a ajuda da turma já conhecida pelo leitor que acompanha a série, mais a

presença de Hugo Ciências que, após Sangue fresco, passa a compor a turma. Marinho aborda

todo o processo de produção do livro, da criação à venda.

No primeiro capítulo, temos a descrição da manhã do Gordo, assim que ele acorda

com a mensagem em seu computador que dali a um mês é aniversário da Berenice. Sem esse

lembrete, o Gordo se esqueceria do aniversário da namorada: “A Berenice ficava de mal

quando o gordo esquecia o aniversário dela, e já tinha acontecido duas vezes.” (MARINHO,

1984, p.7). O leitor é apresentado à turma do Gordo, todos estando no quinto ano da

admissão:

A turma vocês já conhecem: o Edmundo, o Pituca, a Berenice, a

Mariazinha, a Silvia, o Godofredo, o Biquinha e o Zé Tavares, muito

tímido, não falava nada, mas era indispensável para a formação

química do grupo.

Agora tinha mais o Hugo Ciências, o menino do QI 250, que gostou

tanto da turma que se transferiu do Pueri Domus para o Três

Bandeiras. (MARINHO, 1984, p. 13)

A Berenice decide escrever o melhor livro do mundo, dando continuidade à sua

vontade de ser escritora, que fora frustrada durante a aventura em Sangue fresco. Reunidos em

volta da piscina na casa do gordo, a turma discute a ideia de Berenice em escrever um livro,

ainda mais sendo uma criança. Em meio à escrita do livro, o leitor fica sabendo do

envolvimento da professora Jandira com o industrial grego Papoulos Scripopulos, que fica

muito interessado com a informação de que sua aluna está escrevendo a maior obra-prima da

literatura brasileira, talvez até mundial. Assim, o narrador revela a ideia do grego:

O cérebro do grego se iluminou.

Se conseguisse roubar o livro da Berenice e publicá-lo em seu nome, ia dar

uma nota, além da fama de artista que todo milionário persegue como um

colorido final da sua felicidade. (MARINHO, 1984, p.45)

Papoulos procura um jeito de roubar o livro da Berenice e publicar em seu nome. Para

isso, vai à casa do Gordo para ver um meio de pôr em prática seus planos. Com a ajuda de

Kuntz, veterano de guerra alemão, especialista em missões arriscadas, conseguiria instalar um

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o micro-computador-auditivo-transmissivo. Este dispositivo, sensível ao toque das letras da

máquina de escrever, transmitiria para um computador no apartamento do grego e também já

imprimiria milhões de cópia. O impasse acontece quando o grego, questionado pelo seu

capanga Mathias, sobre os capítulos anteriores, escritos antes do uso do microcomputador.

Mais uma vez, Kuntz entra em ação para roubá-los visto que só poderiam estar na casa do

Gordo. Numa operação digna de espionagem, o alemão vasculha toda a casa, “milímetro por

milímetro”. Só que o criminoso não contava com a astúcia do Gordo, que já desconfiara de

uma possível ação criminosa:

Depois das aventuras do Gênio do Crime, do Caneco de Prata e do Sangue

Fresco, o gordo não se iludia com a humanidade e sabia que todas as coisas

que a gente faz tem gente safada querendo se aproveitar. (MARINHO, 1984,

p.72)

No entanto, o que acontece em seguida provoca o humor da forma como é contada. O

gordo guardara cada capítulo datilografado debaixo do seu travesseiro. Quando o Kuntz ia

procurar bem onde o Gordo escondera, ele vê uma bandeja com brigadeiros e pega um, pois

gostava muito. “Prá que meu Deus!”, expressa o narrador. Sabendo que o mordomo sempre

comera os brigadeiros escondidos em seu quarto à noite, colocara o prato com os doces sobre

uma balança ultra-sensível, cujo dispositivo disparava um alarme a qualquer alteração de

massa. O alemão ficou desconcertado com a barulheira e com o fato de ter sua orelha cortada

pelo afiadíssimo cortador de papéis do Gordo. O pedaço de orelha que será guardado pelo

menino ajudará à turma chegar ao grego, pois o Pancho, cão pastor que substitui o Pirata,

morto durante a ação dos bandidos de Ship O‟Connors em Sangue Fresco, pelo seu faro muito

treinado irá em busca do dono da orelha. Essa primeira tentativa falha, sendo que o grego não

desanima e pede ajuda a professora Jandira, que por dois diamantes resolve ajudar o

namorado. Seduzindo Godofredo, Jandira pede ao menino que fotografe todos os capítulos

que faltam ao Papoulos Scripopulos. Chega a festa de aniversário de Berenice, em que estão

presentes o cambista e o seu Tomé, dono da fábrica de figurinhas, o detetive Mister John e o

anão de O gênio do crime, o Redimir, cozinheiro do acampamento da Amazônia e Ship

O‟Connors. O Gordo descobre o modo como a obra de Berenice estava sendo roubada

quando, junto com Hugo Ciência, “envenenavam” o computador para fazer uma surpresa à

aniversariante e o livro começa a passar na tela. Associando com a invasão ocorrida no quarto

do Gordo em que Kuntz perdera parte de sua orelha, descobre-se que é o grego. Pituca, o

frade João e o Gordo vão ao apartamento do Scripopulos para pegá-lo em flagrante. Sem

48

armas para combater o grego e Mathias que atiravam, o Gordo usou o cortador e acerta o olho

do capanga, que morre. Ainda correndo perigo e sem condições de escapar dos tiros, frade

João improvisa um coquetel molotov com uma garrafa de vodca e pedaço de sua batina e atira

no Scripopulos, que morre carbonizado. Berenice finaliza sua obra e resolvido a questão da

busca de editor, o livro, finalmente é publicado. No epílogo do livro, há narração da tarde de

autógrafos:

Pouca gente compareceu à tarde de autógrafos do Ninguém Faz minha

Cabeça.

Mas foi um lançamento simpático, ali na Livraria Capitu, na rua Pinheiros.

A turma do gordo, os amigos, os parentes e alguns curiosos foram lá dar uma

força. (MARINHO, 1984, p. 128)

Como O livro da Berenice aborda o processo de produção do livro escrito pela

namorada do Gordo, num procedimento metalinguístico, a estrutura da obra também segue as

mesmas características de produção, em que há a presença do epílogo. Essa parte final que

arremata a narrativa é o momento final do processo: a recepção do público e tarde de

autógrafos. Marinho traz para o plano da forma o conteúdo do texto, pois ao tratar da escrita

de um livro, o conteúdo se iguala à forma.

Marinho mostra o processo de construção de um livro ao passar pela vontade do

escritor até a procura de um editor. O autor também revela as dificuldades de se publicar um

livro mesmo que ele seja considerado a obra mais importante da literatura mundial. Por meio

de um estilo marcado pelo exagero e pelo humor, procura instigar o leitor à reflexão além de

mostrar um dado real.

A voz narrativa é a mesma das obras anteriores em que é mostrada ao leitor a visão

onisciente do narrador. A história é permeada por várias referências de obras da literatura e de

seus autores, como no exemplo abaixo:

_Nenhum grande escritor brasileiro conseguiu ficar rico com literatura.

Machado de Assis vivia num empreguinho público, Guimarães Rosa vivia de

um empreguinho no Itamarati, Gracilianao Ramos e Clarice Lispector

viviam sabe Deus lá como, Carlos Drummond de Andrade também vivei de

um emprego público modestíssimo, a lista é grande e nunca leva para a

riqueza. (MARINHO, 1984, p.126)

Assim, Marinho vale-se de seu conhecimento sobre literatura e insere na narrativa de

um modo descontraído para o público infantil sem cair no pedagogismo. As informações são

usadas como um recurso estilístico para potencializar o efeito de sentido na obra.

49

Além de saber que não ficará rica, Berenice também sabe que sua fama será discreta,

sendo que seus leitores a farão “uma pessoa imortal, silenciosamente imortal.” A fama virá

silenciosa, bem diferente do que Scripopulos e Berenice esperavam. Para ilustrar essa

realidade, o editor cita exemplos da literatura nacional embora tenham sido considerados

grandes autores, não conseguiram viver de seus escritos.

Figura 8: Imagem da capa da primeira edição de Arturo Condomí Alcorta e ilustração de D. M

Dellog .

50

Figura 9: Capa e ilustrações de Camila Mesquita (9ª edição, 2006).

2.2.3 Berenice Detetive

Berenice detetive recebeu o Prêmio Mercedes-Benz de literatura juvenil, na categoria

melhor obra publicada de 1986 a 1988 e no mesmo ano, 1988, considerada “Altamente

recomendável para o jovem” pela FNLIJ. Essa narrativa possui um caráter mais detetivesco,

em que a turma se empenha em descobrir quem matou a escritora e bióloga Rosinha. Berenice

que despertará o interesse da turma em descobrir o que de fato causou a morte e instaura a

dúvida se de fato não foi morta por envenenamento. Decidem fazer a necrópsia e certificar-se

da causa da morte.

O ritmo da narrativa é mais lento, acompanhando os passos dos detetives. Marinho

consegue olhar a realidade à sua volta e incorporar em seus textos sem torná-los simples

manual didático. Longe de ser uma preocupação com a pedagogia, pois nesta obra a mãe do

gordo que faz as suas tarefas. Diferente dos livros publicados para crianças aqui no país, a

turma do Gordo transgride a convenção de que as crianças devam ser submissas às

instituições familiares e escolares, sendo verdadeiros modelos de conduta aos seus leitores. A

51

violência e o humor estão presentes nas obras de Marinho, mas exige que o leitor analise esses

dados criticamente, sem ficar no imediatismo da leitura.

Na esteira de Lobato, Marinho conseguiu introduzir uma linguagem narrativa próxima

do leitor, valer-se dos expedientes da publicidade, do cinema e dos clichês presentes nas

diversas mídias para produzir uma obra voltada específica para o público infanto-juvenil.

A história se passa no ano de 1986. A turma se encontrava na casa do Gordo e estavam

alvoroçadas, pois no dia seguinte receberiam na escola a presença da escritora Rosinha e

todos combinaram de levar um presente a ela, ainda mais que ela estava hospitalizada.

Durante a entrevista na sala de aula, ao comer uma maçã dada por um dos alunos, cai morta.

Como Rosinha já estava debilitada por dois infartos, a polícia e o médico julgaram não

ser necessário fazer a necropsia. Berenice suspeita que a escritora possa ter sido envenenada e

fala à turma, que decide desenterrar o corpo e fazer as análises do intestino da vítima.

Confirmam-se as suspeitas de Berenice: a escritora foi morta por cianureto, o veneno dos

espiões, que mata rapidamente nas concentrações presentes. Para terem mais pistas para

descobrir o assassino vão até à casa da escritora. Chegando lá, encontram um homem pegando

alguns papeis e saindo sem deixar vestígios, posteriormente, sabe-se que era o amante da

escritora, o revisor e também escritor, Joaquim Serapião, pai da Eugênia da mesma sala da

turma. As crianças descobrem que a escritora recebia mensalmente um dinheiro depositado

por alguém. Para descobrir, a turma pede ao Hugo Ciências para invadir o sistema do Banco

do Brasil e revelar quem depositava esse dinheiro. Nicolai Nikiforovich, cônsul russo em São

Paulo, quem é o responsável pelos depósitos.

Descobre-se que Rosinha trabalhava, incialmente, com o cônsul dos Estados Unidos e

com o aumento da oferta pelo cônsul da Rússia, esta passou a desenvolver suas pesquisas

sobre genética:

_A Rosinha fazia pesquisas muito avançadas de genética, num laboratório

que ela tem em São Roque. Foi aluna predileta do professor Testar. Agora

que o Testar abandonou as pesquisas, a Rosinha era a pessoa mais entendida

no mundo em genética. (MARINHO, 1987, p.63)

Ficam-se sabendo que a família do Rodolfo receberia a herança da Tia Rosinha, mas

não suspeitaram deles porque ele não deu maçã e os investigados foram apenas quem dera a

fruta. Desconfiam do Serapião, pressupondo que sabendo do culpado, decidira chantageá-lo.

Descobre-se que a irmã de Rosinha planejara tudo para conseguir junto com o marido

ficar com a herança pois estava endividado. O escritor descobrira e decidira tirar proveito

52

disso e comentou com o guru que fez microfilmes das cartas de ameaça da irmã para poder

chantagear. Mistério aparentemente resolvido. Descobriu-se quem queria matar a Rosinha,

mas o que de fato a matou, foi a maçã dada pelo pai do Carlos Eduardo que não aguentava

mais ver seu sofrimento.

Além da investigação que é tão cara na obra de Marinho, o autor se vale para indicar

algum livro ou tradução como no caso de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol:

"_Agora vocês vão ler Alice no país das maravilhas. Recomendo a tradução de Sebastião

Uchoa Leite." (MARINHO, 1987, p.68). Berenice, na livraria Capitu, compra para a sua mãe

a biografia de Elvis Presley, escrita por sua mulher Priscila Presley e o livro Pé de Pilão, de

Mario Quintana, além do livro de poesia de Cecília Meireles.

Em meio à narrativa, há a presença e preocupação em relação à política externa como

mostrado na relação dos Estados Unidos com o Irã, além da Guerra Fria, representado pela

preocupação da Rússia e dos Estados Unidos em investir em pesquisas genéticas, visando à

criação do homem perfeito. Marinho aborda dados do cotidiano, tanto nacionais e

internacionais, incorporando na narrativa, mesmo que de modo exagerado.

Figura 10: Capa e ilustrações da primeira edição feita pelo Estúdio Gepp e Maia.

53

Figura 11: Capa e ilustrações de Camila Mesquita à última edição (14ª edição, 2007).

2.3 DÉCADA DE 90: BERENICE CONTRA O MANÍACO JANELOSO (1990),

CASCATA DE CUSPE (1992), O CONDE FUTRESON (1994), O DISCO I (1996), O

DISCO II (1998)

2.3.1 Berenice contra o maníaco janeloso

Berenice contra o maníaco janeloso traz mais uma aventura da turma do Gordo,

sendo esta ocorrida no segundo semestre de 1988. Alunos e professores são assassinados

durante as aulas por um “maníaco janeleiro” ou como Pituca o chama: maníaco janeloso.

Temendo serem as próximas vítimas, a turma decide ir à delegacia do Doutor Paixão, amigo

do pai do Gordo, para obter informações a respeito do atirador. Também estão presentes o

subdelegado doutor José e a psicóloga Neusa. Por meio de várias perguntas, as crianças tem

acesso ao retrato falado do criminoso. Consegue ver o retrato falado do maníaco. Berenice, ao

tentar pegar um táxi, pega carona com o maníaco janeleiro. Ao se dar conta que estava no

carro do criminoso, imagina um jeito dele não escapar, mas sem levantar suspeitas. Diz ao

motorista que esquecera seu caderno na Cultura Inglesa que ficava do lado da delegacia do

Dr. Paixão. A intenção da Berenice é avisar a polícia por telefone quando estivesse na Cultura

54

Inglesa, que ficava próxima à delegacia. O maníaco sabendo da emboscada preparada por

Berenice, decide matá-la e sai em alta velocidade. Sem alternativa, a menina crava as suas

unhas no rosto do bandido, que, sem direção, capota o carro e este pega fogo. Berenice é

lançada antes do carro incendiar, o que a livra da morte, tendo apenas escoriações leves. O

maníaco acaba fugindo. No entanto, a garota desconfia da atitude do subdelegado, Doutor

José que finge não vê-la quando estava no carro do maníaco. As suspeitas da menina são

confirmadas, pois tanto o subdelegado como a psicóloga estão envolvidos no esquema de

tráfico de drogas, chamado de Cartel de Medellín, em que o real motivo dos assassinatos é a

queima de arquivo. Na verdade, a quadrilha está em busca do americano Harry que infiltrado

na quadrilha em São Paulo, torna-se a principal testemunha do esquema de venda de drogas.

Disfarçado de professor, passa a ser o alvo dos bandidos, sendo a morte dos alunos e demais

professores apenas um disfarce.

O professor Wanderley, que ministrava aulas de ciências para a turma do Gordo é

assassinado com um tiro na cabeça como as demais vítimas. Após o assassinato, o maníaco se

joga do prédio onde estava. A população enraivecida quer linchar o homem, mesmo morto.

Segue a descrição da cena, que pela forma como é apresentada pelo exagero e ironia causa um

efeito de riso:

A turma do lincha conseguiu furar o bloqueio: uma mulher dobrava o pé do

maníaco, a outra batia com o sapato na dentadura dele, cada um puxava o

cadáver para um lado, o cadáver abriu.

Um sujeito cheio de sangue, com o fígado do maníaco na mão, olhou

fixamente para o Pituca e falou:

_Menino, tome cuidado, você não está linchando, você é parente dele?

_Eu? – falou Pituca – O senhor que esta linchando muito devagar, o senhor

não está linchando honestamente, para falar a verdade o senhor está

linchando porcamente, estou começando a achar que o senhor é o tarado da

Vila Madalena.

As palavras de Pituca fizeram com que os outros linchadores olhasse

desconfiadamente para o sujeito do fígado e ele ficou inibido: continuou a

linchar quietinho e parou de ofender o Pituca.

Quarenta soldados, altos, gordos, fortes, sem pescoço, com olhar de QI-

menos-quatro, escudo transparente na mão esquerda, cassetetes elétricos na

mão direita, máscaras contra gás no rosto, desceram de dois caminhões.

Os linchadores atiraram pedras, garrafas e pedações do maníaco nos

soldados, as crianças se encolheram perto do doutor Paixão, sentiram

vontade de vomitar, uma sensação ruim, olhos em fogo: era o gás

lacrimogêneo. (MARINHO, 1990, p.87)

As crianças desconfiam que a intenção do atirador era matar o professor de inglês,

que, ao invés de dar a última aula, pediu para antecipar sua aula com o professor Wanderley,

55

que acabou morto em seu lugar. As suspeitas das crianças são confirmadas quando o cônsul

dos Estados Unidos, Mister Stanley, sua esposa Deborah e o professor Harry, explicam a real

causa dos assassinatos. O professor Harry na verdade é um espião que se infiltrou na filial do

Cartel de Medellín em São Paulo para poder denunciar os envolvidos. No entanto, foi

descoberto e estavam querendo assassiná-lo, pois seu testemunho condenaria os envolvidos.

Numa operação de guerra, a casa do gordo é invadida e destruída e o americano Harry, morto.

Mesmo depois da morte dos criminosos e da destruição, ainda há humor ao narrar o mordomo

Abreu roubando os pertences dos mortos:

_Tive sorte – falou Abreu – Daqui a cinco minutos o corpo endurecia e não

havia Cristo que tirasse o paletó.

_O que você pretende? – perguntou Pituca.

_Gostei da camisa preta com gravata de seda amarela – falou Abre – Vai pro

meu enxoval.

_Muito brega – falou Pituca – Eu se fosse você, pegava a camisa azul-

clarinha daquele morto ali.

_Gosto não se discute – falou Abreu. (MARINHO, 1990, p. 110)

Enquanto acontecia tudo isso na sua casa, o Gordo e a Berenice saíram, sendo que ela

iria para a delegacia do Doutor Paixão denunciar o envolvimento do subdelegado José e o

gordo iria para a casa do pai do Anselminho, um dos colegas da sala. Chegando na delegacia,

ao entrar na sala do doutor Paixão, é trancada pela psicóloga Neusa e pelo subdelegado,

doutro José, de quem já desconfiava. O doutor José estava envolvido no esquema do Cartel de

Medellín e envolvido também nos assassinatos. Na hora em que estava tentando matar

Berenice asfixiada, o gordo chega e o Pancho ataca o homem e o mata, estilhaçando seu

pescoço.

Marinho mais uma vez atento aos acontecimentos, aborda em seu texto a questão do

tráfico de drogas representado pelo Cartel de Medellín, na Colômbia nas décadas de 70 e 80.

Por meio de uma das personagens, o leitor é informado sobre o que é esse cartel:

_O Cartel de Medellín é uma quadrilha que controla 80% da cocaína do

mundo. Pelo enorme lucro que dá a cocaína tornou desinteressantes as outras

atividades criminosas: todo marginal está entrando no negócio da cocaína.

(MARINHO, 1990, p. 103)

É mostrado também o envolvimento da polícia no esquema de tráfico e a banalização

da violência, pois para se obter os benefícios do crime pessoas inocentes são mortas, inclusive

56

crianças. A postura adotada por Marinho para representar essa violência é do exagero como na

cena descrita do linchamento do maníaco ou a frieza para mostrar o ataque do cão do Gordo:

O Pancho não rosnava, o ataque dele era silencioso, ia tirando pedaços de

pescoço do doutor José. [...] O cadáver do doutor José, os olhos fixos,

imóveis, jazia no chão, rodeado por muito sangue e pedaços de pescoço que

o Pancho esmigalhou. (MARINHO, 1990, p. 120)

Em relação ao projeto gráfico-editorial, é interessante notar na capa a mudança de

perspectiva. Na primeira edição, o leitor tem a mira do atirador e os elementos que fazem

parte da narrativa como o local de onde atira e o tipo de arma usada. Já na última edição, há a

presença de uma garota e de um adulto, que representam olhar para o assassino, mas tomando

cuidado para não ser vistos, pois estão no canto da janela do prédio.

Figura 12: Capa e ilustração de Roberto Barbosa (1990)

57

Figura 13: Ilustração de Alê Abreu e capa de Camila Mesquita (2007).

2.3.2 Cascata de cuspe

A história ocorre numa tarde bonita de junho de 1991 como descreve o narrador. O

Gordo é assaltado por um grupo de meninos de rua, conhecido como gangue do Ripa quando

estava indo à loja de eletrônicos do seu Alves. Ele descobre que o seu Alves contratara uma

equipe de matadores para exterminar a quadrilha do Ripa. Essa equipe é formada pelo Profeta,

líder do grupo, Adalberto e Belisário. Para isso, ao entrar no banheiro da loja do seu Alves,

ouve a conversa do dono com os capangas. Ao perceber que seria descoberto, finge que teve

um ataque epilético e baba muito, por isso receberá o nome de cascata de cuspe. Desse modo,

consegue que todos pensem que ele não ouviu nada da conversa. Incentivado pela Berenice, o

Gordo vai à delegacia fazer a denúncia a respeito do extermínio dos meninos da gangue do

Ripa. Todos que veem a demonstração da Cascata de cuspe dada pelo Gordo ficam extasiados

com o espetáculo. No entanto, Bernardo, o escrivão de polícia, é cúmplice dos bandidos e

conta tudo a eles, que conseguem despistar a polícia. Enfurecidos, decidem dar cabo da vida

do Gordo, principalmente o Profeta que fica com muito ódio por ter sido enganado. Decidem

sequestrar o Gordo para que o Profeta sinta-se melhor:

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[...] o Profeta precisa descarregar a raiva: do contrário ficará mentalmente

inválido e não poderá aproveitar a vida. (MARINHO, 1992, p.59)

Para isso, Doralice, prima de Belisário, irá se aproximar do mordomo Abreu para

poder descobrir os horários do Gordo para verem a melhor oportunidade de sequestrá-lo.

O Gordo é sequestrado pelo Adalberto e Belisário e levado para um sítio, onde será

morto para satisfazer a vingança do Profeta. O gordo terá suas glândulas salivares ligadas a

eletrodos que irão estimular a produção de saliva e assim morrer desidratado. Mais uma vez a

morte adquire um status de espetáculo:

_O gordo morre? _perguntou Adalberto.

_Acaba morrendo – disse o advogado. _Todo o líquido do corpo do gordo se

transformará em cuspe, morrerá desidratado, mas a morte demora de quinze

a vinte minutos, o bastante para o Profeta se divertir com a vingança.

_Podia até – falou Adalberto -, quando o gordo estiver no fim, morrendinho,

dar um peteleco no corpo dele e jogá-lo dentro da banheira.

_Afogado no próprio cuspe – falou Belisário. – Isso fecharia a vingança do

Profeta com chave de ouro. (MARINHO, 1992, p. 83)

Em meio a esse processo de assassinato, o narrador para descrever detalhadamente:

A saliva borbulhava e cascateava, densa, babosa, gorgulhante, sulfurosa,

sabonácea, leitosa, goticulante, estufada, salteante, respingófila, gaseificada,

percorrida e, acima de tudo, esparramosa. (MARINHO, 1992, p. 87)

Preocupados com Bolachão, o pai do Gordo liga para a delegacia e quem o atende é o

escrivão Bernardo, que se responsabiliza pelo caso, pois nem o doutor Paixão e a subdelegada

estão presentes. O escrivão envolvido com os bandidos faz de tudo para atrapalhar a busca. A

história caminha para a morte do Gordo, caso não fosse o uso do nonsense para permitir que

consiga sair salvo. A solução encontrada por Marinho é totalmente inusitada:

O acesso de tosse movimentou demais a cabeça do gordo e os fios

grudados pelas fitas isolantes mudaram um pouco de posição.

A corrente elétrica de trinta volts saiu do Centro Nervoso do Cuspe e

ligou-se diretamente ao Centro Nervoso de Propulsão Intermuscular. (MARINHO, 1992, p. 89)

Com uma força descomunal, o Gordo conseguiu bater em Belisário e em Adalberto e

deixar fora de combate o Doutor Tautásio e conseguir se proteger dos tiros disparados pelo

Profeta. Com a mesma naturalidade que as situações violentas ou fantásticas são narradas, o

59

desfecho da história é mostrado de modo natural: como se fosse normal tudo que foi

apresentado. As crianças são muitos fortes a tudo que acontece em sua turma.

O escrivão Bernardo procurava uma atitude respeitosa com o Profeta, mas a

risada foi contagiando, foi comichando, o escrivão enfiou as unhas no braço

da poltrona, mordeu a língua, procurou pensar no cadáver do falecido pai,

todo deformado por um câncer no nariz; essa imagem do cadáver era forte,

evitou a gargalhada por dez segundos, mas o riso explodiu, o escrivão

Bernardo deu a maior gargalhada da vida dele, batendo com as mãos na

poltrona, batendo com os pés no chão, lacrimejando e soluçando.

(MARINHO, 1992, p.38)

Cascata de cuspe foi publicado pela Editora Moderna, na coleção Veredas, sendo o

primeiro livro do autor por essa editora. Também foi publicado pela Editora Global, mas nesta

edição não consta a nota mencionada abaixo:

Quando escrevi o primeiro livro, inicialmente, na minha cabeça, a turma do

Gordo não era ainda a turma do gordo, e sim a turma do Edmundo.

Edmundo era o herói principal, assessorado diretamente pelo Pituca, e o

gordo, muito no terceiro plano, um figurante que fazia alguma coisa curiosa

de vez em quando.

Pelo início do Gênio do crime pode-se perceber essa disposição.

(MARINHO, 1992, p.95)

Marinho aborda mais uma vez um tema comum, ainda mais no centro das grandes

cidades brasileiras, a questão das crianças de ruas, marginalizadas e recorrendo ao assalto

como forma de sobrevivência. A polícia não conseguindo contê-las e, tampouco as

instituições responsáveis pela socialização dessas crianças, os cidadãos recorrem ao que é

ilegal: o assassinato delas. Embora publicado em 1992 e a história narrada em 1991, o tema

abordado revela-se presente, como ocorreu no ano seguinte à publicação do livro, em julho de

1993 com as mortes de jovens na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, conhecido como

Chacina da Candelária. Desse modo, Marinho aborda uma questão presente nos grandes

centros urbanos que é a questão da marginalidade infantil e a atitude tomada pela população

para tentar se proteger das consequências disso. Embora o autor se valha da humor para tratar

dessa questão que permeia a obra, a reflexão sobre essa realidade se faz presente.

Cascata de cuspe, como já mencionado, foi publicado também pela Editora Moderna.

Comparando as capas, é possível perceber o enfoque dado em cada obra. Nas duas primeiras,

após o título vem escrito “Game over para o gordo” numa linguagem dos jogos de videogame

comum às crianças. Inclusive, o desenrolar da história se dá quando o Gordo vai comprar

60

jogos na loja de eletrônicos do seu Alves. No entanto, é substituído por “Uma aventura da

turma do gordo”, seguindo o mesmo projeto gráfico das demais edições.

As duas primeiras capas enfocam a cascata de cuspe produzida pelo Gordo no decorrer

da obra, diferente da última edição que traz os instrumentos usados para a morte do Bolachão,

a princípio não tendo nenhuma relação direta com o título da obra. A primeira capa pela

Editora Global traz o cuspe do Gordo como sendo realmente uma cascata em São Paulo em

meio aos arranha-céus da cidade.

61

Figura 14: Capa e ilustrações de Mauricio

Negro (1992). Figura 15: Capa e ilustrações de Roberto

Barbosa (1992).

Figura 16: Ilustrações de Mauricio Negro

e projeto de capa de Camila Mesquita

(2009).

62

2.3.3 O conde Futreson

Ao longo de vinte e quatro capítulos, o leitor acompanha a aventura da turma do

Gordo inspirada na obra do vampiro mais conhecido do mundo: conde Drácula. Após fazer a

descrição da casa da família do Gordo, num estilo que lembra os romances românticos, pelo

excesso de detalhes, e informar aos leitores a composição da turma do Gordo, o narrador

revela o motivo da reunião daquela tarde: a ida da professora Jandira à Itália e o seu

casamento com o conde Futreson de Lucra.

Depois de uma seleção com mulheres das principais capitais do mundo, Jandira é

escolhida para ser a nova esposa do conde italiano, no entanto, só aceita assim que assistisse a

um vídeo do futuro noivo. A turma fica curiosa para saber quem é o famoso conde, que se

casará com a bela e inteligente professora Jandira. No momento em que a turma e os demais

adultos, os pais do Gordo e o frade João assistem ao vídeo, aparece na tela a figura de um

grande mastim. Pancho começa a avançar na tela, sendo que o mastim acompanha a trajetória

do cão do Gordo. Este fica tão agitado, que estraçalha as caixas de som.

No dia do embarque de Jandira, Hugo Ciência tenta, inutilmente, alertar a turma de

que o conde na verdade é um vampiro, pois o nome dele, Futreson de Lucra, é um anagrama

de Nosferatu Drácula. Jandira vai à Itália e fica assustada com algumas coisas que ocorrem no

castelo onde mora o conde como a entrada misteriosa do mastim do vídeo em seu quarto além

do cheiro forte de amoníaco no ambiente. A professora estava certa ao temer o destino que a

esperava: o conde Futreson a transforma em uma subvampira, como ficam conhecidos aqueles

que são mordidos pelo vampiro.

O conde, ao ver uma foto da turma do Gordo mostrada pela sua noiva, fica comovido

ao ver a semelhança de Berenice com a camponesa, a quem fora apaixonado e se matara para

não ser amaldiçoada. Assim, o leitor é levado para o ano de 1487, quando é descrita o

encontro do conde com a jovem camponesa. A fim de encontrar-se com Berenice, o conde vai

ao Brasil com o objetivo de transformá-la em uma subvampira. A partir da chegada do conde

em São Paulo, coisas estranhas acontecem como a desobediência do Pancho, que passa a ficar

próximo do conde e ser agressivo com as pessoas conhecidas. Nesse meio tempo, o frade João

fica desconfiado do conde e pede ajuda a Roma para esclarecer suas dúvidas a respeito desse

misterioso homem, cujas suspeitas são confirmadas pelo fax enviado por frei Cristoforo

Petroluzzio, direto da Itália.

63

Edmundo e Silvia voltando do pronto-socorro, onde o menino fora cuidar do ferimento

causado pelo Pancho, encontra com o carro que conduzia o conde e decidem segui-lo. Assim,

como em O gênio do crime, Edmundo resolve investigar. Chegando na casa onde o carro

entrara, as duas crianças começam a observar cada cômodo. No porão se deparam com o

conde e a professora Jandira deitados sobre um caixão de terra muito preta que exalava um

cheiro forte de amoníaco. Constatando que ambos estão mortos, concluem que foram

assassinatos pelo Tafor, mordomo, e que este se prepara para fugir de helicóptero. Edmundo e

Silvia não sabiam que o conde e a sua noiva estavam apenas dormindo. Jandira desperta do

seu sono e vai em direção a Edmundo. Neste ponto a narrativa é interrompida, aumentando o

suspense no leitor, que lê a narração do que está acontecendo na casa do Gordo devido à

demora dos amigos.

Berenice fica preocupada por um pressentimento ruim. Ela sente que algo de ruim vai

acontecer e pede que o Gordo a acompanhe na sua casa e que não a deixe dormir sozinha. O

conde estava controlando a mente da menina para que ela o convidasse para entrar em seu

quarto e, assim, ter a sua amada de séculos. O Gordo deve que se ausentar do quarto de

Berenice, que controlada mentalmente pelo conde, permite que o vampiro entre. Quanto este

ia dar a mordida, a garota enfia um facão em seu próprio coração, dizendo as mesmas

palavras que a camponesa dissera ao se matar: “_Alma penada, cão danado”. Diante da morte

da amada, o conde transforma-se no mastim e uiva estrondosamente. O Gordo, ao abrir a

porta do quarto, é atacado pelo mastim, que acaba mordendo sua canela.

A garota é salva pela ação rápida do Gordo, que faz uma massagem cardíaca, para

reanimá-la, enquanto aguarda a chegada da ambulância. A menina sobrevive e, enquanto se

recupera no hospital, frade João, o Gordo e seu pai, seguindo as recomendações do frei, amigo

do frade, resolvem matar o conde e a Jandira para acabar com a maldição. Para que a alma da

professora seja salva, a sua morte é inevitável. O conde consegue escapar e a professora é

morta. Frade João alerta a turma de que, devido às circunstâncias, o conde voltará a atacar

Berenice. A turma toda se organiza para matar o conde no hospital, onde a namorada do

Gordo se recupera. Mesmo se transformando no frade João para tentar enganá-los, o conde é

descoberto pelo Gordo, que reconhece a farsa e ataca-o, pois o vampiro se esquecera de pegar

a corrente com a cruz que o frade João sempre usava.

O narrador mostra certas curiosidades sobre os nomes de alguns objetos ou sobre

detalhes da construção do castelo: "O enxoval que a professora mandara vir do Brasil já

estava arrumado direitinho nas grandes cômodas (que haviam substituído os incômodos baús

originais, vindo daí o seu nome de cômodas) e os livros nas estantes." (MARINHO, 1994,

64

p.24), e, “A janela abria para o pátio interno do castelo: naquele tempo não podia abrir-se para fora,

pois seriam atingidas por flechas incandescentes, pedradas ou outros engenhos. (MARINHO, 1994, p.

24)”. Além da descrição da tortura feita à família da camponesa, por quem o conde se

apaixonara, por métodos tão comuns no século XV:

O pai, a mãe e os irmãos da jovem camponesa foram torturados pelos vários

instrumentos que havia nos porões do castelo, colocados na roda dentada,

puxados pela máquina de esticar, atarrachados na prensa de crânio, e,

finalmente, quando os seus corpos eram mais do que informes pelotas de

carne macerada, foi-lhes colocado o funil nas bocas e por ali derramado

chumbo fundido. (MARINHO, 1994, p.43)

Por meio da voz do narrador, o leitor é informado de certas peculiaridades ou

curiosidades como as mencionadas acima. Ao longo da narrativa, Marinho incorpora

curiosidades sobre o período dos acontecimentos ou sobre a origem dos nomes como no caso

das formas de tortura e da cômoda, respectivamente.

Sobre as capas, embora sendo do mesmo ilustrador, Mauricio Negro, o enfoque dado é

diferente. Na primeira edição, há a presença do conde escrevendo uma carta à professora

Jandira, em meio a uma vasta biblioteca, em que o leitor olha de trás a ação da personagem. Já

na última edição, observa-se o clima de suspense por ser mostrada uma imagem do castelo

envolta com morcegos, numa noite de lua cheia. Na capa da primeira edição, pela escolha

feita pelo ilustrador, o leitor pode remeter o ambiente da história ao universo da nobreza pela

personagem ser um conde. Já na segunda capa, introduz o leitor no universo próprio da

história que é a questão do vampiro representado pelo conde Futreson num intertexto com o

conde Drácula, sendo o nome do conde um anagrama de conde Drácula, pois há a imagem de

um castelo rodeado de morcegos.

Atendendo ao novo projeto gráfico da última edição, houve a mudança da capa, mas as

ilustrações mantiveram-se as mesmas no interior das obras nas duas edições analisadas. O

estilo das ilustrações na primeira edição é o mesmo da capa, diferente da última:

65

Figura 17: Imagem da primeira edição, capa e ilustrações de Mauricio Negro (1994).

Figura 18: Imagem da capa da última edição (9ª edição, 2009), ilustrações de Mauricio Negro.

66

2.3.4 O disco I

A primeira edição é pela Companhia das Letras, sendo dividido em duas partes: Livro

principal: a viagem e Livro final: Voltando para casa. Essa é apenas a alteração realizada na

obra que difere da publicada pela Editora Global em relação à estrutura interna da obra. O

título da obra deixa de ser apenas O disco para O disco I: A viagem. A quantidade de capítulos

mantém-se a mesma: 29 capítulos.

Essa é a primeira história em que Marinho se envereda pela ficção científica, passando

grande parte da história no espaço. Tudo começa quando Doutor Marcelo, pai do Gordo,

compra uma fazenda em Monte Verde, Minas Gerais, e juntamente com a turma decidem

passar as férias de julho lá.

As crianças ficaram alvoraçadas diante a novidade e das possibilidades de passearem

na fazenda. Berenice na mesma noite foi ver o estábulo, quando é surpreendida por um

arbusto que rasga sua orelha. Ela consegue se desvencilhar do estranho vegetal com a ajuda

de Pancho que o ataca. Ferido, o arbusto foge. Preocupados com a segurança das crianças,

Doutor Marcelo, o marceneiro e Pituca foram atrás do estranho invasor, apelidado de Zé-

Folha por Pituca. No dia seguinte, vão em busca do arbusto. Ao encontra-lo, já ferido ouvem

as últimas palavras: que os ovo postos serão os responsáveis pelo retorno à Terra e para

tomarem cuidado com os sevetrérios.

No mesmo instante, as crianças são encurraladas por uns homens e uma mulher,

apelidadas de brucutu por Pituca, com uma força descomunal, e levam todos para uma parte

plana e veem surgirem um disco voador e são levados em direção ao planeta desses seres.

Inicialmente, a turma não entendia o idioma dos brucutus. Aos poucos, foram

aprendendo o que permitiu que compreendessem a razão de terem sidos sequestrados. Para os

brucutus, a nave era Potroan, sendo os humanos responsáveis pela construção de um barco

que os faria viajar quando quisessem para a Terra.

Em meio à viagem, os ovos postos pelo Zé-Folha nasceram, após serem chocados pela

Berenice e pelo Gordo. O arbusto chocado pelo Gordo chamou-se Zé-Folhinha e da Berenice,

Discraniado, pois devido a uma deformação do ovo, nasceu sem cabeça.

Em meio à descoberta do fim dos tripulantes terrestres, pois não resistiriam à

gravidade do planeta dos brucutus. O gordo diz que achará uma solução. A solução

encontrada foi de deixar zero a gravidade, o que faria com que tivessem vantagem em relação

aos brucutus, pois o Zé-Folhinha conseguiu reduzir a gravidade apenas num dos

67

compartimentos da nave o que possibilitou que a turma treinasse os movimentos de luta

necessários para lançar os brucutus da nave quando estivesse chegado no planeta deles.

A luta foi fácil para a turma, pois já estavam treinados para o combate. No entanto,

quando faltava apenas o chefe dos brucutus, que se agarrou ao gordo e iam juntos sair pela

porta da nave, caso não fosse o espirro do gordo que desviou a trajetória:

Acontece que o chefe era excessivamente peludo. Abraçado ao peito dele,

aqueles pêlos entraram no nariz do gordo, coçou lá dentro, e o gordo deu o

maior espirro da vida. Desses espirros que a pessoa dá uma só vez e não

esquece: o pulmão se rebate todo, junto com a garganta, a boca e a cabeça, e

aquilo faz uma explosão que parece que a alma da pessoa foi espirrada junto.

(MARINHO, 1996, p.105)

Após baterem nas paredes do disco, o Gordo e o chefe perderam a velocidade e

pararam. Com um empurrão, o frade João empurrou o brucutu em direção à porta e assim que

colocou os pés para fora, foi chupado rapidamente pela gravidade do planeta.

A turma decide voltar para casa, contado com isso com a ajuda de Zé-Folhinha. N

entanto, como os arbustos se alimentavam de orelhas e as orelhas restantes não seriam

suficientes para o retorno à Terra. Zé-Folhinha sugere que vão até o seu planeta e pegue duas

vacas cujas orelhas compridas e que crescem como unha serviria de alimento aos irmãos até o

retorno ao seu planeta.

No caminho encontram-se com os sevetrérios, piratas do espaço que roubam as naves

desacompanhadas, além de venderem seus tripulantes como escravos.

A turma retorna ao seu planeta no mesmo local de onde partiram há um ano e 13 dias.

Dona Celeste permanecera na propriedade aguardando o retorno. A mãe do Gordo tratou de

comprar bolos para comemorar o aniversário das crianças, que agora tem onze anos. O

Discraniado e o Zé Folhinha permaneceriam com a turma junto com as vacas trazidas do

planeta deles, que na próxima narrativa, o leitor saberá que se chama Ebulidor.

Essa aventura espacial continuará no próximo livro da coleção, agora com a presença

de Dona Celeste, frade João e o Pancho.

68

Figura 19: Capa e ilustrações de Carlos Matuck (1996).

Figura 20: Ilustrações de Mauricio Negro e capa de Camila Mesquita (2006).

69

2.3.5 O disco II

Esta obra é a única que tem um pequeno resumo referente à turma do Gordo para

situar o leitor, como diz Marinho em nota na introdução do livro:

As aventuras da turma do gordo não são seriadas. Os livros são

independentes e dispensam a leitura dos demais.

Mas ao longo destes trinta anos foram se acumulando muitas personagens e

coisas.

Se eu tivesse que interromper o fluxo natural da história para a cada

momento dizer quem é quem e que coisa é que coisa, isso desviaria o ritmo

da narração.

Por isso faço um breve resumo de como está a turma do Gordo antes desta

história começar. (MARINHO, 1998, p.7)

Após o número do capítulo, o autor já recomenda: "(É aconselhável consultar a

introdução na página 7 e seguintes)". Apenas na primeira edição consta essa informação, não

aparecendo na última analisada neste trabalho.

Esta narrativa dá continuidade à anterior, O disco. No entanto, o título desta narrativa é

A catástrofe do planeta Ebulidor, que na última edição juntamente com o projeto gráfico da

editora muda para O disco II – A catástrofe do planeta Ebulidor.

Nesta história, chega a primeira ministra do planeta do Zé-Folhinha, Iafonda, e sabe-se

que o Zé-Folha, que na verdade se chamava Ectocondor era rei do planeta Ebulidor. Ela veio

buscar os filhos do rei para que pudesse casar e assumir o trono. Iafonda e Zé-Folhinha vão ao

Planeta Ebulidor, mas Berenice lembra-se que somete o Zé-Folhinha sabe pilotar o disco.

Numa tentativa de entrar em contato para que retornem e a turma possa ir ao casamento. A

turma tenta o contato com o planeta para que possam ir ao casamento, visto que somente o

Zé-Folhinha pode pilotar a nave.

O Gordo consegue descobrir a senha do disco e todos, exceto o mordomo Abreu, vão

para o planeta Ebulidor. No meio da viagem, conseguem captar a nave de Zé-Folhinha e

estabelecer contato. Chegam ao planeta Ebulidor e são recepcionados com festa.

No dia do casamento, o Gordo, a Berenice, o Edmundo, o Pituca, o Biquinha foram

sequestradas pelo Sovotrau, cientista de Ebulidor, que traíra o planeta. As crianças estavam

agora sob o poder dos sevetrérios. O sol do planeta Ebulidor iria explodir, sendo questão de

tempo, o que tornaria inviável a vida na superfície do planeta. A ida do pai do Zé-Folhina era

70

para ver a possibilidade de levar o planeta à atmosfera do planeta Terra, mas a sua nave foi

sabotada. Com o disco pretendia levar o planeta à uma atmosfera parecida com a de Ebulidor.

O planeta é traído pelo cientista que cuidava da parte de segurança e do projeto de

salvação do planeta Ebulidor, estando aliado ao chefe dos sevetrérios.

É descoberto que para ativar a senha do disco é necessário um catalisador e um

mentalisador que se torna o comandante. Na primeira vez, o Gordo foi o catalisador e o Zé-

Folhinha, o mentalisador. Quando o Gordo comandou o disco para ir ao Planeta Ebulidor,

quem foi o catalisador, foi o Pancho. No entanto, devido ao desgaste, Pancho estava se

recuperando e só depois poderia ser usado pelo Zé-Folhinha.

Enquanto isso, o doutor Sovograu usou um meio de descobrir a senha e usar o Gordo

como catalisador, para que o imperador dos sevetrérios consiga controlar o disco, considerada

a máquina mais que perfeita. O gordo é deixado dopado para que o Imperador possa controlar

o disco sem a intervenção do menino. Berenice decide tomar uma iniciativa para que possa

junto com os outros prisioneiros livrar-se dos sevetrérios e resgatar o Gordo. A turma que está

sob o poder de sevetrérios aproveita que eles estão bêbados ao comemorar a chegada do disco

e ataca-os, enquanto Edmundo tenta se comunicar com o Ze-Folhinha. A tentativa é frustrada.

Enquanto se pensava que o catalisador era o gordo ou o Pancho, na verdade, quem

fazia esse papel era o Discraniado. Berenice, percebendo isso, consegue dominar o disco. As

crianças são salvas mais uma vez.

Mesmo acontecendo no espaço, é possível perceber algumas características humanas

nas atitudes dos extraterrestres e que são descritas na narrativa. O Imperador dos sevetrérios

queria construir um Zoológico dos Seres Pensantes do Universo e deixar as crianças à mostra.

Além do misticismo que é descrito abaixo:

Uma sevetréria velha falou que tinha roçado no pé do gordo e curara do

reumatismo. A notícia espalhou: quem encostasse no gordo recebia uma

graça.[...]

O Imperador achou mais político organizar aquele misticismo: uma vez por

semana fazia-se uma fila quilométrica e cada pessoa tinha dez segundos para

entrar e dar um toque na sola do tênis do gordo.

Reproduções do gordo eram impressas em moedinhas, estatuetas ou

medalhões e vendidas por ambulantes. (MARINHO, 1998, p.108)

Desse modo, a vontade de obter status perante o seu povo e os benefícios que ele

obteria, faz com que o Imperador tenha essa postura, não se importante com as outras pessoas.

Essa atitude de conseguir vantagem por meio da crença das pessoas é algo usado hoje em dia,

em que isso já virou comércio.

71

Marinho procura trazer o conteúdo do que é narrado para o plano da forma: “Era uma

coisa assim que delírio das alturas é confundir águia com urubu, mas estava interrompido, não

fazia muito sentido.” (MARINHO, 1998, p.18)

Figura 21: Capa e ilustração de Mauricio Negro (1998).

Figura 22: Ilustração de Mauricio Negro e projeto de capa de Camila Mesquita (2007).

72

2.4 DÉCADA DE 2000: O GORDO CONTRA OS PEDÓFILOS (2001) E

ASSASSINATO NA LITERATURA INFANTIL (2005)

2.4.1 O Gordo contra os pedófilos

Em O Gordo contra os pedófilos (2001), João Carlos Marinho aborda a questão da

pedofilia e da pornografia infantil. A turma companha pelo noticiário que algumas meninas

desaparecem misteriosamente. A Berenice é sequestrada e obrigada, junto com outras

meninas, a fazerem cenas sensuais enquanto são filmadas. Esses vídeos serão vendidos

para a Europa. Mais uma vez as crianças brasileiras são vítimas de exploração para

satisfazer os desejos de adultos estrangeiros como ocorreu em Sangue fresco com a

exportação ilegal de sangue infantil. A turma mais uma vez se empenha para descobrir o

paradeiro de Berenice.

No entanto, o uso de tecnologias não ajudará na investigação, pois os bandidos

pensaram em todos os detalhes ao gravar seus vídeos, inclusive, no som de fundo dos

vídeos para confundir nas investigações. Por meio do isolamento dos sons vindos de fundo

na filmagem, a polícia poderia ter uma noção de onde o estúdio ficaria. A única pista agora

é a palavra Flor, dita por uma das integrantes da quadrilha, antes de morrer. Na primeira

tentativa de pesquisar as empresas que tivessem em seu nome a palavra Flor, a turma não

obteve nenhum êxito. O gordo então acredita que na verdade, Doroteia antes de morrer

queria indicar o local onde a quadrilha se escondia e ao pronunciar a palavra flor, quis na

verdade dizer, Colibri, como também é conhecido o beija-flor. Seguindo a intuição, mas

dentro da lógica estabelecida por Marinho, as crianças juntamente com o Pancho, que seria

fundamental na descoberta do paradeiro de Berenice, investigam cada empresa cujo nome

tinha a palavra Colibri. Enquanto a turma procura meios de encontrar Berenice, que

também tenta imaginar formas de fugir do cativeiro. Com a ajuda de Pancho, o Gordo

consegue identificar onde a garota está e assim planejar uma ação para libertá-la. Com a

ajuda de Frade João, Dona Celeste, o Pancho e o Gordo, conseguem chegar até o cativeiro

de Berenice e resgatá-la, mas sem antes haver a clássica luta entre heróis e vilões, com uma

boa dose de humor dada por Marinho. Os bandidos são presos e se descobre que mais uma

vez a polícia estava envolvida no crime.

73

Marinho faz a sua crítica a acontecimentos da época como o uso da Internet em

crimes de pedofilia. Ao mesmo tempo que a rede de computadores permite a disseminação

rápida de informações, possibilitou que a turma encontra rapidamente, em questão de

"milisegundos" o encontro das empresas em que poderia estar a Berenice.

Assim como em O gênio do crime, o sumiço do Gordo gerou uma comoção

nacional, com emissoras de TV e jornais dando ênfase ao desaparecimento, a população

ficava atenta a qualquer situação estranha. Assim, como nesta história, a participação da

população é ativa que se torna até cômica:

O delegado entrevistou a menina com cuidado. A cidade estava muito

assustada e nas últimas 24 horas ele já havia recebido centenas de

denuncias de crianças que foram abordadas de modo suspeito e vai ver

não era nada. No Morumbi, um velhinho todo encurvadinho quis ser

gentil com uma menina que levava dois pacotes enormes, e muito

timidamente, perguntou se ela deixava ele levar. O motorista de um

ônibus que passava viu aquilo, parou o ônibus, desceu e deu porrada que

quebrou o velho em três. (MARINHO, 2001, p.42)

É interessante notar que quando há o apelo da mídia, as pessoas ficam mais atentas

e sensibilizadas. Até então, o desaparecimento das meninas não era mostrado como algo a

ter a atenção necessária. Inclusive, a turma do Gordo só se mobiliza para encontrar os

pedófilos quando Berenice desaparece.

Esta obra de Marinho possui apenas uma edição cujo projeto gráfico difere dos

anteriores da década de 90. Com 134 páginas, ilustração e capa de Mauricio Negro,

publicado em 2001 pela Editora Global no formato 14x21. A assinatura da obra mantém a

mesma das obras anteriores pela Editora Global: João Carlos Marinho.

74

Figura 23: Capa e ilustrações de Maurício Negro (2001).

2.4.2 Assassinato na literatura infantil

Se a primeira aparição da turma do Gordo se deu por meio de uma história

investigativa, a última segue a mesma linha: procurar o assassino de um dos jurados do

Prêmio Visconde de Sabugosa. Esse prêmio era concedido ao autor da melhor obra infantil

publicada recentemente, organizado pela Sociedade Cultural, cuja diretora era dona

Celeste, mãe do Gordo. Mais uma vez o universo literário permeia a obra, além da menção

à personagem criada por Monteiro Lobato, Visconde de Sabugosa. Acostumados às mais

diversas situações, a turma decide investigar quem assassinou o jurado, o filósofo Rolando

Verdilucci, cujo voto decidiria o vencedor do prêmio. Os principais suspeitos são os cinco

escritores finalistas do concurso mais uma autora que fora desclassificada, não entrando na

seleção final.

As crianças mais uma vez, neste caso, Berenice e Bolachão tornam-se os

investigadores do crime. A polícia não se atentou para os detalhes, cabendo ao Gordo e

Berenice juntarem as pistas e descobrirem o criminoso. A princípio, a pista é o formato da

75

orelha que Berenice vê durante o momento em que ocorre o assassinato. Tendo em mente

essa pista, procuram as pessoas que tenham aquele formato da orelha, mas logo é

descartada, pois em meio à confusão, a Berenice viu a própria orelha do assassinado e

pensou que fosse do assassino. No entanto, não desistem de descobrir o verdadeiro

culpado. Numa trama em que várias hipóteses são elaboradas, algumas rapidamente

refutadas, a turma consegue chegar ao verdadeiro culpado por meio da intuição do Gordo.

Mesmo partindo de uma suspeita, o garoto estabelece uma linha de raciocínio até chegar

no verdadeiro culpado. Berenice e o Gordo descobrem o esquema de venda de diplomas

falsos de Direito pelo filho do jurado morto. Ainda assim, o menino não se convence que

tenha encontrado o culpado e decide continuar a investigação. Os motivos da morte do

jurado só são revelados no final da história, como uma boa história investigativa. Na

verdade, quem matou foi um dos jurados, a poetisa Valkyria Waleyra que não queria que o

filósofo a denunciasse por ter adquirido um diploma falso com seu filho, na Faculdade de

Direito Verdilucci, o qual era proprietário. Seu filho Jaime Ernesto Verdilucci estava

vendendo diplomas falsos de Direito e vendera à poetisa. O narrador descreve a frieza com

que a assassina relatou o crime:

A maneira fria como a poetisa Valkyria Waleyra contou detalhadamente o

seu crime deixou os outros quatro jurados com muita raiva e muito ódio.

Se ao menos ela tivesse mostrado arrependimento, tivesse chorado: o que

se via era uma pessoa totalmente egoísta, nem sequer tinha qualquer

remorso por ter matado o bom filósofo que quis ajudá-la. E tentou jogar a

culpa numa escritora inocente. (MARINHO, 2005, p.121)

Diferente dos outros livros em que há o exagero, a presença do nonsense para

tornar verossímil as ações narradas, em Assassinato na literatura infantil isso não

acontece. Apenas em um trecho, quando o Gordo e a Berenice, escondidos no armário da

sala de Jaime-Ernesto, filho do jurado assassinado, saem de onde estão e surgem

repentinamente, há a explicação do narrador:

As pessoas que vinham buscar o diploma eram adultos e não costumavam

sair de dentro do armário mas, naquelas alturas, o Gregório com um

revólver na mão, o Jaime-Ernesto apavorado de levar um tiro, ninguém

mais sabia onde estava a realidade, onde estava a fantasia, um filósofo

assassinado, uma escritora presa, todo mundo pedindo diploma, um

sujeito fugindo para a Malásia, muito normal que um gordinho saísse do

armário e pedisse diploma também. (MARINHO, 2005, p.93)

76

O destaque da obra, portanto, é a sua veia investigativa em que o Bolachão, mais

uma vez consegue desvendar um crime, auxiliando a polícia como o próprio delegado do

caso destaca:

_Esse gordinho aí, sentado entre vocês, ele é um gênio, o cérebro deste

gordo é um fenômeno que ainda não foi explicado. Sem ele eu nunca

pegaria o verdadeiro assassino. Ontem ele descobriu a lógica do crime e

hoje veio aqui de manhã, saímos pela cidade e achamos as provas da

lógica do crime. (MARINHO, 2005, p. 111)

De forma divertida, no final da obra, o autor aborda a questão da violência. Quando

estava indo embora para casa, o delegado presencia a discussão entre a secretária e a

subdelegada a respeito do ano de morte de Madre Teresa de Calcutá e é perguntado a ele

sobre a data, sendo sua resposta:

_Não sei se foi 87, não sei se foi 97, não acompanho as notícias

internacionais, eu chego em casa com a cabeça quente, eu só quero saber

do National Geografic, eu só quero saber de esquilo, de castor, de

elefante, de baleia, de pica-pau, de urso, de pato, de marreco, de foca, de

pinguim, agora eu vou para casa correndo porque vai passar aquele

documentário das zebras atravessando o rio e os crocodilos esperando,

sabe gordo, as zebras chegam na beira do rio, ficam com medo, os

crocodilos olhando, indo para lá e para cá, aqueles olhões saindo fora

d‟água, de repente uma zebra toma coragem e atravessa, as zebras todas

atravessam atrás, e puxa e rasga e morde e come e afunda e afoga e pula e

foge, é uma tempestade naquele rio, tem vez que não é zebra, é outro

bicho, mas a emoção é a mesma, gordo eu já assisti vinte vezes e nunca

canso, é a minha maior higiene mental. Eu fico renovado, eu lavo a alma,

eu esqueço da vida. (MARINHO, 2005, p.123)

O modo de relaxar do delegado ainda está vinculado à violência, só que no mundo

animal. Por mais que tente se desligar do universo violento a que sua profissão está

vinculada, nos momentos de lazer, é a ela que o delegado recorre. Além da referência à

Madre Teresa de Calcutá, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, sendo símbolo de caridade e

serviço ao próximo, num momento em que o posicionamento do delegado revela violência.

Assim como nas demais obras, a participação das crianças na resolução dos crimes

ou na busca de saídas se dá de um forma independente da ação dos adultos, por mais que

estes auxiliem como no desfecho de Sangue fresco em o frade João mata os capangas de

Ship O‟Connors. A perspicácia da turma, sobretudo de Berenice e do Gordo, mostra-se

77

superior à dos adultos, pois ela decide ir até o fim dos casos, mesmo quando parecem

solucionados.

Na revista Entrelivros, edição 6 de outubro de 2005, João Carlos Marinho a respeito

desta obra, diz que a turma volta em uma missão mais policial. Referente ao sucesso, diz

que ele se dá na construção de uma história com humor e uma trama elaborada, que prende

o pequeno leitor. Nessa mesma matéria, é destacada a relação do gênero policial na

formação do leitor, como porta de entrada para outros gêneros. Mesmo que a influência

seja norte-americana e muitas histórias sejam “enlatados” importados, os escritores

brasileiros, com destaque para Marinho, souberam valer-se desses expedientes sem cair na

cultura de massa, produzindo obras de qualidade para o leitor.

Assassinato na literatura infantil foi considerada “Altamente recomendável para o

jovem” pela FNLIJ, confirmando a qualidade estética da obra. Mesmo que o ritmo dos

acontecimentos não seja frenético como se espera dos textos de Marinho, o autor soube

prender o leitor nessa ação em que predomina a resolução do crime.

Esta obra é publicada pela Global Editora, sob o mesmo projeto gráfico dos demais

livros, possuindo apenas uma edição com 126 páginas, dividida em 20 capítulos, cujo

formato é 15,5x23. As ilustrações e a capa são de Camila Mesquita. As ilustrações ocupam

a página inteira e são no total de 10. A ilustradora vale-se de objetos ou situações presentes

nos capítulos e os dispõem misturados na página como se fossem recortes. Embora seja da

mesma ilustradora a capa e as imagens no interior do livro, é possível perceber diferença

no estilo da capa e das ilustrações no interior.

Observando a quarta capa em que há a lista de todas as obras da série, mas

seguindo a classificação de “As grandes aventuras e os grandes sucessos”; “Aventura

surrealista” e “Aventuras de menos sucesso, só para fanáticos”. O interessante é que esta

obra já é classificada como de grande sucesso, sendo uma definição dada pela própria

editora visto que não era possível do público ou da recepção da obra ser considerada.

78

Figura 24: Ilustrações e capa de Camila Mesquita (2005).

79

3. UM TARANTINO DA LITERATURA INFANTIL

Após o levantamento das edições das obras de Marinho e do olhar da crítica, é

possível identificar a convergência para um dos pontos de destaque da produção do autor a

que se refere ao humor e à violência.

Henry Bergson (1980), no livro O riso, chama a atenção para o fato de que só há

comicidade dentro do que é propriamente humano. Quando rimos de um objeto ou de outro

ser vivo, fazemo-lo por associar a alguma característica humana. Bergson ainda relembra

que já se definiu o homem como o “único animal que ri”. Para compreender o riso,

segundo o teórico, é preciso analisá-lo em seu ambiente natural que é a sociedade, devendo

corresponder a certas exigências da vida comum com uma significação social. Por isso, a

comicidade varia de acordo com a sociedade, o que causa o riso em determinado grupo

pode não causar em outro, talvez por não compartilhar dos mesmos códigos como acontece

comumente com a recepção de determinadas piadas ou textos humorísticos.

Marinho se aproveita das características humanas para promover o riso em seus

leitores como para mostrar as facetas mais sórdidas do comportamento humano ao

exagerá-las: frade glutão, professora interesseira, crianças mimadas, empregados

insubordinados, autoridades corruptas, criminosos impiedosos etc. Para Nelly Novaes

Coelho (2006), o autor retrata em suas obras o mundo-cão em que o planeta se tornou,

devendo ser entendida como uma “denúncia irônica ou satírica de uma sociedade

apodrecida e que precisa urgentemente ser recuperada” ( COELHO, 2006, p.364)

Quem já assistiu a um filme de Quentin Tarantino deparou com muito sangue,

violência exacerbada e o exagero que tornam cômica as cenas. Assim como nos filmes de

Tarantino, a obra de Marinho é marcada pela violência, situações inusitadas e exageradas,

chegando ao ponto de que para algumas personagens é matar ou morrer. Pelo modo como

são apresentadas ao leitor ou ao telespectador, tornam-se cômicas. Marisa Lajolo ao se

referir a Sangue Fresco em artigo ao Jornal da Tarde em 12 de Novembro de 1982, conta

que “o sangue começa espirrar nas primeiras páginas” quando é descrita a morte de

Ricardinho. Nas palavras de Marisa Lajolo (1982):

Mas, se o assunto em que João Carlos Marinho inspira sua história é

jornalístico, seu texto é definitivamente literário. Sem concessão

nenhuma o romancista trabalha a violência da matéria de que trata pela

intensificação e redundância. Os mortos são tão numerosos, a sangria é

tão copiosa, as formas de matar e morrer são tantas e tão variadas – enfim

80

a violência se repete tanto que se torna outra coisa. Por exemplo,

ingrediente do absurdo. (Jornal da Tarde, 12 de Novembro de 1982)

Além da morte de Ricardinho há a tentativa de sequestro das crianças, as cenas de

violência já revelam o estilo de Marinho e a semelhança com os filmes de Tarantino:

Pulou miolo da cabeça de Teng que dava para fazer uma fritada completa.

O chinês caiu no mar.

Era uma sangueira no oceano, boiavam os cadáveres de Angelo Fabrizio,

de um chinês sem cabeça, de Mão de Onça e de Teng, tudo furado de

bala; na lancha, O Pirata, ainda vivo, sangrava muito, e na lona do

Cataraan, conforme as marolas, a cabeça de Huang ia para lá e para cá,

feito um mamão: uma cena como o diabo gosta, pior que briga de marido

e mulher. (MARINHO, 1982, p. 40)

[...] (o gordo) olhou para a cabeça de Huang, pôs o pé direito embaixo,

levantou, matou no peito, baixou na lona e meteu um sem-pulo. Ajudada

pelo vento, a cabeça foi cair dentro da feijoada de um farofeiro que estava

tomando Skol e latinha e emporcalhando a praia de Ilhabela.

(MARINHO, 1982, p. 40)

O cortador entrou no olho de Mathias, esguichou sangue pela sala, atingiu

o cérebro e Mathias caiu morto no chão. (MARINHO, p. 1984, p.110)

O frade deu uma risada e falou:

_Perfeito! Fiz um coquetel Molotov. Era assim que os guerrilheiros

russos, que tinham poucas armas, combatiam os alemães na segunda

guerra mundial.(MARINHO, 1984, p.116)

O grego soltou um urro, uma labareda levantou-se do peito dele,

arregalou os olhos e morreu.

Era uma vez um ladrão literário. (MARINHO, 1984, p.116)

O professor Wanderley caiu, um buraco na cabeça, de onde esguicharam

sangue miolos brancos: o barulho do tiro veio junto, seco, breve, curto.

(MARINHO, 1990, p.83)

O cadáver do doutor José, os olhos fixos, imóveis, jazia no chão, rodeado

por muito sangue e pedaços de pescoço que o Pancho esmigalhou.

(MARINHO, 1990, p. 124)

Ainda se referindo à originalidade da obra, Zilberman (2005) destaca a perspectiva

carnavalizada adotada pelo autor em que acontecimentos e pessoas são apresentados de

modo caricatural. Para isso a fantasia presente na narrativa é “igualmente uma máscara que

recobre as personagens, conferindo-lhes faceta caricata, como acontece ao professor

Giovanni, treinador e comedor compulsivo de macarrão, ou o pai do Gordo, consumidor

81

obcecado por dispositivos eletrônicos.” (ZILBERMAN, 2005, p.118). Em constantes

passagens é mencionada a representação caricatural dos personagens: o almoço do frade

em O livro da Berenice dura três horas.

Pensando na postura adotada por Marinho, em Literatura infantil brasileira:

história e histórias, Lajolo e Zilberman (1999) discorrem sobre o modo de narrar escolhido

pelo autor:

Sua crítica a uma realidade social como a brasileira, pautada pelo

consumo e pela violência, não se faz nem pelo discurso condenatório,

nem pela inclusão, no texto, dos despossuídos, cuja miséria e pobreza

constituem denúncia da desigualdade e da injustiça social. A forma pela

qual o texto desse autor envereda por uma representação crítica do real é

muito sutil e rigorosamente literária: por via da redundância vertiginosa e

agressiva dos detalhes da violência, ou paradoxalmente, na naturalidade

de registro de ações e instrumentos mirabolantes, ou ainda na sucessão de

apelos recursos sofisticados da técnica, seus livros ferem a nota crítica.

(LAJOLO E ZILBERMAN, 1999, p.142)

As cenas de violência são descritas com naturalidade, independentemente de

envolverem crianças ou adulto que matam. Quando os criminosos são mortos, como o

grego Papoulos Scripopulos pelo frade João ou o seu comparsa Mathias pelo Gordo que

lança seu cortador, é para salvar a suas vidas. No entanto, ao representar assim, Marinho

ameniza o impacto que pode causar no leitor a princípio ao se valer do grotesco, dando

comicidade ao fato. Vladimir Propp em Comicidade e riso (1992) revela que o grotesco

como forma de comicidade só “é possível nas artes e impossível na vida”. Para ilustrar essa

situação, Propp diz: “Sua condição sine qua non é uma certa relação estética com os

horrores representados. Os horrores da guerra, fotografados para fins documentais, não têm

e não podem ter caráter grotesco.” (PROPP, 1992, p. 92) Essas mesmas ações narradas em

uma notícia de jornal ou fotografia causariam um outro impacto e reação em que lê ou vê.

As situações representadas por Marinho, por mais que remeta o leitor a situações reais,

ainda se faz de modo cômico pelo exagero e por fazer parte de uma obra literária. No

momento em que o Gordo é torturado em O gênio do crime ou quando é descrito o efeito

do Napalm em Sangue fresco.

Embora algumas de suas histórias remetam-se a investigações de crimes e

assassinatos, Marinho vale-se do humor para narrar as peripécias de sua turma. Por meio

do exagero, do nonsense, da ironia, o leitor é levado ao mundo do cômico. O ritmo é

frenético na narrativa, mas o autor sabe pausar no momento correto, por exemplo na

82

narração da morte de Ricardinho. Se a narrativa é apresentada de modo rápido, nestes

momentos há a descrição detalhada:

O holandês tirou a chave o bolso, abriu o cadeado, atirou Ricardinho na

gaiola e fechou.

A sucuri meneou, fez que sim, fez que não, e deu o bote.

Foi coisa de um instante, enlaçou-se no menino com os anéis, que foram

apertando, quebrando as costelas, Ricardinho ficou azul e ia se

transformando numa pasta mole, o bicho verde abraçando ele. [...]

A sucuri esmagou o crânio de Ricardinho, depois que o menino virou

basta, ela foi soltando baba lubrificante sobre ele, a baba escorrendo da

boca horrenda, às vezes parava um pouco e esticava o pescoço, em

seguida babava de novo: quando Ricardinho estava bem babado, a sucuri

engoliu tudo, em espasmos, a gente via o diâmetro dela estufar.

Ficaram de fora os pés de Ricardinho calçando os dois tênis verticais e

paralelos como se o menino estivesse dormindo num vagão leito.

(MARINHO, 1982, p. 16)

No momento em que se prepara a banheira com ácido para matarem o Gordo,

Marinho narra cada passo:

O anão pegou o conta-gotas, mergulhou no vidro com muito cuidado e

pingou quatro gotinhas marrons na banheira. Cada gota que caia chispava

zigue-zague feito busca-pé-peixe-louco no meio da água e fazia fuim-

fuim.

O chefe explicou:

_Este ácido é para dissolver os ossos; foi inventado recentemente.

(MARINHO, 1969, p.127)

As situações do cotidiano comuns às crianças como ir à escola, reunir-se com os

amigos, viajar com os pais, são mescladas com situações de nonsense ou fantásticas. Por

mais absurdas que a resolução de alguns problemas pareça, o leitor não julga inverossímil,

pois o universo criado pelo autor permite determinadas ações. Seu estilo é marcado pelo

uso do exagero, pela paródia, uso de clichês da época. O narrador se vale de uma

linguagem carnavalizada em que divino e profano se misturam, há a subversão da ordem

normal das coisas, a começar pelas crianças que resolvem problemas que os adultos não

conseguem. Se antes na literatura para crianças estas eram submissas ao adulto, na obra de

Marinho elas são independentes, mais espertas que os adultos e enfrentam os criminosos.

Em Literatura infantil: gostosuras e bobices, ao se referir ao humor na literatura

infantil, Fanny Abramovich (1995) destaca os trabalhos de Monteiro Lobato, Sylvia Orthof

e João Carlos Marinho. Em relação a este, destaca o ritmo vertiginoso de sua narrativa em

83

que tudo pode acontecer, pois realidade e fantasia se misturam, permitindo que os exageros

sejam aceitáveis no universo da narrativa. As personagens são crianças comuns,

semelhantes aos seus leitores, o que facilita a identificação e a aceitação da obra, vivendo

normalmente: indo à escola, participando de festas, viajando, sujeitas aos mesmos

incidentes. As inserções de non sense dão ar lúdico à obra e permite que o leitor aceite as

situações fantásticas como plausíveis no desenrolar da história.

Em Purismo e coloquialismo nos textos infanto-juvenis, Maria Alice de Oliveira

Faria afirma que: “Ora, os melhores escritores de literatura infanto-juvenil hoje são

aqueles que, competentes na criação de uma linguagem literária de seu tempo, incorporam

com naturalidade o coloquial, a gíria, ou mesmo as frases desestruturadas do monólogo

interior.” (FARIA, s/d, p.3). Com essa postura carnavalizada, o autor mescla a linguagem

cotidiana com o erudito e atitudes nem sempre louváveis, ou politicamente corretas para

crianças em idade escolar. Em um apêndice na primeira edição de O gênio do crime,

Marinho explica aos professores e pais as razões de adotar uma linguagem menos formal

(Anexo B):

Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma

preocupação didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um

convênio didático com escola secundárias e por causa disso achei bom

dizer umas palavras para justificar o moderado informalismo gramatical

que meu livro tem.

Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original

porque o ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se

preocupa em estimular a criatividade do aluno, o que é certo e prático; há

cada vez mais profissões em que espontaneidade de criação é

fundamental e a obsessão de um purismo gramatical escolástico, além de

fazer muito aluno escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe

tirar a oportunidade de bons empregos. (MARINHO, 1969)

Acontece também a quebra de paradigmas. As atitudes dos personagens não são

nada louváveis e revelam que a intenção é conseguir obter vantagens. Além da

naturalidade com que as ações violentas são apresentadas pelo narrador e pelas crianças.

Em O livro de Berenice, o Gordo afirma que nunca lera um livro, apenas gostava de

histórias em quadrinhos. Embora não se reconhecesse um leitor de obras literárias, é

possível perceber que se interessava por outras formas de leitura. Ele colecionava selos,

gostava de saber sobre raças de cães e adestramento e sobre peixes e para isso ele

pesquisava muito, além de participar dos eventos da área. Algumas informações são

apresentadas ao leitor por meio do narrador, mas se sabe que é um conhecimento que o

84

Gordo já possuía. Assim, Marinho mostra um modelo de personagem que é inteligente,

pois desde a primeira narrativa, é o Gordo quem descobre a fábrica clandestina em O gênio

do crime, sem se valer, portanto, do conhecimento enciclopédico presente nos livros

escolares. Apesar de não gostar de ler livros, o Gordo gosta de histórias em quadrinhos.

A professora Jandira é uma boa profissional como o narrador informa ao leitor,

principalmente pelas aulas de Português em O livro da Berenice. Se antes a figura da

professora na literatura infantil era idealizada e, muitas vezes, estereotipada, Marinho

desconstrói essa imagem ao criar essa personagem. Jandira é interesseira, sendo capaz de

não se importar que crianças sejam mortas após terem seu sangue roubado ou que se

apropriem indevidamente da obra de Berenice:

O grego afastou o prato e pegou na mão da professora Jandira.

Jandira retirou a mão e disse:

_Não sou qualquer uma. Não vou dando a mão logo de cara.

Papoulos Scripopulos pegou um diamante luminoso e deu de presente

para a professora Jandira.

Jandira pôs o diamante na bolsa e deixou o grego pegar na mão dela.

(MARINHO, 1984, p.45)

Jandira sabe da sua beleza e se vale dela para obter benefícios:

_Escute, Berê. Eu posso ajudar. Não tenho falsa modéstia, sei que sou

linda, sei que sou de fechar o comércio, sei que sou uma mulher de

quatrocentos talheres. Vou lá no editor, bem vestida, ele se apaixona por

mim e publica seu livro logo. (MARINHO, 1984, p.116)

A personagem, a pedido de Papoulos Scripopulos, aproveita-se da paixão de seu

aluno para seduzi-lo e assim roubar o livro que estava sendo escrito pela Berenice. Em

Leitura, literatura infanto-juvenil e educação, numa nota de rodapé, Célia Fernandes

(2007) observa que a imagem de professora sensual parece ter sido inaugurada com a

professora Jandira criada por Marinho. (FERNANDES, 2007, p. 195). Em um trecho

presente na primeira edição de O livro da Berenice, a professora Jandira beija na boca seu

aluno Godofredo:

Dizendo isso, largou o volante, abraçou Godofredo e deu-lhe um beijo na

boca.

Godofredo via arco-íris, via a Via Láctea, agradecia ao Criador.

O beijo foi tão chupado que a Jandira engoliu um dente de leite do

Godofredo, que estava meio bambo.

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“Pô” – pensou Jandira – “Namorar criança dá nisso, a gente acaba

engolindo dente de leite.” (MARINHO, 1984, p. 86)

Esse trecho foi substituído nas outras edições, sendo narrado que a professora

Jandira dá um beijo na bochecha do Godofredo. Para atenuar o impacto que a cena causa,

pois a professora beija a boca de seu aluno, Marinho exagera ao dizer que Jandira engole

um dente de leite do Godofredo. Diante dessas situações, são usadas imagens exageradas

que acabam causando o humor.

Além da influência da produção de Lobato, João Carlos Marinho possui traços da

prosa de François Rabelais, tendo como representante o frade João, que aparece pela

primeira vez em Sangue Fresco: “–Somos capuchinhos – falou o frade forte – Meu nome é

frade João, sou descendente do Frère Jean des Entommeures, não sei se vocês ouviram

falar. [...]” (MARINHO, 1982, 120). As atitudes de frade João assemelham-se às do seu

antepassado com a cena final em que com uma cruz acaba com os 180 capangas de Ship

O‟Connors bem ao estilo rabelaisiano:

Frade João [...] curvou-se, pegou o pau da enorme cruz, levantou a meia-

altura, deu uma volta em círculo, a cruz pegou impulso, a ponta da cruz,

zunindo rasgou a barriga de quarenta e nove capangas [...] macetou os

cóccix dos sessenta, com tal força que os fez vomitar a coluna vertebral,

osso por osso, vértebra por vértebra [...]. (p.164)

A figura do Frade João também é representada de modo carnavalizado. Embora

suas atitudes sejam boas como a proteção dos indígenas e das crianças, o modo como o faz

é marcado pela violência exacerbada. A respeito de Frère Jean, personagem de Rabelais,

Bakhtin afirma:

Em Rabelais, frei Jean é a encarnação da grande força paródica e

renovadora que representa o clero de tendência democrática. Ele é um

grande conhecedor “em matéria de breviário”, o que quer dizer que é

capaz de transpor qualquer texto sagrado ao plano do comer, do beber, do

erotismo, que ele sabe fazer disso um prato gordo, “salgado”. Pode-se

encontrar, disseminada por toda parte na obra de Rabelais, uma

importante quantidade de textos e sentenças sagradas transpostas.

(BAKHTIN, 1996, p.74)

Bakhtin (1996) referindo-se aos elementos que compõem a praça pública e causam

o sentido do humor, está a cena de Frei Jean quando despedaça os corpos e há a descrição

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minuciosa de cada parte do corpo sendo dilacerado pela cruz. Sobre o nome de Frei Jean,

Bakhtin afirma:

As imagens de corpos despedaçados, de dissecações de todos os tipos

desempenham um papel de primeiro plano no livro de Rabelais. Por esse

motivo, o tema dos juramentos integra-se perfeitamente no sistema das

imagens rabelaisianas. É sintomático observar que frei Jean fervoroso

amante de juramentos, tem o sobrenome “d‟Entommeure”, ou seja, carne

para patê, picadinha. Sainéan vê nesse fato uma dupla alusão, de um lado

ao espírito marcial do monge, e do outro à sua marcada predileção pela

boa comida. (BAKHTIN, 1996, p. 168)

A referência à personagem de Rabelais se dá também pelo nome além da

personalidade. João em francês é Jean. Marinho traduz o nome da personagem da Idade

Média em pleno século XX mantendo as mesmas características como a glutonaria, a

violência e a paródia dos textos bíblicos. Além da apresentação em que fala sobre sua

ascendência, frade João sempre é mostrado bebendo vinho e comendo muito:

_Puxa – falou a Berenice – O frade João comeu trinta frangos!

_E vou comer mais trinta, se Jesus me ajudar. Se você tivesse acordado às

quatro da manhã, derrubado e desgalhado uma árvore de sessenta metros

para fazer uma cruz, estaria com tanta fome como eu. (MARINHO, 1982,

p.122)

_Eu converso bebendo. Sou como meu antepassado, o Frère Jean des

Entommeures. Fico contente em rever os amigos que eu salvei do tal

americano. (MARINHO, 1984, p.25)

_Nunca confie em memória de escritor e de padre – falou o frade. – Olhe

a palma de minha mão.

E frade João mostrou a enorme mão esquerda onde estava escrita a reza

do Pai Nosso que Estais no Céu. (MARINHO, 1984, p. 122)

[...] Sabem por que Eva se interessou tanto pela maça? É porque Adão era

um chato, ficava só admirando a maravilha do paraíso e não conversava.

(MARINHO, 1984, p.21)

Um dos pontos principais em sua narrativa é a linguagem carnavalizada adotada.

Bakhtin chama de literatura carnavalizada àquela que “direta ou indiretamente, através de

diversos elos mediadores, sofreu a influência de diferentes modalidades de folclore

carnavalesco.” (BAKHTIN, 1981, p.92). Durante os festejos carnavalescos, as hierarquias

e distinções sociais eram deixadas de lado e uma nova ordem surgia, invertendo essas

relações. A vida “extracarnavalesca” com suas proibições e restrições eram revogadas

87

durante as festas carnavalescas, pois o festejo ser um momento em que não havia

separação entre todos os homens. Ainda destaca como característica do carnaval a

profanação, formada por sacrilégios carnavalescos, “por todo um sistema de descidas e

aterrissagens carnavalescas, pelas indecências carnavalescas, relacionadas com a força

produtora da terra e do corpo, e pelas paródias carnavalescas dos textos sagrados e

sentenças bíblicas, etc.” (BAKHTIN, 1981, p.106). Ainda em relação à profanação,

Bakhtin observa essa característica em Rabelais. A figura do Frei Jean representada em o

frade João, mostra a carnavalização por meio da subversão de textos bíblicos. Bakhtin

procura compreender a relação do carnaval enquanto manifestação popular e os traços

presentes na literatura. O autor parte dos ritos realizados durante as comemorações que não

se limitavam à praça pública, mas adentravam às casas das pessoas.

Se durante as festas de carnaval da Idade Média havia a mistura de sagrado e

profano nos rituais, Marinho mescla erudição e popular e o sagrado e o profano. Por mais

que o texto será veiculado nas escolas, não é sua intenção fazer um manual de conduta,

pelo contrário, adota uma postura crítica que sugere invés de impor. Para isso, é necessário

que o leitor compreenda os efeitos de humor adotados pelo autor. Aliás, só causará o riso

no leitor se este for capaz de identificar os mecanismos usados para causar esse efeito.

O primeiro aspecto pode ser considerado a linguagem adotada por Marinho para

descrever o cotidiano de crianças paulistanas de classe média. Além de adotar uma

linguagem coloquial, faz com certo humor: as pessoas agem por impulso. O universo

criado pelo autor permite que as ações se desencadeiem de modo vertiginoso sem causar

estranhamento no leitor. O pacto de leitura está estabelecido. “A adoção de uma postura

narrativa que adere à ausência de preconceitos e à falta de cerimônia de suas personagens é

responsável pelo caráter inovador da obra de João Carlos Marinho.” (LAJOLO E

ZILBERMAN, 1999, p.142)

Marinho transpõe para o plano da narrativa o ritmo dos acontecimentos em

determinados momentos, em que o conteúdo é colocado no plano da forma. Para mostrar a

desordem ocasionada pela chegada da televisão, parentes e curiosos, o narrador apresenta

de modo a causar esse efeito de bagunça no leitor:

E chegou repórter, chegou rádio, chegou televisão, chegou polícia

técnica, chegou parente, chegou delegado, chegou povo, e o galpão tava

uma quizomba que só mesmo. Os câmeras da TV cruzavam pelo galpão

em cima daquelas máquinas altas de rodinhas e como eram muitos canais

o fio de um enrolava no fio do outro; o do canal 4 puxava o do canal 5;

88

um fio tava ali quieto, de repente dava um bote: era o cara do canal 7 que

puxou o fio do canal 13, e reclama e grita e bate chapa e tropeça e não me

empurra, todo mundo fumando e a fumaceira subindo e a confusa foi por

aí indo. (MARINHO, 2006, p.135)

Ao descrever a descida do Gordo atrás do cambista, narra sem pontuação,

indicando o modo como se desce uma rua muito íngreme e a velocidade empregada pela

personagem:

E riscou pela ladeira, minha Nossa Senhora, como essas pedras que rolam

que rolam da encosta até o vale, asteroide caminhão sem breque inclinado

oblíquo para frente muito compenetrado e os pés lá trás pedalando

pedalando. (MARINHO, 2006, p. 30)

Marinho introduz em meio à narrativa uma cena, com a estrutura de um roteiro

dramático. O tempo de narrar também muda: do pretérito perfeito para o presente do

indicativo, dando a sensação de que o leitor assiste à cena assim como o espectador no

teatro, no momento em que ela ocorre:

Cada um vai para a sua carteira, Jandira entra na classe, atravessa-a,

ouvem-se assobios, fiu-fiu, barulhos com a boca de quem saboreia coisa

gostosa, nhame-nhame.

Jandira alcança sua mesa e passa-se a seguinte cena:

Jandira: Bom dia, meus alunos.

Alunos (os masculinos): Bom dia professora, sempre boa?

Jandira: E vocês, sempre bons?

Coro masculino: Nem tanto quanto você, tia.

Jandira: Que dia maravilhoso hoje, vocês não acham?

Coro masculino: Maravilhosa é você.

Biquinha: Qual o pé mais bonito do mundo?

Coro masculino: É dela.

Godofredo: Qual o joelho que Deus caprichou?

Coro Masculino: É dela.

Biquinha: Qual a cinturinha mais coisinha?

Coro masculino: É dela.

Godofredo: Já ganhou?

Coro masculino: Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!

Jandira: Muito obrigada, muito obrigada. É agradável ser elogiada, todo

mundo gosta, quem diz que não gosta é mentiroso, eu gosto. Agora

vamos começar a aula, quero que todos fiquem calmos e quietinhos.

Assim, assim, calam. Muito bem. A aula de hoje é sobre o café da

economia brasileira. (MARINHO, 1982, p.42)

Outro ponto a se destacar é a banalização da violência na obra de Marinho,

ressaltando que esta é uma crítica à sociedade caótica como nas palavras de Nelly Novaes

89

Coelho. As relações são marcadas pelo interesse e o indivíduo transforma-se em coisa,

sendo seu valor medido pelo que ele pode oferecer:

Aquele anão se via que não estava com raiva, ia matar porque

precisava, para não estragar o negócio; a morte do gordo não era

uma vingança quente, era uma operação comercial. (MARINHO,

2006, p. 112)

Ship O‟Connors fazia a contagem das crianças como quem conta cabeça

de gado. (MARINHO, 2005, p. 45)

_De jeito nenhum! O Ship O‟Connors mata a agente. O gordo representa

um capital de vinte bilhões de dólares. O sangue dele é especial, será

vendido pelo décuplo do preço no exterior. (MARINHO, 2005, p.56)

Em Sangue fresco, as crianças são meras mercadorias, cujo valor reside no que elas

podem oferecer, neste caso o seu sangue. Quando completam a idade de 11 anos, já não

possuem mais nenhuma serventia e são mortas.

Ainda pensando nesse processo de degradação humana, a cena descrita abaixo

ilustra essa sociedade marcada pelo espetáculo, que vê beleza na morte do outro:

_Não mata agora não Atlas, estraga a festa de amanhã. Não tem graça

nenhuma tacar um morto na banheira que o chefe falou, é como jogar um

saco de batata. Tô numa curiosidade mãe para ver esse ácido dissolvente,

quero ver o gordo cair vivinho ensopado lá dentro presunto mocotó, as

bolhas, a mexeção, já imaginou? Vai ser belo. (MARINHO, 2006, P. 115)

Logo em seguida, levou três empurrões e foi parar no pátio de um

estacionamento.

O gordo olhou em volta: o dono do estacionamento, atrás da janelinha da

bilheteria, olhava para o lado, fingindo que não via; o manobrista fazia

igual, temiam represálias.

Um velho que passava na rua indignou-se, estufou o peito, a mulher

puxou-o pela camisa e foram embora.

O gordo viu que não adiantava nem gritar [...] (MARINHO, 2006, p.20)

Em Berenice contra o maníaco janeloso, revela a condição em que vive as pessoas

marcadas pela violência que as paralisam diante das situações, sendo incapazes de

tomarem uma atitude em prol do outro:

Berenice gritava e batia as mãos no vidro da janela, o carro começou a

ganhar velocidade, virou esquina de novo, umas pessoas viram Berenice

90

bater desesperadamente na janela, mas como a população de São Paulo

está acorvadada e indiferente perante o crime, essas pessoas fingiram que

não viram e não tomaram nenhuma providência. (MARINHO, 2007,

p.63)

Nas obras de Marinho há a veia crítica em desnudar ao leitor um mundo em

constante transformação e ao mesmo tempo, mostrar as contradições humanas. As

personagens infantis não são representadas de forma maniqueísta, sendo suas atitudes as

mais diversas como as de qualquer criança de sua idade. As atitudes, muitas vezes, podem

não condizer com o fato de serem crianças, pois possuem uma independência muito grande

em relação aos adultos, sobretudo, no modo de pensarem e agirem.

Em O estético e o ético na literatura infantil, Maria Zaira Turchi comenta:

“Considerar o livro para crianças um objeto estético é reconhecer-lhe o estatuto de arte,

não de obra paradidática, e perceber sua capacidade de construir um espaço

plurissignificativo de ser humano diante do mundo.” (TURCHI, 2004, p.38). Assim,

Marinho desvela fatos da realidade por meio de suas histórias, mas sem deixar seu texto

pedante ou querer ensinar ao público a quem se dirige normas de conduta. Desse modo,

Marinho rompe com o discurso utilitário a que Perrotti (1986) se refere e demonstra que é

possível fazer obra para crianças com qualidade.

91

CONSIDERAÇÕES FINAIS

João Carlos Marinho é considerado um dos grandes nomes da literatura infanto-

juvenil brasileira pela crítica especializada. Embora sua produção seja pequena se

comparada com a de outros escritores como Ruth Rocha, Ana Maria Machado ou Pedro

Bandeira, Marinho conseguiu conquistar gerações com a Turma do Gordo, fato confirmado

pelas várias edições de seus livros. Foi possível perceber que Marinho, em sua obra, soube

valorizar o contexto histórico em que se insere a ação narrativa, revelando sua percepção

da realidade social, mas sem deixar em segundo plano a especificidade da literatura,

enfatizando o caráter estético da obra literária. Homenageando grandes nomes da literatura

nacional e internacional tanto as considerada do universo adulto ou infantil, Marinho

incorpora em suas histórias personagens, situações, expressões dos autores consagrados no

cenário literário, conferindo grande valor estético à sua obra ao fazer esse diálogo.

Marinho se vale das características de seus personagens e as exagera, tornando-as

caricaturais: um frade enorme que adora pernil e vinho, capaz de comer até 60 frangos, o

Gordo com um apetite voraz e envolto em brinquedos sofisticados, Berenice, uma garota

que se apaixona com facilidade, um mordomo despojado que engana os patrões com

atestados médicos falsos. Assim, como afirmou Bergson (1993), a comicidade só se dá

naquilo que é essencialmente humano. Nada mais humano como as qualidades e defeitos

dessa turma, que Marinho destaca por meio das atitudes de suas personagens. O discurso

adotado difere pela postura adotada pelo escritor em que há a ausência de preconceitos,

mas sem deixar de revelar um mundo marcado pela contradição nas relações sociais.

Ao comparar as edições, principalmente em O gênio do crime foi possível

identificar uma preocupação com a norma culta na última edição, em que algumas frases

foram modificadas. Essa mudança provoca um contraste entre o ritmo da narrativa, em

que, originalmente, as expressões eram mais coloquiais e as falas das personagens

próximas da oralidade. Entre as alterações feitas nessa obra está a que se refere à

contradição existente no Brasil em que se fala um idioma e escreve outro: “_Este Jonas ser

de morte, ele pensar que na Brazil o gente falar espanhol. Mim já explicar ele que a Brazil

ser uma país muito curiosa, onde o gente falar em brasileiro e escrever em português.”

(MARINHO, 1969, p.54). Essa fala expressa os contrastes de um país que mesmo

independente ainda é dominado pela língua de quem o colonizou. Nessa mesma edição, há

um apêndice que justifica a escolha da linguagem e o vocabulário adotados em seu livro

92

voltado para os “preocupados com o bom português”. No entanto, com o passar dos anos, a

nível gramatical, o preocupação prevaleceu, pois as alterações revelaram uma adequação

ao mercado escolar. Em O Caneco de Prata várias mudanças ocorreram em seu conteúdo a

fim de se aproximar do universo do leitor, o que de certa forma, perdeu um pouco daquela

carga crítica em que a obra foi escrita originalmente.

Sobre sua produção, a crítica destaca a originalidade, as doses de humor que

permeiam as aventuras e investigações mais variadas dos integrantes da Turma do Gordo.

Se durante o regime militar, suas obras foram consideradas altamente nocivas pelo

Conselho Estadual de Educação, hoje em dia é altamente recomendável aos leitores,

interessados em uma boa aventura e história de suspense. Embora Marinho tenha se

enveredado também pela ficção científica, foi nas histórias de aventura e suspense que ele

atingiu o seu ápice enquanto escritor, recebendo vários prêmios.

Assim, a postura adotada por Marinho na forma de conduzir as narrativas envereda

por uma representação cômica das situações do cotidiano seja nas relações familiares,

escolares e nas demais instituições. Por meio de uma leitura crítica do momento histórico,

o autor usa do consumismo, dos clichês, das propagandas, por meio da ironia, da sátira e

paródia para mostrar as contradições sociais presentes no país. O escritor soube articular

em sua obra fatos históricos com um universo marcado pelo nonsense em que as crianças

podiam agir com tranquilidade sem menosprezar seu leitor. Além de se preocupar com a

especificidade do texto literário, criando imagens de grande teor poético, mesmo em meio

ao caos de uma sociedade violenta. No entanto, esse aspecto fica mais evidente nas quatro

primeiras obras, em que o ritmo da narrativa é mais frenético, mais intenso e as expressões

mais coloquiais e próximas da oralidade, diferente das demais em que há maior

formalidade. Inclusive, a questão da violência é abordada de forma mais explícita nos

primeiros livros da coleção e a forma como ela é mostrada, de modo tão exagerado, que o

impacto esmaece e causa o humor.

Marinho com sua sensibilidade e percepção soube compor um mundo próximo de

seus leitores e personagens que lhe são parecidos com os mesmos sentimentos bons e

maus, valendo-se do exagero, da ironia, da sátira, da caricatura, revelando a hostilidade

humana, mas sem perder o caráter estético de sua obra.

93

REFERÊNCIAS

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AGUIAR, Vera Teixeira; CECCANTINI, João Luís; Martha, Alice Áurea Penteado (orgs)

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Acadêmica: Assis: ANEP, 2010. p. 23-42

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comparativista. Dissertação de mestrado. São Paulo, 2008. 90 f.

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literatura juvenil brasileira premiada (1978-1997). Tese de doutorado. Assis, 2000. 462p.

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bala – o gênero policial em Berenice detetive e Jaime Bunda, agente secreto. Tese de

doutorado. São Paulo, 2013. 207f.

COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira:

séculos XIX e XX. São Paulo: EDUSP, 1995.

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CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Balanço dos anos 60/70. In: SERRA, Elizabeth

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FARIA, Maria Alice. Purismo e coloquialismo nos textos infanto-juvenis. (mimeógrafo).

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PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986.

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ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil. Rio de Janeiro: Objetiva,

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SILVA, João Carlos Marinho. O gênio do crime. São Paulo: Brasiliense. 1969. (Coleção

Jovens do Mundo Todo)

________. O caneco de prata: uma epopéia dodecafônica. São Paulo: Obelisco, 1971.

MARINHO, João Carlos. O caneco de prata. 2 ed. São Paulo: Obelisco, 1973.

________ Sangue fresco: uma aventura de Bolachão na Amazônia. São Paulo: Obelisco,

1982.

________. O livro da Berenice. São Paulo: Parma, 1984.

________. Berenice detetive. São Paulo: Global, 1987.

________. Berenice contra o maníaco janeloso. São Paulo: Global, 1990.

________. Cascata de cuspe. São Paulo:Moderna, 1992. (Coleção Veredas)

96

________. O conde Futreson. São Paulo: Global Editora, 1994.

________. O disco. São Paulo: Cia das Letras, 1996.

________. A catástrofe do planeta Ebulidor. São Paulo: Global, 1998.

________. O gordo contra os pedófilos. São Paulo: Global, 2001.

________. Assassinato na literatura infantil. São Paulo: Global, 2005.

________. Cascata de cuspe. 11 ed. São Paulo Global, 2006.

________. O disco I: A Viagem. 3 ed. São Paulo: Global Editora, 2006.

________. O livro da Berenice. 25 ed. São Paulo: Global, 2006.

________. Sangue fresco. 25 ed. São Paulo: Global, 2006.

________. Berenice detetive. 14 ed. São Paulo: Global, 2007.

________. O caneco de prata. 17 ed. São Paulo: Global, 2007.

________. O Disco II: A catástrofe do Planeta Ebulidor. 3 ed. São Paulo: Global, 2007.

________. Berenice contra o maníaco janeloso. 8 ed. São Paulo: Global, 2007

________. O conde Futreson. 9 ed. São Paulo: Global Editora, 2009.

________. O gênio do crime. 59 ed. São Paulo: Global, 2009. (Edição comemorativa)

________. O gênio do crime. 60 ed. São Paulo: Global, 2009.

97

ANEXOS

98

ANEXO A: QUADRO COMPARATIVO DAS EDIÇÕES POR DÉCADA

DÉCADA DE 60 E 70

Obra Tipo de

assinatura

Ano da

primeira edição

Edição/Ano Formato N° de

páginas

Ilustrador Capa Editora

O gênio do crime J.C. Marinho Silva 1969 1ª/1969 14x21 138 Alice Prado Alice Prado Editora

Brasiliense

O gênio do crime J. C. Marinho

Silva

1969 2ª/1970 14x21 130 Alice Prado Alice Prado Editora

Brasiliense

O gênio do crime:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1986 (pela

Editora Global)

60ª/2009 15,5x23 140 Maurício

Negro

Camila

Mesquita

Editora

Global

O caneco de prata:

epopeia

dodecafônica

João Carlos

Marinho Silva

1971 1ª/1971 14x21 126 Vera Ilce Vera Ilce Obelisco

O caneco de prata João Carlos

Marinho Silva

1971 2ª/1973 14x21 116 Roberto

Barbosa e

Norival

Blasquez

Roberto

Barbosa

Obelisco

O caneco de prata:

Uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1986 (pela

Editora Global)

14ª/2008 15,5x23 112 Erika Verzutti Camila

Mesquita

Global

Editora

99

DÉCADA DE 80

Obra Tipo de

assinatura

Ano da

primeira edição

Edição/Ano Formato N° de

páginas

Ilustrador Capa Editora

Sangue Fresco:

Uma aventura de

Bolachão na

Amazônia

João Carlos

Marinho

1982 1ª/1982 14x21 172 Roland Matos Roland Matos Obelisco

Sangue Fresco:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1986 (pela

Editora Global)

25ª/2006 15,5x23 126 Alê Abreu Camila

Mesquita

Global

Editora

O livro da Berenice João Carlos

Marinho

1984 1ª/1984 14x21 134 Arturo

Condomí

Alcorta

D. M. Dellog Editora

Parma

O livro da

Berenice: uma

aventura da turma

do gordo

João Carlos

Marinho

1986 (pela

Editora Global)

9ª/2006 15,5x23 127 Camila

Mesquita

Camila

Mesquita

Global

Editora

Berenice detetive João Carlos

Marinho

1987 1ª/1987 14x21 156 Estúdio Gepp

e Maia

Estúdio Gepp

e Maia

Global

Editora

Berenice detetive:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1986 (pela

Editora Global)

14ª/2007 15,5x23 156 Camila

Mesquita

Camila

Mesquita

Global

Editora

100

DÉCADA DE 90

Obra Tipo de

assinatura

Ano da

primeira edição

Edição/Ano Formato N° de

páginas

Ilustrador Capa Editora

Berenice contra o

maníaco janeloso

João Carlos

Marinho

1990 1ª/1990 14x21 156 Roberto

Barbosa

Roberto

Barbosa

Global

Editora

Berenice contra o

maníaco janeloso:

uma aventura da

turma do gordo.

João Carlos

Marinho

1990 8ª/2007 15,5x23 156 Alê Abreu Camila

Mesquita

Global

Editora

Cascata de cuspe:

game over para o

gordo

João Carlos

Marinho

1992 1ª/1992 14x21 96 Roberto

Barbosa

Roberto

Barbosa

Editora

Moderna

Cascata de cuspe:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1992 10ª/1998 14x21 108 Maurício

Negro

Mauricio

Negro

Global

Editora

Cascata de cuspe:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1992 11ª/2006 15,5x23 128 Maurício

Negro

Camila

Mesquita

Global

Editora

O conde Futreson João Carlos

Marinho

1994 1ª/1994 14x21 128 Mauricio

Negro

Mauricio

Negro

Global

Editora

O conde Futreson:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1994 9ª/2009 15,5x23 148 Maurício

Negro

Camila

Mesquita

Global

Editora

101

DÉCADA DE 90

Obra Tipo de

assinatura

Ano da

primeira edição

Edição/Ano Formato N° de

páginas

Ilustrador Capa Editora

O disco João Carlos

Marinho

1996 1ª/1996 14x19 146 Carlos

Matuck

Carlos

Matuck

Global

Editora

O disco I - A

viagem: uma

aventura da turma

do gordo

João Carlos

Marinho

2006 3ª/2006 15,5x23 128 Maurício

Negro

Camila

Mesquita

Global

Editora

O disco II –

A catástrofe do

planeta Ebulidor

João Carlos

Marinho

1998 1ª/1998 14x21 128 Maurício

Negro

Maurício

Negro

Global

Editora

O disco II –

A catástrofe do

planeta Ebulidor:

uma aventura da

turma do gordo

João Carlos

Marinho

1998 3ª/2007 15,5x23 142 Maurício

Negro

Camila

Mesquita

Global

Editora

ANOS 2000

Obra Tipo de

assinatura

Ano da

primeira edição

Edição/Ano Formato N° de

páginas

Ilustrador Capa Editora

O gordo contra os

pedófilos

João Carlos

Marinho

2001 1ª/2001 14x21 134 Maurício

Negro

Maurício

Negro

Global

Editora

Assassinato na

literatura infantil

João Carlos

Marinho

2005 1ª/2005 15,5X23 126 Camila

Mesquita

Camila

Mesquita

Global

Editora

102

ANEXO B: ALTERAÇÕES PRESENTES NO CONTEÚDO DAS OBRAS

O GÊNIO DO CRIME

Alteração de um termo, expressão ou troca de pronome.

1ª edição (1969) Editora Brasiliense 60ª edição (2009) Editora Global

_Acho besteira fazer incêndio; que que

adianta? O melhor é ir na polícia denunciar

esse cara. É capaz da polícia obrigar ele a dar

os prêmios. (p.13)

_Acho tolice fazer incêndio; de que adianta?

O melhor é ir na polícia denunciar esse

homem. É capaz da polícia obrigá-lo a dar os

prêmios. (p.13)

Daí a cinco dias todos receberam uma

cartinha [...] (p.14)

Daí a cinco dias todos receberam uma carta

[...] (p.14)

A turma do Edmundo festejou o uniforme do

Corinthians dando uma goleada no time da

outra rua: 7 a 1. (p.14)

Os amigos do Edmundo festejaram o

uniforme do Corinthians dando uma goleada

no time da outra rua: 7 a 1. (p.14)

[...] sair por aí de pires na mão, ser chamado

de caloteiro, o que que é. (p.16)

[...] ser chamado de caloteiro, o que que é.

(p.16)

O senhor está maluco? (p.17) O senhor endoideceu? (p.17)

[...] o seu Tomé tinha bolado [...] (p.18) [...] o seu Tomé tinha criado [...] (p.19)

Nas duas da tarde [...] (p.18) Às duas da tarde [...] (p.20)

Pulem cá pra dentro. (p.18) Pulem cá dentro. (p.20)

Esse cara [...] (p.18) Esse pirralho [...] (p.19)

Esses retangulinhos [...] (p.19) Esses pequenos retângulos [...] (p.20)

[...] e fez ele compor um bloco [...] (p.19) [...] e mandou-o compor um bloco [...] (p.21)

[...] biblioteca, muito granfa [...] (p.20) [...] biblioteca muito elegante [...] (p.21)

[...] pra levarem chocolatinhos. (p. 21) [...] para levarem chocolatinhos. (p. 22)

Duas da tarde [...] (p.22) Às duas da tarde [...] (p.23)

Custa tutu, sabe? (p.22) Custa muito, sabe? (p.23)

Pituca estava zonzado com o palavratório,

mas gostou do boa pinta. (p.22)

Pituca estava desnorteado com o discurso

mas gostou do elogio. (p.23)

Tinhas uns que eram mais falantes [...] (p.22) Havia uns que eram mais falantes [...] (p.23)

[...] entrou em um ônibus [...] (p.23) [...] montou em um ônibus [...] (p.24)

[...] o cambista tornou o pescoço [...] (p.23) [...] o cambista virou o pescoço [...] (p.24)

Nessa viagem é que não vou que não sou Nessa viagem é que não vou que não sou

103

tatu. (p.23) ingênuo. (p.23)

Entre na Brigadeiro. (p.24) Entra na Brigadeiro. (p.27)

O cambista tinha pegado um DKW vermelho

e o táxi do menino foi varando feito doido,

passando todo mundo [...] (p.24)

O cambista tomara um DkW vermelho e o

táxi do menino foi varando, passando todo

mundo [...] (p.27)

Bem que o seu Tomé disse que o homem era

bicho em despistação. (p.24)

Bem que o seu Tomé disse que o homem era

hábil em despistação. (p.27)

[...] encontrar a gente [...] (p.25) [...] encontrar-nos [...] (p.29)

[...] taquei a conversa no homem [...] (p.27) [...] envolvi o homem na conversa[...] (p.30)

_Brincando de milico, heim? (p.29) _Brincando de meganha hein? (p.32)

Pra mim isso aí é macumba [...] (p.33) Para mim isso aí é macumba [...] (p.36)

Como é metido esse gordo. (p.32) Como é petulante esse gordo. (p.36)

A gente espera o cambista [...] (p.33) Esperamos o cambista [...] (p.36)

[... ] a gente fica no lugar [...] (p.33) [...] ficamos no lugar [...] (p.37)

_Grande gordo! Você é o máximo. (p.34) _ Esse é o gorinho mais respeitabilíssimo que

eu conheço. (p.37)

[...] o cambista tinha aparecido antes. (p.35) [...] o cambista aparecera antes. (p.35)

[...] não enxergava a frente e nem os lados,

parecia um bicho [...] (p.35)

[...] não enxergava nem de frente nem do

lado feito bicho [...] (p.38)

Andamos ao contrário. Sabe que isso me

embrulha[...] (p.37)

Andamos ao contrário. Sabe que isso me

confunde. [....] (p.41)

[...] pra pegar a primeira aula. (p.37) [...] para pegar a primeira aula. (p.41)

É o que eu tô falando. Pra mim era a primeira

[...] (p.37)

É o que estou falando. Para mim era a

primeira [...] (p.41)

Estamos xecados; desse jeito não dá para

seguir do avesso. (p.37)

Estamos derrotados; assim é impossível

seguir do avesso. (p.41)

[...] admiro cada vez mais o tamanho da

generosidade sua. Gostaria de ajudá-lo , mas

carece da licença do escocês [...] (p.42)

[...] admiro cada vez mais o tamanho da

camaradagem sua. Gostaria de ajudá-lo, mas

precisa da licença do escocês [...] (p.46)

Chupitou um trago valente e veio que veio

um calorão de estufa, queimando na cabeça.

(p.44)

Virou um gole forte e cresceu uma caloria de

estufa ardendo a cabeça. (p.48)

[...] prestando atenção em coisa nenhuma.

(p. 45)

[...] prestando atenção em coisa alguma.

(p. 49)

104

[...] dever ter disintupido alguma artéria no

côco do gordo. (p.38)

[...] dever ter desentupido alguma artéria

cerebral do gordo. (p.42)

[...] deve ser dez pras uma [...] (p.39) [...] deve ser dez para uma [...] (p.43)

[...] pelo jeito dos canteiros [...] (p.39) [...] pelo aspecto dos canteiros [...] (p.43)

[...] costumava receber ele [...] (p.39) [...] costumava recebê-los [...] (p.43)

[...] foram atendidos por um moço bem

vestido, esticadinho [...] (p.39)

[...] foram atendidos por um moço

esticadinho bem trajado [...] (p.43)

[...] e envaidece-me. Tenho dito. (p.40) [...] e envaidece-me. (p.43)

[...] rir com a gozação do gordo [...] (p.40) [...] rir com o deboche do gordo [...] (p.43)

[...] a coisa funcionava do mesmo jeito.

(p.41)

[...] a coisa funcionaria igualmente. (p.45)

Pituca olhava com ar de sem graça. (p.33) Pituca olhava aparvalhadamente. (p.37)

O gordo tinha emprestado [...] (p.35) O gordo havia emprestado [...] (p.38)

_Então conte-nos suas aventuras. (p.46) _Então conte prá nós suas aventuras. (p.50)

_Que pena; o tiro acertou logo nos dois livros

que o seu Tomé gostava mais e ainda tirou

uma lasca deste jacarandá da Bahia da

estante. (p.46)

_Que lástima; o tiro acertou logo nos dois

livros que o seu Tomé gostava mais e ainda

tirou uma lasca do jacarandá da Bahia da

estante. (p.50)

[...] e essas bossas que os adultos batizaram

[...] (p.47)

[...] e essas tretas que os adultos batizaram

[...] (p.51)

[...] e que a bem da verdade, só aporrinham a

paciência da criança [...] (p.47)

[...] e que a bem da verdade, só aporrinham a

paciência da juventude nacional [...] (p.51)

_Gozado o gordo [...] (p.48) _Interessante o gordo [...] (p. 52)

[...] vou puxar o meu ronco [...] (p.49) [...] vou dormir [...] (p.49)

[...] quebrando para esquerda. (p.50) [...] surgindo para esquerda. (p.55)

[...] tô seguindo um restaurante [...] (p.50) [...] estou seguindo um supermercado [...]

(p.55)

Esse cara dorme de boca aberta [...] (p.50) Esse cretino dorme de boca aberta [...] (p.56)

[...] ficar paquerando [...] (p.51) [...] ficar espionando [...] (p.56)

A gente pensa e não entende. (p.51) Cada um pensa e não entende. (p. 56)

[...] deixei ele lá. (p.51) [...] deixei-o lá. (p.56)

[...] e dê pro gordo [...] (p.52) [...] e dê ao gordo [...] (p.57)

[...] dez pra uma [...] (p.53) [...] dez para uma [...] (p.58)

105

_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse

cara non parecer nada, mas Jonas ser fogo

[...] (p.54)

_Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse

cara aí de inofensivo, mas Jonas ser

eficientíssima [...] (p.59)

_Rá! Rá! Rá! Rárrárrárrá! Seguir pela

revirada, good! good! Ser uma tamanhíssima

dum idéia, minha Deus do Céu, que que este

gorda ter no dentro do cabeça para imaginar

o traçado duma pensamento assim! De trás

para adiante, good, good, ser do pá virado,

ser do arco da velha, só mesma esse gorda.

(p.55)

_Rá! Rá! Rá! Rárraárraárrá! Seguir pela

revirada, good! good! Ser uma tamanhíssima

dum idéia, minha Deus do Céu, que que este

gorda ter no dentro do cabeça para imaginar

um pensamento assim! De trás para adiante,

good, good, ser da pá- virado, ser do arco da

velha, só mesma esse gorda. (p.60)

Tá todo mundo doido, seu! (p.56) Tá tudo doido, seu! (p.61)

Às dez pra uma. (p.56) Às dez para uma. (p.61)

Moraram? (p.56) Perceberam? (p.62)

[...] e a gente não tem capacidade [...] (p.58) [...] não temos capacidade [...] (p.63)

_ Não carece [...] (p.60) _ Não precisa [...] (p.65)

Esse mundo é gozado, a mesma turma que

ficou brava porque o gordo não cascava o da

frente revoltou-se contra o gordo porque ele

cascou demais. Foi uma bagunça da danada

[...] (p. 61)

Esse mundo é curioso, a mesma turma que se

zangara porque o gordo cascava pouco,

revoltou-se agora porque cascou demais. Foi

uma bagunça danada [...] (p. 67)

Por enquanto estava meio a zero [...] (p.62.) Por enquanto estava indeciso [...] (p.67)

[...] com jeito de bandido [...] (p.66) [...] com forma de bandido [...] (p.72)

[...] amigão mais chapa [...] (p.66) [...] amigo mais chapa [...] (p.72)

_Três a um pro Corinthians. (p.66) _Três a um para o Corinthians. (p.72)

_Coitado, é mania, mas não é burro. Não

risca não. (p.66)

_Coitado, é mania, não risca não, ele não é

tão incapacitado. (p.72)

Cho Choc, os alunos puseram os mapinhas

em cima das carteiras.

(p.68)

Cho Choc, os alunos puseram os mapas em

cima das carteiras. (p.73)

Tinha desconfiado da entrega dos mapas pro

Zé Tavares [...] (p.70)

Desconfiei da entrega dos mapas ao Zé

Tavares [...] (p.75)

[...] suspendia na hora o contato com a [...] suspendia imediatamente o contato com

106

fábrica clandestina e volta tudo patrás [...]

(p.70)

a fábrica clandestina e volta tudo para trás

[...] (p.75)

Bolachão fez cara de bocó [...] (p.71) Bolachão fez cara de perturbado mental [...]

(p.76)

Bolachão chegou perto, de manso, para

assuntar, mas tinha um garoto pulando o

muro e o zelador foi lá dar um pito nele.

(p.72)

Bolachão aproximou-se cautelosamente para

tentar ouvir algum pedaço, mas como um

menino pulava o muro, o zelador afastou-se

para repreendê-lo. (p.77)

[...] me ajudou a trocar os pneus [...] (p.73) [...] ajudou-me a trocá-los [...] (p.77)

O gordo que ficou meio cabreiro, isso não se

faz, gozação em cima dele [...] (p.74)

O gordo é que ficou passado, isso não se faz,

caçoada com ele [...] (p.79)

[...] a gente tem é que descobrir os bandidos,

oras. (p.74)

[...] nosso propósito é descobrir os bandidos,

não lhe parece? (p.79)

[...] tinham levantado todas as hipóteses [...]

(p.80)

[...] levantaram todas as hipóteses [...] (p.80)

O chefe a gente vai saber depois. (p .76) O chefe saberemos depois. (p.81)

_Pera aí, tenho uma ideia, acho que descobri

[...] (p.76)

Tenho uma ideia, acho que descobri [...]

(p.81)

[...] a gente não pode se mexer. (p..76) [...] não podemos nos mexer. (p.81)

[...] depois que o Mister me gozou perdi a

concentração. (p.76)

[...] depois que o Mister debochou de mim,

perdi a concentração. (p.81)

Carece de um desaforo muito grande. (p. 76) Carece de um desaforo muito enorme. (p.81)

[...] dar uma camomila pro gordo [...] (p.76) [...] dar uma camomila para o gordo [...]

(p.81)

_ E a perna tá ficando branca. Vai dar

enchente no coco dele. (p.77)

_ E a perna está ficando branca. Vai dar

enchente no cérebro dele. (p.81)

_Veja, a cabeça do gordo está vermelhando.

O sangue tá descendo. (p.77)

_Veja, a cabeça do gordo está avermelhando.

O sangue está descendo. (p.82)

[...] não leva a lista das figurinhas pra escola.

(p.78)

[...] não leva a lista das figurinhas para

escola. (p.83)

[...] mim non ser tatu [...] (p. 78) [...] mim non ser ingênua [...] (p. 83)

[...] um trago na boca do Mister e o Mister

mamou gostoso[...] (p. 78)

[...] um trago na boca do Mister, que mamou

deleitoso [...] (p.83)

107

[...] ele aparece aí dando sopa e você afinou

[...] (p. 78)

[...] ele aparece aí, dando sopa, e você

afrouxou [...] (p. 83)

_Não precisa esfregar assim, bolotas. Não

pedi pra me lixar. (p. 80)

_Não precisa esfregar assim. Não pedi para

ser lixado. (p. 85)

Puxa, quanta sujeira tá saindo. Vou limpar a

mancha preta essa aqui. (p. 80)

Puxa, quanta sujeira está saindo. Vou limpar

a mancha esta mancha preta. (p. 86.)

[...] o gordo não tem imbigo! (p.81) [...]o gordo não tem umbigo! (p.86)

Achei o imbigo dele, lá no fundo. (p. 81) Achei o umbigo dele, lá no fundo. (p. 86)

[...] e você está pronto pra luta. (p. 81) [...] e você está pronto para luta. (p. 86)

[...] e não posso perder essa jogada [...]

(p. 82)

[...] e não posso perder esta ocasião [...]

(p. 88)

Na hora que o senhor virou de banda, para

escrever, o gordo viu que ele era narigudo

muito. (p. 82)

Na hora que o senhor virou de lado, para

escrever, o gordo viu que era muito narigudo.

(p.87)

O gajo estava entrando num Aero–Willys [...]

(p. 83)

O homem estava entrando num Aero- Willys

[...] (p.88)

[...] para deixar o pé leviano. (p. 81) [...] para deixar o pé leve. (p. 86)

[...] o cara desceu e saiu [...] (p.84) [...] o homem desceu e saiu [...] (p. 90)

Bolachão ficou caçando um lugar para se

esconder; não podia ficar no carro. (p.84)

Bolachão buscava um lugar para se esconder,

não podia permanecer no carro. (p. 90)

[...] que mandaria os milicos cercarem,

invadirem e prenderem a quadrilha [...]

(p 84)

[...] que mandaria a polícia cercar, invadir e

prender a quadrilha [...] (p. 90)

[...] que coçou a orelha dele com a outra

mão. (p. 86)

[...] que coçou-lhe a orelha com a outra mão.

(p. 92)

Era um baita de um pastor. (p. 86) Era um colosso dum pastor. (p.91)

[...] e olhou no relógio [...] (p. 88) [...] e olhou o relógio [...] (p. 93)

[...] na frente do prédio tinha uma lâmpada

que que alumiava fraco duma nuvenzinha

[...] (p.88)

[...] na frente do prédio uma lâmpada

alumiava fraco rodeada duma nuvem [...]

(p. 93)

Outro menor e mais baixo que dava para o

gordo pular, se estivesse fechado, e pelo jeito

nem estava. (p. 88)

Outro menor e mais baixo suficiente, para o

gordo pular, se estivesse fechado, e parecia

que nem estava. (p.93)

108

[...] carecia de dar o endereço total da fábrica

[...] (p. 89)

[...] precisava dar o endereço da fábrica [...]

(p.94)

“Batata, é aqui [...] (p. 88) “Hum, é aqui [...]” (p.94)

[...] pensei que tinha matado você [...] (p.89) [...] pensei que o tinham matado [...] (p. 95)

Mas é que estava afobado [...] (p.91) Mas que estava precipitado [...] (p. 96)

[...] diálogo com o gordo era assim mesmo.

(p. 91)

[...] diálogo com o gordo era conciso assim

mesmo. (p. 96)

[...] que a gente não conhecia. (p.91) [...] que ninguém não conhecia. (p.97)

Não há perigo nenhum, estamos garantidos.

(p. 92)

Não há perigo, estamos garantidos. (p. 97)

“[...] podia ter pedido socorro pros

operários.” (p. 94)

“[...] podia ter pedido socorro aos operários.”

(p. 99)

[...] a gente enterra aqui mesmo. (p. 94) [...] enterramos aqui mesmo. (p. 100)

[...] mas a gente nunca sabe o futuro. (p. 95) [...] mas do futuro nunca se sabe. (p.101)

[...] cheia de papéis [...] (p. 95) [...] repleta de papéis [...] (p. 100)

_Abanque-se [...] (p. 95) _Sente-se [...] (p. 100)

[...] estou sonado de fome [...] (p. 96) [...] estou perturbado de fome [...] (p. 101)

[...] você que moeu sozinha essa ideia?

_ Cuei e moei. (p. 96)

[...] você é que encontrou sozinho essa ideia?

_Sim. (p. 101)

[...] o mesmo pensamento que a Berenice

tinha feito. (p. 97)

[...] o mesmo pensamento que a Berenice

tivera. (p. 103)

Foi distraído pelo pedido do gordo [...]

(p. 97)

Distraiu-se pelo pedido do gordo [...] (p. 103)

Ter coiso aí. (p. 97) Ter xaveco aí. (p. 103)

O gordo é de morte, não pegam ele assim

fácil não. (p.98)

O gordo não é trouxa, não o apanharão

facilmente. (p. 105)

[...] nem toco de cigarro[...](p.98) [...] nem bituca de cigarro [...] (p. 104)

O Mister sabia que era pista fraca porém o

bom detetive não despreza pista.(p.98)

O Mister sabia que era pista fraca porém o

bom detetive não as despreza. (p.104)

O Jonas classificou elas e grudou num

caderno, por ordem alfabética, que era para

conferir com outras poeirinhas [...] (p. 98)

O Jonas classificou-as e grudou num caderno

por ordem alfabética, para conferir com

outras poeirinhas [...] (p. 104)

O palpite do Mister deu certo [...] (p. 100) O palpite do Mister confirmou-se [...] (p.

109

107)

O gordinho devia estar afobado, quem sabe

acossado pelos bandidos. (p.100)

O gordinho devia estar alarmado, quem sabe

acossado. (p. 107)

Só o Mister é que conhecia ela da classe;

Edmundo e Pituca conheciam de ouvir o

gordo contar e ficaram admirados dela ser

tão bonita. (p. 100)

Só o Mister é que a conhecia da classe;

Edmundo e Pituca conheciam de ouvir o

gordo contar e ficaram admirados dela ser

resplandecente assim. (p.107)

[...] o gordo explicou que estava afobado [...]

(p. 101)

[...] o gordo explicou que estava aflito [...]

(p. 108)

[...] sem responder a uma pergunta que ele

fizera. (P.101)

[...] sem responder a uma pergunta que lhe

fizera. (p.108)

_Gorda dizer que estava afobada? Senhor

Tomé sentir afobaçon no voz de gorda? (P.

101)

_Gorda dizer que estava aflita? Senhor Tomé

sentir afliçon na voz de gorda? (p. 108)

_Pela que vocês contar [...] (p. 102) _Pelo que vocês contar [...] (p. 109)

[...] uma gole de uísque ser um coisa gostoso.

(p.103)

[...] uma gole de uísque ser um coisa

indispensável. (p.110)

[...] escapou da grutinha da celulinha cerebral

onde ele morava [...] aprumou-se pra riba e

veio subindo. (p. 107)

[...] escapou da grutinha da célula cerebral

onde ele morava [...] aprumou-se para cima e

veio subindo. (p. 114)

O coco do gordo funcionava [...] (p. 107) O cérebro do gordo funcionava [...] (p. 114)

“Se eu escrevo o recado a mão, além de dar

muito na vista, só vai dar para escrever em

poucas e terei uma possibilidade muito

pequena.” (p. 107)

“Se escrevo o recado a mão, além de dar

muito na vista, só conseguirei escrever em

poucas e terei uma possibilidade muito

pequena.” (p. 115)

__Chefe, esse moleque aí [...] (p. 108) __Chefe, esse paspalho [...] (p. 115)

[...] não faz diferença, né chefe? (p. 108) [...] não faz diferença não é chefe? (p. 115)

Vai ser o máximo! (p. 108) Vai ser belo! (p. 115)

Não tinha pensado isso [...] (p. 108) Não tinha pensado nisso [...] (p. 115)

_Chefe, o gordo tá falando sozinho. Me dá

aflição. (p. 108)

_Chefe, o gordo está se agitando. Me dá

aflição. (p. 115)

[...] pago uma cerveja e uma pizza pra vocês.

(p. 109)

[...] pago uma cerveja e uma pizza. (p. 116)

110

_Depois do lanche, a agente dá uma limpada

[...] (p. 109)

_ Depois do lanche, damos a limpada [...]

(p. 116)

[...] naquilo tinha prestado atenção [...]

(p. 110)

[...] naquilo prestara atenção [...] (p. 117)

[...] no apertar [...] (p. 110) [...] ao apertar [...] (p.117)

[...] mas foi em frente. (p. 110) [...] mas prosseguiu. (p. 117)

[...] a caixa dos tipos [...] (p.110) [...] a caixa de tipos [...] (p.117)

[...] até achar o manejo certo [...] (p. 110) [...] até achar o roteiro certo [...] (p. 117)

[...] mas aí se afobou [...] (p. 111) [...] mas aí se precipitou [...] (p.118)

[...] aquele xilique tradicional [...] (p. 113) [...] aquele chilique tradicional [...] (p. 120)

[...] uns partirem para a gozação [...] (p. 113) [...] uns partirem para o deboche [...] (p. 120)

O porteiro fez eles entrarem e os levou [...]

(p.114)

O porteiro fê-los entrar e levou-os [...]

(p.122)

_Cara de anão que tem gordo escondido.

Pituca gozou:

_Essa menina é biruta. (p. 117)

_Cara de anão que tem gordo escondido.

_Essa menina é zureta. (p. 125)

[...] depositou ele deitado [...] (p. 118) [...] depositou-o deitado [...] (p. 125)

_Estás famoso, heim?

Aquilo não, era o fim, o gordo ficou

congelado. (p.120)

_Estás consagrado [...] (p.126)

_Legal chefe. Manda brasa! (p.121) _Perfeitamente chefe. (p. 127)

[...] Que bacana [...] (p. 120) [...] Que pomposo [...] (p.127)

_Tratemos do gordo agora. (p.122) _Tratemos do peralvilho agora. (p.129)

[...] tá branco de medo. (p.122)

[...] está branco de medo.

_E o lábio está tremendo, perdeu a

dignidade, pensei que fosse mais machão.

(p.129)

Os grandões já vinham feitos para cima do

Mister [...] (p. 123)

Os grandões já vinham ferozes para cima do

Mister [...] (p. 131)

Mas grandão de queda tava ali [...] (p. 124) Mas era um grande resistente [...] (p. 132)

[...]e virou de banda [...] (p.126) [...] e virou de lado [...] (p.136)

[...] fui eu quem salvou ele [...] (p.126) [...] fui eu quem o salvou [...] (p.136)

[...] minha mão é muito grossa para lidar [...] minha mão é muito grossa para pingar

111

conta-gotas. (p. 127) gotinha. (p. 137)

Alterações em que houve acréscimo ao texto original

1ª edição (1969) Editora Brasiliense 60ª edição (2009) Editora Global

_O pai me deu um aumento. (p.18) _ O pai não me dá mesada, tenho conta livre,

saco quanto quero, não sou funcionário.

(p.20)

_Este Jonas ser de morte, ele pensar que na

Brazil o gente falar espanhol. Mim já

explicar ele que a Brazil ser uma país muito

curiosa, onde o gente falar em brasileiro e

escrever em português. (p.54)

_Este Jonas ser de morte, mim tentar ensinar

o Jonas a falar brasileira pela processo de

leitura dinâmica, mas o Jonas só sabe dizer

"saludos amigos". Mim estar no dúvida se

Jonas non compreender mesmo ou se estar

fingindo de sonsa para se divertir à minha

custa. (p.59)

_Minha cabeça não é pra tirar besteira; não

sou bicho de circo. (p.57)

_Meu intelecto não apetece cuidar de

mediocridades manuais, isso é serviço para

servente ou meio-oficial. Não sou

metalúrgico. (.62)

O gordo achava, danada duma azucrinada,

mas tinha graças da mulher. Falava aquilo

tudo sem ridículo nenhum, muito natural,

essas coisas, mas o gordo já estava frio da

idéia e continuou calado para ver até que

ponto ia dar o embalo da moreninha [...]

(p.64)

O gordo achava, danada duma azucrinada,

mas mulher bonita azucrinada fica mais

encantadora, geralmente, embora mulher

bonita azucrinada também. Falava aquilo

tudo sem ridículo nenhum, muito natural,

mas o gordo já estava frio da idéia e

continuou calado para ver até que ponto ia

dar o desempenho da moreninha[...] (p.70)

_Só o Paulo, prefiro namorar os do admissão

ou do quarto ano, têm mais conversa, sabe.

(p.66)

_Só o Paulo, prefiro namorar os do quinto ou

do quarto, esses do segundo só sabem contar

anedotas elementares. (p.71)

_Berenice, Berenice – brincou Pituca.- O

gordo quer ficar cheiroso pra moreninha. Já

vi tudo, estamos roubados, detetive

apaixonado não descobre nem o caminho da

_Berenice Berenice – brincou Pituca. – O

fedegoso quer ficar perfumado para a

moreninha. As mulheres influem

negativamente sobre a capacidade de

112

casa dele. (p.80) percepção dos detetives, perturbam-lhes a

intuição e modificam-lhes o ritmo cerebral.

(p. 85)

[...] como é que pode um peixão legal ficar

nesse dengo pelo Bolacha, meu Bolachinha,

meu pipipinha; não entendo, não entendo!

_Mim também non entender os mulheres,

Pituca. Ninguém na mundo entender esses

bichinhas. (p. 102)

[...] como é possível cair nessa fascinação

pelo Bolacha, meu Bolachinha, meu pipinha;

não entendo, não entendo! O mundo está

errado!

_Realmente, se non existissem gordas, e nem

mulheres que gostar de gordas, a mundo seria

diferente. (p. 109)

_Mim namorar os dois ao mesmo tempo,

mim ser muito namoradeira. (p. 103)

_O pergunta ser difícil de responder, mas, se

o Berenice ter o minha idade e eu fosse o

Berenice, e o Berenice fosse seu Tomé, e ter

que escolher para namorar entre o seu Tomé

e o gerente, mim preferir seu Tomé. (p. 110)

Alterações em que houve supressão ou síntese do texto original

1ª edição (1969) Editora Brasiliense 60ª edição (2009) Editora Global

Tinha comprado toneladas de envelopinhos e

o Rivelino não saía, virou a cidade nos

abafas até de Vila Matilde e do Tucuruvi e,

num dia, foi num treino do Corinthians falar

com o próprio Rivelino. O jogador riu muito

e respondeu que ele também colecionava e

não achava jeito de encontrar a figura dele

mesmo. O Paulo Borges estava do lado e

brincou:

_Olha menino, nós pegamos o Rivelino e

colamos as costas dele aí no quadrado vazio

do álbum. Depois levamos na fábrica e quero

ver!

O velho Dino Sani rematou:

Comprara toneladas de envelopinhos e o

Rivelino não saía, virou a cidade nos abafas

até de Vila Matilde e do Tucuruvi e num dia

foi num treino do Corinthians falar com o

próprio Rivelino, inutilmente, porque o

jogador também colecionava e não conseguia

encontrar a figura dele mesmo. (p.9)

113

_Fica quieto, Paulo, você é figurinha fácil,

não tem que dar palpite.

Os jogadores fizeram uma porção de

trocadilhos e gozações, Edmundo se divertiu,

mas voltou para casa sem resolver o

problema. (p.9)

Edmundo fechou o caderno de português,

trocou o chinelo pelo sapato e desceu

escorregado pelo corrimão. (p.15)

Edmundo fechou o caderno de português,

trocou o chinelo pelo sapato e desceu. (p.15)

Desse jeito vou é à falência [...] (p.16) Vou é à falência. (p.16)

[...] comprou uma no Largo de São Bento

[...] (p.16)

[...] comprou no Largo de São Bento [...]

(p.16)

Ah, meu bom Jesus! Quanto mais a gente

vive é que aprende melhor que as coisas

acontecidas são mais impossíveis que as

coisas imaginadas. (p.17)

Ah, meu bom Jesus! (p.17)

Falar de aventura de detetive para um

menino da idade e da saúde de Edmundo é

como falar de alface para cabrito. Topou é

lógico. (p.18)

Falar de aventura de detetive para um

menino da idade e da saúde de Edmundo é

uma ideia sedutora. (p.19)

E depois também, Seu Tomé merecia ser

ajudado. Numa época em que as fábricas [...]

(p.18)

E seu Tomé merecia ser ajudado; numa época

em que as fábricas [...] (p.19)

[...] o problema é teu. Nessa eu não embarco.

(p.18)

[...] o problema é teu. (p.19)

[...] a fábrica clandestina. Aí avisaremos a

polícia. O que peço a vocês não é prender os

ladrões, não quero que se arrisquem. É só

descobrir o endereço desta fábrica de

falsários. (p.19)

[...] a fábrica clandestina. (p.20)

[...] tipografia, que era onde [...] (p.19) [...] tipografia, onde [...] (p.20)

[...] conversas animadas que ouviam dos pais

e dos tios [...] (p.20)

[...] conversas animadas que ouviam dos pais

e tios [...] (p.21)

114

O gordo dormia que dormia encolhido no

sofá [...] (p.20)

O gordo dormia absorvido da vida encolhido

no sofá [...] (p.21)

[...] seria mas é o burro do crime. (p.21) [...] seria é o burro do crime. (p.22)

[...] por o gordo nisso, tá vendo? (p.21) [...] por o gordo nisso. (p.23)

É. Vá fazer a encomenda. (p.21) Vá fazer a encomenda. (p.23)

_Te aguenta aí meu chapinha, não se

afobemos; tô dizendo que tu leva quinze mas

não paga quinze, morou? Paga só quatorze,

te faço um abatimento. Leva quinze e morre

com quatorze, uma de graça. (p.22)

_Estou dizendo que leva quinze mas não

paga quinze. Paga só catorze, faço um

abatimento. Leva quinze e morre com

catorze, uma de graça, pelo certo, ponta a

ponta. (p.23)

_Pense bem, meu chapinha, quem escapa de

fazer negócio bom, se arrepende depois; a

sorte não bate todo dia na porta da gente;

mais pior, tem vez que ela bate e a gente não

está. Agora estou aqui, te fazendo uma

proposta que não faço pra nenhum, só porque

me simpatizai com tua pinta de distinto, boas

famílias. Sabe que tu é o dono da pinta, meu

boa gente? (p.22)

_Pense bem meu chapinha, a sorte não

desfruta e se arrepende depois. (p.23)

[...] lengue com lengue [...] (p.22) [...] lengue-lengue [...] (p.23)

[...] pela rua de São Bento [...] (p.23) [...] pela rua São Bento [...] (p.24)

Na certa está querendo ver se tem algum

detetive seguindo ele. (p.23)

Na certa está querendo ver se está sendo

seguido por algum detetive. (p.25)

[...] função de olhar todo mundo.

"Ora pamonhas" _ pensou Edmundo. "Esse é

o rei da paquera." (p.23)

[...] função de olhar todo mundo. (p.26)

Reparou que quando relou nele [...] (p.23) Edmundo reparou que, quando relou nele [...]

(p.26)

O sujeito que inventou bagunça por certo se

sentiria encabulado se visitasse o arraial do

Bolacha: uma esparramação de mexidos pelo

assoalho. (p.25)

O sujeito que inventou bagunça por certo se

sentiria encabulado se visitasse o arraial do

Bolacha [...]. (p.28)

_Devia ter ido _ insistiu Pituca.

_Me diga uma coisa: o plano não era o Pituca

fazer a encomenda e o Edmundo seguir?

_Devia ter ido _ insistiu Pituca. (p.28)

115

_Era.

_Então eu ia lá práque? Para ficar

aplaudindo? (p.26)

[...] que era o teleférico, semelhante Pão de

Açúcar [...] (p.25)

[...] que era o teleférico Pão de Açúcar [...]

(p.28)

Assim que virou, deu de cara com o próprio

dito cujo do cambista [...] (p.29)

Assim que virou deu de cara com o cambista

[...] (p.32)

_De em desde o começo, botei meus

holofotes no carango preto de vocês,

seguindo o ônibus. (p29)

_Desde o começo notei o automóvel preto de

vocês seguindo o ônibus. (p.33)

_Aprenda uma coisa seu coió, tenho um

sistema infalível de despistação; querer me

seguir é tomar sopa de garfo. (p.29)

_Aprenda uma coisa, seu coió, tenho um

sistema infalível de despistação. (p.32)

Agora é que te furo as tripas. (p.33) Agora é que te furo. (p.33)

[...] estava entrando num bonde aberto e o

bonde tinha dado a saída e ia indo embora.

Nesse tempo ainda tinha bonde em São

Paulo, era desses bondes abertos, com

estribo. (p.31)

[...] entrava num bonde aberto que dava a

saída e ia indo embora. (p.34)

[...] danado de tigre, não dá pé. (p.32) [...] danado de tigre. (p.35)

[...] trajetos despistantes. Capito? (p.33) [...] trajetos despistantes.? (p.36)

Dia seguinte [...] (p.35) No dia seguinte [...] (p.38)

[...]. Largo de São Bento. (p.35) [...]. Largo de São Bento. Chovia. (p.38)

_Tá certo Bolacha, boa sorte. Vamos a nossos

lugares. (p.35)

Perfeito, vamos a nossos lugares. (p.39)

Pituca, enfiado no binóculo, deu sinal: (p.35) Pituca no binóculo, deu sinal: (p.38)

[...] vem pra cá, pacatum, pacatum. (p.36) [...] vem pra cá pacatum. (p.39)

Estamos mas é facilitados [...] (p.37) Estamos é facilitados [...] (p.42)

Economizava o dinheiro das camisas e ainda

sobrava para botar uma campanha de

publicidade na televisão Ia ser um estouro.

Publicidade é tudo, meninos, olhem esses

debilóides que fazem sucesso na TV; não

sabem nem compor e cantar, mas são

Economizava o dinheiro das camisas e ainda

sobrava para lançar uma campanha de

publicidade na televisão, ia ser um sucesso.

Podem voltar a seus brinquedos [...] (p.45)

116

organizados e fazem sucesso. Em nome da

eficiência, podem voltar para seus

brinquedos [...] (p.41)

[...] e preciso sua ajuda. (p. 42) [...] e preciso de ajuda. (p.46)

[...] tudo o que você pedir [...] (p.42) [...] tudo que você pedir [...] (p.46)

[...] e acabou convencendo eles. (p.43) [...] e acabou convencendo. (p.47)

_Essa foi boa! _exclamou Pituca, olhando de

zomba para o gerente. _Caramujo é que leva

a casa nas costas.

_Ser bem dito _ apoiou o Mister. _ Mim

ouvir uma samba do poeta Vinicius de

Moraes, no minha vitrola de pilha, que falar

que o vida do gente ser pra valer, ser uma só,

e que o gente precisar escolher muito

direitinha o caminho do vida, porque quando

o caminho acabar, non ter uma outra non,

para experimentar de novo. E agora que

menina Pituca falar de caramuja, mim pensae

que o gente ter dois escolhas: ser caramuja

ou então passarinha. Mim escolher ser

passarinha.

_Nós também! _ aprovou Edmundo. _ Então

o Mister deixa a gente continuar? (p.46)

_Essa foi boa! _ exclamou Pituca, olhando

ironicamente para o gerente.

_Então o Mister deixa a gente continuar?

(p.50)

[...] e ficou tudo perfeito [...] (p.47) [...] e ficou perfeito [...] (p.51)

Toda essa fazeção [...] (p.47) Essa fazeção [...] (p.51)

[...] de descobrir esse raio de fábrica

clandestina e poristo eu já ponho os três

meninos andando na Marginal, às cinco da

tarde, procurando um lugar de botarem

acampamento. (p.47)

[...] de descobrir a fábrica clandestina e por

isto eu já ponho os três meninos andando na

Marginal, às cinco da tarde, procurando um

lugar de armarem acampamento. (p.52)

Andavam pela beira do rio, entre o capim

alto, e fuçando fuçando [...] (p.47)

Andaram pela beira do rio, entre o capim

alto, e, fuçando [...] (p.52)

[...] e esqueces da vida. Já era tempo de ter [...] e esqueces da vida. (p.56)

117

me revezado. (p.50)

Você devia estar dormindo! (p.51) Devia estar dormindo! (p.56)

A MARGINAL foi ficando clara com o sol

da manhã, os favelados iam para o batente e

a criançada saia chispada dos barracos, para

inventar brincadeiras nos terrenos baldios e

na beira do rio. Mais no longe, a carreira

branquicenta dos arranha-céus dava a nota de

cartão postal de cidade grande. (p.53)

O sol da manhã iluminava a Marginal; os

favelados caminhavam para as fábricas e a

molecada chispava entre os terrenos vazios,

inventando brinquedos. Ao lado do longe era

uma carreira cartão-postal de arranha-céu

desenhando a maravilha de São Paulo no céu

da cidade grande. (p.58)

[...] careca que puxava na mão um gordinho.

(p.58)

[...] careca puxando na mão um gordinho.

(p.63)

_Meu bom menino, vocês fazem de mim

gato e botina, eu um homem sério [...] (p.60)

_Meu bom menino, eu um homem sério [...]

(p.65)

[...] as mentiras é que pulam da minha boca,

desasnei completo. (p.60)

[...] as mentiras é que vão saindo sozinhas e

contentes da minha boca. (p.65)

O gordo tinha que observar detalhes os mais

mínimos [...] (p. 62)

O gordo precisava observar detalhes [...] (p.

67)

[...] algum gesto brusco, tudo, tudo. (p.62) [...] algum gesto brusco, tudo. (p.62)

[...] a sua especulação, com os cuidados do

detetive e por isso meteu o dedão na boca

[...] (p.63)

[...] a sua especulação e por isso meteu o

dedão na boca [...] (p.69)

Um lugar comum chama isso de cair do

cavalo, mas no caso do gordo a expressão é

fraca muito. Bolachão desmoronou-se

inteiro, ele, o bom, o geniozonho, tricotando

fio a fio para pegar um suspeito, e vem uma

coisiquinha duma menininha e pega o

pegador, assim no estalo, é fora de conta.

Uma lambada desse tamanho não dava tempo

para o gordo pensar, só se fechou em copas

para ter folga de recuperar o prumo e a linha

normal da cabeça: fez que não entendeu e

deu outra chupitada no dedão. (p.63)

Um lugar comum chama isso de cair da

carroça, mas no caso de gordo a expressão é

fraca. Bolachão desmoronou-se, e, na fala de

uma resposta pronta, encolheu-se em si

buscando uma folga de recobrar o prumo da

cabeça, pôs o dedão na boca e disse [...]

(p.69)

_Não tem um nem dois. Já ouviste falar da

intuição feminina? (p.63)

_Não tem um nem dois. Você é detetive.

(p.69)

118

_Intuição feminina é isso que eu tenho, pego

no ar a entre-coisa das coisas. E te peguei,

reparei uns modos e olhares em você que só

menino inteligente tem e se um menino

inteligente vem aqui encapuçado de

retardado, só pode ser descobrir crime, então

é detetive. (p.63)

_Gordo não seja pernóstico, acho melhor que

confesse. Vou te aprender um negócio: um

detetive por mais que disfarce, carrega seu

detetivismo até na maneira especial de soar o

nariz. (p.69)

[...] e aos bocadinhos foi recuperando o

controle do pensamento. A garotinha podia

estar jogando no verde para colher a fruta

caída, podia ser da quadrilha [...] (p.64)

[...] e aos bocados foi recuperando o

controle. A garotinha podia ser da quadrilha

(p.69)

[...] não era papagaio pra dar o pé louro,

imagine; o negócio correto [...] (p.64)

[...] não era papagaio para dar o pé louro; o

negócio correto [...] (p.70)

_Eu adoro história de mistério, gordinho, e

meu sonho era topar um detetive de verdade,

para namorar. Sei que você está desconfiando

de mim, e tem razão, bota meu nome aí na

sua lista dos suspeitos, ninguém escapa. Sabe

qual é o primeiro nome que o bom detetive

põe lá em cima da lista? (p.64)

_Gordinho, você tá com cara de menino

colando pegado em flagrante fingindo de

calmo e olhando espantado. (p.70)

_O dele mesmo, pode ter dupla

personalidade, já vi um filme, investigou

investigou e prendeu a si mesmo, gozado,

né? O camarada passa duma pra outra e a

uma não lembra o que a outra fez. Como é

que você se chama? (p.64)

Como é que você chama redondinho? (p.70)

Xeque-mate. Bolachão não tinha escapulida

[...] (p.64)

Bolachão não tinha escapulida [...] (p.70)

A COISA estava no vai ou racha; ou a

menina atrapalhava a investigação duma vez

[...] (p.66)

A coisa estava periclitante; ou a menina

atrapalhava duma vez [...] (p.71)

O gordo teve um arrepio na espinha de

satisfação e emocionado também, porque a

coisa estava quente e ele estava na estrada

boa. (p.70)

O gordo sentiu um arrepio na espinha de

satisfação e de emocionado também porque

estava na estrada boa. (p.75)

119

E conversa vai conversa vem [...] (p.73) Conversa vai conversa vem [...] (p.77)

_ Mim agradecer very much o atençon que

vocês me dar, amanhã mim continuar o resto

da aula. Vocês meninos ser o esperança do

mundo, porque vocês ser alegres, gostar de

brincar e nom ter maldade em dentro do

cabeça. Mim aconselhar vocês de ter muito

cuidada com os adultos e nom deixar ele

botar os idéias ruins que eles ter no cabeça de

vocês. os gente grande ser um calamidade,

minhas meninos, mim conhecer os gente

grande do mundo toda, dos Estados Unidos,

do Rússia, do China, do Ásia e do Europa, e

agora os da Brazil, e ser tudo o mesmo

porcaria. Eles viver e falar como esses

bonecos que, o gente dar corda, repetir

sempre os mesmos frases quadrados,

confundir o salvaçon do pátria com o

salvaçon do dinheirinha e do vaidade de eles,

e ficar muito bravos quando um filho de eles

quebrar uma xícara de café, mas ficar

satisfeitíssimas e tocar até o banda de

música, quando um avion que eles jogar um

bomba no cabeça de uma outro que pensar

diferente do deles. (p.74)

_ Mim agradecer very much o atençon que

vocês me dar. (p.79)

[...] Raimundo. Nada, neris. Depois [...]

(p.75)

[...] Raimundo. Depois [...] (p.80)

Badalo não dá pra bandido. Esse vai ser

deputado ou senador quando crescer. (p.75)

Badalo não tem vocação para bandido. (p.81)

[...] já deu um ponta-pé nele [...] (p.76) [...] já deu um pontapé e xingou [...] (p.81)

[...] tá um furacão aí nessa cabeça [...] (p. 76) [...] tá um furacão nessa cabeça [...] (p.81)

_Quando viu a cara do gordo chegar, até o rio

Tietê riu.

_Chi – emendou Pituca. – Essa do rio está

muito mar.

Edmundo repicou:

_Melhor que a do rio você não foz.

Pituca pensou pensou, não achou o mote e

por isso perdeu o jogo de trocas.

- Olha- disse Edmundo. – Vamos dar uma

última tentativa, antes do gordo dormir.

_Quando viu a cara do gordo chegar, até o rio

Tietê riu.

Pituca achou engraçadíssimo e Edmundo

continuou:

– Vamos dar uma última tentativa, antes do

gordo dormir. Quem sabe pondo mais sangue

na cabeça, a idéia que ele tinha começado

sai. (p.82)

120

Quem sabe pondo mais sangue na cabeça, a

idéia que tinha começado sai. (p. 76)

_É, o gordo está bloqueado por um

pensamento obsessivo – disse o Edmundo.

_Que bicho é esse? – indagou Pituca.

_ Ouvi de um tio meu, psiquiatra.

_Rá! Rá! (p. 77)

_É, o gordo está bloqueado por um

pensamento obsessivo – disse o Edmundo.

_Rá! Rá! (p. 82)

[...] então o senhor suspeitou na escola, né?

(p.78)

[...] então o senhor suspeitou na escola?

(p.83)

[...] passava bem junto da cabana, todo

barrento e marulhando no capim. (p.80)

[...] passava junto da cabana, barrento e

marulhando no capim. (p.85)

No alto da escada tinha sala pequena com um

sofá e uma mesa de telefone. (p. 82)

No alto da escada tinha uma sala pequena

com um sofá e uma mesa de telefone. (p.87)

[...] atrás do banco do chofer. Dava justinho.

(p. 82)

[...] atrás do banco do chofer. (p. 87)

[...] só que mais confortável, que o espaço

era maior. (p. 83)

[...] só que mais confortável com o espaço

maior. (p. 88)

Daí tocou o automóvel pela cidade, num

caminho bastante demorado. Ia cantarolando

um samba que terminava assim:

“A minha vida não é mole não

Entro em cana toda hora sem apelação

Eu já ando assustado

E sem paradeiro

Sou um marginal

Brasileiiiro.”

Um samba muito bom até, que mostrava o

bom gosto do fulano e o progresso dos

bandidos brasileiros, que teve um tempo só

assoviavam bolero. O gordo é que não podia

apreciar a música, ia é batucando as banhas

no chão do carro e respirando devagar, para o

bandido não desconfiar.

Daí tocou o automóvel pela cidade, num

caminho bastante demorado, cantarolando

um samba; o gordo é que não podia apreciar

a música, ia batucando as banhas no chão do

carro e respirando devagar para o bandido

não desconfiar.

Finalmente pararam. (p.88)

121

Foi foi pararam. (p. 83)

[...] só um caramelo de café no bolso e

desembrulhou ele para almoçar. (p. 86)

[...] só um caramelo de café no bolso. (p.91)

“Se o pastor sente medo é aí que avança...”

(p.86)

“Se o pastor sente medo é que avança [...]”

(p.91)

“Que raio de bicho-bolinha é esse aí na

minha casinha?”

Tinham ensinado ele a atacar gente em pé, e

bolinha sentada ainda mais com cheiro forte

de desodorante, trapalhava o faro dele. Mas

foi um instante só e as rosnada entre-dentes

anunciou que o cachorro já classificara o

ramo da espécie zoológica da bolinha: era

gentinha gordo, bicho de se atacar.

Mas o Bolacha estava dono de si. (P. 86)

“Que bicho-bolinha é esse aí na minha

casinha?”

Tinham-lhe ensinado a atacar gente em pé, e

bolinha, sentada com cheiro forte de

desodorante, confundia-lhe o faro. Mas foi

um instante só e a rosnada entredentes

anunciou que o cachorro preparava-se para o

ataque. (P.91)

“Lá se foi meu rico caramelo.” (P.86) “Lá se foi meu caramelo.” (P.92)

O cachorro dormia bem, embaralhado no

gordo, quentinho, respirando de boca aberta.

(P. 88)

O cachorro dormia embaralhado no gordo,

quentinho, respirando pela boca. (P. 93)

... para imprimir as figurinhas falsas, mas não

era não. (P. 92)

[...] para imprimir as figurinhas falsas, mas

não. (P. 97)

Bem no meio do galpão[...] (p. 92) No meio do galpão[...] (p. 97)

_Menininho turrão, não é ? (p. 94) _Menininho turrão não? (p. 99)

[...]pode haver um terremoto, essas coisas,

algum acaso, o ocaso é o maior inimigo dos

crimes perfeitos[...] (p. 95)

[...] pode haver um terremoto, algum acaso, o

ocaso é o maior inimigo dos crimes perfeitos

[...] (p. 100)

Processo de falsário, a gente arruma um bom

advogado e até absolve a gente. O negócio é

dissolver o gordo. (P. 95)

Processo de falsário arruma-se um bom

advogado e até absolve. Temos que dissolver

o gordo. (p. 100)

Teu pai de educou mal, seu gordo, mas o meu

estatuto é diferente, vais aprender

obediência. Atlas traga o alicate. (P. 95)

Teu pai de educou mal, seu gordo. Atlas,

traga o alicate. (P. 100)

_É, começo a lhe respeitar. (P.96) _Começo a lhe respeitar. (P. 101)

122

[...] prendeu na Escócia um amigo que eu

gostava muito. (P. 96)

[...] prendeu na Escócia um amigo meu que

eu gostava muito. (P. 101)

O gordo ia xingar o chefe dum palavrão

tamanhudo[...] (p. 96)

O gordo ia xingar o chefe dum palavrão[...]

(p. 101)

_Professor, qual que é mais forte? (P. 97) _Professor, qual é mais forte? (P. 103)

[...] e a classe viu um acontecido que classe

nenhuma do mundo tinha visto antes[...] (p.

97)

[...] e a classe viu o que classe nenhuma do

mundo tinha visto antes [...] (p. 104)

[...]o dono não sabia não. (P. 98) [...] o dono não sabia. (P.104)

O guarda que mandava o trânsito[...] (p.98) O guarda que dirigia o trânsito [...] (p. 104)

[...]numa aflição muito grande[...] (p.98) [...]numa aflição grande[...] (p. 104)

[...] a problema fundamental do vida não ser

chata. Um non chato sem razon valer um

milhon de chatos com razão, valer muito

mais até. (P. 99)

[...] a problema fundamental do vida não ser

chata. (P. 105)

Seu Tomé disse que, de primeiro [...] (p. 101 Seu Tomé disse que primeiro [...] (p. 108)

Seu Tomé trouxe um café com leite e umas

bolachinhas. (P. 102)

Seu Tomé trouxe um café com leite e pão

preto. (P. 102)

Seu Tomé serviu o café com leite e as

bolachinhas[...] (p. 103)

Seu Tomé serviu o café com leite e o pão

preto[...] (p. 110)

Aquele anão, sua calma, se via que não

estava com raiva nenhuma dele[...] (p. 105)

Aquele anão se via que não estava com

raiva[...] (p. 112)

[...] operação comercial. Como o gordo tinha

investigado tanto, resolveu tirar a dúvida:

_Como é que passam as figurinhas para o

cambista?

O anão respondeu, sem levantar a cabeça dos

papéis que escrevia:

_Tenho um depósito de figurinhas na rua

Florêncio de abreu; logo que o narigudo me

telefona eu telefono para o depósito, dou as

encomendas, meu capanga manda o filho

dele falar com o cambista, como se fosse

[...] operação comercial.

O anão terminou a escrivinhação[...] (p. 112)

123

freguês, e entrega as figurinhas. Cada dia o

menino vai disfarçado dum jeito, um dia

moreno, outro loiro, outro de mulatinho, para

ninguém desconfiar.

O gordo olhou para a parede e viu uma

estante carregada de livros; andou até ali e

ficou olhando os títulos. O anão reparou na

curiosidade e falou:

_É minha biblioteca de livros de crime, a

maior parte é em línguas estrangeiras, como

você está vendo. Nós bandidos também

escrevemos livros e teorias científicas,

falando dos melhores modos de enganar a

policia e fazer crimes perfeitos.

Devia ser porque a morte estava perto, a

verdade é que o gordo estava mais

comunicativo e falante. Ficou tirando livros,

sapeando, e deu até uma risadinha, pela

primeira vez nessa história, quando viu o

título de um: “O Genial Sistema Fritz.” O

anão terminou a escrivinhação[...] (p. 105)

[...]regulamento do concurso, dava o

endereço da fábrica e essas coisas. (P. 105)

[...] regulamento do concurso e dava o

endereço da fábrica. (P. 112)

Vai sumir, vocês vão ver. (P. 106) Vai sumir, vão ver. (P. 112)

_E trabalhem mais depressa[...] (p. 106) _E trabalhem depressa[...] (p. 113)

Bolachão encostou o cotovelo dele na porta e

ficou pensando. Tinha que achar uma ideia

para fugir, porque “a conjuntura era

problemática e as perspectivas sombrias”

como escreveu um comentarista de jornal

que eu li outro dia e que traduzido em

brasileiro, quer dizer: a coisa tá preta.

Deixou o pensamento solto, porque ideia boa

Bolachão encostou o cotovelo na porta e

deixou o pensamento solto porque ideia boa

não sai forçada; o primeiro pensamento que

saiu foi: (p. 114)

124

não sai forçada; o primeiro pensamento que

saiu foi: (p. 107)

[...] era divertimento bom saudável [...] (p.

108)

[...] era divertimento saudável [...] (p. 115)

[...] para ver esse tal de ácido dissolvente [...]

(p. 108)

[...] para ver esse ácido dissolvente [...]

(p. 115)

O gordo pensou três palavrões [...] deu uma

palmada na testa:

_Peguei-te! (p. 108)

O gordo cogitou três palavrões [...] deu uma

palmada na testa. (p. 115)

[...] e coisando coisando foi improvisando

[...] (p.110)

[...] e coisando foi improvisando [...] (p.117)

[...] limpou as manchas de sangue com um

pedaço de estopa e debruçou-se [...] (p.111)

[...] limpou as manchas de sangue e

debruçou-se [...] (p.119)

“Pombas, que quanto a.” (p.111) “Pombas, quanto a.” (p.119)

“Ô seu Bolacha, tu és uma besta! Nessas

letrinhas quem é que vai reparar se Campinas

tem s. Vai de Campina mesmo.” (P. 112)

“Ô seu Bolacha! Nessas letrinhas quem é que

vai reparar se Campinas tem s. Vai de

Campina mesmo.” (P. 119)

Deu umas parafusadas depressa - vai gordo

que nós tamos torcendo aqui! – e terminou.

Mas a afobação era muita e o bloco ficou

meio bambo [...] (p. 112)

Deu umas parafusadas depressa e terminou.

Mas a afobação era muita, o bloco ficou

meio bambo [...] (p. 119)

Lá na Fábrica de Figurinhas Escanteio [...]

(p. 113)

Na Fábrica de Figurinhas Escanteio [...]

(p. 120)

_Seu escrivão, urgente, mande uma patrulha

para a esquina da São João com a Duque de

Caxias, tá quebrando um pau firme! (p. 113)

_Seu escrivão, urgente, mande uma patrulha

para a esquina da São João com a Duque de

Caxias (p. 120)

O anão estava lá, dando ordens [...] (p. 115) O anão estava dando ordens [...] (p. 122)

O que é para ajudar os outros eu sempre faço,

sou diretor de uma associação de caridade. Já

ouviu falar da campanha “A Sobremesa do

Pobre”?

_Eu já – disse Pituca. _ Vi na televisão.

_Então fui eu que inventei, sou de opinião

O que é para ajudar os outros eu sempre faço,

temos que cooperar ativamente uns com os

outros para a edificação de um mundo

melhor, o senhor não acha? (p.125)

125

que nós industriais devemos usar uma parte

do nosso ganho ajudando os menos

favorecidos pela sorte. O senhor não acha? –

perguntou olhando para o Mister. (p. 117)

[...] cara de anão que não tem. Vocês não

percebem mas eu percebo, é a intuição

feminina, a gente vê a entre-coisa das coisas.

O Mister respeitava, muito, a intuição

feminina e porisso voltou patrás e entrou de

novo no escritório do anão. (p. 117)

[...] cara de anão que não tem.

O Mister respeitava a percepção de Berenice

e por isso voltou atrás e entrou de novo no

escritório do anão. (p. 124)

O helicóptero pulou e foi.

As seis da tarde, na Fábrica de Figurinhas

Escanteio, um empregado veio chamar seu

Tomé.

_ Seu Tomé, telefone da agência de Santos

para o senhor.

_Agência de Santos? Manda que liguem

amanhã, só recebo chamados que falem da

procura do gordinho.

_Está bem.

Dali a pouco o empregado voltava.

_Insiste em falar com o senhor. Diz que é

coisa de máxima urgência.

Seu Tomé atendeu e o empregado ficou de

lado.

_Alô, aqui é Tomé. Que você quer, Asdrúbal?

Hum, hum, sei, sei. Não me diga? Minha

Santíssima Trindade! Coitadinho do bom

menino, está lá embaixo, heim? Vou

providenciar já já.

Seu Tomé desligou e o empregado

perguntou:

_Que foi seu Tomé? Coisa grave?

O helicóptero pulou e foi. (p.125)

126

_Foi bom eu ter atendido, imagine que

quebrou um encanamento na agência e a

água está pingando bem em cima da cama do

filho do Asdrúbal, que está sem dinheiro para

consertar. Mande nosso encanador para

Santos. (p.119)

[...] lesse o seu recado [...] (p.120) [...] lesse o recado [...] (p. 126)

[...] era uma fotografia que o pai tinha tirado

[...] (p.120)

[...] era uma fotografia, tirada pelo pai [...]

(p.126)

E o chefe? Não ficou parado não, vinha mas

é do escritório trazendo um revorvão e, como

era calmo, descansou o braço na beira da

máquina para fazer a pontaria certinha na

cabeça do Mister. O gordo viu e veio

puxando o fio até ali e encostou a pontinha

descascada no cano do revólver: ixi, eta

faísca! e o chefe ficou bem torrado, porque

as lentes dos óculos dele ficaram preto-

carvão. Míope de óculos preto e que levou

choque é parada fácil e o gordo descontou o

completo troco todo da raiva engasgada [...]

(p.124)

E o chefe? Não ficou parado, vinha do

escritório com um revorvão e, como era

calmo, descansou o braço na beira da

máquina para fazer a pontaria certinha na

cabeça do Mister. O gordo viu e veio

puxando o fio até ali e encostou a pontinha

descascada no cano do revólver: ixi faísca!

As lentes dos óculos ficaram preto-carvão e a

pele do chefe assumiu um colorido de frango

assado. O gordo descontou o completo troco

todo da raiva engasgada [...] (p.133)

O Mister já estava um pouco cansado e o

peludão agarrou um golpe no pescoço dele

[...] (p. 124)

O Mister estava cansado e o peludão

agarrou-lhe um golpe no pescoço dele [...]

(p. 133)

[...] todo espichado _ que mergulho, seu! _ e

quando [...] (p.125)

[...] todo espichado e quando [...] (p.133)

_Olha Pituca, vai ter milagre mesmo, o gordo

está afetivo! Tá virando gente, seu. (p.126)

_Olha Pituca, vai ter milagre mesmo, o gordo

está afetivo! (p.136)

A ponta dum galhinho fino da jabuticabeira

enfiou no cabelo amarelo dele [...] (p. 129)

A ponta dum galhinho fino da jabuticabeira

enfiou no cabelo dele [...] (p. 139)

_Até logo Mister, o senhor é homem

garantido, e mostrou pra nós como homem

_Até logo Mister.

O Mister pôs a cabeça fora do helicóptero,

127

deve ser; a gente só tem uma vida e não pode

espediçar ela pra arquibancada, a gente tem

que ir direto, como sente no fundo de nós.

O Mister olhou uma última vez nos meninos

e disse, no seu português desengonçado, que

o Edmundo estava com a razão certa, eles

que crescessem e vivessem direto e sincero,

sem imitar os adultos que gastam a vida deles

na embromação e na badalação, repetindo

frases batidas feito macaco de repetição, e

por ricos que fiquem e por medalhas que

ganhem, esses adultos, na hora que a morte

chega perto, olham para dentro de si e

sentem o amargo de quem viu o fundo e o

fim dum saco vazio.

Apesar do barulho do motor do helicóptero,

os meninos ouviram e guardaram bem aquilo

que o Mister falou e então o Mister se

despediu e rematou: (p. 130)

olhou uma última vez os meninos, e falou

articuladamente para que o barulho do motor

não impedisse que fosse ouvido: (p.139)

128

O CANECO DE PRATA

Capítulos que constam apenas na primeira edição

O pai do gordo instalou na mansão um circuito fechado de TV.

A cozinheira parava um pouco de trabalhar e conversava com a copeira mas o pai do

gordo acendia uma luz vermelha na cozinha.

O gordo deu um cascudo na cabeça do irmãozinho e levou um pito pelo alto-falante.

O gordo reclamou que o pito era injusto mas o pai do gordo deu uma risada e passou o

VIDEO-TAPE do cascudo. (Capítulo 11)

FICHA TÉCNICA DO DODGE DART DO VIZINHO DO PAI DO GORDO

Oito cilindros V

198 HP

Suspensão independente com barras de torsão longitudinais – Feixe de molas semi-

elíptico

EQUIPAMENTO OPCIONAL: ar condicionado, luzes de emergência, espelho

retrovisor de controle remoto, direção hidráulica, barra estabilizadora, bancos

individuais (SEPARTED SEATS), conta-giros, vizinho do pai do gordo.

Desempenho: 0 a 100 Km em 12 segundo.

Toque máximo: 41, 5 mkg a 2.400 rpm (SAE)

Carburador duplo descendente

Consumo: 1 litro por 5 km (tanque de 62 litros) (Capítulo 13)

A festa do gordo estava uma festa genial.

Berenice morenava milagres e o movimento que o corpo fazia ela ser música.

O cabelo dela no ombro dela o cabelo dela o cabelo dela ah o cabelo dela no ombro dela

muito rapidamente.

A Berenice estava número um. (Capítulo 15)

Capítulos que constam apenas na primeira edição

O pai do gordo tomou doze litros de uísque, uivou grunhou relinchou e começou a fazer

papelão na festa.

Cuspiu numa tigela e gritou gol.

Fechou uma cigarra na geladeira e disse:

_AGORA DANCE!

Invadiu a cozinha e comeu um pastel.

Saiu correndo e deu um beijo na cozinheira.

A cozinheira dizia:

_Mas seu doutor que que é isso! Que que é iiisso seu doutor. A mãe do gordo assistia o

papelão do marido pelo circuito interno de TV.

Apertou um botão abriu um alçapão e o pai do gordo caiu no porão. (Capítulo 20)

o biquinha engraxou o sapato

e saiu em são paulo para ver

a berenice

129

nas frestas de asfalto ele subia

em cimento seu cheiro recente

de sabonete no peito dele pisando sapato camisa colorida

a menina linda cruzou a rua

e muitas meninas

lindas depressa de saia

são paulo era um sol prazeiroso

de sangue alegre (Capítulo 28)

Houve o dia das mães nas vitrines comerciais.

O marciano andava peripatético pelas ruas ouvindo musiquinha de mãe e entrou numa

saudade dinosaura da mãe dele azulzinha lá longe em Marte.

Na esquina da rua São Bento com a Praça Patriarca o marciano chorou uma lágrima azul

clara e gritou:

_MAMÃE! (Capítulo 33)

Capítulos que constam apenas na primeira edição

DIÁLOGO QUE NÃO HOUVE ENTRE A INGLESINHA HIPPIE E A BERENICE

(Não houve porque a Jane estava no sul e a Berenice em São Paulo mas se estivesse aqui

poderia ter havido)

JANE: Que que você faz no mar?

BERENICE: Eu nado e acho bom?

JANE: E que que você faz com o sol?

BERENICE: Eu recebo na pele e acho bom.

JANE: E que que você faz com a paisagem?

BERENICE: Eu vejo e acho bom.

JANE: Pois eu sou hippie e meu corpo tem uma intimidade maior com a matéria e as

coisas inanimadas. (Capítulo 36)

Das gentes populares, uns aprovam

A guerra com que a pátria se sustinha;

Uns as armas alimpam e renovam,

Que a ferrugem da paz gastadas tinha;

Capacetes estofam, peitos provam,

Arma-se cada um como convinha;

Outros fazem vestidos de mil cores,

Com letras e tenções de seus amores. (Capítulo 49)

130

(Capítulo 59)

a) Se você cuspiu você está recalcado demais. Sua agressividade é tão grande que

não consegue mais estravar-se através das vias normais de escape. Você está

prestes a explodir.

b) Pode ser também que você não tenha cuspido porque é bem educado demais.

Nesse caso meus parabéns.

c) Mas é possível que não tenha cuspido porque você é um QUADRADO.

d) Mais provavelmente você não cuspiu por inibição. Então, seu tímido, volte a

página e cuspa. Ainda é tempo de entrar para o time dos DISINIBIDÕES.

e) Se você cuspiu pode ser prova de uma espontaneidade feliz, mas também pode

ser prova de péssimo caráter.

f) Se o livro não é seu, mas do seu amigo, pode cuspir, mas limpe depois, se é que

tem a intenção de devolvê-lo. (Capítulo 60)

O pai do gordo mandou noventa mil secretárias botar endereços em oitocentos milhões

de votos de boas festas.

O PAI DO GORDO

DESEJA

A VOCÊ E SUA DISTINTA FAMÍLIA

OS

MELHORES VOTOS DE FELIZ NATAL

E FELIZ FELICIDADE

COMPLETA (Capítulo 61)

O pai do gordo mandou um cartão de votos de boas festas para a Jane nos pampas.

A Jane recusou-se a receber os votos de boas festas.

131

O carteiro insistiu e ela disse que não assinava o canhoto.

O pai do gordo falou:

_É absolutamente necessário que os votos de boas festas cheguem ao destinatário.

(Capítulo 62)

Então o pai do gordo contratou uma esquadrilha de doze helicópteros equipados com

fortíssimos amplificadores de som.

Os helicópteros pararam no ar pertinho do chão e transmitiram:

O PAI DO GORDO DESEJA A VOCÊ E SUA DISTINTA FAMÍLIA OS MELHORES

VOTOS DE FELIZ NATAL E FELIZ FELICIDADE COMPLETA.

Os hippies correram para suas guitarras elétricas e tentaram abafar a mensagem com a

música.

Mas não foi possível porque a mensagem já tinha sido repetida duas vezes antes deles

começarem a tocar e havia penetrado no cérebro deles. (Capítulo 63)

O dono dos helicópteros voltou a São Paulo e mostrou ao pai do gordo a radiografia do

cérebro dos hippies.

Acendeu a luz por trás da chapa e mostrou:

_A mensagem de BOAS FESTAS está aqui. Queiram ou não queiram ela está aqui.

O pai do gordo deu uma gorjeta grande. (Capítulo 64)

Edmundo está copiando uma colaboração na matriz, muito cuidadosamente, Cecília vai

tirando as folhas brancas dos pacotes e fazendo três maços de cem (o jornal terá cem

exemplares de três páginas) Valtinho coloca álcool – 96 graus –no orifício do

mimeógrafo em cima da mesa estão as colaborações – colaborações demais – a maioria

vai sobrar, Mariazinha lê uma colaboração sobre a bomba atômica e a angústia da

juventude, que que você acha Edmundo, porcaria, poesias, piadas, críticas de livros, vai

amassando, as colaborações são bolinhas que correm no chão entre os pés dos redatores

Edmundo xinga porque errou, estava na metade, tenho que começar outra matriz tudo de

novo tem aqui um artigo bom da Berenice sobre moda de verão, mas está um pouco

longo, ela pega o lápis e vai riscando, pronto, está razoável, toque toque, a máquina bate,

Valtinho começa a rodar a manivela do mimeógrafo e Cecília vai pegando e pondo numa

pilha, os quatro vão olhar o efeito da primeira página ainda úmida de álcool, Mariazinha

volta para o maço de colaborações, uma análise do Pequeno Príncipe, mas essa turma

não desconfia, meu Deus, craque craque, a análise do Pequeno Príncipe vira outra

bolinha, Edmundo está esperando na máquina para bater a segunda matriz, Mariazinha,

você é muito exigente, anda logo, tem ainda duas matrizes para fazer, então vá batendo

esse artigo de moda da Berenice enquanto eu procuro outro, chega o Ademar com o

gravador portátil, fiz uma entrevista com o coveiro do cemitério da Consolação, enterro

de crianças, sabe, poxa mas que idéia cavernosa. Ademar, liga esse troço aí, os cinco

sentam em volta do gravador, o Valtinho vai escrevendo, o Ademar vai voltando a fita

para ele escrever, as perguntas do Ademar, as respostas do coveiro, têm morrido muitas

crianças por causa de acidentes de trânsito, a voz do Ademar, o senhor acredita que o

uso obrigatório dos cintos de segurança vai melhorar a situação? Os quatro riem, mas

Ademar, essa não, que pergunta imbecil, nunca vi, como é que você me sai com uma

132

burrice dessas? (Capítulo 66)

Domingo no hospício é dia de visita. Então o filho do MM João Lambão foi visitá-lo e

levou uma caixa de bombom e o jornal do dia. Na sala de visita do hospício havia

rodinhas, em cada rodinha um louco estava conversando com a família ou com amigos.

O MM João Lambão comeu avidamente a caixa de bombom e leu as notícias

internacionais com um sorriso irônico. De vez em quando um enfermeiro forte passeava

de avental pela sala e dava umas paradas numas rodinhas para ouvir se tinha algum

louco (ou alguma visita) falando mal do hospício. O MM João Lambão ficou

observando o filho e disse:

_Meu filho, estou reparando que você está muito calmo e muito equilibrado.

_Sim – disse o filho – no meu boletim está escrito que eu estou muito calmo e muito

equilibrado.

O MM João Lambão deu uma gargalhada e falou:]

_Não se preocupe meu filho, isso é uma fase, eu também já tive isso uma vez. (Capítulo

68)

HISTORINHA DE SCIENCE FICTION QUE O ROBÔ CONTOU PARA O PAI DO

GORDO

Mister X inventou a máquina de viajar no tempo.

Mister X foi numa Faculdade de Direito e fez sua inscrição.

Mister X apertou um botão e chegou na festa de formatura. (Capítulo 69)

O marciano continuava na casa da Berê pensando coisas bonitas com bichos e com

flores.

Mas de repente pensou uma coisa feia.

O pai da Berenice gravou o pensamento feio do marciano no vídeo-tape.

Chamou o marciano no escritório, fechou a porta e disse:

_VEJA O QUE O SENHOR PENSOU!

O marciano foi expulso o da casa da Berê. (Capítulo 76)

A mãe do gordo ficou apaixonada por um MUSTANG SUPER ESPORTE que estava na

vitrine.

A mãe do gordo fugiu para o Uruguai com o MUSTANG SUPER ESPORTE.

Casaram-se em Montevidéu. (Capítulo 80)

O padre fez uma preleção antes de por as alianças:

_Que a senhora continue apaixonada por seu carro até o fim da vida.

Depois enfiou uma aliança no dedo da mãe do gordo e pendurou outra na antena do

MUSTANG.

O tocador cassete do MUSTANG SUPER ESPORTE tocava a marcha nupcial mas o

padre achou quadrado e trocou a fita.

O padre subiu na tampa do motor do MUSTANG e dançou um iêiêiê com a mãe do

gordo. (Capítulo 81)

A Berenice pegou de novo no telefone e ligou para a casa do leopardo.

Triiiiiim.

_Alô, aqui fala o...

_Leopardiiinhooo chaaatooo (Capítulo 84)

133

Depois de ter expulso o marciano da casa dele, o pai da Berenice chamou a filha no

escritório e falou:

_É proibido pensar coisa feia nesta casa, entendeu?

A Berenice deu um beijo no pai e falou:

_Graças a Deus, já imaginou se fosse obrigatório? (Capítulo 86)

O pai do gordo ficou na varanda da mansão ouvindo colibri.

Depois mandou o mordomo encher a piscina de gasolina.

Vestiu uma bermuda cor de cenoura e botou boiando na piscina um quadrado grande de

isopor.

Sentou-se no quadrado e ficou boiando.

Quando o quadrado de isopor chegou bem no centro da piscina o pai do gordo começou

a recitar poesia concretista em voz alta. (Capítulo 87)

O vizinho do pai do gordo assistia da janela os movimentos interessantes do pai do

gordo delirando no isopor concretista da piscina de gasolina.

Então pegou no gravador e ficou gravando barulho do motor do DODGE DART até

fazer uma fita estereofônica de duas horas.

Não deixava ninguém entrar no quarto de modo que a mulher ficou passando comidinha

por baixo da porta.

A mulher durante uma semana ouvia lá de fora o barulho RRRRRRRR dia e noite sem

parar. (Capítulo 88)

_Queridinho por favor desliga esse gravador.

_Não é o gravador, sou eu, faz dois dias que o gravador enguiçou.

_Mas queridinho, está um dia bonito, vamos levar nossos filhos n clube de campo.

O vizinho do pai do gordo deu uma buzinada. (Capítulo 89)

A

CASA CLARK

FOI NO

MAPPIN

E COMPROU UM

TUBO DE

TRIM (Capítulo 95)

PENSAMENTO RAPIDÍSSIMO DO PSICANALISTA QUANDO SEU CORPO ESTAVA A

DOIS METROS DA CALÇADA DA RUA SÃO LUÍS

Morrer é uma experiência que sempre serve para amadurecer a gente um pouquinho

mais. (Capítulo 103)

O filho do psicanalista ficou inconsolável com a morte do pai e chorava chorava

chorava.

A mãe estava com raiva do Jorginho ter sido tão safado e mandou o filho parar de

chorar.

_Meu filho, os imorais e os mulherengos não merecem ser pranteados!

O filho levantou a cara do braço e falou:

_Mãe, vá, deixa eu chorar, afinal de contas PAI SÓ MORRE UMA VEZ. (Capítulo 104)

Poeminha da pílula

Antigamente

134

a turma dizia: farei tudo

para ser

muito muito muito

feliz

Hoje

a gente se contenta

em dizer:

Graças a Deus que eu nasci! (Capítulo 105)

Capítulos que constam apenas na 2ª edição

O professor Giovanni fez voltar atrás o vídeo-tape, botou na câmera lenta, perscrutou,

analisou, procurando encontrar um defeito no Biquinha, que permitisse à defesa de evitar

seus dribles inimagináveis.

Depois de oito horas de estudo o professor Giovanni, despenteado e pálido, jogou o sapato

na televisão.

_Se o Biquinha jogasse no meu time eu seria o ítalo-brasileiro mais feliz do mundo,

porém, como ele não joga, eu sou o ítalo-brasileiro MAIS DESGRAÇADO!

Levantou da poltrona, foi na cozinha, abriu a geladeira, tomou um copo dágua com açúcar,

e pensou:

_Que que é isso Giovanni, afinal eu venci na vida, sou diretor de colégio, tenho bens

imóveis, um terreno na Praia Grande, sou respeitado, ganhei sete Canecos. Caneco! Que

que adianta os outros sete? EU QUERO ESSE DESSE ANO! (Capítulo 54)

Domingo no hospício é dia de visita. Então o filho do MM João Lambão foi visitá-lo e

levou uma caixa de bombom e o jornal do dia. Na sala de visita doo hospício havia várias

rodinhas, em cada rodinha um louco estava conversando com a família ou com os amigos.

O MM João Lambão comeu avidamente a caixa de bombom e leu as notícias

internacionais com um sorriso irônico. De vez em quando um enfermeiro forte passeava de

avental pela sala e dava umas paradas em umas rodinhas para ver se tinha algum louco (ou

alguma vista) falando mal do hospício. (Capítulo 56)

O REPORTER JOVEM penetrou no recipiente do Hospício, com a finalidade de

entrevistar o MM João Lambão, munido de seu inestimável gravador portátil, eis que a

sentença do MM João Lambão havia feito enorme sucesso na redação, parecendo o

advento de outro ídolo da juventude.

REPORTER JOVEM: Oi, bicho! Tua sentença, joia, entendes, tua jóia-sentença foi uma

tranza, curtimos ela paca, poxa, que tu pensas, né? O maior BARATO encucado

bacaninha que eu desbaratinei. Jóia!

MM JOÃO LAMBÃO: Si vous voulez parler français, quand même, allez y, mon pot,

mais l‟africain je ne le comprends pas, je suis pas Scipion moi. Pétard!

REPORTER JOVEM: Corta essa bixo, que grilo que tu botou na sociedade e consumo,

que que tu pensa, essa tranza toda, o conflito de gerações, esses desbunde, esse

transbunde, vidramos na ligação, que que tu pensa? Entendeste?, Né? Eu, né, prá fala a

verdade, tô noutra, não tenho diálogo com meus pais. Cê entendeu?

MM JOÃO LAMBÃO: Eu, da minha parte, tenho que, em primeiro lugar, criança que

não respeita o pai deve levar uma cacetada deeeeeste tamanho. (E, dizendo isto, o MM

João Lambão pegou no ancinho do jardineiro do hospício e rachou a cabeça do

REPÓRTER JOVEM, da qual saiu um disco de música pop, um slide de azeite de dendê,

135

e mais nada.) (Capítulo 71)

Conforme constava do programa, o professor Giovanni iria ler, para o time, durante o

almoço, trecho de grande vulto da literatura nacional, para arejar o espírito. Naquele dia,

porém, optou por fazer um resumo de importante obra de autor italiano, melhor dizendo,

Os Noivos de Alessandro Manzoni.

_Meus alunos e caros atletas, Renzo Tramaglini queria casar-se com Lúcia Mondella,

moravam à beira do lago de Como, no Piemonte, sendo que, naquele tempo, por não ser

ainda o macarrão conhecido no norte da Itália, comiam polenta. As magníficas paisagens

manzonianas, os pequenos caminhos costeando as montanhas, o reflexo do crepúsculo

sobre o lago. É o Manzoni, meninos. Don Abbondio, o padre do lugar, iria esposá-los,

mas Don Abbondio, um ricão que morava em um palácio, cismou de gostar da Lucia,

pobre camponesa, embora bela, apostou com um primo que a conquistaria, mandou dois

capangas ameaçarem Don Abbondio, assim diz Manzoni, não era tão valente quanto o

Princípe de Condé, o qual dormira profundamente na véspera da batalha de Rocroi, e,

sendo covarde, contou o caso para a perpétua , sua empregada, que, atilada, aconselhou-o

a fingir-se de doente, com o que teria uma desculpa para dilatar o casamento; mas Renzo

acaba por descobrir a razão, parlamenta com Agnese, mãe de Lucia Mondella, procura

um advogado, o Doutor Azzeca-garbugli, buscando proteção legal, inutilmente, pois o

tratante do Azzeca-gabugli era amigo cortesão de Don Rodrigo. Que fazer? Eis que surge

Frei Cristoforo, que os protege, prepara-lhes a fuga, Renzo para o Bergamasco, Lucia

para Milão, sob a custódia de Gertrude, a Abadessa de Monza, e Don Rodrigo pede a

ajuda ao Inominado, um bandoleiro, mais poderoso do que ele, e o Inominado rapta

Lucia da Abadia, leva-a trêmula e chorosa para o seu castelo, com o fito de, na manhã

seguinte, entregar a presa a Don Rodrigo. Aí acontece o milagre, aquele homem rude, o

Inominado, que cometera centenas de crimes, sem pestanejar, à vista daquela frágil

donzela, passa noite a remoer-se por dentro e, na manhã seguinte, acorrendo ap Cardeal

Frederico Borromeo, homem ilustre (e a conversão do Inominado pelo Cardeal Frederico

Borromeo é um fato histórico), confessa seus pecados, muda de vida, liberta Lucia, a

qual havia feito um voto, e vem a peste, que peste!, meus meninos e atletas, jamais autor

nenhum descreveu uma peste com a beleza e realismo do Manzoni, a peste cujo contágio

fora talvez facilitado pela guerra e pelos soldados vindos da Germânia, aquelas guerras

que se faziam, vocês sabem, naquele tempo, por caprichos e coisas de família,

infelizmente não tínhamos na Itália ainda um Cavour para pensar e um Garibaldi para

lutar, pois se a nossa escola primária leva o nome de Garibaldi do Cambuci, é justamente

para que, no campo de futebol, na grande final, vocês lutem com o sentido de honrar a

combatividade do guerreiro da unidade itálica, com técnica sim, mas com aguerrimento,

nada de delicadezas, DURO NAS DIVIDIDAS! Bom apetite. (Capítulo 75)

Capítulos que constam apenas na última edição

O professor Giovanni fez um curso de intensivo de LEITURA RÁPIDA.

Pegou o exemplar de Os Miseráveis de Vitor Hugo e leu as 1.200 páginas em dois minutos.

No jantar, Filomena demorou uma hora e meia para contar uma briguinha que houve na

feira.

O professor Giovanni foi roendo as unhas, roeu todas as unhas, roeu a mesa, roeu a cadeira e,

quando a Filomena colocou ponto final, o professor Giovanni falou:

_Esse negócio de leitura rápida torna o casamento uma coisa INSUPORTÁVEL. (Capítulo

21)

136

O Biquinha, o Edmundo e o Pituca passeavam na Chácara de Guaratinguetá comendo uns

doces que a Mariazinha, a Sílvia e a Berenice tinham mandado pelo correio.

Chegaram perto de um canteiro de rosas e o Biquinha falou:

_Na final vamos dirigir o jogo todo pela direita porque o lateral esquerdo deles é uma sopa.

Acontece que dentro de uma rosa havia um microfone colocado pelo professor Giovanni.

O professor Giovanni ouviu aquilo e matriculou na escola dele um menino uruguaio que era

melhor lateral esquerdo infantil do mundo.

Mandou o uruguaio quebrar a perna do Biquinha, assim que começasse o jogo, na primeira

bola dividida.

O professor Giovanni, usando um boneco como cobaia, mostrou ao menino uruguaio como

se quebra a perna do adversário numa dividida, de modo que o juiz ache que foi um lance

natural. (Capítulo 53)

O representante do Brasil na ONU convocou uma ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES

UNIDAS e falou: _Vocês dos Estados Unidos e da Europa sempre nos trataram como

CRETINOS. Não há nenhum fundamento cientifico para os Estados Unidos e a Europa

estarem lá em cima do mapa do mundo e a América do Sul aqui em baixo.

O marciano foi ouvido como testemunha e falou:

_Eu sei bem porque vejo lá de Marte. A Terra é uma bola. Não tem lugar de cima nem de

baixo. A Europa está lá em cima porque desenhou o mapa primeiro que os outros.

O representante do Brasil pegou o mapa do mundo pregado na parede, virou de cabeça par

baixo e falou:

_AGORA É ASSIM!

O gordo estava numa excursão indo para a Disneylândia.

O avião dele teve que fazer meia-volta. (Capítulo 55)

As meninas da escola Três Bandeiras foram passar uma tarde em Guaratinguetá para dar uma

força ao time.

Chegaram a Berenice, a Mariazinha, a Sílvia, a Flávia, a Adriana, a Gisele e a Naja.

Puseram a fita no toca-fitas, em volume bem alto, e, no meio das árvores, dançaram o Balé

Quebra-Nozes.

Os meninos aplaudiram e atiravam flores sobre as dançarinas.

Quando terminou, o Griegori se animou e dançou dança russa.

O Anderson fez sapateado.

O Biquinha dançou um tango com a Berenice.

O professor Giovanni, através dos microfones instalados, ouviu aquilo muito interessado e

falou:

_Não tinha pensado nisso. Mulherada pra divertir o time na concentração. Fui muito burro,

achei que tinha pensado em tudo.

Telefonou para a Itália e mandou trazer um caminhão carregado de meninas. (Capítulo 61)

O aquário do gordo

Tinha três peixões

Então a Berenice comprou

Vinte peixinhos

Pequenininhos

137

Que só andam

Juntinhos

Pra baixo

Pra cima

Parado

Pra frente

Pra trás

Em diagonal

De cabeça pra baixo

De marcha a ré

O gordo riu

Desmaiou de alegria! (Capítulo 68)

Como a TELEVISÃO continuava ignorando o psicanalista ele mandou publicar uma matéria

paga em todos os jornais dizendo que ia se suicidar às 17 horas se jogando do alto do

EDIFÍCIO ITÁLIA.

O psicanalista compareceu pontualmente ao compromisso.

Mas nenhum canal de televisão foi, com que o doutor Jorginho achou que estava provado

que sua vida não tinha mais sentido.

Ele não tinha nascido para ser anônimo.

Então se jogou lá de cima. (Capítulo 76)

O gordo ligou para a polícia do Paraguai. O delegado de lá falou que o disco voador tinha

sido roubado pelo Esquadrão da Morte e levado para Assunção contendo 40 quilos de

cocaína e 2 presuntos.

Em um segundo o disco voador estava no jardim do gordo. O marciano despediu-se e como

lembrança da Terra (este curioso planeta) levou 1 quilo de paçoca feita em casa e uma

goiabada cascão.

O disco subiu e deu uma raspada no para-choque dum satélite americano novinho. Os

Estados Unidos multaram o marciano.

O embaixador de Bruzunganga acusou os Estados Unidos de ganância, incivilidade e

prepotência espacial. (Capítulo 84)

O gordo telefonou para o CABO KENNEDY, via Embratel.

Mandou chamar o Warner Fon Bron.

_Alô, Warner, você tem alguma maquininha aí que faz um time grosso ganhar de um time

bão? (Capítulo 85)

Capítulos presentes apenas nas duas primeiras edições

Mas o vizinho da mansão do gordo tinha um fusca e o pai do gordo esnobava a

grandiosidade do LTD branco hidramático dele.

O fusca do vizinho entrava rápido e nervoso na garagem e o LTDezão entrava suave como

um transatlântico.

O pai do gordo descia devagar do LTD e o vizinho descia depressinha do fusca.

O vizinho ficou com ódio.

138

Então comprou um DOGDE DART e o pai do gordo ficou espiando escondido atrás da

cortina o DODGE DART entrar na garagem. (Capítulo 6/6)

Ia acontecer o ANO NOVO.

_Filomena, me avisa quando for meia-noite.

_Meia-noite, Giovanni.

O professor Giovanni acendeu o rojão e ficou olhando da janela o foguete explodir.

_Me desculpa Giovanni, eu errei, ainda falta cinco minutos. mas não faz mal Giovanni,

toma esse outro rojão que você solta na hora do ano novo.

O professor Giovanni deu um pontapé na cadeira e gritou:

_Agora num adianta mais Filomena! Já perdeu a graça Filomena. Tem umas coisinhas

que se a gente não faz na hora certa ESTRAGA A FESTA DA GENTE (Capítulo 26/ 22)

A mulher do psicanalista ficou desesperada porque o marido a tinha largado pela sueca.

Foi visitar o pai e falava:

_Papai papai o Jorginho quem diria, quem diria papai, o Jorginho era um marido tão bom.

O pai estava sentado na poltrona com os pés em cima de um banquinho. Acendeu o

cachimbo, deu duas bufadas e falou:

_Esse Jorginho nunca me enganou. Pra mim sempre foi um chato. (Capítulo 75/ 62)

O enfermeiro passava de novo entre as rodinhas e um louco meio badalão ofereceu ao

enfermeiro uma laranja que a mulher tinha trazido na visita. O enfermeiro tirou do bolso

um canivete dourado e muito pequeno e ficou descascando e calmamente a laranja e

depois chupou, tirou o lenço do bolso, limpou as mãos, agradeceu, e nesse momento

ouviu a gargalhada do MM João Lambão.

O enfermeiro andou até a poltrona onde estava sentado o MM João Lambão (o filho

estava sentado no braço da poltrona) e ficou ali parado algum tempo para ver se o MM

João Lambão estava falando mal do hospício.

O MM João Lambão fingiu que estava assobiando e, embora fosse um homem acostumado

às grandes situações, naquele momento sentiu um pouco de aflição. Depois o enfermeiro

afastou-se e sumiu suas costas numa porta.

O MM Lambão colocou a mão no ombro do filho e disse:

_EU DETESTO O OLHARZINHO BOVINO DOS EQUILIBRADÕES! (Capítulo 90/69)

A sueca foi fazer compras e o psicanalista descobriu na gaveta dela um mosquito e um

código cifrado.

Decifrou o código cifrado e descobriu que sueca era espiã russa.

Mas a sueca pegou no disco voador e fugiu para Moscou. O psicanalista subiu no último

andar do EDÍFICIO ITÁLIA para se suicidar.

Antes, porém, tomou um CINZANO na TERRAZZA MARTINI. (Capítulo 99/ 79)

O psicanalista continuava tomando um CINZANO na TERRAZA MARTINI que fica no

último andar do EDIFÍCIO ITÁLIA.

Balançou o gelinho no copo e pensou:

_Eu gostaria de tomar MARTINI na TERRAZA CINZANO, ou, melhor ainda, um

NEGRONE na TERRAZZA CAMPARI.

O psicanalista saiu correndo da mesa deu um salto espetacular e quebrou-se em mil

pedacinhos na calçada da rua São Luís. (Capítulo 100/80)

O gordo ouviu o relatório dos clientes e recostou na poltrona girante de plástico musgo.

Tomou um ar penseroso e tocou a campainha para o mordomo trazer uma laranjada.

Depois mandou encher a piscina de Crush e continuou pensando.

O gordo estava muito executivo.

Berenice achou admirável o jeito do gordo tomar laranjada pensando. (Capítulo 111/88)

139

O gordo falou que primeiro ia resolver a queixa do marciano.

Não tomou Phantom.

Preferiu Mirage e numa noite escura derrubou cinco Migs e aterrissou numa plantação de

batata perto de Moscou.

Rastejou rastejou e chegando em Moscou pegou o disco voador e trouxe de volta para o

Brasil. (Capítulo 112/89)

Consta na segunda e última edição

Na Chácara de Guaratinguetá havia mangueiras, abios, cambucás, banana ouro, cabeludinha,

zebu, guzerá, capim gordura, pássaro preto, azulão, canário da terra, martim pescador, e, pela

manhã, quando cada jogador abria sua janela, avistava a serra da Mantiqueira, tudo

esplêndido e agradável.

Depois de alguns exercícios, iam em alegre companhia tomar leite no curral trado na hora, o

qual bebiam com grande prazer. (Capítulo 50/49)

Alterações no conteúdo do texto

1ª edição (1971) pela Obelisco 2ª edição (1973) pela

Obelisco

17ª edição (2008) pela

Global Editora

CARTA DA INGLESINHA

Nossa querida amiga

Estou atravessando o mapa do

Brasil na direção do sul mas os

índios vendo que eu sou loira

não desconfiam que sou

inglesa e acham que sou

brasileira. O leopardo verde vai

bem, coitado, outro dia estava

com fome e comeu um

prefeito, embora a imprensa

local tenha visto nisso um ato

de protesto. Eu por mim vou

indo andando e respirando

porque bom é ter pé ter braço

ter perna e a felicidade é uma

fajutice.

Beijos da

Jane

CARTA DA INGLESINHA

Nossa querida amiga

Estou atravessando o mapa

do Brasil na direção do sul

mas os índios vendo que eu

sou loira não desconfiam

que sou inglesa e acham que

sou brasileira. O leopardo

verde vai bem, coitado,

outro dia estava com fome e

comeu um prefeito, embora

a imprensa local tenha visto

nisso um ato de protesto.

Beijos da

Jane.

CARTA DA INGLESINHA

Querida Berê

Estou atravessando o mapa

do Brasil na direção do sul

mas os índios vendo que eu

sou loira não desconfiam que

sou inglesa e acham que sou

brasileira. O leopardo verde

vai bem, coitado, outro dia

estava com fome e comeu

um prefeito, embora a

imprensa local tenha visto

nisso um ato de protesto.

Beijos da

Jane.

Querida Jane

Agora estou namorando o

Biquinha aquele que te falei

que joga no time. Ele é capitão

do time e também bonito paca.

Eu morro de rir com as coisas

que ele fala. Está fazendo uns

dias bonitos aqui e ontem eu vi

o Opala do marciano na estrada

de Santos. Não se preocupe

Querida Jane

Agora estou namorando o

Biquinha aquele que te falei

que joga no time. Ele é

capitão do time e também

muito bonito. Eu morro de

rir com as coisas que ele

fala. Está fazendo uns dias

bonitos aqui e ontem eu vi o

Opala do marciano na

Querida Jane

Agora estou namorando o

Biquinha aquele que te falei

que joga no time. Ele é

capitão do time e também

muito bonito. Eu morro de

rir com as coisas que ele

fala. Está fazendo uns dias

bonitos e ontem eu vi o

Opala do marciano na

140

que eu nunca ficarei folclórica.

Deus me livre. O Godofredo,

lembra daquele altão que joga

no gol? Pois ele me deu três

discos do JIMI HENDRIX.

Com as caixas acústicas novas

que eu comprei fica uma coisa.

Beijão da

Berê

estrada de Santos. O

Godofredo, lembra daquele

altão que joga no gol? Pois

ele me deu quatro Sinfonias

de Brahms. Prefiro a

segunda. E você? Hoje vou

sair com o Biquinha em São

Paulo, é o nosso primeiro

encontro, marcamos às três

horas em frente da Igreja da

Consolação; estou contando

os minutos e os segundos.

Beijão da

Berê

estrada de Santos. O

Godofredo, lembra daquele

altão que joga no gol? Ele

está perdidamente

apaixonado pela professora.

Na Inglaterra tem disso?

Hoje vou sair com o

Biquinha em São Paulo, é

nosso primeiro encontro,

marcamos às três horas em

frente da Igreja da

Consolação; estou contando

os minutos e os segundos.

Beijão da

Berê

Em frente da Escola Primária

Três Bandeiras há uma

lanchonete acrílica com um

balcão vermelho, e um toldo

amarelo cobre as mesas em

cima da calçada. Ali, depois

das aulas, depositando os

cadernos no balcão ou nas

mesas nas, os alunos bebem

refrescos e comem hots.

_Operário não entra em

lanchonete – disse a Berenice.

– Por que será que operário

não gosta de lanchonete?

_Eu acho que operário não

operário não gosta de cachorro

quente com mostarda – disse o

Biquinha.

O garçom de uniforme amarelo

ia trazendo mais hots e mais

refrescos e o Biquinha estava

sentado para trás com os pés

em cima da mesa. Chegaram o

Edmundo, a Cecília, o gordo, o

Eduardo, o Godofredo e o

Ademar. Então reuniram duas

mesas vermelhas para caber

todo mundo. Em frente deles

estava parado o Corcel do

diretor da escola, muito bem

lavado, e no meio da rua o

guarda de trânsito ia parando o

trânsito para as crianças

atravessarem a rua e entrarem

Igual ao da primeira edição Em frente à escola Três

Bandeiras há uma

lanchonete com balcão

vermelho e um toldo

amarelo cobrindo as mesas

da calçada.

Ali, depois das aulas,

depositando os cadernos no

balcão ou sobre as mesas, os

meninos e as meninas

tomam refrigerantes, sucos e

sorvetes ou comem

hambúrgueres.

A turma foi chegando: o

gordo, a Berenice, o

Edmundo, o Pituca, o Zé

Tavares, a Sílvia, a

Mariazinha, a Adriana, a

Gisele, o Godofredo e os

outros.

O garçom ia e voltava

servindo os pedidos.

Reuniram três mesas para

caber todo mundo. Em frente

deles o Corcel da professora

Jandira, muito bem lavado e

lustrado, e, no meio da rua, o

guarda de trânsito ia parando

o trânsito para as crianças

atravessarem.

O gordo pôs uma meleca

embaixo da mesa e falou:

_O lado de baixo da mesa foi

inventado para colocar

141

na lanchonete. O gordo pôs

uma meleca no lado de baixo

na mesa e falou:

_O lado de baixo da mesa foi

inventado para colocar meleca.

_A professora de matemática

está namorando com o noivo

da professora de inglês – disse

a Cecília.

_Não _ disse o Biquinha. _ Eu

acho que é a professora de

inglês que está noivando com o

namorado da professora de

matemática.

A Berenice ria e todos riam

mas a Mariazinha disse:

_Gostei mais da graça do

gordo, muito mais fina.

_Claro – disse o Godofredo –

nós fazemos graças grossas e o

gordo faz magras graças.

O garçom deu uma gargalhada

e foi contar a graça para o dono

da lanchonete. O dono da

lanchonete deu uma

gargalhada. O diretor da escola

entrou no Corcel e abriu-se

uma brecha no meio-fio na

frente das mesas entre um

Galaxie e um caminhão. Por

entre a brecha, do outro lado da

calçada, a gente via as crianças

rirem. O gordo olhava

apaixonadamente para a

Berenice. Então arrancou uma

folha do caderno espiral e

escreveu: EU GOSTO MAIS

DE VOCÊ DO QUE DA

AMÉRICA DO SUL.

A folha do caderno foi

passando de mão em mão e a

lanchonete tremia de tanta

gargalhada. A Cecília enfiou o

cotovelo na mesa e soltava

lágrimas de tanto rir.

_Esse gordo tem cada ideia.

A Mariazinha proclamou

novamente a superioridade do

gordo.

_O gordo é mais espirituoso

meleca.

O garçom achou aquilo uma

verdade profunda e foi

contar para o dono da

lanchonete.

O Biquinha conversava com

o Edmundo, o Pituca e o

Godofredo sobre o

campeonato. Estava

preocupado porque a escola

Garibaldi do Cambuci tinha

campo com medidas-padrão,

ginásio coberto para treinar

em dias de chuva, e todos os

aparelhos para

aperfeiçoamento físico. A

escola Três Bandeiras não

tinha nada, só um

espaçozinho cimentado para

os alunos ficarem durante o

recreio.

_Vamos treinar no Ibirapuera

de manhã – falou Edmundo

– Meu tio empresta a Kombi

dele.

_Eu fico apitando para

marcar o ritmo – falou

Mariazinha.

_Eu levo os sucos para vocês

tomarem depois dos

exercícios – falou Sílvia.

A professora Jandira saiu da

escola, atravessou a rua e foi

andando na direção do

Corcel. O Godofredo era

apaixonado pela professora

Jandira e ficou olhando a

andadinha dela enquanto o

sorvete derretia.

O Corcel saiu e abriu-se uma

brecha no meio-fio entre um

Gálaxie e um caminhão. Por

entre a brecha, do outro lado

da rua, a gente vias as

crianças rirem e

conversarem.

Enuqnto o Godofredo olhava

o Corcel da professora

Jandira sumir no horizonte, o

gordo olhava a Berenice.

142

que todos vocês.

O Biquinha fez um sorriso

superior e respondeu:

_È, mas eu sou mais bonito

que o gordo.

Ficaram todos olhando para a

resposta que o gordo ia dar e o

gordo ficou olhando o pé do

Biquinha, pensando. Então

falou:

_ Não me ocorre no momento

nenhuma resposta espirituosa.

Todo mundo ria e pediam mais

refrescos e todo mundo que

passava na calçada olhava o

riso delirante das crianças em

flor. O garçom ia e vinha

contando as graças para o dono

da lanchonete. O Edmundo

levantou-se, subiu na mesa e

falou:

_Gordo, nós vamos fazer um

minuto de silêncio para você

meditar bastante e achar uma

resposta espirituosa.

Foi feito o silêncio, o

Edmundo marcava os segundos

no seu relógio e o garçom (que

era baiano) ficou parado sem

se mexer e prestando muita

atenção na cara do gordo.

Um segundo

Dois segundos

Três segundos

Quatro segundos

Cinco segundos

O guarda também prestava

atenção e esqueceu de pedir

um documento

Seis segundos

Sete segundos

Uma menina muito bonita

passou de bicicleta na frente da

lanchonete

Oito segundos

Nove segundos

Dez segundos

Então uma mocinha,

terrivelmente aflita com aquela

falta de barulho,

Pegou uma folha de caderno

espiral e escreveu:

EU GOSTO MAIS DE

VOCÊ DO QUE DO

BRASIL

A folha do caderno espiral

foi passando de mão em mão

até a Berenice. O garçom leu

por cima do ombro do Pituca

e foi contar para o dono da

lanchonete.

Pituca olhou para o

Godofredo e falou:

_E você, você gosta mais da

professora Jandira do que o

quê?

Godofredo pediu um minuto

de silêncio para pensar na

resposta.

Todo mundo ria e pedia mais

refrescos e mais sucos e todo

mundo que passava na

calçada olhava o riso

delirante das crianças em

flor.

Biquinha apertou o

cronômetro e começou a

contagem de um minuto para

o Godofredo achar a

resposta.

Houve um silencia enorme;

todos olhavam para a cara do

Godofredo.

Um segundo

Dois segundos

Três segundos

Quatro segundos

Cinco segundos

O guarda também prestava

atenção e esqueceu de pedir

um documento.

Seis segundos

Sete segundos

Uma menina muito bonita

passou na frente da

lanchonete.

Oito segundos

Nove segundos

Dez segundos

Então uma mocinha,

143

desesperadamente abriu uma

janela do décimo andar do

arranha-céu e gritou:

VAMOS PARAR COM ESSE

SILÊNCIO! VOCÊS TÃO

PENSANDO QUE ISSO

AQUI É A ÁFRICA? (Capítulo

7)

terrivelmente aflita com

aquela falta de barulho,

desesperadamente abriu uma

janela do décimo andar do

arranha-céu e gritou:

VAMOS PARAR COM

ESSE SILÊNCIO! VOCÊS

TÃO PENSANDO QUE

ISSO AQUI É A ÁFRICA?

(Capítulo 6)

Nesse momento um pernilongo

deu uma ferrada no braço do

marciano e o marciano

espantou-o com um tapa. O

psicanalista deu um pulo e

falou:

_Não tente me agredir! Olhe

que eu chamo uma viatura!

(Capítulo 17)

Nesse momento um

pernilongo deu uma ferrada

no braço do marciano e o

marciano espantou-o com

um tapa. O psicanalista deu

um pulo e falou:

_Não tente me agredir! Olhe

que eu chamo uma viatura!

(Capítulo 14) Parte retirada

na última edição do capítulo

13

REUNIÃO DO ESQUADRÃO

DA MORTE

Machão n. º 1: Eu sou

MACHO.

Machão n. º 2: Eu também sou

MACHO.

Machão n. º 3: Eu sei karatê.

CORO DOS MACHÕES:

Vamos matar todo mundo que

pensa coisa feia.

Machão n. º 1: Vocês já

limparam suas metralhadoras?

CORO DOS MACHÕES: Sim

meu irmão.

Machão n. º 1: E bala dum-

dum?

CORO DOS MACHÕES: Sim

meu irmão. (Capítulo 31)

REUNIÃO DO

ESQUADRÃO DA MORTE

Machão n. º 1: Eu sou

MACHO.

Machão n. º 2: Eu também

sou MACHO.

Machão n. º 3: Eu sei karatê.

CORO DOS MACHÕES:

Vamos matar todo mundo

que pensa coisa feia.

Machão n. º 1: Vocês já

limparam suas

metralhadoras?

CORO DOS MACHÕES:

Sim meu irmão.

Machão n. º 1: E bala dum-

dum?

CORO DOS MACHÕES:

Sim meu irmão. (Capítulo

27)

REUNIÃO DO

ESQUADRÃO DA MORTE

Machão n. º 1: Eu sou

MACHO.

Machão n. º 2: Eu também

sou MACHO.

Machão n. º 3: Eu sei caratê.

CORO DOS MACHÕES:

Vamos desinfectar o Brasil

dessa raça de vagabundos.

Nada de ficar dando

comidinha na prisão pra

esses cearenses e esses

negrinhos.

Machão n. º 1: Vocês já

limparam suas

metralhadoras?

CORO DOS MACHÕES:

Sim, meu irmão.

Machão n. º 1: E bala dum-

dum?

CORO DOS MACHÕES:

Sim, meu irmão. (Capítulo

26)

2ª REUNIÃO DO

ESQUADRÃO DA MORTE

(à beira de uma rodovia

predeterminada)

Machão nº2: Quem é a sombra

2ª REUNIÃO DO

ESQUADRÃO DA MORTE

(à beira de uma rodovia

predeterminada)

Machão nº2: Quem é a

2ª REUNIÃO DO

ESQUADRÃO DA MORTE

(à beira de uma rodovia

predeterminada)

Machão nº2: Quem é a

144

que se aproxima?

Relações Públicas do

Esquadrão da Morte: Sou eu e

trago notícias. Há um problema

no Rio Grande do Sul.

Machão nº3: Quais são as

coordenadas?

O Relação Públicas do

Esquadrão da Morte abre o

mapa e desenha a latitude e a

longitude do problema. Depois

entrega um papel dobrado

escrito assim:

tem uma inglesinha chamada

Jane

O Machão nº1 enfia o papel no

casacão bonito de couro

grosso. (Capítulo 37)

sombra que se aproxima?

Relações Públicas do

Esquadrão da Morte: Sou

eu e trago notícias. Há um

problema no Rio Grande do

Sul.

Machão nº3: Quais são as

coordenadas?

O Relação Públicas do

Esquadrão da Morte abre o

mapa e desenha a latitude e

a longitude do problema.

Depois entrega um papel

dobrado escrito assim:

tem uma inglesinha

chamada Jane

O Machão nº1 enfia o papel

no casacão bonito de couro

grosso. (Capítulo 43)

sombra que se aproxima?

Relações Públicas do

Esquadrão da Morte: Sou eu

e trago notícias. Há um

problema no Rio Grande do

Sul.

Machão nº3: Quais são as

coordenadas?

O Relação Públicas do

Esquadrão da Morte abre o

mapa e desenha a latitude e a

longitude do problema.

Depois entrega um papel

dobrado escrito assim:

tem uma estrangeira que

tirou fotografias da gente

levando automóvel roubado

para o Paraguai

O Machão nº1 enfia o papel

no casacão bonito de couro

grosso. (Capítulo 36)

O marciano andava aborrecido

por terem explodido o Opala

dele e resolveu ir ao Teatro

Municipal para assistir uma

peça de Shakespeare.

O Teatro Municipal é aquele

que fica em frente ao Mappin.

A Berenice ficou com pena e

levou o marciano para morar

na casa do tio dela.

Na hora da janta o marciano

limpou a travessa com miolo

de pão e o pai da Berenice

passou um pito no marciano.

_Tenha modos, seu azulzinho!

A Berenice entrou com ação na

Justiça para anular o pito que o

pai dela passou o marciano.

(Capítulo 45)

O marciano andava

aborrecido por terem

explodido o Opala dele e

resolveu ir ao Teatro

Municipal para assistir uma

peça de Shakespeare.

O Teatro Municipal é aquele

que fica em frente ao

Mappin.

A Berenice ficou com pena e

levou o marciano para morar

na casa do tio dela.

Na hora da janta o marciano

limpou a travessa com miolo

de pão e o tio da Berenice

passou um pito no marciano.

_Tenha modos, seu

azulzinho!

A Berenice entrou com ação

na Justiça para anular o pito

que o tio dela passou o

marciano. (Capítulo 40)

O marciano andava

aborrecido por terem

explodido o Opala dele e

resolveu ir ao Teatro

Municipal para assistir uma

peça de Shakespeare.

O Teatro Municipal é aquele

que fica em frente ao

Mappin.

A Berenice ficou com pena e

levou o marciano para morar

na casa do tio dela.

Na hora da janta o marciano

limpou a travessa com miolo

de pão e o tio da Berenice

passou um pito no marciano.

_Tenha modos, seu

azulzinho!

A Berenice entrou com ação

na Justiça para anular o pito

que o tio dela passou o

marciano. (Capítulo 39)

A senhorita Berenice propôs a

presente Ação Anulatória de

Pito com a finalidade de anular

o pito que o senhor pai dela

passou no marciano por ter

limpado o molho da travessa

com miolo de pão. Foram

A senhorita Berenice propôs

a presente Ação Anulatória

de Pito com a finalidade de

anular o pito que o senhor

tio dela passou no marciano

por ter limpado o molho da

travessa com miolo de pão.

A senhorita Berenice propôs

a presente Ação Anulatória

de Pito com a finalidade de

anular o pito que o senhor tio

dela passou no marciano por

ter limpado o molho da

travessa com miolo de pão.

145

ouvidas cinco testemunhas e

juntados aos autos uma

travessa e um miolo de pão. Os

doutos advogados debateram

brilhantemente o processo.

Este é o relatório. Decido:

Este senhor pai da Berenice é

uma besta quadrada. Pô. O

advogado do pai da Berenice é

outro imbecil. O marciano está

certo, é muito mais

democrático todos limparem

seus miolos na mesma

travessa. Esta educação

hipócrita de SALA DE

JANTAR é responsável por

todos os crimes e guerras da

humanidade. A sala de jantar

tem que ser um templo de

alegria para a gente dar

gargalhadas altíssimas, dar

garfadas monstruosas na

travessa, dar murros na mesa

de satisfação, jogar a comida

pela janela quando estiver ruim

(batendo o pé e vaiando) e que

quando estiver boa deve ser

comida para lambuzar até as

orelhas, e deve ser sobretudo

um lugar para a gente cantar

canções alegres na sobremesa e

muitos abraços com a mão

LAMBUZADA que deixem

marcas de molho de carne nas

costas de nossos amigos. Dito

isto Anulo o Pito. O Pito está

Anulado para todos os Efeitos.

Fu para os quadradões! Fu para

os fedorentos!

Assinado: João Lambão

JUIZ DE DIREITO (Capítulo

46)

Foram ouvidas cinco

testemunhas e juntados aos

autos uma travessa e um

miolo de pão. Os doutos

advogados debateram

brilhantemente o processo.

Este é o relatório. Decido

Este senhor titio da Berenice

é uma besta. O advogado do

titio da Berenice é outro

imbecil. O marciano está

certo, é muito mais

democrático todos limparem

seus miolos na mesma

travessa.

A sala de jantar tem que ser

um templo de alegria para

que cada um dê gargalhadas

altíssimas, garfadas

monstruosas na travessa,

murros na mesa de

satisfação, jogue a comida

pela janela quando estiver

ruim (batendo o pé e

vaiando) e que, quando

estiver boa, deve ser comida

para lambuzar até as orelhas,

e deve ser sobretudo um

lugar para cantarmos

canções alegres na

sobremesa e muitos abraços

com a mão LAMBUZADA

que deixem marcas de

molho de carne nas costas

de nossos amigos. Dito isto

Anulo o Pito. O Pito está

Anulado para todos os

Efeitos o Pito. O Pito está

Anulado para todos os

Efeitos. Fu para os

empedernidos! Fu para os

fedorentos!

Assinado: João Lambão

JUIZ DE DIREITO

(Capítulo 41)

Foram ouvidas cinco

testemunhas e juntados aos

autos uma travessa e um

miolo de pão. Os doutos

advogados debateram

brilhantemente o processo.

Este é o relatório.

Decido

Este senhor titio da Berenice

é uma besta. O advogado do

titio da Berenice é outro

imbecil. O marciano está

certo, é muito mais

democrático todos limparem

seus miolos na mesma

travessa.

A sala de jantar tem que ser

um templo de alegria para

que cada um dê gargalhadas

altíssimas, garfadas

monstruosas na travessa,

murros na mesa de

satisfação, jogue a comida

pela janela quando estiver

ruim (batendo o pé e

vaiando) e que, quando

estiver boa, deve ser comida

para lambuzar até as orelhas,

e deve ser sobretudo um

lugar para cantarmos

canções alegres na

sobremesa e muitos abraços

com a mão LAMBUZADA

que deixem marcas de molho

de carne nas costas de

nossos amigos. Dito isto

Anulo o Pito. O Pito está

Anulado para todos os

Efeitos o Pito. O Pito está

Anulado para todos os

Efeitos. Fu para os

empedernidos! Fu para os

fedorentos!

Assinado: João Lambão

JUIZ DE DIREITO

(Capítulo 40)

O psicanalista continuava

dando volta na Terra de disco

voador.

O psicanalista continuava

dando volta na Terra de

disco voador.

O psicanalista continuava

dando volta na Terra de

disco voador.

146

Quando passava em cima do

mapa do Brasil avistava a

coluna do ESQUADRÃO DA

MORTE caminhando para o

sul.

Desceu no mapa da Suécia

para comprar um maço de

cigarro e trouxe uma sueca de

biquíni dentro do disco.

Quando a mulher do

psicanalista viu a sueca de

biquíni sentada na copa falou:

_Esse Jorginho eu acho que ele

anda com alguma necessidade

de afirmação. (Capítulo 47)

Quando passava em cima do

mapa do Brasil avistava a

coluna do ESQUADRÃO

DA MORTE caminhando

para o sul.

Desceu no mapa da Suécia

para comprar um maço de

cigarro e trouxe uma sueca

de biquíni dentro do disco.

Quando a mulher do

psicanalista viu a sueca de

biquíni sentada na copa

falou:

_Esse Jorginho eu acho que

ele anda com alguma

necessidade de afirmação.

(Capítulo 42)

Quando passava em cima do

mapa do Brasil avistava a

coluna do ESQUADRÃO

DA MORTE caminhando

para o sul.

Desceu no mapa da Suécia

para comprar um maço de

cigarro e trouxe uma sueca

de biquíni dentro do disco.

Quando a mulher do

psicanalista viu a sueca de

biquíni sentada na copa

falou:

_Esse Jorginho, já não chega

disco voador, você ainda

quer sueca?

_Estou realizando minhas

fantasias mas ainda falta a

principal.

_Qual é?

_Dar entrevista na televisão.

(Capítulo 41)

A Berenice desconfiou e

combinou com o Biquinha uma

coisa.

De noite tocou telefone para o

Biquinha e o agente secreto

botou o gravador na linha.

A Berenice escovava

barulhentamente os dentes do

lado de cá e do lado de lá o

Biquinha fritava uma sardinha.

Havia um fundo musical de

JIMI HENDRIX do lado da

Berê e um de ROLLING

STONES do lado do Biquinha.

O agente secreto adorou a

gravação e deu de presente

para o filho dele no

aniversário. (Capítulo 51)

A Berenice desconfiou e

combinou com o Biquinha

uma coisa.

De noite tocou telefone para

o Biquinha e o agente

secreto botou o gravador na

linha.

A Berenice escovava

barulhentamente os dentes

do lado de cá e do lado de lá

o Biquinha fritava uma

sardinha.

Havia um fundo musical de

BÉLA BARTÓK do lado da

Berê e um de GUSTAV

MAHLER do lado do

Biquinha.

O agente secreto adorou a

gravação e deu de presente

para o filho dele no

aniversário. (Capítulo 45)

A Berenice desconfiou e

combinou com o Biquinha

uma coisa.

De noite tocou telefone para

o Biquinha e o agente

secreto botou o gravador na

linha.

A Berenice escovava

barulhentamente os dentes

do lado de cá e do lado de lá

o Biquinha fritava uma

sardinha.

Havia um fundo musical de

BÉLA BARTÓK do lado da

Berê e um de GUSTAV

MAHLER do lado do

Biquinha.

O agente secreto adorou a

gravação e deu de presente

para o filho dele no

aniversário. (Capítulo 44)

Letra da música de gozação

que a Mariazinha fez para o

Maracanã cantar na hora do

OLÉ

Giovani não é mais aquele

Que-que a gente faz com ele?

(Capítulo 56)

Letra da música de

provocação que a

Mariazinha fez para o

Maracanã cantar na hora

do OLÉ

Giovani não é mais aquele

Que-que a gente faz com

Letra da música de

provocaçãoque a

Mariazinha fez para o

Maracanã cantar na hora do

OLÉ

Giovani não é mais aquele

Que-que a gente faz com

147

ele? (Capítulo 51) ele? (Capítulo 50)

O professor Giovanni comprou

o vídeo-tape dos últimos jogos

do Três bandeiras e ficou

estudando uma tática para

ganhar deles na final.

Conforme o professor

Giovanni ia vendo as jogadas

do Godofredo e do Biquinha ia

se assustando.

O Biquinha fez uma jogada

espetacular no vídeo-tape.

O professor Giovanni deu um

tiro na televisão. (Capítulo 58)

O professor Giovanni

comprou o vídeo-tape dos

últimos jogos do Três

bandeiras e ficou estudando

uma tática para ganhar deles

na final.

Conforme o professor

Giovanni ia vendo as

jogadas do Godofredo e do

Biquinha ia se assustando.

O Biquinha fez uma jogada

espetacular no vídeo-tape.

(Capítulo 53)

O professor Giovanni

comprou o vídeotape dos

últimos jogos do Três

bandeiras e ficou estudando

uma tática para ganhar deles

na final.

Conforme o professor

Giovanni ia vendo as

jogadas do Godofredo e do

Biquinha ia se assustando.

O Biquinha fez uma jogada

espetacular no vídeotape.

(Capítulo 52)

_Outro dia eu quase virei o

barco – disse o pescador –

muito vento, o tempo correu

ruim, e a água contra, não do

vento leste que vem por aqui

assim, mas do noroeste que

vem assim por fora.

A Jane estava deitada no barco

e depois de pensar bastante

falou:

_A onda. É a própria onda do

vento que faz. (Capítulo 91)

_Outro dia eu quase virei o

barco – disse o pescador –

muito vento, o tempo correu

ruim, e a água contra, não do

vento leste que vem por aqui

assim, mas do noroeste que

vem assim por fora.

A Jane estava deitada no

barco e depois de pensar

bastante falou:

_A onda. É a própria onda

do vento que faz. (Capítulo

70)

_Outro dia eu quase virei o

barco – disse o pescador –

muito vento, o tempo correu

ruim, e a água contra, não do

vento leste que vem por aqui

assim, mas do noroeste que

vem assim por fora.

A Jane estava deitada no

barco e depois de pensar

bastante falou:

_A onda. É a própria onda

do vento que faz.

Como um Juiz de Direito foi

internado no Hospício, a

coisa foi muito comentada

na cidade.

Os repórteres das televisões

e dos jornais foram fazer

uma ENTREVISTA

COLETIVA com o MM João

Lambão, que estava sentado

num banco, embaixo da

jabuticabeira do Hospício.

O dono do Hospício fez o

regulamento da

ENTREVISTA COLETIVA.

Art. 1º Só será admitida uma

pergunta. Não se trata de

uma pergunta por cada

repórter. Os repórteres

escolherão uma

representante para fazer uma

pergunta só, que deve ser

isenta e serena.

Art. 2º O MM. João Lambão

não poderá responder à

148

pergunta. (Capítulo 69)

A Berenice e a Mariazinha

acharam bom de irem pedir

uma idéia ao gordo para ver se

resolvia o problema do time de

futebol.

E o marciano leu no jornal a

morte do psicanalista e ficou

com esperança de recuperar o

disco voador que haviam

roubado dele.

Resolveu ir na mansão do

gordo pedir uma idéia também.

O GORDO ACHOU

GOSTOSO SER BADALADO

JUNTO POR TANTA GENTE.

(Capítulo 110)

A Berenice e a Mariazinha

acharam bom de irem pedir

uma idéia ao gordo para ver

se resolvia o problema do

time de futebol.

E o marciano leu no jornal a

morte do psicanalista e ficou

com esperança de recuperar

o disco voador que haviam

roubado dele.

Resolveu ir na mansão do

gordo pedir uma idéia

também.

O GORDO ACHOU

GOSTOSO SER

BADALADO JUNTO POR

TANTA GENTE. (Capítulo

87)

A Berenice, a Mariazinha e a

Sílvia resolveram pedir

ajuda ao gordo para resolver

o problema do time de

futebol.

Encontraram o marciano

vendendo churrasquinho na

praça da Sé e o levaram

também.

O gordo estava sentado junto

à piscina tomando uma

laranjada.

Sentaram em volta do gordo

e contaram os problemas.

O gordo falou que primeiro

ia tentar recuperar o disco

voador do marciano.

(Capítulo 83)

Inscrição que a Mariazinha fez

no degrau de cimento do

Maracanã

Meu grande amor terá que ser

assim meio Pão de Açucar

Tucuruvi Nescafé fazer

filhinho também ainda não

achei meu Super Mouse ver o

sol nascer por trás da

margarida (Capítulo 122)

Inscrição que a Mariazinha

fez no degrau de cimento do

Maracanã

Meu grande amor terá que

ser assim meio Pão de

Açucar Tucuruvi Nescafé

fazer filhinho também ainda

não achei meu Super Mouse

ver o sol nascer por trás da

margarida (Capítulo 99)

INSCRIÇÃO QUE A

MARIAZINHA FEZ NO

DEGRAU DE CIMENTO

DO MARACANÃ

o mingal do professor

Giovanni acabou (Capítulo

94)

149

Alterações no conteúdo do texto

Capítulo 79 (1971)

Capítulo 65 (1973)

150

Capítulo 64 (2008)

151

SANGUE FRESCO

Alteração de um termo ou expressão ou troca de pronome.

1ª edição pela Editora Obelisco (1982) Última edição pela Editora Global (2005)

_O pai do gordo tem quarenta e cinco anos e

a mãe do gordo tem trinta e seis. Nove anos

de diferença, igual eu. (p. 48)

_Meu pai tem quarenta e cinco anos e minha

mãe tem trinta e seis. Nove anos de

diferença, igual eu. (p. 35)

Pegavam troncos caídos, ou galhos grossos,

iam serrando [...] (p.135)

Pegaram troncos caídos, ou galhos grossos,

iam serrando [...] (p. 100)

Os dois apareceram para Berenice, Hugo e

Pituca, trazendo os despojos do combate:

quatro carabinas Remington, quatro

revólveres Smith and Wesson, munição e

cinturões.

_Não trouxemos mantimentos – falou o

gordo – Era muita coisa para carregar. Desde

o princípio fiz questão que fôssemos leves.

(p. 132)

As crianças aproveitaram os despojos do

combate: quatro carabinas Remington e

bastante munição, uma boa ajuda para caçar

e matar a fome dali para a frente.

_Não levaremos mantimentos – falou o

gordo – É muita coisa para carregar. Desde o

princípio fiz questão que fôssemos leves.

(p. 98)

_Achamos os cossacos mortos pela impuca.

Foram assassinatos, tinha sinal de facão.

(p.145 )

_Achamos os cossacos mortos pela impuca.

Isso com certeza foi arte do gordo. (p.109)

O cheiro de um prefeito, gesticulante,

fazendo discurso num palanque, em Alagoas,

foi descomputado, mas fez o satélite ter

engulho.

“Como fede esse Brasil” – pensou o satélite

espião. (p.148)

O cheiro de um prefeito, gesticulante,

fazendo discurso num palanque, foi

descomputado, mas fez o satélite ter engulho.

“Como fede esse Brasil” – pensou o satélite

espião. (p.111)

Alterações em que houve supressão ou síntese do texto original

1ª edição pela Editora Obelisco (1982) Última edição pela Editora Global (2005)

Não teve tempo de terminar a frase [...]

Os que não tinham morrido direito foram

rapidamente degolados por Edmundo e

Bolachão, que surgiram da floresta, enfiando faca

no que sobrava dos russos.

_Pronto – falou Bolachão – Esses aí vão dançar

balalaika e cantar otichórnia no quinto dos

infernos.

Não teve tempo de terminar a frase [...]

Não teve tempo de terminar a frase [...]

Tinha acontecido o seguinte [...] (p. 97)

152

(p. 131)

O mavioso canto do uirapuru se fez ouvir na

floresta.

O gordo pegou a carabina, deu um tiraço, o

uirapuru.

_ Era só o que faltava – disse o gordo –

Uirapuru. Minha mãe tem um disco, feito por

um alemão desses, que gravou o canto desse

passarinho palerma; quando chega visita em

casa ela põe na vitrola, uma tortura

psicológica, e vem me perseguir até na

Amazônia! Tá pensando o quê?

_Sabe de uma coisa, gordinho – falou a

Berenice – Vou te fazer uma surpresa.

(p.140)

_Um dia eu mato esse Torquato – disse o

gordo – Bicho tapado, vive remedando a

gente fala.

_Sabe de uma coisa, gordinho – falou a

Berenice – Vou te fazer uma surpresa.

(p.105)

Alterações em que houve acréscimo ao texto original

1ª edição pela Editora Obelisco (1982) Última edição pela Editora Global (2005)

[...] se agacharam e ficaram de tocaia, os

facões na mão.

Quando os cossacos passaram [...] (p. 132)

[...] se agacharam e ficaram de tocaia, os

facões na mão.

_Você tem certeza de que eles vão passar

exatamente aqui? – falou Pituca.

_ Lógico – disse o gordo – Onde a gente

passou eles estão passando atrás. São

profissionais.

Quando os cossacos passaram [...] (p. 98)

[...] Tome o mapa aqui.

Michael Pat entrou no Phanton [...] (p. 149)

[...] Tome o mapa aqui.

Michael Pat encostou a mão na asa do

Phanton, olhou para o chão, olhou para Ship

O‟Connors e perguntou:

_Chefe, será que a gente pode com esse

gordo?

_Sua pergunta é inútil – disse Ship

O‟Connors – Até as paredes sabem que o

gênio sou eu.

Michael Pat entrou no Phanton [...] (p. 112)

153

O LIVRO DA BERENICE

Alterações em que houve acréscimo ao texto original

1ª edição (1984) Editora Parma Última edição (2006) Editora Global

[...] Esse negócio de contar me atrapalha, é

meu defeito, sempre passei colando nos

exames de matemática.

_Fazer uma boa cola é complicado – disse o

mordomo- Fiz uma cola tão caprichada para

passar no vestibular que, na hora, não

consegui decifrar. Por isso sou mordomo, não

ganhei diploma.

_É que você não usa saia – falou o frade – As

mulheres e os frades sempre foram

beneficiados com a cola. Aqui, nas dobras da

minha batina, cabe uma enciclopédia, em

tiras e tiretas. (p.24)

[...] Esse negócio de contar me atrapalha, é

meu defeito.

_Eu também sou ruim de matemática – disse

o Abreu _ Fiz uma cola tão caprichada para

usar no vestibular, mas na hora não consegui

decifrar, por isso não passei.

_Se você fosse frade passava – disse o frade.

_As dobras da batina são muito práticas para

esconder cola, cabe uma enciclopédia em

tiras e tiretas.

_Quem vê você falar fica achando que você

sempre passou colando – disse o Abreu.

_Tive vontade – disse o frade. – Sempre tive

vontade, mas como é pecado não colei.

_Já sei – disse o Abreu. – Só olhou por cima

do ombro do que estava na frente.

_Não- disse o frade. _ Eu só colo em coisa

que pode, recitar missa, falar reza. (p.26)

Frade João agarrou o grego pelo colarinho e

começou a sacudi-lo:

_Seu verme! Seu pulga! Então é você que faz

esse macarrão sem farinha de trigo, que só

tem química e corantes? Quase me matou de

dor de barriga! Não tem vergonha? Vou te

torcer o pescoço como se faz a um frango.

O chapéu panamá caiu da cabeça de

Papoulos Scripopulos e a cara do grego ia

ficando branca, sem sangue, o pescoço

apertado nas mãos do frade.

O pai do gordo teve que usar muita

diplomacia para convencer o frade a largar o

pescoço do grego. (p. 54)

Frade João olhou com certo desprezo para o

grego e falou:

_Uma vez comi o seu macarrão. Não tem

farinha de trigo e esta cheio de química e de

corantes.

O grego ficou vermelho de raiva e falou:

_Eu acho que frade não tem nada a ver com

macarrão. Negócio de frade é rezar, não tem

nada na Bíblia que fale de macarrão. Jesus

Cristo nunca falou de macarrão.

Com muita suavidade o frade falou:

_Você está falando comigo com um tom de

voz desagradável. Não gosto que ninguém

alargue a voz comigo.

Frade João sorria, mas o seu olhar penetrante

fez o grego empalidecer. Papoulos

Scripopulos empalideceu, olhou no relógio,

falou que estava atrasadíssimo para o

dentista, fez meia-volta e foi embora

depressinha. (p. 54)

154

Todos os folhetos de propaganda,

distribuídos aos compradores, impressos em

papel de primeira e com fotografias coloridas

mostrando a delícia da vida à beira-mar,

traziam o lema da imobiliária escrito em

verde e amarelo:

NÃO VENDA O BRASIL – COMPRE-O

(p. 56)

Os folhetos de propaganda da Marinha-

Mathias eram impresso em papel de

primeira. Desses papéis grossos, cheirosos, e

tinham fotografias coloridas mostrando as

delícias da vida à beira-mar.

A Barraca Mathias, colocada no lado direito

da praia vendia lagostas, camarões,

sardinhas, e, naturalmente, muita cerveja,

cerveja sem parar, incrivelmente gelada, e

também champanhe francês para quem

quisesse. A duzentos metros da praia havia

um Shopping Center, que também chamava

Mathias, com ar condicionado a 16 graus, e,

ao lado, uma casa noturna que varava as

madrugadas tocando um som adoidado.

(p.55)

_Nessas minúcias de guerra e de

espionagem, alemão é o melhor do mundo.

São perfeitos. Tudo que eles fazem dá certo.

A única coisa que não aprenderam até agora

foi ganhar uma guerra.

_É porque os outros reagem, chefe.

_Deve ser por isso. (p.60)

_Nessas minúcias de espionagem os alemães

são muito bons – disse Mathias. – Eles têm

um amor pelos detalhes e um ótimo senso de

observação.

_Sem dúvida – falou Papoulos Scripopulos. –

Basta ver que mesmo nos filmes de guerra

que os americanos fizeram os espiões

alemães são espertos.

_O inimigo reconhece – falou Mathias.

(p.59)

_O jogo de futebol está estragando o

gramado – falou a mãe do gordo – Vou

proibir.

_Não seja uma idiota repressora – disse o

mordomo.

_Que mordomo atrevido! – exclamou a mãe

do gordo – Acho que vou evaporar, vou

sumir, esse mundo está muito virado. (p.61)

Como jogavam sempre ali, o gramado tinha

ficado meio pisado e bastante amarelo

naquele pedaço.

Depois do João Bobo, onde o Biquinha deu

um drible da vaca no Zé Tavares, ficaram

vendo quem fazia mais embaixada. O Abreu

não conseguia mais de duas seguidas, falou

que era por causa do sapato apertado, tirou o

sapato mas não adiantou nada, ficou pior

porque foi dar um chute e quebrou a unha do

dedo do pé. (p.60)

_Imagine. Essa Berenice da Fonseca resolve

ser gênio na minha casa, se aboleta aqui, faz

acampamento aqui, toda tarde, por causa

desse livrinho, e agora cisma de comemorar

o aniversário aqui. Já se viu?

_Não é culpa dela, bem – falou o pai do

O pai do gordo entrou na cozinha e veio

ajudar a fazer os pratos salgados.

_Eu adoro este clima de festa – falou dona

Celeste. _Levanta o astral da gente.

_ Nosso filho teve uma boa ideia de fazer a

festa da Berenice aqui – disse o pai do gordo.

155

gordo – Foi o Bolacha quem ofereceu. A

Berenice mora num apartamento pequeno,

não ia caber tanto convidado.

A mãe do gordo continuou protestando e

fazendo doce, protestando e fazendo bolo, no

que se revelava melhor que muita mãe aí que

só protesta e não faz nada. (p.93)

– No apartamento dela não ia dar, é muito

pequeno, só dois quartos.

_Você já esteve lá, Marcelo? – perguntou

dona Celeste.

_Não, mas passei em frente, fica na rua

Fradique Coutinho – disse o pai do gordo.

(p.92)

_Resolveu o problema com o diretor da

Funai que estava prejudicando os índios? –

perguntou Mariazinha.

_Resolvi sim. Atirei ele no Amazonas mas as

piranhas acharam carne dele ruim. Tive que

pôr um molho de pimenta no diretor da Funai

para elas comerem. Mesmo assim tiveram

indigestão. Me arrependi. Diretor da Funai

polui mais o rio Amazonas do que mancha de

petróleo. (P. 96)

_Resolveu o problema com o agente do

governo que foi demarcar as terras dos

índios? – perguntou Mariazinha.

_Deixei os índios resolverem- disse o frade –

Não gosto muito de interferir no sistema dos

índios, eles têm o sistema deles.

_Qual foi o sistema deles?

_Amarraram o agente do governo em cima

de um formigueiro e deram um papel para ele

assinar – disse o frade. (P. 94)

[...] o que o outro já sabe.

As meninas foram jogar voleibol no

gramado.

Nadia sacava Jornada nas Estrelas e Simone

sacava Viagem ao Fundo do Mar. (p. 100)

[...] o que o outro já sabe.

_Você viu, chefe? – falou Mathias. – A flor

preferida da Berenice é o rodocentro. Eu

acho isso decepcionante. Devia ser rosa. Eu

acho rosa muito melhor.

_É que você é uma besta, Mathias – falou

Papoulos Scripopulos. – A Berenice tem

razão, nada se comparar à excepcional e

fulgurante beleza das flores purpúreas e por

vezes alvíssimas do rodocentro.

As meninas foram jogar voleibol no gramado

.(p.96)

Alterações em que houve supressão ou síntese do texto original

1ª edição (1984) Editora Parma Última edição (2006) Editora Global

Vou escrever um manual sobre as mil

utilidades de uma batina. As mulheres são

fascinadas por uma batina. Ela veste o

personagem. (p. 26)

Vou escrever um manual sobre as mil

utilidades de uma batina. (p. 27)

Desceu ao andar térreo, tomou a refeição

matinal, a mãe continuava discutindo com o

pai, tentando convencê-lo de que a Berenice

O gordo esquentou e manobrou o Mercedes

do pai [...] (p. 32)

156

não prestava.

Esquentou e manobrou o Mercedes do pai

[...] (p. 30)

_Obrigado, frade.

_A gente deve dizer obrigada quando se é

mulher – corrigiu Silvia.

_Nunca! – exclamou o frade – Isso são

besteiras linguísticas. É como dizer meio-dia

e meia. Uma vez eu rachei a cabeça de um

sujeito porque ele disse que era meio dia e

meia.

_Está vendo – falou Berenice para Silvia _

Você me força a escrever meio-dia e meia.

Vou corrigir de novo e botar meio-dia e meio.

Isto quando a Alice fala. Agora, quando são

“eles” que falam “eles” vão dizer meio-dia e

meia. É típico vocabulário “deles”.

_A professora Jandira obriga a gente a

escrever meio-dia e meia – falou Pituca.

_Deve ser um péssimo caráter essa

professora – falou o frade.

Godofredo deu uma pedrada no frade e partiu

de soco para cima dele. (p.50)

_Obrigada – falou Mariazinha.

_ Me diga uma coisa – disse o frade. – Você

ainda gosta desse menino que é apaixonado

pela professora?

_Infelizmente – falou Mariazinha. _ A gente

não pode controlar essas coisas.

_Ela é bonita mas tem um caráter duvidoso _

disse o frade. – Não digo que a professora

Jandira seja ruim, tem qualidades, mas não

resiste às tentações, o diabo faz o que quer

com ela.

Godofredo deu uma pedrada no frade e partiu

de soco para cima dele. (p.50)

A mãe do gordo providenciou a medicação,

protestando:

_A mania de meu filho de ter estes monstros

dentro de casa. O próximo que ele morder eu

jogo esse cachorro no rio Tietê.

_Bom – disse o frade [...] (p.52)

A mãe do gordo foi buscar esparadrapo, água

oxigenada, gaze, algodão e mercurocromo,

fez uma limpeza na ferida, aplicou a

medicação e depois a deixou protegida.

(p.52)

_Esse mordomo entende muito bem os seus

direitos mas não quer saber dos seus deveres

– disse a mãe do gordo.

_Isso é uma frase feita que está escrita na

cabeça de cada patrão – respondeu o

mordomo.

A mãe do gordo gritou:

_Marcelo! Não suporto mais as

impertinências dessa figurinha. Despeça-o se

for homem!

O pai do gordo tomou mais uma dose de

uísque e permaneceu num mutismo

eloquente. (p.64)

_Esse mordomo entende muito bem os seus

direitos mas não quer saber dos seus deveres

– disse a mãe do gordo. (p.62)

Dizendo isso, largou o volante, abraçou Dizendo isso, largou o volante, abraçou

157

Godofredo e deu-lhe um beijo na boca.

Godofredo via arco-íris, via a Via Láctea,

agradecia ao Criador.

O beijo foi tão chupado que a Jandira engoliu

um dente de leito do Godofredo, que estava

meio bambo.

“Pô” – pensou Jandira – “Namorar criança dá

nisso, a gente acaba engolindo dente de

leite.” (p. 86)

Godofredo e deu-lhe um beijo estalado na

bochecha.

Foi um beijo pressionado e estalado que

deixou batom dos lábios da Jandira marcando

a forma dos lábios dela na bochecha do

Godofredo. (p.86)

O gordo andava pelo meio da festa, distraído,

sem prestar atenção em nada. O Mister

chegou nele e falou:

_Descobri a morte de seus peixes. É o

mordomo, aquele ali, cabeludo e de tênis.

Sou testemunha. Vi e filmei. Tenho o vídeo-

cassete no bolso, ele destramelando o

termostato.

_Como entrou em casa? – perguntou o

mordomo, tremendo.

_Me disfarcei de pai do gordo – falou o

Mister – sou perfeito em disfarces. O gordo

negou mil e duzentos para você e você se

vingou.

_O que é pouco cristão – disse o frade. Pena

que esse mordomo seja tão simpático, sinão

eu dava uma surra nele já. É impossível ter

raiva dele. Tem gente que nasce assism: vive

fazendo besteira e ninguém castiga. Já outros

levam uma vida impecável, como anjos, e na

primeira besteirinha o mundo se levanta

contra eles.

_É como esse tal de Henry, o correspondente

filatélico do gordo- falou o Mister – Sempre

foi bom cidadão, ótimo pai, esposo

amantíssimo, herói de guerra, ajudava os

pobres, só assassinou uma velha e eu prendi.

E recuperei o selo da velha no quarto do

gordo.

Tirou do bolso o One Penny Black do gordo

e mostrou.

O gordo ficou acabrunhado. Num dia só

perder os peixes e o selo de sua vida! O

Mister deu um tapinha nas costas do gordo e

_E o namoro com esse gordo – disse o

Mister. – Como vai?

_Total! – falou Berenice.

_O gordo é a criança mais inteligente que eu

vi na minha vida – disse o Mister.

_Dá pro gasto – falou Pituca.

_Você veio só para o meu aniversário ou

aproveitou para descobrir algum mistério

aqui no Brasil? – perguntou Berenice.

_Vim para o seu aniversário – disse o Mister.

– Mas como estava aqui aproveitei e

desvendei um crime na alta sociedade de São

Paulo.

_Foi difícil? – perguntou Pituca.

_Foi tão fácil que nem deu para comemorar –

disse o Mister. – o marido tinha picado a

mulher em pedaços e entrerrado no jardim.

_Você está falando português sem sotaque

[...] (p. 96)

158

falou:

_Vamos lá, heia, ânimo seu gordo. A vida

não é só feita de selos e peixes. A vida é uma

aventura diversificada.

Você está falando português sem sotaque...

(p.99)

Alcides estava irresistível.

_Olha lá – disse a mãe do gordo – Olha lá a

cigana da Berenice. Já está toda risonha, se

desmanchando para aquele Alcides. Eu disse

para você, Marcelo, a Berenice não presta.

O pai do gordo parou de tocar o contra-baixo

e falou:

_Acho que você tem razão desta vez eu te

dou razão. A Berenice está conversando

muito pertinho do Alcides.

_E estão entrando no bambuzal de mãos

dadas.

O gordo também observava aquilo.

_Hoje perdi peixe, perdi selo, mas a Berenice

é que não! – exclamou o gordo.

O gordo pegou o afiadíssimo cortador de

papel [...] (p.101)

Alcides estava irresistível.

O gordo pegou o afiadíssimo cortador de

papel [...] (p.97)

_Misturar cuspe com cuspe, beijar homem –

disse o gordo – Eu, heim? (p. 109)

_Eu, hein? (p.104)

Alteração de um termo ou expressão ou troca de pronome.

1ª edição (1984) Editora Parma Última edição (2006) Editora Global

_Só se você não ficar de recuperação –

respondeu Jandira – Não caso com

vagabundo. E tira a mão do meu joelho seu

sem-vergonha, tem gente olhando.

Mister John Smith Peter Tony aterrissou o

helicóptero azul no gramado. (p.98)

_Só se você não ficar de recuperação –

respondeu Jandira – Não caso com

vagabundo.

Mister John Smith Peter Tony aterrissou o

helicóptero azul no gramado. (p.95)

_Ainda não me acostumei com esse monstro.

Cada vez que o vejo levo um susto. Essas

manias do gordo, cachorros caríssimos,

peixes caríssimos, selos caríssimos, a crise

econômica está aí, Marcelo, se a gente fica

pobre de repente esse menino não vai se

adaptar. Ele pede dinheiro e você: tó.

_E você quer que eu faça o que, meu bem? –

perguntou o pai do gordo.

_Marcelo, o nosso filho está gastando demais

com esse cachorro, ontem eu paguei a conta

do Pet Shop, uma loucura. E ele está

gastando desordenadamente. Acho que

devemos começar com a mesada semanal,

nem mais um centavo. Estudos psicológicos

provam que a mesada semanal é essencial

para a formação do cérebro da criança. Dá

uma noção de previsão, de ordem, de uma

159

_É preciso instituir a mesada semanal – falou

a mãe do gordo – Tanto por semana, nem

maus um centavo, isto prepara para o futuro.

_Quem pensa muito no futuro, acaba

esticando ele de verdade e compra um

túmulo – disse o pai do gordo.

_Você é um imbecil, Marcelo – falou a mãe

do gordo.

_A psicologia ensina que os pais não devem

ter cenas na frente dos filhos – disse o pai do

gordo.

_Então eu te dou um bofetão quando o gordo

sair _falou a mãe do gordo.

_Isto é mais científico – concordou o pai do

gordo. (p.9)

hierarquia de gastos.

O pai do gordo pensou um pouco e falou:

_Li outros estudos psicológicos que dizem

que a mesada semanal cria uma antecipação

desnecessária do mundo adulto e interfere

negativamente na liberdade imaginativa.

_Então estamos empatados – disse a mãe do

gordo.

_Vamos tirar no par ou ímpar – disse o pai do

gordo.

_Par – disse dona Celeste.

_Ímpar – disse o doutor Marcelo.

Atiraram as mãos fechadas para a frente e

abriram. Deu três.

_Sem mesada – disse o pai do gordo.

_Você vive ganhando – disse a mãe do gordo.

(p.12)

Os pais que vinham buscar os filhos na porta

da escola brecavam subitamente os carros e

ficavam olhando a Jandira, se remoendo de

raiva por terem casado com mulheres tão

feias, quando a natureza produzia fêmeas

miraculosas como aquela. (p.41)

Os carros brecavam subitamente para os

motoristas poderem admirar a beleza

miraculosa e superesplenderosamente da

Jandira, o que causava batidas,

engarrafamentos, brigas e discussões. (p. 42)

[...] foi convocado por bom preço pelo

governo racista da África do Sul para ir lá

torturar uns negrinhos que estavam

incomodando, finalmente veio ao Brasil e

instalou uma fábrica de macarrão em São

Paulo. (p.42)

[...] foi convocado por bom preço pelo

governo racista da África do Sul para ir lá

torturar uns negros do Congresso Nacional

Africano, finalmente veio ao Brasil e instalou

uma fábrica de macarrão em São Paulo.

(p.43)

O pai do gordo, sentado numa cadeira

preguiçosa vermelha, tomava um uísque e

conversava com a mãe do gordo.

_Escute, benzinho, você não acha que o

jardineiro pôs barrilha demais e sulfato de

menos na água da piscina?

_Isso não me interessa – disse a mãe do

gordo – O que me deixa furiosa é esta

Berenice da Fonseca vir se instalar em nosso

jardim e ficar escrevendo livro com essa cara

de quem diz: eu sou escritora e o Bolacha

não é.

_É uma interpretação sua, benzinho. Eu não

acho que a cara da Berenice esteja dizendo

O pai do gordo, sentado numa cadeira

preguiçosa, ficou olhando para a piscina e

falou:

_Escute, Celeste, você não acha que o

jardineiro pôs barrilha demais e sulfato de

menos na água da piscina?

_Talvez – disse a mãe do gordo. – Mas eu

não estou pensando na água da piscina, eu

estou pensando na Berenice, que veio aqui

escrever um livro.

_Eu acho uma ótima idéia – falou o pai do

gordo.

_O problema não é o livro – disse a mãe do

gordo. _Eu acho a Berenice um amor, mas

160

isso. Ela está só entusiasmada com o livro.

_Você não é psicólogo, Marcelo. Olhe a cara

dela lá, está escrito na cara dela: eu sou

escritora e o Bolacha não é. Desaforada.

O pai do gordo colocou mais um gelinho no

Balantines e falou:

_O que eu acho, benzinho, é que de segunda

a sexta vá, mas pelo menos no sábado devia

parar de falar asneira. (p.46)

ela é inconstante, primeiro largou o nosso

filho pelo Biquinha, depois voltou para o

gordo, depois largou ele pelo Alcides, depois

voltou de novo. Pode deixar nosso filho

inseguro. Afetos que voltam, afetos que

fogem, você sabe.

_Eu acho que nosso filho tem que encarar –

falou o doutor Marcelo. (p.47)

_Que cara é essa, meu filho? Você viu o

bicho-papão?

_Não, mãe. Eu beijei a onça encantada.

(p.88)

_Que marca é essa na sua bochecha?

_São os lábios da onça – falou Godofredo.

(p.87)

161

ANEXO C: APÊNDICES PRESENTES NAS OBRAS DE JOÃO CARLOS MARINHO

Conversa com professores e adultos preocupados com o bom português – texto presente

na primeira edição de O gênio do crime (1969), escrito pelo próprio autor.

Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma preocupação

didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um convênio didático com escola

secundárias e por causa disso achei bom dizer umas palavras para justificar o moderado

informalismo gramatical que meu livro tem.

Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original porque o

ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se preocupa em estimular a

criatividade do aluno, o que é certo e prático; há cada vez mais profissões em que

espontaneidade de criação é fundamental e a obsessão de um purismo gramatical escolástico,

além de fazer muito aluno escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe tirar a

oportunidade de bons empregos.

Procuro um estilo que traduza a mobilidade e a autenticidade do pensamento

brasileiro, escrevi uma história e não um relatório, e é pelo estilo que o escritor faz o enredo

penetrar na sensibilidade do leitor – a formulação de frases tem de obedecer a uma intuição e

a um ritmo de comunicação afetiva, sinão o que falamos bate na razão do leitor e fica

congelado.

Uso bastante formas de expressão que os próprios cultos falam em família, mas não

sou retratista. Isto de fazer graça com gíria, retratismo, cor local, são truques baratos já

enterrados. Sei que a linguagem escrita e falada são diferentes, mas a linguagem falada tanto

pelos cultos como pelo povo, nos dá um instrumento – jamais uma regra – de transmitir

espontaneamente o que queremos dizer. E não se trata de pescar vocábulos ou expressões

isoladas, mas de apreender o balanço (o bam-balanço) inteiro da comunicação espontânea.

No meu livro os personagens pulam de solecismos brasileiros, para português correto,

assim como o próprio narrador. Nós próprios, quando falamos à vontade, empregamos na

mesma frase um pra e um para, um tava e um estava, é só reparar. Por que? Porque

inconscientemente nosso ritmo de comunicação achou que o tava ficava bem aqui e mais

adiante não. Não há regra.

A incorporação dos brasileirismos à própria linguagem do narrador (e não somente

quando retrata um personagem falando ou quando quer fazer graça ou dar cor local) já é

clássica em nossa literatura, os maiores poetas brasileiros deste século já o faziam antes de eu

nascer.

162

Veja-se o Manuel Bandeira no “Vou-me embora pra Pasárgada”: após uma sucessiva

utilização de pra (Mando chamar a mãe dágua, Pra me contar as histórias de e menino, etc.)

ele usa a forma clássica – “Para a gente namorar”. O ouvido do poeta exigiu o pra aqui e o

para ali. Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade usam de mais o pra, de

preferência sem apóstrofe, pulando do para ao pra, do para aos pros, etc.

O quedê, quede, cadê, da linguagem oral estão incorporados definitivamente à mais

pura linguagem literária, inclusive, o quédele. Veja-se a sucessão do quedes no poema “Caso

do Vestido” de Carlos Drummond de Andrade, e do mesmo poeta: “Dorme que o capeta- está

perguntando – quedê a mulher acordada.” E no “Carnaval Carioca”, de Mário de Andrade,

temos: “Quédele o tempo em que Felipe Neri”.

Manuel Bandeira, no “Trem de Ferro” diz: “Vou mimbora, vou mimbora”; Mário de

Andrade e Carlos Drummond usam alternamente o melhor e o milhor, senão e sinão, à-toa e

atôa, se e si, para que e pra que, etc.

Drummond e Mário usam o maginando em trechos líricos e sérios e um dos mais

lindos poemas de Mário de Andrade começa assim:

“Andorinha, andorinha

Andorinha avoou”

A regra da uniformização pronominal já nenhum escritor leva a sério, serve só pata

cartas comerciais. O famoso poema “Balada do Amor Através das Idades” de Carlos

Drummond, é o exemplo clássico do pula-pula usual que fazemos todo dia do tu ao você e,

além disso, começa por desconhecer a transitividade indireta do verbo gostar:

“Eu te gosto, você me gosta

Desde tempos imemoriais

Eu era grego, você troiana”

“Na porta da catacumba

encontrei-te novamente

Mas quando vi você nua”

“Mas quando ia te pegar

e te fazer a minha escrava

você fez o sinal da cruz”

A comunicação espontânea do pensamento do pensamento brasileiro não gosta das

formas oblíquas pronominais. Veja-se o Macunaíma:

163

“Os manos ficaram tristes de ver o herói assim e levaram ele visitar o

Leprósio de Guapira”

Ou

“Então as cunhatãs agarraram na mãe, amarraram bem ela”

Fica muito melhor que se tivesse dito “levaram-no” ou “amarraram-

na”.

E tem essa do Carlos Drummond, ainda na “Balada”:

“o leão comeu nós dois”

Quanto às concordâncias de tempo de verbo, também não as observamos

rigorosamente na comunicação espontânea do pensamento. É muito comum chamarmos o

imperfeito no lugar do condicional (eu podia ter ido, eu ter ido). Os infinitos plurais também

ficam muito mal conforme a frase.

Há um poema de Vinicius de Moraes, dos mais bonitos, “Poema de Auteil”, todo ele

escrito em puríssima linguagem, em que só há um solecismo, que é o uso do devia em vez do

deveria.

“A coisa é bem essa

Não há nenhuma razão no mundo (ou talvez só tu Tristeza!)

Para eu estar andando nesse meio dia por estrangeira com nome

estrangeiro

Eu devia estar andando numa rua chamada Travessa Di Cavalcanti

No Alto da Tijuca, ou melhor na Gávea, ou melhor ainda, no lado de

dentro de Ipanema

E não vai nisso nenhum verde amarelismo. De verde quereria apenas

um colo de morro e de amarelo um pé de acácias respontando de um

quintal entre telhados.

Deveria vir de algum lugar

Um dedilhar de menina estudando piano ou o assovio de um ciclista

[...]” etc.

Veja-se que Vinicius não se prende a nenhum esquema contra o condicional, tanto que

põe quereria e o próprio deveria na forma correta depois. E, mais importante, a inspiração do

poema não obedece a uma motivação de linguagem popular e corriqueira, pelo contrário. Mas

a intuição comunicativa do poeta exigiu o devia gramaticalmente errado, ali onde ele pôs e

ficou lido.

No que se refere à concordância de número há duas frases no meu livro que parecem

erros crassos e não são nada. A primeira é quando digo:

164

“O jardim estava um ajuntamento de crianças, para mais de cem e os

ares dela era de gente muito contrariada.”

E a outra é: “Chegou os milicos.”

Tanto no primeiro caso como no segundo caso o era e o chegou se referem a um grupo

compacto e que o leitor sente como singular. Os ares delas está no lugar de o aspecto delas, o

jeito delas, a aparência delas, e quando digo os ares, o leitor sente um todo não dividido em

partículas. Saliento isso porque escrevi intuitivamente a frase e depois, na revisão, corrigi e

pus correto, os ares deles eram de gente muito contrariada. E aí o meu ouvido protestou tão

violento que deixei como antese, por curiosidade, examinei a razão psicológica de uma

rejeição tão marcada e vi que meu ouvido estava certíssimo, eu não podia pôr no plural onde a

sensibilidade exigia um singular, pela forma e ritmo como comuniquei o panorama do jardim.

Guimarães Rosa, ao descrever o ajuntamento na hora do sensacional julgamento de Zé

Bebelo (Grande Sertão Veredas) diz:

“Que é que aquela gente pensavam?”

O plural vem aí porque Guimarães Rosa estava mostrando os diversos grupos

jagunços, com ideias diferentes sobre o destino a dar ao Zé Bebelo e o ritmo inconsciente da

transmissão punha na cabeça do leitor os grupos divididos e, daí a gente era um coletivo

dividido, o contrário do que aconteceu nas duas frases que eu fiz.

Os clássicos de antes da literatura moderna usavam o plural com substantivos

coletivos, mas nunca diretamente ligando o sujeito ao predicado como Guimarães fez, usavam

na segunda oração onde o eles vinha oculto por elipse, como por exemplo - “O povo inundou

a praça e olhavam furiosos para o palácio do rei.” Isto aqui é uma “liberdade” gramatical, bem

comportadinha, pois a própria palavra “liberdade gramatical” sugere uma exceção que

confirma a regra, o fulano está preso mas pode dar umas voltinhas de vez em quando. Na

frase de Guimaraes já é a libertação gramatical, como nas que citei dos outros poetas

modernos.

Libertação gramatical não quer dizer jogar a gramática no lixo; ela é imprescindível ,

mas é apenas um instrumento que ajuda a escrever, já não manda nada. A libertação

gramatical não é contra o estudo da gramática, pelo contrário, a gente gosta muito mais de um

auxiliar amigo e precioso do que um carcereiro ranhento e a formulação de agramaticalismos

165

arrojados e de bom gosto pressupõe no escritor muito mais estudo de gramática do que

escrever na quadrinha como discurso de deputado. E também não quer dizer obrigação de

escrever gírias, brasileirismos e solecismos, sinão a gente caía numa regra e ficava escolástico

igual. A atual geração de compositores da música popular que está espantando a gente numa

espécie de Século de Luís XIV da música e da poesia popular, Vinícius, Edu, Chico, Gil,

Caymmi e tantos intermináveis, escrevem muitas letras sem nenhum deslise que possa torcer

o nariz do mais fanático dos puristas, mas libertação é isso, obedecer a gramática quando é

conveniente e desobedecer quando é hora de desobedecer, tudo conforme o embalo do

momento, a personalidade do escritor e o assunto a transmitir.

A libertação do formalismo preciso das regras do “bom português” importado da

metrópole não é divertimento para ser original, foi a luta de toda uma geração de poetas e

escritores na busca de um estilo que levasse a uma autêntica comunicação com a sensibilidade

do leitor. Olavo Bilac intuiu isso e escreveu o dramático Inania Verba; era um poeta colossal

mas percebeu com uma clareza notável que estava rendendo menos que 30% de sua enorme

potencialidade, sentia um turbilhão de coisas lá dentro e, na hora de escrever, a palavra era

pesada, era sepulcro de neve. Não tinha condições históricas para achar a solução que era

largar de lado o “bom português” junto com seus modelos parnasianos da França e aprender o

bam-balanço do português brasileiro que estava ali no nariz dele. Mas deu o grito.

Mário de Andrade, num trecho de Macunaíma (Carta às Amazonas) pôs o dedo na

ferida: o brasileiro tinha dupla personalidade linguística: falava muito saboroso “nas vozes de

brincar” e na expressão familiar e quotidiana do pensamento, mas quando se sentava na

escrivaninha e pegava na pena, virava um bicho diferente e escrevia em estrangeiro, na língua

de Camões. Saía arranjadinho porque usava sinônimos para não repetir palavras, metáforas,

antíteses, e evitava choques de sons e isso tudo que no fim a gente não sabia se ria ou se

chorava de dó do coitado que escreveu.

Manuel Bandeira, na linda “Evolução do Recife” foi outro que pegou o gato pelo rabo:

“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada”

166

Veio Drummond (“As palavras não nascem amarradas – Elas saltam, se beijam, se

dissolvem”), veio Vinicius (Carta aos Puros), veio Oswald de Andrade e muitos muitos e,

ainda outro dia aconteceu um fato raro: numa eleição disputada por dois poetas de alto

gabarito, a Academia Brasileira de Letras elegeu por unanimidade seu novo membro, João

Cabral de Melo Neto, que fala assim do purismo gramatical:

“se refere em caieiras

se apurando sem fim a corrosão e a ira

o purismo e a tolerância inquisidora

de beata e gramatical, somente punitiva;

se a deixassem sair, sairia roendo tudo

(de tudo, até as coisas nem nascidas),

e no fim roídas as fichas e indicadores,

se roeria os dentes: enfim autopolícia.”

A luta desta geração deu um fruto chamado Guimarães Rosa que, assim perto, ainda é

difícil de julgar sua dimensão total, mas eu pressinto (e não só eu, no estrangeiro já o

compararam a Cervantes) que para as gerações futuras ele será colocado na reduzida galeria

dos super-gênios que já houve em toda a humanidade. Sérgio Milliet já disse que “Grande

Sertão Veredas” é o grande acontecimento literário e linguístico do século e que depois dele

“será preciso reescrever a gramática do português no Brasil”.

Guimaraes apreendeu, até o último de seus maneirismo, a técnica total do balanço

popular de expressão e, sublinhando- o literariamente, libertando-se da retratação de

vocábulos e expressões regionalistas, conseguiu esse milagre de estilo em milhares de páginas

de seus livros, é uma poesia profunda m cada frase, uma atrás da outra, sem parar, sem altos e

baixos, tudo batendo lá no fundo da gente. Guimarães fez com o “bom português” o que

Cervantes fez com a cavalaria andante: deu a espinafrada final. Daqui para a frente, quem se

meter no Brasil a escrever sem intuir a alma do povo brasileiro, está na cova antes da saída,

vai de Rocinante.

Sou advogado trabalhista há sete anos, lidando com povo humilde, vindo de todo

canto do Brasil e, quando recentemente, peguei os livros de Guimarães, senti um

deslumbramento: o estilo de Guimarães, não pelos regionalismos (que é o que menos importa

nele, assim como pouco importam os neologismos) mas pelo ritmo, a batida, era, sublimado,

o ritmo espontâneo no qual há muitos anos meus clientes me contam seus casinhos, é o

pensamento do povo brasileiro escrito no papel, pulando do papel.

167

Bom, aqui fico, advogado que sou, enfiei minha jurisprudência e justifiquei que meu

estilo, ou minha procura de estilo, cabe numa coleção que tem convênio didático com escolas.

Se o usei bem ou mal, já é outro problema, isto fica para os leitores.

168

AUTOR E OBRA – Texto presente na obra Cascata de Cuspe pela Editora Moderna

(1992), escrito pelo próprio autor.

Algumas observações sobre a turma do gordo

Quando escrevi o primeiro livro, inicialmente, na minha cabeça, a turma do gordo não

era ainda a turma do gordo, e sim a turma do Edmundo.

Edmundo era o herói principal, assessorado diretamente pelo Pituca, e o gordo, muito

no terceiro plano, um flagrante que fazia alguma coisa curiosa de vez em quando.

Pelo início do Gênio do crime pode-se perceber essa disposição.

Mas, conforme fui escrevendo, o gordo foi crescendo, foi tomando conta.

A Berenice só aparece no fim do Gênio do crime: ela não era da turma, nem existia,

não est ava no projeto.

É mais ou menos como a vida da gente: volta e meia surge um personagem que não

estava programado. Criaturas não-chamadas invadem o nosso espaço.

O resto da turma e dos artistas acompanhantes (Abreu, Frade João, professora

Jandira, doutor Marcelo, dona Celeste, doutor Paixão) foi surgindo nos livros posteriores.

Cascata de Cuspe é o sétimo livro da turma do corpo.

Nele a turma comparece integralmente: gordo (Bolachão), Edmundo, Berenice, Pituca,

Mariazinha, Sílvia, Biquinha, Zé Tavres, Godofredo e Hugo Ciências.

Além do Pancho.

A turma fechou acho que não há lugar para mais ninguém.

João Carlos Marinho

169

Sugestões para um método de trabalho em classe feitas pelo próprio autor, presente em

uma das edições de O gênio do crime.

Até hoje a editora não preparou nenhuma “ficha de leitura”, “ficha de interpretação”

do Gênio do Crime, como é uso em todos os livros dados em classe, a pedido meu. Acho que

tais ficjas limitam a apreciação do livro e a uniformizam.

Nas visitas que tenho feito em classe, desde 1969, encontrei nos professores que,

segundo o seu critério e segundo o adiantamento da classe, adotam este ou aquele tipo de

trabalho, muitos excelentes e originais.

Não é minha intenção impor um método de trabalho sobre o Gênio do Crime. Os

professores que já experimentaram seus métodos particulares devem continuara a fazê-lo. O

método ideal de exercício surge sempre da conjunção do modo de ser do professor como o

modo de ser da classe, coisa personalíssima, e que uma ficha de leitura não pode prever.

Acontece que a editora, há vários anos, continua recebendo solicitações para que o

Gênio do Crime venha acompanhado de uma ficha de leitura. Atendendo estes pedidos

elaborei as seguintes alternativas de método de trabalho.

II Redações variadas

Conforme o adiantamento da classe, o professor poderá escolher um dos temas de

redação abaixo, sendo que uns são mais simples do que os outros.

a) No penúltimo paragrafo do capítulo 23 está escrito: Dali a pouco dormiam bem e o

gordo pela primeira vez não sonhou com comida e sonhou com mulher”. Escreva

este sonho do gordo.

b) O Mister volta para a Escócia e seu Tomé escreve uma carta agradecendo. Escreva

uma carta fazendo de conta que é seu Tomé e adotando o estilo de seu Tomé.

c) Você gostou dos personagens e resolve visitar Edmundo, Pituca, Berenice e o filho

do Atlas, que estão reunidos no quarto de brinquedos do gordo. Descreva o diálogo

que você teve com eles. (Nota: a ideia deste tema me foi sugerida pelas inúmeras

cartas que recebo onde as crianças demonstram o desejo de participar da turma do

Bolacha).

170

d) Edmundo, Pituca e Bolachão formam uma turma. Analisar pelo desenvolvimento

do livro e pela psicologia dos três, como funciona esta enturmação e qual q

dinâmica dela.

e) Embora o livro siga uma linha realista, existem coisas que são irreais. Quais são?

Enumere e explique.

f) No capítulo 30, O mister diz ao gerente: “Senhor gerente, a história do mundo

mostrar que os chatos ser bichos muito lógicos e ter sempre razon. Mas o problema

fundamental do vida non ser chata”. Desenvolva este tema.

g) Tente seguir alguém do avesso, um amigo, seu pai, seu professor, e escreve como

foi a experiência, mesmo que incompleta.

h) Faça de conta que o autor esqueceu de escrever o ultimo capitulo do livro e

escreva-o você, de forma diferente.

III EXERCICIOS VARIADOS

Da mesma forma que nos temas de redação há exercícios mais do fáceis do que os

outros

a) Vamos supor que o autor não goste mais do título do livro O Gênio do Crime e

resolva mudar de título, colocando outro que não tenha a palavra gênio e nem

crime. Qual outro título você poria?

b) O gordo não tem nome. Só apelidos que são gordo e Bolachão. Escolha um

nome que tenha cara e jeito de nome de Gordo para o Bolacha. Não vale copiar

o nome de um gordo que você conheça. Concentre-se no nome. O importante é

que o nome tenha jeito de nome de gordo.

c) Em determinado ponto do livro Edmundo faz um trocadilho. Qual é? Explique

este trocadilho.

d) No livro existem alguns termos de gíria e algumas frases faladas da linguagem

familiar. Cite exemplos de ambos.

e) No capítulo 17, seu Tomé, conversando com o diretor da escola cita um

provérbio: “Deus ajuda quem cedo madruga.” O que é um provérbio? Dê um

sinônimo de provérbio. Cite três provérbios.

f) Chover no molhado e cair do cavalo são expressões idiomáticas. Faça uma

frase com cada uma delas. De exemplos de outras expressões idiomáticas.

171

g) O que quer dizer excomungado? Em que sentido é empregada esta palavra no

fim do capítulo 21?

h) No capítulo 20 Berenice diz: “esses do segundo ano só sabem contar anedotas

elementares e são muito prosaicos. “ Copie a frase substituindo as palavras

em negrito por sinônimos.

i) Dê um sinônimo para cada um destas palavras usadas no livro: compenetrado,

alarmado e encabulado.

IV Desenho

a) Faça com cartolina a capa e a contra-capa do livro inventando uma

ilustração diferente e escrevendo duas orelhas de sua invenção.

b) Desenhe duas ilustrações para o livro.

c) Faça uma história em quadrinhos de no máximo oito quadros resumindo o

livro.

d) Desenhe a briga que houve no porão da fábrica clandestina.

e) Desenhe o Mister, colorido.

172

Introdução à obra A catástrofe do planeta Ebulidor (1998), feita pelo escritor.

As aventuras da turma do Gordo não são seriadas. Os livros são independentes e

dispensam a leitura dos demais.

Mas ao longo destes trinta anos foram se acumulando muitas personagens e coisas. Se

eu tivesse que interromper o fluxo natural da história para cada momento dizer quem é quem

e cada coisa é cada coisa, isso desviaria o ritmo da narração.

Por isso faço um breve resumo de como está a turma do Gordo antes desta história

começar.

ATENÇÃO

O leitor pode ler esta introdução duma vez ou, se preferir, consultá-la apenas quando

aparece uma pessoa ou coisa das histórias passadas e que o leitor não conhece.

1) Turma do gordo

São dez crianças. O gordo, a sua namorada Berenice, EDmundo, Pituca, Sílvia,

Mariazinha, Godofredo, Zé Tavares e Hugo Ciência. Nesta aventuranão participam Zé

Tavares e Hugo Ciência. O Pancho, cão pastor do gordo, pode ser considerado como da

turma.

2) Idade

Todos tem onze anos. Até a aventura anterior (O disco) tinham dez anos, mas

passaram um ano e doze dias no Espaço, de 2 de julho de um ano até 13 de julho do outro.

Por isso fizeram onze anos.

3) Lugar onde estão

Estão no casarão do pai do gordo,nas montanhas de Minas Gerais, perto de um vilarejo

chamado Monte Verde.

4) Gente que habitualmente convive com a turma do gordo:

a) Doutor Marcelo: pai do gordo.

b) Dona Celeste: mãe do gordo.

173

c) Frade João: um frade capuchinho que tem uma missão na Amazônia onde ajuda os

índios krikyorabas. Está sempre visitando a família do gordo.

d) Abreu: jovem mordomo.

5) Zé-folha

Um extraterrestre. Tem a forma de um arbusto vivo. Foi assim apelidado pelo Pituca

mas o seu nome verdadeiro saberermos na atual história. Foi encontrado pela turma na

montanha e antes de morrer botou dois ovos. Pediu que a Berenice chocasse um e o gordo

chocasse outro. Falou que os filhos salvariam a turma.

6) Zé-folhinha

Nasceu do ovo que o gordo chocou. Conforme a previsão do pai salva a turma.

Extraterrestres na forma de seres incrivelmente fortes e peludos sequestram a turma e a leva

no disco voador. Zé-folhinha consegue controlar o disco voador e a transmissão de

pensamento, deixa os alienígenas no planeta deles e traz a turma de volta para a Terra. Pousa

no alto da montanha que fica perto do casarão do pai do gordo.

7) Discraniado

O ovo que a Berenice jogou rachou um pouqinho. Por isso o irmão do Zé-folhinha

nasce sem cabeça e Pituca botou-lhe o nome de Discraniado.

8) Hábitos alimentares da raça dos arbustos vivos

Só comem orelha porque a cartilagem contém uma vitamina essencial. Na viagem do

disco voador, Zé-folhinha e o Discraniado comem as orelhas da turma, do pai e do frade.

Deixaram crescer os cabelos para tapar. A falta de orelhas não impede de ouvir. A diferença

para pior é mais ou menos a de um som estereofônico para um mono.

9) Poderes dos arbustos vivos

Aprendem as linguas quase instantaneamente. Possuem uma saliva anestésica.

10) Vacas extraterrestres

Na volta para a Terra (O disco) os dois arbustinhos já tinham comido as orelhas de

todos. Para resolver o problema aterrissam rapidamente no planeta dos arbustos vivos pegam

174

duas vacas orelhudas e as levam no disco. As orelhas dessas vacas são como as nossas unhas

ou nossos cabelos, crescem de novo depois que são cortadas.

11) Visita ao planeta dos arbustos vivos

É muito rápida e não fazem contato com os governantes e nem visitam a cidade.

Descem num campo, no interior do planeta só para pegar as duas vacas. Mas um habitante,

pensando que os terrestres haviam arrancado a cabeça do Discraniado por maldade, dá um tiro

de raio paralisante no pai do gordo qye fica petrificado por dois dias e depois volta ao normal.

O gordo consegue tirar a pistola do atacante e dá um tiro de raio paralisante nele.

12) Sevetrérios

São piratas do espaço que moram em asteróides. Algumas naves dos sevetrérios

atacam o disco voador mas não são derrotadas. As naves dos sevetrérios têm a forma de

charutos voadores.

13) Disco voador

Todos os seus controles, inclusive os computadores, são microscópicos. O comandante

pode determinar que o disco fique visível ou invisível. É totalmente transparente, o próprio

chão é transparente. Transforma energia em matéria e vice-versa. É comandado por

transmissão de pensamento.

A energia que move o disco é a força da gravidade qye existe no Espaço. Tem um

grande salão, uma grande mesa para refeições e quartos com banheiro.

14) Lugar onde pousa o disco voador

Aqui na Terra o disco voador fica pousado numa saliência plana de terreno que fica ao

lado de uma grande pedra chamada Chapéu do Bispo. Esta pedra fica no alto da montanha,

perto do casarão do pai do gordo.

15) Quem participou da primeira viagem

O gordo, Berenice, Edmundo, Pituca, Sílvia, Mariazinha, Biquinha, Godofredo, o pai

do gordo e o frade João participaram da viagem inteira. Zé-folhinha e o Discraniado

começaram a viagem em forma de ovos e nasceram dentro do disco. Os alienígenas peludos

participaram da saída da Terra, onde sequestrarm a turma, mas foram deixados no planeta

deles e não fizeram a viagem de volta.

175

16) Quem não participou da primeira viagem

A mãe do gordo, o Abreu e o Pancho ficaram aqui e não participaram da primeira

viagem.

17) Dois períodos de gira-a-gira

A rotação rapídissima do sol do planeta dos arbustos vivos, combinada com a atração

das quarenta e quatro luas faz com que o disco, ao aproximar-se, rode que nem pião por duas

vezes.

18) Refeições no disco voador

A comida, os pratos, os talheres, as jarras, surgem no ar, perto do teto e descem

lentamente até a mesa. É a transformação de energia em matéria. Depois do almoço os pratos,

jarras e talheres sobem até o teto e se transformam em energia de novo. O disco voador tem

um sistema autolimpante: todas as superfícies ondeulam para absrover a sujeira.

19) Origem do disco voador

É desconhecida. Zé-folhinha tirou o Disco dos homens peludos. Mas os homens

peludos não sabiam a origem do disco. Só sabiam qe estava no planeta deles há milhares de

anos.

176

ANEXO D: INFORMAÇÕES FORNECIDAS POR JOÃO CARLOS MARINHO NA

SUA PÁGINA NA GLOBAL EDITORA.

Autobiografia de João Carlos Marinho, presente no site do autor.

Quando eu era criança o meu sonho era ser escritor, morava em Santos e vivia

escrevendo pequenas histórias em caderno espiral só para mostrar para os amigos e para a

família. Nisso eu tinha especial incentivo do meu pai Roberto Silva e do seu querido amigo

Artur Neves. A amizade deles havia começado no Presídio Maria Zélia onde a ditadura do

Getúlio Vargas trancava os presos políticos. O meu pai havia ensinado inglês para o Artur

Neves na cadeia, e o Artur Neves tinha jeito para língua, saiu da prisão falando correntemente.

O Artur Neves me introduziu ao mundo dos livros de Monteiro Lobato. Esta aproximação faz

parte de um artigo à parte que o leitor encontrará logo no topo da seção Notícias deste site. O

Jardim da Infância (era o nome do pré) e o primário eu fiz no Ateneu Progresso Brasileiro, das

inesquecíveis dona Ida e dona Jandira, ali na Avenida Ana Costa. A minha casa ficava perto,

na rua Galeão Carvalhal, e no meu aniversário de cinco anos eu fiz um comício em casa,

dizendo que não admitia mais que a empregada me levasse para a escola, que aquilo era

ridículo, me colocava numa situação de incompetente. A discussão foi forte, a minha mãe era

totalmente contra, mas eu ganhei. Vejam o azar, no primeiro dia, andei sozinho até a escola e,

na frente da escola, quando atravessei da ilha da Av. Ana Costa para a calçada de lá, veio uma

bicicleta na contramão, fui atropelado e sofri um grave ferimento na cabeça que se chocou

contra a quina do meio-fio. Eu não gemia de dor, eu gemia de raiva! O naufrágio dos meus

argumentos. Voltei a ser escoltado, até fazer seis anos. O bafo quente, denso, pesado, daqueles

verões de Santos permanece na minha memória, o sol batia muito forte, derretia o asfalto das

ruas, queimava o pé das pessoas, mas eu, tirando fora cinema, circo, mágico e escola, eu

andava sempre descalço, criei cascão no pé, por isso não me incomodava. A minha mãe

aproveitava o sol forte para fazer cocadas ao sol, um petisco muito bom.

Foi nessa época, entre cinco e seis anos, que aconteceu o caso muito interessante da

empregada que lia em voz alta. Como eu ia ao Jardim da Infância à tarde, a minha mãe queria

encher o meu tempo de maneira educativa de manhã e a empregada que arrumava a casa se

ofereceu para ler em voz alta histórias para mim. Se a história era muito longa ela devia só ler

um pedaço. O lugar que eu gostava de ouvir história era na ponta do canal três, naquele

pedaço que o canal vai entrando no mar e às vezes uma onda respinga. A base da mureta era

larga, eu sentava ao lado da empregada, ela abria o livro e lia. E um dia o meu pai resolveu

177

me ensinar a ler pelo sistema da cartilha antiga que tinha uma sólida capa de papelão. Uma

capa séria, sem ilustração nenhuma, não queria seduzir ninguém, não estava afim de

gracinhas. Aquela cartilha do Ba, Bé, Bi , Bó , Bú que não tinha grandes sutilezas

pedagógicas, era pão com queijo, mas sou testemunha de que funcionava muito bem. Às seis

da tarde o meu pai chegava do trabalho, sentava na poltrona grande da sala, pegava a cartilha

e eu sentava na perna dele, de cavalinho. Dia a dia comecei a entrar nos mistérios da leitura. E

a empregada continuou a me levar todo dia na ponta do canal e a me ler uma história. Eu

gostava do jeito que ela lia, punha muita vida naquela leitura, sabia dar uma emoção. Só que,

um dia, por causa das aulas de alfabetização do meu pai, comecei a acompanhar no livro as

frases que ela lia. Fiquei perplexo. Esfreguei os olhos. Achei que estava tendo um delírio. O

que ela falava não combinava com o que estava escrito. Essa sensação de delírio era real

porque foi a primeira vez que eu li alguma coisa fora da cartilha, o meu pai ainda me achava

insuficiente, eu não tinha alvará para sair lendo geral por aí. Só tinha lido cartilha, nas aulas

do meu pai. Então a história acabou, resolvi tirar a limpo no dia seguinte se aquilo era delírio

ou não era. O livro ficava com ela, ela não emprestava para mim. No dia seguinte, na ponta do

canal três, a leitura dela continuou. E eu acompanhei desde o começo. Era uma coisa muito

estranha. O olhar dela acompanhava as linhas, como se estivesse lendo, e ela falava. Quando o

olhar dela terminava de percorrer a ultima linha de uma página, ela a virava muito devagar,

aspirava profundamente, olhava para o céu, soltava o ar do pulmão, punha o dedo indicador

em cima da primeira linha da próxima página, e continuava falando. Mas o que ela falava não

era o que estava escrito. A história era aquela, a estrutura da história era a do livro. Mas com

outras palavras, outras imagens, outros diálogos. A explicação é que a empregada era

analfabeta. De noite, depois do serviço, na casa dela, fazia alguém ler para ela o que ela ia me

ler no dia seguinte. E guardava na cabeça! O fantástico é que ela gostava das histórias, ela

punha vida nas histórias. E que talento teatral! Nem sei mais o nome dela, uma artista popular,

uma mulher esplêndida, que ficou anônima, mas leva o eterno carinho das minhas memórias

infantis. Como eu já podia ler por mim mesmo, ela foi dispensada da leitura e continuou

arrumando a casa. Deve ter sofrido. A vocação dela não era arrumar casa, ela gostava mesmo

é de ornamentar história para mim. Colocar a interpretação dela. Com ênfase.

Ao terminar o curso primário fui cursar o admissão e o ginásio como interno no

Instituto Mackenzie em São Paulo, e continuei residindo em Santos para onde eu voltava

todos os fins de semana e férias. Quando eu fiz 13 anos o meu querido pai morreu, fiquei

externo e passei a viver com os meus avós, o doutor João Marinho de Azevedo, médico e

professor aposentado da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a dona Cecília do Val

178

Marinho. Eles moravam na rua Vitorino Carmilo 620 que fica assim numa espécie de

interseção de Barra Funda, Santa Cecilia e Campos Elisios. Morando exclusivamente em São

Paulo, o meu divertimento principal passou a ser de assistir futebol no Pacaembu que não

ficava longe da casa de vovô. Assistir futebol, ler a Gazeta Esportiva, o Esporte, o Mundo

Esportivo, ouvir os comentários da rádio Tupi e da rádio Panamericana, eu virei uma

enciclopédia de futebol. Duvido que tenha havido no mundo um estádio mais bonito e mais

poético do que aquele Pacaembu antigo. E mais aconchegante. Fídias não teria feito melhor.

Harmonioso do lado de fora e do lado de dentro. Cheio de vegetação, de chorões, de

gramados em ladeira, num bairro do sobe e desce, bem coisa de São Paulo. Durante os jogos

noturnos era uma festa para os olhos as dezenas de milhares de pontas acesas de cigarro, ainda

não ofuscadas pela iluminação moderna. Nos lances agudos, no perigo de gol, a turma tragava

com mais força, as luzinhas brilhavam mais. Outra marca registrada era o ritual do bêbado

brigão que dois guardas traziam pelo colarinho e faziam desfilar na frente das arquibancadas.

Ele sempre era preso lá no fim da ferradura, do lado da Concha Acústica. A perua Ford de

presos, que chamava Pingüim, porque era branca e preta, ficava do lado oposto, no portão de

entrada (Portões Monumentais). Então os guardas tinham que desfilar com o o bêbado ao

longo do alambrado. O bêbado vinha de lá do fundo, aos tropeções, trazido e levado, muito

passivo, mas quando chegava na frente do grupo dois da numerada, o povo fazia um silêncio,

era a hora que todos olhavam, então o bêbado (de paletó e gravata, polidos e velhos, mas

sempre limpos) dava um tranco nos guardas, se soltava, fazia gestos desafiadores, aquilo era

um gol de Baltazar, a gente levantava e aplaudia, assobiava, um guarda dava-lhe uma

cacetada, Meu Deus! nem as massas desencadeadas que tomaram de assalto a Bastilha teriam

mostrado tanto ódio contra o símbolo da opressão, todos os palavrões da língua caiam sobre

os guardas, uma gritaria infernal, e o cortejo dos dois guardas e do bêbado ia caminhando, na

direção do Pingüim, quando chegava no fim do grupo 3, onde só tinha arquibancada de cima

em baixo, o bêbado dava um bis, não havia muita variação, nem a gente pedia, a gente queria

aquilo mesmo.

Em janeiro de 1952, em companhia de minha tia Heloisa, voei para a Europa num

Constelation da SAS. O meu avô havia determinado que eu cursasse o colegial na Suíça, não

me acompanhou pessoalmente porque estava muito velho e as viagens naquele tempo não

eram esta facilidade de hoje. Só o meu vôo de avião desde o Galeão até Zurique, com escalas

em Recife, Dakar e Madrid, demorou vinte e oito horas. Era um avião de hélice que voava

baixo e a velocidade era muito inferior à de um jato atual. Voar baixo tinha uma vantagem

inestimável: a gente via todos os detalhes da paisagem, nunca esquecerei aquele vôo sobre os

179

mares verdes claros e tão brilhantes do nordeste, mares de José de Alencar, totalmente

transparentes, apareciam em baixo d'água as redes dos pescadores, muito nítidas, e depois, no

dia seguinte, atravessando a França, uma colina atrás da outra, todas cultivadas, os rios e os

riachos, os bosques, as cidades, as estradas, o trem andando. Outra vantagem dos

Constelations daquele tempo, comparados com os jatos de hoje, é que eram muito largos,

espaçosos, a aeromoça puxava uma cama do teto, a gente pulava dentro, ela fechava a cortina

e ia trazendo coisa para a gente comer, inclusive o café da manhã. Largo também era o

corredor do avião, lembro que havia um grupo de meninas adolescentes, muito alegre,

sentamos no chão do corredor do avião e ficamos jogando baralho. E vinha de lá a mãe de

uma delas, resolvia jogar também, sentava no chão, cabia todo mundo naquele corredor do

Constelation, sobrava lugar para os comissários de bordo e para os outros passageiros irem

passando, podia passar no meio da gente, se queria passava do lado, lugar é que não faltava.

Fui matriculado como aluno interno na Ecole Nouvelle de lá Suisse Romande que

ficava em Lausanne, no bairro de Chailly e lá morei de janeiro de 1952 a abril de 1956

quando consegui o meu certificado de Maturité Fédérale Suisse. A Suíça fica bem no centro

da Europa rica, apesar de muito pequena faz fronteira com Itália, Alemanha, Áustria e França.

Em janeiro de 1952, seis anos apenas depois do fim da segunda grande guerra, a Alemanha, a

Itália e a França em processo de recuperação, a Suíça era de fato um paraíso de segurança e

prosperidade. Então eu vi a mundialização muito antes de existir esta palavra. Dificilmente

você sentava na mesa com duas pessoas da mesma nacionalidade. Na minha escola o que

tinha mais eram iranianos, siameses (os tailandeses eram chamados assim) e italianos, mas

isoladamente (como eu, o único brasileiro) havia alunos de todos os lugares como Bélgica,

Holanda, Luxemburgo, Islândia, Grécia, França, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Áustria,

Estados Unidos, Uruguai, Argentina, Colômbia, Turquia, Argélia, Madagascar, Congo Belga,

Afeganistão, e mais os suíços, alemães, franceses, italianos. O Brasil, que fica no hemisfério

sul, fora das rotas internacionais, mesmo hoje apresenta um número pequeno de estrangeiros.

Nem nos cinco anos de escola primária, nem nos quatro anos de ginásio eu nunca tive um

colega estrangeiro. Agora eu estava dividindo o quarto com um grego (Salmonas), um italiano

(Paolazzi) e um suíço (Hench).

A Suíça era uma condensação daquilo, mas a Europa é uma família. Quando em 1955

o nosso professor de história Monsieur Yves Brassler, visivelmente emocionado, nos explicou

o início da formação do Mercado Comum Europeu, eu, que já vivia há mais de três anos

naquela Europa, indo para baixo e para cima nas férias, entendi que aquilo era uma coisa

absolutamente lógica. São populações inter-relacionadas há muitos séculos, a Europa é um

180

espaço geográfico e histórico comum para eles. Totalmente ao contrário de nós, na América

do Sul.

O ambiente da escola era acolhedor, caloroso, impossível querer melhores amigos e

melhores professores, e muito liberal em matéria de saídas e acima de tudo em matéria de não

se meterem de modo nenhum com a vida particular da gente e o nosso modo de pensar.

Ensino puxadíssimo, mas com muita aula particular eu resolvi aquilo. Morar num internato

que tem instalações esportivas é igual morar em um clube, só quem não quer é que não vira

atleta em pouco tempo. Eu virei. Até doze anos, em Santos e no Mackenzie eu havia jogado

no gol, eu era um excelente goleiro. Eu fazia até um treino especial na grande varanda da

minha casa na rua Galeão Carvalhal: amassava um pouco uma bola de pingue pongue, jogava

contra a parede e deixava ela bater no chão para depois eu defender. Com o formato irregular

do amassado a bola tomava direções impreviseis, aprimorando os meus reflexos. É claro que

aquilo era irradiado e era comum que o locutor (que era eu) falasse com muita ênfase: João

Carlos acaba de fazer uma defesa sensacional! Mirabolante! Na pre-adolescência quando

comecei a jogar no campo grande do Mackenzie, enfrentando alunos maiores, verifiquei, a

custa de muita bolada no peito e muito dedo torcido, que eu era excessivamente magro para

aquela posição e passei a jogar na frente. Ali na Suíça, no começo, estranhei o futebol deles,

com muito uso do choque de corpo, mas fiquei forte, acostumei, acabei ficando capitão do

time por três anos.

O meu querido avô era um grande missivista, escrevia cartas muito amorosas, muito

bonitas, muito compridas, e muito numerosas, duas por mês. Quando chegava carta de vovô

os meus colegas mais chegados se reuniam no meu quarto e pediam para eu traduzir. Vovô

opinava sobre tudo, dava muitos conselhos. Ele escrevia: “namore as nativas, será útil para

desenvolver o seu francês, melhor do que ficar ouvindo o francês mal tratado destas italianas

de pensionato.” Ou então: “não lhe esqueça de vigiar os dentes; que feio não apareceria no

pretório um advogado com falha no frontispício da dentadura”. No começo eu tive certo

pudor, temia que o meus amigos achassem o meu avô ridículo. Foi o contrário, eles adoravam,

começaram a sentir um enorme carinho pelo meu avô. E o público foi aumentando, dali a

pouco tinha gente sentada sobre a minha escrivaninha ou sentada no chão.

Só quem morou e estudou em pais de língua francesa é que pode ter idéia da força e da

influência que o teatro de Molière tem na vida desses povos. Está presente em tudo. Todas as

escolas fazem representações teatrais, com as crianças, com adolescentes, e invariavelmente

uma farsa ou peça curta de Molière é levada ao palco, dirigidas de maneira muito profissional.

E nas classes mais avançadas estuda-se e discute-se profundamente e com entusiasmo as

181

comédias mais nobres, como o Misantropo, o Tartufo, a Escola de Mulheres, a Escola de

Maridos, o Avaro, o Burguês Fidalgo, etc. As tiradas a gente fica sabendo de cor e são usadas

diariamente em situações da vida onde elas parecem ter cabimento, igual nos países de língua

inglesa fazem com as citações de Shakespeare. Quando a gente sai de país francês tem-se a

impressão de que o Shakespeare é o único Deus mundial do teatro, mas lá dentro o Deus do

teatro é o Molière. Onde você vai você não escapa de esbarrar numa coisa do Molière. Fui

contagiado pela paixão do teatro, acabei escrevendo duas peças pequenas, só para serem

representadas no Natal, na cerimônia de encerramento do ano, onde os parentes compareciam,

e tiveram bastante sucesso. Qualquer pessoa que tenha familiaridade com os meus livros da

turma do Gordo percebe que eu faço avançar as minhas histórias através de diálogos: tenho

certeza de que devo isso à intimidade que tive com as peças do Molière. Os diálogos dele

“batem bola”, como a gente diz, a fala de um personagem traz uma resposta dinâmica e

natural, que provoca outra resposta em cima, aquilo vive e avança: o diálogo vai dando o

andamento da ação sem que o espectador se sinta guiado por um artifício do autor. Neste

ponto Molière foi o meu mestre.

Alguns dias antes do meu exame de Maturité recebi a triste notícia do falecimento de

meu avô. Chorei vários dias sem parar e nunca esquecerei o amoroso e firmíssimo consolo

que a minha namorada Françoise Dubuis me trouxe, não saindo do meu lado. Este afeto que

eu recebi da Françoise foi inesquecível. E também do meu querido amigo Alex Thalberg.

Devo a eles ter chegado lúcido e combativo para passar aquele exame tão difícil, considerado

uma proeza até para os próprios suíços. E pronto, com o exame embaixo do braço era voltar.

“Nada é para Sempre” é o título de um belo filme do Robert Redford. Ao entrar no

Constelation da Air France, em 20 de abril de 1956, não adiantava eu me consolar me dizendo

que eu era moço, que a vida estava na minha frente, não adiantava, eu estava deixando para

trás o sonho de fadas de uma adolescência muito feliz, outros sonhos eu viveria, mas aquele

terminava ali, na porta do avião da Air France. Nada é para sempre.

Cheguei no casarão da Vitorino Carmilo 620. Onde viviam a minha avó, a minha mãe

e a minha irmã Dunia. Agora eu era o único homem daquela casa, e, com certa solenidade,

penetrei no escritório do meu avô e sentei na escrivaninha dele. No ano seguinte prestei

vestibular na São Francisco e passei a cursar a Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo. Participei da política universitária, tendo sido redator chefe do Boletim do Centro

Acadêmico XI de Agosto e também por um tempo redator do jornal da União dos Estudantes

Universitários (UEE), sem esquecer que fui redator, ainda calouro de um jornal acadêmico de

curtíssima duração (dois números) que tinha o nome de FAN – Frente Acadêmica

182

Nacionalista. Comecei a dar assistência jurídica a sindicatos, o que me levou a aprofundar os

meus estudos de Direito do Trabalho, matéria em que me especializei de maneira muito

sólida. O treino que recebi no escritório trabalhista do doutor Altivo Ovando, quando

estudante, foi muito importante na influência que teve no meu estilo de advogar. Magnífico

foi também o curso de Direito do Trabalho ministrado pelo professor Cesarino Junior, de

longe o professor que eu mais admirei na Faculdade do Largo de São Francisco.

Em fins de 1961 passei a advogar em Guarulhos, primeiro para sindicatos e depois no

meu próprio escritório. Eu estava muito bem preparado e o sucesso veio rapidamente. Casei

com a Marisa em outubro de 1962, em agosto de 1964 nasceu o nosso filho Roberto. Em fins

de 1965 eu já tinha condições de contratar um advogado assistente, o Dr. Orlando Cruz Leite

que trabalhou dezesseis anos comigo e até hoje é um amigo do coração. A chegada do Dr.

Orlando tem um significado especial para a minha estréia na literatura. Enquanto eu advogava

sozinho, com uma grande clientela, eu não tinha tempo para mais nada. É certo que antes eu

havia contratado alguns advogados recém-formados mas eram instáveis e não me davam a

confiança e a performance que eu precisava. Com o Dr. Orlando eu pude dividir o trabalho e

ficar em casa no período da manhã. Nestas manhãs livres foi-se formando na minha cabeça a

idéia do Gênio do Crime. Começaram a visitar a minha imaginação as cenas da minha

infância e, entre elas, as dos concursos de figurinhas de futebol. Eu tinha vivido muito estes

concursos, batendo abafa (que hoje chama “bafo”), colecionando figurinhas, colando no

álbum, que a minha avó Cecília ajudava a organizar, colocando um papel de seda entre as

páginas para que elas não colassem umas nas outras. A cola era indispensável, as figurinhas

não colavam só com cuspe, como os selos de hoje, tinha que besuntar de cola, e como eu

besuntava muito a cola espirrava e as páginas colavam. As emoções destes concursos foram

muitas, e, partindo delas, eu formei o enredo do Gênio do Crime que foi publicado algum

tempo depois, em fevereiro de 1969.

Publicando o Gênio do Crime eu senti que havia alcançado a minha verdadeira

vocação, aquela com que eu sonhava quando era criança. Ao terminar a minha temporada

suíça, entrando no Constelation da Air France, senti o terrível travo amargo na boca de um

sonho bonito que terminava, marcando o fato que na vida da gente “nada é para sempre”.

Agora um outro sonho começava. Os anos passando escrevi e publiquei outros livros, e as

notícias sobre a minha carreira o leitor encontrará muitas e variadas na seção Notícias deste

site, onde existe a transcrição de um longo Chat meu na Uol com os meus leitores, uma longa

entrevista minha para a Uol Crianças, uma notícia bem detalhada de como aconteceu o meu

encontro com a literatura de Monteiro Lobato, uma interessante entrevista comigo feita pelo

183

crítico Geraldo Galvão Ferraz, e vários artigos e apreciações de professores de literatura e

escritores sobre a minha obra. Na seção Home do site o leitor encontrará a lista de meus

livros, clicando neles aparecerá uma notícia sobre o enredo e a capa. Depois de ver tudo isso,

se alguém quiser saber mais, só tem que ir na seção Fale com o Escritor e me mandar um e-

mail que receberá pronta resposta.

184

Meu álbum

Transcrição:

Eu dediquei o meu livro O gênio do crime a minha queria avó Cecilia Duval Marinho

porque ela me deu uma grande ajuda nas coleções de figurinhas de futebol que eu fazia na

década de 40 quando eu era criança. Ela começou me ajudando a vencer as dificuldades que

eu encontrava para colar figurinhas no álbum. Naquele tempo, não havia essas coisas

autocolantes também não havia esses bastões sólidos de cola, havia apenas a cola liquida que

a gente chamava de goma arábica. Essa cola liquida ficava dentro de um vidro a gente

mergulhava o pincel no vidro e depois besuntava o verso da figurinha e com o verso da

figurinha besuntado de cola a gente colava a figurinha no álbum. E aconteceu muitas vezes de

eu besuntar demais. Eu colocava cola demais e quanto eu fazia aquela pressão para aderir a

figurinha no álbum, aquela pressão fazia que a cola demais espirrasse para os lados e quando

eu fechava o álbum a página de cima grudava na pagina de baixo e dava muito trabalho para

separar a pagina de cima da pagina de baixo. Demorava às vezes muito tempo até eu

conseguir separar as páginas e em algumas vezes eu inutilizava figurinhas porque um pedaço

da figurinha ficava colado na página de cima. Minha vó viu aquilo e falou que eu deixasse a

cargo dela de colar as figurinhas no álbum. Então o jeito da minha avó colar era bem diferente

do meu. Ela não punha muita cola como eu fazia. Ela colocava só umas gotinhas de cola...

muito econômicas... e depois para aderir para colar a página no álbum ela não colava com

aquela força que eu fazia com aquela maneira brusca que eu fazia. Ela... a mão dela descia

suavemente sobre álbum, e muito docemente fazia a figurinha aderir ao álbum. De modo que

nunca mais houve página de cima colando na página de baixo. E outra ajuda que a minha vó

deu também referente ao álbum é que se você olhasse para o álbum as figurinhas eram mais

ou menos assim mais ou menos assim [o escritor mostra o movimento de um pêndulo]. O meu

álbum tinha muitas figurinhas tortas. Umas muito tortas e outras pouco tortas. E depois que a

minha vó passou a ser a gerente, né, passou ser a administradora do meu álbum todas as

figurinhas eram retas, perpendiculares à base do álbum e paralelas entre si. O meu álbum

ficou muito bonito parecia assim uma formação militar geométrica. De Soldadinhos numa

parada. E outra ajuda que a administração da minha vó trouxe pro álbum, porque a

administração da minha vó só trazia coisa boa pro meu álbum. E que o meu álbum ficou mais

limpo. Aliás, ficou limpo de tudo depois que a minha vó passou a administrar. Porque antes

ele não era muito limpo, tinha marca de dedão, tinha uma machinha aqui tinha uma

manchinha ali, coisa que criança faz e com a administração da minha vó aquilo ficou

185

maravilhoso, um espelho reluzente o meu álbum. Outra coisa que a minha vó me ajudou foi

de separar a figurinha da bala futebol. Hoje vocês quando compram figurinhas de futebol, elas

vem embaladas dentro de envelopinhos, mas naquele tempo a embalagem totalmente

diferente e a figurinha vinha enrolada numa bala muito açucarada, muito doce. Então, tinha a

bala, a figurinha vinha enrolada em volta da bala e em cima daquilo tudo tinha um papel

vermelho que era a embalagem geral. Tirar o papel vermelho era fácil, mas na hora de você

desenrolar a figurinha da bala, acontecia algumas vezes, eu digo algumas vezes nem sempre,

geralmente era fácil, mas algumas vezes acontecia da figurinha ficar grudada naquela

substancia açucarada da bala e ficava muito difícil, precisava também de muita paciência para

destacar a figurinha da bala sem ferir a figurinha e algumas vezes eu ficava com um pedaço

da figurinha na minha mão e o outro pedaço ficava na bala, inutilizando também a figurinha,

sobretudo... é a coisa era mais aflitiva. Se fosse uma figurinha difícil como aconteceu algumas

vezes. Minha vó viu aquela preocupação minha e falou: João Carlos, deixa que eu colo a

figurinha. Deixa que eu separo, deixa que eu separo a figurinha da bala. Então dali para

frente, todas vezes que aparecia uma figurinha grudada na bala eu entregava para a minha vó.

E ela colocava a figurinha e a bala na ponta do bico de uma chaleira de água fervente e o

vapor que saia daquela chaleira Ele amolecia a bala, a bala ficava mole e ficava fácil destacar

a figurinha da bala. Então a vovó passava a figurinha debaixo de uma torneira de água para

tirar aqueles fragmentos da bala que ficaram e entregava a figurinha perfeita para mim. Então

eu cresci, parei de colecionar figurinhas, me formei em Direito, casei-me, tive filhos e, em

1969, eu publiquei o Gênio do crime. Em fevereiro de 1969 foi publicado o gênio do crime

com a dedicatória para a minha vó. Dedico este livro a minha querida avó Cecília Duval

Marinho. A minha vó nesse tempo, em fevereiro de 1969, ela ia fazer oitenta anos em julho de

1969. Então ela ia fazer oitenta e nove para noventa anos e ela ficou muito emocionada. Ficou

muito comovida com aquela dedicatória. Eu não esperava, eu esperava que ela gostasse, mas

não podia antecipar que ela ficasse tão comovida e ela queria por toda lei saber ler aquele

livro e saber qual era aquela história que era dedicada pra ela. Mas a minha vó já estava

chegando perto dos noventa anos e como algumas pessoas nessa idade ela estava andando

pouquinho desligada, mas não totalmente desligada. Dava pra conversar, ver a novelazinha da

televisão, mas para ver um livro, eu acho que a cabeça, a cabeça dela, certamente não

conseguia mais ler um livro inteiro. Então minha mãe supria essa dificuldade, esse obstáculo

e minha mãe toda noite lia um capitulo do gênio do crime pra ela. De modo que a minha vó,

leu. A minha vó pode ouvir todos os capítulos do Gênio do crime, um lido a cada dia por

186

minha mãe. Essa historia da minha vó Cecilia e do meu álbum de futebol. Eu agradeço a

atenção e até logo.

187

Sangue fresco por João Carlos Marinho

Transcrição:

O Ship O‟ Connors é o chefe de uma quadrilha internacional que sequestra crianças e

as leva para a Amazônia onde o sangue delas é retirado para ser vendido na Europa e nos

estado unidos. Depois de fazer um primeiro sequestro com sucesso, o Ship O‟ Connors está

escolhendo as vítimas para o segundo sequestro que ele pretende realizar. Com esta finalidade

ele visita a casa do Gordo onde está sendo realizado a festa de são Pedro em 29 de junho de

1980. Quando o Ship O‟ Connors vê o Gordo, ele fica maravilhado, ele fica estupefato. A cor

da pele do Gordo, ele olha pro Gordo e fica... tem a certeza de que o Gordo tem o sangue mais

mais rico do mundo. Que o sangue do Gordo vai fazer ele milionário. Que o sangue do Gordo

vai ser vendido por uma fortuna na Europa e nos Estado Unidos.

Então ele promete a si mesmo que irá sequestrar o Gordo. Essa festa junina que eu

descrevo de maneira tão viva e com tantos detalhes no livro Sangue Fresco, é a cópia,

transposição da real festa junina que eu dei na mesma data em 29 de Junho de 1980 na minha

casa de Guarulhos da Avenida Salgado Filho. Foi uma festa muita alegre, eu comprei muitos

fogos, muita comida muita bebida. Botei muita música houve muita dança. Inclusive eu

transcrevo no livro Sangue Fresco a segunda estrofe da música da letra da música noite de

junho de Alberto Ribeiro e do João De Barro que eu toquei na minha festa essa... essa estrofe

que está transcrita no livro foi tocada na minha festa. Essa estrofe é assim: "Os balões devem

ser com certeza as estrelas aqui desse mundo. E as estrelas do espaço profundo são os balões

lá do céu." Saindo da festa do Gordo com a aquela ideia na cabeça, né, o Ship O‟Connors

tenta um primeiro sequestro do Gordo, mas o Gordo escapa, mas aí ele tenta um segundo

sequestro e consegue levar o Gordo e mais a turma dele e mais outras crianças para a clareira

na Amazônia para retirar o sangue deles e efetivamente esse sangue começa a ser

semanalmente retirado.

A descrição dessa clareira na Amazônia que era o campo de concentração das crianças

não foi difícil para mim porque em janeiro de 1973, eu visitei na Amazônia, no centro da

floresta amazônica, uma fazenda experimental de gado que justamente era uma clareira que

tinha sido aberta na floresta de onde tinham sido derrubadas as grandes árvores. A primeira

coisa que me chamou a atenção ao pisar nesta clareira foi o chão de areia, o chão era de uma

areia muito fina, muito branca. Parecia que eu estava pisando numa praia. Isso mostrava o que

tinha aprendido na escola e nos livros de que solo da Amazônia não é fértil. Ele não é

188

alimentício para as arvores e por isso mesmo aquelas grandes arvores aquelas majestosas

arvores elas penetram as raízes muito pouco no chão. As raízes dessas árvores se espalham

lateralmente, se espalham do lado e vão procurar alimento na camada de folhas ou das folhas

que caem da própria arvore e das folhas que caem das arvores vizinhas. Por esse motivo, essas

árvores são estáveis, não tem uma boa sustentação, e disso aproveitou o Gordo para fazer o

boliche amazônico e se livrar com isso dos capangas do Ship O‟ Connors que os perseguiam

na fuga pela floresta. Eu fiz vários capítulos se desenrolarem nessa clareira mas chegou num

momento em que o livro precisava ir adiante, o livro precisava continuar, o livro precisava ter

um desenvolvimento dramático e esse desenvolvimento dramático era justamente a fuga das

crianças pela floresta a perseguição que os bandidos fazem dessa fuga e finalmente as

crianças encontram um ponto de salvação em algum lugar. Nesse ponto de descrever as

crianças sozinhas vários dias dentro da floresta amazônica o meu conhecimento livresco não

servia para nada. Eu precisava de conversar com alguém que me desse uma descrição viva e

minuciosa de como é a floresta amazônica. E o meu cunhado Carlos Alberto Sterenberg me

falou que ele conhecia o guia, aquele que foi guia da guerrilha do Araguaia e que guiava

pessoas de noite na floresta justamente para evitar a perseguição do exercito e era uma pessoa

que era unha e carne com a floresta amazônica.

Era a pessoa que podia resolver o meu problema apara terminar Sangue fresco. O

nome dele é José Genoíno. Eu nunca tinha ouvido falar no José Genoíno porque o José

Genoíno tinha sido liberado a pouco pela lei da anistia trabalhava modestamente num

cursinho e ainda não tinha se envolvido na política. Eu marquei um encontro com José

Genoíno no bar batoque na rua São Luís. A Marisa, minha mulher, foi comigo e levou um

caderno para fazer anotações. ali o José Genoíno na minha frente e a Marisa do lado tomando

anotações durante três horas e meia eu bombardeei o José Genoíno com perguntas. Eu falo

três horas e meia porque eu marquei no relógio. Foram três horas e meia. E eu perguntei tudo

aquilo que eu queria saber. Perguntei como é que as crianças ia se orientar dentro na selva

sem bussola sem mapa, como é que elas iam achar o igarapé para fazer uma jangada e se

afastar dos bandidos como é que elas iam se alimentar e sobreviver vários dias naquela

floresta, quais o perigos que elas iam encontrar como é que elas iam contornar esses perigos

como é que eram as noites na floresta, como é que eram os cheiros da floresta como que eram

os sons da floresta.

Enfim toda uma série de perguntas eu fui fazendo para o José Genoíno e com muita

bondade e com muita boa vontade ele foi me respondendo. Graças a ele, eu pude aproveitando

essas anotações escreve a parte final de Sangue Fresco a fuga das crianças pela floresta até

189

que elas encontram a salvação no frade João e aí eu terminei sangue fresco que foi lançado em

maio de 1982 na livraria Capitu ali na rua pinheiro e ali ele começou a carreira dele na

literatura nacional. Eu agradeço a atenção de vocês e muito boa tarde.

190

Histórico do Conde Futreson, escrito pelo próprio autor

O meu livro tem a sua fonte no Drácula de Bram Stoker. Adaptei o Drácula

de modo que ele pudesse fazer parte de uma aventura da turma do gordo, no

Brasil. Mesmo com as mudanças que eu fiz esse livro não poderia ser publicado

sem licença do autor caso pelo decurso do tempo após a morte do autor a obra não

tivesse caído no domínio público.

Em 1922 foi lançado o famoso filme alemão Nosferatu, considerado um

clássico, onde os produtores fizeram várias alterações no enredo (o Conde Drácula

era chamado de Conde Orlok) mas não escaparam. A viúva do Bram Stoker

processou o filme por plágio e a sua exibição foi proibida, só vol tando aos

cinemas quando o livro caiu no domínio publico ou com licença da viúva ou dos

herdeiros.

O segundo filme famoso sobre o livro, chamado também Drácula, saiu em

1931, mas os produtores obtiveram licença da viúva em troca de um pagamento. É

um filme americano, que também ficou histórico, estrelado por Bèla Lugosi.

A verdade é que o Bram Stoker não só inventou o vampiro Drácula mas foi

o primeiro a fazer um enredo bem estruturado sobre o assunto. Um enredo tão

vivo, tão genial, possuidor de uma dinâmica e uma força dramática inigualáveis,

que inibiu futuros autores de se aventurarem numa história original de vampiro

que se afastasse do molde inventado por Bram Stoker.

Antes de Bram Stoker existiam lendas de vampiro, chupadores de sangue,

entre todos os povos do mundo, mas eram lendas muito fraquinhas, sem estrutura

e sem consistência. O vampiro fez a sua primeira entrada na literatura em 1819,

época em que as histórias fantásticas com monstros começavam a entrar na moda.

E tanto estavam na moda que o autor, John William Polidori estava fazendo uma

vilegiatura nas margens do Lago de Genebra, junto a Lord Byron, Percy Shelley e

Mary Shelley, a qual trabalhava na sua famosa obra Frankestein. O livro de John

chamou-se The Vampyre, teve algum sucesso de época e desencadeou uma onda de

histórias de vampiro, todas elas muito frouxas, geralmente almas penadas

(undead) que voltavam para sugar sangue.

O irlandês Bram Stoker que morava em Londres, onde era agente teatral e

também escritor, foi quem botou vida na his tória do vampiro com o seu Drácula

publicado em 1898. Muitos hoje pensam que ele se inspirou numa lenda da

191

Transilvania, o que é completamente errado. Pelo contrário Bram Stoker deu de

presente para a Transilvania a história do Drácula. O autor já tinha n a cabeça a

estrutura da história e estava procurando um título para o livro. Na cabeça dele o

livro ia chamar-se Vampiro (Wampyr) mas, como passava umas férias na cidade

litorânea de Whitby, e freqüentando a biblioteca local, encontrou o nome do

duque húngaro Vlad Tepes que tinha a alcunha de Dracul. Na margem daquele

livro estava escrito à mão por um leitor desconhecido: “Dracul quer dizer Diabo”

(Dracul meant Devil). Bram Stoker achou que era um ótimo nome para o seu

vampiro, inclusive porque era nobre e o associava a batalhas passadas contra os

turcos.

Isso quer dizer que se não fosse esse acaso e se não fosse o Bram Stoker,

ninguém estaria hoje associando a Transilvânia com vampiros, nem os próprios

habitantes do lugar. Ganharam de presente e estão fazendo bom proveito com o

turismo. A magia dessa história não veio da tão decantada “pureza do folclore

popular” e sim da cabeça e do cérebro de um escritor.

Note-se que o lugar onde o barco fantasmagórico do Drácula aportou na

Inglaterra foi justamente a cidade de Whitsby, onde, no livro, Mina e Lucy

passavam férias e a cidadezinha é descrita com fidelidade no livro, tanto assim

que ela oferece roteiros aos turistas baseados no livro de Bram Stoker, pois uma

parte fundamental da ação se passa ali.

Houve mais dois filmes famosos sobre o livro: o Drácula de 1958 e o

Drácula de 1992. O Drácula de 1958, feito na Inglaterra (cujo título foi

posteriormente mudado para The Terror of Drácula, para evitar confusão com o

filme de Bèla Lugosi) nos presenteou com as melhores representações do Conde

Drácula (por Christopher Lee) e do Doutor Van Elsing (pelo formidável Peter

Cushing). O Drácula de 1992, dirigido por Francis Ford Coppola atribui -se uma

maior fidelidade com o livro original mas ainda assim apresenta um série de

mudanças, entre elas o rejuvenescimento do Conde e o seu demorado namoro

formal, copiando um namoro real, com Mina. Não é defeito fazer adaptações, a

passagem de livro para filme as exige, o defeito foi querer transformar uma

história de entretenimento em “obra de arte”, no que resultou um evidente

esnobismo que tirou a vida, a vibração e a força da história, sem falar que Gary

Oldman como Drácula e Anthony Hopkins como Doutor Van Helsing estão

lamentáveis, mormente se comparados a quem anteriormente nos f ez vibrar nos

192

mesmos papéis, como Christopher Lee, Bèla Lugosi e acima de todos Peter

Cushing.

Voltando ao meu Conde Futreson, a base da estrutura dinâmica foi copiada

do livro de Bram Stoker, daí ser confessadamente um plágio. O nome do conde

(Futreson da Lucra) é um anagrama de Drácula, ele é um morto vivo, nobre, que

mora em um castelo em um país distante, alimenta-se de sangue humano, a sua

picada tem o poder contagioso de transformar os mordidos em sub -vampiros que

passam a obedecer cegamente ao conde, cujos sub-vampiros por sua vez

transformam em sub-vampiros aqueles a quem picam. O estrangeiro que o visita

não é o inglês Johanatan Harker, mas é a brasileira Jandira (Lucy), onde, vendo a

fotografia da Berenice (Mina) o conde efetua a longa viagem, não para a

Inglaterra, mas para São Paulo, sempre levando o seu carregamento de terra, vital

para a sua existência. No Brasil o conde investe contra a sua presa

(Berenice/Mina) mas terá que lutar contra o seu formidável adversário, o frade

João (Doutor Van Helsing). Como no livro de Bram Stoker o conde pode circular

durante o dia e a luz apenas limita os seus poderes mas não o mata, ao contrário

do que aconteceu nos filmes Nosferatu de 1922 e no Drácula de 1958. Sem falar

do louco do meu sanatório, uma cópia do Renfield que estava confinado ao

sanatório do Dr. Seward e acima de tudo da maneira de matar vampiro enfiando

uma estaca no coração (por razões práticas omiti a necessidade de conjuntamente

cortar a cabeça).

Sem esse molde, copiado do original, seria impossível o meu livro. O resto

ficou por conta da minha imaginação.

Curiosidade: Ao final do filme Drácula de 1931, aparece na tela o ator

Edward Van Sloan, ainda no papel de Doutor Van Helsing, que dirige um

monólogo para a platéia onde aconselha os espectadores a ficarem atentos pois

“os vampiros existem na realidade”. Com base numa lei de 1934 este monólogo

foi retirado do filme por ocasião de sua reapresentação em 1936, sob a alegação

de que isto apavorava além da medida a muita gente.

193

ANEXO E: ENTREVISTAS CONCEDIDAS POR MARINHO A REVISTAS,

PROGRAMAS E JORNAIS.

O Estado de São Paulo, 01 de dezembro de 1988.

Um prêmio derruba velhos preconceitos

Por Sérgio Pinto De Almeida

João Carlos Marinho e Márcia Kupstas recebem hoje no Teatro Sesc-Pompéia o prêmio

Mercedes-Benz de Literatura de 88, este ano atribuído à categoria juvenil. O júri, formado por

Antônio Dimas, Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Fanny Abramovich, Eliana Yunes, Edmir

Perrotti e Ray-Güde Mertin, analisou 375 obras de autores nacionais e escolheu Berenice

Detetive de João Carlos Marinho, o melhor livro juvenil,lançado entre janeiro de 86 e julho de

88, e criou o pr~emio Revelação, entrgeue a Márcia Kupstas pelo livro Crescer é perigoso.

Criado em 86 e entregue em sua primeira edição à escritora Zulmira Tavres Ribeiro, pelo

romance O nome do Bispo, tem a partiicpação do Instituto Goethe na sua promoção, já qie o

premio inclui uma passagem aérea à Alemanha, com um roteirocultural organizado de acordo

com os interesses do premiado, além de 1.500 OTN‟s (Cz$ 7.186.335,00) e mais uma quantia

equivalente a cinco mil marcos (Cz$1.707.000,00) para ajuda no custo de tradução e

publicação do livro na Alemanha. Márcia Kupstas como autora revelação receberá 350 ONT‟s

(Cz$1.676.811,50).

Temas malditos, ousadia de João Carlos Marinho

Por Sérgio Pinto de Almeida

Todo dia por volta das 10 horas, ele deixa seu apartamento na Rua Joaquim Antunes,

em Pinheiros, e faz uma caminhada pela vizinhança. Anda exatos 5250 metros, medidos

previamente pelo velocímetro de seu Voyage bege. Seu destino, invariavelmente, é uma das

quatro livrarias preferidas no bairro: Siciliano, Saraiva, Canto de Prosa e Capitu. Na Capitu,

então, ele se esbalda, entra falando alto chamando a atenção de quem não o conhece senão

pelo volume da voz, pelo jeito estranho – misto de atabalhoado e maluco. Olhos verdes

esbugalhados – “mas que podem ficar azuis dependendo do dia, esse é o mistério” -, uma

barbicha largada no queixo, dentes maltratados, uma gargalhada espalhafatosa e gestos

grandiloquentes.

Imediatamente começa a fuçar as prateleiras, encontra um livro que lhe interessa e

inicia a leitura, sempre entusiasmado. Pode ficar de 15 minutos a duas horas na livraria, lendo.

194

Depois pega um marcador, coloca-o no ponto em que a leitura foi interrompida e devolve a

prateleira. Começa então a torcer para que ninguém o desmarque ou o exemplar não seja

vendido. Desse jeito, sem pagar nada, na manhã, leu durante dias seguidos O Testamento de

Oscar Wilde, de Peter Ackroyd, François Villon, tratados de sociologia e politica.

“Nunca imaginei que o ócio fosse tão maravilhoso. Há um ano fechei meu escritório

de advocacia e só vivo de escrever. Pensei que fosse ficar maluco sem fazer nada, mas

descobri que fazer nada é extraordinário”, afirma João Carlos Marinho.

Best-seller da literatura infanto-juvenil, unanimidade entre os críticos – que aponta sua

obra como inovadora, por ter incorporado ao gênero temas antes malditos, como a violência, e

a completa eliminação do mundinho amarelo-patinho-onde-tudo-acaba-bem -, ele não

frequenta rodas literárias e raramente visita escolas para falar de seus livros. Culto, não

responde nada sem uma citação, sem referencia a um escritor, um filósofo ou um músico.

Pode ir de Montaigne a Dostoievski sem a menor cerimônia e garante não ler quase nada de

infanto-juvenil.

“Já passei dessa fase. Vou aos clássicos, a Machado, Eça, Proust. Este ano li duas

vezes Em Busca do Tempo Perdido. Aliás, por que busca? Busca é busca pé, busca e

apreensão. A tradução deveria ser “procura”, uma palavra poética, bonita.”

E lá vem longas reflexões sobre Proust, cuja obra principal ele já leu nove vezes,

incluindo as duas leituras este ao. Se não for interrompido, desanda a falar e sai de baixo. Seu

tom não é antipático ou arrogante, no máximo discursivo demais, possivelmente herança do

tempo de advogado em Guarulhos, onde defendeu os sindicatos dos metalúrgicos, químicos,

dos trabalhadores na indústria de papel e papelão, tecelagem e da construção civil. Em 64,

após o golpe, os interventores desses sindicatos o afastaram, mas ele continuou trabalhando e

morando em Guarulhos e só em 69 lançou Gênio do Crime, seu maior sucesso, em torno de

um milhão de exemplares vendidos até hoje. E lá vem mais uma história.

“Comecei tarde a escrever, mas Rousseau – sem querer me comparar – também

começou. Ele não tinha escrito nada até os 33 anos e, motivado por um concurso, escreveu

Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens e se lançou como

escritor. E você sabe que no concurso ele tirou o terceiro lugar?” E quem ficou com o

primeiro?

“Não sei. Aliás, Guimarães Rosa também foi o terceiro colocado num concurso com

Sagarana e um dos jurados, que inclusive justificou seu voto, foi Graciliano Ramos! E

alguém sabe, hoje, quem foram os dois primeiros?”

195

Essa história de Guimarães Rosa já é bastante conhecida, a de Rousseau nem tanto,

mas ambas servem para que João Carlos justifique um certo desdém em relação a prêmios ou

vendagem. Diz enfático que, se não vendesse tanto, continuaria escrevendo do mesmo jeito,

tanto que está lançando este ano um livro de poesia, sinônimo de pouca vendagem no Brasil.

“Uma vez, Degas, conversando com Mallarmé, disse que tinha uma idéia para

escrever. A resposta de Mallarmé foi exemplar: „Poesia são palavras, não são idéias‟.”

“Vamos em frente, que atrás vem gente” também é uma citação, como poderia ser

uma frase de John Waine, aos seus comparsas, diante de um iminente ataque de um cruel

bando de caras-pálidas. E John Waine, Gary Cooper, Errol Flyn, caubóis e aventureiros – sem

esquecer Tarzã, é claro – são os grandes e fascinantes aventureiros do mundo de João Carlos

que ele, a seu modo, também passa nas suas citações. Com uma turma de dez personagens

fixos mais os eventuais, constrói histórias cheias de suspense, muitas vezes com sangue. Aos

que o criticam por expor violência às crianças, responde convicto:

“Só ignorantes ou hipócritas evitam temas às crianças. Se ninguém morre em livro de

aventura, não há aventura. Quando eu era criança íamos em bando ver os massacres de índios

no cinema, urrávamos de felicidade. Sem contar que Moby Dick é massacrda, e tudo bem

ora.”

Seus livros já foram tachados de pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo,

durante o regime militar, de “altamente nocivos”, e uma professora do Colégio Rainha da Paz

foi até detida por ter adotado Caneco de Prata – o que levou João Carlos a depor na

famigerada Oban, Operação Bandeirantes. Hoje tá limpo.

“Tô muito feliz da vida. Morando em São Paulo, separado, xiita corintiano e com

crédito no Gorducho, o restaurante onde como bife de tira, hoje, e só pago no dia 10 do mês

que vem.”

196

O gênio do crime

Entrevista concedida por Marinho ao programa Entrelinhas.

Transcrição:

João Carlos Marinho: "Era mês de outubro em São Paulo, tempo de flores e dias nem muito

quentes nem muito frios, e acriançada só falava no concurso de figurinhas de futebol. Deu

mania forte dessas que ficam comichando o dia inteiro na cabeça da gente, e não deixa pensar

em mais nada."

Eu pensei em fazer uma aventura com figurinhas de futebol. Então eu imaginei que ia

ter uma fábrica honesta que vendia figurinhas e dava prêmios fabulosos que ia ter uma

fábrica de um bandido que falsificava as figurinhas e que atrapalhava a vida das crianças que

colecionavam e as crianças seriam chamadas então a, pausa por que era uma história infantil,

a solucionar o crime a prender o dono da fábrica clandestina e o seu vendedor de rua, que era

o cambista. Quem enchia o álbum ganhava prêmios bons.

"... e jogava abafa pela cidade: São Paulo estava de cócoras; batendo e virando. Batia-

se de concha, de mão mole, de quina, com efeito, de mão dura, conforme o tamanho do bolo,

o jeito do chão e o personalismo estilo de cada um."

Tinha que surgir uma turma, porque uma criança sozinha não existe. a criança tem que

ser em turma. Cada um de um jeito não e o Bolachão Gordo, super gênio o Edmundo mais

forte mais... mais... assim mais determinado e o Pituca aquele brincalhão aquele gozador fiz

aqueles contrastes que facilitaram o desenvolvimento da história. Foi o meu primeiro livro.

Ele foi publicado em fevereiro de 1969 sem tarde de autógrafo, apenas o Caio Graco ligou prá

mim e falou: João, o seu livro tá na rua e aí começou a história do gênio do crime.

ENTREVISTADOR: O gênio do crime é publicado em 1969 num dos momentos Mais

sombrios da história do Brasil. O momento político pesou no enredo do livro?

João Carlos Marinho: Não. Acho que não. Acho que... o momento político se incomodou com

O gênio do crime porque tem uma hora que pro Bolacha confessar uma coisa arrancam...

pegam um alicate para arrancar a unha dele e aí cismaram com isso e foi proibido nas escolas

públicas. O que de uma maneira muito brasileira ninguém ligou e continuaram dando O gênio

do crime nas escolas publicas. A agressividade que existe naturalmente em uma aventura

porque sem conflito não há aventura, sem perigo não há aventura ... ela se dilui porque são

comédias, pessoas... a reação de toda criança que lê O gênio do crime é uma profunda alegria

Você já leu. E dá muito risada. (Reportagem de Manuel da Costa Pinto )

197

Entrevista de João Carlos Marinho para A Revista Direcional, em Novembro De 2005.

O GÊNIO DAS AVENTURAS INFANTIS

O autor de O Gênio do Crime é mestre em enredos com muita aventura e suspense

e há quase 40 anos atrai as crianças para a leitura.

Quem está na faixa dos 40 e poucos anos na certa tem um exemplar de O Gênio

do Crime na estante. Os filhos dessa geração também já leram ou estão lendo o livro.

Lançado em 1969, e hoje na 58ª edição, O Gênio do Crime é até agora o maior sucesso

do autor João Carlos Marinho. Ele se orgulha de que o livro, além de adotado pelas

escolas, é presença freqüente nas livrarias e procurado pelos leitores. “Escrevo meus

livros para crianças, não para escolas ”, sentencia.

Depois do Gênio do Crime, o autor lançou outros 11 títulos com a mesma Turma

do Gordo, o Bolachão e seus amigos Berenice, Edmundo e Pituca. No primeiro livro,

eles ajudam seu Tomé, proprietário de uma fábrica de figurinhas de futebol, a encontrar a

fábrica clandestina de figurinhas difíceis. Vieram outros sucessos, como O Caneco de

Prata, onde a Turma do Gordo resolve ganhar o campeonato mirim de futebol, até então

ganho pela escola do fanático professor Giovanni, e Sangue Fresco. Na trama, as crianças

são vítimas de um bandido que as seqüestra e leva-as para a Amazônia, com a intenção de

retirar seu sangue e exportá-lo. Sangue Fresco venceu o Prêmio Jabuti de 1982, o Grande

Prêmio de Literatura Juvenil de 1982 da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA)

e foi considerado Altamente Recomendável para o Jovem pela Fundação Nacional do

Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Assassinato na Literatura Infantil (Global Editora) é o último lançamento de

Marinho. Recém chegado às livrarias, ele segue a trilha de suspense, aventura e muita

ação. Desta vez, a turma do Gordo tem de desvendar o assassinato de um dos membros

do júri de um concurso literário promovido pela mãe do Gordo. Mais uma vez, São Paulo

é o cenário para as aventuras dos garotos. A ação se passa no bairro de Pinheiros, também

onde mora o autor.

Aliás, é em Pinheiros que Marinho tem percebido uma sutileza dos tempos

modernos.

198

O bairro é famoso pelas suas inúmeras lojas de móveis. Quando mudou para lá, há

18 anos, ele se recorda de que em todas as vitrines era comum encontrar estantes de

diversos modelos e tamanhos.

“Hoje não se acha mais uma estante. Só rack para computador, DVD, televisão.

As estantes sumiram do mercado”, diz o escritor. O sumiço das estantes prova que a

leitura tem perdido espaço no mundo contemporâneo.

“Mudou inclusive a própria importância que se dá ao escritor. Quando eu era

criança, um escritor era uma pessoa muito importante. Na cultura ocidental,

tradicionalmente o escritor tinha uma situação privilegiada.

O escritor não é mais uma figura tão importante. Mas o livro não deixou de ser

importante, apesar da concorrência que sofre”, afirma.

Em todos esses anos de literatura infantil e visitando escolas (atualmente, é mais

comum ele receber alunos no salão de festas de seu prédio do que ir até as salas de aula),

João Carlos acompanhou com tristeza uma transformação. “Nos anos 1960 e 1970 eu via

nas escolas públicas a mesma disciplina, a mesma euforia, a mesma agradável bagunça, a

mesma liberdade e vontade de ler que eu encontrava nas escolas particulares de elite.

Hoje, infelizmente, isso não acontece mais, a escola pública foi muito transformada.

Professores são agredidos e isso não acontece só no Brasil. Vemos pela TV a toda hora

problemas de agressão e de extorsão nas escolas, em países desenvolvidos”, constata.

Em meio a essa transformação, João Carlos ainda acredita na força da leitura. E

lembra de como tornou os próprios filhos bons leitores. “Eu já era um escritor

reconhecido e meu filho de 12 anos, que era hiperativo, nunca tinha lido um livro meu.

Quando publiquei Sangue Fresco coloquei uma foto dele comigo na capa e consegui fazer

com que ele lesse o livro. Isso mostra, embora fato empírico, que um estímulo que projete

o hiperativo na leitura vai fazê-lo sentir-se gratificado e o estimulará a ler”, acredita.

Para os pais que não são escritores, e não podem usar argumentos como uma foto

do filho na capa, ele se lembra de outra história. Quando crianças, seus três filhos tinham

o hábito de chegar da escola e ir para o quarto da bagunça, onde passavam horas

assistindo a TV. Então, João Carlos resolveu enchê-los de histórias em quadrinhos.

“Comprava todas, e três exemplares de cada, para que cada um tivesse a sua historinha

individualizada. O dono da banca de jornal adorava, eu tinha conta por mês. A minha

idéia era criar um concorrente para a televisão, que pelo menos, por poucas que fossem,

tivesse palavras e frases. A linguagem escrita, com a sua sintaxe e a sua riqueza, é o

instrumento que forma o nosso pensamento, é o nosso pensamento. Foi um sucesso

199

fenomenal! Nunca, nem por um segundo, eles olharam para a televisão enquanto

devoravam os quadrinhos. Não sei explicar a mágica, mas eu fiquei admirado, parecia

um milagre”, comemora.

Em meio aos compromissos que envolvem o lançamento de Assassinato na

Literatura Infantil e às comemorações pelas recentes vitórias do seu time do coração, o

Corinthians, João Carlos Marinho recebeu Direcional Escolas para a seguinte entrevista.

DIRECIONAL ESCOLAS - Depois de quase 40 anos escrevendo e lançando

livros infanto-juvenis, a sensação ainda é a mesma de ver uma nova obra sua nas

prateleiras das livrarias?

João Carlos Marinho – Hoje, é mais forte ainda, porque eu vejo que a minha

literatura durou todo esse tempo e não foi um fenômeno passageiro. Isso me dá uma

imensa satisfação. Qualquer escritor prefere ser um clássico do que um best-seller, uma

moda. Quando eu vejo a minha permanência isso me dá uma emoção muito grande, mais

até do que no começo. Quando você começou a escrever a literatura infantil era muito

diferente de hoje...

Quem era best-seller era Monteiro Lobato. Comecei na Brasiliense, que era uma

das maiores editoras do Brasil daquele tempo. Freqüentava a Livraria Brasiliense da Rua

Barão de Itapetininga. Na época, eu estudava Direito no Largo São Francisco e na

livraria aconteciam reuniões de estudos e do movimento estudantil.

Já tinha esse laço com a Brasiliense antes de lançar o Gênio do Crime. 60% das

vendas da livraria eram edições completas de Monteiro Lobato. Os pais da minha geração

tinham lido Lobato quando crianças e era obrigatório dar a obra do autor para os filhos.

Não comprávamos apenas um livro, mas a obra completa, que vinha numa caixa.

Lembro que custava caro e que comprei a prestação para os meus filhos.

Depois, quando eu comecei a escrever, um grande sucesso da literatura infantil

era Odete de Barros Mott.

Mas, o que levou um advogado a se tornar autor de livro infantil?

Outro dia assisti a uma entrevista do escritor João Ubaldo Ribeiro onde ele falava

que o maior pecado que uma pessoa pode fazer é contrariar a sua vocação. Eu sempre tive

vocação para ser escritor mas eu tinha dúvidas da minha competência para alcançá-la.

200

Monteiro Lobato era uma pessoa que eu admirava muito. Eu queria muito fazer coisas

parecidas com o que Lobato fazia. Mas, já adulto vi que precisava sustentar uma família

então resolvi ser advogado, já que não tinha tendências para ser médico ou engenheiro.

Estudei muito para me firmar na profissão, durante três anos eu só pensava em Direito.

Consegui que meu escritório crescesse e pude contratar um advogado assistente. Aí entra

a literatura, porque eu podia ficar em casa de manhã escrevendo. Assim surgiu o Gênio

do Crime, nesse espaço que eu achei na minha vida para trabalhar um pouco menos.

Felizmente, meu primeiro livro foi o que teve mais sucesso. Até hoje metade das vendas

dos meus livros são do Gênio. Ele me abriu um caminho, até que em 1987 resolvi deixar

de lado a advocacia e viver dos meus direitos autorais.

Até hoje ele é muito adotado nas escolas?

Sim, mas prefiro usar o termo lido do que adotado. Sempre tive esse orgulho,

porque muitos livros infantis vão diretamente da editora para a escola mas os meus livros

sempre foram objeto de procura do leitor isolado, sempre estiveram nas livrarias. Escrevo

para as crianças e não para as escolas.

O Gênio do Crime é uma aventura, com toques policiais. Você tinha idéia de

que ele seria um sucesso editorial?

O livro estava praticamente pronto desde 1966. Mas, eu queria ter uma noção de

como O Gênio do Crime seria recebido, se ele era realmente uma literatura infantil.

Então, entreguei uma cópia do livro para os garotos Plininho e Fran de Arruda Sampaio,

filhos de Plínio de Arruda Sampaio. A recepção foi muito acima do que eu esperava. Eles

brigavam pelo livro, deliravam, foi um anúncio do que seria o sucesso do Gênio do

Crime.

Fiquei muito confiante com aquele resultado. O lançamento aconteceu em

fevereiro de 1969, mas não foi um lançamento como os de hoje, com autógrafos, até

porque eu não era um autor conhecido. O editor apenas avisava: „Seu livro saiu‟. Quando

eu recebi o meu livro pronto fiquei até um pouco decepcionado porque ele não tinha capa

dura, como tinham os de Monteiro Lobato, que era a única literatura infantil que eu

conhecia.

201

A que você credita o sucesso do livro?

Escrevo comédias, a criança se apaixona e acha graça. A comédia tem um

esqueleto formado pela luta com um bandido, um pouco inspirada nas histórias em

quadrinhos. No início, Edmundo seria meu herói. O Gordo nunca era para ser herói, mas

de repente lá estava ele para resolver as situações. Somos um pouco levados e não

podemos contrariar o momento. No primeiro livro de Lobato, as Reinações de Narizinho,

Lúcia seria a heroína dele, mas a Emília roubou o posto dela. Lobato disse que isso

aconteceu independente da vontade dele. Mas, nem todos meus livros são histórias de

detetive. O Caneco de Prata, O Disco, A Catástrofe do Planeta Ebulidor não são.

Histórias típicas de detetive, com crime e suspeito não declarado são só duas: Berenice

Detetive e Assassinato na literatura infantil. São suspenses clássicos, no estilo Agatha

Christie, onde você convive com o suspeito mas não sabe quem é.

Os meus outros livros são aventuras. O que eu gosto é de botar vida na coisa.

Você foi criticado pelo estilo das suas aventuras?

O Caneco de Prata e O Gênio do Crime foram proibidos nas escolas públicas na

ditadura militar. Sangue Fresco recebeu muita crítica quando foi publicado, em 1982.

Realmente há muita violência no livro. Mas tive boas defesas de críticos e professores

mostrando que, sendo meus livros comédias, a violência se dilui na comédia e acaba

sendo até uma coisa engraçada. Há casos em que os escritores são censurados e tolhidos

pelos próprios editores. Mas, eu sempre fui contra essa ditadura do politicamente correto,

sempre denunciei esse tipo de superproteção que se faz às crianças. Havia uma certa

denúncia na literatura infantil de que livro infantil não podia ter briga, nem morte. Essa

esquizofrenia chegou a tal ponto que mudaram a letra de „Atirei o pau no gato‟. Agora é

„Não atirei o pau no gato‟. Tratar a criança como um indivíduo de tal fragilidade que vai

prejudicar sua vida interior a canção „Atirei o pau no gato‟ é uma coisa esquizofrênica.

Me sinto bem escrevendo para crianças porque elas são muito inteligentes e muito fortes.

Não acredito que uma criança será mal influenciada porque há uma morte ou uma briga

num livro que ela lê. Crer nisso é desconhecer a fortaleza da criança. Morei na Europa

depois da guerra e convivi com adolescentes que passaram pela guerra. Todos eram muito

fortes, estavam tocando a vida pra frente. Recentemente, li uma entrevista da Neli Novaes

Coelho, crítica de literatura infantil, na revista Entre Livros, onde ela declara que o

202

enigma, o mistério, a narrativa de um crime seduz os jovens e podem desencadear a

reflexão.

O que fazer para a criança de hoje ter interesse pela leitura?

Há o bom leitor, que é uma vocação. Para ele a leitura pode até ser proibida que

ele vai atrás. Esses sempre irão existir. Já para os outros, não adianta o professor ter uma

atitude derrotista, dizer que não há o que fazer. Para os que não são bons leitores, ou que

até ali não demonstraram ser, eu acho que pode funcionar uma entrevista com o aluno,

buscando descobrir que tipo de leitura vai interessá-lo ou sobre o que ele gostaria de

escrever. Uma coisa que, pela época dos meus filhos achei que não funciona, são os

chamados trabalhos de leitura em equipe, tentando uma espécie de competição. Isso não

resultava em nada. Ter uma biblioteca à mão é sempre bom, pois cada pessoa se apaixona

por um livro. Não sou professor, nem tenho experiência em pedagogia, mas sei por

múltiplos depoimentos que crianças completamente avessas à leitura se apaixonaram pelo

Gênio do Crime. Outras terão se apaixonado por outros livros.

As pessoas de minha idade nasceram numa época onde o humanismo imperava,

livro era sempre assunto na mesa, aquilo impregnava o ar que a gente respirava, na escola

também. Isso acabou, e não se pode "reviver o passado", como diz a personagem Daisy

do Grande Gatsby. Acredito que o professor já deve estar munido de uma sorte de

conformismo, não passivo, mas filosófico, de que ele vai se dedicar muito a promover a

leitura e que talvez esse esforço, não dando frutos imediatos, plante uma semente que no

futuro despertará na cabeça do aluno.

203

“O Gênio do Crime” e a onda das figurinhas da Copa

Publicado, em 27/4/2010, na revista eletrônica Trópico por Haroldo Ceravolo

Sereza.

Autor do cultuado livro infantil, João Carlos Marinho rejeita comparações entre

sua história e a nova mania

A nova mania de colecionar figurinhas da Copa do Mundo traz à mente um

cultuado livro infantil, “O Gênio do Crime”, lançado em 1969 e hoje na 58ª

edição. O livro começa com a busca empreendida por uma turma de crianças por

uma figurinha muito difícil para preencher o á lbum. Aos poucos, se transforma

numa história de suspense policial. Para o autor da obra, João Carlos Marinh, não

é possível, porém, fazer muitas comparações entre seu livro e a febre agora

provocada pelo álbum da Copa.

Num e-mail pessoal, mas avisado de que as respostas poderiam ser

publicadas na internet, Marinho diz que elementos relacionados ao futebol são

pouco significativos ou estão mesmo ausentes da trama.

De fato, a figurinha difícil do jogador Rivelino, então no Corinthians, que

os personagens Edmundo e Pituca tentam obter no início do livro, funciona apenas

como motivo inicial da obra.

Depois que a aventura se inicia, o problema da figurinha fica menor diante

das revelações que o livro traz. Primeiro, é explicado o mistério da figurinha

difícil: é ela que gera a febre e a busca incessante por novos envelopes, que

garantem o lucro do fabricante.

Mas o fabricante enfrenta a concorrência desleal que, hoje em dia,

chamamos de pirataria. E uma pirataria comandada por um gênio do crime,

investigado por crianças que andam por toda a cidade de São Paulo, do centro à

beira do rio Tietê.

“Se eu permitisse que uma força tão vibrante como o futebol fosse se

intrometendo no livro a cada instante, isso me tiraria o foco dramático intenso da

perseguição do cambista, dos perigos por que passa o (personagem) Gordo, a

aventura dos meninos para acharem a fábrica e salvarem o Gordo, eu estaria

204

tirando o leitor continuamente para „fora do livro‟, o que seria uma coisa de

amador”, diz Marinho.

Com ironia, ele completa: “Uma façanha incomum, tanto mais que o autor,

eu, sou fanático por futebol, mas pela literatura eu faço qualquer sacrifício”.

Marinho, que era um advogado trabalhista em 1969, quando publicou “O

Gênio do Crime”, escreveu logo em seguida “Caneco de Prata”, um livro infantil

de narrativa não-linear – que ele apresenta aos leitores como uma “aventura

surrealista”. Em 1983, voltou a publicar um livro de grande sucesso, “Sangue

Fresco”, em que a turma do Gordo é sequestrada e levada para a Amazônia.

Há alguns anos, quando preparava um dos seus livros mais recentes (são 12

obras que têm como protagonista a turma de “O Gênio do Crime”), Marinho foi

entrevistado por mim. Eu havia lido seu livro no começo da década de 1980, ainda

criança, pouco antes ou pouco depois de tentar completar, sem sucesso, um álbum

de figurinhas distribuídas em chicletes.

Naquela conversa, realizada em Monte Verde, cenário de algumas de suas

obras, ele falou bastante de literatura, mas, sobretudo, de futebol.

Desde então, Marinho costuma responder meus e-mails, exceto quando

sugiro que ele publique, num único volume e para adultos, todos os livros da

coleção -sobre o que ele sempre silencia.

Diante da nova onda do álbum da Copa e das notícias de roubo de

figurinhas na região do ABC (SP), enviei meia dúzia de perguntas despretenciosas

(reproduzidas abaixo) a ele, que respondeu com um misto de impaciência e

amizade.

Nas respostas, Marinho também conta que “Gênio do Crime” deve ganhar

uma nova versão cinematográfica. A primeira foi feita em 1973. D irigido por Tito

Teijido, o filme se chamou “O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime”. Para

o autor, a violência urbana atual será um assunto que terá que ser enfrentado pelo

novo produtor.

Leia a seguir a carta e as respostas de Marinho.

*

“Caro Haroldo,

Você é um amigo que sempre deixa saudade, vê se aparece. Para responder

as suas perguntas é preciso estabelecer um corolário básico que tanto na intenção

do autor como na reação do público, não deixa margem a dúvidas.

205

A paixão futebolística, a vibração com os ídolos e com os estádios, a

atenção sobre os campeonatos em andamento, a lembrança dos passados, a

própria relação física entre as figurinhas e seus representados são elementos

total ou absolutamente ausentes em “O Gênio do Crime”.

Nem mesmo chega a ser um livro sobre figurinhas de futebol, a não ser de

maneira extremamente secundária e quase imperceptível.

As crianças são as que sabem melhor disso: nesses 40 anos de contato com

os leitores não recebi mais de oito perguntas sobre futebol, nunca sobre o enredo,

mas como curiosidade marginal referente à camisa do Corinthians, que o Alex

leva na fotografia da quarta capa.

As únicas pessoas que perguntam sobre isso são as que perguntam sobre

isso são as que não leram o livro ou as que, como você, excitadas pelo fato novo

desse álbum novo, são levadas automaticamente a fazerem uma aproximação com

um livro que, embora "en passant", falou de figurinhas.

Mas você foi um bom leitor do “Gênio”, então é fácil lembrar:

1) O livro começa com Edmundo querendo encher o álbum e com uma

fábrica que dá prêmios bons. O futebol não entra em cena.

2) Edmundo e Pituca procuram o Rivelino com a única finalidade de saber

se o Rivelino pode ser útil a eles, dando-lhes a figurinha dele. Nem pedem

autógrafo. Nem elogiam, nem se referem a nenhum jogo do Rivelino, nem se

interessam em assistir a algum deles.

3) Compram o Rivelino do cambista, e daí para a frente tanto o futebol

como a paixão por figurinhas somem do livro. Os dramas únicos são encher álbum

(revolta na fábrica) e depois o único e exclusivo drama é seguir o cambista, achar

a fábrica clandestina, depois achar o Gordo, que ficou preso, depois soltá -lo e se

despedir do Mister.

4) O álbum de futebol deu um colorido inicial e depois tantos problemas,

que a simples existência do mundo no futebol é considerada não existente.

5) É fácil notar que o livro se desenvolve por várias semanas, onde há o

jogo do próximo domingo, e o jogo do domingo que passou: ninguém toca em uma

palavra sobre isso, ninguém discute uma escalação ou um lance, daí a minha

afirmação de que a "emoção" do futebol está excluída de “Gênio do Crime”.

Ninguém dá a mínima. Depois que começam a seguir o cambista, podia ser uma

206

coleção de borboletas, animais caçadores, e isso não mudaria nada. É claro que a

pitada de futebol em cima deu o pontapé inicial no livro: só.

A razão é muito simples: se eu permitisse que uma força tão vibrante como

o futebol fosse se intrometendo no livro a cada instante, isso me tiraria o foco

dramático intenso da perseguição do cambista, dos perigos por que passa o

(personagem) Gordo, a aventura dos meninos para acharem a fábrica e salvarem o

Gordo, eu estaria tirando o leitor continuamente para „fora do livro‟, o que seria

uma coisa de amador.

Obedeci ao velho Boileau: unidade de ação .

Uma façanha incomum, tanto mais que o autor, eu, sou fanático por futebol,

mas pela literatura eu faço qualquer sacrifício.

Agora as suas perguntas:

Você está acompanhando a febre desencadeada por este novo álbum de

figurinhas?

Não estou acompanhando a febre do novo álbum. Eu só me interessei por

álbum de futebol até 13 anos, depois nunca mais. Uma coisa em comum com o

livro é que, quando eu colecionava, eu pouco estava me importando com a

qualidade, a personalidade ou o time da figurinha, eu só queria saber se era fácil

ou difícil. E, sobretudo, eu só queria consegui -la. Nunca personalizei as

figurinhas fora do que elas valiam no álbum, nem fiz relações delas com o mundo

do futebol.

Você está colecionando? Tem alguma figurinha difícil?

Não estou colecionando.

Na região do ABC, foram roubadas milhares de figurinhas. Qual é o

significado disto, mais de 40 anos depois da publicação de “O Gênio do

Crime”?

Não fiquei sabendo, mas pelo jeito não em relação com uma "fábrica

clandestina", nem com um "anão de óculos", nem com um "cambista".

Hoje o Gordo teria dificuldades para circular em São Paulo. Como ele

faria a investigação desse crime?

Sem dúvida, infelizmente o Gordo não teria hoje uma cidade tão acolhedora

e poética para circular, seria difícil os meninos ficarem sozinhos de noite, num

tenda, no matinho à beira do rio. Lembre-se daqueles adolescentes que foram

207

acampar na periferia, o moço fugiu, mas a moça ficou prisioneira e foi

barbaramente estuprada e feito "escrava" por mais de uma semana.

O Gordo não tinha que enfrentar o ódio e a violência gratuitas, tão bem

antecipados por Truman Capote no seu “A Sangue Frio”, de 1959, no qual, por

US$ 200, dois bandidos exterminam e torturam uma família inteira. O contrato

para a nova filmagem do “Gênio do Crime” está sendo elaborado e será assinado

até 19 de maio: o produtor vai ter que enfrentar ou contornar esse problema.

Por que, mesmo com internet, as pessoas preferem o álbum de papel às

informações digitais?

Acho que o álbum de papel -como também o de selos e de outras coleções-,

ficou muito marcado, assim como o livro de papel. Tem aquele manuseio, o ato de

virar página, de levar por aí, abrir, olhar... A internet ainda não substituiu os

livros e os álbuns.

Teve gente que usou o álbum para defender que Neymar substituísse

Adriano. E aí, qual seria seu time para a Copa?

Há elementos mais poderosos do que o álbum para achar que Neymar seja

colocado no lugar de Adriano. O Adriano, segundo o próprio Tostão, é um grosso,

um gordo, só chuta com um pé. A convocação do Neymar é obvia. Primeiro,

porque ele não iria como titular, seria o reserva do Luis Fabiano, mas teria

condição de ganhar a posição.

Se o Luis Fabiano tivesse outro reserva, o Dunga poderia argumentar, com

as dezenas de exemplos de "fenômenos de três meses" que não deram nada depois,

muitos deles tendo começado infinitamente melhores do que começou Neymar,

como o Sávio, o Giovanni, o Edmilson, o Caio, o França, o Dodô, o Gil, o David.

Isso, sem contar os que pareciam gênios e não passaram de jogadores

apenas regulares, como Djalminha, o Muller, o Diego do Santos, o Renato do

Santos etc., que todo mundo jurava de pé junto que seriam gênios e sempre

desapareceram com a camisa da seleção.

Mas tem um exemplo muito mais forte que o Neymar ai na nossa frente, a

exigir convocação: é o meio de campo Thiago Mota do Milan, que vem jogando

maravilhas e colocou o Messi no bolso.

Sobre o meu time para a Copa, acontece que o Brasil não tem um bom

plantel, excetuando a defesa. Kaká é bom, mas não chega aos pés dos

208

supercraques do passado e do presente, de um Cristiano Ronaldo, por exemplo. E

o Kaká tem um problema físico.

Não temos um excepcional meio de campo e não temos ataque. De modo

que eu acabo concordando com o Dunga: tem que funcionar na união, na base do

trabalho feito, na valentia, “alla italiana” (que ganhou a Copa de 2006 na base da

fibra, só).

A Espanha tem o melhor meio do campo do mundo, mas não tem boa defesa

nem bom ataque. A Inglaterra é um dos candidatos, mas depois que um jogador

começou a dormir com a mulher do outro a coisa azedou. Acho que a Argentina

tem o time mais equilibrado, eu apostaria neles.

Não é uma boa safra, sobretudo na frente. Eu escalaria: Julio Cesar,

Maicon, Lucio, Juan e um lateral a escolher, Gilberto Silva (na base do trabalho

bem feito), Elano, Thiago Mota e Kaká, Luis Fabiano e Robinho.

Observação: O Daniel Alves, que muitos gostariam de ver no meio, tem

feitos partidas pobres, tem mostrado recursos técnicos muito limitados, e seu

potencial técnico foi exagerado.

Um abraço saudoso,

João

209

ANEXO F: PREFÁCIO DE FANNY ABRAMOVICH À PRIMEIRA EDIÇÃO DE

SANGUE FRESCO

Depois de 10 anos a gente reencontra com toda a turma do Caneco de Prata e do Gênio

do Crime... E é incrivelmente gostoso a gente rever o gordo, a Berenice, o Edmundo, Pituca

dispostos a tudo bolando soluções inacreditáveis prá qualquer coisa, corajosos como pouca

gente grande é (embora diga que não tem medo de nada e coisas no estilo que os adultos são

mestres em dizer e correm rapidinho de fazer...)

Neste Sangue Fresco, o autor pega a gente desde o comecinho. Cria um clima

tenebroso, daqueles que vai dando um arrepio, um medão bravo, uma acelerada nos

batimentos do coração, mas que é ótimo de ler e de viver... E se tem medos, sustos pânicos,

dúvidas se a turma vai conseguir resolver ou não aquela situação (e mais milhares de outras

que vão acontecendo) toda a leitura é uma torcida e uma luta sofrida... E história que se preze

tem que ter tudo isto, ora, ora... Mas nem tudo és susto... Tem tristesuras bonitas, como

quando morre o Pirata, o cachorro valente... Tem momentos muito violentos, de uma baita

crueldade adulta (como quando jogam Napalm, mas isto não é bem uma ideia de João Carlos

Marinho, aconteceu no Vietnam e não faz muito tempo não...) Tem toda a violência bruta, sem

sentido, covarde que a todo o momento se fica sabendo que aconteceu em algum outro lugar

deste mundo louco que nós moramos... E tem amores impossíveis, tem conquistas difíceis,

tem dengos prá todos os lados tem gente que não sabe mesmo o que quer desta vida em

matéria de amoresquando já tem uns bons 1º anos de idade...

E João Carlos Marinho vai debochando de tudo que as pessoas ditas adultas acham

importantes e levam muito a sério mesmo: das etiquetas em todas as coisas que usam, dos

elogios verdadeiros que a professora gosta de receber, dos profetas de um mundo novo

totalmente adoidados (e pior com seguidores!), dos namoricos e das ciumeiras, da mania da

mulher dar toque pessoal nos lugares que não são feitos exatamento prá isso, dos planos de

vingança pensados com todos os requintes de maldades possíveis, das explicações germânico-

cientificas prá todo acontecimento que não compreendem: “É a loucura amazônica”, da falta

de qualquer vergonha na cara prá ganhar dinheiro custe o que custar, da falta de parar prá

pensar (um bocadinho só...) no que faz e em nome do que... Levam o que merecem estes

senhores e senhoras, sem dúvida...

Agora as crianças são é inteligentíssimas, muito mais do que os adultos. E isto é uma

maravilha da gente ler e constatar! Porque em geral são mesmo, só que os autores não

210

concordan e botam sempre elas debilóides e dependendo dos adultos prá perceber e fazer

qualquer coisa.

Neste livro, os jovens-personagens vivem coisas de todo o mundo. Contam mil

mentiras sobre as férias maravilhosas que tiveram (e que foram chatérrimas), se apaixonam

pela professora (que hoje pode ser muito velha, mas daqui alguns anos, a diferençade idade

não vai ser tanta assim...), ganham nota zero do professor que ficou enciumado porque não

recebeu tantos presentes quando a outra, ouvem declarações de mães que são uma confusão só

(como costuma ser cabeça de mãe em reunião e em estado de pânico...), aguentam aqueles

meninos chatos que sabem decor tudo que é inutilidade (como o Hugo Ciência)... Escrevem

livros só com as coisas que têm na cabeça e nunca aconteceram de verdade (como faz a

Berenice e que ainda tem a petulância de chamar de diário)...

E se são gente como todo o mundo, não são modelos de perfeição, destes que a gente

só vê nos livros e que nunca conheceu ninguém igual... Claro, tem dedo-duro, tem delator,

tem medroso paca, tem ataques de raiva por razões muito sérias, contam histórias do arco-da-

velha, tem horas que têm idéias gênio, tem horas qye não sabem o que fazer... Têm medos e

pavores (prá lá de justificados, afinal...) mentem quando é preciso e sobretudo só têm

confiança na sua turma (e quem que não é assim?)

E se a história é muito ótima e os personagens são parecidos com todo o mundo, o

melhor deste livro é o jeito do João Carlos Marinho escrever. É gostosíssimo! Ele escreve do

jeito que a gente fala, não empola nunca, vai botando no papel que passa na cabeça (é de

morrer de rir como junta coisas e idéias...). Os capítulos são curtos, não fica nunca enchendo

linguiça e acontece e acontece coisas sem parar... De tirar o fôlego!!! A cada momento,

quando se pensa que vai dar uma respiradinha, lá vem outra... Tem personagem a dar com

pau: milhares deles, que aparecem, somem e tornam a aparecer lá pro fim da história... E

sempre (mas sempre mesmo!) é muito diferente, muito engraçado, muito solto... Idéias

incríveis, bem boladas e bem escritas...

Uma maravilha de irreverência, de malcriação saudável, de molecagem solta, de

deboche por tudo que é visto como “sério” este Sangue Fresco... Eu queria ser desta turma,

prá viver todas suas experiências fantásticas que eles vivem e encontrar as soluções que eles

encontram... Enquanto não sou, fico lendo, rindo adoidado, trocendo, sofrendo, cortando a

respiração e me divertindo e vivendo todas as coisas que existem numa história, quando ela é

boa prá valer!

211

ANEXO G: REPORTAGENS EM JORNAIS SOBRE OS LIVROS DE MARINHO

O CANTO DE FÉ À LITERATURA EM „O LIVRO DA BERENICE‟

O Estado de São Paulo, 15 de setembro de 1984.

Por Edmir Perrotti

Depois de “O Gênio do Crime”, “O Caneco de Prata” e o “Sangue Fresco”, a turma do

“gordo” volta a circular para alegria da garotada que, com toda razão faz de João Carlos

Marinho um dos mais lidos autores brasileiros da atualidade apesar de uma obra

numericamente pequena, cinco títulos em uma carreira iniciada em 1969 incluindo aí o novo

título a ser lançado hoje, às 15 horas, na Livraria Capitu (Rua Pinheiros, 39), “O Livro da

Berenice”.

Todavia, o pouco numérico tem também pouca importância em literatura. “O Caneco

de Prata”, sozinho graças a seu estonteante grau de inovação na literatura para público

infanto-juvenil, ocasionou polêmicas enormes e, até hoje, continua insuperável, passados 13

anos de sua publicação. “Sangue Fresco” assusta ainda muitas que não entraram nos novos

tempos de abertura. Bastaria um dos dois títulos e o lugar privilegiado de João Carlos

Marinho na literatura para jovens já estaria assegurado.

Mas o autor continua vivo, remexendo-se para todos os lados, deslocando-se a todo

momento, condição que Barthes julga indispensável a todo autor que se preze. Vale dizer a

todos os que não aceitaram as facilidades dos lugares comuns, a estratificação, a mesmice.

Assim, se o leitor de “O livro de Berenice” depara-se com a turma conhecida,

encontra-a agora em outro lugar: o da literatura e o de suas complicadas relações com o

social.

“O Livro de Berenice” conta a história de um livro, seu processo de criação, Berenice,

um dos elementos da “turma” decide escrever um livro,“o melhor livro do mundo”. Ajudada

pelos companheiros – que as vezes mais atrapalham que ajudam – vai realizando seu projeto

tranquilamente, até que um milionário quase arruinado resolve roubar-lhe os originais para

publicá-los em seu nome, pois “o melhor livro do mundo” traria a ele, além da fama, a fortuna

perdida. Para o roubo, este se arma de imensa parafernália tecnológica, quase conseguindo

seu intento, não fosse o “Gordo”, namorado da Berenice, possuidor também de idêntica

parafernália que, por acaso, acaba prestando serviços de contra-espionagem e salvando os

direitos de criação de Berenice. A menina termina seu livro, publica-o, e graças a um

212

miraculosa intervenção de Frade João (um dos mais deliciosos momentos do livro), lança-o

em tarde de autógrafos a que “pouca gente compareceu”.

“O livro de Berenice” é uma homenagem à literatura. O recurso à garota escritora é

forma de Marinho expressar seu profundo amor a esta arte tão impura, mas ao mesmo tempo

soberbamente imaculada, capaz de resistir a todo tipo de degradação. Ameaçada, golpeada,

ela renasce em outro lugar, ilesa, explosão vital que não se submete. Tal canto de fé na

literatura chega de forma aos ouvidos do leitor, tomando-o e envolvendo-o em um ritual

amoroso pleno de gozo e satisfação. A literatura é “mania” que “O livro de Berenice” cultiva e

João Carlos Marinho oferece ao jovem leitor, para que este compartilhe com ele de fato suas

doçuras.

213

Sangue fresco

Jornal da tarde, em 12 de novembro de 1982.

Por Marisa Lajolo

Sangue fresco (Ed. Obelisco, 17 páginas), de João Carlos Marinho, é um romance

curto, de leitura devorada e vertiginosa. O sangue começa a espirrar logo nas primeiras

páginas, quando a rebeldia chorona de Ricardinho sofre castigo exemplar e o menino é moído

e devorado por uma sucuri.

A sangria continua desatada nas refregas subsequentes entre heróis e vilões: não falta,

por exemplo cabeça decapitada, driblada como bola e que termina por aterrissar em meio a

piqueniqueiros da Ilhabela. Noutra cena, sobram braços, rins, fígado, olhos e demais miúdos,

apresentados ao leitor com frieza e precisão com que o autor enumera, por exemplo, o menu

do café da manhã do Gordo, ou os xingamentos preferidos do heroico frade João.

Mas que as patrulhas antiviolência sosseguem seu coração: a violência do texto não

faz mal a ninguém. É, ao contrário, essencial numa história que faz os leitores, grandes e

pequenos, acompanharem, emocionados e solidários, o rapto de crianças paulistas, levadas

para um acampamento da Amazônia, onde eu sangue é semanalmente extraído e

clandestinamente exportado.

Como se vê, o texto não poderia ser mais atual: não faz tanto tempo assim, jornais,

revistas e televisões denunciavam o comércio de sangue brasileiro, indignando e comovendo

meio mundo.

Mas, se o assunto em que João Carlos Marinho inspira sua história é jornalístico, seu

texto é definitivamente literário. Sem concessão nenhuma o romancista trabalha a violência da

matéria de que trata pela intensificação e redundância. Os mortos são tão numeroso, a sangria

é tão copiosa, as formas de matar e morrer são tantas e tão variadas – enfim a violência se

repete tanto que se torna outra coisa. Por exemplo, ingrediente do absurdo.

É por isso que o banho de sangue não respinga nos leitores. Nem mesmo os mais

sensíveis se horrorizam com o numero de cadáveres do livro. De tão repetida e intensificada, a

violência aponta para o absurdo e, entre napalm e vísceras espalhadas, o leitor experimenta a

mesma sensação de absurdo e nonsense que preside a outras cenas nada violentas, como por

214

exemplo, a do sorveteiro que preconiza o Juízo Final na fia da Via Dutra, anunciando a

presença de Deus no pedágio.

Como leitores, as personagens (as mesmas dos outros livros) passam por incólumes

pelo banho de sangue e violência. Cada qual a seu modo, os protagonistas interagem com a

violência e com o absurdo com igual desenvoltura, bom humor e inventividade. Manipulam

tecnologias e equações complicadas na mesma sequencia em que um deles, Hugo Ciência,

declama versos de Bilac e Shakespeare, logo depois, fazem uma sucuri (a mesma que

almoçou Ricardinho) dar um ní em si mesma e mais adiante provocam um curto-circuito no

satélite espião dos vilões, sensível demais ao cheiro do tênis do Gordo.

Mas, se o sangue não respinga nenhum leitor, o bom leitor não fica imune ao jogo de

cintura dos personagens, que esbanjam lições de vivência e sobrevivência. Toda a corja de

bandidos raptores, exemplarmente derrotados no final, como só acontece nos bons romances

do gênero, tem nomes que soam familiares e quase simbólicos: Ship O‟Connors, Der

Molttzer, Fritz Von Kramer, Davydovich e Astakov são por assim dizer a quintessência do

vilão moderno, ao menos o da tradição do best-seller: o vilão sem enhum escrúpulo, e que se

vale do que há de mais moderno e sofisticado na tecnologia de assustar, perseguir e matar.

Fechado o livro e, como já se disse, poupado dos respingos de sangue, o leitor começa

a perceber os contronos da paisagem que o livro fê-lo percorrer: um universo de violência, de

crueldade, de absurdo. O que vale dizer, o universo eu se vive hoje.

E Sangue fresco propicia a crítica desse mundo-nosso-de-cada-dia pelo nonsense e

pelo humor. Em poucas palavras, um bom livro. Sem contra-indicações. Para menores e

maiores de 18 anos.

215

O livro da Berenice

Jornal da Tarde, de 15 de Abril de 1984.

Tatiana Belinky e seu marido, Júlio Gouvea forma pioneiros na

apresentação do Sitio do Pica-pau Amarelo na televisão brasileira (TV Tupi)

O Livro da Berenice, de João Carlos Marinho publicação pela Editora Para

a turma vocês conhecem: O Edmundo, O Pituca, a Berenice, a Marizainha, a

Silvia, o Godofredo, o Biquinha, o Zé Tavares... e mais o Hugo Ciência, o menino

do QI 250, que gostou tanto da turma que se transferiu do Pueri Domus para o

Colégio Três Bandeiras.

Então, esta é a mais nova aventura do gordo e de sua turma – depois de

depois de O Gênio do Crime, de O Caneco de Prata e de Sangue Fresco: os três

best-sellers de João Carlos Marinho, useiro e vezeiro em esgotar edições das

estrepolias daquela patota, com seus heróis e heroínas de 10 a 11 anos de idade.

A trama é simples: a Berenice, qual outra Emília, põe as mãos na cintura e

proclama a sua decisão de escrever o melhor livro do mundo. A turma coopera,

cada um a seu modo, na feitura da obra-prima que se chamará Ninguém Faz a

Minha Cabeça. Só que, ao tomar conhecimento do futuro best -seller milionário,

um escroque internacional de nome estrambótico resolve surrupiar o original antes

mesmo de terminado, à medida que vai sendo “tipado” (como diria Monteiro

Lobato) – e isto por meios eletrônicos ultramodernos. Ou seja, por meio de um

computador que vai roubando o texto, registrando e traduzindo a distância as

batidas da máquina de escrever da autora. Claro que, depois de uma pá de

peripécias, umas incruentas, outras nem tanto, o texto é resgatado, os vilões

flagrados, e tudo termina com a tarde de autógrafos da Berenice, sendo a primeira

dedicatória para o rabelesiano Frade João (que lembra também Friar Tuck das

lendas de Robin Hood). O qual, por sinal, merece um livro só para ele, “anti -

super-herói” que é truculento e picaresco, com qualidades que não são mágicas,

mas muito melhores. E mais engraçadas.

Mas contar o enredo assim, esqueleticamente, não dá nem a mais pálida

ideia do “barato”, de ponta a ponta que esta delícia de livro proporciona ao leitor,

tenha ele dez ou 110 anos. O que Marinho consegue socar em meras 130 páginas

216

de curtição pura sem mistura em forma de gozação, de informação -formativa

jogando com a “informação” consumista, brincando com marcas nomes,

endereços, slogans publicitários, frases feitas, psicologismos de salão, mod ismos,

costumes, preconceitos, frescuras de ricaços, não dá para enumerar. E o melhor é

que através de todo esse ludismo, quanta abertura para o mundo, quantas ideias,

participação social, para a literatura, para a cultura – e com quanta confiança e

respeito pela inteligência do jovem leitor!

E o estilo de Marinho, então? Quem leu O Caneca de Prata vai lembrar-se

da originalidade, da vivacidade, do “staccato” das frases, do jeito enxuto, “short

and to the point”, sem adiposidades adjetivais, literalmente de rrubando o leitor

com seu humor agudo, certeiro, ao mesmo tempo demolidor e construtivo. A

ponto de alguns acharem O Caneco de Prata muito “sofisticado” para as crianças.

Mas as crianças da era da informática são mesmo sofisticadas – em certas áreas. E

a melhor prova é que O Caneco de Prata já teve sete edições. Verdade que O

Gênio do Crime já teve 21 edições, sendo só dois anos anterior ao Caneco – talvez

por sua trama “policial”. Acontece, no entanto, que este O Livro da Berenice

(que, por sinal, João Carlos Marinho estará autografando hoje, às 15 horas, na

Livraria Capitu, rua Pinheiros, 339) reúne o mais gostoso dos outros dois – e com

algo mais. O que não é pouco.

Só mais uma palavrinha sobre as ilustrações de Arturo Condomi Acorta: são

poucas e boas, em preto e branco, mostrando pouco, sugerindo muito – como quer

o autor que, dentro do texto, faz um dos personagens comentar que os livros de

Monteiro Lobato foram tão bem ilustrado que não deixaram nada à imaginação

dos leitores.

217

ANEXO H: ENTREVISTA COM JOÃO CARLOS MARINHO CONCEDIDA PARA

ESTA PESQUISA (JANEIRO DE 2013)

1. Como, quando e por que a senhor começou a escrever?

Com a intenção e a determinação de publicar literatura, eu comecei em setembro de

1965 os primeiros esboços do Gênio do Crime. Desde os seis anos eu escrevia historinhas,

como é comum, para a família, para a classe, para os amigos. Nesse tempo os meus leitores

prediletos eram o meu pai e o Artur Neves, que trabalhava na Cia. Editora Nacional e virou

editor na Brasiliense (tanto numa editora como na outra era ele quem se ocupava de Monteiro

Lobato). Numa dessas historinhas ele deixou enfaticamente escritas as impressões dele e o

futuro que me aguardava, mas o elogio é tão exagerado e feito de uma maneira tão bombástica

que empalidece a espontaneidade, nem eu acreditei, é a típica “mamãezada” para o filho do

amigo. Eu me lembro muito bem que lamentei aquilo, ele podia ter sido mais espontâneo,

como ele era no quotidiano. Mas o interesse dele por mim e a minha afinidade com ele eram

muito reais. Quando morei na Suíça escrevi duas peças, ou farsas, de teatro, curtas, de um só

ato, para a representação que a escola sempre fazia no Natal e convidava os parentes. Posso

dizer que foi aí que eu tive o “carimbo” de que eu era capaz de levar uma plateia ao delírio,

que foi real, eu prestei muita atenção na cara e na linguagem corporal dos espectadores (o

pessoal de teatro geralmente faz isso, é um excelente termômetro). E tive a sorte de ter aulas

de literatura francesa com um extraordinário professor, Monsieur Aloys de Marignac, que me

fez devorá-la com paixão, especialmente na parte dos renascentistas e do século de Luis XIV,

Rabelais, Montaigne, Ronsard, Villon, Du Bellay, Racine, Corneille, Moliére, La Fontaine,

Boileau, Saint Simon, Desde que entrei na faculdade e até começar a escrever o Gênio do

Crime, não tentei literatura, mas colaborava sempre em jornais acadêmicos, tendo sido editor

do Jornal Semanal ( ou quinzenal )do XI de Agosto e editor do Jornal da União Estadual dos

Estudantes. E ainda fora da literatura como advogado, nunca parei de escrever diariamente

que é a rotina da profissão. Quanto a dizer porque eu comecei a escrever, quando eu era mais

moço eu titubeava um pouco em achar a resposta mas agora, olhando retrospectivamente, me

parece evidente que foi uma vocação que se impôs, esse destino estava em mim. Eu gosto

muito do ditado francês “Ne chassez pas la nature, elle revient par la fenêtre”. Eu tinha

“expulsé la nature” porque uma carreira liberal é uma maneira muito mais palpável e

previsível de você se organizar para ganhar a vida. Não poderia, nesta pergunta sobre

influências no surgimento da vocação, esquecer o meu querido avô, João Marinho de Azevedo

218

que, com a morte de meu pai quando eu tinha 13 anos, assumiu o comando de minha

educação, que em parte já havia assumido a partir dos 10 anos quando eu vim para São Paulo

estudar no Mackenzie. Ele foi um grande educador, os seus alunos da Faculdade de Medicina

(todos falecidos) jamais esqueceram as suas aulas e foi um grande humanista, tinha uma

biblioteca de mais de 20 mil exemplares, o que será fácil perceber lendo a incomum carta que

ele me mandou em outubro de 1952, um mês depois de eu ter feito 17 anos. Coloquei faz

alguns dias essa carta na minha página do Facebook, mas você poderá tê-la no seu arquivo

através desse link:

http://www.globaleditora.com.br/joaocarlosmarinho/carta_avo.htm

2. O senhor acredita que alguns autores e obras tenham exercido influência

marcante na sua produção? Que autores e obras? Que tipo de influências?

A leitura constante dos grandes gênios me fez ir penetrando cada vez mais no mundo

particular da literatura. Isso foi indispensável para a minha formação de escritor. Mas é muito

diferente contribuir, entre outras coisas, para a formação de um estado de espírito, do que

algum autor atuar como motor determinante e específico para a minha obra. O jeito que eu

sou, o percurso da minha vida, com a sua multidão de experiências, entre elas as leituras, é

que vai formar a minha vida interior. Quando eu escrevo eu não penso em autor nenhum, não

me sinto discípulo de nenhum autor particular, o meu guia é a minha vida interior. Por

exemplo, se eu pego o Frère Jean do Rabelais, é que esse personagem me foi útil naquele

momento, não tem nenhuma diferença de quando eu pego o Hélio, mordomo do meu cunhado

Plinio de Ribeirão Preto, e transformo ele no Abreu, que como o frade João, vão percorrer a

minha obra. O Hélio não está em autor nenhum mas certas particularidades dele entraram na

minha vida interior e quando eu precisei de um mordomo o meu pensamento foi lá. Quando

eu digo que eu fiquei deslumbrado pelos diálogos do Molière, é que, no fim da minha

adolescência foi o primeiro genial dialogador que encontrei, me abriu a porta para a

observação do diálogo. Depois eu vim a ter intimidade com o Proust e o Guimarães Rosa que

são superiores ao Molière na elaboração dos diálogos de seus personagens, eu sinto os

personagens deles falando como se estivessem na minha frente. Aquilo vai para a minha vida

interior e lá se mistura a milhares de outras coisas. Quando eu digo que ao escrever os

capítulos curtos do Caneco de Prata eu me senti tranquilo ao ver que o Oswald de Andrade fez

igual no Memórias Sentimentais de João Miramar, isso nem é inspiração, isso é uma coisa

mecânica, igual eu me senti tranquilo ao nunca dar títulos aos meus capítulos ao ver que

muitos escritores faziam igual. Muito mais importante, na disposição estética dos mini-

219

capítulos do Caneco foi a pintora Vera Ilce, que me resolveu genialmente o quebra-cabeças,

determinando que se jogassem os capítulos na base da página, se deixasse um grande espaço

grande em cima e se colocassem números grandes bem em cima para equilibrar. Essa sim, eu

devo diretamente à Vera Ilce, aquela linda paginação não existe em autor nenhum. Então a

resposta à sua pergunta é: não sou tributário de nenhum autor específico e sim da literatura.

Dentro desse ângulo eu posso fazer dois destaques: Em primeiro lugar a Monteiro

Lobato que foi o primeiro autor que eu li, na infância, com paixão e que me abriu a porta para

a literatura e para eu ser escritor pois me deu a chave de tudo que eu iria fazer depois. Me

lembro que eu devia ter nove anos e, após ter lido e relido Lobato eu pensei assim (lembro

perfeitamente): “eu já li tanta coisa porque será que só esse Lobato me emocionou tanto?” E

achei imediatamente a resposta: Porque ele deu vida aos livros dele. Não se contentou em

fazer livros apenas bem feitos e inteligentes. Essa chave de entrada ficou para sempre. E,

sobre as leituras posteriores à infância, seria cansativa a lista dos que eu percorri e gostei

muito, mas hoje aos 77 anos é fácil eu destacar os quatro livros que eu gostei mais que todos,

pela incomum frequência que a eles eu volto e leio de novo (todos disparando acima de dez

releituras) que são( os títulos vão na língua que os leio ):

Les Essais : Michel de Montaigne

Guerra e Paz: Leon Tolstoi

A la Recherche du Temps Perdu: Marcel Proust

Grande Sertão Veredas: João Guimarães Rosa

3. O senhor poderia comentar o seu processo de criação literária?

Uma coisa eu senti de maneira palpável desde o começo: aquela frase de que numa

obra tem que ter 99% de transpiração e 1% de inspiração, isso é totalmente falso. Qualquer

trabalho nesta vida precisa de concentração, suor, perseverança, sacrifício, doação de si. Isso é

o que os franceses chamam de “une vérité à la Palisse “Milhões de autores se mataram de

trabalhar e acabaram fazendo livros medíocres. A única porta para a obra de arte é a

inspiração. Ela é 100% da obra de arte, o resto é comer, dormir, beber e trabalhar,ou seja, o

resto é o óbvio. Para mim é uma felicidade quando acho a inspiração, e é um mistério do jeito

que ela chega, não há fórmula para isso (do contrário existiriam faculdades de escritores,

diplomas de escritores), em alguns livros, como acontece com todos os bons escritores, eu sou

mais inspirado, em outros menos. Eu não vou atrás da inspiração, deixo que ela aconteça

normalmente, de onde você vê que eu escrevi poucos livros, e relativamente curtos (110 pgs. ,

por aí ). Mas não é uma norma geral. Escritores muito mais importantes do que eu, como

220

Molière e Shakespeare eram obrigados a uma produção continua de peças de teatro, e para

eles era fundamental desenvolverem um certo sistema de achar inspirações. Que foram

maravilhosas. O que eu pude observar é que certas ideias (como o álbum de figurinhas, a

transfusão de sangue) levam a um livro bom, e outras ideias não. É o que o Monteiro Lobato,

em carta a Godofredo Rangel, chama de “sementes mágicas”. É uma relação, evidentemente

muito pessoal, que a idéia inicial tem com o autor, porque a semente mágica, como descreve o

Lobato, entra lá dentro e cria raízes, quando a gente acorda no dia seguinte essas raízes já

estão começando a entrar em todas as partes do cérebro e da sensibilidade, como se fosse uma

poderosíssima célula cancerosa. Entra na circulação, toma conta da gente. Outras ideias que

aparentemente são esplendidas, riquíssimas, chegam a nos seduzir, e até entusiasmar

inicialmente, mas não conseguem se implantar, não se espalham. Deixa indiferentes os

automatismos da nossa vida interior e não a contaminam.

4. Onde o senhor encontra estímulos ou pretextos para escrever?

Creio que isto está respondido na pergunta anterior.

5. Que relação o senhor mantém com a linguagem, o estilo?

Para mim, escrever literatura(aqui estou falando especificamente de escrever e não da

inspiração da obra, da qual já falei acima) foi fundamental ter lido muito, e ler muito, os

grandes autores que eu gosto e mesmo os que não me impressionaram tanto mas são

considerados pela boa crítica como fundamentais ( por exemplo o Ulysses do Joyce, tive um

trabalho enorme lendo aquilo, gravando tudo, ouvindo e ouvindo de novo, até entender os

mínimos detalhes, foram dezenas, com certeza mais de cem horas de trabalho e não voltei

depois, mas não podia deixar de “entrar naquilo” ). Isso me deu uma referência e mais que

tudo um exercício muito grande, indispensável. Observar também o jeito que os outros falam.

Nesse ponto o fato de eu ter sido advogado trabalhista, eu adorava ouvir a ritmo e a colocação

fraseológica daqueles analfabetos ou semi-letrados que vinham do interior, ou de outros

Estados, de Minas sobretudo onde eu descobri maravilhado que o Guimarães Rosa foi o único

a realmente penetrar nesse ritmo, nessa “construção mental” do idioma brasileiro, toda a

literatura dele pegou o sistema dessa estrutura brasileira de falar, de falar “pensando em voz

alta”, indo, voltando, parando. Outros autores souberam, nos diálogos, reproduzir, de ouvido,

o diálogo do brasileiro, mas ficavam nisso, só o Guimarães entrou lá dentro, desvendou a

estrutura e o sistema e o incorporou inclusive à sua maneira de pensar e de escrever. Eu

preenchi vários cadernos com a fala de meu clientes: era Guimarães Rosa! Isso até os anos 70

221

ou 70 e pouco, quando a televisão não tinha ido para o interior e as novelas ainda não faziam

parte do quotidiano do povo. A partir daí houve uma padronização desta linguagem do povo.

Mas a minha maneira básica de escrever é a linguagem materna, o delicioso português

brasileiro que se falava em casa. Qualquer pessoa que tenha o costume de conversar comigo

percebe logo que eu sou o autor dos meus textos literários. Eu ponho nos livros o mesmo

“balanço” que eu tenho falando e pensando. Houve influências durante a vida, mas sempre

filtradas por esse núcleo. Quando eu estou escrevendo um texto explicativo, não literário, ou

como advogado, ou como esse que eu estou escrevendo para você agora, esse núcleo de

linguagem materna se faz menos sentir, mas na literatura é total. Como quando eu converso. A

linguagem materna e uma coisa muito forte. Por exemplo, eu não consigo dizer: dois gramas.

Seria uma violência, iria doer, fazer mal, não pela gramática, mas “duas gramas” está no meu

modo de formação da linguagem, não dá para mudar, igual meio-dia-e-meio. Eu não iria por

num livro, porque iria desviar a atenção do leitor da história para uma irrelevante

perplexidade gramatical. Então escrevo meio dia e vinte. Mas meio dia e meia jamais

escreverei. Nem direi. É horrível. Dói na cabeça. Uma violência. Como observou Monteiro

Lobato a gente usa muito pouco os pronomes oblíquos da terceira pessoa: eu lhe disse, eu o

vi, em vez disso a gente fala “eu disse a ele”, “eu vi ele”, mas o te eu misturo muito com você,

como se fazia em casa e como se faz em São Paulo e no Rio. A gente não chama ninguém de

tu, mas o te se usa muito. Eu te amo. Eu te disse. Mesmo que na sequência da mesma frase a

gente passe a usar o você de novo. É um ritmo delicioso que se aprende no berço e que forma

uma estrutura dentro da gente: é a própria estrutura da gente. Você vê que o Gênio do Crime

está lá há 43 anos, nada foi mudado, e as crianças de todo o Brasil entendem imediatamente a

minha linguagem. Que é a mesma que eu uso quando falo com eles. Ou com qualquer pessoa.

A mesma que eu uso para pensar ou quando eu digo alguma coisa sozinho. Isto leva à

conclusão obrigatória (explicarei mais adiante na outra pergunta) que eu nunca colocarei uma

palavra, mesmo que seja atual, apenas pensando no leitor. A palavra tem que passar pelo

metabolismo do meu cérebro e ter sido aprovada. A não ser quando eu quero fazer a caricatura

depreciativa do falar de alguém, mas mesmo assim acho que foi muito raro (O Abreu

pontuando as frases com o “veja bem”ou o Abreu usando o pendular pedante do “não

apenas...mas também” ) Mas geralmente quando eu faço alguém falar eu faço com palavras e

jeito que eu gosto, como é o caso do Redimir , cozinheiro baiano do acampamento dos

bandidos.

222

6. Por que escrever literatura juvenil?

Eu não escrevo literatura juvenil, escrevo literatura infantil, que são coisas

completamente diferentes no meu modo de ver (ver minha resposta à pergunta número sete) E

escrevo literatura infantil pelo mesmo motivo que o Monteiro Lobato. Eu funcionei

maravilhosamente bem ali. Achei a minha vocação ali. “Onde a gente funciona e onde a gente

não funciona.” isso é uma coisa importantíssima na vida. Sempre digo para as crianças e é

uma colocação que elas entendem com facilidade. Aos dez anos (que é a idade básica de meus

leitores) as crianças já puderam perceber em que campos elas funcionam bem e em que outros

elas são um desastre. Esse determinismo biológico vai determinar a escolha das profissões

delas. Como exemplarmente está claro há mais de um século, a divisão dos últimos anos do

ensino secundário em exatas e humanas que antes eram clássico e cientifico. Puro

determinismo biológico que a prática do ensino teve que reconhecer.

7. O senhor acredita numa especificidade da literatura juvenil? É muito diferente

escrever para crianças, jovens ou adultos? Por quê?

Geralmente os escritores infantis e os tratadistas têm imensa dificuldade, ou pudor, de

reconhecer que a literatura infantil é uma literatura menor, se comparada com a literatura em

geral. Mas evidentemente que é. Vamos dizer assim: é uma linda arte menor, uma adorável

arte menor, uma maravilhosa arte menor, mas é uma arte menor. A literatura infantil é uma

literatura simplificada para poder ser lida por crianças. Você tem que tirar dela a experiência

da vida. Você tem que simplificar as abstrações intelectuais de que lança mão. Os personagens

devem ser obrigatoriamente estereotipados, com mais arte ou menos arte conforme o escritor.

Acontece que Monteiro Lobato tinha um legítimo orgulho de ser um grande escritor infantil,

eu também. Por ser uma arte simplificada isso não quer absolutamente dizer que ela seja fácil,

precisa de muito talento para se entrar lá dentro, precisa ter tido uma infância muito rica ( a

infância é uma viagem extraordinária ) que te deixou gravadas uma porção de sensações que

irão ser a matéria prima de seus livros. É uma arte riquíssima. Mas a minha opinião pessoal é

que não pode ser colocada em pé de igualdade com a Grande Literatura, que vai penetrar no

destino da gente, sem limites, sem restrições. Falei da literatura infantil, que se dirige para

crianças até o começo da adolescência. Os meus livros, a meu pedido e segundo a experiência

que tive, se destinam a crianças entre 8 e 12 anos. Não me interessa fazer teorias biológicas ou

sociológicas, eu me guio apenas pela minha experiência pessoal quando passei da infância

para a adolescência e pela experiência pessoal que eu tenho através da resposta dos leitores do

223

Brasil durante 43 anos. Dos 13 anos em diante os leitores não captam os meus textos com a

mesma sensibilidade e o mesmo gosto instintivo. Eles se dispersam, fazem raciocínios

esdrúxulos, enfim “não penetram no negócio”. A não ser uma minoria que é irrelevante do

ponto de vista estatístico. Esse é o fato. A razão, acredito, é que a metamorfose violenta do

organismo na adolescência já é um rompimento radical com a infância. A adolescência é o

começo da vida adulta, a infância já terminou. Eu me lembro perfeitamente que isso

aconteceu comigo. E aconteceu com a multidão de leitores que eu encontrei. Não é uma

conclusão científica, não estudei a matéria, eu só digo que não me interesso por literatura para

adolescentes (juvenil) por causa disso. Eu só recebo no auditório de meu prédio (pois não vou

em escolas) até o sexto ano. Dali para a frente se a professora realmente quiser vir deve

escolher seis alunos que serão atendidos, junto com ela, na sala de estar de meu apartamento,

que poderão filmar, gravar, mas grupo de pré-adolescentes eu não recebo porque a prática

mostrou que não se estabelece afinidade entre os meus livros e eles. No que diz respeito à

Grande Literatura, pelo que eu já disse, é evidente que eu quis entrar nela e publiquei três

livros: O Professor Albuquerque e a Vida Eterna, Pedro Soldador e o livro de poemas Anjo de

Camisola. Nenhum deles passou da primeira edição que ficou encalhada, com toda razão, pois

eu reconheço que não consegui fazer bons livros, são falhos dramaticamente, não têm vida.

Mas não os renego, para mim foram experiências muito válidas. Me serviram muito. E no ano

passado eu lancei o meu livro de contos Dueto dos Gatos (e outros duetos), que me deixou

feliz. Ainda não tive uma repercussão consistente, mas tenho certeza de que consegui o que eu

tanto queria. Entrar nesse mundo também. Não tenho pretensão de ser “cacique” ou

“tutumumbuca” aqui, como sou na literatura infantil, mas tenho a convicção de que o Dueto

dos Gatos é boa literatura.

8. Em que medida o senhor acredita que o mercado afete a sua produção literária?

No caso da literatura para jovens, essa influência assume características diferenciadas?

Por quê?

Eu encontrei no Alceu Amoroso Lima a resposta perfeita para o meu relacionamento com o

mercado. Diz ele que nenhum grande escritor ignora o público, quando uma pessoa publica

está se dirigindo ao público. Mas de outro lado nenhum bom escritor se apaga diante do

público. O escritor escreve para um público que tem afinidades com ele. Eu escrevo para um

publico que tem afinidades comigo e com o João Carlos de dez anos (que é o meu público

alvo). Surpreendentemente são muitas crianças, mas não é todo mundo.Eu não escrevo para

“todo mundo”, escrevo para “esses caras lá”. Isso me dispensa de prestar atenção no mercado.

224

9. Nas primeiras histórias, em algumas das edições da Turma do Gordo, há a

presença de fichas de leitura. O que acha de algumas edições terem essas fichas e outras

não? Como o senhor analisa essas fichas em livros para jovens?

Quando eu tive conhecimento de que em outros livros havia ficha de leitura a minha primeira

reação foi de repugnância. Vi aquilo como uma estereotipação do livro. Mas depois de algum

tempo o meu editor de então, o Luiz Fanelli, me pediu licença para colocar uma ficha de

leitura porque os tempos estavam mudando, estava crescendo uma certa faixa de professores

que tinham dificuldade de dar uma aula sobre literatura infantil, e eles professores,

imploravam por uma ficha de leitura para ajudá-los a preencher esta deficiência pessoal. Em

vista disto eu mesmo fiz uma ficha de leitura para o Gênio do Crime e se me lembro bem pedi

a uma professora muito competente que fizesse para o Sangue Fresco. Mas eu não gosto. Faz

muito tempo que os meus livros não têm ficha de leitura e se tiverem, pelo que eu saiba,

seriam aquelas que autorizei, pois a editora precisa pedir a minha autorização para introduzi-

la.

10. Houve várias mudanças nas edições de Sangue Fresco, tanto na capa e 4ª capa,

nas ilustrações e, inclusive, um prefácio feito pela Fanny Abramovich na primeira

edição, que não consta nas demais. Você participou dessas alterações? Chegou a sugerir

algum detalhe para a obra nas outras edições?

Todas as alterações que houve foram autorizadas por mim, mesmo essas de ilustração

precisam ser autorizadas por mim, pelos contratos que assinei. Todos, menos a primeira

edição do Gênio do Crime. Acontece que esse fantástico ilustrador da primeira capa do

Sangue Fresco morreu e, como eu passei para outra editora, a Global, onde estou há 27 anos,

as editoras não costumam pegar as ilustrações da outra editora porque isso complica direitos

autorais e essa coisa toda. Ainda mais ilustração de uma pessoa que morreu, a família pode

entrar no meio e fazer exigências. Porque pelo contrato, e pela lógica, ao passo que o texto é

coisa intima minha e ninguém pode mexer, as ilustrações devem ser aprovadas por mim e pela

editora e as editoras gostam de trabalhar com ilustradores que elas conhecem. Os dois devem

aprovar. Não impede que um ilustrador que trabalhou em uma editora não possa trabalhar na

outra, como aconteceu com o Roberto Barbosa. Sobre o prefácio da Fanny, eu pedi a ela para

fazer pois, como você observa mais adiante, eu fiquei mais de dez anos sem publicar livros

infantis e a Fanny, além de ser minha amiga pessoal, ela estava sempre muito presente com

artigos nos jornais sobre livros infantis. Era ainda o tempo em que os jornais não haviam

morrido de todo (porque agora são mortos vivos ) e havia ainda aquela tradição de critica

225

literária que corria nos jornais. Esse prefácio só tinha razão de ser para anunciar a “minha

volta”, na primeira edição, logo depois não precisava mais porque o Sangue Fresco “pegou

fogo” violentamente.

11. O senhor é um grande leitor e admirador de Monteiro Lobato. Este, ao reeditar

suas obras, acrescentava capítulos ou alterava os seus títulos. Houve alguma alteração

em suas obras em relação ao conteúdo?

Antigamente todo escritor não resistia à tentação de ajustar um pouquinho o livro dele

a cada edição porque no tempo da tipografia, com os chumbinhos, a cada edição tudo precisa

ser feito de novo, o escritor se estivesse vivo) ia fazer de novo a revisão, e quem é que resiste?

Porém, mais ou menos a partir da segunda edição do Caneco de Prata (1973?) a impressão

eletrônica começou a entrar em cena e os livros eram filmados e reimpressos sobre o filme.

Com os computadores não sei o sistema exatamente, mas as editora guarda uma matriz.

Acabou-se aquela rotina pessoal da reimpressão, ela é automática. Então, com as duas

maneiras, se o escritor quiser mudar uma coisinha isso vai dar um enorme trabalho. Acabou-

se aquele “convite” de mexer no livro. Quando há quatro ou cinco anos a Global resolveu

aumentar a altura do livro (que ficou mais bonito) foi preciso fazer tudo de novo, e todas as

provas passaram pela minha mão, com liberdade evidente de mexer onde eu queria. Mas eu

mexi muito pouco, uma coisinha ou outra muito irrelevantes, pode-se dizer que todos

continuaram exatamente os mesmos. Menos no Caneco, esse aí já sofreu três grandes

alterações. Primeiro, e principalmente, porque a primeira edição saiu pouco infantil, as

crianças, mesmo as que têm inclinação a gostarem do Caneco, ficavam perdidas. Então eu

retirei alguns capítulos para que a parte que dá continuidade ao livro, que é o campeonato de

futebol, ficasse mais evidente. E as outras duas alterações foram porque a estrutura do

Caneco, com capítulos que muitas vezes não tem muita relação entre si, permite essas

mudanças, quando houver uma outra oportunidade capaz de eu mexer de novo. Aliás, essa

última mudança eu resolvi caprichar, convidei uma pintora ilustrar e supervisionar a

paginação, gostei do que ela fez.

226

12. Seus livros são bem estudados na academia devido à qualidade literária e

repercussão com o público leitor. O senhor disse que os trabalhos universitários ao

classificar a sua obra como “suspense”, limita-a. Isso o incomoda? Como o senhor

analisa essa classificação da sua obra?

É normal que os trabalhos universitários, que precisam lidar com um grande número de livros,

procurem certos padrões para facilitar a coisa. Sempre foi assim. De uns anos para cá entrou

na moda (e isso eu vi claramente nos trabalhos exigidos das crianças que me visitam) o

chamado padrão de “narrativa enigma”. Os professores gostaram porque é um estimulo para

eles darem enigmas para os alunos. Acontece que para mim a estrutura da aventura é apenas o

esqueleto, a ossatura, sobre a qual eu faço viver o livro, eu vou lá e dou vida ao livro. Com

humor, com alegria, com relacionamentos curiosos entre as pessoas. Isso que é a literatura.

Fiquei até rouco de tanto repetir isso. Eu falo assim: olha eu não posso escrever um livro

sobre a vida diária e o relacionamento de umas crianças entre si e com os outros, sem que eu

coloque uma estrutura dramática que faça eles se movimentarem. Tenho que botar um

bandido, um enigma que seja, que os desafie, que os faça se moverem, trocarem de lugar. Do

contrário ia ficar um olhando pro outro e conversando e contando piada, e almoçando, e

jantando e dormindo. Então eu pego o desgraçado desse enigma ou dessa aventura, que é o

secundário, para que ele movimente o principal, que é a vida do livro. Isso que eu falo. Porque

me incomoda ver o meu livro transformado num quebra cabeça. Me incomoda em parte,

porque eu sinto claramente que as crianças se divertem e se apaixonam pela vida do livro, e

nesse ponto eu continuo a me sentir realizado. O enigma não ia segurar nenhum leitor por 43

anos. Nem esses pais e essas mães que nunca esquecem e que me escrevem. A originalidade

da minha literatura e do meu humor, da vida que eu ponho, é que os encanta. No fundo acho

normal que na hora de “interpretar” haja coisas esquemáticas. A vida é assim. A minha filha

encontrou em um ônibus, faz alguns anos, uma criança que deu um exemplo do que é a reação

de meus leitores ao lerem os meus livros. Ela estava no fundo do ônibus, o ônibus estava

lotado e ela estava de pé. De repente uma enorme e aguda gargalhada ecoou pela ônibus. Era

uma gargalhada de criança que vinha lá da frente do ônibus. Minha filha andou até lá e viu

que tinha uma criança sentada, lendo o Gênio do Crime e rindo sem parar. Ela falou para a

criança: Olha, esse livro que você está lendo foi o meu pai que escreveu. :A criança virou pra

ela e falou: Eu estou lendo pela décima vez. Então, digo eu, se ela estivesse atrás do enigma,

já estaria cansada de saber.

227

13. Como seus leitores reagem à violência presente em suas obras? Eles costumam

comentar sobre elas? Se sim, quais tipos de leitores?

À medida que o tempo foi passando e que aquela época tão calma em que foi

publicado o Gênio do Crime foi dando lugar à um tempo de mais e mais violência, era normal

que, em uma literatura tão vigiada como a literatura infantil, surgissem pessoas que

estranhassem a violência ingênua que existe nos meus livros. Não havia como evitar, era

esperado, previsível. Vão continuar a surgir estes protestos. Mas o principal é que eles não

atrapalham, as crianças continuam lendo, as professoras continuam dando em classe, os pais

continuam adorando porque o fato evidente de que estas violências são colocadas com arte,

dentro de histórias alegres e humorísticas, cheias de vida, esse fato tem uma autoridade

enorme e sempre prevalece. O que acontece com algumas mães, ou professores (poucos) que

protestam é o que acontece por exemplo com um ou outro jornalista a quem dão a missão de

dar uma olhada rápida nos meus livros para fazerem uma resenha ou darem um palpite. O

jornalista quando está assim meio no ar, ele precisa pegar num motivo pra desenvolver: na

rapidez da leitura, a experiência profissional dele vai procurar um motivo fácil para chamar a

atenção e conduzir o artiguinho dele: então ele fatalmente vai, por exemplo, cair logo de cara

numa sucuri comendo um menino. Pronto, está feita a matéria dele. Mas quem prevalece é a

realidade: a sucuri é adorável, os pais, as mães, as crianças, acho que você também, todo

mundo ama aquela sucuri. A minha Fedra: “de l‟amour j‟ai toutes les fureurs”

14. O senhor aborda no universo da literatura infantil formas de violência realmente

vivenciadas como a tortura, em O Gênio do crime, e o uso de Napalm, em Sangue Fresco,

entre outras. Como se dá essa relação do contexto histórico (regimes autoritários,

guerras) com a produção da narrativa para crianças?

Eu busco fatos que vão funcionar dentro do meu livro, só. De onde eles vem não

importa. A verossimilhança é fundamental nas minhas histórias. O gordo é orgulhoso, detesta

ordens, o bandido manda ele falar e ele não fala. Desafia o bandido. A única solução que um

bandido pode pensar nesse instante é arrancar uma unha. É evidente. Jamais eu pensaria em

regime político nessa hora, nem em mandar uma mensagem, eu penso no que está

acontecendo. Com napalm mesma coisa, os aviões dos bandidos não tinham bombas guiadas

por lazer, que só foram aparecer na Guerra do Golfo em 1991, para atingirem exclusivamente

a turma, precisavam de uma bomba que espalhasse o seu efeito mortífero por uma larga área,

matasse tudo, e essa arma era o napalm. Eu me preocupo só com a minha história e com o que

pode funcionar bem nela.

228

15. Já surgiu a oferta de fazerem um filme sobre Sangue Fresco, visto que é uma

obra cheia de aventuras? Ou de qualquer outro livro, além de O Gênio do crime?

Não.

16. Depois de 11 anos, após o lançamento de O caneco de prata (1971), é publicado

Sangue Fresco (1982). Comparando o ano de publicação de todos os seus livros, este é o

que teve um intervalo maior de tempo entre uma obra e outra. Você já tinha em mente a

continuidade da turma do gordo, após O caneco de prata? Ou Sangue Fresco foi a obra

que mais lhe exigiu tempo para conclusão?

O que exigiu mais tempo foi o Genio do Crime. Mas Sangue Fresco deu muito

trabalho, como você pode ler no meu texto COMO ESCREVI PASSO A PASSO SANGUE

FRESCO que está na seção Noticias do meu site. Houve o intervalo porque eu me ocupei em

escrever O Professor Albuquerque e a Vida Eterna, Pedro Soldador (que foram publicados) e

cheguei a completar uma tradução de Rabelais para o português arcaico, que me deu muito

trabalho mas que é inviável publicar porque eu me apaixonei pelo português arcaico e fiz uma

tradução muito mais arcaica que o francês do Rabelais, só inteligível por especialistas e

portanto sem viabilidade de publicação. Mas adorei e pude ter mais intimidade com o Frade

João, que é um personagem muito querido desde a adolescência na Suíça.

17. Sangue Fresco foi uma das obras que foram compradas, em 2006, pelo Ministério

da Educação para ser distribuída nas escolas públicas do país pelo Plano Nacional da

Biblioteca da Escola. Como você analisa a escolha dessa obra e não a de qualquer outra

da turma do gordo? Qual característica você destacaria da obra para que fossem

distribuídas nas escolas?

Pelo meu contrato a editora está livre de, sem me consultar, de fazer e vender edições

especiais pelo preço que lhe convém. Sempre foi assim. Sempre houve estas edições

especiais, em maior ou menor número, para São Paulo ou outros estados. É um fato

corriqueiro. Não é assunto que desperte o meu interesse, eu fico sabendo quando recebo os

relatórios semestrais das vendas feitas. O meu contato com o meu editor é o de dois grandes

amigos, ele é absolutamente correto nunca atrasou um pagamento, nem de um dia, se eu

estivesse interessado em esclarecimentos ele me daria todos. Fico contente ao verificar que

um livro está com ótima saída, muito. Acaba chegando nas minhas mãos, muito bem

explicado, duas vezes por ano. Sobre a parte da pergunta que versa sobre os motivos da

229

preferência escolar, também não me interesso em saber. Eu já sei, pela experiência, quais os

livros que vendem mais e a minha vivência de escritor infantil me mostrou imediatamente,

desde o começo, que o meu papel não é o de educador , é de escritor, é de artista, e que não

tem propósito eu ficar esquadrinhando os programas escolares, suas motivações, nem ir em

escolas , nem ficar dando conselho pedagógico para ninguém. As escolas me procuram na

minha casa porque acham que a boa literatura é importante. E eu procuro fazer boa literatura.

18. O senhor sabe quantos exemplares teriam sido, até hoje, vendidos de Sangue

Fresco, incluindo vendas governamentais? O total geral e o total específico de vendas

para o governo?

Se eu quisesse era só somar o número vendido de livros cada semestre que eu obteria

um total geral. Mas nunca somo. Olho só como está o panorama. Muitos escritores fazem a

contagem, eu acho legítimo, o Lobato fazia, é o jeito que eu sou, eu fico feliz de ver que a

coisa está andando bem. Acho que o Sangue Fresco está na 31ª edição, mas não tenho aqui

porque meus netos e sobrinhos rapam tudo, não perdoam. Só que a contagem das edições

agora é diferente. O Sangue Fresco está na 6ª reedição da 25ª edição, o que resulta na 31ª.

Antigamente cada reedição era uma edição, isso pode causar uma certa perplexidade,

sobretudo se for para uma 26ª edição, talvez se perca a conta por completo, pois talvez não

constem as reedições da 25ª. Não sei.

19. Qual o seu livro mais vendido? Quais outras obras vendem mais? Quais as

tiragens?

Essa eu vejo com facilidade nos relatórios. O Gênio do Crime está sempre na frente,

disparado. Depois vem o Sangue Fresco, também com destaque evidente sobre os outros.

Depois pela ordem: Conde Futreson, Assassinato na Literatura Infantil e Berenice Detetive.

No terceiro grupo estão os outros, que vendem continuamente, continuam ativos no mercado,

todos, mas vendem menos. As tiragens vêm sempre indicadas nos relatórios mas eu não presto

atenção.

20. Para o senhor, qual o papel da literatura hoje?

Há quatro ou cinco anos, na França, foi dado um tema de dissertação de Baccalauréat

que me chamou a atenção: Porque a beleza é absolutamente fundamental para a vida humana?

Esse tema responde à sua pergunta.

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21. É provável que esta entrevista venha a ser lida por especialistas em literatura

infanto-juvenil, professores e mesmo alunos de Ensino Fundamental e Médio. Há algo

em especial que o senhor gostaria de dizer a esses leitores? Gostaria de dar algum

depoimento sobre qualquer outro tópico não contemplado pelas questões anteriores?

Acho que as suas perguntas colocaram os pontos fundamentais. E feliz aniversário. Se

eu esqueci alguma coisa me avise.

João Carlos Marinho

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ANEXO I: RESENHA DE LAURA SANDRONI

Resenha Sangue fresco

O Globo, 08/08/1982

Sangue fresco. João Carlos Marinho. Il. Roland Matos. São Paulo. Obelisco. 172p.

Autor de apenas dois títulos, O gênio do crime e O caneco de prata, ambos best-

sellers da literatura infantil brasileira, João Carlos Marinho volta ao gênero depois de dez

anos sem nada publicar. Sangue fresco, em perfeita coerência com a obra anterior, vem para

reforçar os conceitos antagônicos que dividem seus leitores, de um lado, críticos e crianças

estão de acordo quanto a seu fascínio, de outro, aqueles professores e pais mais conservadores

se escandalizam com a total irreverência do texto.

Já pela trama pode-se sentir o quanto o autor se distancia dos cânones consagrados

pelo gênero. Um médico americano descobre, por acaso, que o sangue de crianças entre nove

e onze anos é muito mais eficiente na cura de determinadas doenças do que o sangue dos

adultos. No entanto, doação ou venda de sangue infantil é proibida por lei. Então, ele monta

um grande acampamento, em plena selva amazônica, para onde leva milhares de crianças

sequestradas na cidade de São Paulo. Quando a turma de Bolachão é agarrada, tem inicio uma

série de aventuras que envolvem, além das tentativas de fuga, o relacionamento afetivo dos

principais protagonistas.

A técnica usada em cortes rápidos, típica da linguagem cinematográfica, e usada pelo

autor em sua obra anterior, é aqui menos evidente. O que ele busca desta vez transpor em seu

discurso é a carga excessiva de violência e agressividade que se encontra no desenho

animado. Essa técnica, levada ao paroxismo, traz em si mesma os elementos que

desmascaram o horror proposto e levam ao riso. Esse humor negro está presente nas 172

páginas. A criança, muito mais afeita que o adulto à leitura daquela linguagem, imediatamente

a identifica sob a nova aparência e, percebendo o jogo, entra nele sem preconceitos.

Outro aspecto marcante da obra de João Carlos Marinho é seu espírito crítico

onipresente. Nada resiste à sua visão devastadora – para ele, nada é sagrado. A linguagem

coloquial, eivada de gírias, remete constantemente a fatos, pessoas e locais conhecidos

especialmente do leitor paulista. Leitura que prende, faz rir, leva à reflexão e mostra que João

Carlos Marinho está de volta com força total.

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Prêmios

_Altamente Recomendável para o Jovem, 1982, da FNLIJ.

_Jabuti, 1982, na categoria Juvenil.

_APCA, 1982, Grande Prêmio da Crítica.

A partir de 1986, passou a ser editado pela Global, com ilustrações do Estúdio Gepp e

Maia.

Resenha O gênio do crime

O Globo, 23/02/1990

O gênio do crime. João Carlos Marinho. Il. Estúdio Gepp e Maia. São Paulo. Global, 1989.

128p.

Os anos de 1988 e 1989 marcaram o aparecimento de um novo escritor que todos os

concurso literários nas categorias conto e poesia. Marcos Bagno tem dois títulos publicados, e

um deles, destinado ao público infantil, foi vitorioso no tradicional concurso João de Barro,

da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte. Trata-se de O papel roxo da maçã, escolhido

pelas crianças que formam o júri infantil e editado pela Lê, na coleção momentos.

Duas homenagens marcantes surgem no texto. A primeira – referente à temática e ao

próprio título – é prestada a seu inspirador, o também poeta mineiro e autor laureado

Bartolomeu Campos Queirós, citado na epígrafe inicial. A segunda, no terreno da linguagem,

diz respeito a Guimarães Rosa.

Uma menina recebe de seu pai um presente, o “O presente da risonha Rosinha Rosa

foi uma nunca antes vista fruta vermelha, da pele fina e lisa, que chegou embrulhadinha numa

coisa simplesmente linda, um papel de seda roxo... Ai, sem saber por que, Rosinha encostou a

orelhinha no papel roxo como se estivesse ouvindo alguma coisa lá dentro. E parece que

ouviu, pois logo responde: „isso, mãe, é uma maçã...‟”

O espanto foi geral, pois essa fruta não fazia parte do universo da menina.

Impressionados, pai e mãe verificam que esse dom de adivinhar é da sua natureza, capaz de

saber o que contém um livro sem ainda ler. Bastava colocá-lo junto ao ouvidinho esquerdo.

Rosinha, no entanto, não se espanta, ela sabe que todas as suas amigas adivinham o que está

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dentro dos livros e mais “o que dizem as vacas e cães e automóveis e choro e ranger de dentes

e telefones e tempestades e apitos de trem...”

Uma bela história sobre o imaginário infantil, tecida numa linguagem criativa e

enriquecedora, com ótimas ilustrações em preto e tons de amarelo, de Cláudio Martins.

Mas a produção literária para crianças e jovens e comporta também muitas reedições.

Entre elas, e talvez o título mais vezes reeditado de autor contemporâneo, O gênio do crime,

de João Carlos Marinho, em 32ª edição. Lançado em 1969, o sucesso imediato deveu-se

principalmente a dois fatores que permanecem e marcam a obra: enredo rocambolesco em

cima de um tema “quente” e uma linguagem coloquial e ágil. A notar-se ainda a influência

assimilada de formas modernas de comunicação, como o cinema e os quadrinhos.

Em O gênio do crime ele desenvolve, com muito talento, uma trama recheada de

suspense e aventura em torno da turma que colecionava figurinhas de futebol. Esta edição, da

Global, é valorizada pelas ilustrações do Estúdio Gepp e Maia.