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Descrição Fenomenológica do Ato de Conhecer de acordo com Hartmann 1. O Conhecimento é uma relação entre S (sujeito) cognoscente (aquele que conhece) e O (objeto) cognoscido (o que é conhecido) e cognoscível (o que não é conhecido mas poderá vir a sê-lo); 2. A relação entre SO é uma correlação, ou seja, os dois termos não podem ser separados e suas funções trocadas pois um condiciona o outro de formas diferentes; 3. Esta relação não é reversível pois a função de S é apreender e a do O é ser apreendido, ou seja, S e O não são intermutáveis; 4. Assim, este fenómeno pode ser descrito como uma saída do sujeito para fora de si (S sai de si) e consequente incursão na esfera do objeto (S está fora de si) , apreendendo as determinações do objeto e, seguidamente, introduzi-las na sua própria esfera (S volta a si). 5. o sujeito não pode captar o objeto sem sair de si, já que a oposição entre S e O permanece indestrutível na união que o Conhecimento estabelece entre eles. A apreensão do O só pode ser finalizada quando S volta a entrar em si. 6. Apreender o objeto não significa fazê-lo entrar no sujeito, mas sim reproduzir neste as determinações do objeto numa construção mental (“imagem”) idêntica ao objeto. O objeto não é modificado pelo sujeito, mas no sujeito nasce a consciência do objeto, com o seu conteúdo, a sua imagem, logo, passa a conhecer o mesmo. Tipos de Conhecimento Conhecimento por contacto (Ex.: “João conhece a cidade de Londres.”) – é necessário contacto direto com o objeto para o conhecer, ou seja, é um conhecimento a posteriori, logo, empírico; Conhecimento proposicional ou saber-que (Ex.: “Marco sabe que Beethoven é compositor.”) – tanto pode ser verdadeiro como falso, mas é um tipo de conhecimento racional, de cultura- geral, em que não é preciso contacto direto com o objeto para apreendê-lo, ou seja, é a priori, logo, empírico; Conhecimento de habilidades ou saber-fazer (Ex.: “Bárbara sabe andar de bicicleta.”) – trata-se de adquirir certa competência ou capacidade. Assim, também se trata de um conhecimento a posteriori pois implica contacto com o objeto. a prioiri Algo que é independente da experiência, sendo, por isso, apenas proveniente da razão a posteriori = empírico Tudo o que depende da experiência sensorial ou experiência de vida. Definição clássica/tradicional/tripartida do Conhecimento como Crença Verdadeira e Justificada (Teoria CVJ) Platão, no Teeteto, apresenta a definição de Conhecimento: A crença é uma condição necessária para o Conhecimento, ou o Conhecimento implica uma crença (opinião = doxa); No entanto, a crença não é uma condição suficiente para o Conhecimento; Saber e acreditar são coisas distintas;

Filosofia - Ato de conhecer, Descartes, Ceticismo, CVJ

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Descartes, Platão, Ceticismo, Céticos, CVJ, tipos de conhecimento, etc.

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Page 1: Filosofia - Ato de conhecer, Descartes, Ceticismo, CVJ

Descrição Fenomenológica do Ato de Conhecer de acordo com Hartmann

1. O Conhecimento é uma relação entre S (sujeito) cognoscente (aquele que conhece) e O (objeto)

cognoscido (o que é conhecido) e cognoscível (o que não é conhecido mas poderá vir a sê-lo);

2. A relação entre SO é uma correlação, ou seja, os dois termos não podem ser separados e suas

funções trocadas pois um condiciona o outro de formas diferentes;

3. Esta relação não é reversível pois a função de S é apreender e a do O é ser apreendido, ou seja, S

e O não são intermutáveis;

4. Assim, este fenómeno pode ser descrito como uma saída do sujeito para fora de si (S sai de si) e

consequente incursão na esfera do objeto (S está fora de si) , apreendendo as determinações do

objeto e, seguidamente, introduzi-las na sua própria esfera (S volta a si).

5. o sujeito não pode captar o objeto sem sair de si, já que a oposição entre S e O permanece

indestrutível na união que o Conhecimento estabelece entre eles. A apreensão do O só pode ser

finalizada quando S volta a entrar em si.

6. Apreender o objeto não significa fazê-lo entrar no sujeito, mas sim reproduzir neste as

determinações do objeto numa construção mental (“imagem”) idêntica ao objeto. O objeto não

é modificado pelo sujeito, mas no sujeito nasce a consciência do objeto, com o seu conteúdo, a

sua imagem, logo, passa a conhecer o mesmo.

Tipos de Conhecimento

Conhecimento por contacto (Ex.: “João conhece a cidade de Londres.”) – é necessário contacto

direto com o objeto para o conhecer, ou seja, é um conhecimento a posteriori, logo, empírico;

Conhecimento proposicional ou saber-que (Ex.: “Marco sabe que Beethoven é compositor.”) –

tanto pode ser verdadeiro como falso, mas é um tipo de conhecimento racional, de cultura-

geral, em que não é preciso contacto direto com o objeto para apreendê-lo, ou seja, é a priori,

logo, empírico;

Conhecimento de habilidades ou saber-fazer (Ex.: “Bárbara sabe andar de bicicleta.”) – trata-se

de adquirir certa competência ou capacidade. Assim, também se trata de um conhecimento a

posteriori pois implica contacto com o objeto.

a prioiri Algo que é independente da experiência, sendo, por isso, apenas proveniente da razão

a posteriori = empírico Tudo o que depende da experiência sensorial ou experiência de vida.

Definição clássica/tradicional/tripartida do Conhecimento como Crença Verdadeira e Justificada

(Teoria CVJ) Platão, no Teeteto, apresenta a definição de Conhecimento:

A crença é uma condição necessária para o Conhecimento, ou o Conhecimento implica uma

crença (opinião = doxa);

No entanto, a crença não é uma condição suficiente para o Conhecimento;

Saber e acreditar são coisas distintas;

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O Conhecimento é factivo (algo em que se procura exclusivamente a verdade), ou seja, não se

pode encontrar falsidades, falso Conhecimento;

A verdade é também uma condição necessária para o Conhecimento;

No entanto, o facto de uma crença ser verdadeira não é necessário para ser considerada

Conhecimento;

A justificação é também necessária para haver Conhecimento; só podemos conhecer se tivermos

boas provas ou razões que justifiquem a sua veracidade.

Assim, uma Crença Verdadeira Justificada com boas razões = Conhecimento.

Crítica à teoria CVJ

E. Gettier vai apresentar muitos contra-exemplos questionando a definição clássica do

Conhecimento como CVJ. Segundo ele, a crença verdadeira e justificada não é suficiente para o

Conhecimento porque podemos ter crenças falíveis justificadas. Exemplo disso é quando alguém

passa por um relógio todos os dias às 9 horas e, por isso, confia nesse relógio para lhe indicar se está

dentro do horário. No entanto, imagine-se que em um dos dias o relógio parou mas mesmo assim,

quando a pessoa passa por ele indica 9 horas e a pessoa confia. Essa é uma crença falível mas

justificada. Outro exemplo será o do dia indicado no jornal, ou de vermos ovelhas numa quinta ao

longe mas afinal eram uma matilha de cães brancos que pareciam ovelhas.

Assim, tanto os céticos como Descartes vão abordar o Problema da Possibilidade do Conhecimento

(“Será que é possível conhecer?”). No entanto, como veremos, Descartes quer chegar além de

provar que o Conhecimento existe (contrariando os céticos), ao querer encontrar resposta à

pergunta: “Como podemos garantir que o nosso Conhecimento é seguro?”)

Teoria do Ceticismo (Sexto Empírico e Pirro, mas a argumentação dada é do primeiro)

Tese: O Ceticismo é a posição que defende que o Conhecimento não é possível;

Argumentos: Se há Conhecimento, as nossas crenças estão justificadas. Mas as nossas crenças

não estão justificadas. logo, não há Conhecimento.

Assim, Sexto Empírico criou Modos Conducentes à Suspensão do Juízo para justificar a sua tese:

Ilusões e Erros Percetivos (a posteriori);

Divergência de Opiniões (a posteriori);

Regressão Infinita (a priori) – o único modo de tentar justificar uma crença é recorrendo

a outras crenças, ou seja, vão destruindo as nossas crenças ao destruírem as que lhes

deram origem e sempre assim consecutivamente, num círculo infinito. Como as nossas

crenças são sempre inferidas de outras, não existe uma justificação para qualquer uma

delas, logo, não existem Crenças Verdadeiras e Justificadas = Conhecimento;

Objeção: o facto de serem auto-refutáveis pois ao defenderem que o Conhecimento não é

possível estão a reconhecer que é possível saber que o Conhecimento é impossível. Ou seja,

afirmam que não existe conhecimento ao criarem uma ideia dogmática de que ele não existe,

contradizendo-se a eles próprios.

René Descartes, filósofo e geómetra do séc. XVII, vai tentar provar aos céticos que o conhecimento é

possível, seguro e fiável ao mostrar que o argumento da regressão infinita é falso, procurando

provar que existem crenças-base que sustentam o Conhecimento, logo, que nem todos as crenças

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são justificadas por outras. Assim, este vai aplicar um método em que submete todas as nossas

crenças à dúvida para tentar chegar a princípios (Crenças Verdadeiras e Justificadas) básicos

(autojustificadas, que se justificam a elas mesmas) tão indubitáveis e inquestionáveis que serão

sólidas o suficiente para servirem de fundamento a todo o Conhecimento.

Este método que Descartes usa para distinguir crenças verdadeiras das falsas chama-se o Método da

Dúvida Cartesiana e compreende três características:

dúvida metódica – obedece a um método preciso em que ele aprova as crenças sobre as quais

não tem qualquer dúvida e põe de parte aquelas sobre as quais tiver a menor das dúvidas;

dúvida hiperbólica – é exagerada mas não como os céticos, pois Descartes usa a dúvida

constante como forma de chegar à verdade e à aquisição do seguro e verdadeiro conhecimento,

enquanto que os céticos duvidavam com o objetivo de destruir todo o conhecimento;

dúvida sistemática – examina cuidadosamente todas as possíveis fontes de erro.

Percurso/Itinerário Cartesiano

Descartes põe em dúvida todas os princípios fundamentais das diferentes áreas do Conhecimento e

neste procedimento apercebe-se de que a única certeza que tinha era que duvidava e que, ao

duvidar, ele estava a pensar. Assim, através deste método, Descartes encontra a primeira crença

fundacional, a primeira verdade indubitável, inquestionável e autojustificada – o cogito, a crença

“penso, logo, existo”.

“Cogito Ergo Sum” – Penso logo, existo.

Hipótese do Génio Maligno

Após Descartes chegar à verdade indubitável de “eu penso, logo, existo”, pensa que apesar de todos

pensarmos, muitas pessoas têm pensamentos ou ideias erradas. Não ficando, por isso, satisfeito,

submete o cogito ao seu método da dúvida. Assim, Descartes faz uma experiência mental/faz uma

suposição/propõe uma hipótese em que se pergunta se será possível que os nossos pensamentos

estejam errados. Este imagina um génio maligno que nos engana sistematicamente e nos coloca

crenças falsas na cabeça sem nos apercebermos. Esta experiência vem, por isso, reforçar a ideia do

cogito, pois mesmo que existisse um génio a influenciar os nossos pensamentos erradamente, o

certo é que pensamentos temos, logo pensamos (logo existimos), mesmo que esses pensamentos

sejam errados.

Utilidade do Método da Dúvida Cartesiana

a) Permite que o espírito descubra uma verdade indubitável;

b) Liberta a razão da dependência em relação à autoridade religiosa e independência em relação ao

Conhecimento pelos sentidos.

Regras do Método da Dúvida Cartesiana

1. Evidência = intuição racional (a priori) – as crenças básicas (ideias claras e distintas) apenas

necessitam desta fase do método para serem entendidas, ou seja, são algo tão intuitivo e

natural que são imediatamente aceites;

2. Análise;

Dúvida Cogito

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3. Síntese;

4. Enumeração ou Revisão

Critério de Verdade e Certeza – Depois de descobrir a crença fundacional do cogito, Descartes

pergunta-se que característica torna o cogito indubitável e verifica que é o facto de esta ser uma

ideia clara e distinta. Ao encontrar uma crença tão básica, racional, evidente e indubitável que tem

necessidade de qualquer outra que a justifique, o cogito (preciso de existir para pensar, logo, se

pensar, existo), contraria o argumento da regressão infinita dos céticos.