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Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.1. Estado e Administração Pública
O Estado pode ser definido como a organização político-jurídica capaz de impor sua
vontade a todos os que se situam dentro de um determinado território.
E o que seria a Administração Pública? A Administração é uma das facetas da atuação
do Estado, que se revela na vida cotidiana daqueles que estão submetidos ao poder
estatal. Para entender melhor, vamos analisar as funções do Estado
1.2. Funções estatais
As funções estatais podem ser divididas em
a) Função legislativa – é a atividade de criação das normas gerais e abstratas a serem
seguidas por todos; é desempenhada de forma principal pelo Poder Legislativo.
b) Função jurisdicional – é a atividade pela qual se decidem de forma definitiva os
litígios referentes à interpretação e aplicação das normas acima mencionadas; é
desempenhada de forma principal pelo Poder Judiciário.
c) Função administrativa – é a função que nos interessa e que abrange todas as demais
atividades desempenhadas pelo Estado; é exercida de forma preponderante pelo Poder
Executivo.
A função administrativa compreende, portanto, uma variedade enorme de atividades,
tais como: tributação, fiscalização e manutenção da ordem pública, prestação de
serviços à coletividade, incentivos às atividades consideradas de interesse público, etc.
Além disso, também fazem parte dessa função todas as atividades destinadas à
manutenção da estrutura estatal, como os cuidados com o patrimônio dos entes
públicos, o recrutamento e a disciplina dos agentes estatais, a realização de aquisições e
demais contratações que sejam necessárias ao funcionamento da máquina administrativa
etc.
Acho que já entendemos o que é a função administrativa. Porém, conceituá-la é tarefa
dificílima, havendo autores que preferem dizer: é tudo aquilo que não é função
legislativa, nem função jurisdicional.
Vamos fornecer apenas como suporte para avançarmos em nosso conhecimento, a
seguinte definição:
Definição: A função administrativa consiste no exercício de poderes, pelo Estado e seus
agentes, com a finalidade de: a) satisfazer concretamente os interesses essenciais da
coletividade; e b) promover a organização e funcionamento dos órgãos estatais, de
molde a possibilitar o exercício de suas atividades.
Atenção! Uma informação importante é que, embora a Constituição faça a
separação entre três classes de órgãos, denominados “Poderes” – o Poder
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário – essa divisão não coincide de
forma absoluta com a divisão de funções já mencionada.
Cada “Poder” exerce de forma principal ou típica a função associada a seu nome;
porém, pode praticar atos relacionadas a outra função, de forma secundária ou atípica.
O Poder Executivo e o Poder Judiciário participam da função legislativa, por exemplo,
por meio da iniciativa de leis, conforme previsto na CF. O Poder Legislativo também
exerce funções jurisdicionais, ao julgar os crimes de responsabilidade. (CF, art. 52, I e
II).
Todos os Poderes exercem a função administrativa, na medida em que necessitam se
estruturar para desempenhar suas atividades. O Congresso Nacional quando realiza um
concurso para servidores; o Tribunal de Justiça quando realiza uma licitação para
compra de computadores; o juiz, quando baixa uma norma para disciplinar o horário
dos servidores do cartório – todos são exemplos de exercício de função administrativa
por autoridades legislativas e judiciárias.
1.3. Definição de Administração Pública
Podemos, portanto definir Administração Pública como o exercício, por agentes
estatais, das atividades e tarefas relacionadas à função administrativa (sentido
objetivo ou funcional de Administração Pública)
Sob um outro ângulo, Administração Pública também significa o conjunto de pessoas
jurídicas, órgãos e agentes incumbidos do desempenho da função administrativa (sentido subjetivo ou orgânico de Administração Pública).
1.4. Usos da palavra Administração
O vocábulo Administração pode ser usado de forma mais específica, para distinguir
diversas situações no âmbito da atuação administrativa. Assim, na linguagem do Direito
Administrativo, temos as seguintes expressões:
Quanto à esfera governamental:
Administração Federal – se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes da
União
Administração Estadual - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes
dos Estados-membros
Administração Distrital - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes do
Distrito Federal
Administração Municipal - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes
dos Municípios
Quanto à forma como é exercida a função administrativa:
Administração centralizada: quando a função administrativa é exercida
diretamente pelos entes políticos (ou seja, pela União, Estados, Distrito Federal
ou Municípios)
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Administração descentralizada: quando a função administrativa é exercida por
meio da outorga ou delegação de poderes – pode se tratar de uma entidade
criada pelo próprio ente político (uma autarquia, por exemplo) ou por um
particular (concessionário de serviços públicos, por exemplo).
Quanto à forma de organização administrativa:
Administração Direta: expressão consagrada na Constituição, para se referir às
estruturas administrativas internas dos entes políticos.
Administração Indireta: expressão que abrange as pessoas jurídicas criadas
pelos entes políticos (autarquias, empresas públicas, etc.) Podemos também
tornar mais específica a expressão, ao nos referirmos a uma esfera
governamental determinada. Por exemplo, ao nos referirmos à Administração
Indireta Federal, estamos querendo alcançar apenas as pessoas jurídicas criadas
pela União.
Administração autárquica: se refere apenas às entidades referidas como
autarquias – que explicaremos mais adiante.
Administração fundacional: se refere apenas às entidades referidas como
fundações governamentais – que explicaremos mais adiante.
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
2. O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO E OS PRINCÍPIOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1. O regime jurídico-administrativo.
Em sua concepção contemporânea, a Administração não é um fim em si mesma. Ela é
um meio de realizar as necessidades da coletividade. Assim, o poder de que ela
dispõe somente pode ser exercido para satisfazer o interesse público.
Os poderes ou competências da Administração são, portanto poderes-deveres. Ou
seja, são sempre associados ao dever de realizar os interesses maiores da coletividade.
Em razão dessa missão da Administração Pública, ela possui um conjunto de princípios
e regras destinado a garantir que ela alcançará seus objetivos: é o regime jurídico-
administrativo.
O regime jurídico-administrativo é um regime diferenciado, feito sob medida para a
Administração Pública. Nele, institutos conhecidos no direito comum – isto é, no direito
que se aplica a todos os indivíduos – ganham uma nova roupagem.
Para entendermos o regime jurídico-administrativo, temos de conhecer dois princípios
básicos da atividade administrativa, relacionados à idéia de interesse público:
Princípio da indisponibilidade do interesse público, também referido com
princípio da finalidade: tal princípio nos diz que o agente público deve sempre
cuidar da realização do interesse público, não se desviando desse caminho. Viola
esse princípio, por exemplo, o agente público que usa a viatura oficial para
viagem de lazer; ou ainda, o agente que desperdiça recursos públicos com gastos
desnecessários e imotivados.
Princípio da supremacia do interesse público: serve para justificar a
existência de prerrogativas e privilégios da Administração em relação ao
particular. Tendo em vista que o interesse da coletividade é mais importante que
o interesse dos indivíduos, costuma-se dizer que, quando presente o interesse
público, a Administração se coloca numa posição de superioridade em relação
ao particular.
Esses princípios estão na raiz de uma série de princípios e regras especiais, aplicáveis
à Administração, dando ao regime jurídico-administrativo uma feição muito fácil de
reconhecer. Esses princípios e regras se caracterizam de duas formas:
Restrições – princípios e regras restritivos impedem ou dificultam o agente
público de atuar com desatenção ao interesse público. Por exemplo: a
necessidade de procedimento licitatório para realizar contratações; a necessidade
de autorização da lei orçamentária para realizar despesas.
Prerrogativas e privilégios – princípios e regras que dão à Administração um
tratamento especial, diferenciado e superior em relação ao particular. Por
exemplo: a possibilidade de desapropriar um bem de um particular; o poder de
aplicar sanções àqueles que violam as regras de convivência coletiva.
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Um esquema pode nos auxiliar a memorizar essas informações:
Concluindo:
Definição: o regime jurídico-administrativo é o conjunto de princípios e regras
que, em razão da supremacia e da indisponibilidade do interesse público almejado
pela Administração, confere a ela prerrogativas e privilégios e estabelece
restrições especiais, diferenciando-a dos demais sujeitos de direito
Atenção! A idéia do regime jurídico-administrativo é a chave de ouro de nossa
disciplina, pois por meio dessa idéia podemos compreender a razão de ser de
vários institutos do Direito Administrativo.
2.2. Os princípios do Direito Administrativo
É inegável a importância do estudo e da compreensão dos princípios em toda e
qualquer área do Direito. Isso porque o Direito não se resume às regras, ou seja,
aquela espécie de norma jurídica pela qual se pode deduzir de maneira relativamente
segura, a prescrição de um comportamento.
Atenção! Os princípios também têm força normativa. Embora tenham um maior
grau de abstração do que as regras, eles são mais permanentes que elas e dão
consistência e harmonia ao sistema jurídico.
Do ponto de vista prático, os princípios nos dão pistas, indícios, sobre o conteúdo
provável das normas e nos ajudam também a interpretá-las, de maneira que elas sejam
coerentes entre si.
No Direito Administrativo, isso é ainda mais importante, pois não há uma codificação
de normas administrativas. As normas do Direito Administrativo estão na própria
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Constituição, em leis nacionais e também em leis de cada um dos entes da Federação –
União, Estados, Distrito Federal e Municípios – pois todos têm competência para
legislar sobre suas atividades administrativas. Além disso, existem também as
normas infralegais: as resoluções, regulamentos, portarias, produzidas por cada uma
dessas Administrações.
A harmonização na interpretação e aplicação dessas centenas de normas se faz por meio
do estudo e da compreensão dos princípios.
Alguns dos princípios que estudaremos são explicitamente mencionados na
Constituição Federal, especialmente em seu art. 37. Outros foram positivados em leis
infraconstitucionais. E há também aqueles que, embora não constem explicitamente de
algum texto normativo, são estudados e utilizados na doutrina e na jurisprudência
administrativista.
Os princípios mais importantes são os que constam do caput do art. 37 da CF. Eles
formam um anagrama que permite nossa melhor fixação:
L egalidade
I mpessoalidade
M oralidade
P ublicidade
E iciência
2.2.1. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é um princípio geral que se aplica a todos os ramos do
Direito, mas que tem um tratamento especial no Direito Administrativo. Ele está
consagrado, de modo genérico, no art. 5º da CF/88, aquele que relaciona os Direitos
Fundamentais Individuais e Coletivos:
“Art. 5º... II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”.
Ele estabelece, portanto, uma limitação para qualquer ação que vise restringir a
liberdade dos cidadãos, mesmo que tal ação seja realizada pelo próprio Estado. O
princípio da legalidade é a coluna fundamental do chamado Estado de Direito, ou seja,
a idéia de que o poder só atua legitimamente quanto autorizado pela norma jurídica
produzida pelo órgão legislativo competente.
Para a Administração, ele está previsto no art. 37, caput da CF, que também faz
referência a outros princípios.
Para o cidadão, a legalidade representa uma garantia de sua liberdade. No Direito
Administrativo, ao contrário, ganha uma feição de limitação para a Administração –
motivo pelo qual acaba ganhando um apelido: legalidade estrita.
Nesta linha, costuma-se dizer que a Administração não apenas deve evitar agir “contra
legem” (contrariamente à lei), “ultra legem” (além do que a lei estabelece), mas
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somente pode agir “secundum legem”, isto é, segundo a lei. A Administração somente
pode desenvolver a atividade que a lei lhe autorizar, especialmente quando essa
atividade interferir na esfera de liberdade e nos direitos dos indivíduos.
Saliente-se que, nesse contexto, estamos sempre nos referindo à lei em sentido formal,
ou seja, aquela que é produzida por meio do processo legislativo, disciplinado pela
Constituição. O conceito de lei em sentido formal não abrange normas produzidas por
órgãos administrativos, no exercício do chamado poder normativo – que será
explicado no capítulo seguinte.
2.2.2. Princípio da Impessoalidade
O princípio da impessoalidade afirma que a coisa pública – a chamada “res publica” –
não deve ser apropriada ou confundida com os interesses dos agentes que
transitoriamente exercem função pública.
Há dois significados diferentes para esse princípio, sendo que ambos são válidos e se
completam:
A impossibilidade de confundir a pessoa jurídica estatal e a pessoa do
administrador, promovendo o chamado “culto à pessoa” ou “personalismo” na
Administração. Nesse sentido, a CF/88 tem norma expressa, condenando a
promoção pessoal das autoridades e servidores públicos (art. 37, § 1º).
O dever de atuação imparcial do administrador público, que não pode
estabelecer diferenças injustificáveis entre os cidadãos, seja para favorecer, seja
para prejudicar. Trata-se, por tanto, de uma decorrência de um princípio mais
amplo, o princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput e inciso I da
CF/88.
2.2.3. Princípio da moralidade administrativa
Toda atuação administrativa, além de ser legal, deve ser moral. Essa afirmação é
necessária porque, muitas vezes, em um ato sob a aparência de legalidade, se esconde
uma intenção que nada tem a ver com a realização do interesse público.
Por essa razão a doutrina e a jurisprudência administrativista acabaram por consagrar a
idéia de moralidade administrativa como um algo a mais que complementa o princípio
da legalidade, de maneira a garantir que a atuação da Administração não se desvie de
seu objetivo maior: a satisfação do interesse público. A moralidade administrativa está
relacionada aos conceitos de atuação ética, honestidade, boa-fé, lealdade e probidade
no trato da coisa pública.
Tal princípio tem sido muito importante para o controle dos atos da Administração pelo
Poder Judiciário, especialmente aqueles que são dotados de discricionariedade – cujo
conceito abordaremos no capítulo seguinte.
A Constituição também determina a punição dos agentes públicos pelos atos de
improbidade administrativa, expressão que geralmente é associada à idéia de mau uso
dos recursos públicos (vide art. 37, § 4º da CF e Lei nº 8.429/92).
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O princípio da moralidade – bem como o correlato princípio da impessoalidade – foram
os fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para a edição da Súmula
Vinculante nº 13, que proibiu a prática do “nepotismo” na Administração Pública,
assim redigida:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor
da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou,
ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.
2.2.4. Princípio da publicidade
Por cuidar dos interesses da coletividade, o administrador público deve atuar com
transparência. Essa é a expressão que melhor traduz o que é o princípio da
publicidade.
Na Administração Pública, a publicidade é a regra. Somente pode haver atos e
atividades secretas em situações previstas na própria Constituição, como o resguardo da
privacidade do cidadão (art. 5º, X) – por exemplo, no sigilo das informações fornecidas
ao Fisco – e em questões relacionadas à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º,
XXXIII).
Por essa razão, todo cidadão têm o direito de conhecer as informações que a
Administração possua a seu respeito, bem como aquelas referentes ao bem-estar da
coletividade (art. 5º XXXIII e XXXIV). A recusa em prestar essas informações pode
ser objeto de uma ação judicial específica – o habeas data, também previsto no art. 5º,
em seu inciso LXII.
Recentemente, tivemos a promulgação de uma lei que busca dar maior efetividade a
essa ideia de transparência – trata-se da Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de
Acesso às Informações Públicas.
2.2.5. Princípio da eficiência
Esse princípio foi inserido no texto constitucional pela EC 19/98 (conhecida como
Emenda da Reforma Administrativa). Ele determina que a Administração atue de
maneira adequada, com economia de meios e com a agilidade necessária, de modo a
atender de forma efetiva os interesses da coletividade. A lentidão, a omissão, o
desperdício de recursos públicos, a falta de planejamento, são atitudes que ofendem a
esse princípio.
No plano mais prático, esse princípio está relacionado a outras mudanças introduzidas
na CF/88 pela Reforma Administrativa. São elas:
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a criação do contrato de gestão e das Agências estatais (CF, art. 37, § 8º)
a perda de estabilidade pelo mau desempenho do agente público (CF, art. 41, §
1º, III)
o controle social da Administração Pública (art. 37, § 3º)
a criação de escolas de formação e aperfeiçoamento de agentes públicos (art.
39, § 2º).
a aplicação de recursos em programas de produtividade e qualidade no
serviço público (art. 39, § 7)
o limite de gastos com pessoal, como forma de atuação fiscal responsável (art.
169).
Ele também tem sido invocado para justificar a criação de novas figuras jurídicas, que
buscam dar mais agilidade e economia à Administração. Duas figuras relativamente
recentes exemplificam essa tendência: a licitação por pregão e as parcerias-público-
privadas (PPPs).
2.2.6. Princípio da autotutela
Por esse princípio, a Administração pode corrigir e rever os seus próprios atos, para
adequá-los à legalidade ou para que eles melhor atendam ao interesse público.
Assim, a anulação ou revogação de um ato da Administração não depende de uma
decisão judicial. Está entre os poderes da Administração, o poder de zelar pela
regularidade jurídica e pela adequação de seus atos ao interesse da coletividade. Nesse
sentido, é muito citada a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada,
em todos os casos, a apreciação judicial.
2.2.7. Princípio da presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos
Os atos praticados pela Administração têm “fé pública”, ou seja, há uma presunção de
que a atuação administrativa é sempre legal e sempre condizente com a verdade dos
fatos.
Trata-se de uma presunção relativa (presunção juris tantum). Ou seja, o cidadão pode
desfazer o ato ilegal ou corrigir uma afirmação falsa realizada pela Administração.
Porém, cabe a ele o ônus de provar que a Administração se equivocou ou produziu ato
desconforme à lei.
2.2.8. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade
O princípio da razoabilidade nos diz que a atuação administrativa deve estar baseada no
bom-senso, na prudência, na coerência ao espírito e à finalidade da lei.
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Semelhante à razoabilidade, o princípio da proporcionalidade se refere à adequação
entre meios e fins na atividade administrativa. Alguns exemplos de ofensa a esse
princípio: a realização de obra dispendiosa, desproporcional ao benefício que trará à
comunidade; ou a aplicação de pena de demissão de um servidor por uma falta
corriqueira, que poderia ser apenada apenas com uma advertência.
Esses princípios serão especialmente importantes na condução do processo
administrativo, sendo que a Lei 9.784/99 (Lei Federal de Processos Administrativos)
reconheceu expressamente a existência desses princípios, em seu art. 2º.
2.2.9. Princípio da motivação
Esse princípio complementa o princípio da publicidade, na medida em que exige que o
agente público, ao praticar o ato, exteriorize os motivos de sua decisão. A motivação
do ato permite seu melhor controle, evitando que se pratiquem atos por motivos ilegais
ou imorais.
Por essa razão a Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos), em seu
art. 50, relacionou uma série de atos administrativos, cuja motivação é obrigatória.
Nesses casos, a falta da motivação levará à nulidade do ato.
2.2.10. Princípio da continuidade
O princípio da continuidade nos diz que as atividades da administração não podem ser
interrompidas, devendo atender as necessidades da coletividade, enquanto essas
existirem e com a urgência que a situação requeira.
Esse princípio está na base de algumas regras importantes do Direito Administrativo,
como:
a maior limitação do direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII da
CF);
as restrições à paralisação da execução de contratos firmados com a
Administração e o dever de tolerar, durante certo tempo, a inadimplência do ente
administrativo (Lei 8.666/93 – Lei de Licitações, art. 78, incisos V, XIV e XV);
o poder que a Administração tem de intervir nos seus contratados para garantir
a continuidade das atividades e serviços públicos (Lei 8.666/93 – Lei de
Licitações, art. 58, V; Lei 8.987/95 – Lei de Serviços Públicos, art. 32);
a impossibilidade de penhora ou qualquer outra constrição dos bens que
estejam sendo utilizados na prestação dos serviços públicos.
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3. PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
É comum que na linguagem jurídica haja referência aos “poderes da Administração
Pública”. Na verdade, o poder do Estado é uno e baseado na Constituição. Porém, há
diversas manifestações do poder estatal e, quando ocorrem no exercício da atividade
administrativa, acabam ganhando o nome de “poderes da Administração”. Vejamos
algumas dessas manifestações:
3.1. Poder normativo
É o poder conferido a autoridades administrativas de editar normas de caráter
derivado, que complementem ou explicitem os comandos da lei em sentido formal.
Essa atribuição é feita pela Constituição ou pela própria lei, tendo em vista a
impossibilidade de que as normas editadas pelo Poder Legislativo sejam capazes de
prever e disciplinar todas as situações que necessitem de algum regramento pelo Poder
Público.
Uma forma especial de poder normativo é o poder regulamentar que a Constituição
Federal atribui ao Chefe do Poder Executivo (art. 84, IV), para que ele edite
regulamentos para a “fiel execução” das leis. Esses regulamentos são editados na forma
de Decretos e geralmente a própria lei estabelece a necessidade de sua regulamentação
pelo Executivo, visto que nem toda a lei depende de regulamentação para produzir
efeitos.
Tanto os regulamentos editados pelo Executivo como as demais normas – resoluções,
portarias, deliberações – produzidas por outras autoridades administrativas estão
sujeitas a determinados requisitos de produção:
necessidade de competência legal do emissor da norma
validade condicionada às normas que lhe são superiores (análise de validade
que deve ser feito inclusive perante a lei em sentido formal e perante a própria
Constituição)
possibilidade de controle pelo Poder Judiciário
respeito aos princípios da moralidade, proporcionalidade e razoabilidade no
exercício da atividade normativa
Atenção! Um aspecto controverso do tema é a existência de regulamentos
autônomos no nosso ordenamento. Esse tipo de regulamento dispensa a
existência prévia de lei para atuação normativa do Chefe do Executivo e existe é
figura comum em alguns ordenamentos jurídicos, em que o princípio da
legalidade estrita não é interpretado da mesma forma que no Direito Brasileiro.
Nossa Constituição prevê a possibilidade de disciplina de matéria diretamente
por decreto apenas nas hipóteses contidas no art. 84, IV, alíneas a e b,
introduzidos pela EC 32/2001:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
3.2. Poder discricionário
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A chamada discricionariedade não é propriamente um poder. Trata-se de uma
característica presente em determinados atos, cuja produção pressupõe certa liberdade
do agente público, na escolha de meios de praticá-lo, de maneira a atingir de forma
mais adequada e eficiente o interesse público.
Em razão dessa característica, consagrou-se a classificação que distingue os atos
administrativos em dois tipos: os atos vinculados e os atos discricionários.
Há vinculação quando a lei já define antecipadamente a decisão a ser tomada no
caso concreto, sendo que o agente administrativo apenas aplica a norma, numa
atividade meramente mecânica. Um exemplo de ato vinculado é aplicação de uma multa
de trânsito, pois todos os elementos necessários para a realização do ato sancionatório já
estão previstos no Código Brasileiro de Trânsito – a conduta infracional, o valor da
multa, o procedimento para aplicá-la, etc. Observe que nesses casos se os agentes
deixarem de cumprir exatamente aquilo que a lei determina, o ato será inválido.
Quando há discricionariedade, ao contrário, a lei deixa ao agente uma margem de
escolha, para que ele adote a solução mais adequada ao interesse público. Essa margem
de escolha costuma ser denominada de mérito do ato, e que compreende as razões de
conveniência e oportunidade que justificam a decisão adotada.
Um exemplo bem claro de discricionariedade é a escolha de uma pessoa para assumir
um cargo de confiança – Ministro de Estado, por exemplo. Somente o Presidente da
República é que pode avaliar quem é a pessoa mais indicada para assumir tal cargo.
Falaremos um pouco mais do assunto, quando estudarmos o controle dos atos
administrativos pelo Poder Judiciário.
3.3. Poder hierárquico
A hierarquia é uma exigência prática para o funcionamento de qualquer estrutura
administrativa. Implica na existência de vários níveis de órgãos: órgãos de comando, de
assessoramento, de execução, todos devendo trabalhar de forma coordenada, sendo que
uns são subalternos a outros.
Assim, o superior exerce o poder hierárquico sobre seu subordinado, que por sua vez
tem o dever de obediência a seu superior. Cabe ressaltar que esse dever não é superior à
idéia de legalidade, não sendo o subordinado obrigado a obedecer a ordens
manifestamente ilegais de seus superiores.
Além de comandar, fiscalizar e corrigir os atos do subordinado, o poder hierárquico
também pressupõe o poder de delegar e avocar atribuições. Sobre o assunto, sugerimos
a leitura da Lei Federal de Procedimentos Administrativos – Lei 9.784/99, em seus
artigos 11 a 15, que tratam desses institutos de forma bastante clara.
A insubordinação de um agente público ao seu superior é falta disciplinar que,
dependendo da gravidade, pode levar à demissão do servidor – vide, nesse sentido, o
art. 132 da Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União).
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3.4. Poder disciplinar
É o poder de apurar faltas e impor sanções àquelas pessoas que possuem um vínculo
especial com a Administração, em razão da atividade administrativa: servidores
públicos, contratados, concessionários, alunos de escolas públicas, crianças e
adolescentes sob tutela estatal, etc.
Como qualquer atividade sancionatória, o poder disciplinar está sujeito a regras de
exercício e especialmente, à observância dos princípios da ampla defesa e do
contraditório, garantias constitucionais do acusado (art. 5º, LV da CF)
Em razão disso, não existe mais a possibilidade de aplicação imediata de sanções,
conforme se praticou antes da CF/88, na chamada prática processual da “verdade
sabida” (ou seja, constatada diretamente pelo aplicador da sanção e sem oportunidade
de defesa ou contraprova pelo acusado). A atuação disciplinar também está sujeita aos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, já mencionados.
3.5. Poder de polícia administrativa
É o nome dado à atuação das autoridades administrativas no sentido de limitar a
atividade dos particulares, visando à manutenção da ordem pública e o bem estar
coletivo.
Devemos distinguir a polícia administrativa, que incide sobre bens, direitos e
atividades, da atividade de polícia judiciária, que é empregada para a persecução dos
ilícitos criminais e incide sobre as pessoas.
A finalidade da polícia administrativa é evitar os danos decorrentes do exercício
abusivo dos direitos pelos particulares, visto que os direitos e faculdades estabelecidos
de forma abstrata no ordenamento devem ser harmonizados em sua fruição concreta
pelos indivíduos. Assim, temos direito de escutar música em nosso carro; porém foge do
razoável que ouçamos música em altíssimo volume, com todas as portas do veículo
abertas, obrigando toda a vizinhança a permanecer acordada.
3.5.1. Obrigações decorrentes da polícia administrativa
Por meio da polícia administrativa, a Administração Pública impõe diversos tipos de
obrigação:
obrigação de não-fazer – p. ex. a proibição de fumar em determinados
ambientes.
obrigação de fazer – p. ex. a obrigatoriedade da instalação de equipamentos
de segurança nas edificações.
obrigação de deixar-fazer (ou suportar), também denominadas sujeições – p.
ex. o dever de permitir o abate de animais contaminados por uma epidemia.
Convém reiterar que a atuação da autoridade administrativa não tem o condão de criar
concretamente, para o particular, obrigações que não estejam abstratamente previstas
em lei, sob pena de ofender o princípio da legalidade, já referido.
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3.5.2. Medidas de polícia administrativa
Uma vez que os particulares descumpram as ordens emanadas pela Administração
Pública, surgem medidas destinadas a reparar a ordem jurídica lesada. São elas:
Medidas coativas ou cautelares: são providências imediatas adotadas pela
autoridade pública, usando de força, se necessário, para fazer cessar a conduta
irregular. P. ex. a apreensão de equipamentos destinados à caça ou à pesca
ilegal; o embargo de uma obra irregular, etc.
Sanções: são penalidades aplicadas ao infrator, de maneira a desestimular
condutas danosas à coletividade. P. ex.: multa dos infratores de trânsito;
cassação da licença para praticar determinada atividade; perda de bens
utilizados para práticas ilegais, etc.
Para que sejam impostas, as sanções devem estar expressamente previstas em lei, que
deve conter em linhas gerais os critérios e o procedimento da punição. Imprescindível
que antes da aplicação da sanção seja dado ao acusado o direito de ampla defesa e que
o procedimento sancionatório respeite o princípio do contraditório.
3.5.3. Atributos da polícia administrativa
São citados como atributos da polícia administrativa:
Discricionariedade: é comum, que ao disciplinar o exercício das atividades de
polícia administrativa, a lei conceda ao agente público certa margem de escolha
para que ele, avaliando a situação concreta, adote a providência mais adequada –
por exemplo, confiando ao agente a gradação da multa a ser aplicada, em vista
da gravidade da infração. Ressalte-se que a discricionariedade não é a regra
absoluta, pois a lei também pode definir a conduta que espera do agente público,
sem dar margem a escolhas por parte deste.
Coercibilidade: o particular é obrigado a obedecer aos comandos dados pela
Administração no exercício da polícia administrativa, sob pena de sofrer
responsabilização penal pela resistência ao exercício dessa autoridade.
Auto-executoriedade: é a possibilidade que a Administração tem de realizar
concretamente sua vontade, mesmo com a oposição do particular e sem a
necessidade de intervenção da autoridade judicial. Exemplo: a apreensão de
alimentos impróprios para consumo; a interdição de estabelecimentos
destinados a práticas ilícitas, etc.
3.5.4. Princípios condutores da atividade de polícia administrativa
Ao exercer o poder de polícia, a Administração deve observar:
tipicidade: embora haja autores que afirmem não existir tipicidade na atividade
sancionatória administrativa – de maneira a diferenciá-la das sanções do Direito
Penal – não há dúvida de que a lei deve prever, de maneira minimamente
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
previsível, qual a conduta que pode ser considerada como infração e quais as
medidas coativas e sanções aplicáveis no exercício do poder de polícia. Isso é
decorrência do princípio da legalidade estrita.
necessidade e eficácia: a adoção de uma medida de polícia administrativa deve
ser justificada pela necessidade de se evitar um dano real à coletividade e devem
ser empregados os meios mais eficazes e que menor sacrifício causem aos
indivíduos.
proporcionalidade e razoabilidade: a Administração deve se pautar pelo bom
senso e pela moderação ao restringir a liberdade de atuação dos particulares. O
uso desproporcional das medidas de polícia pode configurar o chamado abuso
de poder por parte da autoridade pública.
3.5.5. Licença e autorização de atividade
Dentre as práticas mais comuns da polícia administrativa está a emissão de atos
destinados a regular de maneira prévia o exercício de atividades pelos particulares.
São eles:
Autorização de atividade: é o ato unilateral, discricionário e precário por
meio do qual a Administração concede ao particular a possibilidade de
exercer determinada atividade. Geralmente a atividade em questão pode
resultar em algum incômodo ou perigo para a coletividade e, por essa razão,
a lei atribui à autoridade pública a avaliação das circunstâncias, decidindo
sobre a conveniência e oportunidade para deferir o seu exercício. O ato é
precário – isto é, pode a qualquer tempo ser revogado – pelas mesmas
razões. Por exemplo: a autorização para porte de armamento.
Licença: é o ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta
àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. Aqui,
o ato é vinculado, ou seja, todo aquele que preencher os requisitos da lei tem
o direito a emissão da licença pela Administração, que não poderá recusá-la.
Por exemplo: a licença para conduzir veículo, uma vez que o particular
tenha cumprido os requisitos, passando pelos exames previstos em lei.
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4. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Conforme já mencionamos no Capítulo 1, temos uma definição de Administração
Pública em sentido subjetivo, qual seja, o conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e
agentes incumbidos do desempenho da função administrativa.
Neste capítulo, vamos estudar um pouco mais quem é o “sujeito” Administração
Pública.
4.1. Pessoas políticas e pessoas administrativas.
Embora o poder estatal seja uno, conforme já dissemos, a evolução do Estado moderno
propiciou a divisão vertical e horizontal da estrutura estatal em diversas entidades.
Assim, nós temos as pessoas políticas, também conhecidas como entes políticos ou
entidades políticas. A própria Constituição Federal é quem reconhece a existência
dessas pessoas jurídicas e atribui a elas competências legislativas e administrativas,
caracterizando assim a sua autonomia política, no espírito do chamado sistema
federativo.
Também há uma divisão horizontal da atividade estatal, por meio da criação das
pessoas, entes ou entidades administrativas, ou seja, pessoas jurídicas cuja criação é
decorrência de lei editada pelo ente político respectivo, para desempenhar alguma
atividade que seja de competência deste. Vamos falar um pouco mais delas a seguir, ao
tratar da chamada Administração Indireta.
4.2. Personalidade jurídica das entidades da Administração
Toda a entidade acima mencionada tem personalidade jurídica, isto é, o ordenamento
jurídico reconhece a elas a capacidade de serem sujeitos de direitos e obrigações.
Nosso sistema jurídico diferencia as pessoas jurídicas em dois grupos, conforme o
regime jurídico a elas aplicável: pessoas jurídicas de direito privado e pessoas
jurídicas de direito público (art. 40 do Código Civil). Estas últimas, por sua vez, são
diferenciadas entre pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados,
Distrito Federal, Territórios, Municípios, autarquias e entidades criadas por lei com essa
natureza) e pessoas jurídicas de direito público externo (os Estados estrangeiros e todas
as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público).
As pessoas jurídicas de direito público são aquelas que têm feição tipicamente estatal.
No caso daquelas mencionadas como pessoas jurídicas de direito público interno, elas
são regidas de forma integral pelo chamado regime jurídico-administrativo, já
mencionado anteriormente.
Embora possa parecer estranho, o Poder Público pode criar pessoas jurídicas de direito
privado. É que por vezes é conveniente ou até mesmo obrigatório que pessoas
administrativas sejam criadas com regime jurídico semelhante ao aplicável aos
particulares. A nossa Constituição Federal, por exemplo, ao tratar do desempenho de
atividade econômica pelo Estado, obriga que seja feito por meio de pessoas sujeitas “ao
regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
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obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” (art. 173, § 1º, II). Por essa
razão, entidades como a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás, embora sejam
estatais são pessoas jurídicas de direito privado.
Para as entidades estatais com personalidade de direito privado não se aplicam todas as
regras do regime jurídico-administrativo, justamente por terem um regime equiparado
ao dos particulares. Em geral, permanecem para elas apenas algumas das restrições –
como a necessidade de realizar concurso público, a fiscalização do uso dos recursos, a
necessidade de licitar.
4.3. Desconcentração e descentralização
Para realizar suas tarefas, a Administração Pública adota técnicas de atribuição de
competência denominadas como desconcentração e descentralização:
Desconcentração: atribuição de competência a órgãos internos da entidade.
Descentralização: atribuição de competência a outras pessoas, distintas do ente
político. Pode ser a atribuição a uma pessoa administrativa ou a um particular que
atua em colaboração com a Administração.
4.4. Desconcentração - os órgãos públicos
Chamamos de órgão a unidade de atuação integrante de determinada entidade. Ou seja,
ele é uma estrutura interna¸ que reúne atribuições e agentes públicos responsáveis por
desempenhá-las.
Através de seus órgãos, a pessoa jurídica administrativa expressa sua vontade, no que a
doutrina cunhou de relação de imputação. Ou seja, os agentes públicos que atuam no
órgão manifestam a vontade deste, que é considerada a vontade do próprio Estado.
É importante lembrar que os órgãos não têm personalidade jurídica própria, pois são
apenas uma parcela da pessoa jurídica a qual pertencem. Assim, os atos praticados pelo
agente de determinado órgão geram direitos e obrigações para a própria entidade a qual
o órgão pertença, sendo que, como regra geral, esta é que será legitimada para estar em
juízo em eventual controvérsia que envolva tal relação jurídica.
São órgãos públicos, por exemplo, os Ministérios no âmbito do Executivo Federal e as
Secretarias no âmbito do Executivo Estadual e Municipal, bem como suas divisões
internas (departamentos, diretorias, etc.). O Poder Legislativo e o Poder Judiciário
também são órgãos, com status e garantias especiais atribuídas pela Constituição, para
preservação de sua independência em relação ao Executivo. Internamente também são
divididos em órgãos (comissões, câmaras, juizados, etc.).
4.5. Descentralização
A descentralização, ou seja, a atribuição de competência a outras pessoas, distintas da
pessoa política que detém originariamente a competência, pode se dar pelas seguintes
formas:
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Descentralização territorial: atribuição de competência genérica a uma pessoa
jurídica de direito público (autarquia territorial) – em nosso país não temos
atualmente exemplos concretos desse tipo de descentralização.
Descentralização por serviços: atribuição de competência especializada, por
lei, a uma pessoa administrativa (isto é, criada pela própria Administração).
Fala-se aqui em outorga da atividade, para diferenciá-la da delegação,
mencionada abaixo. Por exemplo, a Empresa de Correios e Telégrafos é uma
empresa pública criada pela União para, sob regime descentralizado,
desempenhar o serviço postal.
Descentralização por colaboração: atribuição de uma competência
especializada a um particular, que atua sob supervisão da Administração. Essa
delegação da atividade pode se dar por lei, por meio de um ato ou de um
contrato administrativo. Por exemplo, as empresas telefônicas que hoje operam
em nosso país são pessoas jurídicas constituídas por particulares e que, sob a
fiscalização da Anatel, prestam o serviço público de telecomunicação.
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5. ATOS ADMINISTRATIVOS
5.1. Definição de ato administrativo
Os atos administrativos são um dos principais temas da disciplina. Para entendê-los,
vamos trabalhar com a seguinte definição:
Definição: O ato administrativo é um ato jurídico produzido com poderes estatais, no
exercício da função administrativa, sob regime jurídico-administrativo.
Logo, por essa definição não são atos administrativos:
atividades materiais, que não são atos jurídicos, ou seja, não buscam produzir uma
declaração com efeitos jurídicos: ex.: a varrição de uma rua, o atendimento médico
em um hospital público, etc.
atividades não produzidas com poderes estatais: somente os agentes públicos e
os particulares que atuem sob delegação estatal praticam atos administrativos.
atividades não exercidas sob a função administrativa: atos produzidos no
exercício de outras funções não são atos administrativos. Por exemplo, os atos
jurisdicionais (sentenças, acórdãos, despachos) e os atos legislativos (votações,
moções, leis).
atividades que não são produzidas sob regime de direito administrativo: atos
produzidos sob as regras do direito privado não são atos administrativos. P. ex.: a
abertura de conta em um banco, ainda que seja estatal.
5.2. Perfeição, validade e eficácia do ato administrativo
São qualidades do ato jurídico – e também do ato administrativo – que devem ser
analisadas pelo profissional do Direito para compreensão da situação jurídica existente.
Perfeição: ao contrário do significado comum, não significa ausência de
defeitos. Perfeição na linguagem jurídica tem um sentido de algo que está
completo. Ato perfeito é o que já completou todas as fases de sua produção.
Essa qualidade também é mencionada como existência do ato. Ato imperfeito e
ato inexistente são sinônimos.
Validade: é a produção do ato sem a ocorrência de vícios. Ato válido é o ato
cujo conteúdo e procedimento de formação estão conformes ao ordenamento
jurídico. O exame da validade se faz através da análise dos elementos do ato –
vide abaixo.
Eficácia: é a aptidão para produzir os efeitos que se esperam dele. Isso não
tem a ver com a validade do ato, mas sim com a existência de determinados
fatos ou atos capazes de impedir ou de propiciar a produção desses efeitos. A
eficácia se verifica sempre no tempo: um ato pode ser eficaz agora e perder sua
eficácia num momento posterior em razão do advento de um termo (evento
futuro e certo) ou de uma condição (evento futuro e incerto). E vice-versa.
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Consequências dessas qualidades:
O ato imperfeito é inexistente. Portanto, ele não pode ser analisado quanto à
sua validade e não produz efeitos jurídicos.
O ato perfeito pode ser válido ou inválido. O ato pode ser válido e não produzir
efeitos, em razão da existência de um termo ou condição que impeçam a
produção desses efeitos.
Um ato inválido, por sua vez, não deveria ser capaz de produzir efeitos jurídicos.
Porém, em nome do princípio da boa-fé ou da confiança e do princípio da
segurança jurídica, às vezes são mantidos os efeitos de um ato administrativo,
ainda que viciado. Estudaremos isso adiante.
5.3. Elementos ou requisitos de validade do ato administrativo.
A análise jurídica do ato jurídico implica na separação dele em elementos logicamente
distintos – alguns autores preferem se referir a eles como “requisitos de validade”.
Utilizaremos a divisão mais conhecida, em cinco elementos, quais sejam:
1. Sujeito
2. Objeto
3. Forma
4. Motivo
5. Finalidade
Sujeito ou agente: é a pessoa investida dos poderes legais para a prática do ato
administrativo. Se ele não tiver a competência – ou seja, a atribuição por lei, ato ou
contrato – o ato por ele praticado não é válido.
Para a verificação dos poderes atribuídos ao agente, devem ser analisados os seguintes
aspectos:
aspecto material: o ato só pode ser praticado se estiver no rol de matérias
atribuídos àquele agente.
aspecto territorial: deve o agente praticar atos dentro do âmbito espacial
definido na lei ou ato de atribuição de poderes.
aspecto temporal: o ato deve ter sido produzido durante o tempo em que
vigorava a competência do agente.
Os possíveis vícios relacionados ao elemento sujeito são os seguintes:
A) Incapacidade: o Código Civil regula a capacidade dos sujeitos para a prática
dos atos jurídicos. Porém a incapacidade civil nem sempre viciará o ato
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administrativo. Haverá vício apenas quando para a prática de tal ato for
imprescindível o usa da capacidade volitiva pelo agente.
Também pode ocorrer a incapacidade do agente para a prática de determinados
atos, em razão de sua suspeição ou impedimento – vide a propósito: artigos 18
a 20 da Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos).
B) Incompetência: situações em que faltam os poderes para a prática do ato.
São referidas pela doutrina como:
Usurpação de poder: é a situação do agente sem titulação legal, isto é,
que não se encontra investido em funções públicas e que pratica o ato
como se tivesse tal investidura. Trata-se de conduta criminalmente
tipificada.
Funcionário de fato: situação em que há uma irregularidade na
investidura do agente, mas este exerce as atribuições com aparente
legalidade.
Excesso de poder: situação em que o agente, embora tenha a titulação
legal para a prática de atos administrativos, extrapola os poderes que a
lei lhe confere, invadindo a competência de outra autoridade ou
praticando atos não previstos na lei. Pode configurar conduta
criminalmente tipificada como crime de abuso de autoridade (Lei nº
4.898/65).
Objeto ou conteúdo: é aquilo que o ato declara ou prescreve, aquilo que nos
permite reconhecê-lo como um ato típico. Assim, o objeto de um ato de demissão do
servidor é o rompimento do vínculo de trabalho que o unia à Administração. O objeto
da desapropriação é a transferência forçada da propriedade para o ente expropriante.
Tal como no Direito Privado, o objeto do ato administrativo deve ser lícito, certo,
moral e possível. Vamos entender:
Licitude: para o Direito Administrativo só são lícitos os objetos que sejam
juridicamente autorizados (legalidade estrita). Um objeto ilícito, por exemplo,
seria a aplicação da pena de confisco pelo não pagamento de um tributo.
Certeza: está relacionada com o princípio da segurança jurídica que nos diz que
não deve pairar dúvida sobre o sentido das prescrições contidas no ato
administrativo. Um exemplo verídico e espantoso: publicação de um ato
autorizando uma licença a um servidor cujo nome a autoridade desconhecia, pois
estava ilegível.
Moralidade: vide o que já dissemos, ao tratar dos princípios da Administração
Pública. Exemplo verídico sobre a imoralidade de um objeto: candidato a
prefeito, que celebrou negócio registrado em cartório com o presidente da
Câmara Municipal, visando à nomeação de apadrinhados em troca do apoio
eleitoral.
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Possibilidade: é pressuposto lógico para a existência do ato. Ela abrange a
possibilidade material e a possibilidade jurídica. Possibilidade material significa
possibilidade de esse objeto ser realizável de fato. A possibilidade jurídica
significa que este objeto pode ser realizado, do ponto de vista da lógica que
existe nas relações jurídicas. Um impossível material: a revogação, por decreto,
da lei da gravidade. Um impossível jurídico: apreender uma pessoa, com base no
poder de polícia.
Forma: esse elemento abrange:
a exteriorização do ato administrativo.
as formalidades e também o procedimento a ser seguido na produção desse
ato.
A forma mais comum de exteriorizar os atos administrativos é a forma escrita, pela
segurança e publicidade que confere aos atos. Mas também são praticados atos por
outras formas, como a gestual (sinais do guarda de trânsito), visuais (sinais de trânsito),
eletrônica, etc.
A não observância da forma prescrita pode levar à anulação do ato por vício formal.
Porém, é importante observar que a forma é instrumental, ou seja, ela é um meio para
que o ato seja conhecido pelos seus destinatários e atinja suas finalidades. Por essa
razão, embora o vício formal possa levar à nulidade do ato, muitas vezes será possível a
correção desse vício e a consequente manutenção dos efeitos do ato (convalidação).
Diz-se, por isso, que a Administração deve atuar, na maior parte das vezes, com
formalismo moderado.
Motivo: esse elemento tem dois aspectos:
motivo de fato - é o acontecimento que desencadeia a ação administrativa
motivo de direito – é o comando normativo previsto para a edição daquele ato.
A ocorrência de um motivo falso ou equivocado pode levar à nulidade do ato.
Não confundir o motivo com a motivação, que é a explicação dos motivos do ato. A
falta de motivação pode ser um vício formal que leva à nulidade do ato, quando a lei a
exige – vide art. 50 da Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos).
A importância da motivação se revela também pela adoção unânime pela doutrina e pela
jurisprudência da denominada teoria dos motivos determinantes, pela qual o agente
público, ao expor os motivos adotados para a prática do ato, vincula o ato àqueles
motivos. Se esses se revelarem falsos ou equivocados, será possível a anulação do ato,
mesmo se a lei não exigia a motivação como requisito formal desse ato.
Finalidade
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É o resultado desejado com a prática do ato, necessariamente voltado à realização de um
interesse público consagrado no ordenamento
O não atendimento a esse requisito gera o vício conhecido como desvio de finalidade
ou desvio de poder, que se caracterizam quando o agente busca um fim que colide com
o interesse público ou que não é próprio daquele ato.
Portanto, são praticados com desvio de finalidades atos que buscam atender a outros
interesses que não os da coletividade – por exemplo, a punição de um servidor público
por motivo de inimizade do superior – ou praticados fora dos objetivos almejados pela
lei para aquele ato – por exemplo, a aplicação de sanções de trânsito com finalidade
arrecadatória.
5.4. Atributos dos atos administrativos
Os atributos ou qualidades que a doutrina costuma atribuir aos atos administrativos são:
Presunção de legitimidade – já tivemos oportunidade de mencionar, como um
princípio da Administração Pública (cap. 2)
Imperatividade: é uma característica dos atos em que a Administração exerce
suas prerrogativas, impondo obrigações unilateralmente aos administrados,
criando situações jurídicas independentemente da vontade destes. É o que a
doutrina chama de “poder extroverso” da Administração. É importante
observar que nem todos os atos administrativos possuem essa característica.
Auto-executoriedade: é o poder de constranger diretamente o particular ao
cumprimento de uma obrigação ou executá-la diretamente, de maneira forçada,
sem a intervenção do Poder Judiciário. É um atributo excepcional, admitido
somente nas situações em que o interesse público não pode ficar à espera da
propositura e apreciação de uma demanda judicial e depende de autorização
implícita ou explícita da lei. Além disso, a auto-executoriedade deve ser sempre
aplicada na medida certa para evitar aquele perigo ou aquela lesão ao interesse
público, respeitando-se o princípio da proporcionalidade.
Exemplos de uso permitido da auto-executoriedade comuns no nosso direito
positivo:
suspensão de atividade ou interdição de estabelecimento empresarial
que atua de forma irregular;
remoção ou destruição de coisas em situação irregular, ou que estejam
oferecendo risco à segurança das pessoas;
apreensão de bens e equipamentos utilizados em infração às normas
administrativas de segurança e salubridade;
arrombamento de residência, para prestar socorro, entre outras medidas
de caráter urgente e impositivo.
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5.5. Classificação dos atos administrativos
Vejamos agora algumas classificações utilizadas no Direito Administrativo:
Atos gerais e atos individuais
Essa distinção se baseia na distinção entre destinatários determinados ou
indeterminados do ato administrativo. Atos gerais são aqueles que não têm um
destinatário certo: destinam-se a todos os que se enquadram na situação nele definida.
Ex.: edital de concurso. Atos individuais são aqueles que têm destinatário certo,
definido. Ex. a nomeação de um agente público.
Atos internos e atos externos
Essa classificação tem por critério a repercussão dos atos. Ato interno é aquele que
somente produz efeitos no âmbito interno da Administração. Por exemplo, circulares e
portarias internas, ordens de serviços, relações de remessa, etc. Ato externo é aquele
que produz efeitos em relação a terceiros. Por essa razão, se costuma dizer que ele deve
ser obrigatoriamente publicado, visto que os interessados têm direito a conhecer o
conteúdo de um ato da Administração que vá atingir seus interesses.
Atos simples e atos complexos
Essa classificação é baseada no critério do número de vontades que participam para
edição de um ato administrativo. Ato simples é aquele que depende apenas da vontade
de um órgão para produzir seus efeitos. Ex.: a nomeação de um Ministro pelo
Presidente da República. Dentro dos atos simples, há autores fazem a distinção entre: a)
atos singulares: aqueles que são produzidos por um só agente; b) atos colegiais: aqueles
que são produzidos por vários agentes reunidos em um colegiado.
Ato complexo é aquele que depende da vontade de mais de um órgão, ente ou Poder.
Ex.: a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal, pois depende da vontade de dois
Poderes: o Presidente da República escolhe, mas o Legislativo, no caso, o Senado, deve
aprovar essa escolha.
Atos vinculados e atos discricionários
Essa é a classificação que distingue os atos administrativos conforme a liberdade, a
margem de escolha do agente ao praticá-los. Por esse critério, há dois tipos: os atos
vinculados e os atos discricionários. Já tratamos dessa distinção no cap. 3, item 3.2.
5.6. Extinção do ato administrativo.
Com a extinção, cessam os efeitos do ato administrativo e ele deixa de existir no mundo
jurídico. Essa extinção pode se dar pela ocorrência de fatos jurídicos, como o
implemento de condição resolutiva ou de termo final, ou pelo desaparecimento do
objeto da relação jurídica.
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Mais interessantes são os casos em que a extinção é realizada por um ato de
desfazimento da própria Administração, retirando-o do mundo jurídico. Esses atos de
desfazimento são exercidos com base no poder de autotutela da Administração e são os
seguintes:
Invalidação ou anulação: é o desfazimento do ato, motivado pela constatação de
que ele foi produzido em desconformidade com a ordem jurídica (ou seja, contém um
vício em um de seus elementos). Geralmente, a anulação do ato é feita de forma
retroativa (ex tunc), desfazendo também todos os seus efeitos, ressalvadas situações já
consumadas e irreversíveis ou que a lei proteja, em homenagem ao princípio da
segurança jurídica (por exemplo, a impossibilidade de repetição de verbas de natureza
alimentar, recebidas de boa-fé).
A anulação pode ser realizada de ofício pela Administração, visto que decorre do dever
de zelar pela legalidade. Todavia, quando a anulação afetar direitos de terceiro, é
necessário que este seja ouvido, em observância das garantias constitucionais do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório – vide art. 5º, incisos LIV e LV da
CF/88.
Porém, nem todo vício do ato administrativo leva à anulação, pois pode haver a
possibilidade de convalidação do ato, que adiante estudaremos.
Revogação: é o desfazimento do ato administrativo, com a finalidade de realizar
uma nova escolha, mais adequada ao interesse público, substituindo o ato por outro
mais apropriado ou simplesmente fazendo cessar os seus efeitos em definitivo.
Portanto, o ato de revogação é um ato discricionário. Justamente por isso apenas a
autoridade administrativa competente pode revogar, não sendo permitido ao Poder
Judiciário promover esse desfazimento. Ao Poder Judiciário cabe, quando provocado,
invalidar o ato que apresente vício, não podendo, no exercício de função jurisdicional,
revogar atos de competência da autoridade administrativa.
A revogação produz efeitos não retroativos (ex nunc), pois não há justificativa para
desfazer efeitos válidos já produzidos pelo ato a ser revogado. Se o ato que se deseja
desfazer possui algum vício, a Administração não pode revogá-lo: deverá, sim, anulá-
lo.
Vamos agora observar o seguinte esquema, que compara invalidação e revogação, de
maneira a gravarmos bem suas diferenças:
INVALIDAÇÃO REVOGAÇÃO
Causa: vício do ato Causa: realização de nova escolha, mais
adequada ao interesse público
É ato vinculado: há dever de invalidar É ato discricionário: há escolha em
revogar
É possível a invalidação judicial É impossível a revogação judicial
Opera efeitos retroativos (ex tunc) Opera efeitos não retroativos (ex nunc)
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Cassação: difere tanto da invalidação quanto da revogação, pois ela é causada por
uma atitude do próprio administrado. É uma sanção aplicada ao administrado,
beneficiado por um ato administrativo, em razão do descumprimento de deveres
jurídicos a ele impostos como condição para o gozo desses benefícios. Ex.: a cassação
da habilitação para dirigir, em razão do excesso de infrações cometidas pelo condutor.
A liberdade em praticar o ato de cassação (se ele é vinculado ou discricionário) e seus
efeitos (retroativos ou não) depende do que dispuser a lei que o regula.
5.7. Convalidação do ato administrativo
A convalidação é o ato que, corrigindo os vícios de ato anterior, permite a sua
manutenção na ordem jurídica. Tal como a anulação, a convalidação também é uma
manifestação do poder de autotutela da Administração e também atua com efeitos
retroativos.
Para que possa ocorrer a convalidação, é necessário que o vício do ato a ser convalidado
seja sanável. Consideram-se sanáveis, em tese, os vícios relativos aos elementos sujeito
(competência) e forma. Porém somente a análise do caso concreto é que permitirá
verificar se o vício em questão é sujeito à correção.
No que tange aos defeitos relativos à competência do sujeito, eles podem ser sanados,
desde que o ato possa ser ratificado, isto é, confirmado pelo órgão competente para a
produção do ato. O exemplo mais conhecido é o da prática de atos por funcionário de
fato, que desde que não haja outros vícios, podem ser ratificados pela autoridade
competente. Também podem ser ratificados os atos praticados indevidamente pelo
subordinado, mas que possam ser confirmados pelo superior hierárquico, a quem
caberia praticá-lo.
Quanto à forma, se o vício formal não afetar a própria existência do ato e tampouco
interferir na certeza e na segurança jurídica em relação ao seu conteúdo ou nas garantias
dos administrados, não há vantagem em promover a invalidação desse ato.
Por último, é importante notar que a Lei nº 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos
Administrativos – art. 11) estabelece como condição da convalidação a inexistência de
lesão ao interesse público e a não ocorrência de prejuízos a terceiros. Portanto, se
ocorrerem tais circunstâncias, a Administração estará impedida de convalidar o ato,
devendo, portanto, anulá-lo.
5.8. Controle jurisdicional do ato administrativo
Em nosso sistema constitucional, vigora o princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, pelo qual toda lesão ou ameaça a direito está sujeita a controle pelo
Judiciário – art. 5º, inciso XXXV da CF/88.
Com relação aos atos vinculados, isto é, aqueles produzidos como mera aplicação de
um comando legal, esse controle é pleno, ilimitado.
Já com relação ao ato em que haja um aspecto discricionário, onde a lei permitiu ao
agente público realizar uma escolha, se costuma dizer que a decisão judicial não
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poderá questionar o mérito do ato. Ou seja, a autoridade jurisdicional não poderá
analisar a conveniência e/ou oportunidade da prática do ato, visto que essa competência
pertence à autoridade administrativa.
Isso não quer dizer que o uso da discricionariedade estará fora de controle. Caberá ao
Poder Judiciário verificar se o agente público respeitou os limites impostos pela lei,
aplicando-a corretamente em vista a situação concreta. Para isso, o ato será analisado
sob a luz dos princípios da moralidade, da razoabilidade e da proporcionalidade,
dentre outros já explicados no capítulo 2.
Além disso, o julgador poderá constatar o desvio de finalidade, apurando se o agente
buscou alcançar outros interesses que não ou interesse público. Poderá ainda se utilizar
da teoria dos motivos determinantes, já explicada.
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6. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
Conforme já dissemos, a Administração Indireta é o conjunto das pessoas jurídicas
criadas pelos entes políticos. Essas pessoas podem ser criadas para desempenho de
funções tipicamente administrativas ou para o desempenho de atividade econômica
considerada de interesse público.
As espécies existentes são:
autarquias (compreendendo nessa classe as agências e também as associações
públicas)
fundações governamentais
empresas públicas
sociedades de economia mista
6.1. Traços comuns de todas as entidades da Administração Indireta
Vejamos inicialmente quais são os traços que assemelham todas essas espécies de
entidade:
Personalidade jurídica própria: são sujeitos de direitos e obrigações, possuem
receita, patrimônio e pessoal próprio, se auto-administram e são encabeçadas por
um dirigente ou corpo diretivo.
Responsabilidade: elas respondem por seus atos e por suas obrigações. Apenas
em caso de extinção da entidade e incorporação de seu patrimônio pelo ente
político é que este assumirá suas obrigações (responsabilidade subsidiária).
Necessidade de lei para sua criação: a Constituição Federal (art. 37, XIX)
exige que lei específica seja editada para que haja a criação dessas entidades. No
caso das autarquias, a própria lei é que cria diretamente a entidade. Nos demais
casos a lei autoriza a criação e esta ocorre pela inscrição de seu ato constitutivo
no registro competente, conforme estabelece o Código Civil (art. 45).
Extinção também por lei: não estão sujeitas à falência nem podem se extinguir
por vontade própria (art. 2º, I da Lei 11.101/2005 – Lei de Falências).
Finalidade pública: o lucro não é sua finalidade essencial, mas sim a satisfação
do interesse público.
Especialidade de atuação: somente podem desempenhar as tarefas que a lei
lhes tenha atribuído
Sujeição aos princípios do direito administrativo estabelecidos no art. 37 da
CF
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Controle de sua atividade pela entidade criadora – regime de tutela ou
supervisão. Estão vinculadas por esse regime a determinados órgãos da
Administração Direta – como os Ministérios e Secretarias.
Submetem-se ao controle parlamentar (art. 49, X da CF) e à fiscalização do
Tribunal de Contas (arts. 70 e 71 da CF).
6.2. Autarquia
Conforme conceituação legal, autarquia é o serviço autônomo, criado por lei, com
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da
Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada (Decreto-lei 200/67, art. 5º, I).
Trata-se de pessoa jurídica de direito público, criada diretamente pela lei e que
possui todas as prerrogativas e restrições típicas do regime jurídico-administrativo.
Exemplos de autarquias no âmbito federal: IBAMA, Banco Central, INSS.
As agências são autarquias que têm um regime jurídico especial, que lhes dá maior
autonomia para tomada de decisões no tocante à gestão de sua atividade – veja tópico
adiante.
Também pertencem à espécie as autarquias corporativas, como os Conselhos
profissionais (CRM, CREA, etc.). Elas também têm um regime especial de grande
autonomia e recentemente havia dúvidas quanto à sua natureza jurídica e se de fato
pertencem à Administração Indireta. Hoje, todavia, a doutrina e jurisprudência vêm
afirmando essa natureza e a necessidade de que essas entidades se submetam ao regime
jurídico administrativo.
Atenção! A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), apesar de considerada
tradicionalmente uma autarquia corporativa e sujeita ao regime jurídico
administrativo, teve sua natureza redefinida por julgamento da ADI 3026-DF,
onde foi caracterizada como entidade sui generis e não sujeita às principais
regras do regime administrativo, estando dispensada de realizar concursos
públicos e de submeter suas contas aos Tribunais de Contas.
6.3. Fundações governamentais
As Fundações governamentais ou fundações públicas são entidades criadas à
semelhança das fundações privadas: trata-se de um patrimônio personalizado,
geralmente instituído para desempenho de atividade no âmbito social: saúde, educação,
cultura, etc.
Tais como as fundações privadas, as fundações governamentais não têm finalidade
lucrativa, sendo que o resultado de eventuais atividades comerciais deve reverter
inteiramente para os fins de sua instituição. Também se beneficiam da imunidade
tributária recíproca (art. 150, § 2º da CF).
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
O regime jurídico aplicável às fundações é controverso. Admite-se atualmente a
existência de duas subespécies:
Fundações governamentais de direito público – que nada mais são do que
uma variação da espécie autarquia.
Fundações governamentais de direito privado – são parcialmente regidas pelo
direito privado (quanto à constituição, regime de trabalho e previdenciário de
seus agentes, natureza de seus bens, etc.). Aplicam-se a ela, porém, algumas
restrições do regime jurídico-administrativo (obrigatoriedade de concurso
público, licitação, vedação à acumulação de cargos públicos, etc.)
Exemplos de fundação governamental no âmbito federal: Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Nacional de Arte (FUNARTE).
6.4. Empresa pública
O Poder Público pode criar empresas para desempenhar atividade econômica (art. 173
da CF) ou prestar serviços públicos (art. 175 da CF) em regime similar ao dos
particulares. Tais empresas devem seguir o regime jurídico privado nas suas relações
civis, comerciais, trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Não obstante, também se
sujeitam a restrições do regime jurídico-administrativo tais como as fundações de
direito privado.
A empresa pública é a empresa constituída por capital inteiramente público. Admite-
se a sua criação com base em qualquer das formas admitidas no direito empresarial.
Exemplos de empresa pública no âmbito federal: Empresa de Correios e Telégrafos;
Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES).
6.5. Sociedade de economia mista
Também se presta ao desempenho de atividade econômica ou à prestação de serviços
públicos em regime similar ao dos particulares. Tal como a empresa pública, também se
rege pelo regime jurídico privado, mantendo algumas sujeições do regime jurídico-
administrativo.
A sociedade de economia mista se distingue da empresa pública basicamente por dois
aspectos:
Capital com participação privada. Embora o Poder Público detenha o
controle societário (maioria das ações com direito a voto), os particulares
podem ter participação no capital da empresa.
Forma obrigatória: sociedade anônima. A participação privada impõe essa
forma societária, em vista da necessidade de proteção do acionista privado,
sendo que o regime das S/As é o que melhor atende a esse interesse.
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Exemplos de sociedade de economia mista no âmbito federal: Petrobrás, Banco do
Brasil, Eletrobrás.
6.6. Empresas estatais prestadoras de serviços públicos
É comum que as pessoas de direito privado, especialmente as empresas públicas e
sociedades de economia mista venham a prestar serviços públicos, especialmente
aqueles que são passíveis de tarifação – como transporte, fornecimento de energia
elétrica, telefonia, etc.
Nesse caso, embora elas continuem sendo regidas predominantemente pelo regime
jurídico de direito privado, acabam ganhando algumas características a mais do regime
jurídico-administrativo, em razão da natureza da atividade desempenhada.
O melhor exemplo dessa situação envolve os bens dessas entidades. Embora não
legalmente conceituados como bens públicos, mas sim bens privados, os bens
utilizados para prestação do serviço público passam a ser protegidos, não podendo ser
penhorados, arrestados ou sequestrados – vide nesse sentido a decisão proferida pelo
STF no RE nº 220.906, no tocante à Empresa de Correios e Telégrafos.
6.7. Agências
Embora já tenhamos esgotados as espécies da Administração Indireta, há algumas
figuras que merecem estudo.
As chamadas agências não são uma nova espécie de ente da Administração Indireta,
mas sim uma qualificação e um regime jurídico especial que se estabelece em favor de
uma autarquia ou uma fundação governamental, dando-lhe grande autonomia para
desempenho de suas atribuições.
Tipos de agência:
Agência reguladora: exercem o poder de polícia sobre determinadas atividades
ou controlam serviços públicos concedidos a terceiros.
Agência executiva: entidade da administração indireta que, após celebrar
contrato de gestão com a entidade criadora, ganha maior autonomia
administrativa, condicionada à eficiência de resultados
As agências reguladoras são os tipos mais importantes, visto que o modelo das
agências executivas, criado pela Emenda Constitucional nº 19/98 (Reforma
Administrativa), não foi até agora bem utilizado.
Características básicas do regime das agências reguladoras, no modelo federal:
Colegialidade de sua direção: as agências são dirigidas por um Conselho ou
Diretoria, sendo que os membros desse colegiado possuem mandato fixo e são
nomeados por períodos não-coincidentes. Tudo isso, com a finalidade de dar
maior independência e tecnicidade à atuação da entidade.
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Estabilidade dos dirigentes: durante o exercício de seu mandato, a destituição
dos dirigentes somente pode ocorrer justificadamente, mediante procedimento
administrativo ou sentença judicial transitada em julgado (Lei 9.986/00 – art.
9º).
Caráter final de suas decisões técnicas: não são passíveis de modificação pela
entidade controladora. Atualmente, admite-se controle de seus atos apenas
quando: a) ultrapassarem os limites de suas competências institucionais; ou b) se
violarem políticas públicas estabelecidas pela alta direção da Administração
(Chefia do Poder Executivo e Ministérios a que estão vinculadas – Parecer AGU
nº 51/06).
Exemplos de agências reguladoras no âmbito federal: ANEEL (Agência Nacional de
Energia Elétrica), ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANVISA
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
6.8. Consórcios públicos
Previstos na Lei 11.107/2005, os consórcios públicos são formados pela associação de
entes políticos, que se unem para criar uma pessoa jurídica, à qual será atribuída a
gestão de um serviço público de interesse comum das entidades consorciadas.
A pessoa jurídica formada pode ser de direito público – nesse caso, ganha a
denominação de associação pública, embora a doutrina afirme tratar-se apenas de uma
subespécie de autarquia. Também pode ser constituída com regime de direito privado,
sendo então uma empresa pública ou sociedade de economia mista.
O consórcio público inicia sua constituição por meio de um protocolo de intenções entre
os entes que pretendem se consorciar. Porém, não basta isso: é necessário que ao menos
dois dos entes políticos editem leis ratificadoras do protocolo, de maneira que o
contrato de consórcio seja efetivamente constituído.
Tendo personalidade própria, o consórcio público responde por suas obrigações, sendo
que os entes consorciados responderão subsidiariamente pelas obrigações do consórcio
apenas em caso de extinção ou insuficiência de patrimônio para responder pelas dívidas
contraídas – no que, aliás, não difere das demais entidades da Administração Indireta.
Um exemplo de consórcio público recentemente criado, na modalidade associação
pública, é a Autoridade Pública Olímpica, ratificado em âmbito federal pela Lei nº
12.396/2011.
´
6.9. Tutela da Administração Indireta
É importante frisar que as entidades da Administração Indireta não são subordinadas
hierarquicamente aos órgãos aos quais se vinculam. O vínculo tem o nome de tutela
ou supervisão e é uma forma de controle finalístico, ou seja, voltado para a verificação
dos resultados e do cumprimento das metas estabelecidas pelo ente político.
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As medidas de tutela são estabelecidas pelas leis que regem os entes da Administração
Indireta e pelas legislações instituidoras. As medidas mais comuns são:
Indicação e nomeação do dirigente ou designação dos representantes
governamentais nas Assembléias Gerais e órgãos de controle da entidade;
Aprovação da proposta orçamentária anual da entidade, no caso das pessoas
jurídicas de direito público;
Recebimento de relatórios, boletins e balancetes que permitam acompanhar o
cumprimento das metas da entidade;
Aprovação das contas, relatórios e balanços da entidade, diretamente ou através
de representantes em seus órgãos de administração e controle;
Fixação de limites de despesas com pessoal e administração da entidade;
Fiscalização da legalidade e dos seus atos e da economicidade dos seus gastos;
Aprovação de planos de trabalho;
Intervenção na entidade, por motivo de interesse público.
Atenção! Por não haver hierarquia ou subordinação, a decisão de um
dirigente de entidade da Administração Indireta não está sujeita a recurso para o
órgão ao qual ela se vincula, a menos que a lei expressamente preveja essa
hipótese. Havendo essa previsão, esse recurso costuma ser denominado recurso
hierárquico impróprio, justamente porque não existe hierarquia entre a
autoridade recorrida e a autoridade que apreciará o recurso.
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6.10. Quadro resumo do regime jurídico aplicável às entidades da Administração
Indireta
Autarquias e
Fundações de Dir.
Público
Fundações de Direito Privado Empresas públicas e
Sociedades de Economia
Mista
Regime jurídico
predominante
Direito público Direito privado Direito privado
Criação
Diretamente pela lei Autorizada pela lei Autorizada pela lei
Sujeição ao controle por
meio de tutela
Sim Sim Sim
Natureza jurídica de seus
bens
Bens públicos Bens privados Bens privados
Sujeição às normas de
direito financeiro e ao
Controle Externo
(Legislativo e Tribunal de
Contas)
Sim Sim Sim
Admissão de pessoal por
concurso público
Sim Sim Sim
Proibição de acumulação
de cargos pelos servidores
Sim Sim Sim
Sujeição ao princípio da
licitação
Sim Sim Sim Sim
Sujeição dos seus agentes
à Lei de Improbidade, à
Ação Popular e à Ação
Civil Pública
Sim Sim Sim
Sujeição ao Mandado de
Segurança
Sim Sim (quando manejar poderes
tipicamente estatais)
Sim (quando manejar poderes
tipicamente estatais)
Regime estatutário dos
Servidores
Facultativo (cabe à lei
definir)
Não Não
Imunidade Tributária Sim Sim (nos bens, rendas ou
serviços vinculados às
finalidades essenciais)
Não
Responsabilidade objetiva
estatal – art. 37, § 6º
Sim Apenas se prestar serviços
públicos
Apenas se prestar serviços
públicos
Responsabilidade
subsidiária do Estado
Sim Sim Sim
Prescrição qüinqüenal das
obrigações
Sim Sim Sim
Impenhorabilidade dos
bens
Sim Apenas dos bens afetados à
prestação de serviços públicos
Apenas dos bens afetados à
prestação de serviços públicos
Cobrança de dívidas por
precatório
Sim Não Não
Prerrogativas processuais
(arts. 188 e 475, do CPC)
Sim Não Não
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7. PROCESSO ADMINISTRATIVO
7.1. Definição e espécies
Definição: denomina-se processo administrativo a série de atos coordenados, voltados
para a tomada de uma decisão ou solução de uma controvérsia, no âmbito da
Administração pública.
Em nosso estudo, mencionaremos especialmente os princípios e dispositivos da Lei
9.784/99, que regula os processos administrativos no âmbito federal, cuja leitura
recomendamos.
No Direito Administrativo, são empregados diversos tipos de processo, visando a
variadas finalidades. A professora Odete Medauar propõe a classificação abaixo, útil
para entendermos a variedade dos processos administrativos:
Processos em que há controvérsia ou conflito de interesses:
Processos de gestão: licitações, concursos públicos etc.
Processos de outorga: licenciamento, autorização, registro de marcas etc.
Processos de verificação: verificação de contas, correição etc.
Processos de revisão: reclamações, petições, impugnações etc.
Processos em que há acusação:
Internos: processos disciplinares.
Externos: sanções aplicadas pelo poder de polícia.
7.2. Princípios do processo administrativo
A Lei 9.784/99 arrola, em seu art. 2º, diversos princípios e diretrizes acerca do processo
administrativo. Destacamos alguns dos princípios e diretrizes mais importantes,
contidos na referida lei ou mencionados pela doutrina:
Devido processo legal – constante do art. 5º, LIV, da CF, confere aos
administrados o direito de exigir da Administração a observância do
procedimento legal, quando a decisão a ser tomada afetar seus interesses.
Ampla defesa e contraditório – princípio garantido no art. 5º, LV da CF e no
art. 3º da Lei 9.784/99. O contraditório se revela na prerrogativa do interessado
de ser informado de todos os atos do procedimento e acompanhar a instrução
processual, podendo se manifestar sempre que for dada essa oportunidade à
parte adversa. A ampla defesa pressupõe a produção de todas as provas lícitas,
inclusive o arrolamento e inquirição de testemunhas e a apresentação de peças
de defesa, que devem obrigatoriamente ser apreciadas pela autoridade decisora.
Também pressupõe o direito de ter “vistas” do processo. Cabe citar algumas
normas da Lei 9.784/99 que buscam atender a esse princípio: art. 2º, VII, VIII,
X; 3º, II, III e IV; art. 26; art. 27; art. 28; art. 38; art. 39; art. 41; art. 44;
art. 46).
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Sobre a aplicação desses princípios no processo administrativo, o Supremo
Tribunal Federal editou as seguintes súmulas vinculantes:
Súmula Vinculante nº 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da
União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder
resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial
de aposentadoria, reforma e pensão.
Súmula Vinculante nº 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo
administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
Publicidade – ressalvada as hipóteses de proteção da intimidade e do interesse
social (art. 5º, LX da CF) e da segurança do Estado e da sociedade (art. 5º,
XXXIII) os processos administrativos são acessíveis a todos os cidadãos, por
força desse princípio, consagrado no art. 37, caput da CF e reforçado pelos
artigos 3º, V; 31 e 46 da Lei 9.784/99.
Impessoalidade – sendo que a lei exige a “objetividade no atendimento ao
interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades”. Por
essa razão, se estabelece situações de impedimento (art. 18) e suspeição do
servidor ou autoridade que atuarem no processo.
O impedimento ocorre em situações de envolvimento direto do agente, sendo
causa absoluta de nulidade do processo. O servidor deve se declarar impedido e
se não o fizer, estará incorrendo em falta grave. Está sob impedimento o agente
que: tenha interesse direto ou indireto na matéria do processo; tenha participado
ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais
situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o
terceiro grau; esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado
ou respectivo cônjuge ou companheiro.
A suspeição¸ que consiste em situação de amizade íntima ou inimizade notória
com algum dos interessados ou pessoas que lhe são próximas, deve ser alegada
pela parte interessada e não é causa absoluta de nulidade.
Motivação – a Lei 9.784/99 dedica um extenso artigo (art. 50) a esse princípio,
determinando que sejam necessariamente motivados os atos que
neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
decidam recursos administrativos;
decorram de reexame de ofício;
deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de
pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
Além disso, diz que a motivação deve ser “explícita, clara e congruente,
podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão
parte integrante do ato”.
Oficialidade – princípio que obriga a autoridade a impulsionar o processo,
ainda que não haja provocação do interessado. Diferentemente do processo
judicial, os processos administrativos nem sempre depende de solicitação do
interessado para ser instaurados, podendo ser iniciados de ofício. Tal impulso
oficial também existe na instrução, na decisão e na revisão da decisão – vide Lei
9.784/99: art. 2º, XII; art. 5º; art. 48 e art. 49.
Formalismo moderado (alguns autores se refere a informalismo) e economia
processual – o processo deve adotar formas simples e econômicas, menos
gravosas aos interessados e com concentração de meios para atingir os seus fins.
Cabe observar que processos em que há competição entre as partes (licitação,
concurso público) ou que há acusação (processos de polícia e disciplinares) o
formalismo é necessariamente maior. Também se permite a convalidação dos
erros sanáveis e o aproveitamento de atos já praticados, que não tenham vício,
em caso de anulação de ato processual. Vide sobre esses princípios, na Lei
9.784: art. 2º, VIII, IX; art. 7º; art. 8º; art. 22; art. 23, parágrafo único; art.
35; art. 55.
Celeridade – o processo deve ter uma duração razoável, suficiente para garantia
de segurança da parte. Para tanto, deve haver fixação de prazo máximo para a
produção dos atos do processo. Consagrado nos seguintes dispositivos da Lei
9.784/99: art. 24; art. 42; art. 43; art. 49; art. 59, § 1º.
Não onerosidade – o processo não deve ser oneroso para a parte. Se houver
acusação ou exercício de direitos de cidadania, é vedada a cobrança de taxas
para exercício da defesa ou direito de manifestação – vide na Lei 9.784/99: art.
2º, XI; art. 29, § 2º. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal editou a
seguinte súmula vinculante:
Súmula Vinculante nº 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou
arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso
administrativo.
Razoabilidade e segurança jurídica – a Lei 9.784/99 impõe que no processo
administrativo haja “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de
obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público” (art. 2º, VI) atendendo assim
ao princípio da razoabilidade. Também exige a “interpretação da norma
administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que
se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação” (art. 2º, XIII),
em reconhecimento ao princípio da segurança jurídica.
Participação popular – aplicável apenas nos processos de tomada de decisão
que afetem os direitos da coletividade – tais como as leis orçamentárias, planos
diretores, licenciamentos ambientais e estudos de impacto ambiental. Na Lei
9.784/99, esse princípio consta dos seguintes dispositivos: arts. 31, 32, 33 e 34.
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
7.3. Fases do processo
O processo administrativo compreende as seguintes fases:
Instauração – pode ser realizada de ofício ou por requerimento do interessado,
dependendo da finalidade a ser atingida pelo processo. O requerimento do
interessado deve ser por escrito, salvo nos casos em que se admitir solicitação
oral. Para atender à economia processual e ao formalismo moderado, a lei
prescreve o uso de modelos ou formulários padronizados e a admissão de
pedidos formulados de forma coletiva, quando houver identidade de pedidos e
fundamentos. Também proíbe à Administração a recusa imotivada de
recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao
suprimento de eventuais falhas.
Instrução – nos processos administrativos, a Administração deve buscar a
verdade material. Por essa razão, a autoridade pode se valer de qualquer prova
lícita, produzida por ela própria, pelos interessados e terceiros, para formar a sua
convicção. Isso permite a reformatio in pejus nos processos administrativos (art.
64, par. único da Lei 9.784/99) e a revisão a qualquer tempo da decisão, quando
sobrevierem novos fatos ou circunstâncias relevantes, desconhecidos à época da
decisão (art. 65 da Lei 9.784/99).
Embora a lei atribua ao interessado o ônus de produzir prova dos fatos que tenha
alegado (art. 36), estabelece que os atos devam ser realizados de forma menos
gravosa para este (art. 29, § 2º) e se os elementos de prova estejam de posse da
Administração, cabe a ela requisitá-los de ofício (art. 37). Somente podem ser
recusadas as provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
(art. 38, § 2º). O interessado deve ser comunicado de todos os atos decisórios ou
de produção de elementos probatórios, bem como dos atos que importem em
imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições do exercício de direitos (arts.
26 e 28). O não atendimento à intimação não importa em reconhecimento da
verdade dos fatos, nem a renúncia a direitos pelo interessado, que poderá
continuar se defendendo no processo (art. 27).
Depois de colhidas todos os elementos probatórios (documentos, pareceres,
diligências, perícias, testemunhos), é dado direito de manifestação ao interessado
(art. 45). Se o órgão instrutor não for competente para a tomada da decisão,
formulará relatório completo e justificado, propondo a decisão para a autoridade
competente (art. 47).
Decisão – a Administração tem o dever de decidir o processo em prazo
razoável (art. 48 e art. 49), sendo que pode declarar extinto o processo quando
exaurida sua finalidade ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou
prejudicado por fato superveniente (art. 52). A decisão deve ser motivada nos
casos já mencionados, previsto no art. 50. Se o processo for iniciado por
impulso do interessado, ele pode desistir total ou parcialmente do pedido ou
renunciar a direitos disponíveis, mas isso não obriga a Administração a extinguir
o processo, se houver interesse público que justifique o seu prosseguimento (art.
51).
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Recurso – a lei garante o direito de recurso da parte legítima (vide art. 58),
sendo estabelecida a pluralidade de instâncias (no máximo três), de maneira a
garantir a melhor decisão para o administrado. O recurso é dirigido à autoridade
que decidiu, que poderá rever sua decisão ou encaminhar à autoridade superior
(arts. 56 e 57). Esta poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso, em caso de
justo receio de dano irreparável, embora não esteja obrigada a isso (art. 61). O
recurso não será conhecido em caso de intempestividade, ilegitimidade do
recorrente, incompetência do órgão ao qual se recorreu ou se já esgotada a esfera
administrativa Em caso de direcionamento ao órgão errado, se prevê a devolução
do prazo de recurso. O não conhecimento do recurso não impede a revisão de
ofício do ato ilegal, desde que não tenha ocorrido preclusão administrativa (art.
63). A autoridade, ao apreciar o recurso, poderá confirmar, modificar, anular ou
revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua
competência (art. 64).
Cabe observar que por força do estabelecimento da Súmula Vinculante,
regulamentada pela Lei 11.417/2006, a autoridade que deixar de aplicar a
orientação contida em súmula vinculante deverá justificar essa decisão,
indicando por que razão o caso concreto não se enquadra nas hipóteses previstas
no verbete editado pelo STF (art. 56, § 3º e 64-A). Caso a parte ajuíze
reclamação ao STF pelo descumprimento da súmula vinculante e ela for
acolhida pelo Tribunal, a autoridade será intimada a rever sua decisão e adequar
as futuras decisões em casos semelhantes, sob pena de responsabilização (art.
64-B).
7.4. Coisa julgada administrativa
Não há propriamente coisa julgada no Direito Administrativo, visto que as decisões
administrativas sempre podem ser revistas no âmbito judicial, carecendo de
definitividade.
Porém, a doutrina utiliza essa expressão para se referir a irretratabilidade de decisões
da Administração, em situação em que ela está impedida de anular ou revogar ato que
tenha praticado.
A Lei 9.784/99 estabeleceu critério objetivo a respeito, aplicável à esfera federal, no que
tange à anulação de atos administrativos:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da
percepção do primeiro pagamento.
Também se fala em preclusão administrativa quando já esgotado o momento
adequado de produção do ato administrativo, no curso de um processo. Assim, a
autoridade que não reconsiderou sua decisão e encaminhou o recurso do interessado
para apreciação da autoridade superior, não pode mais alterar a sua própria decisão,
visto que ultrapassada a fase adequada para a produção desse ato.
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
Também é comum na esfera administrativa a existência de prazos decadenciais para o
exercício de um poder ou faculdade da Administração, como por exemplo, o prazo de 5
(cinco) anos para constituir o crédito tributário ou o prazo também de cinco anos para
promover a desapropriação de um bem declarado de utilidade pública.
Há ainda prazos chamados de prescricionais, por exemplo, os prazos para que a
administração possa exercer a pretensão de punir administrativamente um servidor
público (vide, por exemplo, art. 142 da Lei 8.112/90).
Por fim, cabe mencionar as situações consumadas ou exauridas, que já não podem
mais ser desfeitas, eventualmente sendo resolvidas por meio de indenizações. Assim, a
Administração não pode revogar ato de demolição que já foi executada; ou cassar
autorização para a prática de um ato, depois que esse já se realizou.
Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo
8. LICITAÇÕES
8.1. Definição
Iniciemos nosso estudo propondo a seguinte definição:
Definição: licitação é o procedimento competitivo, prévio, formal e necessário à
celebração de um contrato entre a Administração e um terceiro.
Analisemos a definição:
Trata-se de uma competição em que vários sujeitos – os licitantes – disputam a
celebração de um contrato com a Administração. Esta fixará as regras do
certame e critérios para escolha da melhor proposta.
O formalismo da licitação é típico dos procedimentos competitivos – os
concursos para acesso aos cargos públicos também têm essa característica. É que
todos os participantes têm direito de exigir que os demais cumpram estritamente
as regras da competição.
É um procedimento prévio e necessário, pois a própria Constituição obriga a
realização da licitação antes de qualquer contratação, ressalvadas as hipóteses
legais de dispensa ou inexigibilidade (art. 37, XXI).
8.2. Objetivos da licitação
Dois objetivos básicos são alcançados por meio da licitação:
Dar igual oportunidade a todos os que queiram negociar com a Administração
– o que prestigia o princípio da isonomia.
Escolher a proposta mais vantajosa para a Administração – o que prestigia o
princípio da indisponibilidade do interesse público.
8.3. Tratamento normativo
A obrigatoriedade de licitar é prevista pela própria Constituição Federal, nos seguintes
dispositivos:
Art. 37 (...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes...
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
Além disso, há as seguintes leis ordinárias que regulam o procedimento licitatório:
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Normas gerais de licitações e contratos: Lei 8.666/93
Lei específica sobre modalidade pregão: Lei 10.520/2002
Normas específicas para a concessão e permissão de serviços públicos: Lei
8.987/95
Há também outros diplomas que dão tratamento específico para determinados
setores e tipos de contrato, como a Lei de Telecomunicações (Lei 9.472/97) e a
Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004)
A obrigatoriedade de licitar se aplica a todas as entidades da Administração Direta e
Indireta e também as entidades controladas direta ou indiretamente pelo Poder
Público – visando aqui incluir as chamadas “subsidiárias” – ou seja, entidades criadas
pelos entes da Administração Indireta (p. ex. a Petrobrás Distribuidora é uma
subsidiária da Petrobrás, empresa pública federal).
8.4. Princípios
A licitação deve obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo (art. 3º da Lei
8.666/93)
A maior parte desses princípios já foi mencionada anteriormente. Vamos nos concentrar
naqueles princípios que são típicos desse instituto:
Princípio da vinculação ao instrumento convocatório: É através de um
instrumento – em geral conhecido como Edital de licitação – que a
Administração estabelece as regras dessa competição. Os licitantes e a própria
Administração são obrigados a respeitar essas regras, que não podem ser
substancialmente modificadas durante o “jogo” sem que se reinicie a “partida”.
Por isso se costuma dizer que “o Edital é a lei da licitação”.
Princípio do julgamento objetivo: decorrente do princípio da impessoalidade,
ele serve para dar efetiva igualdade aos licitantes, impedindo o uso de critérios
pessoais (simpatia, interesse, etc.). Por essa razão, a lei limita os tipos de critério
de julgamento que podem ser utilizados em uma licitação.
Princípio da adjudicação compulsória: Constante do art. 50 da Lei de
Licitações (Lei 8.666/93), esse princípio diz que a Administração não pode
celebrar o contrato sem observar a lista de classificação nem pode celebrá-lo
com terceiros que não participaram da licitação.
8.5. Dispensa e inexigibilidade de licitação
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Embora a regra seja a obrigatoriedade de se realizar o procedimento licitatório, existem
situações em que ela deixa de ser realizada. São as chamadas hipóteses de dispensa e de
inexigibilidade de licitação previstas na Lei 8.666/93.
Dispensa de licitação: se dá quando a lei reconhece que, em determinada situação
de fato, a realização da licitação é contrária ao interesse público. A lei traz um rol
taxativo de situações em que a licitação poderá ser dispensada, constante dos seguintes
artigos:
art. 17 – se refere aos contratos em que a Administração busca alienar ou ceder
o uso de seus bens.
art. 24, incisos I a XXX – aplicam-se aos demais contratos celebrados pela
Administração, em geral, quando a Administração está adquirindo algum bem
ou serviço.
As situações mais comuns referidas pela lei dizem respeito ao baixo valor da
contratação (incisos I e II), situações de guerra ou grave perturbação da ordem (III),
emergência ou calamidade pública (IV) e situação da licitação deserta, ou seja, em que
não houve o comparecimento de interessados e que haverá prejuízo em repeti-la (não se
confunde com a licitação fracassada, em que comparecem licitantes, mas todos são
inabilitados ou desclassificados) (V).
Inexigibilidade de licitação: são situações em que a lei reconhece a
impossibilidade de realizar a licitação, seja porque o objeto de que a Administração
precisa é único, singular; seja porque não há mais de um possível fornecedor desse
objeto. Esses casos estão previstos no art. 25 da Lei de Licitações:
aquisição de bens que somente possam ser disponibilizados à Administração por
um fornecedor exclusivo (inciso I); sendo que a lei estabelece como será feita a
prova dessa exclusividade.
contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou
empresas de notória especialização (inciso II); sendo que a lei abre exceção aos
serviços de publicidade e divulgação, cuja licitação é obrigatória.
contratação de artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião
pública (inciso III).
Essa relação é meramente exemplificativa. Em qualquer situação em que houver
inviabilidade da licitação, pela impossibilidade de se realizar a competição, poderá ser
invocado o art. 25
Para facilitar a compreensão das diferenças entre dispensa e inexigibilidade, observe a
seguinte tabela:
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DISPENSA INEXIGIBILIDADE
Art. 17 e 24 da Lei 8.666/93 Art. 25 da Lei 8.666/93
A licitação é inconveniente ou inoportuna
ao interesse público
A licitação é inviável, em razão da
impossibilidade de competição
Rol taxativo Rol exemplificativo
8.6. Critérios de julgamento ou “tipos de licitação”
Para atender ao princípio do julgamento objetivo, a lei preestabeleceu os critérios que
podem ser utilizados para o julgamento da licitação, isto é, para a escolha do vencedor
da competição, em seu art. 45. Observe o texto legal:
Art. 45. (...)
§ 1o Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na
modalidade concurso
I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa
para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a
proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor
preço;
II - a de melhor técnica;
III - a de técnica e preço;
IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão
de direito real de uso.
É importante observar que esses critérios são mutuamente excludentes. Ou seja, não
pode haver a combinação deles. A Administração deve escolher apenas um critério para
aquela licitação e manter-se fiel ao critério escolhido. Vamos entendê-los:
Critério de menor preço: tem por base a proposta comercial mais econômica
para a Administração. É o critério mais utilizado, pois a lei limitou bastante o
uso dos critérios que envolvem o exame da qualidade técnica – vide a propósito:
art. 45, § 4º e art. 46, caput e § 3º da Lei 8.666/93.
Critério de melhor técnica: ao contrário do que possa parecer, esse critério não
leva necessariamente a escolha da melhor proposta técnica. Ao usar desse
critério, a Administração fará duas listas de classificação: uma lista baseada no
menor preço e outra baseada na melhor técnica. A seguir, perguntará àquele que
ofereceu a melhor técnica se ele concorda com o menor preço praticado. Se ele
recusar, será perguntado ao segundo classificado no aspecto técnico e assim por
diante. Portanto, a proposta comercial tem mais peso, ao se adotar esse critério.
Critério de técnica e preço: a Administração fixará, no Edital, uma pontuação
referente à técnica e uma pontuação referente à proposta econômica. Poderá
inclusive dar um peso maior ao aspecto técnico, se considerá-lo mais importante
que o aspecto econômico. Ganhará a licitação aquele licitante que tiver a melhor
pontuação, dentro dos critérios estabelecidos no Edital.
Critério de maior lance ou oferta: Esse critério, como a própria lei já diz, se
aplica aos casos em que a Administração está alienando algum bem. Não há
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outro critério possível nesses casos que o de melhor preço oferecido pelo
licitante comprador.
Caso haja empate entre os licitantes, a lei estabelece como critérios de desempate a
preferência aos bens e serviços, em seu art. 3º: 1º) produzidos no País; 2º)produzidos ou
prestados por empresas brasileiras; e 3º) produzidos ou prestados por empresas que
invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País. Além disso, os
parágrafos desse artigo também possuem algumas normas de sentido protecionista, que
buscam dar preferência a produtos nacionais, recentemente inseridas pela Medida
Provisória 495/2010.
Se mesmo assim não for possível o desempate, o único método possível é o sorteio (art.
45, § 2º).
Mais recentemente, a Lei Complementar nº 123/2006, chamada Estatuto das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, estabeleceu um regime preferencial para
essas empresas, criando um empate ficto: às microempresas e empresas de pequeno
porte que oferecerem proposta até 10% superior à melhor classificada (ou 5%, tratando-
se da modalidade pregão) é oferecida a oportunidade de melhorar sua proposta e vencer
a licitação – vide arts. 44 e 45 da referida lei.
8.7. Modalidades de licitação
Modalidades são os diversos modelos de procedimentos, adequados às características
do objeto a ser licitado. As leis previstas na Lei 8.666/93 (art.22) são as seguintes:
Para aquisições:
- Concorrência
- Tomada de preço
- Convite
Para alienações: -Concorrência
- Leilão
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Há também modalidades que são utilizadas para fins específicos. Vejamos quais são:
Concurso: para escolha ou premiação de trabalho técnico, artístico ou científico;
Pregão: modalidade para aquisição de bens e serviços considerados comuns;
essa modalidade foi criada e é regulada por uma lei especial - Lei 10.520/2002.
Para escolha das modalidades, é necessário seguir o que dispõe a Lei de Licitações,
tendo em vista o objeto a ser licitado (alienações ou aquisições) e o valor do contrato. E
ainda há aquelas que são destinadas para finalidades específicas – o concurso e o
pregão.
Para se adquirir um bem, contratar um serviço, realizar uma obra ou uma reforma a
escolha da modalidade é baseada no valor da contratação. Observe a tabela abaixo,
baseada no art. 23 da Lei de Licitações:
MODALIDADE VALOR
Convite Para compras e serviços: até R$ 80.000,00
Para obras e serviços de engenharia: até
R$ 150.000,00
Tomada de Preços Para compras e serviços: até R$
650.000,00
Para obras e serviços de engenharia: até
R$ 1.500.000,00
Concorrência Para compras e serviços: acima de R$
650.000,00
Para obras e serviços de engenharia:
acima de R$ 1.500.000,00
É importante observar que quanto mais alto o valor da contratação, mais exigente e
complexo será o procedimento e maior estímulo haverá à competitividade. Essa
observação é importante, pois o administrador não pode burlar as modalidades
previstas em lei. Por exemplo: se a contratação for de uma obra de valor acima de um
milhão e meio, a Administração deve promover a concorrência. Se escolher a tomada de
preços ou o convite, a licitação será viciada, sujeita a anulação. Se, ao contrário, a
contratação for pequena, de valor que possibilitaria o uso da modalidade mais simples, a
lei permite que a Administração escolha a modalidade mais exigente – o que não
ocasiona prejuízo algum, podendo até ser uma cautela a mais.
No que tange à escolha das modalidades dedicadas à alienação de bens, o esquema
abaixo sintetiza as regras previstas nos arts. 17, § 6º, 19 e 23, §3º da Lei de Licitações:
MODALIDADE CIRCUNSTÂNCIA
Concorrência - Bens imóveis: é a regra geral
- Bens móveis: para o bem ou lote que
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superar R$ 650.000,00
Leilão - Bens imóveis: apenas os adquiridos em
procedimento judicial ou dados em
pagamento
- Bens móveis: para o bem ou lote de
valor inferior a R$ 650.000,00
Aqui, como podemos perceber a escolha não depende apenas do valor. No caso dos
bens imóveis, a regra geral é a concorrência, sendo a exceção aqueles bens imóveis que
são adquiridos geralmente no pagamento de dívidas, em que há o interesse em converter
rapidamente o imóvel em dinheiro. Tudo isso é tirado da combinação dos artigos 17, §
6º, 19 e 23, §3º da Lei de Licitações.
As modalidades especiais já mencionadas, o concurso e o pregão, são escolhidas em
circunstâncias bem específicas:
O concurso será escolhido quando o objeto for a escolha ou premiação de
trabalho técnico, artístico ou científico (art. 22, § 4º). É a única modalidade que
não necessariamente conduzirá à celebração de um contrato administrativo.
O pregão: é a modalidade indicada para aquisição de bens e serviços
considerados comuns, ou seja, “aqueles cujos padrões de desempenho e
qualidades possam ser objetivamente definidos no edital, por meio de
especificações usuais no mercado” (Lei 10.520/2002, art. 1º, § único). Veja
que não importa o valor da contratação: sendo considerado comum o objeto
sempre se poderá utilizar o pregão – que, aliás, vem se tornando a modalidade
mais utilizada atualmente.
8.8. Fases da licitação
O procedimento licitatório se compõe de diversas fases. Antes de iniciado o
procedimento licitatório propriamente dito, a Administração adota uma série de
procedimentos preparatórios, que são referidos geralmente como a fase interna da
licitação.
Ultrapassada essa fase interna, o procedimento licitatório, propriamente dito, se inicia,
percorrendo as seguintes fases:
1º. Edital
2º. Habilitação
3º. Julgamento
4º. Homologação
5º. Adjudicação
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8.8.1. Fase do edital
Chama-se edital o instrumento pelo qual a Administração fixa as regras e dá início à
competição. Na fase do edital, a Administração:
Divulga a abertura de processo licitatório
Fixa os requisitos de participação
Define o objeto e as condições básicas do contrato
Convida os interessados a apresentar propostas
O edital deve:
ser claro e completo (vide art. 40 da Lei 8.666/93)
ser objetivo (não direcionado a um destinatário ou a uma marca)
deve ser publicado de forma resumida (vide art. 21 da Lei 8.666/93 – exceção: a
modalidade convite, na qual é enviada uma carta, a chamada carta-convite, que
substitui o edital)
Caso haja algum vício do edital o mesmo poderá ser impugnado pelo interessado em
participar ou por qualquer cidadão (art. 41 da Lei 8.666/93 e art. 4º, incisos I e V da Lei
10.520/2002). Se houver necessidade de modificação do instrumento convocatório, que
altere as exigências originalmente previstas, deverá haver nova divulgação do
instrumento convocatório e reabertura dos prazos para os licitantes.
8.8.2. Fase da habilitação
A fase da habilitação também é chamada fase subjetiva, pois nela é examinada a
idoneidade do interessado em contratar com a Administração. Nessa fase se verifica a
documentação entregue pelo licitante na abertura da sessão de licitação, contendo
documentos referentes a:
habilitação jurídica
qualificação técnica
qualificação econômico-financeira
regularidade fiscal
O edital não pode fazer exigências absurdas, de documentos desnecessários ou
impertinentes, pois a própria Constituição diz que somente se permitem “as exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações” (CF/88, art. 37, inciso XXI).
Se o licitante não tiver cumprido as exigências para habilitação, ele será inabilitado e
não participará das fases seguintes da licitação. O licitante poderá recorrer da decisão
que o inabilitou e somente após a decisão desse recurso é que a licitação poderá
prosseguir.
Se todos os licitantes forem inabilitados, a Administração poderá fixar prazo para nova
apresentação de documentos, para assim economizar tempo e trabalho, evitando
reiniciar o procedimento (vide art. 48, §3º da L. 8.666/93).
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A fase da habilitação não é obrigatória em todas as licitações. No caso da
modalidade denominada tomada de preços, a análise da idoneidade dos licitantes se faz
previamente, através do cadastramento dos interessados. A lei permite também que a
habilitação seja dispensada nas modalidades convite, leilão e concurso e também no
fornecimento de bens para pronta entrega.
No pregão, há um detalhe curioso: ao contrário das outras modalidades, a habilitação se
faz no final do procedimento, depois de já julgadas as propostas e classificados os
licitantes.
8.8.3. Fase do julgamento
É nessa fase que se faz a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração,
dentre as apresentadas pelos licitantes em envelopes lacrados, por ocasião da abertura
da sessão da licitação. Há dois tipos de proposta que podem ser analisadas nesta fase:
a proposta comercial – na qual o licitante indicará o preço pelo qual pretende
oferecer o bem ou serviço a ser adquirido. Nas licitações para alienação de bens
da Administração, a proposta conterá a oferta do licitante para a aquisição do
bem a ser alienado.
a proposta técnica – na qual serão detalhadas as características técnicas do
produto ou serviço oferecido pelo licitante (aplicável somente nas licitações do
tipo melhor técnica e do tipo técnica e preço)
Somente serão abertos os envelopes com as propostas dos licitantes habilitados.
Costuma-se dizer que as propostas devem ser sérias, firmes, concretas e ajustadas ao
edital. Se elas não forem assim, serão desclassificadas pela autoridade ou comissão de
licitação – vide os artigos 44 e 48 da Lei 8.666/93, que descrevem as situações em que
as propostas não devem ser aceitas na licitação.
Se todas as propostas forem desclassificadas, será fixado prazo para nova
apresentação de propostas (art. 48, §3º da L. 8.666/93).
Havendo mais de uma proposta classificada, a autoridade ou comissão responsável,
baseando-se nos critérios de julgamento previstos no edital, estabelecerá uma ordem de
classificação e declarará vencedor da licitação o primeiro classificado. É com ele que a
Administração deverá celebrar o contrato – é o princípio da adjudicação compulsória,
já mencionado.
Também na fase do julgamento, como em todas as outras, caberá recurso por quem se
sentir prejudicado pela decisão tomada pelos responsáveis pela condução da licitação.
É importante ressaltar que o licitante ficará vinculado à sua proposta pelo prazo máximo
de sessenta dias contados da entrega dos envelopes ou da realização dos lances, se o
edital não fixar prazo menor (art. 64, § 3º da Lei 8.666/93).
8.8.4. Fase da homologação
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A homologação é a fase em que a comissão ou o agente que conduziu o procedimento
da licitação, apresenta à autoridade superior o resultado desse procedimento. Esta
verificará a regularidade do procedimento, podendo anulá-lo caso encontre algum vício
ou homologá-lo, caso esteja regular. Caso ocorra a anulação, esta não gera direito à
indenização para os licitantes – a não ser que ela ocorra num momento posterior, em
que o vencedor já esteja executando o contrato e não tenha sido responsável pelo vício.
Nessa circunstância, ele terá direito a ser ressarcido dos prejuízos decorrentes da
rescisão contratual.
Também é nesse momento que a autoridade deverá verificar se há necessidade de
revogar a licitação, o que somente será possível se houver uma razão de interesse
público causada por fato superveniente (art. 49 da Lei 8.666/93).
8.8.5. Fase da adjudicação
A adjudicação é a decisão da autoridade superior pela qual ela atribuiu o objeto da
licitação ao licitante vencedor. A ele fica garantida a preferência absoluta para firmar o
contrato disputado na licitação. A adjudicação é, portanto, o ato final do procedimento
licitatório.
8.9. O pregão
O pregão é hoje a mais utilizada modalidade licitatória, empregado em todos os entes
da Federação, visto que trouxe grande agilidade e economia nas aquisições da
Administração.
Ele possui algumas peculiaridades que o diferenciam das demais modalidades.
Vejamos:
ele se aplica aos bens e serviços considerados “comuns”
o procedimento é conduzido por uma autoridade, denominada pregoeiro
nele há inversão de fases: a habilitação é posterior ao julgamento das propostas.
o julgamento do pregão se desdobra em duas etapas: 1º) a entrega das propostas
escritas; 2º) a realização de lances verbais.
Essa última peculiaridade merece ser detalhada. Na primeira fase do julgamento, são
abertos os envelopes e promovida à classificação das propostas, como acontece nas
outras modalidades. Porém, uma vez feita essa classificação, os melhores classificados
são chamados a dar lances verbais, de maneira que o vencedor seja aquele que oferecer
o menor preço.
São chamados para essa etapa dos lances todos os licitantes classificados que tiverem
oferecido em suas propostas escritas preços até 10% maiores do que a melhor proposta
apresentada. Devem ser chamados no mínimo três participantes para essa segunda
etapa.
O resultado desse procedimento dividido em duas etapas é que há um aumento da
competitividade, resultando geralmente em economia para a contratante.
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8.10. O pregão eletrônico
O pregão eletrônico é um aperfeiçoamento mais recente do pregão. A lógica da
competição é a mesma e as diferenças em relação às demais modalidades de licitação
são aquelas já mencionadas.
O que diferencia o pregão eletrônico é o uso dos meios digitais, isto é, as propostas e os
lances são enviados pela Internet, em ambiente seguro.
Outra peculiaridade é que no pregão eletrônico não há a escolha das melhores propostas
classificadas para participação na etapa de lances, pois todos os classificados,
independentemente do valor inicialmente proposto, podem participar dar lances nessa
segunda etapa.
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9. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
9.1. Definição
A Administração possui contratos que fogem ao tratamento dado pelas normas do
direito privado, razão pela qual estudamos esse tema no Direito Administrativo,
chamando esses contratos de contratos administrativos.
Definição: Contrato administrativo é o ajuste entre a Administração Pública e o
particular, dotado de cláusulas que estabelecem prerrogativas à Administração, que
poderá, nos termos da lei, alterar unilateralmente a vigência e a prestação do objeto
contratual, garantidos os direitos patrimoniais do contratado.
Cabe esclarecer que nem todo contrato feito pela Administração é considerado
contrato administrativo, pois há contratos que são regidos predominantemente pelas
normas do direito comum, por exemplo, os contratos de seguro, de financiamento, de
locação em que o Poder Público seja locatário (vide art. 62, § 3º, I da Lei 8.666/93 –
Lei de Licitações e Contratos).
Basicamente, são características do típico contrato administrativo:
Uma das partes contratantes é a Administração Pública
O regime jurídico é de direito público, com prerrogativas especiais para a
Administração (cláusulas exorbitantes).
Ao contratante particular é garantido o equilíbrio econômico-financeiro do
contrato
9.2. Cláusulas exorbitantes
São chamadas de cláusulas exorbitantes as cláusulas do contrato administrativo que
dão à Administração poderes especiais de controle sobre a execução contratual,
podendo inclusive modificar unilateralmente o contrato.
Tais cláusulas em contratos de natureza privada seriam consideradas nulas (cláusulas
leoninas). Nos contratos administrativos, em vista da supremacia do interesse público,
elas são válidas, nos limites estabelecidos pela lei – vide o art. 58 da Lei 8.666/93:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei
confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de
interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79
desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis,
imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da
necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo
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contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
Uma cláusula exorbitante também constante da lei (art. 78) é a obrigação do
contratado de tolerar a mora da Administração por um determinado período – 90
dias de atraso nos pagamentos ou 120 de suspensão da execução contratual. Isso é bem
diferente do que ocorre na esfera privada, onde vige um princípio chamado de “exceção
do contrato não cumprido” (exceptio non adimpleti contractus), pelo qual uma parte
não pode exigir a prestação de outra, sem que cumpra a sua parte no contrato.
Como contrapartida dessas cláusulas exorbitantes, a Administração deve manter o
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, visto que, ao apresentar sua proposta, o
contratado tinha uma determinada expectativa econômica relativa à contratação. (Vide
art. 58, §§ 1º e 2º)
9.3. Constituição do vínculo contratual
9.3.1. Convocação do interessado
O vencedor da licitação é convocado para assinar o instrumento contratual, pelo prazo
fixado no edital, que pode ser prorrogado pela Administração. Se não comparecer ou
recusar-se a assinar o contrato, ele decai, isto é, perde o direito de celebrar o contrato
com a Administração e sofrerá as sanções previstas no edital e na lei, como a aplicação
de multa e de suspensão da participação em outras licitações (vide arts. 81 e 87 da Lei
n.º 8.666/93).
Nessa hipótese, a Administração pode chamar os demais colocados, conforme a ordem
de classificação, oferecendo a eles o contrato nas mesmas condições econômicas do
contrato que seria firmado com o primeiro colocado (vide art. 64, § 2º da Lei
8.666/93). Evidentemente, os demais classificados não são obrigados a aceitar essas
condições, que não foram objeto de suas propostas.
Observação importante: no caso do pregão, a lei que rege essa modalidade (Lei
10.520/2002) permite que, em caso de desistência ou não assinatura do contrato, sejam
convocados os demais classificados, na ordem de classificação, para contratar nos
termos de suas respectivas propostas. Nesse caso, deve-se considerar que eles estarão
obrigados a contratar, visto que foi mantida a oferta que fizeram por ocasião da
licitação.
9.3.2. Formalização do vínculo contratual
Os contratos administrativos devem ser feitos pela forma escrita, que é a que oferece
maior segurança para as partes e transparência para fins de controle da Administração.
A única exceção são as compras de pequeno valor e de pronta entrega, que podem ser
feitas de forma verbal (art. 60, parágrafo único da Lei 8.666/93).
No caso das contratações de valor mais elevado é obrigatório um termo de contrato,
isto é, um instrumento que reproduza todas as exigências que constaram do edital de
licitação. Nas contratações de menor valor e na compra de bens com entrega imediata
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que não gere obrigações de garantia e assistência técnica, a lei permite a substituição
por outras documentações escritas, porém menos formais, como a carta-contrato, a nota
de empenho, a autorização de compra ou a ordem de execução de serviço (vide art. 62
da Lei 8.666/93).
Seja qual for a forma do contrato, se ele foi precedido de uma licitação, o seu conteúdo
está duplamente vinculado:
vinculado ao edital da licitação
vinculado à proposta oferecida pela licitante-vencedor
Se não houver respeito às regras do edital e aos termos da proposta, por ocasião da
formalização do contrato, isso levará à nulidade do mesmo.
A lei também obriga a Administração a publicar de forma resumida o contrato e seus
posteriores aditamentos, devendo tal publicação ser providenciada até o quinto dia útil
do mês seguinte ao de sua assinatura, sendo que essa medida é condição necessária
para a eficácia da contratação.
9.4. Alteração unilateral dos contratos administrativos
A mutabilidade das cláusulas do contrato administrativo é um dos aspectos mais
típicos dessa figura e decorre da supremacia do interesse público. O contratado é
obrigado a aceitar essas alterações, nos termos do que dispõe a lei.
Há dois tipos de modificação, a qualitativa e a quantitativa:
TIPO DE
ALTERAÇÃO
UNILATERAL
PREVISÃO LEGAL JUSTIFICATIVA
Qualitativa Art. 65, I, alínea “a” Necessidade de modificação do
projeto ou das especificações para
melhor adequação técnica aos seus
objetivos. Ex.: a necessidade de
modificar o traçado de uma estrada,
para preservar um sítio arqueológico
cuja existência não era conhecida
quando da elaboração do projeto.
Quantitativa Art. 65, I, alínea “b” Necessidade de modificação do valor
contratual em decorrência de
acréscimo ou diminuição quantitativa
de seu objeto, nos limites permitidos
pela lei. Ex.: a necessidade de
adquirir um número maior de
carteiras para uma escola em que foi
superada a expectativa de matrículas.
No que tange à alteração quantitativa a lei estabelece limites claros:
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Para acréscimos no objeto contratual:
até 25% do valor do contrato em caso de obras, serviços e compras
até 50% do valor do contrato no caso de reforma de edifício ou equipamentos
Para diminuição do objeto contratual:
até 25% do valor do contrato em todos os casos
9.5. Revisão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato
A Lei 8.666/93 estabelece também situações em que é possível a alteração bilateral do
contrato administrativo, em seu art. 65, inciso II. Dentre essas possibilidades, nos
interessa especialmente a constante da alínea “d”:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas
justificativas, nos seguintes casos:
(...) II - por acordo das partes:
(...) d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os
encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da
obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-
financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou
previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da
execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do
príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Essa é a chamada revisão da equação econômico-financeira ou revisão do equilíbrio
econômico-financeiro, direito que diminui consideravelmente os riscos que o
contratado sofre na execução contratual. Trata-se, portanto de direito do contratado,
que se não reconhecido pela Administração pode ser objeto de pleito judicial.
Hipóteses que tornam necessária a revisão do equilibro econômico-financeiro do
contrato
Alteração unilateral do contrato: a alteração quantitativa ou qualitativa que gere
maiores encargos ao contratado obriga, obviamente, à revisão do valor a ser pago a ele;
Fato do príncipe: situação em que a atuação da Administração fora da relação
contratual acaba por interferir na economia do contrato. Por exemplo, quando a
Administração proíbe a importação de insumo necessário à execução contratual,
obrigando o contratado a buscar um produto mais caro que o substitua.
Teoria da imprevisão: “são fatos imprevisíveis ou, embora previsíveis, porém de
conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado”
(art. 65, II, “d” da Lei 8.666/93). Entre esses, estão:
a força maior e o caso fortuito, definidos como fatos necessários, cujos efeitos
não é possível evitar ou impedir (art. 393 do Código Civil). Ex.: uma enchente
que inunde o local onde está sendo realizada uma obra pelo contratado.
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a álea econômica extraordinária, que é o fato de natureza econômica
igualmente imprevisível e grave, que foge do risco ordinário, a que todo o
empresário está sujeito. Ex.: uma crise financeira que mude sensivelmente o
câmbio internacional, afetando os insumos importados necessários para
execução do contrato.
as sujeições imprevistas, que são obstáculos que não eram previstos e que são
contornáveis, mas que geram maior custo para a execução do contrato. Ex: a
existência de rocha não prospectada por ocasião da construção de um túnel.
Cabe observar a revisão do equilíbrio econômico-financeiro não é o mesmo que reajuste
periódico dos valores contratuais por índices de atualização monetária, geralmente
estabelecidos no próprio contrato e que não dependem de alteração contratual, sendo
automaticamente aplicados pela Administração na chamada “data-base” do contrato.
9.6. Rescisão do contrato administrativo
Segundo a Lei de Licitações (art. 79), a rescisão pode ser unilateral, amigável ou
judicial. A unilateral é sempre por iniciativa da Administração, pois só ela possui essa
prerrogativa (auto-executoriedade). O particular, para liberar-se de suas obrigações
contratuais precisa necessariamente ajuizar uma ação para esse fim.
As causas de rescisão, previstas no art. 78, podem ser assim classificadas:
Causas atribuíveis ao contratado:
não cumprimento ou o cumprimento irregular de cláusulas contratuais,
especificações, projetos ou prazos;
atraso ou paralisação sem justa causa da obra, serviço ou fornecimento;
a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;
a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
a transferência do contrato ou subcontratação irregular, bem como a alteração
societária vedada no contrato ou que possa prejudicar a execução contratual.
Nessas situações, a Administração está autorizada a rescindir unilateralmente o contrato
e aplicar sanções contra o contratado (art. 80 da Lei 8.666/93)
Causas atribuíveis à Administração:
razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento,
justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a
que está subordinado o contratante;
supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras,
acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido na
Lei de Licitações;
suspensão da execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior
a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave
perturbação da ordem interna ou guerra;
atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração
ao contratado, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem
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interna ou guerra
não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para
execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais;
Todas decorrem da decisão ou da omissão da Administração e, em todas elas, o
contratado é inocente e geralmente prejudicado pela atitude da contratante.
Causas alheias às partes
ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada,
impeditiva da execução do contrato.
Podemos observar que, tanto nas situações causadas pela Administração, quanto nas
decorrentes de eventos alheios às partes – o caso fortuito e a coisa maior – o contratado
está inocente, isto é, ele não teve culpa na rescisão desse contrato.
Por essa razão, a lei estabelece direitos para o contratado, quando a rescisão não se
deve à sua atitude:
ressarcimento dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido
devolução de garantia;
pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;
pagamento do custo da desmobilização.
9.7. Anulação do contrato
A anulação é a sua extinção em decorrência de um vício insanável na sua formação – p.
ex., por alguma irregularidade ocorrida na licitação. Ela pode se dar por decisão da
Administração ou por decisão judicial. Ao contrário da rescisão, a anulação opera
retroativamente, desconstituindo os efeitos jurídicos que o contrato já produziu (art. 59
da Lei 8.666/93). O contratado que de boa fé, assinou o contrato e já cumpriu suas
obrigações contratuais é protegido: ele tem direito a ser indenizado por tudo o que ele
executou até a data da anulação, além de outros prejuízos que ele venha a comprovar em
decorrência da situação.
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